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PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA

Portal Educação

CURSO DE

Gestalt-terapia

Aluno:

EaD - Educação a Distância Portal Educação

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CURSO DE

Gestalt-terapia

MÓDULO I

Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este
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do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido
são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas.

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SUMÁRIO

MÓDULO I
1 ORIGEM E HISTÓRIA
2 FREDERICK PERLS E SUCESSORES
3 INFLUÊNCIAS FILOSÓFICAS
4 HOLISMO E VISÃO SISTÊMICA
5 CONCEITO DE SAÚDE EM GESTALT-TERAPIA

MÓDULO II
6 PSICOLOGIA DA GESTALT
7 AQUI E AGORA
8 A RELAÇÃO FIGURA-FUNDO
8.1 VIVÊNCIAS ANTERIORES
8.2 SITUAÇÕES INACABADAS
8.3 O FLUXO DA EXPERIÊNCIA PRESENTE
9 TEORIA DE CAMPO
10 AWARENESS E TEORIA PARADOXAL DA MUDANÇA
11 TEORIA ORGANÍSMICA
11.1 A DINÂMICA DO ORGANISMO

MÓDULO III
12 FRONTEIRAS DE CONTATO
13 FUNÇÕES DE CONTATO
14 CICLO DE CONTATO
15 RESISTÊNCIA E DISFUNÇÕES DE CONTATO
16 O EU-NEURÓTICO

MÓDULO IV
17 RELAÇÃO EU-TU
18 TRABALHANDO COM SITUAÇÕES INACABADAS
19 O CORPO

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20 EXPERIMENTOS
21 CASAIS, FAMÍLIAS, GRUPOS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MÓDULO I

Raízes e Precursores

1 ORIGEM E HISTÓRIA

Gestalt-terapia é uma abordagem psicológica que teve sua origem na


Alemanha. Seu nascimento oficial ocorreu com a publicação do livro “Gestalt-
Teraphy”, em 1951, escrito por Fritz Perls, Hefferline e Goodman. A escolha do
nome desta nova proposta de trabalho psicológico foi um processo difícil e
controverso.
Laura Perls sugeriu Psicanálise Existencial, porém em razão das críticas
sobre o pessimismo da obra de Sartre, esta ideia foi descartada pelos demais. Já
Hefferline propunha o título Terapia Integrativa, mas também não foi aceito. O nome
Terapia Experimental foi levantado pelo grupo, mas logo recusado.
Inicialmente, Perls batizara este método de “Teoria da Concentração”, uma
clara oposição ao método psicanalítico da livre associação. Realmente, esta teoria
sugeria ao cliente que este se concentrasse na experiência do aqui-agora, que
houvesse uma consciência de seu estado físico e corporal, além de utilizar os
recursos de relaxamento e respiração. Porém, este título não refletiria a sua nova
teoria em todos os seus aspectos. Essa sugestão estaria enfocando apenas pontos
menores em seu arcabouço prático e teórico.
Seria necessário encontrar um nome mais global para o método sugerido.
Foi então que Perls sugeriu “Gestalt-terapia”, o que não agradou a todos,
principalmente a Laura Perls, que naquela ocasião fazia doutorado em Psicologia da
Gestalt, e achava que o novo método proposto não tinha relação com esta teoria, a
qual conhecia melhor que Perls. Goodman achava o termo estrangeiro e esotérico
demais, só que era exatamente isto que agradava Perls, seu caráter provocativo e
comercial (“marqueteiro”).
A palavra Gestalt é amplamente adotada em todo o mundo e em todas as
línguas, na sua forma original, uma vez que não apresenta uma tradução

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equivalente em nenhum país. Em dicionários comuns, Gestalt apresenta o sentido
de “figura, forma, feição”. Gestalten, que é o seu plural, significa “dar forma, dar uma
estrutura significante, moldar, arrumar”. E ainda buscando algo que apresente um
sentido de mais ação e processo, encontramos a palavra Gestaltung que pode ser
traduzida como “formação, conformação, criação e organização”.
Quando falamos em Gestalt estamos falando de uma teoria que veio de uma
escola de pensamento que é a psicologia da Gestalt. Tal escola estuda como os
seres percebem as coisas e como o campo perceptivo se organiza
espontaneamente por meio das “boas formas” ou “gestalten fortes e plenas”.
Esta psicologia considera que os fenômenos psicológicos, físicos, biológicos
e simbólicos constituem um conjunto autônomo, indivisível e articulado na sua
configuração, organização e lei interna. Quando nos deparamos com um estímulo
físico, tentamos compreendê-lo por meio de uma organização perceptual. Esta
organização pode ocorrer de diversas maneiras, mas apenas uma organização
aparecerá de cada vez. Caso você queira reorganizar sua percepção
conscientemente, alterando o foco de percepção, isso poderá ser feito, mas sempre
uma em cada momento.
Por exemplo: quando vemos a Figura 1 qual é a organização predominante?
Uma taça ou o perfil de duas pessoas, uma de frente para outra? Esta organização é
individual e ocorrerá de cada vez, embora possa ser percebida alternadamente; uma
vez se percebe os rostos, outra vez o vaso.

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FIGURA 11

Uma taça ou dois rostos? Só a Gestalt explica...

A percepção ocorre por uma totalidade e não por “pontos isolados”.


Podemos destacar que a partir deste princípio estrutura-se uma máxima que servirá
de conceito precursor da abordagem da Gestalt-terapia: “O todo é maior que a
soma de suas partes”.
Este movimento conhecido como Psicologia da Gestalt, também pode ser
chamado de Psicologia da forma, Gestaltismo ou simplesmente Gestalt. Foi criado
pelos psicólogos alemães Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler (1887-
1967) e Kurt Koffka (1886-1940), nos princípios do século XX.
É importante ressaltar que muitos dos princípios estudados na psicologia da
Gestalt são aplicados na prática clínica e teórica da própria Gestalt-terapia. Porém,
este conceito foi primeiramente apresentado pelo filósofo austríaco Christian Von
Ehrenfels. Seus estudos apontam para a existência de “objetos perceptivos”, como
as formas espaciais e as estruturas rítmicas, que se apresentam como “formas” ou
relações estruturais e não se reduzem à soma de sensações precisas. Estas ideias
estão apresentadas no livro "Sobre as qualidades formais" (1890).
Desde a sua origem, a Gestalt-terapia, se apropriou e se nutriu, de forma
consciente ou não, de várias correntes filosóficas e terapêuticas, não só da
Psicologia da Gestalt, mas também da fenomenologia, do existencialismo, do

1
FONTE: Disponível em: http://sexualidadeegestalt.blogspot.com/2009/04/o-que-e-gestalt-terapia-parte-1.html.
Acesso em 01 nov. 2009.

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psicodrama, da psicanálise, das terapias corporais e também de filosofias orientais,
como o budismo e o taoísmo. Daí, se tira sua principal crítica, uma vez que alguns
autores não a consideram uma abordagem autêntica, mas sim, uma “colcha de
retalhos e técnicas”.
Utilizando seu próprio princípio, de que é necessário olhar o todo e não a
soma de suas partes, podemos esclarecer que esta nova organização teórica
constitui algo novo e muito autêntico. A própria genialidade de Fritz Perls (seu
criador) e de seus principais colaboradores, Laura Perls e Paul Goodman, foi
elaborar esta síntese coerente, rica, única e dinâmica.
A teoria da aprendizagem da Gestalt também contribui para a Gestalt-terapia
com os conceitos de situação inacabada e figura-fundo. A situação inacabada
impede a pessoa de seguir adiante e lhe trazer satisfação. O conceito de figura-
fundo permite que o observador organize suas percepções em uma unidade mais
forte. Este movimento pode levá-lo ao ritmo de awareness (consciência organísmica,
ou processo de dar-se conta) e unawareness.
Alfred Adler, psicólogo austríaco, foi médico psiquiatra e psicanalista. Traz a
visão de que o homem é o criador consciente de sua vida. O estilo de vida e o eu
criativo sustentam ao sujeito uma participação única e ativa. Em consonância com o
pensamento de Adler, a Gestalt-terapia também acredita que o homem cria a si
mesmo, sendo que sua maior energia advém do processo de estar em aware e da
aceitação de si mesmo.
Otto Rank, psicanalista, discípulo de Freud por vinte anos, muda a visão da
resistência para uma perspectiva mais construtiva e inclui o seu papel na resolução
das partes separadas de si mesmo. “A resistência construtiva a essas alternativas
assustadoras leva a uma nova integração criativa dessas forças classicamente
opostas” (POLSTER, 2001, p. 315).
Junto dessa influência, a Gestalt-terapia reconhece o poder da resistência
criativa e não tenta extirpá-la a todo custo, e sim, mobilizá-la para uma nova
composição pessoal, considerando sua força e fazendo com que esta fique
integrada ao indivíduo.
Wihelm Reich, discípulo dissidente de Freud, desperta o interesse de Perls
sobre o caráter do homem, que é o jeito de ser da pessoa. Reich elabora o conceito
de couraça corporal, como uma forma de tensão muscular diante de uma repressão

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habitual, ou seja, a mesma repressão do nível mental está ocorrendo no corpo.
Outro aspecto importante foi o fato de que Reich ao olhar para as ações simples de
um modo simples permite que a fenomenologia se firme de forma mais ativa. Ele
traz para o setting terapêutico o comportamento cotidiano, enfatizando as
características linguísticas, posturais, musculares e gestuais.
Moreno, por meio do psicodrama, reconhece o poder atemporal da arte da
dramatização como meio para o processo de mudança. Este caminho abre as
possibilidades criativas inerentes na arte e defende a potencialidade das
descobertas quando a pessoa participa de uma experiência, muito mais ativamente
do que apenas falar sobre ela.
A Gestalt-terapia utiliza muito o psicodrama para seus trabalhos vivenciais
junto ao cliente, e também em situações específicas por meio de trabalhos com
sonhos. A dramatização vai acontecendo juntando os diversos elementos do sonho
ou da cena. O cliente vai entrando em cada papel e se identificando. É necessário
sentir no corpo e nas emoções o impacto das imagens. Com relação ao sonho, cada
parte é considerada como uma expressão parcial do próprio sonhador. Esta
concepção teórica advém da visão de Jung de que os sonhos e seus simbolismos
representam expressões criativas do eu e projeções de si mesmo. Esta ideia
também é compartilhada pela Gestalt-terapia.
Jung também influencia a Gestalt-terapia com o conceito de sombra que tem
uma relação direta com a visão gestáltica de polaridades, em que a presença de um
pólo só faz sentido na presença do outro, ou seja, os aspectos polares são
complementares.
Na Gestalt-terapia quanto maior é a polarização em uma das extremidades,
mais neurótico o cliente se torna. Por exemplo, uma pessoa que se considera muito
forte será incapaz de lidar com sua fraqueza em uma determinada situação. O
trabalho da Gestalt-terapia será integrar as polaridades (por exemplo: força e
fraqueza), e fazer com o cliente possa se perceber hora forte, hora fraco, e assim,
transitar naturalmente por estas polaridades.
Kurt Goldstein, neurologista e psiquiatra alemão foi um pioneiro da
neuropsicologia moderna. A Gestalt-terapia foi bastante influenciada por sua teoria
holística do organismo. A partir do seu trabalho com os soldados da Primeira Guerra
Mundial que retornavam com lesões cerebrais e, também, da ideia de totalidade de

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Jan Smuts, ele desenvolveu sua teoria das relações cérebro-mente. Dentro de sua
visão há uma severa crítica à forma como a medicina lida com a sintomatologia dos
pacientes. Seu livro mais importante, em alemão, Der Aufbau des Organismus
(1934) foi publicado novamente em inglês com o nome The Organism (1995).
Tanto para Goldstein, quanto para a Gestalt-terapia, o sintoma passa a ter
uma função de busca de equilíbrio do organismo. Exatamente por fazer parte desta
totalidade, o sintoma sofre a influência do organismo com um todo. O organismo tem
uma tendência inata de autorregulação e, muitas vezes, o sintoma é a melhor saída
que este organismo teve para se organizar em um determinado momento diante de
uma nova situação. Esta ideia traz uma nova concepção de saúde, que é justamente
a capacidade de recuperação do equilíbrio do organismo, e não mais a ideia de
ausência de doença. Isto também influencia a percepção da neurose que passa a
ser entendida como um processo de ajustamento criativo.
Kurt Lewin foi um psicólogo alemão que transitou muito entre os campos
sociais e a necessidade de pesquisa. Sua contribuição deu-se por seus trabalhos
com dinâmicas de grupo, fortalecendo o olhar da psicologia social como ciência, e
desenvolvendo o conceito de pesquisa-ação. Dedicando-se a áreas de processos
sociais, motivação e personalidade.
Para a Gestalt-terapia, sua enorme influência parte do conceito denominado
de Teoria de Campo. Para ele, é necessário entender a personalidade como um
campo, onde as variações individuais do comportamento humano são estabelecidas
pela tensão entre as percepções que o indivíduo tem de si mesmo e pelo ambiente
psicológico em que está inserido (espaço vital).
Não podemos falar dos pressupostos e da origem da Gestalt-terapia sem
falar da necessidade de usar a criatividade dentro do setting terapêutico. Somente
quando há ligação clara entre o cliente e o terapeuta é que se consegue a
transformação e a mudança do cliente. Mas este contato só vai se tornar um ato
criativo se tiver fluência e um sentimento mútuo de transformação.
Zinker (2007, p. 17) afirma que “a terapia criativa é um encontro, um
processo de crescimento, em evento para a solução de problemas, uma forma
especial de aprendizagem e uma exploração de toda a diversidade de nossas
aspirações de metamorfose e ascendência.”
Para a Gestalt-terapeutas o profissional é o maior bem que o cliente poderá

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usufruir como canal, ferramenta e troca. Para isso, o próprio terapeuta precisará
buscar a ousadia e a criatividade em sua prática diária, por meio dos experimentos,
mas sempre baseados em sua concepção teórica.
“A Gestalt-terapia é, na realidade, uma permissão para ser criativo”
(ZINKER, 2007, p. 30). O método escolhido reforça esta ideia, que é o experimento.
Permitir que se abram diante do terapeuta todas as possibilidades de trabalho,
permitir tornar-se exuberante, provocando a vida em suas diversas facetas, são
posturas essenciais de um Gestalt-terapeuta, buscando sempre ousar ao inusitado,
e estimular a criatividade.

2 FREDERICK PERLS E SUCESSORES

Como foi visto no item 1 do módulo, a Gestalt-terapia é uma abordagem


psicológica que sofreu influências de vários teóricos e ideologias diferentes. Perls,
seu fundador, utilizou-se de um vasto arcabouço teórico, métodos, técnicas, porém,
reformulando estas ideias em um estilo pessoal. Tanto Perls como seus sucessores
sempre atribuíram grande atenção e valor ao estilo e à criatividade de cada
terapêutico.
Sua forma de construir e apresentar esta nova abordagem psicológica
reforça esta ideia. Esta síntese específica e coerente que foi costurada em cima da
máxima de que “o todo é bem diferente da soma de suas partes”, é uma criação
baseada nas intuições geniais e nas crises pessoais de seu principal fundador, Fritz
Perls (um “enfant terrible”).
A vida de Frederick Perls costuma ser um misto de ousadia, arrogância,
impulsividade e autenticidade. É muito comum que seus discípulos e profissionais da
Gestalt-terapia tenham, ao mesmo tempo, os sentimentos antagônicos de orgulho e
vergonha de seu “mentor”.
Sua vida extremamente controversa não esconde seu caráter egoísta,
narcisista e avarento, mas seu poder de sedução e seu exibicionismo encantavam e
mantinham as pessoas ao seu redor. Seus papéis familiares de filho, marido e pai
foram exercidos de forma egocêntrica e indigna. Fritz costuma repetir com orgulho a

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definição que sua mulher tinha dele, “uma mistura de profeta e coitado”, achando-a
perfeita e exata. Teve vários vícios em sua vida, como os três maços de Camel, LSD
e outras drogas psicodélicas. Por toda a sua vida, Friz manteve um fascínio por
grupos marginalizados.
A Gestalt-terapia foi marcada por uma hostilidade contra os interesses e a
ordem burguesa. Por muitos anos, a quebra de padrões sociais, choques de valores
e rebeldia (incluindo o uso de drogas e prazeres efêmeros) conduziram os atos tanto
do homem Fritz quanto do pensador e articulador da abordagem da Gestalt-terapia.
Não foi à toa que aos 75 anos de idade foi considerado o “rei dos hippies”.
Friedrich Salomon Perls, nasceu em 8 de Julho de 1893 em um gueto judeu
no subúrbio de Berlim. Seu pai, Nathan, era um comerciante charmoso e sedutor
que viajava muito e era muito infiel. De seu pai Fritz herda seu temperamento
irritadiço, violento e orgulhoso. Sua mãe, Amália, era uma judia devota que
respeitava as tradições. A partir da paixão de sua mãe pelo teatro e pela ópera, Fritz
descobre esses encantos que carrega por toda a sua vida. O casal viveu em
constantes brigas, muitas vezes violentas, em um clima quase que de ódio.
Fritz tinha muito ciúmes de sua irmã mais velha, Else, que era protegida pela
mãe por ser quase cega. Diz-se que ele não chorou uma lágrima quando sua mãe e
Else morreram em um campo de concentração. Já de sua irmã Grete, ele era
bastante próximo, inclusive morou com ele em Nova York. Durante dez anos de
convivência, Grete serviu como empregada para Fritz e sua esposa. Do pai, Fritz, foi
desenvolvendo uma raiva cada vez maior, cortando laços em definitivo e não indo ao
seu enterro. Fritz passou a vida toda duvidando de sua paternidade.
Durante sua infância ele foi um menino muito levado e apanhava
constantemente. Chegou a ser expulso da escola por mal-comportamento. Aos treze
anos começou a trabalhar como aprendiz em uma loja, abandonando no ano
seguinte, quando voltou a estudar em uma escola liberal, onde desenvolveu seu
gosto pelo teatro. Quando adolescente, fez vários cursos de artes dramáticas, mas
não se considerava um bom ator. Sua influência maior foi do diretor expressionista
Max Reinhardt que acreditava no envolvimento total do ator em seu papel.
Nos primeiros quarenta anos de vida, Perls transitou por cidades na
Alemanha e Áustria. Formou-se como psiquiatra e participou da Primeira Guerra
Mundial, experiência que lhe conferiu graves sequelas dos traumas vividos,

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chegando a manifestar sinais de despersonalização e indiferença total pelo meio.
Após a guerra, obteve doutorado em medicina, tornando-se um
neuropsiquiatra. Ainda interessava-se por teatro, frequentando cafés esquerdistas
de Berlim, onde se envolveu com artistas anarquistas da contracultura. Neste
momento, ele se encontra com S. Friedlaender, autor de “A indiferença criadora” que
era um ensaio que visava a superar o dualismo kantiano desenvolvendo o conceito
de “vazio” ou “vazio fértil”.
Aos 32 anos, Fritz ainda era um homem dependente e inseguro, morava
com a mãe e era desprezado pelo pai. Quando conhece Lucy, sua vida sofre uma
grande mudança e passa a buscar experiências mais ousadas e transgredir todos os
tabus. Ela mostra-lhe uma série de práticas eróticas, como: sexo a dois, três, quatro,
exibicionismo, voyerismo, homossexualidade, etc.
Após três processos psicanalíticos consecutivos vividos como paciente, com
Karen Horney, Clara Happel e Eugen Harnick, Fritz decide “trocar o divã
psicanalítico pelo leito conjugal”, casando-se com Lore Postner, com quem teve dois
filhos. Durante esta transição, ele sai de Berlim e instala-se em Frankfurt. Começa a
trabalhar com Kurt Goldstein, utilizando a psicologia da Gestalt para sua pesquisa
com distúrbios perceptivos em pessoas com problemas cerebrais. Lá conhece Lore
Postner, ficando conhecida mais tarde como Laura Perls.
Inicia o último processo terapêutico com Wilhelm Reich, quando foi
notadamente inspirado por suas ideias sobre as couraças de caráter e a forma
terapêutica ativa de tocar o corpo dos seus pacientes. Nesse período, estabeleceu-
se como psicanalista.
Após superar o medo de ser estéril, em 1931, nasce Renate, a primeira filha
de Perls. Sua relação com ela era muito íntima e amorosa até nascer Steve, seu
segundo filho, depois de quatro anos. Mais tarde, sua ligação com os dois filhos vai
se desligando e a negligência a ambos vai imperar.
Aos quarenta anos foge da Alemanha nazista, por ser judeu, e vai para
Amsterdã. De 1934 até 1946 instala-se como psiquiatra na África do Sul, levando
uma vida burguesa, rica, luxuosa e mundana. Fundou o Instituto Sul-africano de
Psicanálise e tanto ele, quanto Lore tinham muitos clientes. Ainda usava as normas
rígidas da psicanálise, cinco sessões por semana de cinquenta minutos, sem
contato físico, visual ou social.

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No Congresso Internacional de Psicanálise em Praga (1936), sofre várias
decepções que o marcam pelo resto de sua vida. Primeiro, Freud, em seu encontro,
quando foi apresentar seu trabalho e suas ideias, não demonstrou interesse e não
teve a acolhida esperada. Segundo, durante o congresso, Reich quase não o
reconhece, mesmo após mais de dois anos em sessões diárias como analisando, e
também, não se interessa por nada que ele expõe. Terceiro, foi o pouco interesse e
aceitação geral dos seus colegas psicanalistas quando aborda a importância da
oralidade e das modalidades de ingestão do bebê.
Em 1942, ele publica o livro: “Ego, fome e agressão”. Ao escrever este livro,
ele passa a desenvolver suas teses, o que seria um esboço de várias noções futuras
da Gestalt-terapia, tais como: importância do momento presente, do corpo, contato
direto e autêntico entre paciente e terapeuta, uma abordagem “holística” do
organismo, e as ideias de uma “terapia da concentração”, compreendendo técnicas
de visualização de utilização da primeira pessoa do singular, responsabilidade dos
sentimentos, concentração do corpo e das sensações e observações das
hesitações.
Suas ideias, que ficam cada vez mais fortes a partir deste primeiro livro,
sofreram uma grande influência de Smuts, o principal responsável por sua ida para a
África do Sul. Ele foi o fundador do holismo, que é uma teoria elaborada a partir das
ideias de Darwin, Gergson e Einstein. Sua conceituação a respeito de holismo
considera não só o próprio organismo como um todo coerente, mas um todo em
interdependência estreita com seu meio e com o universo.
Nos dez anos seguintes, de 1953 a 1963, Fritz fixa residência em Nova York
e faz viagens por todos os Estados Unidos. Cada vez mais ele se interessava pela
terapia em grupo, e na sua vida pessoal, continuava envolvendo-se com anarquistas
e revoltados que alardeavam uma grande liberdade de costumes e praticavam
abertamente a bissexualidade e o sexo grupal.
Em 1950, é constituído o grupo dos sete: Isadore Fromm, Paul Goodman,
Paul Weisz, Elliot Shapiro, Sylvester Eastman, Fritz e Laura Perls, mais tarde Halph
Hefferlin, que poderia avalizar o grupo, por ser professor universitário, e facilitaria a
publicação das suas teses.
Em 1951, surge a obra coletiva “Gestalt Therapy”, e marca o início oficial da
nova prática. Nesta época, encontra-se com Goodman, que se torna um dos

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pensadores da nova escola, a Gestalt-terapia. Outro encontro importante ocorreu
com Isadore Fromm, estudante de Fenomenologia, que foi um dos pilares do célebre
Instituto de Gestalt de Cleveland.
Em 1952, junto com Laura cria o primeiro instituto de Gestalt-terapia e
começa a divulgar pelos Estados Unidos o seu novo método. Esta fase marca a
troca de conhecimentos entre vários terapeutas, tais como: Charlotte Selver
inspirando-se na tomada de consciência sensorial do corpo; Moreno com quem
praticou o psicodrama, principalmente o monodrama; Hon Hubbard que o iniciou na
dialética ou cientologia.
De 63 até 67 anos, instala-se na Flórida e vive um período triste e deprimido.
Fica doente, com problemas cardíacos, solitário, sem amigos, e começa a sonhar
com a aposentadoria. Pela primeira vez na vida, renuncia às atividades sexuais com
medo de uma crise cardíaca.
Em 1957, apaixona-se por Marty From, retoma o gosto pela vida, e chega a
declarar que a considera a mulher mais importante de sua vida, voltando a promover
alguns seminários na Califórnia.
Nesta época, vivia a procura de experiências sempre novas, entregando-se
às drogas psicodélicas e acreditando que a droga dava-lhe a “consciência cósmica”.
Sua paixão dura pouco, pois Marty não suporta suas crises psicóticas, seu ciúme
doentio e, após suas cirurgias de hemorroidas e próstata, acaba deixando-o por um
amante mais jovem.
Nos quatro anos seguintes, de 1959 a 1963, consegue renunciar às drogas e
passa a vagar por Califórnia, Nova York, Israel e Japão. Em Israel, vive em uma
comunidade de beatniks, onde ficou fascinado com o modo de vida dos artistas. No
Japão, tem uma experiência dentro de um mosteiro zen, onde se frustrou por
precisar se prostrar diante de uma estátua de Buda, comparando o zen budismo
com a psicanálise.
Aos 71 anos, ele fixa residência numa propriedade em Big Sur, cheia de
fontes de águas quentes e sulfurosas, a qual batiza de Esalen. Neste local, que seria
idealizado por Michael Murphy, para ser um Centro de Desenvolvimento do
Potencial Humano, parecia mais um grande albergue. Após a ida de Perls para
Esalen, onde passou a promover seminários de demonstração e formação
profissional em Gestalt-terapia, torna-se célebre.

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Aos 75 anos, sua foto é exibida na capa da revista Life, intitulando-o “rei dos
hippies”. Finalmente chegara seu momento de glória e reconhecimento. Os grupos
que eram pequenos até então, passaram a ter centenas de pessoas, e seu “circo”,
como ele próprio chamava, passando a ser considerada como demonstrações
espetaculares, a maioria das vezes, envolvendo a técnica da “cadeira vazia”.
Muitos especialistas passaram a frequentar e ir constantemente para Esalen,
tais como, Gregory Bateson (“ecologia do espírito” e double blind), Alexandre Lowen
(“bioenergética”), Eric Berne (análise transacional), John Lilly (caixa de isolamento
sensorial), Alan Watts (orientalismo), Stanislas Grof (psicologia transpessoal), John
Grinder e Richard Bandler (programação neurolinguística), entre outros.
Em 1969, publica as obras “Gestalt-therapy verbatim” e “In and out the
garbage pail”. Fritz sonhava, nesta época, em inaugurar um Gestalt-kibutz, ou seja,
uma comunidade onde se pudesse viver a Gestalt 24 horas por dia e onde ele
pudesse se sentir realmente em casa.
Em junho de 1969, ele funda, junto com trinta discípulos, uma comunidade
em um antigo hotel de pescadores à beira do lago Cowichan, na ilha de Vancouver.
Todos participavam de sessões de terapia e/ou formação, trabalhos coletivos, mas
deixava claro que o mestre era ele, Fritz Perls. Chegou a declarar que pela primeira
vez na vida estava feliz e não precisava brigar com ninguém.
Em 14 de março de 1970, aos 77 anos, morre de infarto no miocárdio, Fritz
Perls, o principal criador e porta-voz da Gestalt-terapia, mesmo que não tenha sido
um exímio teórico. Após a autópsia foi revelado que havia, também, um câncer de
pâncreas. Sua morte foi tão controversa quanto sua vida, havendo, a partir daí, uma
ruptura em duas posições, os que acreditavam, como Paulo Goodman, que Perls
havia “traído a Gestalt” e os seus efetivos seguidores.
Podemos dizer que há uma segunda geração de Gestalt-terapeutas, com os
profissionais, Isadore From, Joseph Zinker, Ervin e Miriam polster, etc.
Isadore From foi um psicólogo da primeira geração de Gestalt-terapeutas.
Faleceu aos 75 anos, em Nova York. Foi considerado um clínico extremamente
talentoso, homem brilhante, íntegro, preciso e muito espirituoso. Era meticuloso e
lúcido, embora fosse perfeitamente capaz de navegar em uma expedição nova e
intuitiva se a situação o tocasse a tal ponto. Como um bom pesquisador
experimental, ele considerava seus palpites como hipóteses provisórias, abertas

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para serem confirmadas ou refutadas. Não deixou muita contribuição escrita de seus
pensamentos e experiências. Temos apenas acesso a algumas transcrições de
entrevistas.
Desde a década de 1950, ele participava do seleto círculo que se reunia no
apartamento de Fritz e Laura em Manhattan. Também foi analisado, primeiro por
Fritz Perls, depois por Laura. Seus primeiros estudos foram na área da filosofia,
especificamente com a fenomenologia, o que contribuiu em muito para sua prática
em Gestalt-terapia. Por mais de três décadas, ele praticou e ensinou a Gestalt-
terapia em Nova York. Ele também viajou regularmente, tanto nos Estados Unidos
quanto na Europa, especialmente na Alemanha e na Itália, para ações de formação
e grupos de supervisão.
Sua história seguiu no rumo de dar uma direção para a Gestalt-terapia. Ele
acreditava que as mudanças eram feitas em pequenos passos, permitindo que os
pacientes pudessem assimilá-las mais facilmente. Porém, essas pequenas
mudanças podem fazer diferença significativa: quando você faz uma pequena
mudança na configuração de uma Gestalt estabelecida, o resultado é uma nova
configuração. A melhor fonte de suas inspirações, entretanto, foi em grande parte o
que é imediatamente dado e, portanto, facilmente esquecido - o óbvio, por assim
dizer. Quando ensinava ou fazia demonstrações, Isadore mostrava aos alunos como
eles próprios deveriam fazer. Sempre com muita paciência demonstrava suas
observações e conclusões, passo a passo, sem ter interesses em obscuridades ou
mistificações.
Isadore permaneceu purista sobre a Gestalt-terapia, e neste contexto, um
conservador. Talvez, tenha se tornado demasiadamente inflexível quanto aos
benefícios da Gestalt-terapia em aceitar novas ideias. Seu crescente alarme, no
entanto, veio de tendências dentro de Gestalt-terapia em si: Ele estava perturbado
que os ensinamentos passados por Perls e com a possibilidade de que estes fossem
confundidos com experiências de conversão.
O casal Miriam e Ervin Polster contribuiu com o clássico livro “Gestalt-terapia
Integrada” na década de 70, além de iniciarem um centro de treinamento em La
Jolla. Ambos têm um papel ativo na Gestalt-terapia quase desde o início.
Trabalharam diretamente com Perls e Laura e fizeram terapia com Isadore From.
Tiveram uma ativa atuação no Instituto Gestalt de Cleveland por quase vinte anos.

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Depois se mudaram para Califórnia, onde se estabeleceu o Gestalt Training
Center de San Diego. Também realizaram oficinas de formação e seminários para
várias intuições em todo o país e fora dele. Erving tem um estilo efusivo e
irreverente, além da capacidade de transmitir fascínio e entusiasmo. Apresenta uma
habilidade em transformar ideias velhas em experiências inéditas.
Miriam faleceu em 19 de dezembro de 2001 de câncer. Ela tinha um jeito
delicado e envolvente muito evidente em seu contato humano, e se comunica de
forma clara e precisa. Juntos ou separados, o casal, sem dúvida, contribuiu muito
para ampliar as fronteiras da Gestalt-terapia.
Joseph Chaim Zinker é mestre em psicoterapia e cofundador do Instituto
Gestalt, Wellfleet, Massachusetts. Ele treinou com Fritz durante a década de 1960 e
tem mais de três décadas de experiência e desenvolvimento da Gestalt-terapia.
Zinker publicou diversos livros, tais como: “Motivação e a escassez de Morrer”,
“Processo Criativo em Gestalt-terapia”, “A busca da elegância em psicoterapia” e
“Sketches: uma antologia de ensaios, Arte e Poesia”. Também contribuiu em várias
revistas participando do conselho editorial, tais como: “Vozes”, “The Gestalt Journal”,
“Gestalt Review” e “Jornal da terapia de casal”. Atualmente, participa de vários
institutos internacionais de Gestalt-terapia em todo o mundo, incluindo o Gestalt
International Study Center e o Centro para o Estudo de Sistemas de Sexo em
Massachusetts.
Um dos conceitos que Zinker aborda constantemente em seu trabalho é a
criatividade. Para ele, criatividade é um atributo essencial e básico para a vida das
pessoas, e também um fator de transformação para o processo psicoterapêutico.
Para ele, criatividade engloba os níveis abstratos e concretos, quer dizer, não basta
apenas criar intelectualmente algo, é necessário que se realize efetivamente esta
experiência. É necessário com isso, que tal experiência criativa seja compartilhada
com os semelhantes. Com esta visão, o consultório passa a ser um terreno
experiencial, pois o cliente por meio da sua liberdade investiga sua natureza interior.
Este contato cliente-terapeuta poderá abrir um canal criativo para ambos que trará
uma profunda capacidade de transformação, crescimento e integração.

3 INFLUÊNCIAS FILOSÓFICAS

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A Gestalt-terapia sofreu influência da filosofia por meio do existencialismo e
da fenomenologia. Para entender um pouco esta diferença é necessário que se
enxergue a fenomenologia como um método e o existencialismo como uma filosofia.
Podemos dizer que a Gestalt-terapia é uma abordagem fenomenológica e
existencialista.
Embora Fritz pouco tenha desenvolvido e estabelecido as correlações das
influências filosóficas sobre a Gestalt-terapia, atualmente, é quase uma “obrigação”
de seus sucessores resgatarem esta importância que é ampla e inegável. Muito da
Gestalt-terapia de Fritz foi criada a partir de sua prática, agora é necessário que se
retome criticamente as bases filosóficas da Gestalt-terapia. Para, então, dar uma
nova e consistente consciência teórica a nossa prática e nossos projetos.
Em relação à fenomenologia, é necessário que haja um predomínio da
experiência imediata, do fenômeno, ou seja, de algo que emerge em um
determinado momento. Esta vivência deverá se apresentar da forma como é
percebida ou sentida corporalmente, dentro do aqui-agora. O que é essencial é a
vivência imediata. Como método, é mais importante descrever do que explicar, ou
seja, o como precede o porquê. Os sentidos atribuídos à percepção dos eventos do
mundo são atribuídos aos fatores irracionais e são diferentes em cada um de nós.
Dizer que a Gestalt-terapia é fenomenológica implica em um processo em
que a pessoa experiência o fenômeno de forma particular e única. Junto a este
conceito está o fato de que apenas no aqui-agora tal fato será possível, oferecendo
a esses fenômenos pessoais o existencial imediato. A sensação confere o primeiro
nível experiencial do aqui-agora, porém manter este contato sensorial nem sempre é
uma tarefa fácil. Dentro da concepção temporal, podemos dizer que, para a Gestalt-
terapia, a realidade só existe no presente. Neste presente podemos incluir também
as lembranças que são reencenadas, trazidas de volta para o presente e revividas
concretamente. O espaço em que a pessoa vive a experiência fica limitado ao aqui,
ou seja, o espaço que ocupa e pela amplitude dos sentidos. Podemos concluir que
“o aqui-agora representa uma experiência de caráter altamente pessoal,
sensorialmente ancorada neste momento de tempo, no local em que me encontro”
(ZINKER, 2007, p. 101).
Dentro deste contexto, a experiência precisa ser entendida como algo

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contínuo, fluído e dinâmico, sempre focalizando o processo em andamento que a
pessoa está se colocando. Nunca será priorizada a interpretação do fenômeno, mas
sim, um estudo da natureza processual e mutável da experiência humana.
Analisando por este prisma, a pessoa passa a ser a única autora de suas próprias
experiências, se responsabilizando por sua realidade, encarando-a como uma
experiência solitária e única, ou seja, apenas a própria pessoa poderá dar conta e
experienciar a sua vida interior. Assim como, a própria validade da experiência é
também única e inquestionável.
Edmund Husserl (1859 - 1938) é considerado o pai da fenomenologia. Ele foi
matemático, filósofo austríaco e aluno de Franz Bretano, de quem sofreu grande
influência. Para respeitar a linha temporal da construção do conhecimento
apresentarei as ideias de Bretano e depois de Husserl, em seguida, Scheler que
pode ser considerado um filósofo fenomenologista e por último Merleau-Ponty.
Bretano (1838 - 1917) foi precursor da fenomenologia. Diferente do
empirismo inglês que observava vários fatos generalizando o que havia em comum,
Bretano acreditava em um empirismo que buscava ver o que há de essencial em um
“único caso”. Isto levará para a ideia da essência do fenômeno. Ele propõe uma
psicologia descritiva, enfatizando o como e não o por quê. Esta ideia é bastante forte
na Gestalt-terapia até hoje. Este pensamento ressalta a necessidade de se valorizar
o processo associado à psicologia do ato, em oposição ao estruturalismo que
evidenciava a psicologia dos conteúdos. A psicologia deveria estudar os processos
mentais ou psíquicos da pessoa e não os conteúdos ou objetos físicos. Bretano trata
da intencionalidade dos fenômenos psíquicos, num prenúncio da fenomenologia,
desenvolvida por Husserl. A consciência não é um recipiente, mas um farol.
Husserl vivia em um mundo onde a filosofia se volta para as ciências
positivas (matemática, física, etc.) e a psicologia tentava ser uma ciência exata
adotando o mesmo método das ciências naturais e abandonando a subjetividade e a
intuição.
Husserl não acreditava no movimento empirista de que todo o conhecimento
advém da prática. Esta máxima fugia ao imediatismo da situação presente e entra
no campo da abstração, uma vez que é impossível inferir cada conhecimento e sua
prática originária. Também, não concordava com o psicologismo do final do século
XIX, onde se reduzia tudo o que se conhecia a um fenômeno natural. Não se

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explicava o próprio conceito das coisas, apenas o ato de se conhecer os objetos por
meio dos mecanismos fisiológicos.
Partindo dessas oposições e do pressuposto de que o objeto de estudo da
psicologia é diferente das outras ciências, uma vez que a vida psíquica apresenta
um dado imediato que podemos ter acesso por meio da descrição, ele propõe que a
Fenomenologia reúna os dados da experiência em sua totalidade (fenômeno) e o
pensamento racional (logos).
Ele faz da fenomenologia um método que busca a verdade partindo do
questionamento: “como podemos perceber a verdade?” Quando tentou responder a
esta pergunta, ele percebeu que antes de perceber a verdade, ele se deparou com a
capacidade de perceber algo, ou seja, o ato mais originário é o ato de perceber algo
que é percebido. Se o ato de perceber depende do percebido, o ato de pensar
depende do pensando. Então, ele concluiu que a consciência é sempre “de alguma
coisa”, sendo necessário um objeto e um foco. Quando percebe que esta
consciência tem em vista algo, ele define que há uma intencionalidade de algo ou
uma consciência intencional.
O fato de que na Gestalt-terapia não há uma atitude interpretativa vem da
compreensão fenomenológica de que os fenômenos são dados pelos nossos
sentidos, e que estes são dotados por um sentido ou essência, uma espécie de
“retorno às coisas mesmas”. É importante entender a necessidade de uma intuição
originária que poderá ser revelada na busca do sentido do fenômeno pelo próprio
cliente, por meio da identificação e integração das partes alienadas.
Um dos fortes conceitos da Gestalt-terapia é que o aqui-agora estabelece
suas raízes no método fenomenológico, afinal esta estrutura de “perceber o
percebido” acontece impreterivelmente no presente, no aqui-agora. O fenômeno só
acontece no agora.
Outra influência grande na Gestalt-terapia de seus conceitos teóricos é a
relação cliente-terapeuta. Baseado no fato de que a mesma estrutura
perceber/percebido não é divisível, podemos entender que o observador/observado
também não é, ou seja, tanto o terapeuta que “observa” quanto o cliente que é
“observado” faz parte de uma mesma unidade. Caminhando mais um pouco dentro
desta relação dialógica, percebemos que as duas partes (observador/observado)
interagem e interferem neste campo. Quando paramos para descrever o observado,

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na verdade, descrevemos a nossa relação com o observado, enfim, descrevemos
parte de nós mesmos.
Em relação à visão de mundo, para a Gestalt-terapia as pessoas se
constituem nas relações que criam em suas vidas. A fenomenologia, por sua vez,
também compartilha a ideia de que o sentido das coisas não está em si, mas
sobressai em cada relação observador/observado. É preciso entender como cada
indivíduo vê o mundo. Afinal, o “eu inteiro” influencio e sou influenciado pelo
contexto como um todo.
Max Scheler (1874 - 1928) foi um filósofo alemão que ficou conhecido por
seu trabalho sobre fenomenologia, ética e antropologia filosófica. Scheler
desenvolveu o método fenomenológico de Husserl, chegou a conhecê-lo na
Universidade de Viena, mas não foi seu aluno. Scheler acreditava que a
fenomenologia não era o nome de uma nova ciência, nem uma palavra de
substituição para filosofia, mas uma postura espiritual.
O centro do pensamento de Scheler era a sua teoria do valor. De acordo
com Scheler, o ser-valor de um objeto precede a percepção. Os valores e seus
correspondentes opostos existem em uma ordem objetiva. Sua obra mais importante
foi publicada em 1923, e intitulou-se “Essência e Forma da Simpatia”. Desenvolve o
conceito referente a uma fenomenologia da afetividade na qual é a intuição
emocional e a simpatia que permitem o contato profundo.
Ao longo de sua vida, Scheler apresentou diversas posturas e ideias
contrárias, até adotar uma doutrina claramente modernista e gnóstica no final de sua
vida. A relação do homem com o divino sofre uma reviravolta: o ser primeiro
interioriza-se no homem no mesmo ato em que o homem se interioriza nele. O lugar,
portanto, da autorrealização do ser, ou seja, da unidade de impulso e espírito vem a
ser o homem, o eu, o coração do homem. Homem e Deus são correlativos: o homem
não pode realizar o seu destino sem participar dos dois atributos do ente supremo e
sem ser imanente a ele. Em 1954, Karol Wojtyla, posteriormente Papa João Paulo II,
defendeu sua tese sobre "Uma avaliação da possibilidade de construir uma Ética
Cristã baseada do sistema de Max Scheler".
Maurice Merleau-Ponty (1908 - 1961), um psicólogo, antropólogo e filósofo
francês, tem como tema fundamental de seu trabalho a relação entre o homem e o
mundo. Afirma que a consciência é sempre um eu consagrado ao mundo. Vê o

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mundo e o homem como sempre ‘abertos’, ‘inacabados’ em seu significado, dotados
de ambiguidade e reenviando sempre para além de suas manifestações
determinadas. Valoriza a experiência vivida e a percepção corporal imediata. Busca
eliminar a interpretação causal da relação entre corpo e alma. Publicou, em 1945, a
obra “Fenomenologia da Percepção”.
O existencialismo proporcionou maior concretude à metodologia
fenomenológica por meio de sua aplicação às questões da existência humana. Do
existencialismo, a Gestalt-terapia herdou a valorização das questões comuns e
cotidianas da vida dentro de uma nova perspectiva terapêutica, envolvendo aspectos
como: nascimento, morte, violência, etc.
Esta visão enfatiza a vivência concreta do indivíduo em prol dos princípios
abstratos, ou seja, a forma como o homem experimenta sua existência, a assume, a
orienta e a dirige. É necessário que haja uma autocompreensão do processo de
viver, de existir, sem se prender a questões filosóficas ou teóricas.
O existencialismo definiu novas visões de autoridade, confiança, experiência
participante e responsabilidade. Todas essas concepções mudam o foco da
psicoterapia para o crescimento pessoal e não apenas para o lado patológico do
cliente. Tudo isso, em função da valorização da singularidade de cada existência
humana e da necessidade da originalidade irredutível da experiência individual,
objetiva ou subjetiva.
Outro ponto importante dentro do existencialismo e muito utilizado na prática
da Gestalt-terapia, é a noção da responsabilidade. Cada pessoa deverá se
responsabilizar por suas escolhas e participar ativamente da construção de sua
própria vida. Estas ações podem ser unidas numa visão referente ao projeto
existencial de cada indivíduo. Este projeto deverá conferir um sentido próprio e único
a tudo que acontece no aspecto interno deste sujeito e também no mundo que o
rodeia, criando, impreterivelmente, a cada dia, sua relativa liberdade.
O primeiro autor que se destacou como um precursor do existencialismo foi
o filósofo cristão, dinamarquês, Soren Kierkegard (1813 - 1855). Muitos o
consideram como o “pai do existencialismo”. Kierkegard desenvolveu suas ideias a
partir de sua existência pessoal, atribuindo grande valor à subjetividade e à
contradição e rejeitando qualquer sistematização e superenfatizando a existência
pessoal. “Quanto mais eu penso, menos sou, e quanto menos eu penso, mais eu

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sou”. Isto se revela na Gestalt-terapia em sua negligência à objetividade, à
existência coletiva e à necessidade de teorização sistemática.
Martin Buber (1878 - 1965) foi um filósofo judeu que desenvolveu a categoria
do diálogo. Ele pregava a necessidade de um encontro autêntico, a relação direta e
fraterna como uma atitude integradora entre a vivência e a reflexão. A atitude Eu-Tu
é caracterizada pelo envolvimento, reciprocidade, imediatismo, presença e
responsabilidade; a atitude Eu-Isso é caracterizada pela separação, ou
distanciamento, necessários para a produção teórico-científica.
A Gestalt-terapia como uma psicoterapia baseada no encontro existencial
seria dotada de dois movimentos: relação (Eu-Tu) e distanciamento (Eu-Isso), sem
os quais não se caracteriza como tal, uma vivência da teoria e uma teorização da
vivência. Em 1923, Buber publicou o livro: “Eu e Tu”.
Martin Heidegger (1889 - 1976), filósofo alemão, desenvolveu a concepção
da análise existencial do “ser aí” ou “dasein”. Sem dúvida, foi um dos maiores
pensadores do século XX, quer pela visão do “ser”, quer pela refundação da
ontologia. Heidegger influenciou muitos outros filósofos, tal como, Sartre, e foi muito
influenciado por Husserl. Foi assistente de Husserl em Freiburg e depois professor
na Universidade de Marburg.
Em 1927, Heidegger publicou o seu mais famoso trabalho “Ser e Tempo”.
Ele considerava seu método fenomenológico e hermenêutico, porém, Husserl não
concordava e acabaram rompendo laços.
O trabalho hermenêutico tem como objetivo interpretar o que se mostra
pondo à luz, o que se manifesta, mas que, no início e na maioria das vezes, não se
deixa ver. Heidegger afirma que esta metodologia corresponde a um modelo
kantiano, ou coperniciano da colocação ou projeção da perspectiva.
Até o final da década de 1930, a leitura da filosofia de Heidegger estrutura-
se sobre conceitos como Dasein (o ser-aí ou o ser-no-mundo), morte ou finitude do
ser, valorização da angústia ou decisão por meio da dúvida existencial. Suas
categorias básicas seriam o entendimento, pouco valorizado pela Gestalt-terapia; o
sentimento (enfatizado pela mesma) e a linguagem (destacada por Fritz, mas pouco
enfatizada pela Gestalt-terapia).
Jean Paul Sartre (1905 - 1980) foi um grande nome do existencialismo, mas
foi pouco referenciado por Fritz. Dentro da Gestalt-terapia, poderíamos nos referir a

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sua noção de “projeto” (o homem como próprio construtor de sua essência) e de
“responsabilidade” (habilidade de resposta), ou seja, responsabilidade pela escolha
de seu próprio projeto, de sua parte da liberdade.

4 HOLISMO E VISÃO SISTÊMICA

Holismo foi um termo adotado por Jan Smuts no seu livro “Holism and
Evolution” de 1926. Ele definiu esta ideia como "A tendência da Natureza a formar,
através de evolução criativa, ‘todos’ que são maiores do que a soma de suas
partes". Desde Aristóteles, podemos ver as raízes desta ideia, quando em sua
metafísica ele afirma: “o inteiro é mais do que a simples soma de suas partes”.
Embora antiga essa concepção só tomou força a partir da década de 1980
quando passou a ser empregada para tentar explicar um novo paradigma que
deveria ser utilizado com o objetivo de minimizar os diversos distúrbios causados
pelo homem na natureza. Por isso, o holismo é frequentemente associado a
discursos ambientalistas.
Este conceito traz uma visão de mundo integrado, como um organismo. Esta
nova visão baseia-se na inter-relação e interdependência entre todos os fenômenos,
sejam eles físicos, biológicos, psicológicos, sociais ou culturais. Esta proposta prevê
uma formulação gradual de uma rede de conceitos e modelos interligados, além de
se contrapor ao modelo mecanicista e reducionista ainda dominante na biologia e na
medicina.
Desde o século XVII, principalmente com as ideias de Descartes e Newton,
o homem vem sendo comparado a uma máquina, concentrando nas propriedades
mecânicas da matéria viva e negligenciando o estudo sistêmico da natureza do
organismo. A descrição reducionista foi vantajosa para desenvolver um caráter
evolutivo, e ainda é, em alguns casos, útil e necessária, porém torna-se perigosa
quando é interpretada como uma explicação completa.
Atualmente, a biologia traz um paradigma chamado “biologia de sistemas”, o
qual vê o organismo como um sistema vivo e não como uma máquina. Os sistemas
são totalidades integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas às de

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unidades menores. A abordagem sistêmica enfatiza os princípios básicos de
organização.
O pensamento sistêmico é um pensamento de processo. Na ciência
sistêmica, toda estrutura é vista como a manifestação de processos subjacentes.
Esta visão carrega a primeira grande diferença entre o homem e a máquina. Afinal,
máquinas são construídas e os organismos se desenvolvem.
Outra ideia que podemos trazer é o alto grau de flexibilidade e plasticidade
encontradas nos organismos. Os organismos variam sua estrutura dentro de um
limite. Este fenômeno de automanutenção é chamado de flutuação ou homeostase,
que é um estado de equilíbrio dinâmico, transacional. Não há, portanto, dois
organismos que sejam rigorosamente idênticos, muito diferentes das máquinas que
funcionam de acordo com cadeias lineares de causa e efeito. O funcionamento do
organismo é guiado por modelos cíclicos de fluxo de informação, conhecidos por
laços de realimentação. Quando um sistema é afetado, esta é usualmente causada
por múltiplos fatores.
Todas estas comparações entre organismos e máquinas originaram, mais
tarde, as principais realizações da cibernética, que tinha como intenção, desde o
início, criar uma ciência exata da mente. A cibernética sofreu influência da biologia
organísmica e da teoria geral dos sistemas, mas logo se tornou independente,
configurando um poderoso movimento intelectual. Nunca esquecendo a interação
entre a biologia, matemática e engenharia.
Uma das grandes diferenças entre as máquinas de Descartes e a
cibernética, é que esta última prevê o conceito de realimentação em seu
funcionamento, que passou a significar o transporte de informações presentes nas
proximidades do resultado de qualquer processo, depois, de volta até sua fonte. Um
padrão lógico subjacente à concepção de alimentação é a ideia de causalidade
circular. Por outro lado, o entusiasmo entre os cientistas e o público em geral, pelo
computador como uma metáfora para o cérebro humano tem um paralelo
interessante no entusiasmo de Descartes e de seus contemporâneos pelo relógio
como uma metáfora para o corpo.
Um organismo vivo é um sistema auto-organizador, o que significa dizer que
tem certo grau de autonomia. Sua ordem e estrutura são determinadas pelo próprio
sistema, e não pelo meio. Porém, não significa dizer que os sistemas estejam

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isolados do seu meio. Os sistemas interagem continuamente com o meio, mas estes
não determinam sua organização. Os sistemas vivos são sistemas abertos, o que
significa que é preciso manter uma contínua troca de energia e matéria com o meio
ambiente, a fim de permanecerem vivos. Os sistemas auto-organizadores têm um
alto grau de estabilidade, porém, é uma estabilidade dinâmica, diferente da ideia de
equilíbrio, pois é necessário manter uma estrutura global apesar de mudanças e
substituições de suas partes.
Os dois principais fenômenos dinâmicos da auto-organização são: a
autorrenovação e a autotranscendência. O primeiro, fala da capacidade dos
sistemas vivos de renovar e reciclar continuamente seus componentes. Diferente
das máquinas que são construídas para produzir um produto específico ou executar
uma tarefa, o organismo se renova o tempo todo.
O segundo, da capacidade de se dirigir criativamente para além das
fronteiras físicas e mentais nos processos de aprendizagem, desenvolvimento e
evolução. Os organismos apresentam uma complementaridade no seu
funcionamento com tendências autoafirmativas e integrativas.
Além disso, temos uma tendência fantástica dos organismos de se
superarem. Essa superação criativa em busca da novidade leva a um
desdobramento ordenado de complexidade e pode ser visto como uma propriedade
fundamental da vida. Associando esta realidade com o processo terapêutico,
podemos dizer que só poderemos ajudar o nosso cliente em seu processo de
mudança, quando conseguirmos inserir a novidade e o interesse em sua terapia.
É bastante difícil definir precisamente as fronteiras entre o organismo e o
meio. Existem organismos que só podem ser considerados vivos quando estão num
certo ambiente, como é o caso dos vírus. Por outro lado, temos exemplos de
organismos que se integram harmoniosamente em seu meio ambiente, convertendo-
os em ecossistemas capazes de sustentar uma grande diversidade de animais e
plantas, como é o caso dos corais.
Os ecossistemas tendem a ter uma convivência em que combinam
competição e dependência, este balanço propicia um crescimento exponencial de
sua população. As relações entre os organismos vivos são essencialmente
cooperativas, caracterizadas pela coexistência e a interdependência, e simbióticas
em vários graus, a fim de manter o equilíbrio. Mesmo a relação predador-presa,

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embora seja destrutiva para a presa imediata, são geralmente benéficas para ambas
as espécies.
Há uma tendência dos sistemas vivos de se estruturarem por meio de
múltiplos níveis, que diferem em sua complexidade. Isto pode ser visto como um
princípio básico de auto-organização. Em cada nível de complexidade encontramos
sistemas integrados, todos auto-organizadores, que consistem em partes menores e
atuam como partes de totalidades maiores.
Em cada nível existe um equilíbrio dinâmico entre tendências autoafirmativas
e integrativas. Podemos representar estes níveis por meio de uma “árvore
sistêmica”. Estes sistemas estratificados evoluem muito mais rapidamente e têm
uma probabilidade maior de sobrevivência do que os sistemas não estratificados. O
aspecto importante da ordem estratificada na natureza não é a transferência de
controle, mas a organização da complexidade.
Outro ponto importante desta ordem é a questão da morte. A
autorrenovação do sistema maior consiste no seu próprio ciclo de nascimento e
morte, tornando-se aspectos importantes do próprio processo auto-organizador.
Podemos dizer, que além da morte, outro ciclo importante para a evolução é o ciclo
reprodutivo. Sem sexo não haveria diversidade, sem morte não haveria
individualidade.
Dentro deste conceito de sistemas estratificados, podemos concluir que o
planeta, como um todo, pode ser considerado como um único organismo vivo.
Considerar Gaia como um ser planetário vivo é uma ideia que transcende
largamente o âmbito da ciência, e reflete uma profunda consciência ecológica, que
é, em última instância, espiritual.
Na teoria neodarwiniana clássica, a evolução avança para um estado de
equilíbrio, com os organismos adaptando-se cada vez mais perfeitamente ao seu
ambiente. De acordo com a visão sistêmica, a evolução opera longe do equilíbrio e
desenrola-se por meio de uma interação de adaptação e criação.
Também considera que o meio é, em si mesmo, um sistema de adaptação e
evolução. O que sobrevive é o “organismo em seu meio ambiente”. Um organismo
que pense unicamente em termos de sua própria sobrevivência destruirá
invariavelmente seu meio ambiente.
A evolução precisa ser entendida de forma aberta e indeterminada. Quando

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um sistema se aproxima do ponto crítico, ele mesmo “decide” que caminho seguir, o
que determinará sua evolução. Na visão sistêmica, o processo evolutivo não é
determinado pelo “acaso cego”, mas representa um desdobramento de ordem e
complexidade que pode ser visto como um processo de aprendizagem, envolvendo
autonomia e liberdade de escolha.
Podemos dizer que duas etapas na evolução da vida aceleram o processo
evolutivo. A primeira foi a reprodução sexual, com toda a sua variedade genética; e
a segunda foi o surgimento da consciência. Este processo tornou possível substituir
os mecanismos genéticos da evolução por mecanismos sociais, mais eficientes,
baseados nos pensamentos conceituais e na linguagem simbólica.
Quando entendemos que a mente e a matéria se aproximam, nos
distanciamos da dicotomia cartesiana e podemos considerar que representam
aspectos diferentes do mesmo processo universal.
O cérebro humano é um sistema vivo por excelência e amolda-se em
resposta às mudanças que surgem. A mente humana é capaz de criar um mundo
interior que espelha a realidade exterior. Este domínio psicológico envolve certos
números de fenômenos característicos da natureza humana que incluem a
autoconsciência, a experiência consciente, o pensamento conceitual, a linguagem
simbólica, os sonhos, a arte, a criação de cultura, senso de valores, interesse no
passado remoto e preocupação com o futuro distante.
Os mundos, interior e exterior, estão sempre interligados no funcionamento
de um organismo humano. Os modelos de matéria espelham modelos da mente,
coloridos por sentimentos e valores subjetivos. Nossas respostas ao meio ambiente
são determinadas pelos estímulos externos, pelo sistema biológico, e também por
nossas experiências passadas, expectativas, propósitos e a interpretação simbólica
individual de nossa experiência perceptiva.
Moldamos nosso meio ambiente com muita eficácia porque somos capazes
de representar o mundo exterior simbolicamente, pensar conceitualmente e
comunicar nossos símbolos, conceitos e ideias, utilizando a linguagem abstrata, a
pintura, a música, e outras formas de arte.
Ao pensarmos e nos comunicarmos, tanto lidamos com o presente, como
nos referimos ao passado e antevemos o futuro, o que nos dá um grau de
autonomia muito superior às outras espécies. Os seres humanos possuem

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consciência, e estamos conscientes de nossas sensações tanto quanto de nós
próprios como indivíduos pensantes e experientes.
A concepção sistêmica da mente estende sua concepção para os sistemas
sociais e ecológicos. Então, podemos dizer que grupos de pessoas, sociedade e
culturas têm uma mente coletiva, unificando a concepção científica e mística.
Considera que a matéria primária e a consciência são propriedades de complexos
modelos materiais que surgem num certo estágio da evolução biológica.
Para entender a natureza humana, precisamos estudar as manifestações
sociais e culturais, além das físicas e psicológicas. A fim de se adaptar às mudanças
da vida, a espécie humana usou a consciência, o pensamento conceitual e a
linguagem simbólica de que dispõe para transferir-se da evolução genética para a
evolução social, esta mais acelerada do que a primeira.
A grande relação entre a teoria sistêmica e a Gestalt-terapia é a concepção
de que o todo é maior do que a soma de suas partes. Quando analisamos os
elementos de forma isolada, as propriedades sistêmicas do fenômeno são
destruídas, embora seja possível discernir as partes individuais em qualquer
sistema, a natureza do todo é sempre diferente da mera soma de suas partes. As
propriedades das partes não são propriedades intrínsecas, mas só podem ser
entendidas dentro do contexto do todo mais amplo. O pensamento sistêmico se
apresenta de forma contextual. É importante analisarmos que o conceito parte todo
fica muito relacionado com as concepções, reducionista e sistêmica,
respectivamente. Porém, é mais importante entendermos que estas concepções
deverão ser utilizadas para a compreensão mais aprofundada da vida.
Reducionismo e holismo, análise e síntese devem ser vistos como enfoques
complementares. Assim, fica claro que tanto a parte influencia o todo, quanto o todo
às suas partes.
A evolução da consciência no homem criou a potencialidade desta espécie
de viver pacificamente e em harmonia com o mundo natural. A evolução continua a
oferecer esta possibilidade de escolha ao homem, caberá a ele decidir qual caminho
ele deverá seguir. Podemos deliberadamente alterar nosso comportamento
mudando nossas atitudes e nossos valores, a fim de readquirirmos a espiritualidade
e a consciência ecológica que perdemos.

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5 CONCEITO DE SAÚDE EM GESTALT-TERAPIA

Kurt Goldstein foi um teórico que muito influenciou a Gestalt-terapia e seus


estudos sobre os efeitos secundários das lesões cerebrais estabeleceram a base
para o seu ponto de vista organísmico. Não temos como falar de saúde na Gestalt-
terapia sem explicar a visão do sintoma para esta abordagem. Goldstein foi o
primeiro teórico que passou a ver o sintoma como uma forma adaptativa, portanto
saudável, diferente do que se pensava, até então, que seria “um sinal” de que algo
estaria errado e que deveria ser eliminado.
Não podemos falar da organização primária do organismo de Goldstein sem
entender que esta faz parte do processo de figura/fundo. Ou seja, figura é qualquer
processo que emerge, que tem fronteira definida e destaca-se de um fundo a partir
de uma necessidade do próprio organismo. O fundo é contínuo e se estende por trás
da figura. Depois, novas figuras emergem como tarefas da mudança do organismo.
Goldstein também salientou que existem três tipos de comportamento: os
desempenhos, que são atividades voluntárias; as atitudes, organização emocional
mais ampla incluindo os valores, os sentimentos, os estados de ânimo, etc.; e os
processos, que são funções corporais que só podem ser experienciadas
indiretamente.
Ele também aborda a diferença entre o comportamento concreto e o
comportamento abstrato. No primeiro, reagi-se a um estímulo de maneira automática
ou direta, já no segundo, pensa-se antes de agir. Estes dois dependem de atitudes
contrastantes em relação ao mundo.
Os principais conceitos apresentados por Goldstein são: o processo de
equalização, no qual aparece como a base para o conceito de ciclo de
autorregulação; a autorrealização é o que dá sustentação ao potencial humano e o
“chegar a um acordo” com o ambiente (ou mundo), afinal este ambiente se impõe ao
organismo estabelecendo uma interação entre ambiente e organismo, necessária
para que este lhe proporcione meios pelos quais a autorrealização possa ser obtida.
O processo de equalização consiste em fazer com que o organismo volte
para um estado “médio” de tensão depois que um estímulo muda o equilíbrio

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originário. Portanto, podemos dizer que a meta de uma pessoa normal não é
simplesmente descarregar a tensão, mas equalizá-la, redistribuindo toda a energia
necessária.
A autorrealização traduz, na verdade, o único motivo que o organismo
possui que é realizar-se, e representa a tendência criativa da natureza humana. A
maneira como cada pessoa busca esta autorrealização varia muito conforme as
potencialidades inatas de cada um. Estas potencialidades ou preferências dão forma
aos fins e dirigem o desenvolvimento e o crescimento individuais. Este princípio
orgânico torna o organismo mais desenvolvido e mais complexo.
Com relação à interação organismo/ambiente podemos dizer que o ambiente
perturba o organismo por meio de estímulos e, este, busca no próprio ambiente
aquilo que necessita para equalizar o seu funcionamento normal.
Porém, se a discrepância entre as metas do organismo e as realidades do
ambiente for muito grande, o organismo entra em colapso, ou desiste de algumas
metas e tenta realizar-se em um nível inferior de existência.
Em conformidade com as ideias de Goldstein, Perls traz a concepção de que
nenhum organismo é autossuficiente, e que necessita do mundo para satisfazer
suas necessidades. Há uma interdependência do organismo e seu ambiente, dentro
de uma realidade objetiva e uma realidade subjetiva. É a partir do mundo objetivo
que o indivíduo cria seu mundo subjetivo.
Partes do mundo objetivo são selecionadas de acordo com nossos
interesses, limitadas apenas pelos instrumentos de percepções e por inibições
sociais e neuróticas. A realidade que importa é a realidade dos interesses – a
realidade interna e não a realidade externa.
Relacionando estas ideias com o conceito de figura/fundo, podemos concluir
que não percebemos a totalidade de nosso ambiente, mas ao mesmo tempo
selecionamos objetos de acordo com nossos interesses, e estes objetos aparecem
como figuras proeminentes contra um fundo “escuro”.
O organismo e o mundo apresentam uma relação tão integrada que não
podemos definir quem serve a quem; ou seja, as ações e reações que ocorrem no
mundo e no organismo estão entrelaçadas, sem que haja uma relação de
causalidade, ou uma simples resposta para uma pergunta.
Em toda e qualquer investigação biológica, psicológica ou sociológica temos

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de partir da interação entre o organismo e seu ambiente. Podemos ir, além disso,
quando percebemos que na verdade não apenas selecionamos nosso mundo, como
podemos ser selecionados por outras pessoas como objetos de seus interesses.
Toda esta realidade sugere uma organização maior, uma realidade coletiva,
por meio de leis, compromissos, convenções, etc. Não podemos nos esquecer
também da realidade imaginária, em que o homem cria um mundo adicional, cheio
de projeções. Desse modo, em qualquer estudo de ciências do homem, incluindo a
psicoterapia, temos de falar de um campo no qual interagem pelo menos fatores
socioculturais, animais e físicos.
Tudo isto comprova e denota uma interdependência muito forte e dinâmica
que ocorre entre o organismo e o ambiente. Ampliando este conceito, podemos dizer
que a própria psicologia estuda a operação da fronteira de contato no campo
organismo/ambiente. Esta relação pode ser bem representada por meio do ciclo de
contato sugerido por Perls, em que há uma compreensão de um dos fenômenos
mais importantes, a autorregulação organísmica, muito diferente da regulação de
instintos por princípios morais ou autocontrole. O princípio que governa nossas
relações com o mundo externo é o mesmo princípio intraorgânico de busca de
equilíbrio, que é a autorregulação.
Entender a abordagem holística dentro da saúde também é um novo
movimento de quebra de paradigmas, afinal nem todas as culturas tradicionais
abordaram a saúde desta forma. Por meio dos tempos, as culturas têm oscilado
entre o reducionismo e o holismo em suas práticas médicas. Enquanto o foco da
medicina científica ocidental incide sobre os mecanismos biológicos e os processos
fisiológicos que produzem a evidência da enfermidade, a principal preocupação do
xamanismo está relacionada com o contexto sociocultural em que a enfermidade
ocorre, obedecendo a um enfoque psicossomático e trabalhando com o inconsciente
coletivo e social, compartilhado por toda a comunidade.
No âmago da medicina hipocrática, a medicina devia ser exercida como uma
disciplina científica. As doenças não são causadas por demônios ou forças
sobrenaturais, mas são fenômenos naturais que podem ser estudados e
influenciados por procedimentos terapêuticos e pela conduta de vida do indivíduo,
incluindo a influência dos fatores ambientais (ar, água, alimentos, etc.).
A tradição hipocrática, com sua ênfase na inter-relação fundamental de

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corpo, mente e meio ambiente, representa um ponto alto da filosofia médica
ocidental. Estes princípios foram desenvolvidos na China antiga, muito influenciado
pelo xamanismo, taoísmo e confucionismo.
Para a medicina Chinesa, o universo inteiro, natural e social, encontra-se em
estado de equilíbrio dinâmico, e o organismo humano é um microcosmo do universo.
A doença é o resultado de um conjunto de causas que culminam em desarmonia e
desequilíbrio. A finalidade da medicina chinesa é, antes, realizar a melhor adaptação
possível do indivíduo ao meio ambiente como um todo. O paciente, para isso,
desempenha um papel importante e ativo e é responsável pela manutenção da sua
própria saúde. Embora o sistema chinês apresente esta concepção holística da
saúde, ainda sim negligenciou o holismo no que se refere aos aspectos psicológicos
e sociais da doença.
Para entender esta complexidade holística que envolve a saúde, é
necessária compreender o conceito de saúde. Saúde é um estado de bem-estar que
se estabelece quando o organismo funciona de certa maneira, e que reflete uma teia
de relações entre múltiplos aspectos do fenômeno da vida. A saúde é um fenômeno
multidimensional, que envolve aspectos físicos, psicológicos e sociais, todos
interdependentes.
Podemos então dizer que a saúde é uma experiência subjetiva. Baseado no
novo paradigma da visão sistêmica a saúde é encarada como um processo
contínuo, refletindo a resposta criativa do organismo aos desafios ambientais.
Saúde, também pode ser entendida como um equilíbrio dinâmico que
envolve os aspectos físicos, psicológicos e sociais do organismo, assim como suas
interações com o meio ambiente natural e social. Este conceito de saúde é
compatível com a concepção sistêmica de vida, com a tradição hipocrática e a
tradição da medicina do leste asiático.
A doença é, portanto, uma consequência de desequilíbrio e harmonia, e por
outro lado, ser saudável significa estar em sintonia consigo mesmo – física e
mentalmente – e com o mundo circundante.
Como indivíduos, temos o poder e a responsabilidade de manter nosso
organismo em equilíbrio, respeitando algumas regras de qualidade de sono,
alimentação, exercícios e medicamentos. Atualmente, entendemos que a natureza
psicossomática da doença subentende a possibilidade de autocura psicossomática.

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Como exemplo, podemos citar o fenômeno do biofeedback (vasta gama de
processos físicos é influenciada pelos esforços mentais de uma pessoa). Algumas
enfermidades graves exigirão um enfoque terapêutico que inclua além dos aspectos
físicos e psicológicos, o estilo de vida e a visão de mundo do paciente. Tudo isso
como parte integrante do processo de cura.
Acredita-se que o estresse excessivo contribua para a origem e o
desenvolvimento da maioria das doenças, manifestando-se no desequilíbrio inicial
do organismo.
O pensamento sistêmico é um pensamento ambientalista, ou melhor, a
percepção ecológica profunda traz o novo paradigma da visão de mundo holística e
reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos, enquanto
indivíduos e sociedade, e a interligação dos processos cíclicos da natureza. A nova
ciência da ecologia enriqueceu a maneira sistêmica de pensar introduzindo duas
novas concepções – comunidade e rede.
Comunidade ecológica é um conjunto de organismos aglutinados em um
todo funcional por meio das suas relações mútuas. A concepção de sistemas vivos
como redes fornece uma nova perspectiva sobre as camadas hierárquicas da
natureza.
Devemos considerar que os sistemas vivos são redes, interagindo à maneira
de rede com outros sistemas. A teia da vida consiste em redes dentro de redes.
Para esta proposta não há separação entre seres humanos e meio ambiente natural,
concebendo os seres humanos apenas como um fio particular na teia da vida,
baseados nos valores ecocêntricos (centralizados na Terra).
Podemos concluir que esta percepção ecológica profunda é uma percepção
espiritual ou religiosa, fortalecida pelas sensações de pertinência, de conexidade
com o cosmos como um todo. Esta mudança de paradigma exige uma expansão
nas nossas percepções, maneiras de pensar, e, principalmente, nos valores. Para
isso, é necessário que as tendências autoafirmativas e integrativas funcionem de
forma equilibrada.
A partir da visão sistêmica teremos que ter em mente que um grande desafio
do nosso tempo é a criação de comunidades sustentáveis, ou seja, ambientes
sociais e culturais que podem satisfazer as necessidades e aspirações sem diminuir
as chances das gerações futuras.

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Em contrapartida, temos muitos trabalhos de corpo que podem ajudar a
manter o equilíbrio. A terapia de trabalho de corpo baseia-se na crença de que todas
as nossas atividades, pensamentos e sentimentos refletem-se no organismo físico,
manifestando-se em nossa postura e movimentos, nas tensões e nos sinais
corporais. Outro recurso é trabalhar padrões de respirações que refletem a dinâmica
de todo o sistema corpo/mente.
A Gestalt-terapia se destina a “curar” as patologias “comuns”, decorrentes da
frustração de necessidades de nível inferior, além das metadoenças de nossa
sociedade, os sofrimentos do espírito e das mais altas potencialidades humanas. É
importante inspirar os clientes, propondo um modelo humano de amplo espectro,
capaz de instigá-lo a almejar metas que antes não tinham compreendido e cogitado
alcançar.
A autorregulação organísmica é a consciência espontânea da necessidade
dominante e sua organização das funções de contato. Numa situação de perigo,
quando a tensão se inicia a partir de fora, a cautela e a deliberação são similarmente
espontâneas.
A ação autorreguladora é mais vívida, mais intensa e mais sagaz, o que
parece espontaneamente importante de fato organiza realmente a maior parte da
energia do comportamento.
Porém, a experiência neurótica é também autorreguladora e se caracteriza
por excesso de deliberação, fixação da atenção e músculos preparados para uma
resposta específica. O self fica impossibilitado de passar de uma energia para outra,
a energia fica presa a uma tarefa que não pode ser completada. O neurótico tem
uma sensibilidade ao perigo extremamente aguçada, ou seja, ele é cauteloso
quando poderia relaxar com segurança. O que ocorre em situações de emergência é
que fica clara a hierarquia subjacente e, assim, descobre-se “o que um homem é”.
Podemos concluir que a autorregulação ocupa uma posição ética privilegiada,
porque só ela guia a consciência organísmica e a força mais vigorosa. Qualquer
outro tipo de avaliação tem de atuar com energia reduzida.
O problema da psicoterapia é arregimentar o poder de ajustamento criativo
do paciente sem forçá-lo a encaixar-se no estereótipo da concepção científica do
terapeuta. É obviamente desejável ter uma terapia que estabeleça o menos possível
uma norma, e tente retirar o máximo possível da estrutura da situação concreta, aqui

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-agora, pois assim, podemos ter melhores esperanças de dissolver os elementos
neuróticos.
O sintoma é tanto uma expressão de vitalidade quanto uma “defesa” contra
a vitalidade, além de representar a expressão da singularidade de um homem. O
impulso neurótico não é unicamente negativo, ele exerceu um efeito modelador
sobre o paciente, e não se pode explicar um efeito positivo por uma causa negativa.
Portanto, é uma estrutura intrínseca de elementos vitais e embotadores, e que o
melhor self do paciente está investido nela.
Quando simplesmente se dissolve as resistências, corre-se o risco do
paciente tornar-se menos do que era. Dentro deste contexto, o terapeuta deve usar
o método de empregar cada parte que funciona como sendo funcional, e não
abstrair qualquer parte que funcione na situação concreta, incluindo o contexto do
paciente e encontrando um experimento que ativará todas as partes como um todo
do tipo exigido.
As partes que funcionam são: a autorregulação do paciente, o conhecimento
do terapeuta, a ansiedade liberada, a coragem e o poder criativo e formativo em
cada pessoa.

FIM DO MÓDULO I

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