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SOARES, MAGDA - LINGUAGEM E ESCOLA- Uma perspectiva social

A proposta do livro é analisar as relações entre a linguagem e a escola com


o objetivo de compreender os problemas educacionais das camadas populares do
Brasil.
A partir de dados estatísticos a autora afirma que a escola brasileira é
destinada quase que exclusivamente para o povo (camadas populares), porém ela
não está preparada para atendê-lo, antes discrimina-o, fato este comprovado
pelos altos índices de evasão e repetência.
Uma das principais causas do fracasso dos alunos pertencentes a estas
camadas é a utilização da linguagem, já que estes são obrigados a usar padrões
das classes mais elevadas.
A prática pedagógica e, particularmente o ensino da língua materna tem
sido dissociado das determinações sociais e sociolingüísticas.

O fracasso da /na escola

O discurso baseado nos ideais democrático-liberais em favor da educação


popular é tão antigo quanto ineficiente. A democratização do ensino ora toma
uma direção quantitativa, ora qualitativa. Apesar do discurso, não existem escolas
para todos e a que existe parece destinada contra o povo que para o povo.
A autora se pergunta então por que isto acontece e responde com três
explicações.
1. A ideologia do dom. Segundo esta explicação , as causas do sucesso ou
do fracasso escolar devem ser buscadas nas características dos indivíduos. Estas
diferenças são legitimadas pela Psicologia. O aluno que fracassa é portador de
desvantagens intelectuais. Neste caso, a função da escola é a de adaptar os
alunos à sociedade.
No entanto, sabe-se que as diferenças naturais não ocorrem somente entre
indivíduos, mas entre grupos de indivíduos.

2. A ideologia da deficiência cultural. Aqui, acredita-se que as diferenças


sociais têm sua origem em diferenças de aptidão de inteligência: justificam-se as
desigualdades utilizando a crença que o indivíduo ocupa uma posição na
hierarquia social de acordo com suas características pessoais.
Para esta versão a escola tem um caráter compensatório e a crítica que se
faz é que as desigualdades sociais é que são responsáveis pelas diferenças de
rendimento dos alunos na escola.

3. A ideologia das diferenças culturais. Justifica-se esta teoria segundo a


qual falta cultura ao povo. No entanto, a Antropologia e a Sociologia afirmam que
não há povo sem cultura. O conceito de deficiência cultural existe nas sociedades
onde imperam os padrões culturais dos grupos dominantes. Esta é uma atitude
etnocêntrica. De acordo com esta linha, a escola transforma diferenças em
deficiências.
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A linguagem é o principal produto da cultura e é o principal instrumento para


sua transmissão. O confronto ou comparação entre culturas é um confronto ou
comparação entre os usos da língua numa ou noutra cultura.

A linguagem é também o fator de maior relevância nas explicações do


fracasso escolar das camadas populares.

Deficiência lingüística

A ideologia da deficiência nasceu na década de sessenta nos EUA, por


conta da enorme desigualdade social que lá existia.

A Psicologia justificava as desigualdades através da teoria da deficiência


cultural. Outros países da Europa e América Latina incorporaram a teoria, assim
como o Brasil. Expressões como carência afetiva, falta de desenvolvimento
psicomotor, incapacidade de discriminação visual e auditiva, vocabulário pobre,
erros de linguagem, baixo nível intelectual, comportamento social inadequado e
entre todas estas carências, destaca-se o “déficit” lingüístico.

O déficit lingüístico está relacionado com a capacidade intelectual da


criança. O pressuposto é que às habilidades lingüísticas correspondam
habilidades cognitivas.

Para Vygotsky e Luria o desenvolvimento do pensamento e do raciocínio


decorre do desenvolvimento da linguagem. Já, para Piaget, o desenvolvimento da
linguagem é que decorre do desenvolvimento cognitivo.

A conclusão a que chega a hipótese do déficit lingüístico é que as


deficiências lingüísticas da criança desfavorecida são também cognitivas, porque
a pobreza de sua linguagem inadequada como veículo do pensamento lógico e
seu formal, é obstáculo ao seu desenvolvimento cognitivo. Suas dificuldades
decorrem das deficiências lingüísticas e cognitivas.

Basil Bernstein, sociólogo inglês, é considerado um dos responsáveis pela


teoria da deficiência lingüística. Embora seu pensamento tenha se alterado
profundamente ao longo de sua produção intelectual , foi mal compreendido.Nos
seus primeiros trabalhos (de 1958 a 1973) ele produziu textos desenvolvendo
esta teoria. No entanto, após 1973, seu trabalho se reorientou para uma sociologia
do conhecimento transmitido através da educação formal, para o estudo das
relações entre educação e o modo de produção em sociedades capitalistas e para
a análise dos processos de reprodução cultural, através, sobretudo, da educação.

A teoria de Bernstein dos anos sessenta afirma a existência de diferentes


tipos de linguagem, determinados pela origem social e propõe uma relação causal
entre a classe social a que pertence a criança, sua linguagem e seu rendimento
escolar.
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Baseado nas idéias de Sapir e Whorf, ele fundamenta sua tese: a língua é
considerada reflexo da cultura e determinante das formas de pensamento. Porém,
não acredita que língua, cultura e pensamento se relacionam sem a mediação da
estrutura social. É a estrutura social que gera os diferentes códigos lingüísticos
que transmitem a cultura e assim determinam comportamentos e modos de ver e
pensar. A tese de Bernstein é circular: o código lingüístico não apenas reflete a
estrutura das relações sociais, mas também a regula.

Segundo o sociólogo, numa sociedade dividida em classes, pode-se


identificar a existência de duas variedades lingüísticas, dois códigos: o código
elaborado e código restrito. Para esclarecer estes conceitos ele parte do princípio
que há dois tipos básicos de famílias: as famílias centradas na posição que seus
componentes ocupam e as famílias centradas na pessoa. Nas primeiras, a
diferenciação entre os membros baseia-se em definições claras e precisas do
status de cada um (pai, mãe, avô, filho, neto).Neste tipo de família predomina o
código restrito. Nas famílias centradas na pessoa, a diferenciação entre os
membros baseia-se nas características pessoais de cada um. Nelas predomina o
código elaborado. Embora ambos os tipos de família sejam encontrados tanto na
classe média quanto na classe trabalhadora, Bernstein afirma que famílias
centradas na posição são típicas das classes trabalhadoras e que portanto a
socialização da criança é desenvolvida utilizando-se quase que exclusivamente o
código restrito. Já as crianças da classe média receberiam ambos os códigos.

Bernstein caracteriza os dois códigos baseando-se nos aspectos lexicais e


morfossintáticos.

Para ele, o uso dos códigos elaborado ou restrito significa o acesso a


formas de pensamento qualitativamente diferentes, mas , além disso e, sobretudo
a posse ou não da capacidade de adequar a linguagem ao contexto.

O código elaborado permite que a linguagem utilizada tenha a capacidade


de exprimir o significado do texto , que o significado do texto fique explicitado para
todos que tenham acesso a tal texto. Por isso ele diz que o código elaborado tem
significados universalistas.

Significado particularista tem o código restrito, pois o significado só é


compreendido por aqueles que participaram do contexto.

A partir dessa teoria, Bernstein deu suporte para o desenvolvimento da


educação compensatória.

O ideário liberal – da igualdade de oportunidades – das sociedades


capitalistas é ameaçado pela evasão e repetência das crianças das camadas
populares na escola. Para que isso fosse evitado, foi proposta uma linha
educacional que compensasse as deficiências geras pela “privação cultural”de seu
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meio familiar e social. Esta teoria oculta a verdadeira causa da discriminação e a
desigual distribuição da riqueza numa sociedade capitalista.

No Brasil, a educação compensatória chegou atrasada vinte anos em


relação aos EUA e fracassou primeiro porque não se discutiram seus
pressupostos e segundo porque não se questionou a estrutura social responsável
pelas discriminações sociais e finalmente porque se atribui o fracasso
responsabilizando-se a sociedade a estrutura discriminatória.A justificativa é que
a escola não tem poder de compensar as desigualdades sociais que estão fora
dela e que têm origem no antagonismo das relações sociais e econômicas , dos
quais não pode fugir. A única saída para esta linha é produzir cidadãos e
trabalhadores que se adaptam à hierarquia das diferentes classes sociais.

Diferença não é deficiência

Para a antropologia e para a sociologia não existem línguas ou variedades


lingüísticas superiores ou inferiores, melhores ou piores.Os sociolingüistas
acreditam que a língua sofre a visão que do mundo têm os que a falam e que
exerce influência sobre o meio físico e o contexto cultural. Eles acreditam nas
diferenças lingüísticas e não nas deficiências.

Labov foi pesquisador das relações entre linguagem e classe social e das
variedades do inglês não padrão utilizadas por diferentes grupos étnicos nos EUA.
Percebeu que a teoria das deficiências lingüísticas era um mito, pois as crianças
dos guetos recebiam muita estimulação verbal, atuavam numa cultura verbal muito
intensa e as pesquisas mostravam o fracasso dessas crianças porque eram
experimentos controlados em ambientes diferentes daqueles em que viviam. Para
este autor, a situação social é o mais poderoso determinante do comportamento
verbal.

Qual a solução então?

Para a teoria da deficiência lingüística existem conflitos estruturais e


funcionais entre o dialeto -padrão e os não-padrão, daí a necessidade de erradicá-
los.

Para a teoria das diferenças lingüísticas há apenas um conflito funcional


entre os dialetos; eles têm o mesmo valor, mas só um é aceito, portanto os
falantes ficam sem alternativa.

A postura mais amplamente adotada na perspectiva das diferenças dialetais


é o bidialetalismo: falantes de dialetos não-padrão devem aprender o dialeto-
padrão para utilizá-lo nas situações em que é requerido. As causas da
marginalidade não são postas em questão.

Bordieu, é um sociólogo francês, tem apontado as relações entre a língua e


as condições sociais de sua utilização nas situações de interação verbal. Para ele,
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as condições sociais concretas de instauração da comunicação são primordiais.
Ele reintroduz o mundo social na ciência da linguagem, afirmando que uma
relação de comunicação lingüística é uma relação de força simbólica. Explica que
assim como existem bens materiais, o conhecimento e a informação são bens
simbólicos. Ele dirige seu foco de análise para as relações de força materiais e
simbólicas que determinam e condicionam o uso da língua, com o objetivo de
mostrar que a estrutura das relações de produção lingüística depende da posição
dos interlocutores que por sua vez refletem as relações de força materiais que
estruturam a sociedade.

A unificação do mercado dos bens simbólicos transforma em capital cultural


e lingüístico a cultura e a linguagem desses grupos dominantes e à escola cabe
levar estes bens simbólicos às camadas populares. Partindo do pressuposto que
as crianças conhecem estes bens, a escola propõe apenas refletir sobre este bem
cultural (dialeto-padrão) e fracassa.

Esta tese é chamada teoria do capital lingüístico rentável, pois utiliza toda a
terminologia e conceitos econômicos: apregoa que não há solução educacional
para o fracasso escolar e que este só será eliminado quando as discriminações e
desigualdades sociais e econômicas forem eliminadas.

O que a escola pode fazer?

Cada teoria aponta um caminho.

A teoria da deficiência lingüística e a teoria das diferenças lingüísticas


identificam-se: ambas atribuem à escola a função de adaptar o aluno à sociedade,
aceita tal como ela é e considerada como essencialmente justa. Já a teoria do
capital lingüístico escolarmente rentável denuncia que embora a promoção da
igualdade social seja tarefa atribuída à escola, o que ocorre é a preservação das
discriminações sociais.

A autora afirma que semelhanças ocorrem entre a teoria das diferenças


lingüísticas e a teoria do capital lingüístico escolarmente rentável que se opõem à
teoria da deficiência lingüística.Ambas são descritivas , embora a primeira tenha
como base a análise da própria linguagem e a segunda, as relações materiais e
simbólicas.

A teoria da deficiência lingüística diverge das outras por assumir um caráter


prescritivo.

Duas respostas antagônicas têm sido dadas diante da questão sobre o que
a escola deve fazer.A primeira é que a sociedade é harmoniosa e justa e que os
desvios devem ser corrigidos, então a escola é redentora. Quando a escola é
vista como instrumento de preservação dos desvios e das distorções é chamada
de impotente.
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A escola que a autora propõe é comprometida com a luta contra as
desigualdades e luta para garantir às camadas populares a aquisição de
conhecimentos e habilidades que as instrumentalizem para a participação no
processo de transformação social.

Neste sentido, o domínio do dialeto de prestígio é fundamental e deve ser


acrescentado ao dialeto de classe, que não deve ser rejeitado.

O bidialetalismo tem a função de instrumentalizar o aluno para que adquira


condições de participação na luta contra as desigualdades e não para adaptá-lo. É
um bidialetalismo para a transformação. Uma escola transformadora.

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