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Biletramento e educação bilíngue: tendências e reflexões

Me. Alessandra de Bona Dini


Colégio Sinodal – São Leopoldo

Resumo

Este artigo, uma revisão de literatura sobre as tendências atuais no


desenvolvimento de biletramento e educação bilíngüe, examina pesquisas
publicadas, dedicadas a explorar os pontos fortes da alfabetização na língua
materna, e o potencial dessas crianças para se tornarem bilíngues e biletrados.
O foco deste estudo está na pesquisa concentrada em crianças em idade
escolar, que estão desenvolvendo a alfabetização em duas línguas, ou que se
tornaram alfabetizadas na língua materna antes de iniciar um programa bilíngue.
Percebe-se, contudo, que tal tema mereça maior aprofundamento, por ser esta
uma questão incipiente.

Palavras-chave: alfabetização bilíngue; biletramento; ensino bilíngue

Abstract

This article, a review of current literature trends in the development of bi-


literacy and bilingual education, reviews published researches devoted to
exploring the highlights of literacy in the L1 and the potential of these children to
become bilingual and biliterate. This review aims at the research focusing on
school-age children, who are developing literacy in two languages, that is, linked
to L1 literacy before starting a bilingual program. However, this topic deserves
further study, as this is an incipient issue.

Keywords: bilingual literacy; biletramento; bilingual education

Este artigo apresenta uma revisão bibliográfica da pesquisa sobre o


desenvolvimento do biletramento em crianças em idade escolar, e examina as
tendências atuais da educação bilíngue. Embora mais pesquisas sejam
necessárias, o desenvolvimento do biletramento tem a promessa de iniciar e
sustentar verdadeiramente o bilinguismo aditivo 1em escolas. Existem duas
razões pelas quais a alfabetização pode ser diferente para o ensino bilíngue e
crianças monolíngues. A primeira é que os bilíngues desenvolvem várias
habilidades básicas para a alfabetização de maneira diferente das monolíngües;
o segundo é que bilíngües podem ter a oportunidade de transferir as habilidades
adquiridas para leitura em um idioma para ler no outro. Em ambos os casos, a
relação entre a escrita sistemas nas duas línguas determina a semelhança nas
habilidades cognitivas necessário para a leitura, e também pode determinar até
que ponto o bilinguismo afeta a aquisição de alfabetização.
O número de pesquisas sobre alfabetização e desenvolvimento de alfabetização
bilíngües continua a crescer. Enquanto algumas investigações recentes se
baseiam em pesquisas anteriores, vários estudos exploram abordagens
inovadoras. As publicações revisadas vão desde grandes estudos longitudinais,
até estudos qualitativos envolvendo um pequeno número de alunos de inglês.
Tem-se, como principal questão norteadora deste estudo, o questionamento
sobre se o processo de alfabetização e letramento na língua materna estimula a
alfabetização em segunda língua.

Quanto à premissa de que a alfabetização na língua materna estimula a


alfabetização em segunda língua, vários estudos basearam sua análise na
discussão de Krashen sobre os três principais papéis que a leitura tem na
melhoria da linguagem para os alunos de inglês. Krashen (2005) indica que “a
leitura na língua materna é de grande ajuda na promoção da alfabetização em
segunda língua”. Ele também salienta que “a leitura livre na segunda língua
contribui fortemente para o desenvolvimento avançado da segunda língua”, e
conclui que “a leitura livre na língua materna parece contribuir fortemente para o
desenvolvimento contínuo do patrimônio da língua” (pp. 66-67). A língua materna
é um recurso valioso para o aprendizado dos alunos de inglês quanto à
alfabetização na língua inglesa, como demonstrado por vários estudos de
pesquisa. Quando os alunos de inglês já adquiriram habilidades de leitura e
escrita em sua primeira língua (L1), eles possuem uma gama de recursos

1
Tipo de bilinguismo que se caracteriza pela aquisição de duas línguas socialmente reconhecidas
como úteis e prestigiadas. Situação oposta à do bilinguismo com subalternização. A distinção entre
estes dois tipos de bilinguismo foi introduzida por Lambert (1977).
lingüísticos, culturais e acadêmicos, que devem dar suporte ao aprendizado de
uma segunda língua – bem como o processo letramento – (Krashen, 2005;
Cummins, 2005),chegando, assim, à conclusão de que a alfabetização na
primeira língua está correlacionada ao desenvolvimento da alfabetização em
inglês, afirmando que “há evidências claras de que aproveitar a alfabetização em
primeira língua pode conferir vantagens aos aprendizes da língua
inglesa”(August & Shanahan, 2006, p. 5).

Sendo assim,os professores, tanto do ensino regular, quanto de


programas bilíngues, precisam estar cientes de que as habilidades de leitura são
transferidas entre os idiomas. Ao abordar o processo de biletramento de forma
holística, o professor pode aferir a evolução da escrita e leitura dos alunos, em
ambas as língua, de maneira global, ao invés de avaliá-los somente do ponto de
vista do déficit, esquecendo que “esses alunos chegam com riqueza de
experiências de vida, incluindo o pensamento adequado à idade, ricamente
expresso na língua primária ”(Thomas & Collier, 1999, p. 46). Modificando,
então, as percepções dos professores sobre o biletramento, os efeitos positivos
do desenvolvimento contínuo de dois idiomas passa a ser mais pontualmente
observado. Krashen (1997) afirma que, quando os alunos de inglês recebem
educação de qualidade em L1, eles estão recebendo conhecimento de conteúdo
e habilidades de alfabetização, que são transferidas para a L2. “O conhecimento
que as crianças recebem pela primeira língua ajuda a tornar o inglês que eles
ouvem e leem mais compreensível. A alfabetização desenvolvida na língua
materna transfere-se para a segunda língua”(Krashen, 1997, p. 2). Outros
pesquisadores chegaram a conclusões semelhantes. Collier e Thomas (2007)
apontam que, para alunos de inglês nas séries iniciais, os ganhos linguísticos na
primeira língua transferidos para a segunda língua, e o conhecimento de
conteúdo adquirido através da língua materna, tornam-se uma base de
conhecimento, que servirá como apoio ao desenvolvimento acadêmico na L2.
Também salientam que “quando a escolaridade é oferecida em L1 e L2, ambas
as línguas são o veículo para um desenvolvimento acadêmico e cognitivo forte”
(p. 341). Cummins (2005) afirma que existem “muitas possibilidades para a
exploração interlinguística”, e indica que “as origens latinas ou gregas do
vocabulário acadêmico em inglês também significam que há muitos cognatos
entre esse vocabulário e o vocabulário do espanhol e outras línguas latinas
”(p.24). Cummins refere-se a Coxhead (2000), que recomendou o estudo de
prefixos, sufixos e radicais para o aprendizado de vocabulário acadêmico, uma
vez que mais de 82% das palavras acadêmicas usadas em inglês vêm do grego
ou do latim (p.24). Desse modo, o repertório acadêmico de palavras que os
alunos já devem conhecer e reconhecer é uma fonte importante para expandir
seu conhecimento de conteúdo no processo de aprendizagem de inglês – daí a
importância de auxiliar os alunos a fazer conexões línguísticas no âmbito lexical.

Cummins (2001) concorda com as vantagens do bilinguismo, afirmando:


“O bilinguismo tem efeitos positivos no desenvolvimento lingüístico e
educacional das crianças” (p. 17). A proficiência na língua materna é
determinante no desenvolvimento de habilidades de alfabetização em um novo
idioma, desenvolvendo a proficiência acadêmica em inglês, tornando-os, assim,
bilíngües e biletrados (Hopewell & Escamilla, 2014). A literatura na L1 deve ser
incentivada e facilitada para essas crianças pois, segundo Krashen (1997), a
leitura em um idioma auxilia no processo de leitura no segundo idioma: “As
crianças que chegam com uma boa educação em sua língua materna já
ganharam dois dos três objetivos de um bom programa de educação bilíngue -
alfabetização e conhecimento do assunto ”(p. 3). G. Garcia & Beltran (2005)
apontam que há evidências de que “a compreensão conceitual é grandemente
reforçada quando apoiada pela língua materna da criança; essa familiaridade
linguística oferece uma zona de conforto que pode ajudar os alunos a alcançar
o sucesso (p. 215). Muitos alunos de inglês, desse modo, se tornarão bilíngues
sequenciais2. Ainda, alunos de programas bilíngues que aprendem a ler em L1
e L2, desenvolvem habilidades importantes que fornecem as bases para o
sucesso acadêmico. Quando os alunos de inglês têm a oportunidade de
desenvolver habilidades de alfabetização em ambas as línguas, seu potencial
acadêmico aumenta. Se uma criança desenvolveu habilidades de alfabetização
na L1, e está envolvida na leitura auto-selecionada de jornais, revistas, histórias

2
“Uma
pessoa que aprendeu uma segunda língua depois da primeira língua é estabelecida”
(Trumbull e Pacheco,2005, p.71)
em quadrinhos, ficção, histórias e livros, estas atividades de leitura não devem
ser desencorajadas (Krashen & Mason, 2015).

Existe uma gama abrangente de literatura bilíngüe para diferentes faixas


etárias e sobre inúmeros tópicos. À medida que os alunos vão sendo
alfabetizados em seu novo idioma, eles devem ter acesso a uma variedade de
literatura interessante e de alta qualidade em L1 e L2, haja vista que, se acharem
prazer na leitura, terão mais chances de sucesso na escola. A leitura é
fundamental para aumentar o desempenho escolar. Krashen (1997) enfatiza a
importância da disponibilidade de recursos literários na escola e em casa. Ele
afirmou que o principal problema com a educação bilíngüe “é a ausência de livros
- tanto na primeira quanto na segunda língua - na vida dos estudantes desses
programas” (Krashen, 1997, p. 4). A disponibilidade de livros em L1e L2 permite
a leitura voluntária. “A leitura voluntária pode ajudar todos os componentes da
educação bilíngüe: ela pode ser uma fonte de informações compreensíveis em
inglês ou um meio de desenvolver conhecimento e alfabetização através da
primeira língua, e para continuar o desenvolvimento da primeira língua”
(Krashen, 1997, p. 5). Cummins (2001) destacou os benefícios da aquisição
dupla de linguagem3, indicando que, as crianças do ensino fundamental que
desenvolvem a alfabetização em mais de um idioma, obtém “uma compreensão
mais profunda da linguagem, e como usá-la efetivamente. Eles têm mais prática
no processamento da linguagem, especialmente quando desenvolvem a
alfabetização em ambas, e são capazes de comparar e contrastar as maneiras
pelas quais suas duas línguas organizam a realidade ”(Cummins, 2001, p. 17).
Thomas & Collier (2011) acrescentam: “bilíngues proficientes – que
desenvolvem proficiência escrita e oral em ambas as línguas – superam os
monolíngües em muitos tipos de medidas, especialmente em medidas de
criatividade e solução de problemas” (p.2). Essas crianças podem continuar
adquirindo conhecimento de conteúdo em sua língua materna e leitura para fins
acadêmicos e por prazer, enquanto aprendem inglês como nova língua (Collier
e Thomas, 2007). Thomas & Collier também estudaram os efeitos de programas
de aquisição dupla de linguagem durante anos, e afirmaram que os alunos de
inglês são mais bem atendidos pelo modelo de ensino bilíngue. Pesquisas

3
dual language acquisition
demonstraram que, quando estes programas são bem implementados, as
crianças podem alcançar alto desempenho acadêmico em ambas as línguas
(Thomas & Collier, 1999, pp. 46-47).

Conclusão

Uma importante premissa encontrada na literatura é que o processo de


transferência na alfabetização de uma língua para outra ocorre, de modo que a
alfabetização em L1 e L2 deve ser apoiada e encorajada. É amplamente
reconhecido na literatura que a alfabetização bilíngüe é uma vantagem, e que há
muitos benefícios ao longo da vida em se tornar bilíngüe e biletrado. Um currículo
bicultural, que apóie o bilinguismo e o biletramento, requer professores
culturalmente competentes, capazes de ajudar as crianças a fazer conexões
entre as línguas (Collier & Thomas, 2007). Essa revisão elucida que o estudo do
desenvolvimento do biletramento é um campo em evolução. Há uma crescente
literatura preocupada com a implementação de abordagens pedagógicas
bilíngues, que forneçam conexões entre os idiomas, bem como práticas
apropriadas de avaliação para os alunos destes programas. Da mesma forma,
há uma enorme necessidade de mais estudos de pesquisa, quantitativos e
qualitativos, no campo da educação bilíngue, biletramento e áreas afins.
Pesquisas adicionais são necessárias na preparação de professores
capacitados para alunos desses programas, especialmente de professores com
conhecimento e habilidades para ensinar em salas de aula bilíngues – capazes
de fornecer consciência e avaliação metalinguística em ambos os idiomas.

Referências

August, D., & Shanahan, T. (2006). Developing literacy in second-language


learners: Report of the national literacy panel on language minority children and
youth. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates.
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