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O QUE É ANTROPOLOGIA?
“É apenas natureza humana.” “As pessoas ções a vela, nas águas do Atlântico. Entre o
são praticamente as mesmas em todo o povo Betsileu de Madagascar, trabalhei em
mundo.” Esse tipo de opinião, que ouvimos campos de arroz e participei de cerimônias
em conversas, nos meios de comunicação nas quais entrei em túmulos para reembal-
de massa e em muitas cenas na vida cotidia- samar corpos de ancestrais em decompo
na, promove a ideia equivocada de que as sição.
pessoas de outros países têm os mesmos de- No entanto, a antropologia é muito
sejos, sentimentos, valores e aspirações que mais do que o estudo dos povos não indus-
nós. Essas afirmações proclamam que, trializados. É uma ciência comparativa que
como são em essência as mesmas, as pes analisa todas as sociedades, antigas e mo-
soas estão ávidas por receber ideias, crenças, dernas, simples e complexas. A maioria das
valores, instituições, práticas e produtos de outras ciências sociais tende a se concentrar
uma cultura norte-americana que se disse- em uma única sociedade, em geral nações
mina em todas as partes do globo terrestre. industrializadas, como os Estados Unidos
Muitas vezes, esse pressuposto acaba se re- ou o Canadá. A antropologia oferece uma
velando equivocado. perspectiva intercultural única, comparan-
A antropologia oferece uma visão do constantemente os costumes de uma so-
mais ampla – uma perspectiva comparativa ciedade com os das outras.
diferenciada e intercultural. A maioria das Para ser antropólogo cultural, costu-
pessoas pensa que os antropólogos estudam ma-se fazer etnografia (o estudo em primei-
as sociedades não industriais, e eles o fazem. ra mão e pessoal de contextos locais). O tra-
Minha pesquisa me levou a aldeias remotas balho de campo etnográfico geralmente
no Brasil e em Madagascar, uma grande ilha implica passar um ano ou mais em outra
na costa sudeste da África. No Brasil, nave- sociedade, vivendo com a população local e
guei com pescadores em simples embarca- aprendendo sobre seu modo de vida.
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Não importa o quanto descubra sobre gia, que é o estudo da espécie humana e
essa sociedade, o etnógrafo continuará sendo seus ancestrais imediatos. A antropologia é
estrangeiro naquele contexto. Essa experiên- uma ciência exclusivamente comparativa e
cia de estranhamento tem um impacto pro- holística. O holismo se refere ao estudo de
fundo. Tendo aprendido a respeitar outros toda a condição humana: passado, presente
costumes e crenças, os antropólogos nunca e futuro, biologia, sociedade, língua e cul
podem se esquecer de que existe um mundo tura.
mais amplo. Existem outros modos normais As pessoas compartilham a sociedade
de pensar e agir que diferem dos nossos. – vida organizada em grupos – com outros
animais, incluindo babuínos, lobos, toupei-
ras e até formigas, mas a cultura é mais es-
ADAPTABILIDADE HUMANA pecificamente humana. As culturas são tra-
dições e costumes transmitidos pela apren-
Os antropólogos estudam os seres humanos dizagem que formam e orientam as crenças
em locais e momentos em que os encon- e o comportamento das pessoas expostas a
tram – em um café turco, um túmulo da eles. As crianças aprendem uma tradição ao
Mesopotâmia ou em um shopping center crescer em uma determinada sociedade,
nos Estados Unidos. A antropologia é a pes- por meio de um processo chamado de en-
quisa da diversidade humana no tempo e culturação. As tradições culturais incluem
no espaço, estudando o conjunto da condi- costumes e opiniões desenvolvidos ao longo
ção humana: passado, presente e futuro, de gerações, que dizem respeito a compor-
biologia, sociedade, língua e cultura. De tamentos adequados e inadequados. Essas
particular interesse é a diversidade que se dá tradições respondem a perguntas do tipo:
por meio da adaptabilidade humana. Como as coisas devem ser feitas? Como po-
Os seres humanos estão entre os demos entender o mundo? Como podemos
animais mais adaptáveis do mundo. Nos distinguir o certo do errado? O que é certo
Andes, na América do Sul, as pessoas acor- e o que é errado? Uma cultura produz um
dam em aldeias cerca de 5.000 m acima do grau de coerência de comportamento e de
nível do mar e sobem caminhando mais pensamento entre as pessoas que vivem em
500 m para trabalhar em minas de estanho. uma determinada sociedade.
Tribos no deserto australiano cultuam ani- O elemento mais fundamental das
mais e discutem filosofia. As pessoas sobre- tradições culturais é sua transmissão pela
vivem à malária nos trópicos. Os homens aprendizagem e não por meio de herança
caminharam na Lua. A miniatura da nave biológica. A cultura, em si, não é biológica,
estelar Enterprise, na Smithsonian Institu- mas se baseia em certas características da
tion de Washington, simboliza o desejo de biologia humana. Há mais de um milhão de
“buscar uma nova vida e novas civilizações, anos, os seres humanos têm pelo menos al-
de ir audaciosamente onde ninguém jamais gumas das capacidades biológicas das quais
esteve”. Os desejos de conhecer o desconhe- depende a cultura: aprender, pensar de
cido, controlar o incontrolável e criar or modo simbólico, usar a linguagem e empre-
dem a partir do caos encontram expressão gar ferramentas e outros produtos para or-
entre todos os povos. A criatividade, a adap- ganizar suas vidas e se adaptar aos seus am-
tabilidade e a flexibilidade são atributos bientes.
humanos básicos, e a diversidade humana é A antropologia enfrenta grandes ques-
o tema da antropologia. tões da existência humana e reflete sobre
Os estudantes muitas vezes se sur elas ao explorar a diversidade biológica e
preendem com a amplitude da antropolo- cultural humana no tempo e no espaço.
Um espelho para a humanidade 29
Examinando ossos e ferramentas antigas, ções culturais. A Tabela 1.1 resume os recur-
desvendam-se os mistérios das origens hu- sos culturais e biológicos usados para adap-
manas. tação a grandes altitudes.
Quando foi que nossos antepassados Os terrenos montanhosos apresentam
se separaram daqueles remotos tios-avôs desafios específicos, associados a altitude ele-
cujos descendentes são os símios? Onde e vada e privação de oxigênio. Considere qua-
quando teve origem o Homo sapiens? Como tro maneiras (uma cultural e três biológicas)
a nossa espécie mudou? O que somos agora com as quais os seres humanos podem lidar
e para onde estamos indo? De que forma as com a baixa pressão de oxigênio na altitude
mudanças na cultura e na sociedade in- elevada. Para ilustrar a adaptação cultural
fluenciaram a mudança biológica? Nosso (tecnológica), pensemos em uma cabine
gênero, o Homo, vem mudando há mais de pressurizada de avião equipada com másca-
2 milhões de anos. Os seres humanos conti- ras de oxigênio. Existem três maneiras de se
nuam se adaptando e mudando, biológica e adaptar biologicamente à altitude: adapta-
culturalmente. ção genética, adaptação fisiológica de longo
prazo e adaptação fisiológica de curto prazo.
Primeiro, populações nativas de áreas de alti-
Adaptação, variação e mudança tude elevada, como os Andes, no Peru, e os
Himalaias, no Tibete e no Nepal, parecem ter
A adaptação diz respeito aos processos pelos adquirido certas vantagens genéticas para
quais os organismos lidam com forças e ten- viver nesse ambiente. É provável que a ten-
sões ambientais, como as que são apresenta- dência andina de desenvolver peito e pul-
das pelo clima e pela topografia, ou os terre- mões volumosos tenha base genética. Em se-
nos, também chamados de acidentes geográ- gundo lugar, independentemente dos seus
ficos. De que modo os organismos mudam genes, as pessoas que crescem em uma altitu-
para se ajustar a seus ambientes, como cli- de elevada se tornam fisiologicamente mais
mas secos ou altitudes elevadas nas monta- eficientes naqueles lugares do que pessoas
nhas? Assim como outros animais, os seres geneticamente semelhantes que cresceram
humanos usam recursos biológicos de adap- ao nível do mar, ilustrando adaptação fisio-
tação, mas são os únicos a também ter solu- lógica de longo prazo durante o crescimento
ETNOGRAFIA ETNOLOGIA
Exige trabalho de campo para coletar dados Utiliza os dados coletados por
uma série de pesquisadores
Muitas vezes descritiva Normalmente sintética
Específica de um grupo ou comunidade Comparativa/intercultural
Um espelho para a humanidade 35
Uma equipe de arqueólogos trabalha em Harappa, onde esteve uma antiga civilização do Vale
do Indo, que remonta a aproximadamente 4.800 anos.
sugerem que uma antiga sociedade tinha Embora sejam mais conhecidos pelo
uma estrutura de autoridade capaz de mo- estudo da pré-história, isto é, o período
bilizar o trabalho necessário para construir anterior à invenção da escrita, os arqueó-
esses monumentos. A presença ou a ausên- logos também estudam as culturas dos
cia de determinadas estruturas, como as pi- povos históricos e até mesmo dos que ainda
râmides do Egito e do México antigos, reve- vivem (ver Sabloff, 2008). Estudando na-
la diferenças de funções entre os assenta- vios afundados na costa da Flórida, arqueó-
mentos. Por exemplo, algumas cidades logos subaquáticos foram capazes de verifi-
eram lugares a que as pessoas iam para as- car as condições de vida nos navios que
sistir a cerimônias, outras eram locais de se- trouxeram ancestrais afro-americanos para
pultamento e outras, ainda, comunidades o Novo Mundo, na condição de pessoas es-
agrícolas. cravizadas. Em um projeto de pesquisa que
Os arqueólogos também reconstroem iniciou em 1973, em Tucson, Arizona, o ar-
os padrões de comportamento e estilos de queólogo William Rathje aprendeu sobre a
vida do passado fazendo escavações, ou vida contemporânea com o estudo do lixo
seja, cavando uma sucessão de níveis em moderno. O valor da “lixologia” (garbolo-
um sítio. Em uma determinada área, ao gy), como Rathje a chama, é que ela fornece
longo do tempo, os assentamentos podem “evidências do que as pessoas faziam, e não
mudar de forma e propósito, assim como as do que elas acham que faziam, do que
conexões entre eles. As escavações podem acham que deveriam ter feito ou do que o
documentar alterações em atividades eco- entrevistador acha que elas deveriam ter
nômicas, sociais e políticas. feito” (Harrison, Rathje e Hughes, 1994, p.
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108). O que as pessoas informam pode ser 4. Plasticidade biológica humana (capaci-
muito diferente do seu comportamento dade do corpo para mudar ao enfrentar
real, como revelado pela lixologia. Por estresse, como calor, frio e altitude).
exemplo, o lixólogos descobriram que os 5. A biologia, a evolução, o comporta-
três bairros de Tucson que relataram o mento e a vida social de macacos, sí-
menor consumo de cerveja tinham, na ver- mios e outros primatas não humanos.
dade, o maior número de latas de cerveja
descartadas por domicílio (Podolefsky e Esses interesses ligam a antropologia
Brown, 1992, p. 100)! A lixologia de Rathje física a outros campos: biologia, zoologia,
também mostrou ideias equivocadas sobre geologia, anatomia, fisiologia, medicina e
a quantidade de diferentes tipos de lixo que saúde pública. A osteologia – o estudo dos
está em aterros sanitários: embora a maio- ossos – ajuda os paleoantropólogos, que
ria das pessoas considerasse as embalagens examinam crânios, dentes e ossos, a identi-
de fast-food e as fraldas descartáveis como ficar os ancestrais humanos e acompanhar
os grandes problemas em termos de lixo, na as mudanças na anatomia ao longo do
verdade, elas eram relativamente insignifi- tempo. O paleontólogo é um cientista que
cantes em comparação com o papel, in- estuda os fósseis. Um paleoantropólogo é
cluindo o papel reciclável, que não seria uma espécie de paleontólogo que estuda o
prejudicial ao meio ambiente (Rathje e registro fóssil da evolução humana. Os pa-
Murphy, 2001). leoantropólogos muitas vezes trabalham
em conjunto com os arqueólogos, que estu-
dam artefatos, na reconstrução de aspectos
Antropologia biológica ou física biológicos e culturais da evolução humana.
É comum serem encontrados fósseis e fer-
O tema da antropologia biológica, ou físi- ramentas juntos. Diferentes tipos de ferra-
ca, é a diversidade biológica humana no mentas fornecem informações sobre os há-
tempo e no espaço. O foco na variação bio- bitos, os costumes e o estilo de vida dos hu-
lógica une cinco interesses especiais na an- manos ancestrais que as usavam.
tropologia biológica: Mais de um século atrás, Charles Dar
win percebeu que a variedade que existe em
1. Evolução humana segundo a revela o toda a população permite que alguns indi-
registro fóssil (paleoantropologia). víduos (com características privilegiadas)
2. Genética humana. se saiam melhor do que outros na sobrevi-
3. Crescimento e desenvolvimento hu- vência e na reprodução. A genética, que se
manos. desenvolveu mais tarde, ajuda a esclarecer
Pensemos em qualquer um dos quatro filmes de Indiana Jones, dirigidos por Steven Spielberg. Os arqueó
logos costumam se queixar de que esses filmes distorcem a percepção pública de seu campo de trabalho,
retratando-os como saqueadores gananciosos, aventureiros, amorais e não científicos. De que forma India-
na Jones influenciou sua opinião sobre a arqueologia, se é que houve alguma influência? Falando em ter-
mos mais gerais, as imagens dos arqueólogos na mídia fazem você ter uma opinião melhor ou pior do
campo da arqueologia?
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conecta a muitas outras disciplinas. Técni- dial, tem uma ligação particularmente ínti-
cas usadas para datar fósseis e artefatos che- ma com a antropologia. Também está ligada
garam à antropologia vindas da física, da ao folclore, o estudo sistemático de histó-
química e da geologia. Como os restos de rias, mitos e lendas de diversas culturas. Po-
plantas e animais são encontrados muitas de-se argumentar que a antropologia está
vezes com ossos humanos e artefatos, os an- entre os mais humanistas de todos os cam-
tropólogos colaboram com botânicos, zoó- pos acadêmicos por causa de seu respeito
logos e paleontólogos. fundamental à diversidade humana. Os an-
Como é uma disciplina ao mesmo tropólogos ouvem, registram e representam
tempo científica e humanista, a antropolo- as vozes de uma enorme quantidade de na-
gia tem ligações com muitas outras áreas ções e culturas. A antropologia valoriza o
acadêmicas. É uma ciência – um “campo de conhecimento local, visões de mundo dife-
estudo ou corpo de conhecimento sistemá- rentes e distintas filosofias. A antropologia
tico que visa, por meio de experimentação, cultural e a antropologia linguística, em
observação e dedução, produzir explicações particular, trazem uma perspectiva compa-
confiáveis de fenômenos, com referência no rada e não elitista sobre formas de expres-
mundo material e físico” (Webster’s New são criativa, incluindo língua, arte, narrati-
World Encyclopedia, 1993, p. 937). vas, música e dança, vistas em seu contexto
Os capítulos seguintes apresentam a social e cultural.
antropologia como uma ciência humanista
dedicada a descobrir, descrever, compreen-
der e explicar semelhanças e diferenças no ANTROPOLOGIA APLICADA
tempo e no espaço entre os seres humanos e
nossos antepassados. Clyde Kluckhohn A antropologia não é uma ciência do exóti-
(1944) descreveu a antropologia como “a co realizada por estudiosos excêntricos em
ciência das semelhanças e diferenças huma- torres de marfim; ela tem muito a dizer ao
nas” (p. 9). Sua declaração sobre a necessi- público. A principal organização de profis-
dade desse campo ainda permanece: “A an- sionais da antropologia, a American An-
tropologia fornece uma base científica para thropological Association (AAA), assumiu
lidar com o dilema crucial do mundo de formalmente um papel de serviço público
hoje: como povos de aparência diferente, ao reconhecer que a área tem duas dimen-
línguas ininteligíveis entre si e formas dife- sões:
rentes de vida podem conviver pacifica-
mente?” (p. 9). A antropologia elaborou um 1. antropologia acadêmica ou geral e
impressionante corpo de conhecimento 2. antropologia aplicada ou profissional.
que este livro tenta sintetizar.
Além de suas ligações com as ciências Esta última se refere à aplicação de
naturais (p. ex., geologia, zoologia) e as dados, perspectivas, teoria e métodos antro-
ciências sociais (p. ex., sociologia, psicolo- pológicos para identificar, avaliar e resolver
gia), a antropologia também tem fortes li- problemas sociais contemporâneos. Como
gações com as humanidades, que incluem afirma Erve Chambers (1987, p. 309), a an-
inglês, literatura comparada, temas clássi- tropologia aplicada é o “campo de pesquisa
cos, folclore, filosofia e artes. Essas áreas es- que trata das relações entre o conhecimento
tudam idiomas, textos, filosofias, artes, mú- antropológico e os usos desse conhecimento
sica, atuações e outras formas de expressão no mundo para além da antropologia”. Cada
criativa. A etnomusicologia, que estuda as vez mais antropólogos dos quatro subcam-
formas de expressão musical em nível mun- pos trabalham nessas áreas “aplicadas”, como
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ANTROPOLOGIA HOJE
Filho de antropóloga é eleito presidente
(continua)
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ANTROPOLOGIA HOJE
Filho de antropóloga é eleito presidente (continuação)
“Ela era uma grande pensadora”, disse Nancy Barry, ex-presidente do Banco Mundial das
Mulheres, uma rede internacional de fornecedores de microfinanças na qual Soetoro trabalhou em
Nova York no início da década de 1990.
Em uma aula de russo na Universidade do Havaí, Ann Duham conheceu o primeiro aluno afri-
cano da faculdade, Barack Obama. Eles se casaram e tiveram um filho em agosto de 1961, uma
época em que o casamento inter-racial era raro nos Estados Unidos.
O casamento durou pouco. Em 1963, Obama partiu para Harvard, deixando a esposa e o filho. Ela
então se casou com o estudante indonésio Lolo Soetoro. Quando ele foi chamado a seu país, em 1966,
após a agitação em torno da ascensão de Suharto, Stanley Ann e Barack foram junto com ele.
Seu segundo casamento também acabou, na década de 1970. Stanley Ann queria trabalhar,
disse um amigo, e seu marido queria mais filhos. Ele ia se tornando mais norte-americano, ela disse
uma vez, enquanto ela se tornava mais javanesa. “Existe uma crença javanesa de que, se você
estiver casado com alguém e não funcionar, a situação vai deixá-la doente”, disse Alice G. Dewey,
antropóloga e amiga. “É simplesmente uma idiotice permanecer casada.”
Em 1974, Stanley Ann estava de volta a Honolulu, fazendo pós-graduação e criando Barack e
Maya, nove anos mais nova. Quando ela decidiu retornar à Indonésia, três anos mais tarde, para
fazer seu trabalho de campo, Barack decidiu não ir.
Fluente em indonésio, Stanley Ann mudou-se com Maya primeiro para Yogyakarta, o centro do
artesanato javanês. Tendo sido tecelã na faculdade, ela ficou fascinada com o que Soetoro-Ng
chama de “as deslumbrantes minúcias da vida”. Esse interesse inspirou seu estudo sobre indústrias
de aldeia, que se tornou a base da sua tese de doutorado em 1992.
“Ela adorava morar em Java”, disse a Dra. Dewey, que se lembra de acompanhar Stanley Ann
até uma aldeia onde se trabalhava com metal. “As pessoas diziam: ‘Oi, tudo bom?’. E ela dizia:
‘Como vai a sua esposa? A sua filha ganhou nenê?’. Eles eram amigos. Aí ela pegava o caderno e
dizia: ‘Quantos de vocês têm energia elétrica? Você está tendo problemas para conseguir ferro?’”.
Ela se tornou consultora da Agência dos Estados Unidos para Desenvolvimento Internacional
na criação de um programa de crédito em aldeias e, em seguida, responsável de programas da
Fundação Ford em Jacarta, especializada em trabalho de mulheres. Mais tarde, foi consultora no
Paquistão e, em seguida, trabalhou no banco mais antigo da Indonésia, naquilo que é descrito
como um programa mundial de microfinanças sustentáveis, criando serviços como crédito e pou-
pança para os pobres.
Os visitantes sempre frequentavam o escritório dela na Fundação Ford, no centro de Jacarta,
e sua casa em um bairro ao sul, onde mamoeiros e bananeiras cresciam no jardim e eram servidos
pratos javaneses no jantar. Os seus convidados eram líderes do movimento indonésio de direitos
humanos, gente de organizações de mulheres, representantes de grupos comunitários que faziam
desenvolvimento de base.
Soetoro-Ng se lembra de conversas com a mãe sobre filosofia ou política, livros, motivos eso-
téricos em trabalhos indonésios em madeira.
“Ela nos deu um entendimento muito amplo do mundo”, disse sua filha. “Ela detestava a into-
lerância e estava muito determinada a ser lembrada por uma vida de serviço e achava que servir
era de fato a verdadeira medida de uma vida”. Muitos de seus amigos veem seu legado em Obama
– na autoconfiança e motivação que ele demonstra, em sua disposição para ir além dos limites e
até mesmo seu conforto aparente com mulheres fortes.
Ela morreu em novembro de 1995, quando Obama estava começando sua primeira campanha
para um cargo público. Depois de uma cerimônia fúnebre na Universidade do Havaí, disse um
amigo, um pequeno grupo de amigos partiu de carro para o litoral sul, em Oahu. Com o vento
arremessando as ondas sobre as pedras, Obama e Soetoro-Ng colocaram as cinzas de sua mãe no
Pacífico, enviando-as na direção da Indonésia.
Fonte: Janny Scott, “A free-spirited wanderer who set obama’s path”, New York Times, 13 de março de 2008.
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