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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A RELAÇÃO ENTRE PROTESTANTISMO E SOCIEDADE


BRASILEIRA NO FINAL DO SÉCULO XIX FRENTE AOS
TEMAS DA EDUCAÇÃO E ESCRAVIDÃO

LUIZ CÂNDIDO MARTINS

PIRACICABA, SP
2008
A RELAÇÃO ENTRE PROTESTANTISMO E SOCIEDADE
BRASILEIRA NO FINAL DO SÉCULO XIX FRENTE AOS
TEMAS DA EDUCAÇÃO E ESCRAVIDÃO

AUTOR: LUIZ CÂNDIDO MARTINS

ORIENTADOR: PROF. DR. ADEMIR GEBARA

Tese apresentada à Banca Examinadora do


Programa de Pós-Graduação em Educação
da UNIMEP como exigência parcial para a
obtenção do título de Doutor em Educação.

PIRACICABA – SP
2008
BANCA EXAMINADORA

_______________________________________
Prof. Dr. Ademir Gebara
UNIMEP
ORIENTADOR

Prof. Dr. Carlos Eduardo Brandão Calvani


FACULDADE UNIDA DE VITÓRIA

Prof. Dr. César Romero Amaral Vieira


UNIMEP

Prof. Dr. Elias Boaventura


UNIMEP

Prof. Dr. José Luis Simões


UFPE
MARTINS, Cândido, Luiz.
A relação entre Protestantismo e Sociedade Brasileira no final do Século
XIX frente aos temas da Educação e a Escravidão – 2008. Piracicaba. 2008.
Páginas 147.

Orientador: Prof. Dr. Ademir Gebara


Tese de (doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação –
Universidade Metodista de Piracicaba.

1. Protestantismo. 2. Escravidão. 3. Educação. 4. Sociedade brasileira


Trabalho dedicado aos meus pais,
Roque Cândido Martins (In Memoriam) e
Terezinha Maria Martins.
AGRADECIMENTOS

Sou grato ao amigo professor Carlos Eduardo Brandão Calvani, incentivador e no


desenvolvimento da minha vida acadêmica. Aos companheiros e amigos: Ariel
Roque Martins, Emilia Roque Martins, Jonas Gonçalves, Luis de Souza Cardoso,
Luciana Fernandes Volpato, Joel Garcia Vieira, Maria Aparecida Roque, Cláudio
Rocha, Elias Garcia, Yuzo, Kang Su Kin e Charles Young Kin. Carinhosamente nos
lembramos de Helen Read, que nos hospedou durante seis meses em Philadelphia,
oferecendo-nos atenção e muito carinho. Nossa gratidão à professora Erotides que
prestou grande ajuda nas correções dessa tese. Semelhantemente agradecemos
aos amigos João Magalhães e Christopher Westfahl, director of Pennsylvania
Language Institute , Philadelphia. Ao professor Dr. Ademir Gebara que foi muito
mais que um orientador no desenvolvimento deste estudo, foi um amigo que soube
respeitar nossa individualidade, oferecendo ampla liberdade e meios para que o
estudo chegasse ao seu término. Ao professor Dr. César Romero Amaral Vieira que
nos auxiliou como co-orientador desta pesquisa, sempre prestativo e atencioso. Aos
demais membros da banca examinadora, professor Dr. Elias Boaventura e José Luis
Simões. Finalmente, nossa gratidão à Igreja Presbiteriana Independente de Árvore
Grande, ao Presbitério Sudoeste de Minas Gerais, à Igreja Presbiteriana
Independente do Brasil, à Fondation Pour L‘ Aide Protestantisme Reforme, órgão
vinculado ao CMI (Conselho Mundial de Igrejas) fixado em Genebra, na Suíça, na
pessoa da senhora Silvia Adoue Renfer, ao apoio da Presbyterian Church nas
pessoas do Dr. David Maxwell e Maria Aroyo. À fundação Mary Harriet Speers. Ao
missionário norte-americano Richard Willian Irwin, ao Reverendo Abival Pires da
Silveira, ao Rev. Gérson Corrêa de Lacerda e ao amigo Breno Martins Campos que
foi uma inspiração nos estudos da sociologia de Pierre Bourdieu. O presente
trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico – CNPQ – Brasil.
RESUMO

A proposta desta pesquisa foi, tendo como amparo teórico a sociologia de Bourdieu,
estudar a relação entre o presbiterianismo, enquanto corrente protestante que se
instalou no Brasil na segunda metade do século XIX, e os temas da educação e da
escravidão. A partir da teoria dos campos de Bourdieu, procuramos interpretar o
movimento presbiteriano enquanto um campo social composto pelo seu capital
simbólico e que, dentro de suas pretensões expansionistas, deparou-se com outros
campos sociais ricos de capital simbólico já estabelecidos no Brasil. O confronto entre
esses campos simbólicos é apresentado levando-se em consideração a capacidade
de ambos de imporem seus discursos a partir da lógica da oferta e da demanda.
Estão presentes na discussão firmada os papéis da Igreja Católica, da maçonaria, do
Império e do partido republicano enquanto campos que de forma circular e dialética
se entrecruzaram com o campo protestante. A escolha do tema da educação se deu
por força de que foi no campo educacional o espaço onde o presbiterianismo
alcançou maior êxito. A escolha do tema da escravidão ocorreu por força de que
nesse campo a participação protestante, de forma geral, foi diminuta.

Palavras-Chave: Protestantismo. Escravidão. Educação. Sociedade brasileira.


ABSTRACT

The present work propose with the theoretical aid of the Bourdieu’s sociology, to
determine the relationship between the Presbyterianism, seen as a protestant
tendency settled in Brazil in the second half of the nineteenth century and the
themes of education and slavery. From the Bourdieu’s theory of the fields we
seek to interpret the Presbyterian movement while a social field composed by its
symbolic capital, what, as part of its expansionist intentions, was faced with other
fields plains of social symbolic capitals already presents in this country. The
confrontation between these two symbolic camps is presented if we take in
consideration the capacity of both to impose their speeches from the logic of
supply and demand . These speeches are present in the discussion about the
established roles of the Catholic Church, Freemasonry, Empire and the
Republican party seen as fields what in a circular and dialetics ways move and
intercross with the Protestant field . The choice of the theme of education was
made by virtue of it has been the educational field the space where the
presbyterianism achieved greater success. The choice of the theme of slavery, on
the contrary, occurred because it was jus in this field that on the hole it there was
the least participation of the Protestant people.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................11

1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...............................................................16

1.1 Revisão bibliográfica.............................................................................................20


1.2 Justificativa............................................................................................................23
1.3 Pierre Bourdieu e a teoria dos campos................................................................ 25
1.3.1 O conceito de campo......................................................................................... 28
1.3.2 Os progressos da divisão do trabalho religioso e o processo de moralização e
de sistematização das práticas e crenças..................................................................31
1.3.3 O interesse propriamente religioso.................................................................... 33
1.3.4 Função própria e funcionamento do campo religioso.........................................35
1.3.5 Poder político e poder religioso..........................................................................37

2. O CAPITAL SIMBÓLICO DO PROTESTANTISMO .............................................39

2.1 O Destino Manifesto...............................................................................................40


2.2 Norte-americanos e abolicionistas........................................................................ 46
2.2.1 O aspecto racial..................................................................................................47
2.2.2 A dimensão econômica.......................................................................................49
2.2.3 Religião e escravidão..........................................................................................51
2.2.4 A guerra da secessão.........................................................................................55
2.3 A tríplice dimensão da educação...........................................................................61
2.4 O desenvolvimento e domínio Tecnológico...........................................................66

3. AS ESTRUTURAS ESTRUTURADAS NO CAMPO...............................................69

3.1 O catolicismo como Igreja Oficial...........................................................................70


3.2 Os templos protestantes........................................................................................74
3.3 O casamento civil protestante................................................................................77
3.4 Os cemitérios protestantes....................................................................................79

4. AS ESTRUTURAS DESESTRUTURANTES DO CAMPO......................................82

4.1 O problema da educação.......................................................................................84


4.2 O problema da escravidão.....................................................................................92
4.3 O problema da Igreja Oficial..................................................................................98

5. AS ESTRUTURAS ESTRUTURANTES DO CAMPO...........................................103

5.1 O papel da maçonaria..........................................................................................104


5.2 O movimento republicano....................................................................................109
5.3 A religião protestante...........................................................................................115
5.4 A educação protestante.......................................................................................124
5.5 Protestantismo e a escravidão............................................................................129

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................133

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................140
INTRODUÇÃO

Estudar a relação do protestantismo com a educação e a escravidão no Brasil,


na segunda metade do século XIX , é a proposta deste trabalho. A finalidade é avaliar
qual o nível de envolvimento do protestantismo nesses assuntos, e a partir daí
localizar se há evidências de que o protestantismo tenha legado alguma contribuição
significativa para a sociedade brasileira nos aspectos da educação e escravidão.

O recorte estabelecido como limite inicial do estudo é o ano de 1859. Data que
marcou a chegada e início de um processo de implantação do protestantismo no
Brasil, trazendo consigo seus ideais educacionais e abolicionistas. Sobre os ideais
educacionais, destacamos a data de 08 de dezembro de 1871, quando o Colégio
Internacional foi fundado, em Campinas, pelos missionários presbiterianos George
Nash Morton e Edward E. Lane, com apoio de algumas das famílias mais destacadas
da província de São Paulo, liberais e republicanos, como por exemplo “Campos
Salles, Souza Aranha, Penteado, Caldeira, Alves Cruz (inspetor de instrução pública),
Amaral, Rangel Pestana, Quirino dos Santos Camargo, Moraes Barros, Cerqueira
Leite, dentre outras” Dawsey, (2005, p. 153). Esse fato, que se repetiu em diversos
outros casos, demonstra a receptividade das elites liberais, em geral dos maçons, à
proposta educacional dos missionários protestantes.
Em 1864, chegou a São Paulo o reverendo George W. Chamberlain, vindo do
Rio de Janeiro, onde havia fundado, em 1862, juntamente com Simonton1 e
Blackford, a primeira igreja Presbiteriana do Brasil. Ao chegar à província,
Chamberlain viajou pelo interior, distribuindo bíblias e divulgando os ideais da fé
protestante. Sua esposa começou a lecionar para uma turma de meninas, na classe
que organizou na própria sala de jantar de sua casa. Dessa iniciativa, surgiu o
Mackenzie College, em São Paulo, conhecido atualmente como Universidade
Presbiteriana Mackenzie.
Em Piracicaba, com a participação dos irmãos Prudente 2 e Manuel de Moraes
Barros, foi criado primeiramente, por breve período, em julho de 1879, o Colégio

1
Simonton, o primeiro missionário presbiteriano a chegar ao Brasil, em 1859.
2
Prudente de Moraes foi posteriormente o primeiro Presidente civil da República.
12

Newman, dirigido pelas irmãs Mary e Annie Newman, filhas de um pastor


metodista do assentamento de Santa Bárbara D’Oeste. Posteriormente ao
fechamento desse colégio, os irmãos Moraes Barros, com apoio de metodistas
americanos, intercederam à Methodist Episcopal Church para que enviasse uma
professora a fim de reabrir o colégio em Piracicaba. Em 1881, chegaram à cidade o
Rev. James W. Kogger e a professora Miss Martha Hite Watts, que inauguraram, em
13 de setembro do mesmo ano, o Colégio Piracicabano, até hoje em funcionamento e
que deu origem à Universidade Metodista de Piracicaba.
Dessa forma, acreditamos que as últimas décadas do século XIX são
pertinentes para perceber, não apenas como se processa a chegada protestante no
Brasil, mas também como esse grupo, recém chegado, estabelece suas inter-
relações com a sociedade brasileira, entre outros aspectos, pelo viés da educação.
Conforme se pode depreender dos estudos referentes ao protestantismo no
Brasil, a educação se constituiu em uma forte marca da presença protestante no
Brasil. Segundo a cosmovisão protestante, conforme pretendemos indicar no
desenvolvimento da pesquisa, a educação representou ainda ser um instrumento
facilitador do ideal de protestantinização do povo brasileiro.

No decurso da segunda metade do século XIX, ocorre, em 1888, a “abolição


da escravidão”. Isso nos interessa por buscar compreender a forma como o
movimento protestante se relacionou com a temática referente à escravidão no Brasil,
sobretudo porque o protestantismo norte -americano que se implantou no Brasil do
século XIX possuía antecedentes históricos relacionados com esse assunto nos
limites da América do Norte, que inclusive havia levado a uma guerra civil, colocando
o norte dos EUA, região com maior desenvolvimento industrial, contra o sul que tinha
sua economia pautada nas grandes fazendas e que dependia da mão-de-obra
escrava. Lembramos que o missionário Simonton provinha do norte dos EUA; logo,
era de se imaginar que houvesse de sua parte e de outros missionários americanos
um posicionamento incisivo frente ao tema da escravidão no Brasil.
A pergunta que fazemos nesta pesquisa e que constitui seu fio condutor é:
como o protestantismo, que via na educação a possibilidade de divulgação dos ideais
religiosos, ascensão social e que possuía ideal abolicionista, como foi o caso de
Simonton, por exemplo, se inter-relacionou com a sociedade brasileira a partir destes
dois pontos: educação e escravidão?
13

Essa pergunta desencadeia uma sub-questão, ou seja: se a educação era


entendida como um instrumento para a popularização dos ideais religiosos, e
reconhecendo-a como mecanismo gerador de conhecimento e progresso, logo nos
perguntamos sobre qual foi o alcance dessa proposta educacional protestante , tida
como avançada para a época e para a sociedade brasileira que, entre outros
aspectos, continha uma significativa parcela da população negra e escrava,
completamente desprovida de meios capazes de promoção a um campo de maior
representação e desenvolvimento.
A hipótese que levantamos é que não há evidências suficientemente capazes
de sustentar a proposição segundo a qual o protestantismo tenha obtido um grau
relevante de participação com esses temas, entre outros aspectos, por não ter
logrado as condições necessárias, poder, que significasse capacidade de influência
relevante.
Pretendemos verificar com nosso estudo o alcance da contribuição que o
movimento protestante legou para a história da educação brasileira, no sentido da
promoção social dos negros escravos, seja pela vertente da religião, ou,
especialmente da educação, já que nosso estudo tem sua ênfase na história da
educação protestante – embora entendamos que o tema religião esteja presente.
Nesse contexto, temos que avaliar criticamente a informação de que a educação
protestante foi bem-sucedida e acolhida pelas elites brasileiras daquele período. Por
enquanto, em termos introdutórios, contentamo-nos em dizer que o apoio de uma
fatia da elite econômica, política e intelectual à causa educacional protestante pode
ter ocorrido por interesses diversos, e suspeitamos que esse apoio tenha
representado alguma espécie de adesão ideológica às teses protestantes. O contato
com a bibliografia referente à educação protestante no Brasil traz poucos registros,
quando não ausência, de abordagem do tema proposto. A mesma conclusão se
aplica à bibliografia que trata de forma mais geral da história da religião protestante
no Brasil. Essa foi uma das razões que nos motivou ao desenvolvimento deste
estudo.
Após a verificação da hipótese indicada, de que a influência protestante não
obteve um alcance maior como poderia ocorrer, acreditamos estar contribuindo para
a produção do conhecimento da história da educação protestante nesse ponto; no
entanto, esse fato há de ser problematizado no sentido de buscar compreender as
razões subjacentes que alicerçaram essa atitude de distanciamento, e quais fatores
14

estavam em jogo no campo social, a ponto de reduzir o papel do protestantismo


frente a temas de tamanha relevância, como foi o caso da escravidão.
Queremos compreender com nosso estudo aquela situação em que a
educação protestante foi reconhecida no Brasil como portadora de métodos
pedagógicos avançados para a época, por estar “alinhada ideologicamente” com as
teses dos republicanos, liberais, maçons e de uma elite intelectual e econômica do
país que forçou e deu sustentação tanto para a entrada como permanência do
protestantismo no Brasil face às dificuldades impostas, tanto por uma legislação
quanto pela oposição da Igreja Católica. Não obstante a esta realidade de
reconhecimento e apoio, questionamos as razões pelas quais os missionários
educadores e os abolicionistas, como Simonton, dentre outros, obtiveram uma
influência pouco rele vante frente ao tema da escravidão e também da educação dos
escravos e libertos no Brasil.
Estamos delimitando nosso campo de estudo no protestantismo de missão
pelo veio do presbiterianismo. Entendemos que uma abordagem mais ampla
englobando outros ramos do protestantismo iria gerar possibilidades de divagações
na pesquisa, resultando em riscos que pretendemos evitar.
Em nosso trabalho, estaremos atentos ao presbiterianismo, mas há que se
pontuar que este não é um trabalho simples nem fácil, até por força das
características de nosso estudo. Portanto, não haverá um grau de especificidade que
não pressuponha uma teia de relacionamentos entre o campo protestante
presbiteriano e outros ramos protestantes, embora o interesse maior esteja na
vertente presbiteriana. Se as “conclusões” a que chegarmos ao final de nosso estudo
corresponderem, ou não, com a história de outros seguimentos do protestantismo no
Brasil, este, no entanto, não foi o nosso principal objetivo.
No planejamento que temos estabelecido, prete ndemos apresentar na
primeira seção o procedimento metodológico adotado, a revisão bibliográfica, a
justificativa de nossa proposta de estudo e o referencial teórico a partir do qual a
pesquisa será realizada. Na segunda seção, o objetivo é apresentar o capital
simbólico do protestantismo em um período anterior a sua instalação no Brasil. A
razão dessa discussão obedece a nossa opção metodológica pela linha bourdiana,
que, afinal, referencia a elaboração da pesquisa e, segundo a qual, na luta pelo poder
dentro de uma realidade social dada, a quantidade de capital simbólico
15

disponibilizado pelos agentes e instituições é uma das condições para, efetivamente,


entrar no jogo.
Com a elaboração da terceira seção, sobre as estruturas estruturadas dentro
do campo, o que se pretende é evidenciar que, dentro do campo social brasileiro, o
catolicismo se constituía na religião oficial, portanto sua posição em termos de capital
simbólico e lugar de largada na luta pelo poder dentro do campo social era
significativa face ao capital simbólico dos protestantes recém chegados. Nesse
sentido, o aspecto ligado à existência de uma legislação impeditiva, seja no âmbito da
construção de templos protestantes, reconhecimento de casamentos fora dos
auspícios da Igreja Católica e também as restrições de sepultamento de protestantes
em cemitérios católicos são elementos que revelam a existência de estruturas
estruturadas.
A quarta seção objetiva mostrar a existência, dentro da sociedade brasileira,
de estruturas desestruturantes da ordem social. Essas estruturas eram a escravidão e
a educação e também o problema da religião católica. Na quinta e última seção,
apresentamos as estruturas estruturantes da realidade e fazemos isso a partir da
demonstração do papel desempenhado pela maçonaria, pelo movimento republicano,
pela presença de missionários e educadores protestantes.
16

1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Ao darmos o primeiro passo na direção da construção de nossa pesquisa, que


entendemos enquadrar-se no campo das ciências sociais, inevitavelmente
começamos a nos ocupar com os procedimentos metodológicos a serem utilizados.
Tal preocupação nasce da intenção de se autoproteger, por um lado, de um
cientificismo ingênuo que consiste em acreditar na possibilidade do estabelecimento
de verdades definitivas adotando um rigor similar ao dos físicos e biólogos, ou, de
outro lado, uma incredulidade que venha a nos levar à negação da possibilidade de
obtenção do conhecimento do problema desencadeador da pesquisa, mesmo que
parcialmente.
O limite de nosso posicionamento metodológico, portanto, está situado entre
esses dois parâmetros. De um lado, entendemos que não se pode ignorar a
responsabilidade do emprego de certo nível de rigor nos procedimentos do estudo.
No entanto, é necessário se ater ao ponto fundamental de que os resultados obtidos
a partir de tal procedimento metodológico não estejam nos conduzindo à obtenção de
“verdades definitivas”. A preocupação aqui não é com a produção de verdades
definitivas e sim possíveis, e possíveis porque dizíveis, mas sempre abertas a novas
perspectivas.
Ao evoluirmos nessa direção, nos parece necessário uma pausa para pontuar
um aspecto levantado por Vieira (2006) em recente tese de doutorado, na qual o
autor discute nas páginas iniciais de seu trabalho aspectos referentes à vigilância
epistemológica. As preocupações apontadas pelo professor Vieira correspondem às
nossas próprias indagações e perspectivas, razão pela qual cabe o registro.
Discorrendo sobre os procedimentos metodológicos, incluindo os instrumentais
teóricos a serem empregados numa pesquisa científica, o autor informa que sua
intenção não era a de discutir a validação de um sistema teórico, mas que seria
importante chamar a atenção:

Para a provisoriedade da objetividade científica,


independentemente do referencial a ser utilizado, ou seja, todo e
17

qualquer referencial teórico-metodológico será sempre uma


construção abstrata e idealizada da realidade a que se pretende
observar. Nesse processo destaca-se a necessidade de o
pesquisador compreender que a realidade social é sempre muito
mais rica e abrangente do que a sua construção teórico-
metodológica, que, de certa forma, a reduz e a artificializa, além do
fato de não existir uma construção histórica neutra da realidade,
mas sempre situada e interpretada a partir de critérios
hermenêuticos do pesquisador. (VIEIRA, 2006, p. 20)

Feita essa observação e seguindo as orientações de Raymond Quivy LucVan


Campenhoudt (1998), buscamos definir o rumo de nosso procedimento nesta
pesquisa. Ao discorrer sobre a relevância dos procedimentos metodológicos em
pesquisas na área de ciências sociais, o referido autor faz um questionamento sobre:

O que é que, na melhor das hipóteses, se aprende, de fato , no fim


daquilo que é geralmente qualificado como trabalho de
investigação em ciências sociais. E a resposta possível para a
indagação está no indicativo de que os pesquisadores podem
compreender melhor os significados de um acontecimento ou de
uma conduta a fazer inteligentemente o ponto da situação, a captar
com maior perspicácia as lógicas de funcionamento de uma
organização, a refletir acertadamente sobre as implicações de uma
decisão política, ou ainda a compreender com maior nitidez como
determinadas pessoas apreendem um problema e a tornar visíveis
alguns dos fundamentos das suas representações. (QUIVY, 1988,
p. 19)

No entanto, é preciso dizer que, devido às particularidades da pesquisa no


campo das ciências sociais, aos limites do próprio pesquisador e, nesse sentido, à
falta de clareza referente aos procedimentos metodológicos, é comum o
aparecimento de certos problemas de pesquisa, às vezes intransponíveis e, sendo
assim, não raro o pesquisador se vê diante de questões sérias como, por exemplo, as
que Quivy (1988) menciona ao dizer que às vezes o pesquisador pensa que já não
sabe em que ponto está, tendo a impressão de que nem sabe o que procura, não
fazendo a mínima idéia do que há de fazer para continuar, tendo muitos dados em
mãos mas não sabendo o que fazer com eles, ou até mesmo, logo de início, não
sabendo por onde começar.
18

Portanto, fica clara a importância e necessidade da existência de um


procedimento metodológico, mas é preciso ainda não se dar por satisfeito e, então,
nos perguntarmos sobre o que é um procedimento metodológico e como expô-lo. Por
procedimento, estamos compreendendo a forma de avançar rumo ao nosso objetivo e
a sua exposição consistirá em descrever os princípios fundamentais a pôr em prática
na pesquisa.
Na abordagem do assunto, Quivy (1988, p. 25) resume o processo científico em
algumas palavras, quais sejam: “O fato científico é conquistado, construído e
verificado”. Ou seja, é conquistado sobre os preconceitos; construído pela razão; e
verificado nos fatos. Particularmente, estamos entendendo que, dentro dessa tríade,
os fatos adquirem singularidade no processo e, no caso de nosso estudo, os fatos
históricos, uma vez que o rompimento dos preconceitos e a conseqüente construção
teórica feita pela razão são dependentes dos fatos que podem ou não corroborar e
sustentar os resultados finais da pesquisa. E, a partir dos fatos, podemos fazer
afirmações, no fundo, condição indispensável para qualquer tipo de afirmação.
Ainda de acordo com Quivy (1988), essa mesma idéia foi o fundamento de
toda obra Le métier de sociologue, de Pierre Bourdieu, J.C. Chamboredon e J.C.
Passeron (Paris, Mouton, Bordas, 1968). Nela, houve a busca dos autores em
descrever o procedimento como um processo em três atos, cuja ordem deve ser
respeitada. É aquilo que chamam de hierarquia dos atos epistemológicos. Estes são:
a ruptura, a construção e a verificação (ou experimentação).
Os três atos do procedimento, no entanto, não estão desconectados nem
depositados em pontos absolutamente opostos, mas, ao empregá-los, deve-se ter em
mente a logicidade que os une, formando um só corpo instrumental.
O primeiro ponto do procedimento, a ruptura, consiste, nos dizeres de Quivy
(1988, p. 26), “em romper com os preconceitos e as falsas evidências, que somente
nos dão a ilusão de compreendermos as coisas. A ruptura é, portanto, o primeiro ato
constitutivo do procedimento científico”. Quando essa afirmação é feita, entendemos
que o autor está levando em consideração aquela experiência que muitas vezes se
evidencia no processo da produção acadêmica, as quais, a partir das aparências
imediatas e algumas delas superficiais e parciais, são utilizadas por nós como
suportes para afirmações, sendo algumas até generalizantes. Portanto, a ruptura,
nesse caso, está de acordo com o exercício de deixar de lado a nossa suposta
19

“bagagem teórica” que pode apenas nos dar a ilusão de estarmos compreendendo as
coisas. Valorizá-las demais equivale a construir edificações sobre a areia.
Salientamos que esse processo de ruptura não pode e não deve ocorrer de
forma qualquer, mas sim através de um sistema conceitual organizado, capaz afinal
de comunicar a lógica que o pesquisador supõe existir como pilar do fenômeno em
análise. Atentos aos aspectos que caracterizam essa ruptura, devemos então
considerar o passo seguinte do processo, a construção da pesquisa.
A existência desse sistema conceitual organizado, além de dar condições para
explicar as estruturas do problema de pesquisa, obedece ainda a um segundo
momento no processo, qual seja:

É graças a esta teoria que ele (o pesquisador – grifo nosso) pode erguer as
proposições explicativas do fenômeno a estudar e prever qual o plano de
pesquisa a definir, as operações a aplicar e as conseqüências que
logicamente devem esperar-se no termo da observação. Sem esta
construção teórica não haveria experimentação válida. Não pode haver,
em ciências sociais, verificação sem construção de um quadro teórico de
referência. Não se submete uma proposição qualquer ao teste dos fatos.
As proposições devem ser o produto de um trabalho racional,
fundamentado na lógica e numa bagagem conceitual validamente
constituída. (QUIVY, 1988, p. 26)

Fechando a tríplice dimensão do processo, temos a verificação. Subjacente a


essa etapa da pesquisa, é preciso ainda que se tenha em mente a impossibilidade de
elaborar uma proposição teórica qualquer sem que, primeiro, o pesquisador tenha
levado em conta a necessidade de verificar e testar as informações e os dados. Uma
proposição qualquer, que não esteja calcada nos aspectos da ruptura, da construção
e da verificação de sua validade, não pode ser considerada como tal. “Uma
proposição só tem direito ao estatuto científico na medida em que pode ser verificada
pelos fatos”, Quivy (1988, p. 28).
20

1.2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A proposta de nossa pesquisa está amparada em uma abordagem


bibliográfica. Nesse aspecto, buscamos nos clássicos da história do protestantismo
no Brasil, referindo-nos a autores como: Émile G. Leonard (2002): O protestantismo
Brasileiro; Reily, Duncan (1984): História documental do protestantismo no Brasil;
Boanerges Ribeiro (1973): Protestantismo no Brasil Monárquico, 1822-1888; Antonio
de Gouvêa Mendonça (1984): O Celeste Porvir; Carh Joseph Hahn (1989): História
do Culto protestante no Brasil; David Gueiros Vieira (1980): O Protestantismo, a
Maçonaria e a questão Religiosa no Brasil; e também as obras de Antônio Maspoli de
Araújo Gomes (2000): Religião, educação & progresso; Barbosa José Carlos (2002):
Negro na entra na Igreja, espia da banda de fora; Peri Mesquida (1994): Hegemonia
norte-americana e educação protestante no Brasil; entre outros indicativos que
pudessem nos aproximar da compreensão da dinâmica do protestantismo, desde sua
instalação, na segunda metade do século XIX no Brasil, com os temas da escravidão
e também da educação.
Dessas referências bibliográficas citadas, gostaríamos de destacar Barbosa
(2002), “Negro não entra na igreja, espia da banda de fora”, como sendo uma obra
importante no quadro da ausência da produção de conhecimento sobre a questão da
escravidão na perspectiva protestante. Entre as conclusões a que chega o referido
autor está a de que, para o protestantismo, o negro deveria ser educado de acordo
com os códigos do ensino e da moral protestante, tornando-se humilde e cuidando-se
da falta de trabalho, afinal sem o devido conhecimento religioso e sem o trabalho, não
alcançaria status dentro daquela sociedade.
É preciso que se diga, concordando com Vieira (2006), que há uma
significativa quantidade de material a ser explorado por pesquisadores a respeito da
presença protestante na educação brasileira, e que esse material permanece à
margem, devido às discordâncias a respeito das abordagens. E também porque
algumas pesquisas já realizadas por estudiosos protestantes não apresentam a
devida isenção do pesquisador que acaba, em alguns casos, no campo da apologia
de sua instituição ou então sacralizando personagens e profanando outros, sem,
contudo, buscar entendê-los numa perspectiva mais ampla da própria dinâmica da
vida e dos acontecimentos históricos.
21

Passada essa primeira etapa, fomos tendo contatos também com outras
pesquisas referentes ao protestantismo no Brasil, dissertações de mestrado e teses
de doutoramento de várias universidades brasileiras. Apontamos algumas como
sendo aquelas que mais nos chamaram a atenção 3 e que constituem um importante
demonstrativo da produção acadêmica referente à história do movimento protestante
brasileiro.
Ao longo da verificação desses trabalhos, notamos que, embora com
perspectivas e ênfases distintas, todos indicavam para o reconhecimento da
importância do movimento protestante no que tangia à educação, como bem
demonstra Vieira (2006) no seu trabalho referente à influência liberal norte -americana
na Reforma Caetano de Campos – 1890.
Se por um lado descobrimos sinais de contribuições da educação protestante
naquele recorte histórico do final do século XIX, no Brasil, no entanto, sentíamos que
faltavam pesquisas que nos auxiliassem a compreender como o movimento
protestante se inter-relacionou com o assunto da escravidão.
Barbosa, mencionando o missionário Ashbel Green Simonton como um
abolicionista, declara, contudo, que “os primeiros missionários presbiterianos
enviados pela Igreja Presbiteriana do Norte dos Estados Unidos eram explicitamente
contrários à escravidão, mas não chegaram a desenvolver atividade em torno do
processo abolicionista”, Barbosa (2002, p. 44).
Em suas conclusões finais, o autor destaca, no ambiente de suas reflexões
sobre as razões do distanciamento do protestantismo face à escravidão no Brasil, que
“a teologia do protestantismo missionário no Brasil foi satisfatoriamente adequada a
um prudente distanciamento da igreja em relação aos graves problemas enfrentados
pela sociedade, entre eles, a escravidão negra” (Barbosa, 2002, p. 189).

3
Maria L. Hilsdorf. Escolas americanas de confissão protestante na província de São Paulo: um estudo
de suas origens. 1977. 228 f. Dissertação (mestrado em Educação) – FEUSP, São Paulo, 1977.
Chamo, Carla Simone. Maria Guilhermina Loureiro de Andrade: trajetória profissional de uma
educadora – 1839-1929. 2005. 360 f. Tese (doutorado em educação) – Faculdade de Educação,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005 e a dissertação de mestrado de CLARK,
Jorge Uilson. A imigração norte-americana para a região de Campinas: análise da educação liberal no
contexto histórico brasileiro. 1998, 176 f. Dissertação (mestrado em educação) – Faculdade de
educação da Universidade de Campinas, Campinas: 1998. PARIS, A Mary Lou. A educação no
Império: jornal a província de São Paulo. 1980. 108 f. dissertação (mestrado em educação) – faculdade
de educação da universidade de São Paulo, São Paulo, 1980 e muito recentemente o trabalho de
VIEIRA, César Romero Amaral Protestantismo e educação: A presença liberal norte americana na
reforma Caetano de Campos – 1890. 205p. Tese (Doutorado em educação) – Universidade Metodista
de Piracicaba, Piracicaba, São Paulo, 2006. ANDRADE, Ezequiel. Metodismo e Escravidão no Brasil
(1835.1888).São Bernardo do Campo. ISM 1995.
22

Em síntese, a tese de Barbosa caminha na direção de que esse


distanciamento do protestantismo em relação à escravidão se deu por três razões,
primeiro: o aspecto da prudência dos missionários em face dos seus interesses de se
implantarem no Brasil; segundo, o aspecto da perspectiva teológica dos missionários
que visualizavam a distinção entre o mundo espiritual e o temporal; e terceiro, o
interesse com a regeneração moral dos negros apenas, sem, contudo, haver um
envolvimento maior com sua emancipação.
Outro trabalho importante nessa direção é o de Elisete da Silva em As visões
protestantes sobre a escravidão4. A autora desenvolve seu trabalho a partir da
ramificação protestante pelo viés da imigração, estudando o caso da igreja anglicana,
mas em paralelo com outra denominação de origem missionária, a igreja batista. O
foco da abordagem da autora centra-se nos anglicanos da Bahia British Church ou
Saint George Church e os batistas da convenção Batista Baiana, sediados em
Salvador, capital da Bahia.
As conclusões da autora, guardadas as particularidades do enfoque e também
do contexto estudado, em nada diferem da suspeita de que o protestantismo, de fato,
pouco envolvimento teve com a escravidão.
Diante da escassez de material que pudessem nos auxiliar na pesquisa, no
segundo semestre de 2004, visitamos o Presbyterian Historical Society, na cidade de
Philadelphia, Estado da Pennsylvania, nos Estados Unidos da América, onde há um
arquivo da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos. Nossa finalidade era buscar
fontes que pudessem nos auxiliar nesta pesquisa. Retornaremos a esse assunto na
quinta seção deste estudo, quando estivermos tratando do presbiterianismo e
escravidão no Brasil.

4
. Elizete da Silva. Visões Protestantes Sobre a Escravidão. Publicado eletronicamente na revista de
estudos da religião da pontifícia universidade católica de São Paulo;
http://www.pucsp.br/rever/rv1_2003/p_silva.pdf último acesso em 23 de agosto, 2007.
23

1.3 JUSTIFICATIVAS

Entre os anos de 2000 e 2002, quando estávamos vivendo um momento de


conclusão do curso de mestrado em Ciências da Religião na Universidade Metodista
de São Paulo, por força das pesquisas e, conseqüente, contato com a bibliografia
relacionada à história do protestantismo no Brasil, ocorreu, então, o nascimento da
idéia de uma pesquisa que pudesse dar condições de se verificar como se processou
o relacionamento do protestantismo, pelo viés da religião, e especialmente da
educação, com o tema da escravidão no recorte histórico do final do século XIX.
Outra motivação dessa idéia vinha dos estudos e debates existentes dentro
das instituições acadêmicas e governamentais, naquela época, a respeito do
polêmico tema das cotas para afro-descendentes nas universidades brasileiras.
Nascia, de forma embrionária, a idéia da pesquisa. Naquele momento,
começamos o le vantamento de fontes que pudessem, de alguma forma, nos
aproximar do problema de pesquisa que visualizávamos como possível.
No contato com a bibliográfica pertinente, pudemos constatar um dado que
julgávamos relevante e que nos inspirou à produção do presente trabalho, tratava-se
da natureza das pesquisas elaboradas até então sobre o assunto, que, na sua ampla
maioria, em nosso entender, apresentava a presença protestante no Brasil numa
perspectiva histórica, da narrativa propriamente dos fatos históricos que marcaram,
seja de forma positiva ou negativa, tal presença no Brasil.
Em nosso entendimento, havia um vazio significativo no campo da produção
acadêmica, em que os personagens e as informações históricas fossem
apresentados na perspectiva do relacionamento dos indivíduos, produtores dos fatos
históricos com o meio social, e que pudéssemos então vê-los dentro da ampla teia
das relações sociais como indivíduos que se comportaram desta ou daquela outra
forma por força das pressões do contexto e dos interesses que os mesmos traziam
dentro de si.
Foi justamente nesse ponto que entendemos ter encontrado um espaço no
qual nossa pesquisa poderia se estabelecer e trazer contribuições para o
desenvolvimento do conhecimento das implicações do projeto encetado pelos
missionários norte-americanos no Brasil em meados do final do século XIX.
Portanto, a face de nosso trabalho é a de uma pesquisa que pretende, de
24

posse das informações já produzidas por diversos pesquisadores sobre o tema,


avançar na direção do processamento de tais dados, tendo como ferramenta para a
consecução de tal tarefa o instrumental teórico proposto pelo sociólogo francês Pierre
Bourdieu. Através de sua teoria dos campos e da forma sempre dinâmica como a
questão do poder se processa nos campos, buscamos aplicar tal procedimento na
análise do movimento missionário em sua inter-relação com os diversos campos que
compunham a sociedade brasileira daquela época.
Em outras palavras, com a teoria dos campos de Bourdieu, indicamos a
viabilidade de sua argumentação como ferramenta teórica para o nosso projeto a
partir dos seguintes aspectos: em primeiro lugar, a classificação que Bourdieu faz
sobre os campos de poder, ou seja, filosófico, político, artístico, religioso entre outros,
dá-nos uma compreensão aproximativa da realidade conjuntural encontrada pelos
missionários americanos no Brasil. É bom lembrar que, segundo Bourdieu, os
diversos campos encontram-se numa relação sincrônica, numa relação dinâmica,
num relacionamento entre ambos.
De passagem, a título de ilustração do que estamos apontando, destacamos
apenas as influências e benefícios que o campo protestante missionário obteve e
recebeu da elite republicana nascente, na participação de educadores\as protestantes
no campo da formatação de projetos educacionais na província de São Paulo, a boa
recepção de parte da sociedade com referência às escolas e métodos pedagógicos
trazidos pelos missionários, do relacionamento do protestantismo com a maçonaria
enquanto instituição favorável à sua instalação no Brasil, entre outros espaços com
os quais o movimento protestante manteve contatos.
Outra contribuição da teoria de Bourdieu está na sua definição da linguagem
religiosa como criadora de um mundo, ela, segundo o autor, é estruturada e
estruturante, estruturada por ser composta de signos e objetos, entre outros, que em
última estância forma uma realidade estruturada.
Queremos apontar que a linguagem religiosa dos missionários educadores
protestantes era estruturada, e, conseqüentemente estruturante. Estruturante porque
é da natureza da linguagem religiosa estruturar a vida e a cosmovisão dos atores
sociais religiosos, integrando-os a um locus que lhes dá sentido. Com isso, podemos
deduzir a relevância da ação missionária diante do tema da educação e da
escravidão, pois, teoricamente, possuíam “o poder” para estruturar uma nova
realidade.
25

Um terceiro aspecto refere-se às lutas existentes dentro dos campos pelo


poder, entre aquele que já está no campo (em nosso caso, a presença da religião
católica romana e mesmo o campo político) e aquele que se apresenta como
concorrente ou novo (neste caso, a presença dos missionários como agentes
concorrentes). Com isso, temos um poder estabelecido e um secundário que tenha a
entrada no campo.
Como dominantes com acesso ao poder, ocorre aquilo que Bourdieu chama de
alquimia ideológica, isto é, a capacidade de transformar o discurso essencialmente
humano em palavras sobrenaturais, pretensamente representativas da vontade de
Deus. No caso da escravidão, notamos que o poder religioso era legitimador desse
sistema de dominação, pois era ele o espaço de determinação da “vontade de Deus”.
Com base na teoria de Bourdieu, queremos analisar o protestantismo no Brasil a
partir dos pontos da educação e escravidão como um campo de poder composto por
funcionários, simbologia e desejo de supremacia no relacionamento com outros
campos. Como sabemos, o campo protestante, religiosamente falando, concorria com
o campo Católico que mantinha hegemonia.
Portanto, percorrer as relações do campo religioso protestante, a partir dos
eixos da educação e escravidão com outros espaços de dominação na sociedade
brasileira do século XIX, utilizando-se das lentes teóricas do sociólogo Bourdieu, é o
que pretendemos.

1.4 PIERRE BOURDIEU E A TEORIA DOS CAMPOS

Pierre Bourdieu nasceu em 01 de agosto de 1930, em Denguin, pequena


aldeia francesa na região dos Pirineus, filho de agricultores. No dia 23 de janeiro de
2002, ele faleceu, em Paris, aos 71 anos, como um respeitáve l sociólogo do século
XX.
Entre outros tantos aspectos, Pierre Bourdieu não era apenas um pesquisador
excepcional, foi reconhecido pela comunidade acadêmica internacional como
intelectual empenhado nas lutas sociais e no debate público (Vasconcelos, 2002).
Nos primeiros anos de sua produção intelectual, Bourdieu primou pelo interesse
na construção de instrumentos de análises e pelo desenvolvimento de métodos
26

investigativos que pudessem deslocar o centro das atenções para a compreensão do


contexto, em oposição às linhas interpretativas que davam validade às dimensões
internas dos textos. Para Bourdieu, a validade textual das obras de arte ou de
qualquer outra forma de bem simbólico imaginável deveria ser encontrada no tecido
mais amplo que o contexto envolvia, então, a preocupação do autor em reorientar, a
partir de seu trabalho, uma teoria metodológica que contemplasse a dimensão
contextual. Vejamos:

Remando contra essas correntes de leitura “interna”, Bourdieu investiu


numa redefinição teórica do que até então passara a ser execrado, o
“contexto”, a realidade social abrangente. Em lugar de formatar um novo
arrazoado teórico para o lugar e os efeitos do contexto no processo de
determinação de qualquer produto cultural, ou melhor, em vez de
renomear, por exemplo, o ligamento entre as obras de arte e os
condicionantes de sua produção e recepção, preferiu qualificar os
processos de constituição dos espaços sociais competitivos em que se
movem os agentes produtores e consumidores desses produtos por
intermédio do conceito chave de campo e de toda uma constelação de
noções auxiliares, habitus, capital, competência, autoridade (...). O
contexto, em sua antiga acepção de sítio abrangente de ocorrências
motivadas, se esvai em favor de um balizamento derivado da história
interna de uma dada atividade social, tomando os interesses e as
características dos profissionais do campo, a exemplo da proposta
weberiana sobre a atividade religiosa, no principal efeito de arrastão em
termos de compreensão e inteligibilidade. (MICELI, 1999, p. 6)

Agindo dessa forma, Bourdieu reinventa procedimentos 5 que se


consubstanciam, afinal, em instrumentos de análises com forte consistência teórica. A
reinvenção a que nos referimos ocorre a partir de uma intenção deliberada do autor
em transgredir as divisões disciplinares. A respeito do procedimento de Bourdieu:

Embora possa parecer aos desavisados um sociólogo de carteirinha,


Bourdieu se mostrou transgressor dessas divisões disciplinares e
temáticas, suscitando com freqüência a reação indignada de literatos e

5
Miceli, pontuando aspectos desse processo reinventivo de Bourdieu, destaca que as análises das
práticas de produção e consumo culturais mobilizaram procedimentos imaginativos e heterodoxos;
exploraram fontes documentais até então praticamente desconsideradas, como fotos, materiais
publicitários, resultados de sondagens realizadas fora da universidade entre outros; remapearam o
terreno social de emergência das práticas culturais a meio caminho entre afazeres cotidianos,
reclamos éticos, exigências estéticas, ritmação afetiva e pontuação expressiva.
27

críticos de várias confissões teóricas. Basta perguntar a muitos críticos


literários o que acham de As regras da arte para se dar conta da fúria
com que reagem aos parâmetros mobilizados pela análise empreendida
acerca do romance A educação sentimental, de Gustave Flaubert.
(MICELI, 1999, p. 6)

No âmbito do desenvolvimento de novos procedimentos metodológicos,


Bourdieu intenta a criação de um modelo de análise capaz de auxiliar na descoberta
dos mecanismos sociais que determinam e prescrevem as leis de reprodução social.
Para o autor, reprodução e suas leis guardam um sentido específico dentro de suas
análises, ou seja, a intenção fundamental do estudo dessas leis de reprodução é
entender e desvelar os mecanismos que eternizam as mais diversas formas de
reprodução das desigualdades sociais.

Recusando-se a pregar aos convertidos, Bourdieu mergulha na


sociologia do universo científico, perseguindo a psicologia do espírito
científico preconizada por Bachelard, desvelando o invisível, o não dito,
as censuras, a lógica dos determinantes sociais de exclusão, dos
comitês de seleção, dos critérios de avaliação, das condições sociais de
recrutamento e do comportamento dos administradores científicos. Ele
vai dissecar a lógica de um espaço social específico, quer dizer, o campo
científico, situando o sociólogo em seu interior. (NOGUEIRA, 1998, p. 14)

Foi na descoberta da iniciativa de Bourdieu em identificar e entender as


relações e leis estruturadas e estruturantes da realidade social que encontramos a
base para empreender a presente pesquisa, sobretudo, visando à tentativa de
utilização dos conceitos bourdianos como balizas a nortear nosso trabalho. Dizemos
tentativa porque reconhecemos nossos limites e talvez a falta de clareza no
entendimento da profundidade de alguns conceitos desenvolvidos pelo autor.
Contudo, dispomo-nos a correr o risco6.
Portanto, com relação à referência teórico-metodológica, estamos nos
apoiando nos construtos teóricos da sociologia de Pierre Bourdieu como ferramenta
6
A título de sugestão, para aqueles que se interessem pelo aprofundamento das linhas interpretativas
da realidade elaboradas por Bourdieu, apontamos as seguintes obras como referências importantes.
São elas: Bourdieu, Pierre; Chamboredon, Jean-Claude; Passeron, Jean Claude. A profissão de
sociólogo: preliminares epistemológicas. Petrópolis: Vozes, 1999. Outra referência: Bourdieu, P. O
desencantamento do mundo: estruturas econômicas e estruturas temporais. São Paulo: Perspectiva,
1979 e finalmente Pinto, Louis. Pierre Bourdieu e a teoria do mundo social. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
28

para entender e explicar o tipo de relacionamento estabelecido entre protestantes e


sociedade, naquele contexto social do final do século XIX, no Brasil, tendo em vista
as dimensões sociais, políticas, econômicas, educacionais e religiosas. Com o
enfoque da teoria dos campos, temos a intenção de avaliar a chegada e o
desenvolvimento do movimento protestante no Brasil sob as perspectivas já
mencionadas da educação e escravidão. De Bourdieu, em nossa pesquisa, nos
interessa os conceitos de campo, habitus, poder simbólico, estruturas estruturadas e
estruturantes, capital, oferta, reprodução e classificação social como chaves de
leitura, abordagem e problematização do objeto.

1.4.1 CONCEITO DE CAMPO RELIGIOSO

No livro A economia das trocas simbólicas, Pierre Bourdieu propõe um estudo


da religião como uma forma de linguagem criadora de um mundo. Segundo o autor:

Esta teoria da linguagem como modo de conhecimento que Cassirer


estendeu a todas as “formas simbólicas” e, em particular, aos símbolos do
rito e do mito, quer dizer, à religião concebida como linguagem, aplica-se
também às teorias e, sobretudo, às teorias da religião como instrumentos
de construção dos fatos científicos. (BOURDIEU, 2005, p. 27)

O interesse de Bourdieu é o de analisar sociologicamente como nasceu e


como se estrutura a linguagem religiosa dentro do campo religioso, sendo que o
termo campo guarda particularidades para o autor.
Pierre Bourdieu explicita sua compreensão de campo e estabelece também as
suas bases conceituais:

Os campos se apresentam à apreensão sincrônica como espaços


estruturados de posições (ou de postos) cujas propriedades dependem
das posições nestes espaços, podendo ser analisadas
independentemente das características de seus ocupantes (em parte
determinadas por elas). Há leis gerais dos campos: campos tão
diferentes como o campo da política, o campo da filosofia, o campo da
29

religião possuem leis de funcionamento invariantes (é isto que faz com


que o projeto de uma teoria geral não seja absurdo e que, desde já, seja
possível usar o que se aprende sobre o funcionamento de cada campo
particular para interrogar e interpretar outros campos, superando assim a
antinomia mortal entre a monografia ideográfica e a teoria formal e
vazia). (BOURDIEU, 1983, p. 89).

Para o autor, cada campo, tal como: o religioso, o econômico, o político, o


filosófico, o artístico, o histórico, o psicológico, entre outros, possui suas próprias
características, em virtude das substanciais diferenças entre eles; porém, há leis
gerais dos campos que são invariantes. No livro “Questões de Sociologia”, Pierre
Bourdieu esclarece: “Mas sabe-se que em cada campo se encontrará uma luta, da
qual se deve, cada vez, procurar as formas específicas, entre o novo que está
entrando e que tenta forçar o direito de entrada e o dominante que tenta defender o
monopólio e excluir a concorrência” Bourdieu, (1983, p. 89). Trava-se, assim, uma
luta entre o dominante do campo e aquele que se apresenta como concorrente para
chegar ao poder dentro de determinado espaço em disputa.
Ainda de acordo com Bourdieu, o dominante é o que detém o capital específico
do campo. Este capital é específico porque representa tudo que tem valor dentro do
seu campo, como a questão econômica, religiosa, tecnologias, o domínio de know
how, tradição, o poder político, entre outros. E este capital específico, acumulado a
partir das lutas anteriores, orienta as estratégias a serem utilizadas no futuro e,
fazendo uso deste capital, o dominante tende a permanecer no poder, excluindo toda
forma de concorrência, pois os que entram em determinado campo possuem menos
capital específico do que os dominantes, o que facilita a tarefa e os seus objetivos.
Bourdieu complementa a elucidação dos conceitos ao dizer que:

Aqueles que, num estado determinado da relação de força, monopolizam


(mais ou menos completamente) o capital específico, fundamento do
poder ou da autoridade específica característica de um campo, tendem a
estratégias de conservação - aquelas que nos campos da produção de
bens culturais tendem à defesa da ortodoxia -, enquanto os que possuem
menos capitais (que freqüentemente são também recém -chegados e,
portanto, na maioria das vezes, os mais jovens) tendem às estratégias de
subversão - as da heresia. É a heresia, a heterodoxia, enquanto ruptura
crítica, frequentemente ligada à crise, juntamente com a doxa, que faz
com que os dominantes saiam do silêncio, impondo-lhes a produção do
discurso defensivo da ortodoxia, pensamento “direito” e de direita,
30

visando a restaurar o equivalente da adesão silenciosa da doxa.


(BOURDIEU,1983, p. 91).

Como linguagem, a religião é, ao mesmo tempo, um veículo simbólico


estruturado e estruturante. Estruturado por ser construíd o a partir de uma estrutura
interna própria, um conjunto de signos próprios do campo religioso, isto é, um sistema
simbólico de comunicação; estruturante por estruturar a vida e a cosmovisão dos
atores sociais religiosos, integrando-os a um locus que lhes dá sentido.
A discussão fundamental de Bourdieu relaciona-se à religião, sistema
simbólico, como veículo de poder. Portanto, ele abandona uma discussão que
simplesmente pudesse colocar a religião no campo da sociologia do conhecimento
para introduzi-la principalmente numa discussão sobre poder, como uma dimensão
da sociologia do poder.
Segundo Bourdieu, (2005, p. 32) “Weber está de acordo com Marx, ao informar
que a religião cumpre função de conservação da ordem social contribuindo para a
manutenção e legitimação do poder dos dominantes e para a domesticação dos
dominados”. Dentro da divisão social do trabalho para a manutenção do poder, os
dominantes, neste caso os religiosos, são aquelas pessoas que, dado o acesso ao
poder, conseguem operar o processo designado por alquimia ideológica (Bourdieu,
2005, p. 33), ou seja, transformar o discurso essencialmente humano em palavras
sobrenaturais, pretensamente representativas da vontade de Deus. E esse discurso,
uma vez inculcado, transforma-se em habitus, em norma para os dominados.
Segundo a tipologia Weberiana utilizada por Bourdieu em toda a sua análise
“econômica” da religião, o sacerdote está “predisposto a atuar em defesa da
manutenção da ordem simbólica e social, sendo incapaz de produzir o novo ou
pensar o que não é legítimo existir: tudo que está fora da ordem é objeto de
anátema.” OLIVEIRA (1997, p. 116).
31

1.4.2 OS PROGRESSOS DA DIVISÃO DO TRABALHO RELIGIOSO E O


PROCESSO DE MORALIZAÇÃO E DE SISTEMATIZAÇÃO DAS PRÁTICAS E
CRENÇAS RELIGIOSAS

O desenvolvimento das grandes religiões está associado ao desenvolvimento


das grandes cidades. E este desenvolvimento das grandes religiões exigiu que
houvesse a sistematização do corpo de crenças e práticas religiosas (doutrinas e
ritos). A divisão social do trabalho encontrada nas cidades, burguesa e racional,
possibilitou também a racionalização da religião e da divisão do trabalho religioso.
Informa o autor:

Extremamente raro nas sociedades primitivas, o desenvolvimento de um


verdadeiro monoteísmo (em oposição à monolatria, outra forma de
politeísmo) está ligado, segundo Paul Radin, à aparição de um corpo de
sacerdotes solidamente organizado. Isto significa que o monoteísmo,
totalmente ignorado pelas sociedades cuja economia se baseia na
coleta, na pesca e/ou na caça, somente se expande nas classes
dominantes das sociedades fundadas em uma agricultura já
desenvolvida e em uma divisão em classes (...) nas quais os progressos
da divisão do trabalho se fazem acompanhar por uma divisão correlata
da divisão do trabalho de dominação e, em particular, da divisão do
trabalho religioso. (BOURDIEU, 2005, p. 37)

Assim, a religião possibilitou “o desenvolvimento de um corpo especializado de


funcionários responsáveis pela gestão dos bens de salvação” Bourdieu (2005, p. 35).
Este corpo de funcionários religiosos passou a responder pela criação e manutenção
das doutrinas e das práticas “religiosamente corretas”. Dentro da racionalidade
religiosa, a legitimidade religiosa pertence ao quadro de funcionários religiosos.
Essa legitimidade decorre de uma realidade instaurada pelos próprios
detentores do poder eclesiástico, a de que só os sacerdotes possuem o
conhecimento religioso necessário para a gestão dos bens de salvação, por isso
mesmo são os especialistas religiosos. Os leigos são destituídos dos conhecimentos
necessários à manipulação dos bens de salvação, portanto não têm legitimidade
suficiente para gozarem do acesso ao poder. Por não possuírem capital
especificamente religioso, capital simbólico, os leigos são expropriados do poder
32

religioso. O “saber” dos sacerdotes é sagrado enquanto que a “ignorância” dos leigos
é profana. Por isso é que a cosmovisão (ortodoxia e prática correta) dos fiéis (leigos)
é determinada pelos sacerdotes (funcionários religiosos).
Declara Bourdieu:

Enquanto resultado da monopolização da gestão dos bens de salvação


por um corpo de especialistas religiosos, socialmente reconhecidos como
os detentores exclusivos da competência especifica necessária à
produção ou à reprodução de um corpus deliberadamente organizado de
conhecimentos secretos (e, portanto raros), a constituição de um campo
religioso acompanha a desapropriação objetiva daqueles que dele são
excluídos e que se transformam por esta razão em leigos (ou profanos,
no duplo sentido do termo) destituídos de capital religioso (enquanto
trabalho simbólico acumulado) e reconhecendo a legitimidade desta
desapropriação pelo simples fato de que a desconhecem enquanto tal.
(BOURDIEU, 2005, p.39)

Até mesmo a definição do que é religião (igreja) e não magia é determinada


pelo poder, pois quem tem possibilidade de fazer tal distinção, e de impô-la aos
demais grupos, é justamente quem detém o poder necessário para tal fim. A vitória
dentro do campo religioso é sempre determinada pelo poder, e não pela verdade,
seja doutrinária ou prática. A religião (igreja) tem legitimidade (poder) suficiente para
autodenominar-se religião e para rotular o movimento concorrente como seita ou
magia.
As palavras do autor confirmam tal enunciado quando diz que:

Uma vez que a religião, e em geral todo sistema simbólico, está predisposta a
cumprir uma função de associação e de dissociação, ou melhor, de distinção,
um sistema de práticas e crenças está fadado a surgir como magia ou como
feitiçaria, no sentido de religião inferior, todas as vezes que ocupar uma
posição dominada na estrutura das relações de força simbólica, ou seja, no
sistema das relações entre o sistema de práticas e de crenças próprias a uma
formação social determinada. (BOURDIEU, 2005, p. 43)

Todo movimento religioso que surge trazendo consigo críticas ou


questionamentos à legitimidade dos detentores do monopólio religioso, aqueles
únicos capazes de ditar as verdades da religião e as verdadeiras religiões, é rotulado
33

como seita profanadora (anátema), devendo, portanto, ser combatido em nome da


verdade e, no limite, em nome de Deus. Na verdade, a ordem religiosa estabelecida
pretende com isso tirar os instrumentos de ação daqueles que são considerados
hereges.

1.4.3 O INTERESSE PROPRIAMENTE RELIGIOSO

Bourdieu, nesse ponto, retoma um pouco do seu assunto inicial enfatizando


ser a religião um sistema simbólico estruturado que funciona como princípio de
estruturação, pois constrói a experiência dos atores sociais que são os fiéis. E
consegue fazer isso a partir da legitimação imposta ao discurso religioso que
determina a cosmovisão, o discurso e a prática correta aos fiéis. A religião normatiza
a vida, assumindo caráter essencialmente ideológico, pois absolutiza o relativo e
legitima o arbitrário (tudo em nome de Deus). O sobrenatural é naturalizado pelo
discurso oficial dos detentores do poder, os mantenedores do status quo. Os registros
de Bourdieu assim explicitam:

Por todas essas razões, a religião está predisposta a assumir uma


função ideológica, função prática e política de absolutização do relativo e
de legitimação do arbitrário, que só poderá cumprir na medida em que
possa suprir uma função lógica e gnosiológica consistente em reforçar a
força material ou simbólica possível de ser mobilizada por um grupo ou
uma classe, assegurando a legitimação de tudo que define socialmente
este grupo ou esta classe. Em outros termos, a religião permite a
legitimação de todas as propriedades arbitrárias que se encontram
objetivamente associadas a este grupo ou classe na medida em que ele
ocupa uma posição determinada na estrutura social (efeito de
consagração como sacralização pela naturalização e pela eternização)
(BOURDIEU, 2005, p. 46).

Nesse ponto, o autor consegue demonstrar claramente a importância do


estudo sociológico da religião, pois se a religião cumpre papel de importância social,
deve ser analisada sociologicamente. Para ele, a religião não pode ser entendida
apenas como instrumento capaz de resolver:
34

Angústias existenciais da contingência e da solidão, da miséria biológica,


da doença, do sofrimento ou da morte. Contam com ela para que lhes
forneça justificações de existir em uma posição social determinada, em
suma, de existir como de fato existem, ou seja, com todas as
propriedades que lhe socialmente inerentes (BOURDIEU, 2005, p. 48).

A religião tem de ser entendida também como instrumento, nas mãos de quem
possui o poder religioso, que legitima posições sociais determinadas de atores sociais
determinados, isto é, a religião justifica o status quo e as posições que os atores
ocupam dentro dele.
Mais uma vez, fica clara, portanto, a importância do estudo sociológico da
religião, uma vez que esta cumpre funções sociais que são diferenciadas e que
dependem da posição social ocupada pelos atores sociais dentro da estrutura de
classes sociais, e também da posição ocupada por eles dentro da divisão social do
trabalho religioso. O que permanece sempre invariável é a dinâmica interna ao
campo: a concorrência entre os que têm o capital consolidado e os que não o
possuem.
Aqui, é bom que se diga, a fim de evitar quaisquer exageros, que os atores
sociais manipulados pelos detentores do poder, com exceção dos “hereges”, não o
são contra a vontade. Ao contrário, faz parte de sua interpretação de mundo e de sua
cosmovisão pertencer ao campo religioso, ocupando dentro dele as posições que lhe
são determinadas. Isto é o que Bourdieu chama de habitus de classe ou de grupo.
Até porque a religião é quem fornece a segurança social (oferta) de que as pessoas
têm necessidade (demanda).
Assim é que, ao santificar o status quo, a religiosidade dominante justifica a
hegemonia das classes dominantes e a imposição do reconhecimento da legitimidade
dessa classe sobre a dos dominados. A estes resta a compensação e a
transfiguração simbólica (promessa de salvação) ou transmutação do destino em
escolha (exaltação do ascetismo). A eficácia simbólica do discurso da camada
dominante reside justamente na capacidade dela ocultar em seu discurso os
interesses políticos e seu interesse pelo poder.
35

1.5.4 FUNÇÃO PRÓPRIA E FUNCIONAMENTO DO CAMPO RELIGIOSO

Não é automático que todas as instâncias religiosas (indivíduos e instituições)


se lancem na luta pelo monopólio religioso. Dependendo de sua posição na estrutura
de distribuição do capital religioso, a instância pode (ou não) empregar seu capital
religioso na concorrência pelo poder. Logo, é a posição no campo, e não o capital
específico disponível, que atua como o determinante da decisão de engajamento na
luta/concorrência pelo poder/monopólio.
São dois os objetos de monopolização: a gestão dos bens de salvação (para a
qual será preciso constituir uma burocracia que garanta a continuidade) e o exercício
do poder de modificar as representações e práticas dos leigos, inculcando-lhes um
habitus religioso ajustado a uma visão política do mundo social. A luta pelo monopólio
é a concorrência pela legitimidade do controle da formulação ideológica e da
aplicação cotidiana dessa ideologia.
O capital religioso depende da relação entre demanda e oferta, ou mais
especificamente, da força material e simbólica dos grupos que a instância pode
mobilizar. Como mobiliza? Oferecendo bens e serviços capazes de satisfazer os
interesses religiosos. A natureza desses serviços depende de sua posição no campo
e do capital religioso de que a instância já dispõe. Assim, instaura-se uma “relação
circular/dialética, pois o capital de autoridade que as diferentes instâncias podem
utilizar na concorrência que as opõe é o produto das relações anteriores de
concorrência” Bourdieu, (2005, p. 58).
Caberia notar que, se para a entrada em concorrência a condição é a posição
no campo, as armas apresentadas em plena concorrência são determinadas também
pela posição de largada, mas sem dispensar o capital disponível.
O capital religioso determina as estratégias para satisfação dos interesses
religiosos e as funções na Divisão do Trabalho Religioso. A concorrência se dá via
oposição entre a Igreja e o Profeta e sua Seita, e em outro nível, entre Igreja e
Feiticeiro.
A Igreja joga impedindo a entrada de novas empresas de salvação no mercado
religioso, a busca individual de salvação. Para isso, controla o acesso aos meios de
produção e delega monopólio a um corpo de sacerdotes substituíveis e, ao mesmo
tempo, não sujeitos às oscilações decorrentes de eventuais fracassos. Instala -se uma
36

burocracia que promove a ação contínua e ordinária de “manutenção”, reproduzindo o


corpo de sacerdotes, mas também reproduzindo leigos com habitus. Ou seja, a
burocracia reproduz os produtores de bens e igua lmente reproduz:

O mercado oferecido a estes bens, a saber, os leigos (em oposição aos


infiéis e aos heréticos) como consum idores dotados de um mínimo de
competência religiosa (habitus religioso) necessária para sentir a
necessidade específica de seus produtos. (BOURDIEU, 2005, p. 59)

A conservação do monopólio depende do reconhecimento pelos excluídos da


legitimidade da exclusão. Eles devem ignorar que, no final das contas, qualquer
aventureiro pode “chegar lá”. A Igreja atua suprimindo ou anexando/cooptando.
O profeta joga acumulando capital inicial pela conquista permanente de
autoridade, sujeita às flutuações entre oferta e demanda. Ele não tem capital inicial,
ou tem, desde que entendido como aptidão de denúncia do que o poder religioso
escamoteia. Sua garantia é sua pessoa. O profeta depende da “aptidão para
mobilizar interesses virtualmente heréticos e avançar na dessacralização do
“sagrado” (arbítrio naturalizado) e na sacralização do sacrilégio”, Bourdieu (2005, p.
58, 61). Ascetismo, penitências físicas e renúncia ao lucro são suas marcas
registradas.
O profeta deve, de algum modo, legitimar sua ambição de poder propriamente
religioso pelo recalque mais absoluto do interesse temporal (isto é, sobretudo
político). Porém, “o desinteresse cumpre uma função interessada enquanto
componente do investimento inicial exigido por toda empresa profética” Bourdieu
(2005, p. 61).
O profeta pretende impor uma doutrina e utiliza a prédica com vistas à cura
das almas. À sua ação, dirigida a leigos portadores de uma crítica intelectualista, a
Igreja reage reforçando a pasteurização de liturgia e dogma e a discriminação através
de signos distintivos e doutrinas que marcam nitidamente a originalidade da
comunidade e neutralizam o indiferentismo e, portanto , a facilidade de passagem à
religião concorrente.
O feiticeiro difere do profeta. O feiticeiro responde às demandas parciais e
imediatas, renuncia ao domínio espiritual, não tem intenção de proselitismo e usa seu
37

discurso como técnica de cura do corpo. Sua clientela são as classes inferiores,
especialmente os camponeses. Ele é submisso ao interesse material, trabalha por
encomenda. Há uma “vantagem didática” na observação de sua atividade: “o feiticeiro
pode assumir explicitamente seu papel na relação vendedor/cliente que constitui a
verdade objetiva de toda relação entre especialistas religiosos e leigos” Bourdieu
(2005, p. 61).
A Igreja reage ao feiticeiro via ritualização e canonização de crenças
populares. A lógica de funcionamento da igreja (sua prática sacerdotal, a forma e o
conteúdo da mensagem) é resultante de coerções internas e forças externas. As
forças externas são os interesses religiosos e a concorrência do profeta e do
feiticeiro. Para entender a mensagem, é preciso observar o jogo entre o interno e o
externo. Quanto mais se amplia/diversifica a área de difusão da mensagem, mais as
forças externas explicam seu conteúdo, que é adaptado em nome de concessões e
acomodações.
Quando a Igreja detém o monopólio total, a concorrência ocorre via oposição
entre Ortodoxia e Heresia. Os conflitos no subcampo dos teólogos são inevitáveis,
mas tendem a ser restritos a ele. Os cismas clericais só se tornam heresias populares
quando se confundem com um conflito litúrgico.

1.5.5 PODER POLÍTICO E PODER RELIGIOSO

A manutenção da ordem simbólica contribui diretamente para a manutenção


da ordem política. A subversão simbólica da ordem simbólica não afeta a ordem
política. A ordem política só é atingida quando a subversão da ordem simbólica
também incorpora caráter político.
A Igreja contribui na manutenção da ordem política (a) combatendo o profeta e
o herege, neutralizando por supressão ou cooptação o conteúdo simbólico da
tentativa de subversão (antes que tome forma e passe à subversão política do campo
simbólico) e (b) inculcando esquemas de percepção, pensamento e ação que logram
a naturalização do arbitrário, o consenso em torno da ordem:
38

“A contribuição mais específica da Igreja (e geralmente, da religião) para


a manutenção da ordem simbólica reside menos numa transmutação
para a ordem mística do que em uma transmutação para a ordem lógica
a que ela sujeita à ordem política” (BOURDIEU, 2005, p. 71)

Tal contribuição não elimina a tensão entre poder político e religioso. Essa
tensão comanda a configuração do campo religioso. E, conforme essa configuração,
a profecia vai adotar formas diferentes.
39

2. O CAPITAL SIMBÓLICO DO PROTESTANTISMO NORTE-AMERICANO

Voltando às palavras de Bourdieu, dentro dos diversos campos, encontra-se


sempre uma luta entre aqueles que estão entrando e que, portanto, tentam forçar o
direito de entrada, e o dominante que tentará defender o seu monopólio e eliminar
toda espécie de concorrência. É dessa forma que nasce a luta entre o dominante de
um determinado campo com aquele que se apresenta como alguém que se sente
capaz de suplantar o dominador e substituí-lo.
Para que o concorrente, e, portanto, recém-chegado no campo, possa
efetivamente entrar no jogo pelo poder com outros campos, dois fatores serão
importantes. O primeiro deles é o seu lugar de largada, e o segundo a quantidade de
capital simbólico acumulado. É, portanto, diante dessa constatação que precisamos
encontrar qual era o capital simbólico acumulado pelo protestantismo norte-
americano ao entrar no campo social brasileiro, no qual as questões do poder já
estavam situadas em mãos específicas. A respeito do lugar de largada do
protestantismo na concorrência pelo poder dentro do campo social brasileiro,
acreditamos estar claro para todos nós a sua absoluta desvantagem.
Para nosso conhecimento do tipo de capital simbólico com o qual o
protestantismo estava entrando no jogo, em meados do século XIX no Brasil,
abordaremos, em primeiro lugar, o conceito de Destino Manifesto como elemento
que, para nós, foi o fator que, entre outros aspectos, proporcionou aos norte-
americanos a conscientização de que era possível entrar no jogo. Dessa forma,
estamos entendendo que o conceito de Destino Manifesto teve relevância no sentido
de oferecer aos americanos, e apenas a eles, o elemento fundante de todo o
processo de sua inserção no Brasil.
Não vemos como o conceito de Destino Manifesto possa ter obtido alguma
importância para a sociedade brasileira “receptiva” da presença dos missionários
americanos. Para aqueles que já compunham o campo social brasileiro antes da
inserção do protestantismo, como a religião católica, os maçons e a elite republicana
em formação, entre outros, o que lhes interessava era, por exemplo, o fato dos
missionários serem representantes de uma nação onde a escravidão já não existia
mais, portanto, já haviam superado um problema que no Brasil ainda causava sérios
e inúmeros obstáculos para o progresso.
40

No campo da educação, os americanos também eram vistos como portadores


de um know how absolutamente superior ao existente no Brasil, onde, após a
expulsão dos jesuítas com seus métodos de ensino, restou um vazio significativo no
que dizia respeito à colocação de uma proposta nova e substitutiva. Aqui estava,
portanto, mais um espaço onde a presença protestante se inseria com um capital
significativo e atraente, pois entre outros aspectos, os métodos pedagógicos das
escolas americanas se tornaram altamente cobiçados. Outro espaço onde se podia
visualizar contribuições do capital simbólico norte-americano era o do domínio de
tecnologias novas, sobretudo no campo da agricultura.

2.1 O DESTINO MANIFESTO

A partir de Bourdieu (2005), lembramos que o capital religioso depende da


relação entre demanda e oferta, ou mais especificamente da força material e
simbólica dos grupos que a instância pode mobilizar. Como mobilizar? Oferecendo
bens e serviços capazes de satisfazer os interesses religiosos. A natureza desses
serviços, como já verificado anteriormente, é dependente de sua posição dentro do
campo e também do capital religioso que a instância disponibiliza. É dessa forma que
se instaura a relação circular/dialética, afinal, o capital de autoridade que as
diferentes instâncias podem utilizar na concorrência que as opõe é o produto das
relações anteriores de concorrência.
Dentro desse quadro de compreensão é que passamos a apresentar as
origens históricas e o alcance do conceito de Destino Manifesto norte -americano
enquanto parte do seu capital, diga-se de passagem, condição fundamental para o
ingresso em qualquer “briga” pelo poder.

O conceito tem sua origem numa vinculação religiosa judaico-cristã, sobretudo


no tema teológico da Aliança ou Concerto, entre o divino e o humano, conforme
descrição bíblica. Etimologicamente, a palavra Aliança/Concerto refere-se a um Pacto
que pressupõe a existência de duas partes distintas e contratantes, e ambas devem
mostrar fidelidade. Essa Aliança entre o divino e o humano está descrita no livro
bíblico do Gênesis, a partir do capítulo 12. Essa aliança referia-se à existência:
41

... de uma relação pessoal entre o indivíduo e seu Deus, fundamentada


por uma promessa selada por uma aliança (...) A fé na promessa divina
parece, de fato, representar o elemento original da fé dos antepassados
seminômades de Israel. A promessa tal como é descrita no capítulo 15
do Gênesis e nos seguintes, era primariamente uma promessa de
possessão de terras e de numerosa descendência. E era exatamente
isso que mais desejavam os seminômades. Terra e posteridade podemo-
lo supor, eram a essência da promessa. (BRIGHT, 1978, p. 129)

Nos estudos da teologia bíblica, tanto do Antigo como do Novo Testamento, o


conceito teológico de aliança é chave de leitura para compreensão da vida religiosa,
tanto dos hebreus como dos cristãos. No horizonte do Novo Testamento, há
importantes referências que aludem à noção de que o “Povo de Deus” refere-se ao
“Povo da Aliança” e, conseqüe ntemente, escolhido e abençoado, conforme o livro de
primeiro Pedro capítulo 2, versículos 9 e 10. A informação de que terra e posteridade
são essências da promessa é significativa para entender melhor o conceito de
Destino Manifesto dos povos norte-americanos, conforme veremos posteriormente.

A história do povo cristão está perpassada historicamente por esse conceito de


Aliança entre o humano e o divino. Desde o ato primordial da celebração eucarística,
símbolo de aliança há outros momentos históricos até o despontar da Reforma
Protestante do século XVI, encontra-se o enfoque dessa temática em teólogos da
igreja cristã. Verificar mais detidamente esse aspecto é algo que transcende os
interesses desta pesquisa. No entanto, no período da Reforma, temos João Calvino
como o expoente dessa visão teológica, com a sua doutrina da predestinação,
segundo a qual pessoas são eleitas e abençoadas por Deus para salvação.

Na perspectiva do processo de desenvolvimento histórico do conceito de


Aliança dentro da história da igreja, nos interessa, especialmente, destacar que,
desde julho de 1643, até fevereiro de 1649, esteve reunido em Westminster, na
cidade de Londres, o concílio que entrou para a história com o nome de Assembléia
de Westminster. Esse concílio fora convocado pelo Parlamento Inglês com a
finalidade de formulação dos fundamentos doutrinais, forma de culto e governo
eclesiástico que serviria de referência para a Igreja do Estado nos três Reinos.

O resultado final da Assembléia que recebeu como nomeação A confissão de


fé de Westminster, traz no capítulo VII a seguinte declaração: “O primeiro pacto feito
42

com o homem era um pacto de obras; nesse pacto foi a vida prometida a Adão e nele
à sua posteridade, sob a condição de perfeita obediência pessoal”7. Por ter sido a
última confissão de fé formulada pela igreja no período da reforma, sua influência no
pensamento protestante no pós-reforma do século XVI, foi significativa.

Um indicativo dessa influência pode ser verificado na história norte-americana.


Com referência à colonização, quando os puritanos ingleses que imigraram para a
América do Norte, em meados do século XVI, se depararam então, a bordo do
pequeno navio Mayflower, de certa forma se auto-interpretaram como que
incorporando a realidade vivida pelos antepassados judeus quando da travessia do
mar vermelho em direção à plena liberdade e construção de um mundo melhor. Sobre
esse episódio, lemos:

Os pais peregrinos eram um grupo de separatistas que, em contraste


com a maioria dos puritanos, havia perdido toda esperança de reformar a
igreja na Inglaterra e se separaram para criar uma instituição nova”. Este
pequeno grupo de gente humilde East Anglia, cujas reuniões religiosas
eram perturbadas com tanta freqüência, que se marchou a Leyden em
1609 e formaram uma igreja congregacional inglesa. Depois de um
período de dez anos em uma terra estranha aonde as pessoas se
mostravam tolerantes mas que a vida era muito dura e onde havia
ameaças de guerra, decidiram imigrar para a América. Sir Edwin Sandys
lhes conseguiu uma concessão da companhia da Virgínia, e um grupo de
comerciantes ingleses consentiram em financiar sua imigração. O
Mayflower, depois de uma dura travessia, ancorou em 11 de novembro
de 1620, na baia do Cabo Cód, fora da jurisdição da Virgínia. Com tal
motivo, os peregrinos firmaram um compromisso para governar-se pela
vontade da maioria, no entanto não havia tomado uma resolução
permanente com respeito a sua colônia. O pacto de Mayflower, de 1620,
junto com a assembléia da Virgínia de 1619 é considerado como as
primeiras pedras da fundação das instituições norte americanas.
(MORISON, 1988, p. 39)

É significativo para a compreensão da teoria do Destino Manifesto atentar-se


para essa releitura feita pelos puritanos acerca dos acontecimentos que marcaram os

7
Confissão de Fé de Westminster. Casa Editora Presbiteriana. Santo André s/d p.15. (Destaca-se que
todo este capítulo sétimo dedica-se a tratar do Pacto de Deus com o homem – há que se destacar
ainda que a confissão de fé de Westminster foi a última das confissões formuladas no período da
Reforma do séc. XVI)
43

grandes líderes dos tempos bíblicos com suas próprias experiências ao colocarem
seus pés na América do Norte.

Essa paixão com o possível, nas palavras do marxista Ernest Bloch, fez
deles peregrinos incessantes, que nunca estavam satisfeitos. Eles
estavam certos que o senhor os chamara para “darem frutos e se
multiplicarem” e, especialmente para dominarem a terra. Era sua missão
cultivar, e não minerar ou saquear, como achavam que os católicos
tinham feito. Além de suas atitudes no sentido da transformação pelo
homem da paisagem natural – uma atitude religiosa que ainda existe na
cultura – eles trouxeram o sentido da aliança, que herdaram dos antigos
judeus, cuja história estaria vivendo na “Sião americana”. A aliança era
uma espécie de pacto ou acordo entre um Deus confiável – com o qual
se podia contar – e um povo receptivo e responsável. O que eles fizeram
para o meio natural, ou para a formação do comércio, da cultura e do
caráter foi a encenação na terra de um drama que decorre nos céus. A
idéia calvinista da presciência divina e da predestinação não os
submergiu no fatalismo ou na passividade. Eles encontraram sentido no
labor do dia-a-dia e procuraram compreender o significado de sua
eleição e predestinação. (LUTHER S. LUEDTKE, sd, p. 319)

Nessa viagem para a América, houve nos puritanos ingleses o entendimento


de se ter encontrado o caminho para a construção de um mundo novo. Baseados
numa teologia milenarista, compreendiam que a civilização cristã indicava para o
milênio, que o Reino de Deus estava próximo e, sendo assim, o aperfeiçoamento da
vida dessa civilização era ponto fundamental.
Firmados então no ideal de uma civilização teocrática, “o céu na terra”, era
“certo” que a vinda do Reino de Deus ocorreria com a implantação da sociedade
cristã, compreendendo que essa vinda do Reino de Deus possuía uma conotação
cósmica e não particularizada; cabe ressaltar que essa perspectiva foi fundamental
para se chegar ao empreendimento missionário mundial via “Destino Manifesto”. Em
outras palavras, os americanos seriam os precursores e protagonistas dessa
mudança mundial visando criar condições favoráveis para a chegada do Reino de
Deus. Na base do ideário do Destino Manifesto americano, havia a noção de que:

Deus está usando os anglo-saxões para conquistar o mundo para Cristo


a fim de despojar as raças fracas e assimilar e moldar outras”. O destino
religioso do mundo está nas mãos dos povos de fala inglesa. À raça
44

anglo-saxã, Deus parece ter entregue a empresa de salvação do mundo.


(MENDONÇA. 1985, p. 61),

Digno de observação é que a sociedade americana seria o modelo dessa


civilização cristã mundial. Com isso, os ideais puritanos que norteavam os costumes,
ideais, convicções, linguagem e até mesmo as instituições sociais eram fundamentais
para se forjar essa sociedade perfeita e apresentá-la como o grande modelo para o
resto do mundo. Isso implicaria na regulação do comportamento dos indivíduos,
inibindo hábitos como o uso de bebidas alcoólicas, tabagismo, jogos de azar, tudo
isso sendo feito sob a perspectiva calvinista da soberania de Deus (Sellers, 1990) 9.
Com Mendonça acrescentamos:

A profunda convicção alimentada pelos americanos de que sua nação


tinha sido escolhida para uma missão universal foi sustentada através da
Guerra Civil e recebeu um novo batismo de poder, no período que se
seguiu”. Muitas forças se combinaram para exaltar o papel do “Destino
Manifesto” na consciência americana. A partir do darwinismo os
americanos tiveram a intuição de que pela seleção natural os Estados
Unidos tinham se tornado uma nação superior destinada a dirigir os
povos mais fracos. As filosofias idealistas enfatizavam a capacidade
natural do homem e, interpretada a história em termos de progresso,
tudo vinha favorecer a ideologia expansionista. Num período em que as
nações européias expandiam seus interesses imperialísticos pela África,
Ásia, América Latina e Pacífico, os americanos se sentiram
comissionados para estender as bênçãos da civilização cristã e o
governo democrático. (MENDONÇA,1985, p. 62).

Diante desse estado de coisas, e movidos pela perspectiva expansionista, os


americanos embrenharam-se pelo mundo na tentativa de implementar seus ideais.
Um mecanismo útil para essa tarefa foi a religião, ou melhor dizendo, o
protestantismo americano. Não podemos deixar de citar que foi pelo veio da religião e

8
Ao enfatizar a soberania de Deus e a dependência do homem, o puritanismo (apenas com um pouco
mais de energia do que o protestantismo em geral) chocava-se com o espírito moderno de otimismo e
individualismo confiante. Ainda assim, ao mesmo tempo, o puritanismo imprimia um poderoso ímpeto
psicológico ao esforço individual. Os puritanos eram atletas morais, convencidos de que a vida correta
era a melhor prova de que o indivíduo desfrutava a graça de Deus. A vida correta incluía trabalhar tão
arduamente e ser tão bem-sucedido quanto possível em qualquer ofício mundano e negócio em que
Deus houvesse colocado a pessoa. Animados por essas convicções, não era de admirar que os
puritanos fossem altamente vitoriosos em suas atividades temporais, em especial nas circunstâncias
favoráveis oferecidas pelo ambiente do Novo Mundo.
45

da educação que os americanos atingiram conquistas no plano político e econômico


em outros contextos fora da América do Norte.
No pacto de Mayflower (Mayflower compact), seus articuladores transmitem a
evidência de que sua viagem traduzia a idéia de que: “para a glória de Deus, avanço
da fé cristã e honra do nosso rei e país... solene e mutuamente na presença de Deus,
e cada um na presença dos demais, compactuamos e nos combinamos em um corpo
político civil” (REILY, 1993, p.19).
Sendo assim, os americanos entendiam-se como indivíduos que receberam de
Deus a grandiosa missão de conquista do continente, de um ponto ao outro,
divulgando os “benefícios de uma civilização republicana e protestante por toda a
parte.” (REILY, 1993, p.19).
Em harmonia com Morison S. Eliot e Luther S. Luedtke; Messadié, em “A crise
do Mito americano”, problematizando o tema do The American Dream (O sonho
americano), contribui com nossa compreensão do assunto quando sinaliza, entre
outros relevantes aspectos, para o seguinte ponto:

O Americam Dream designa não tanto um projeto nacional quanto uma


massa de aspirações individuais à auto-realização, como é comum a
todos os seres humanos, porém uma realização com a marca do
evangelismo evocado nos capítulos anteriores e do milenarismo que
acompanha qualquer evangelismo. O sonho americano esteve presente
desde o estabelecimento dos primeiros colonos: cada um viveria numa
liberdade bíblica e se entregaria afinal, sem entraves – o que
subentendia os entraves da sociedade decadente, papista e corrompida
do Velho Continente -, aos seus afazeres terrenos. Assim, contribuiriam
para a edificação de uma grande nação, cujo exemplo conquistaria todas
as demais. Pode-se comparar esse evento à instalação dos judeus na
Terra Prometida, e mais de um autor assinalou que, de fato, os primeiros
americanos se esforçavam por se conformar aos modos de vida
descritos no Velho Testamento. E certamente não foi por acaso que uma
cidade chamada New Canaan foi fundada no Connecticut em 1700. O
sonho americano, assim, tinha também a marca de um sentido de
predestinação que marcou fortemente a política americana a partir da
guerra da independência, e lhe deu essa coloração arrogante que tanto
surpreende os estrangeiros. É dele que decorre o sentimento inato de
todo americano de que tudo que é americano é superior, simplesmente
porque é americano e, assim como o que é bom para a General Motors é
bom para a América, o que é bom para a América é necessariamente
bom para o resto do mundo. (MESSADIÉ, 1989, p. 85)
46

A sinceridade nas idéias, aliada à fé utópica, nos leva a crer que a história do
Destino Manifesto do povo americano teve uma fase utópica que percorre todo o
período da colonização e o seguinte. No entanto, logo após a Independência, na
mistura com elementos novos advindos do sucesso da nova nação, assume
contornos ideológicos em sua concepção menos simpática de que idéias de certa
ordem, no caso religioso, justificam comportamentos de ordem diversa, no caso,
ecônomico-políticas10.

2.2 NORTE-AMERICANOS E ABOLICIONISTAS

A reflexão sobre o tema da escravidão na América do Norte está referenciada


em Aléxis de Tocqueville, no seu livro “A Democracia na América”. A primeira razão
que justifica tal escolha é que o texto de Tocqueville representa ser um clássico da
sociologia política e também na abordagem da cultura norte-americana. Quando,
esparsamente, utilizamos outros autores, o fazemos com o cuidado de não
comprometer a linha de apresentação que está estabelecida a partir de Tocqueville.
Em nosso entendimento, outra vantagem dessa opção é que o autor mostra o
seu olhar sobre o problema como um francês; isso sugere certo grau de isenção em
suas informações. Esse aspecto nos parece relevante na medida em que, como
veremos, as rivalidades no entorno do tema da escravidão eram enormes nos EUA.
Ressalta -se ainda que Tocqueville vive e escreve a partir de 1831; parece-nos então
que o autor está historicamente incluído num momento singular para, a partir de suas
perspectivas e impressões da cultura americana, nos oferecer condições para
compreender o que significou a escravidão na América do Norte.
É nosso interesse compreender melhor como se processa a relação dos
americanos com a escravidão, sobretudo como o Norte dos EUA com ela se
relaciona, porque o primeiro missionário presbiteriano no Brasil veio daquela parte

10
A respeito do conceito de ideologia e/ou utopia do Destino Manifesto, o leitor encontrará mais
informações no “Caderno de O Estandarte”. Publicação especial em comemoração ao Centenário da
IPI do Brasil – Julho/2003 p. 29, no qual o professor Mendonça aborda o tema.
47

dos EUA, e, como veremos, havia uma sensível diferença na forma de se tratar o
problema entre essas duas regiões dos EUA.
Para tornar mais simples e direta nossa compreensão, elegemos os aspectos
racial, econômico e religioso como sub-temas imbricados no eixo central que é a
escravidão na América do Norte . Para nós, situar bem essa discussão é importante
para que nossas afirmações posteriores a respeito da posição dos missionários
vindos do norte dos EUA frente ao tema da escravidão no Brasil estejam bem
amparadas.

2.2.1 O ASPECTO RACIAL

Sobre a escravidão na América, Tocqueville (1977, p. 273) revela: “Não creio


que a raça branca e a negra possam vir, em parte alguma, a viver em pé de
igualdade. Creio, porém, que a dificuldade será muito maior ainda nos Estados
Unidos que em qualquer outro lugar”.
A afirmação de Tocqueville está amparada em seus registros e observações
da forma como o americano elabora e processa a relação com o escravo, tendo em
vista em primeiro lugar, o preconceito racial. Vejamos o grau de complexidade que o
tema da escravidão envolvia naquele contexto, sob a perspectiva do preconceito
racial:

Os modernos, depois de ter abolido a escravidão, têm ainda, pois, de


destruir três preconceitos muito mais invencíveis e mais tenazes que ele:
o preconceito do senhor, o preconceito de raça e, afinal, o preconceito do
branco. Para nós, que tivemos a sorte de nascer no meio dos homens
que a natureza fizera semelhantes a nós e a lei nossos iguais, é por
demais difícil compreender que insuperável espaço separa o negro da
América do europeu. Nos teatros, nem a preço de ouro conseguiria
adquirir o direito de se pôr ao lado daquele que foi seu senhor; nos
hospitais, jaz á parte. Permite-se ao negro invocar o mesmo Deus que os
brancos, mas não rezar no mesmo altar. Ele tem os seus sacerdotes e os
seus templos. De modo nenhum são fechadas para ele as portas do céu;
entretanto, a desigualdade, quando muito, só se detém no limiar do outro
mundo. Quando o negro morre, seus despojos são jogados fora, e a
diferença de condições volta a ser encontrada até na igualdade da morte.
Assim, o negro é livre, mas não pode partilhar nem os direitos, nem os
prazeres, nem os trabalhos, nem as dores, nem mesmo a sepultura
48

daquele de quem foi declarado igual; não poderia encontrar-se com ele
em parte alguma, nem na vida, nem na morte. (TOCQUEVILLE, 1977, p.
263)

A dimensão do preconceito racial existente na América, na perspectiva de


Tocqueville, é profunda. Mas há uma realidade que precisa ser destacada: ao norte
da América, esse preconceito é elaborado de forma um pouco diferente da maneira
do Sul. Esse dado é singular porque o episódio que colocou o Norte contra o Sul em
conflito armado pela abolição da escravidão, não se deu porque no Norte não havia o
preconceito racial como no Sul.
Notemos:

No sul, onde ainda existe a escravidão, os negros são menos


cuidadosamente mantidos à parte; partilham, vez por outra, os trabalhos
dos brancos e os seus prazeres; consente-se até certo ponto em
misturar-se com eles; a legislação é mais dura no que lhes diz respeito;
os habitantes são mais tolerantes e mais brandos. No sul, o senhor não
teme elevar até a si mesmo o seu escravo, pois sabe que sempre
poderá, desde que o queira, tornar a arrojá-lo no pó. No Norte, o branco
não percebe mais distintamente a barreira que deve separá-lo de uma
raça envilecida, e afasta-se do negro com tanto maior cuidado porque
teme chegar um dia a confundir-se com ele. Entre os americanos do Sul,
a natureza, penetrando às vezes nos seus direitos, vem por momentos
restabelecer entre brancos e negros a igualdade. Ao Norte, o orgulho faz
calar até a paixão mais imperiosa do homem. O americano do Norte
consentiria talvez em fazer a negra, companheira passageira dos seus
prazeres, se os legisladores tivessem declarado que ela não deve aspirar
a partilhar seu leito; pode ela, entretanto, tornar-se sua esposa, e ele se
afasta dela com uma espécie de horror. (TOCQUEVILLE, 1977, p. 263)

O preconceito racial como um dos pilares de sustentação da escravidão nos


Estados Unidos da América foi um fenômeno que abrangeu tanto o Sul do país
quanto o Norte. Ressaltando que, a partir de Tocqueville, evidencia-se que ao Norte
havia uma forma diferente de se elaborar o preconceito racial. No entanto, o
preconceito era uma realidade abrangente em todo o país.
Mas esse não era o único problema, havia ainda o interesse econômico como
um componente fundamental em todo processo.
49

2.2.2 A DIMENSÃO ECONÔMICA

Uma segunda chave de leitura que pode nos auxiliar a entender melhor a
existência da escravidão nos Estados Unidos se relaciona com o interesse econômico
que o tema envolvia. Nesse ponto, mais uma vez, notamos formas diferentes sobre o
modo como o processo se desenvolve no Sul e no Norte.
Ao Norte, mesmo com um contingente de escravos quantitativamente inferior
ao existente no Sul, a produtividade e desenvolvimento industrial se mostravam muito
superiores. Vejamos esse registro:

Os primeiros negros foram importados para a Virgínia pelo ano de 1621


(...) Daí ganhou terreno, pouco a pouco; mas, à medida que subia para o
norte, o número dos escravos ia decrescendo; sempre se viram muito
poucos negros na Nova Inglaterra. As colônias estavam fundadas; já
transcorrera um século e um fato extraordinário começava a causar
admiração a todos os olhares. As províncias que, por assim dizer, não
tinham escravos, cresciam em população, em riqueza e em bem-estar,
mais rapidamente do que as que os possuíam. Nas primeiras, entretanto,
o habitante era obrigado a cultivar ele mesmo o solo, ou a alugar os
serviços de outro; nas outras, tinha à sua disposição os trabalhadores
cujos esforços não remuneravam. Havia, pois, trabalho e despesas, de
um lado, ócio e economia do outro; no entanto, a economia ficava para
os primeiros. (TOCQUEVILLE, 1977, p. 263-264)

A escravidão enquanto mecanismo importante para a produção vai


paulatinamente tornando-se desnecessária para aqueles que, deixando as margens
do Atlântico, avançam para o oeste. Ao Sul, no entanto, a realidade é outra, e para
uma economia amparada nas grandes fazendas a mão-de-obra escrava permanecia
fundamental.
Uma figura ilustrativa das diferenças entre uma região cuja economia dependia
exclusivamente da mão-de-obra escrava para outra economia que não dependia, pelo
menos exclusivamente, foi o rio Ohio. De um lado do rio, à esquerda, fica o Estado do
Kentucky, à direita o Estado de Ohio. Observemos as sensíveis diferenças de ambos:
50

O viajante que, situado no meio do Ohio, deixa-se arrastar pela corrente


até a embocadura do rio no Mississipi, navega, pois, por assim dizer,
entre a servidão e a liberdade, e tem apenas de lançar o olhar ao redor
para julgar num instante qual é mais favorável à humanidade. À margem
esquerda do rio, a população é dispersa; de tempos em tempos,
percebe-se uma multidão de escravos a percorrer com ar inquieto
campos semi-desertos; a floresta primitiva reaparece constantemente;
dissera-se que a sociedade está adormecida; o homem parece ocioso, a
natureza oferece a imagem da atividade e da vida. Da margem direita,
pelo contrario, eleva-se um rumor confuso que proclama ao longe a
presença da indústria; ricas colheitas cobrem os campos; residências
elegantes anunciam o gosto e os cuidados do lavrador; em toda parte,
revela-se o conforto, o homem parece rico e contente, pois trabalha. O
Estado do Kentucky foi fundado em 1775, o de Ohio só foi fundado doze
anos depois; doze anos, na América, valem por mais de meio século na
Europa. Hoje a população do Ohio já excede de 250.000 habitantes a do
Kentucky. (TOCQUEVILLE, 1977, p. 264-265)

Ao Sul, região com preponderância de escravos, se percebe um corpo


aristocrático composto por brancos, dependente que era do trabalho servil, tendo no
topo dessa organização social uma elite econômica com patrimônio elevado cuja
posição lhes permitia gozar os prazeres que o posto lhes concedia.
O americano da margem esquerda não somente despreza o trabalho, como
todas as empresas que o trabalho faz ter êxito; vivendo num conforto ocioso, tem os
gostos dos homens ociosos; o dinheiro perdeu uma parte do valor aos olhos dele.
Persegue menos a fortuna que a agitação e o prazer, e leva, por esse lado, a energia
que seu vizinho revela noutros; ama apaixonadamente a caça e a guerra; compraz-se
nos exercícios mais violentos do corpo; o uso de armas lhe é familiar, e, desde a
infância, aprendeu a jogar a vida em combates singulares. Por isso, a escravidão não
somente impede os brancos de fazer fortuna, como os leva a não a desejar.
Operando continuamente, há dois séculos, em sentidos contrários, nas colônias
inglesas da América setentrional, as mesmas causas acabaram por criar uma
diferença enorme entre a capacidade comercial do homem do sul e a do homem do
norte. “Hoje, somente o norte possui navios, fábricas, estradas de ferro e canais.
Essa diferença não se revela apenas comparando o norte e o sul, mas comparando-
se entre si os habitantes do sul” (TOCQUEVILLE, 1977, p. 266).
A questão que se coloca então é saber a razão que justificava o maior
crescimento econômico do Norte em relação ao Sul, sendo que para isso o primeiro
utilizava muito menos o trabalho escravo. Uma possibilidade explicativa é que mais
51

ao Norte o produtor sentia-se obrigado a trabalhar no campo ou então a contratar


serviços de terceiros, dada a escassez de mão-de-obra escrava.
Outra explicação para esse fenômeno é que na base de qualquer sistema
econômico/produtivo, a agilidade na execução das tarefas se constituiu num fator que
agrega crescimento 11. No Sul, o negro escravo não recebia salário algum pelo seu
trabalho, mas deixava para o seu senhor responsabilidades enormes, tais como:
alimentação, tanto na juventude quanto na velhice, cuidados na doença, roupas, e
essa realidade gerava um custo de manutenção elevado. Há ainda que se considerar
o elemento da insatisfação do trabalhador dado o estigma do ser escravo.
Nesse paralelo que podemos ir construindo a partir do Norte e Sul dos Estados
Unidos, redesenhando as características e diferenças marcantes de ambos do ponto
de vista da relação com uma economia margeada pelo trabalho escravo de um lado e
do trabalho contratado de outro, resta-nos apenas acrescentar que ao Norte:

O homem branco da margem direita, obrigado a viver pelos seus próprios


esforços, colocou no bem -estar material a principal finalidade da sua
existência; e, como a terra que habita proporciona à sua indústria
inesgotáveis recursos e oferece à sua atividade atrativos sempre novos,
o seu ardor de adquirir ultrapassou os limites ordinários da cupidez
humana; atormentado pelo desejo de riquezas, vemo-lo entrar com
audácia por todos os caminhos que a fortuna lhe abre; torna-se,
indiferentemente, marinheiro, pioneiro, fabricante, cultivador, suportando
com igual constância os trabalhos ou perigos ligados a essas diferentes
profissões; há algo de maravilhoso nos recursos do seu gênio e uma
espécie de heroísmo na sua avidez pelo ganho. (TOCQUEVILLE, 1977,
p. 266)

2.2.3 A RELIGIÃO E A ESCRAVIDÃO

Para termos uma visão melhor da sociedade norte -americana, é necessário


que se leve em conta a presença da religião, precisamente o protestantismo. Nos

11
Acrescentamos ainda que, basicamente, os sulistas achavam a agricultura de gêneros de primeira
necessidade um campo de atividade mais lucrativo e mais gratificante socialmente do que a indústria
manufatureira ou o comércio. A razão porque pensavam assim pode ser explicada pela escravatura e
pela fazenda. Uma das bases necessárias para o desenvolvimento das manufaturas é um mercado
apropriado. Uma sociedade onde um quarto da população produtiva é composta de escravos não
oferece um amplo mercado, uma vez que os escravos consomem apenas as necessidades mais
simples. Coben S. & Ratner N. 1985, p.156.
52

limites de nosso estudo, a religião teve um papel singular no processo da escravidão


na América, quer como forma de legitimar ou de denunciar.
O professor Mendonça identifica a religião americana nos seus primórdios a partir
da vertente protestante luterana e a calvinista. Sobre a segunda, escreve:

Os de linha calvinista, os primeiros a chegar à nova terra, dadas as


circunstâncias próprias do sentido calvinista e puritano da vida e dos
fatores que condicionaram historicamente o seu êxodo da Inglaterra para
as colônias, sentiam-se responsáveis pela ordem das coisas na
sociedade. De modo que se pode dizer que a construção da
nacionalidade americana, no seu espírito, está intimamente ligada ao
calvinismo considerado em todas as suas variantes. Eficácia e bom êxito
na ação como sinais de beneplácito divino são as velhas normas do
espírito calvinista e, seguramente, foram elas que involucraram o ideal
dos construtores de um novo esquema de vida social no solo americano.
(MENDONÇA, 1995, p. 49)

A iniciativa da citação prevê, em primeiro lugar, apontar o marco a partir do


qual se evolui a presença protestante nos Estados Unidos, que se desdobra,
posteriormente, na vertente anglicana, metodista entre outras. Com destaque,
apontamos a singularidade do sentimento de responsabilidade pela ordem da
sociedade como elemento constitutivo da cosmovisão protestante calvinista na
construção da naciona lidade americana.
Sobre a construção da nacionalidade americana, e também da relação Igreja
versus Estado, na medida em que o protestantismo começa se expandir e outras
expressões religiosas protestantes se avolumam nas treze colônias americanas,
ocorre uma recusa por parte desse protestantismo diverso, no que tange ao aspecto
da formatação do vínculo Igreja e Estado. Sobre esse aspecto, Reily (1984, p. 18)
escreve:

De fato, a primeira emenda à Constituição reza: “O congresso não fará


nenhuma lei com referência a um estabelecimento de religião nem
proibindo seu livre exercício.” Esta separação legal, porém, não exclui o
estabelecimento de uma religião civil, cujas evidências são numerosas: O
lema In god we trust (confiamos em Deus) na moeda; o capelão do
senado federal, que diariamente dirige orações ao Deus dos cristãos,
quando o senado se encontra reunido; os capelães das forças armadas,
que são os seus oficiais e por elas são sustentados; os templos e outras
53

propriedades religiosas isentos de impostos, e assim por diante. Mais


importante ainda é o fato de que o estabelecimento civil se estriba na
auto-imagem religiosa do povo americano.

O conhecimento de que a construção da nacionalidade americana está


vinculada ao espírito do protestantismo calvinista, ao tempo em que se verifica a
decisão da não existência de uma religião oficial do Estado, não exclui a influência do
protestantismo, como é o caso do lema na moeda americana e a presença de
religiosos em esferas da vida política e também das forças armadas. Vê-se, então,
que podia não haver uma religião oficial, no entanto, há uma influência protestante
muito forte na vida política do país. E essa capacidade da religião de interagir com o
meio político e social terá relevância frente à problemática da escravidão na América.
Já destacamos algumas das significativas diferenças entre o Norte e o Sul dos
Estados Unidos no tópico anterior, agora, sob a perspectiva religiosa, podemos
verificar semelhante contraste 12. David Gueiros Vieira, tratando das diferenças entre o
Sul e Norte dos Estados Unidos em relação à escravidão, coloca o componente
religioso/teológico como um elemento que os caracterizava e ao mesmo tempo
gerava conflitos. Assim, afirma:

“Como é geralmente conhecido, o sul era, como até certo ponto ainda é,
o chamado circulo da Bíblia dos Estados Unidos”. Os teólogos sulistas
protestantes eram ortodoxos intérpretes das escrituras sagradas –
fundamentalistas, nos termos hodiernos. A escravidão era tida como uma
instituição ordenada por Deus. O negro era um descendente de Cam,
amaldiçoado por Deus para ser sempre o servo dos servos de seus
irmãos. O protestante sulista acreditava que ele, só ele, era o verdadeiro
defensor da Palavra de Deus. Essas crenças, virtuosas aos seus
próprios olhos, provocavam em muitos protestantes sulistas um odium
theologicum dos seus irmãos nortistas (...) do ponto de vista do
protestante sulista os yankees há muito tinham abandonado o caminho
de Deus. O protestantismo nortista, que não tinha renunciado
inteiramente ao cristianismo para tornar-se Unitarista, fora influenciado
pelos novos conceitos da alta crítica da Bíblia, ainda que fosse, de modo
geral, bem conservador. Além disso, sob a influencia de idéias liberais,
os protestantes nortistas tinham-se rebelado contra aquela instituição

12
Sobre o tema referente às sensíveis diferenças de perspectivas religiosas/teológicas entre Norte e
Sul dos EUA, o leitor poderá encontrar ainda valiosas informações a respeito do assunto no livro
intitulado “O desenvolvimento da Cultura Norte-Americana, de Stanley Coben e Norman Ratner, entre
as páginas de número 147 e 185.
54

peculiar do sul – a escravidão – pretensamente estabelecida por Deus.


(VIEIRA, 1980, p. 212-213)

Do movimento migratório dos cidadãos do sul dos Estados Unidos para o


Brasil, no período pós-guerra da secessão, Peri Mesquida (1994), alinhado com as
informações a partir de David Gueiros, informa que os defensores da emigração
sulista para o Brasil também agregavam à problemática da escravidão na América o
fator teológico que fortalecia a instituição escravidão, ao mesmo tempo em que
delimitava as diferenças entre aquelas duas regiões da América. Nesse sentido, o
preconceito racial alcança legitimação teológica:

Para os teólogos sulistas, a escravatura era uma instituição ordenada


diretamente pelo próprio Deus. Estes teólogos afirmavam com a Bíblia na
mão, que a raça negra é descendente de Cam, filho mais moço de Noé,
o qual foi declarado maldito por seu pai e condenado a ser o escravo dos
escravos de seus irmãos (Gênesis 9.20-27). Estes protestantes
acreditavam que apenas eles eram os verdadeiros arautos da Palavra de
Deus e chegaram à constatação de que os ianques haviam há muito
tempo abandonado o caminho da salvação, pois se posicionaram contra
uma instituição criada por Deus: a escravatura. (MESQUIDA, 1994, p.
37)

Essa caracterização do protestante sulista como superior, na medida em que


na sua cosmovisão estava sendo mais “leal e fiel” aos princípios bíblicos, foi um
argumento a mais nas mãos daqueles que pretendiam persuadir os sulistas do pós-
guerra a emigrarem para o Brasil.
Seja como for e a serviço de que interesse pudesse estar esse discurso, o fato
é que na tela em que estava desenhada a escravidão nos Estados Unidos havia uma
moldura religiosa/teológica como força legitimadora por um lado (Sul), e denunciadora
por outro (Norte)13 .
Para os habitantes do Sul, a escravidão era verdadeiramente instituída pela
Bíblia e não faltavam alusões, tanto do Antigo como do Novo Testamento, como

13
No âmbito da discussão sobre a utilização do discurso religioso como forma de legitimar ou mesmo
de denunciar a escravidão, indicamos a obra de Eugene Genovese, intitulada “Da Rebelião à
Escravidão” 1983 páginas 25 a 61, como uma referência importante para se compreender que no
ambiente dessa incorporação do discurso religioso por grupos sociais, os escravos foram alimentados
por essa iniciativa e lançaram mão do mesmo instrumento com a finalidade da promoção de rebeliões.
55

forma de corroborar essa visão. Para o sulista , ao preservar a escravidão se estava


prestando um serviço a Deus e expressando ainda uma espécie de respeito a Deus e
à Bíblia.
Da parte de uma elite intelectual sulista, havia aqueles que , apoiados em
Aristóteles, afirmavam que enquanto alguns nasceram para serem dominados, outros
nasceram para dominar. Semelhantemente, repudiavam as teses de John Locke,
segundo as quais a lei natural era oposta à escravidão.
Do lado Norte do país, a visão religiosa acerca da escravidão, bem como
daqueles que a praticavam, era a pior possível. Argumentos religiosos também não
faltavam no sentido de reprovar a escravidão e se apoiavam ainda no princ ípio
constitucional segundo o qual havia sido preconizada “a liberdade como um direito
inalienável de todos os homens ”.

2.2.4 A GUERRA DA SECESSÃO

As possibilidades de mistura entre brancos e negros, seja ao Norte ou ao Sul


dos EUA, era impossível do ponto de vista do estabelecimento de igualdades,
conforme já pudemos constatar.
Escrevendo a respeito da escravidão, em um período anterior à guerra civil,
Tocqueville previne:

Se fosse absolutamente necessário prever o futuro, eu diria que,


segundo o curso provável das coisas, a abolição dos escravos, no sul,
fará crescer a repugnância que a população branca ali tem pelos negros.
Baseio esta opinião no que ja observei de análogo ao norte. Disse que os
homens brancos do norte afastam -se dos negros com tanto maior
cuidado que o legislador marca menos a separação legal que deve existir
entre eles; por que não se daria o mesmo no sul? Ao norte, quando os
brancos temem a chegar a se confundir com os negros, temem um
perigo imaginário. No sul, onde o perigo seria real, não posso crer que o
temor fosse menor. Se, por um lado, se reconhece (e o fato não deixa
margem a dúvidas) que os negros, no extremo sul, se acumulam
constantemente e crescem mais depressa que os brancos; se, por outro
lado, se concede que é impossível prever a época em que os negros e
os brancos chegarão a misturar-se e a derivar da situação social as
mesmas vantagens, não devemos concluir daí que, nos Estados Unidos
do Sul, os negros e os brancos acabarão, mais cedo ou mais tarde, por
56

entrar em luta? Qual será o resultado final dessa luta? (TOCQUEVILLE,


1977, p. 273-274)

De fato, a previsão de Tocqueville se confirmou, e o resultado da equação é:


preconceito racial, questões de ordem econômica e perspectivas religiosas
divergentes. Tudo isso, orbitando a partir do eixo escravidão, trouxe como resultado
final um lamentável derramamento de sangue nos Estados Unidos da América. De tal
forma que, entre os anos de 1861 a 1865, os Estados Unidos foram castigados
violentamente pelo conflito denominado Guerra da Secessão.
A crise na qual a América estava envolvida, dada a problemática dos
interesses no entorno da escravidão, no período em que Lincoln chega ao poder para
administrar a nação em fevereiro de 1861, eram enormes14. Para se ter uma noção
da crise, observemos:

Sete estados do baixo Sul já haviam se separado e corriam rumores


sobre a tomada da mesma momentosa medida por todos os outros
estados escravistas. Antes mesmo de sua posse, Lincoln percebeu que
sua tarefa mais importante e mais dificil seria lutar contra a maré da
desintegração nacional. Em seu discurso de posse, cuidadosamente
redigido, ele condenou os cidadãos sulistas – não os Estados – que se
encontravam em insurreição e, assim, pode ter conquistado amigos nos
duvidosos estados fronteiriços. Mas suas palavras quase não foram
encorajadoras para os abolicionistas que sentiam que passara a hora de
palavras. Era necessário ação, em sua opinião, para dar fim a uma
instituição contra a qual o Partido Republicano havia tomado posição
durante a campanha eleitoral. Mas Lincoln precisava agir cautelosamente
para não ofender os oito Estados escravistas que ainda permaneciam na
União. Nenhum grau de cautela, porém, poderia manter a paz
indefinidamente sem a capitulação da autoridade do governo federal no
sul. Quando chegou a hora de defender o Forte Summer, Lincoln agiu
prontamente – mas a defesa do forte lhe custou mais quatro estados
escravistas e mergulhou o país na guerra Civil. (FRANKLIN, 1989,
p.199).

14
Para que o leitor possa situar-se historicamente, em face dos acontecimentos principais relacionados
à guerra, indicamos: Ano 1860, Abraham Lincoln (Republicano) é eleito. 1860-1861, sete Estados do
baixo sul se separam e organizam os Estados Confederados da América. 1861 Os confederados
bombardeiam o Forte Sumter, dando início à Guerra Civil. A Virgínia, Carolina do Norte, Tennessee e
Arkansas se separam e ingressam na confederação. 1863 A proclamação da Emancipação, baixada
por Lincoln, declara livres todos os escravos existentes em áreas confederadas. 1865 Lee rende-se a
Grant em Appomattox Courthouse. Lincoln é assassinado. A décima terceira emenda abole a
escravidão em todos os Estados Unidos.
57

Os Estados escravistas onde ainda perdurava a escravidão eram Delaware,


Maryland, kentucky e Missouri. Gradativamente, a luta abolicionista vai ganhando
força e colocando esses Estados fronteiriços em situação cada vez menos vantajosa
e com pouca condição de sustentação. Além da pressão natural dos abolicionistas, o
número de negros fugitivos começava a crescer assustadoramente.
Como não havia uma política clara do governo para o atendimento dessa
massa de escravos libertos ou fugitivos, cresciam proporcionalmente os problemas
dessa população negra. Um dos problemas era a falta de uma política governamental
que disponibilizasse terra para alocação dos negros. Capitalistas e filantropos do
Leste compravam a maior parte das terras disponíveis na Carolina do Sul e,
freqüentemente, esses novos proprietários tinham pouco interesse pela situação dos
negros. Agregam-se a esse problema outros tantos, como:

...durante 1863 e 1864 os negros ficaram sem qualquer supervisão


coordenada... Em 1864, um oficial da União admitiu que a mortalidade
nos acampamentos de negros era assustadora e que observadores bem
competentes a colocam em nada menos de 25 por cento nos últimos dois
anos. (FRANKLIN, J.H., 1989, p, 201-202).

No contexto desses problemas, nascia nos povos negros a vontade de


alistarem-se no exército para servir aos interesses da União na guerra. Dadas as
dificuldades constitucionais para tal, muitos negros procuravam contribuir no processo
da forma como podiam, de maneira geral o sentimento predominante entre os negros
frente a guerra era:

Nossos sentimentos instigam-nos a dizer aos nossos compatriotas que


estamos prontos para ajudar e defender nosso governo como iguais a
seus defensores brancos; fazer isso com nossas vidas, nossas sortes e
nossa honra sagrada, em nome da liberdade e como bons cidadãos; e
pedimos-lhe que modifiquem suas leis, que possamos alistar-nos – que
sejam dadas plenas oportunidades aos patrióticos sentimentos que
ardem no peito do homem de cor. (FRANKLIN, 1989, p. 200)
58

À falta de uma política do governo que oferecesse condições de subsistência


aos negros, à falta de uma política que alocasse essa massa populacional negra e
liberta na terra para produzir, e também à ausência de uma legislação que
assegurasse direitos iguais entre negros e brancos, pôde-se ainda agregar a
preocupação gerada, especialmente ao Norte do país , em relação à perda de espaço
dos brancos dentro do mercado de trabalho pela suposta migração dos negros para
aquela região do país (Franklin, 1989)15.
Face a esse quadro de desvantagens e problemas diversos envolvendo os
negros libertos e emancipados e o crescente descontentamento da população branca
pela falta de políticas governamentais que colocasse ordem naquele estado de
acontecimentos e desestruturação da realidade social é que começam a surgir
iniciativas particulares para suplantar de alguma forma aquelas dificuldades; Franklin
(1989) destaca, entre outros aspectos, que desde fevereiro de 1862 realizaram-se
reuniões em Boston, Nova York e outras cidades nortistas com o expresso fim de
prestar uma ajuda mais efetiva aos negros sulistas. Em 22 de fevereiro, a associação
nacional da ajuda aos libertos foi organizada em Nova York e logo depois veio a
associação de ajuda ao contrabando, em Cincinnati e, que, mais tarde, mudou seu
nome para comissão de ajuda aos libertos do Oeste. A associação de amigos para
ajuda aos libertos de Cor foi criada na Filadélfia, e um grupo de cidadãos de Chicago
formou a comissão de ajuda aos libertos do Noroeste. Em 1865, todas estavam
unidas na comissão Norte-Americana e juntaram-se na ajuda aos negros.
Realizaram-se coletas de dinheiro, solicitaram-se roupas e alimentos e agentes foram
ao Sul para atender às necessidades de ex-escravos, e foi assim que iniciativas
criadas por associações que começaram a se multiplicar nos EUA focaram o assunto
da educação – instrução dos negros como elemento prioritário.

15
Eles temiam que a emancipação dos escravos causasse um êxodo geral de libertos para o Norte e
que a decorrente competição por trabalho achatasse os salários e gerasse desemprego. Os
trabalhadores brancos de muitas localidades procuravam aumentar seus salários por meio de greves,
mas a disposição dos empregadores em usar fura-greves negros os convenceu de que a competição
com os trabalhadores negros já se havia materializado. Como resultado, ocorriam lutas e distúrbios
quando os negros procuravam trabalho. Em Nova York, em 1862, um grupo de mulheres e crianças
negras que trabalhavam em uma fábrica de fumo foi atacado por uma multidão. O uso de
trabalhadores na Ferrovia Camden and Amboy, em Nova Jersey, causou considerável agitação e
ameaças de represálias por brancos desempregados. Os estivadores de Chicago, Detroit, Cleveland,
Buffalo, Nova York e Boston combateram os trabalhadores negros sempre que eles foram admitidos
no emprego.
59

O americano do Norte elaborava sua compreensão sobre a escravidão


diferentemente do Sul, como já falamos mais de uma vez. Agora, diante dos
problemas da instrução dos negros, eles se comportam da seguinte maneira:

...No último ano da guerra, pelo menos 1.000 jovens nortistas, homens e
mulheres, ensinavam ex-escravos e cuidavam deles. Traziam o l usas,
lápis, manuais de ortografia e de leitura, quadros-negros e giz. Embora
encontrassem forte oposição na maioria dos brancos sulistas, havia
alguns que não somente eram favoráveis ao êxito das escolas para
negros como também contribuíam para tal êxito. Através de todo o Sul
encontravam-se brancos naturais da região ensinando negros antes do
fim da guerra. (FRANKLIN, 1989, p. 203)

As contribuições das associações particulares nortistas para o devido ajuste da


população negra dentro na nova realidade ocorreu de forma significativa no âmbito
educacional. Em 1864, mais de 3.000 negros estavam na escola, com 52 professores
dos quais pelo menos 5 eram negros. Segundo Franklin (1989, p. 203): “Eles eram
pagos pelas associações, mas o governo fornecia subvenção”.
Os esforços para dirimir os problemas relacionados aos negros, quer
refugiados ou libertos, dentro do processo da guerra e posterior a ela, foram enormes
do ponto de vista de erradicar o analfabetismo dos negros. No entanto, a questão iria
ainda exigir muitos esforços, quer para proporcionar o ajuste da população negra,
quer especialmente para o estabelecimento da sonhada liberdade e igualdade
americana.
No ano de 1865, finalmente, marca-se o fim da Guerra da Secessão nos
Estados Unidos da América. Nessa data, o Exército confenderado sulista assume sua
rendição frente às pressões diversas, sobretudo as oriundas das forças militares do
Norte. Para os ex-escravos, o fim da guerra significou a obtenção da tão sonhada
liberdade, liberdade que não tiveram durante quase 250 anos dentro da América.
Finalmente, o término da guerra trouxe também outras implicações e
resultados, como:

O fim da guerra foi, além do mais, o início de uma nova era na história
dos Estados Unidos. A revolução econômica trazida pelas enormes
forças liberadas na guerra iria transformar todas as fases da vida norte-
60

americana e criar novos problemas e injustiças para os reformadores


solucionarem. Na nova era, os republicanos teriam de encontrar uma
nova fé para seu partido e os abolicionistas novos males sociais para
serem erradicados. Os negros teriam de aperfeiçoar sua liberdade em
uma sociedade que mudava tão rapidamente que o ajuste seria difícil até
mesmo para os mais instruídos entre eles. Para todos os norte-
americanos, o maior problema surgido da Guerra Civil e de suas
consequências econômicas talvez tenha sido encontrar uma maneira de
conservar a liberdade, o desejo da qual se tornara quase uma obsessão,
e, no entanto, ao mesmo tempo, desfrutar de segurança, que se tornava
mais precária na nova ordem econômica. Quando as pessoas negras e
brancas se lançaram a encontrar o equilíbrio perfeito entre a liberdade e
a segurança na América de depois da Guerra Civil, a democracia
defrontou-se com um novo teste. (FRANKLIN, 1989, p. 219)

A complexidade que o tema da escravidão envolvia nos EUA era enorme;


esforçamo-nos nos tópicos anteriores em tentar compreender o máximo possível as
idas e vindas dos interesses que orbitavam no entorno do tema dentro dos EUA que,
como vimos, culminou em uma guerra sangrenta. Ao final, esperamos ter construído
uma visão geral do processo que nos ofereça possibilidades de entendimento do
assunto, nos limites da sociedade norte-americana. O fato mais relevante, dados
nossos interesses de pesquisa, é que a sociedade americana rompeu definitivamente
com a escravidão. Aqui não cabem juízos de valor a esse respeito, apenas a
constatação histórica. O que mais nos interessa dizer, em forma de paralelismo, é
que enquanto nos EUA o problema da escravidão havia chegado às vias da extinção,
no Brasil, contudo, a escravidão ainda era uma realidade bem estabelecida. Nesse
sentido, entendemos que o exemplo abolicionista norte-americano alimentava as
aspirações e sonhos de um seguimento da sociedade brasileira que almejava a
abolição da escravidão. Aqui, visualizamos um nicho a partir do qual podemos
imaginar que a experiência dos EUA com relação à abolição da escravidão,
representado pela presença de missionários daquele país, dentro do Brasil, se
constituía numa possibilidade de influências positivas para a sociedade brasileira no
que se referia à escravidão ainda existente aqui.
61

2.3. A TRÍPLICE DIMENSÃO DA EDUCAÇÃO NA AMÉRICA

Para que serve a educação na América? Pode-se responder,


fundamentalmente, que ela está orientada para atender a uma tríplice dimensão. A
primeira delas é o aspecto pragmático, a segunda munir o indivíduo dos
conhecimentos que assegurem sua cidadania e, finalmente , uma educação que
esteja a serviço da república.
Com a afirmação “A América, até o presente, teve apenas pequeno número de
escritores notáveis; não tem grandes historiadores e não conta com um poeta”,
Tocqueville (1977, p. 232) inicia o desvelamento de um traço da educação com forte
ênfase no pragmatismo dentro da América.
O conhecimento adquirido deveria ter uma aplicação no quotidiano das
pessoas de tal modo a alterar a qualidade de vida. Aquele conhecimento que não
atendesse a essa necessidade pouca ou nenhuma importância obteria para o
americano, segundo o olhar de Tocqueville.
Sobre essa orientação pragmática da educação na América, vejamos:

Na América, a parte puramente prática das ciências é admiravelmente


cultivada e muitos se ocupam com cuidado da porção teórica
imediatamente necessária à aplicação; os americanos revelam, por esse
lado um espírito sempre límpido, livre, original e fecundo; mas quase não
há, nos Estados Unidos, quem se entregue à porção essencialmente
teórica e abstrata dos conhecimentos humanos. Os americanos, neste
particular, mostram em excesso uma tendência que também será
encontrada, creio eu, embora num grau menor, entre os povos
democráticos. (TOCQUEVILLE, 1977, p. 346)

O espírito americano, subentendemos, não se prendia às idéias gerais, e


pouco valor era dado às grandes descobertas dos sistemas teóricos, a valorização
estava numa educação voltada para o pragmático, para a indústria e capacitação
profissional do indivíduo.
O maior interesse estava na descoberta e utilização de métodos novos que
permitissem, de uma forma mais ágil, chegar ao enriquecimento; nesse aspecto,
valoriza va-se sobremaneira todo maquinário que facilita va e agilizava o trabalho, o
62

instrumental qualquer que fosse, deveria diminuir o custo produtivo e possibilitar a


satisfação das necessidades.
A formação educacional do americano também se deixa orientar para a
necessidade de obtenção dos conhecimentos necessários das leis do país, da
religião e também da história da nação que os abriga.
Sobre esse aspecto:

Todo cidadão recebe noções elementares dos conhecimentos humanos;


apreende, além disso, quais são as doutrinas e provas da sua religião:
são-lhe dados a conhecer a história de sua pátria e os traços principais
da Constituição que a rege... é muito raro encontrar um homem que não
saiba, ao menos imperfeitamente, todas essas coisas, e aquele que as
ignora absolutamente é, de certo modo, um fenômeno (....) os anglo-
americanos chegaram inteiramente civilizados ao solo que a sua
posteridade ocupa; nada tiveram que aprender, e foi-lhes suficiente não
esquecer. Ora, são os filhos daqueles mesmos americanos, que, ano
após ano, transportaram para o deserto, com a sua morada, os
conhecimentos já adquiridos e a estima do saber. A educação lhes fez
sentir a utilidade das luzes e os pôs em situação de transmitir essas
mesmas luzes a seus descendentes. (TOCQUEVILLE, 1977, p. 232-233)

O destaque dado à educação religiosa, mencionado por Tocqueville, era


importante porque estabelecia o vínculo dos americanos com seu passado
protestante e puritano, e esse conhecimento, ao mesmo tempo que atualizava os
ideais de “nação escolhida e abençoada por Deus” com um destino manifesto na
direção da conquista e grandiosidade mundial, projetava ainda vigor para o trabalho e
convicção de se estar trilhando o caminho certo. Dada a realidade do sistema de
governo democrático na América, e da conseqüente interação dos cidadãos com as
questões da legislação, o povo americano absorvia o conhecimento das suas leis: “é
governando que se instrui nas formas de governar. A grande obra da sociedade
realiza-se dia a dia sob os seus olhos e, por assim dizer, entre as suas mãos. Nos
Estados Unidos, o conjunto da educação dos homens é dirigido para a política”
(TOCQUEVILLE, 1977, p. 234).
É dessa maneira que se percebe na educação americana a orientação para a
formação da consciência da república democrática da qual o americano se via como
parte integrante, vejamos:
63

Não poderia ter dúvidas de que a instrução do povo, nos Estados Unidos,
serve poderosamente à manutenção da república democrática. Creio eu
que assim há de ser em toda parte onde não se separe a instrução que
esclarece o espírito, da educação que regula os costumes. Todavia, não
exagero em nada essa vantagem, e estou ainda mais longe de crer,
como o faz grande número de pessoas na Europa, que basta ensinar os
homens a ler e escrever para logo fazer deles cidadãos. Os verdadeiros
conhecimentos nascem principalmente da experiência, e se os
americanos não tivessem sido habituados pouco a pouco a governar-se
por si mesmos, os conhecimentos literários que possuem de modo algum
lhes seriam hoje um grande auxílio para ter êxito neste particular.
(TOQUEVILLE, 1977, p. 234)

À tese levantada por Tocqueville, de que a educação americana estava voltada


ideologicamente para a preparação profissional, religiosa e cidadã, agrega-se ainda a
noção de que o sistema em seu conjunto destinava-se a construir uma aristocracia
natural em contraste com a da Europa, que enfatizava a hereditariedade e a riqueza.
Esse novo sistema prepararia homens de talento para aceitarem as altas
responsabilidades do autogoverno no Novo Mundo.
Quanto ao aspecto da preparação religiosa, a partir de 1787, sob o comando
de Thomas Jefferson, nascia a ordem para que cada cidade do país reservasse para
fins educacionais pelo menos um terreno com uma milha quadrada onde fossem
cultivados a religião, a moralidade e o saber, necessários para o exercício de um bom
governo e para a felicidade da humanidade. Um registro é esclarecedor:

Em 1642, os americanos deram os primeiros passos para criar um


sistema de escolas públicas que iria assegurar serviços educacionais
para todas as crianças do país. Efetivamente, foram medidas
experiementais e limitadas: a colonia de Massachusetts simplesmente
aprovou uma lei atribuindo a educação dos filhos aos seus pais. Em
1647, contudo, esse compromisso com a educação foi estendido com a
aprovação de outra lei mais radical que exigia que todas as cidades
fornecessem escolas e professores para suas crianças. Dentro de
quarenta anos virtualmente todas as colônias americanas tinham seguido
o exemplo de Massachusetts. Até o fim do século dezessete tinha-se
como certo que os cidadãos das colônias inglesas deveriam ser
educados; a alfabetização devia ser encorajada para que as crianças
pudessem entrar em contato com as verdades religiosas, para que elas
pudessem ser preparadas para lidar com as incertezas da vida colonial e
de fronteira, e para que algumas desenvolvessem os talentos
necessários para conduzir os negócios políticos, econômicos e religiosos
das colônias. (JOHN, sd, p. 298)
64

Em suma, em um curto espaço de tempo, devido ao seu sistema de escolas,


Massachusetts se constituiu, enquanto Estado, à altura dos mais ilustres países da
Europa no que tangia à educação. A lei de 1642, enquanto primeira lei educativa
norte-americana, exigia a instrução de todas as crianças e também propugnava como
fundamento a necessidade de inclusão dos estudos das leis que regiam o país.
A respeito da lei de 1647, promulgada pelo general Coust e mencionada
acima, exigindo a implantação de escolas secundárias, transcrevemos:

Ordena-se, dizia a lei, que cada cidade, em sua jurisdição, conforme o


Senhor a aumente até o número de cinquenta habitantes, nomeará um
deles para ensinar a ler e a escrever a todas as crianças que a ele
acorram; e será pago ou pelos pais ou pelos patrões de tais crianças, ou
pelos habitantes em geral, a título de subvenção, segundo ordene a
prudência da maioria dos cidadãos; que os que enviem seus filhos não
sejam obrigados a pagar mais do que se costuma em outras cidades; e
se ordene, também, que, quando uma cidade aumente seu número até
uma centena de famílias ou habitantes, serão enviados a uma escola de
gramática com um mestre que seja capaz de instruir a juventude até
capacitá-la para seu ingresso na Universidade; deste modo, se uma
cidade se esquecer de seus deveres daqui a um ano, pagará cinco libras
à escola próxima, até que cumpra esta ordem. (LARROYO, 1982, p.
467)17

A promulgação e aplicação desta lei na colônia de Massachusetts serviu de


inspiração para as demais colônias, tanto ao norte como ao centro dos Estados
Unidos, de tal forma a contribuir para o surgimento de escolas públicas em
Conneticut, Rhode Island, Maine e New Hampshire. No processo evolutivo da
educação na América, pensando mais diretamente nos Colleges, cabe o registro da
fundação de Harvard em 1636, William and Mary 1693, de Yale 1701, Princeton 1746,
de Columbia 1754, Pennsylvania 1755, Brown 1764, de Rutgers 1766 e de Dartmonth
1769.

17
A respeito do impacto dessa lei sobre a educação em Massachusetts, Larroyo agrega a opinião de
que como pano de fundo, a rec ente legislação estava inspirada numa série de princípios (uns antigos,
outros recentes) em relação fundamental com o desenvolvimento das colônias: a educação de todos
era pressuposto do bem-estar da nação; os pais de família tinham obrigação de educar seus filhos, e o
Governo de fazer cumprir este mandato, embora isso pudesse ser feito mediante fundos públicos e
sob a vigilância do próprio Governo.
65

Sobre a vinculação da religião protestante presbiteriana com a educação,


Mendonça destaca sua importância para o entendimento da valorização e
desenvolvimento da educação na América com a seguinte alusão:

...Denominações (religiosas – grifo nosso) importantes nos Estados


Unidos reconheceram que a educação era pré-requisito para uma
América cristã. Só uma cidadania adequadamente preparada podia
desenvolver sua divina missão no mundo. Logo, entre 1780 e 1860, o
número de instituições educativas subiu de nove para quase duzentas.
Grande parte dessas escolas, principalmente presbiterianas,
congregacionais e episcopais, possuíam cursos para a formação de seus
ministros, mas, acima de tudo, eram elas sinal de uma grande
preocupação com o reforço dos ideais de vida protestantes,
especialmente diante do grande incremento da população católica,
devido à imigração nos anos 30 e 40. (MENDONÇA, 1995, p. 65)

Finalmente, em termos gerais, caracterizamos a educação nos Estados


Unidos, no horizonte do recorte histórico em estudo, como tendo uma proposta
voltada para o pragmático, para a formação do espírito patriótico/cidadania e,
finalmente, uma educação que estivesse a serviço dos interesses daquela nação.
Como pretendemos verificar posteriormente, esses traços da educação norte-
americana, no contexto de suas especificidades, constituiram-se em atrativos
significativos para uma elite intelectual brasileira que visualizava , na presença
protestante presbiteriana pelo viés da educação/escolas, uma possibilidade de
transplante daquela realidade para o Brasil.
66

2.4 O DESENVOLVIMENTO E DOMÍNIO TECNOLÓGICO

Os EUA iniciaram um significativo crescimento tecnológico desde meados de


1850, porém, de forma exponencial, os maiores avanços ocorrem desde o fim da
guerra civil. Foi dentro do período da guerra civil, com o incremento financeiro oriundo
do governo norte-americano, que a indústria norte-americana:

... alcançou patamares de produção que se mantiveram entre os mais


altos do mundo durante o resto do século XIX. Nas décadas posteriores
à guerra, famílias dos chamados “senhores da criação”, como os
Carnegie, os Duke, os Hill, os Morgan, os Rockfeller, os Swift, os
Vanderbilt etc., acumularam espantosas riquezas e poder, criando, a
partir de 1860, a chamada “era da iniciativa privada. (KARNAL, 2007,
p.151)

No âmbito dos avanços tecnológicos é que se percebia a aparição de


equipamentos voltados às mais diversas áreas das necessidades humanas; desde
instrumentos ligados aos transportes, agricultura, comunicações, energia,
urbanização até a produção de aço e combustível. Toda essa expansão industrial se
constituiu ainda em fonte de ascensão e fortalecimento das grandes empresas e do
sistema bancário em Wall Street, Nova York.
Com a intenção de obtermos melhor compreensão do referido avanço
tecnológico e de sua implicação para os EUA, apoiados no recente livro publicado por
Leandro karnal (2007) e outros autores, como Marcus Vinícios de Morais, Luiz
Estevam Fernandes e Sean Purdy, ambos professores da Univesidade de São Paulo,
intitulado HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS das origens ao século XXI,
destacaremos alguns detalhes apontados pelos autores a respeito das referidas
tecnologias.
No campo dos transportes, por exemplo, destacamos que: a) as estradas de
ferro, mola central dessa industrialização, passaram por um forte surto de
crescimento na década de 1850, criando as primeiras grandes companhias
ferroviárias que ligaram o país de costa a costa por meio de cinco ferrovias
intercontinentais, o que, entre outros aspectos, acelerou a expansão demográfica do
67

oeste. Na virada do século, os Estados Unidos possuíam cerca de um terço de todas


as vias férreas do mundo, algo em torno de 320 mil quilômetros de trilhos de aço. Na
área da agricultura, notamos que: b) anterior a essa verdadeira revolução nos
transportes, a mecanização da agricultura gerava aumentos exponenciais de
produção e expansão das áreas de cultivo. Um fazendeiro, acompanhado de
ceifadeira, trançador de debulhador a vapor, em 1896, podia colher mais trigo do que
dezoito homens setenta anos antes.
No caso das comunicações, e motivados pela dimensão do país, os
americanos excederam a todos dentro desse campo, pois c) aperfeiçoaram uma
invenção italiana, o telefone (creditando-o com invenção norte-americana); d) criaram
a máquina de escrever, a máquina registradora, a máquina de somar e o linotipo
(máquina de composição tipográfica que funde os caracteres e os dispõe por linhas).
Vincularam o receptor telegráfico contínuo em fita às bolsas de valores; e) se, já na
década de 1870 a eletricidade era usada como fonte de luz e energia, dez anos
depois ela movia bondes elétricos, lâmpadas incandescentes e vitrolas nas
crescentes cidades.
Com base nessas informações, podemos constatar que os EUA estavam
envoltos em um processo de desenvolvimento que os colocaria rapidamente no topo
da liderança mundial em vários segmentos. Porém, é bom ressaltar que, distante da
concepção desenvolvida acerca de que todo o desenvolvimento tecnológico norte-
americano se deu porque os EUA foram o berço dos maiores talentos inventivos do
mundo:

Hoje sabemos que, a despeito das notáveis engenhocas de pessoas


como Edison, a industrialização foi sustentada por incrementos
continuados e melhorias tecnológicas paulatinas, criadas em laboratórios
das próprias indústrias ou universidades, fruto dos esforços de cientistas
e engenheiros anônimos. Também é notório que boa parte dessa
tecnologia tivesse origem européia ou fosse resultado de parcerias entre
o velho continente e os Estados Unidos, como os processos Bessemer e
Siemens-Martin de produção de aço. (KARNAL, 2007, p. 152)

Na área do desenvolvimento demográfico do país, enquanto elemento que


vinha na esteira de todo o desenvolimento tecnológico, notava-se ainda o fenômeno
segundo o qual os habitantes de outros países viam os EUA como sendo a terra das
68

oportunidades, e entre 1870 e 1900, a população dos Estados Unidos recebeu mais
de 20 milhões de imigrantes vindos da Europa e da Ásia, em sua maioria. Essa
imigração, somada ao crescimento vegetativo, fez a população do país quase dobrar
no mesmo período, indo de quase 40 milhões para cerca de 76 milhões (Karnal,
2007).
Concomitante ao crescimento populacional, via imigração, destaca-se ainda
que grande parte dos norte -americanos estabelecidos no campo começam a se
deslocar para as cidades e, na década de 1890, “já era possível ver, nesse meio
urbano, a formação de uma crescente classe média, admiradora de esportes, leitora
de revistas e romances de grande circulação, e fanática pela nova invenção: a
bicicleta” Karnal (2007, p.157).
A soma geral do desenvolvimento tecno lógico vivido nesse período pelos EUA
revela o perfil de um país civilizado. E, por civilizado estamos entendendo o conceito
a partir do sociólogo Elias (1994), segundo o qual civilização significa grande
variedade de fatos no nível da tecnologia, no tipo de maneiras, no desenvolvimento
dos conhecimentos científicos, nas idéias religiosas e nos costumes.

Norbert Elias ainda complementa o conceito afirmando que civilização pode se


referir ao tipo de habitações ou à maneira como homens e mulheres vivem juntos, à
forma de punição determinada pelo sistema judiciário ou ao modo como são
preparados os alimentos. Rigorosamente falando, nada há que não possa ser feito de
forma ‘civilizada’ ou ‘incivilizada’. Daí ser sempre difícil sumariar em algumas palavras
tudo o que se pode descrever como civilização.
69

3. AS ESTRUTURAS ESTRUTURADAS NO CAMPO

Quando nos apropriamos do conceito de estrutura estruturada para designar a


forma como estamos construindo as seções que compõem esta pesquisa, esclarecemos
que o conceito é uma particularidade da sociologia da religião de Bourdieu, no contexto
de suas análises da linguagem religiosa enquanto um veículo simbólico que, por si, é
estruturado porque é construído a partir de uma estrutura própria, ou seja, um conjunto
de signos que lhe são próprios do campo religioso. Estruturante porque esta linguagem
carrega consigo a capacidade de estruturar a cosmovisão dos atores sociais, integrando-
os ao meio social que lhes dá sentido.

Nesse aspecto, independentemente da chegada e presença dos missionários


presbiterianos norte-americanos no Brasil, trazendo consigo sua linguagem estruturada e
estruturante; a religião católica romana já se encontrava estruturada no campo social
brasileiro. Nosso objetivo, nesse momento, é verificar como ela se estruturava e
identificar parte dos signos que lhe eram próprios dentro do campo social brasileiro e que
lhe davam sustentação enquanto veículo estruturado e estruturante. O que se pretende é
identificar a religião católica romana enquanto religião oficial do país e, daí por diante,
apresentar os demais pontos que julgamos necessários para obter uma visão de sua
realidade estrutural, ou seja, falar dos templos protestantes, do casamento civil e dos
cemitérios.

Quando apontamos para essa realidade contextual, estamos agindo sob a


influência de Bourdieu que, como vimos, em suas análises, sempre primou pelo interesse
na construção de instrumentos de análises e no desenvolvimento de métodos
investigativos que pudessem deslocar o centro das ate nções para a compreensão do
contexto, em oposição às linhas interpretativas que davam validade às dimensões
internas dos textos.
70

3.1 O CATOLICISMO COMO IGREJA OFICIAL

Do descobrimento à Proclamação da República, o catolicismo foi a religião


oficial do Brasil, devido ao acordo de Direito de Padroado firmado entre o Papa e a
Coroa Portuguesa. Por esse acordo, todas as terras que os portugueses
conquistassem deveriam ser catequizadas, mas tanto as Igrejas quanto os religiosos
se submeteriam à Coroa Portuguesa em termos de autoridade, administração e
gerência financeira. Ampliam a compreensão do Direito do Padroado as palavras de
Azzi (1987, p.21) quando diz:

O direito de padroado só pode ser entendido dentro de um contexto de


história medieval. Não se trata de usurpação de atribuições religiosas
próprias da Igreja por parte da Coroa lusitana, mas de forma típica de
compromisso entre a Santa Sé e o governo português. Consistia
especificamente no direito de administração dos negócios eclesiásticos,
concedido pelos papas aos soberanos portugueses. Acresce ainda que,
em 1522, o papa Adriano conferiu a D. João III a dignidade de Grão-
Mestre da Ordem de cristo, transmitida em seguida aos seus sucessores
no trono.

Portanto, ao oficializar em um só corpo a Igreja e o Estado, o acordo do


Padroado centralizava no rei os papéis da vida política e religiosa. De uma vertente, o
rei, enquanto expressão do poder temporal dava sustentação à fé católica romana
como religião oficial, concomitantemente, imbuía-se da responsabilidade de expansão
da religião católica, inclusive responsabilizando-se pelas côngruas dos padres para a
consecução de suas atividades missionárias.
De outra vertente, a religião oficial oferecia os meios necessários para que as
ações do Império obtivessem legitimidade diante dos indivíduos que compunham
aquela organização social, incutindo o habitus 18 da obediência e lealdade àquele que
exercia o poder.
Enquanto elemento de estruturação do catolicismo no papel de igreja oficial na
sociedade brasileira, o Padroado representou ainda, durante muito tempo, um
mecanismo importante nas mãos da igreja oficial no sentido de inibir possíveis

18
O conceito de habitus, a partir de Bourdieu, é um sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem
implícita ou explicita que funciona como um sistema de esquemas geradores é gerador de estratégias que
podem ser objetivamente afins aos interesses objetivos de seus autores sem terem sido expressamente
concebidas para esse fim. Mais informações em Bourdieu (1983, p. 94).
71

concorrências no campo religioso, gerando, com isso, plena hegemonia do


catolicismo.
Segundo Braga (1932, p. 47), em “1720 foi aprovada uma lei que tornava
quase impossível a entrada no Brasil de qualquer pessoa que não estivesse a serviço
da Coroa ou da Igreja. Estrangeiros eram absolutamente proibidos”. Na mesma
direção, Freyre (1971, p.237) afirma:

Todo navio que entrava num porto brasileiro recebia a bordo um frade
capaz de examinar a consciência, a fé e a religião de um chegado. O que
barrava um imigrante naqueles dias era a heterodoxia, a nódoa da
heresia na alma, não qualquer marca racial do corpo. Era uma questão
de saúde religiosa; sífilis, bouba, varíola e lepra podiam entrar
livremente, trazidas por europeus e negros de vários lugares. O perigo
não estava no fato de o individuo ser estrangeiro ou de que pudesse ser
anti-higiênico ou cacogênico, mas na possibilidade de ser herético.
Desde que fosse capaz de rezar o Padre Nosso e a Salve Rainha, de
recitar o Credo dos Apóstolos e de fazer o sinal da cruz, qualquer
estrangeiro era bem-vindo no Brasil colonial. O frade ia a bordo a fim de
investigar a ortodoxia do indivíduo do mesmo modo como hoje a raça e a
saúde do imigrante são examinadas.

É nessa mesma linha interpretativa que Costa (1996) destaca que, desde o
regime do Padroado, passando pelo Pacto Colonial20, até a proclamação da
independência do Brasil em 1822, constata-se um quadro de dominação da Igreja
Católica no campo religioso, inibindo qualquer ameaça ao seu status quo. No campo
do desenvolvimento econômico, o país esteve mergulhado num processo de atraso,
uma vez que todas as riquezas eram transferidas para as mãos dos conquistadores
na Europa. O Brasil, portanto, estava envolvido num processo de fechamento em
torno de si, seja pelo viés da religião, seja pela administração política, que não
viabilizava o desenvolvimento econômico e industrial do país. Sobre esse aspecto,
Freire (1993), oferece-nos informações que facilitam nosso entendimento desse
quadro ao indicar algumas medidas proibitivas que inviabilizavam o desenvolvimento
do país em outras áreas, conforme se pode depreender a partir dos seguintes pontos:

20
A economia das colônias completava a economia dos países que as dominavam. As colônias
exportavam matérias-primas, produtos tropicais e riquezas minerais e importavam produtos
manufaturados. Essa situação, que por si mesma já era desvantajosa para as colônias, agrava-se
ainda mais pelo fato de as metrópoles as proibirem de comerciar com qualquer outro país. Essa
relação de exclusividade do comercio da colônia com a metrópole ficou conhecida por pacto colonial.
72

Carta Régia de 01 de março de 1590, proibindo a plantação e cultura de


vinhas; Alvará de 15 de agosto de 1603, obrigando os vassalos a
abandonarem as minas descobertas; Alvará de 29 de setembro de 1649
e 21 de fevereiro de 1667, intimação de 19 de junho 1578, feita à câmara
de São Vicente, proibindo que o ferreiro Bartholomeu Fernandes, único
no lugar, ensinasse seu oficio aos da terra; Lei de 18 de março de 1606,
que estabelecia o isolamento do país ao contato com toda e qualquer
nação do mundo que não fosse Portugal; O aviso Régio de 5 de janeiro
1785, mandando acabar com todas as fábricas de manufatura no Brasil;
Carta Régia de 26 de abril de 1730, proibindo correio por toda terra do
Brasil; Alvará de 16 de dezembro de 1794, proibindo o despacho de
livros e papéis para o Brasil; e aviso de 18 de julho de 1800 ao capitão-
general de Minas, repreendendo a Câmara de Tamanduás por ter
instituído uma aula de primeiras letras. (Freire 1993, p. 27-28)

Todo o quadro de isolamento só começa a dar sinais de abertura para


transformações e contato com o mundo externo a partir de 1810, através do Tratado
de Aliança e Amizade, e de Comércio e Navegação com a Inglaterra. O tratado
previa, entre outros aspectos, “que a inquisição não seria, para o futuro, estabelecida
nos meridionais domínios americanos da coroa de Portugal” (ACCIOLY, 1948, p. 69).
Além disso, previa que não deveria haver perturbações, inquietações, perseguições
por razões religiosas aos vassalos da sua majestade britânica, aos quais seria
assegurada liberdade de consciência e licença para o serviço religioso tanto no
âmbito de suas residências, como nas suas igrejas e capelas, desde que essas,
externamente, fossem semelhantes a casas normais de habitação.
Esse tratado proporcionou uma “abertura religiosa”; entretanto, não se deve
acreditar que tenha sido representativa ao ponto de se poder afirmar que o
protestantismo estaria se instalando no Brasil, até porque:

Quando se proclamou a Independência, contudo, ainda não havia igreja


protestante no País. Não havia culto protestante em língua portuguesa. E
não há noticia de existir, então, sequer um brasileiro protestante”
(RIBEIRO, 1973, p.18).

Religiosamente, o poder no campo religioso permanecia nas mãos da Igreja


Católica, o que houve foi o surgimento de uma pequena fenda por onde se começou
a infiltrar o protestantismo no Brasil, conforme veremos posteriormente.
73

Em discurso proferido na Assembléia Constituinte de 1823, Silva Lisboa


caracterizava tal liberdade de culto como sendo uma “liberdade pródiga”, nem pedida
nem reclamada pela Nação. No mesmo contexto, Maciel Costa afirmava que a nação
“tem a felicidade de não contar no seio de sua família nem uma só seita, das infinitas
que há de protestantes” (RIBEIRO, 1973, p.18).
Finalmente, na força e poder da expressão da Carta de Lei de 25 de Março de
1824, no quinto artigo da Constituição do Império, assim se expressava o Imperador a
respeito do aspecto religioso, a:

Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império.


Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou
particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de
templo” (RIBEIRO, 1973, p.32).

No capítulo terceiro da referida Constituição imperial, quando do trato do tema


“Da Família Imperial e sua Dotação”, no artigo 106, lê-se (Ribeiro, 1973) que o
herdeiro presuntivo, em completando quatorze anos de idade prestará nas mãos do
Presidente do Senado, reunidas as duas Câmaras, o seguinte juramento – Juro
manter a religião Católica Romana, observar a Constituição Política da Nação
Brasileira, e ser obediente às leis e ao Imperador.
Noutra seção da referida Constituição, aquela que tratava das Disposições
Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos cidadãos brasileiros, lemos:
“Ninguém pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do
Estado, e não ofenda a moral pública” (RIBEIRO, 1973, p.32). Portanto, o que se
pode depreender dos referidos artigos da Constituição Imperial é a confirmação da
solidez da estrutura religiosa da Igreja Católica na nação brasileira e, também os
claros e inequívocos limites estabelecidos contra qualquer outra expressão religiosa
não correspondente com a religião oficial. Limites e oposições que se expressam não
apenas no âmbito das questões doutrinárias e teológicas, mas também no que tangia
ao aspecto arquitetônico dos templos, nas dificuldades com relação ao casamento
civil e também na criação de cemitérios protestantes, numa manifestação de que as
oposições transcendiam os limites da razoabilidade.
74

3.2. OS TEMPLOS PROTESTANTES

A respeito da base legal que estabelecia os detalhes e limites arquitetônicos


para a edificação de templos protestantes, Rely (1984) aponta os fundamentos
jurídicos, quando da instalação do culto anglicano no Brasil, como fruto do já citado
Tratado de Navegação e comércio firmados entre Portugal e Inglaterra no dia 19 de
fevereiro de 1810 que, no seu artigo XII, declarava-se:

Sua Alteza real o príncipe regente de Portugal declara, e se obriga no


seu próprio nome, e no de seus herdeiros e sucessores, que os vassalos
de sua majestade britânica, residentes nos seus territórios e domínios,
não serão perturbados, inquietados, perseguidos, ou molestados por
causa da sua religião, mas antes terão perfeita liberdade de consciência
e licença para assistirem e celebrarem os serviços divinos em honra do
todo-poderoso Deus quer seja dentro de suas casas particulares, quer
nas suas igrejas e capelas, que sua alteza real agora, e para sempre
graciosamente lhes concede a permissão de edificarem e manterem
dentro dos seus domínios. Contanto, porém que as sobreditas igrejas
e capelas sejam construídas de tal modo que externamente se
assemelhem as casas de habitação; e também que o uso dos sinos
não lhes seja permitido para o fim de anunciarem publicamente as
horas do serviço divino (...) Porém se se provar que eles pregam ou
declamam publicamente contra a religião católica, ou que eles procuram
fazer prosélitos, ou conversões, as pessoas que assim delinqüirem
poderão, manifestando-se o seu delito, ser mandadas sair do país, em
que a ofensa tiver sido cometida. E aqueles que em publico se portarem
sem respeito, ou com impropriedade para com os ritos e cerimônias da
religião católica dominante serão chamados perante a policia civil e
poderão ser castigados com multas, ou com prisão em suas próprias
casas. (REILY,1984, p. 26-27)

Noutro período, agora com a Constituição do Império, outorgada por D. Pedro I


a 25 de março de 1824, tem-se, novamente, a reafirmação do parâmetro
constitucional da Religião do Estado e a institucionalização da religião oficial do
Império, sou seja a Igreja Católica, Apostólica Romana. “Assim o culto católico interno
como externo constituiu um dos direitos fundamentais dos brasileiros”. (SCAMPINI
1974, p. 82). Concomitantemente, a religião Católica, e, claro, a Igreja Católica, por
conseguinte , ficam assim protegidas constitucionalmente. Embora Scampini (1974)
afirme que não era somente a religião Católica a permitida no Império, pois a fé, o
75

amor, a adoração espiritual é uma relação imediata do homem para com Deus; é um
ato privativo de sua consciência. No entanto, a questão posta daquela forma atingia
essa liberdade do ser humano de manter as convicções religiosas que melhor lhe
aprouvesse uma vez que não lhe era permitido obter um espaço físico próprio para o
exercício de sua devoção fora os pré-estabelecidos e, como sabemos, fortemente
influenciados pela religião oficial do Império.
O problema que se colocava, portanto, era outro, conforme Scampini (1974),
quando o culto passa a ser externo, manifestando o indivíduo publicamente seu
pensamento, sua crença, pelo ensino ou prédica, pelas cerimônias, ritos ou preces
em comum, objetivando formar uma Igreja de outra religião, que não a católica, tinha
lugar a intervenção do poder constitucional que inibia o ato, uma vez que era visto
como desarticulação da ordem pública e dos costumes. Em outras palavras, as
demais religiões deveriam respeitar a do Estado e não ofender a moral pública, crime
esse tipificado no Código Penal da época como já mencionado anteriormente.
Com relação à edificação de um templo de outra religião, conforme Scampini
(1974), dizia o artigo quinto, alínea b: “Todas as outras religiões serão permitidas com
seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma
exterior de templo”; a partir da interpretação dessa alínea, nota-se que o culto de
outras religiões era permitido, porém de forma discreta, sem divulgação exterior,
podendo o local de sua realização ser adornado, apenas internamente, do modo
como quisessem os seus seguidores.
Portanto, à semelhança de 1810, a constituição de 1824 trazia, além dos
limites para a arquitetura dos templos, as penalidades que seriam impostas para
aqueles que infringissem as leis do Império nesse quesito. As leis do código criminal
previam:

276. Celebrar em casa ou edifício que tenha alguma forma exterior de


templo, ou publicamente em qualquer lugar, o culto de outra religião que
não seja a do Estado. PENAS: No seu grau máximo – serem dispersos
pelo juiz de paz os que estiverem reunidos para o culto, demolição da
forma exterior, e multa de 12$, que pagara cada um. 277. Abusar ou
zombar de qualquer culto estabelecido no império, por meio de papeis
impressos, litografados ou gravados, que se distribuírem por mais de
quinze pessoas, ou por meio de discursos proferidos em publicas
reuniões ou em ocasião e lugar em que o culto se prestar. 278 Propagar
por meio de papeis impressos... que se distribuírem por mais de quinze
pessoas, ou por discursos em publicas reuniões doutrinas que
diretamente destruam as verdades fundamentais da existência de deus e
da imortalidade da alma. (REILY,1984, p. 28):
76

A classificação social estabelecida pelo Estado brasileiro e pela Igreja, a


respeito das edificações de templos acatólicos, pelo viés de uma legislação e da
manutenção dos “constumes” ou habitus, recorrendo novamente a Bourdieu, só iria
ganhar contornos de transformações a partir do estabelecimento da República em
1889.
77

3.3 O CASAMENTO CIVIL PROTESTANTE

No período histórico em estudo:

Dada a debilidade dos recursos humanos e técnicos da burocracia estatal,


as autoridades eclesiásticas católicas não só dominavam a educação, a
saúde pública e as obras assistenciais, como detinham total exclusividade
na concessão de registros de nascimento, casamento e óbito” (ROMANO,
1979, p. 82).

O registro civil era o batismo católico. O casamento legal era o oficiado pelos
padres. E os mortos tradicionalmente enterrados nos templos católicos, nos quais se
impedia o sepultamento de não católicos, conforme veremos a seguir. Interessa-nos
tratar, nesse momento, dos problemas relacionados ao casamento civil
especificamente.
As questões relacionadas ao casamento, no período do Império, possibilitavam
uma relação de interdependência entre a Igreja e o Estado, em que, para a primeira,
o matrimônio correspondia a um sacramento e, para o segundo, a um contrato. Não
havia como dissociar catolicismo e casamento, particularmente ao investigá-los no
contexto do Brasil do Segundo Império, uma vez que a Igreja detinha o poder legal
sobre o matrimônio, fazendo valer as regras tridentinas e depois as do Direito
Canônico21 que estabelecia que o "ato jurídico válido está intrinsecamente no
sacramento: é o próprio sacramento" (SCAMPINI, 1978, p. 33). Por essa razão, a

21
O direito matrimonial canônico foi desenvolvido, sobretudo na Idade Média, seguido pelos
ordenamentos dos Estados ocidentais, que submeteram os requisitos, a celebração e a dissolução a
uma rigorosa fiscalização. Por influência da doutrina cristã, a concepção romana pós-clássica
passou a considerar o casamento uma relação jurídica. Politicamente, a autoridade papal foi
contestada pelos imperadores e pelo povo romano, até o final da Idade Média, mas acabou por se
transformar no centro do catolicismo, que se impôs como modelo doutrinal (séc. XV). Nessa época, a
Igreja estava em pleno estabelecimento e reclamava para si a instituição e regramento do
matrimônio. O casamento cristão tornou–se um dos sete sacramentos da lei evangélica, sendo,
portanto, indissolúvel; é a representação da união entre Cristo e sua Igreja, redime os pecadores,
salva as suas almas, é um remédio contra o pecado para os fracos de espírito e permite-lhes um
ingresso ao paraíso, pelos bens que o desculpam –– proles, fides e sacramentum, na teoria de
Santo Agostinho. Artigo produzido por Martha Solange Scherer Saad. Professora da Faculdade de
Direito – UPM. Acessado em 06/10/2007, disponível em:
http://www4.mackenzie.com.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/Saad1.pdf.
78

Igreja também seria responsável quanto a combater as uniões ilegítimas, o que já


fazia desde o século XVIII.

Por ser o contrato válido um sacramento, competia à Igreja a


regulamentação do próprio contrato. A Igreja, por sua vez, ensinava que,
por estar o matrimônio, célula primária da sociedade ligada à
conservação e à propagação da espécie humana, o Estado teria a
respeito sua própria competência. Implícita ou explicitamente reconhecia
as seguintes faculdades à autoridade civil: a) a promulgação de um
direito matrimonial positivo para os não-cristãos, contanto que não fosse
contrário aos princípios do Direito Natural; b) a regulamentação dos
efeitos meramente civis, patrimoniais, administrativos e honoríficos.
(SCAMPINI, 1978, p. 92 e 93).

Mesmo havendo a ingerência do Estado nas questões relacionadas ao


casamento, entretanto, a instituição era fortemente regida pelo Direito Canônico da
Igreja. Como fruto dessa realidade, restava um vazio legal que legitimasse as uniões
entre não católicos, afinal, como já entrevemos, o Brasil permanecia visceralmente
conectado à antiga e intolerante legislação portuguesa, que exigia como prova de
estado civil a certidão do pároco católico. A relação de dependência dos não católicos
em relação à Igreja Oficial ficava explícita e, nas mãos da última, estava o poder de
decisão sobre essa matéria.
A partir de 1824, com a relativa liberdade de acesso de não católicos dentro da
sociedade brasileira, logo surge a questão da legitimidade dos casamentos por eles
realizados. Nesse sentido, a regulamentação do casamento civil desses, dada pelo
Império, era um elemento fundamental. Foi, então, dentro dessa nova configuração
que:

Em abril de 1855, foi esboçado o primeiro projeto de lei sobre o casamento


civil. Não se tratava, porém, de casamento de pessoas sem religião ou de
outras religiões, mas somente de católicos com protestantes ou de
protestantes entre si. (SCAMPINI,1978, p. 93)

No ínterim dessas possíveis alterações na legislação, perdurava, ainda, no


período do Império, a Legislação canônica. Efetivamente, o casamento civil, como lei
geral, só será introduzido no período da República. Até então, o Estado Imperial
79

estava desprovido de uma legislação própria. Fica, portanto, a compreensão de que,


dentro do campo social brasileiro, o poder e dominação do catolicismo eram
preponderantes, entre outros aspectos, nas questões que regulavam o casamento
com caráter civil. O movimento protestante, enquanto um campo composto por
personagens concorrentes teve, necessariamente, que inter-relacionar com essa
situação.

3.4 OS CEMITÉRIOS PROTESTANTES

Outro pilar, a partir do qual se revela a estrutura de hegemonia e poder da


Igreja Católica dentro do campo social brasileiro, expressava-se na hora da morte.
Mesmo com as alterações no quadro jurídico, pelo viés do Tratado de
Navegação e Comércio com a Inglaterra e também com a constituição de 1824, no
quinto artigo das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos
cidadãos brasileiros, assegurando maior liberdade de expressão, ainda havia o
separatismo entre os adeptos das diferentes religiões na hora de sepultar seus
mortos.
Um fato que exemplifica o que estamos dizendo é apresentado por Julio
Andrade Ferreira referindo-se à proibição de enterrar protestantes no mesmo
cemitério que os católicos, segundo ele: “Isto acontecera no Rio, onde o bispo
mandou desenterrar os ossos do ex-padre José Manoel da Conceição” (FERREIRA,
1959, p. 159).
No tratado de navegação e comércio, havia, no âmbito do artigo 12, que
tratava da liberdade religiosa para os súditos da Inglaterra, a informação de que seria
permitido enterrar, em lugares para isso designados, os vassalos de Sua Majestade
Britânica que morresse nos territórios de Sua Alteza Real o Príncipe Regente de
Portugal. Segundo o historiador protestante Alderi (Sd):

Assim sendo, foi criado no ano seguinte o Cemitério dos Ingleses, no


bairro da Gamboa, no Rio de Janeiro, possivelmente o mais antigo
cemitério protestante do Brasil. além disso, registra-se ainda que
“eventualmente, surgiram cemitérios semelhantes nas principais cidades
80

brasileiras, particularmente nas cidades costeiras que tinham grandes


comunidades de imigrantes protestantes. Outros antigos cemitérios de
estrangeiros acatólicos são o Cemitério dos Ingleses do Recife, os
cemitérios luteranos de Nova Friburgo e Petrópolis e o Cemitério de
Ipanema, nas proximidades de Sorocaba, que foi restaurado
recentemente22.

A partir das colunas do jornal A Reforma, na expressão de suas intenções por


mudanças no quadro jurídico, em matéria de consciência, os liberais requereriam a
secularização dos cemitérios. E essa matéria foi colocada “no catálogo das
exigências indeclináveis do partido liberal” (NABUCO,1949, p. 193 e 199), isso
porque, na opinião deste partido político, a Igreja , pela relativa perda de sua
autoridade, queria levar sua vingança ao ponto de negar-lhes sepultura, quando se
tirou a prova de que não só eram os vivos, mas eram também os mortos que estavam
sujeitos à perseguição religiosa.
Perseguição e intimidação que atingia não só os protestantes, mas também a
judeus, “não por intimação feita em vida, que lhes permitisse a defesa, mas por uma
degradação do cadáver” 23.
Segundo Alderi (Sd):

Em 1863, um decreto determinou que o registro de óbitos de acatólicos


seria feito pelo escrivão do Juízo de Paz, em livro apropriado, e que em
todos os cemitérios públicos haveria um "lugar separado" para o seu
sepultamento. Mais tarde, em 1879, Saldanha Marinho apresentou um
projeto de lei transferindo a administração dos cemitérios públicos para a
exclusiva competência das câmaras municipais, sem intervenção de
qualquer autoridade eclesiástica. (DISPONÍVEL em
http://thirdmill.org/portuguese/historia.asp/category/historia)
Nas localidades onde não havia cemitérios acatólicos, os protestantes
continuaram a sofrer constrangimentos e manifestações de intolerância e são muitos
os casos narrados pelos historiadores. Por vezes, os sepultamentos tinham de ser
feitos no mar, perto das praias, em cemitérios de escravos ou em propriedades
particulares. Em outros lugares, tentou-se até mesmo impedir a criação de tais

22
O Cemitério dos Protestantes de São Paulo: Repouso dos Pioneiros Presbiterianos. Alderi Souza de
Matos. Disponível em http://thirdmill.org/portuguese/historia.asp/category/historia.
23
Mas o problema só surgiria na segunda metade do século XIX porque, antes, como informa Gilberto
Freyre (1977), os cemitérios eram apenas para protestantes, para pagãos e para escravos: raramente
para quem fosse católico e pertencesse à nobreza rural ou à burguesia patriarcal. A gente senhoril era
enterrada nas igrejas. Nas igrejas, nos conventos e nas capelas particulares.
81

cemitérios. Dois casos envolvendo imigrantes norte -americanos no Brasil ilustram os


problemas relacionados ao sepultamento de acatólicos em cemitérios católicos,
conforme registra Jones (1998, p.183-184), são eles:

Henry Bankston, o netinho de Henry Strong que nasceu em Sabará,


nunca foi muito forte e todas essas viagens tornaram difícil a alimentação
apropriada a uma criança. O pequeno Henry veio a falecer aos dois anos
de idade em 7 de julho de 1869. Avisaram todos os amigos e estes
vieram para levá-lo ao cemitério da vila, em Santa Bárbara. Qual não foi
a surpresa quando ao chegar lá, o padre se recusou a dar permissão
para o enterro. A criança não era batizada, como é que queriam enterrá-
la em cemitério católico? As facilidades prometidas por D. Pedro ainda
não tinham chegado aos ouvidos do cúria da pequena vila. Mesmo de
outra forma ele não saberia resolver essa questão sem precedentes. Que
fazer agora? Já era muito tarde para voltar até o Barrocão. O caminho
era muito longo. Uma alma piedosa de descendência alemã se condoeu
da situação e disse: Em meu quintal há lugar. Vamos enterrar a criança
lá. Esta foi a experiência mais dolorosa que os americanos tiveram com
uma igreja diferente da sua.

No segundo caso escolhido, o próprio Prudente de Moraes, que era deputado,


interessou-se pelo caso envolvendo o filho dos Loose que, após contrair doença, veio
a falecer. Nesse caso, à semelhança do primeiro, houve a recusa dos padres, não
permitindo que fosse sepultado no cemitério católico, que era o único da cidade.
Prudente de Moraes procurou convencer os padres que o imperador havia garantido
liberdade religiosa no Brasil, no entanto, os padres alegaram que os cemitérios
pertenciam à igreja e que as pessoas não batizadas não poderiam, de maneira
alguma, ser enterradas dentro dos seus muros. Judith (1998)
Fica, portanto, configurado que a estrutura do catolicismo era forte o suficiente
para atingir e repelir o movimento religioso concorrente até mesmo no momento
quando os possíveis opositores e concorrentes tivessem ultrapassado os limites da
existência em vida.
Historicamente, toda essa situação só irá ganhar contornos de alteração e
flexibilidade com a Proclamação da República em 15 de Novembro de 1889, no Rio
de Janeiro, então capital do país, na Praça da Aclamação, onde se instaurou o novo
regime político, derrubando a monarquia e declarando a independência do Estado em
82

relação à Igreja, instituindo, ainda, a liberdade de culto. O Brasil, então, é declarado


um Estado laico, isto é, isento de vínculos religiosos.

4. AS ESTRUTURAS DESESTRUTURANTES DO CAMPO

No campo sócio-histórico brasileiro em estudo, temos buscado demonstrar que


a religião católica constituía -se numa sólida estrutura de poder e, conseqüentemente,
sua influência na estruturação de vários temas da vida social da nação era singular.
Já tivemos a oportunidade de demonstrar essa influência no campo religioso e
também na vida civil da nação, como foi o caso já estudado das uniões matrimoniais
e também dos cemitérios. Nosso foco, a partir de agora, é estudar os temas da
educação, da escravidão e o da situação da Igreja Oficial. Nesse ponto, encontramos
outros campos sociais nos quais o domínio da religião oficial se evidenciava. Embora,
como pretendemos mostrar nesta seção, tal processo de superioridade apresentava
certos hiatos que, finalmente, conduziriam à dominação da Igreja na direção da
instabilidade.
O primeiro hiato encontra-se no campo da educação. Como veremos, o projeto
educacional regido pela Igreja no Brasil, sob a liderança da Companhia de Jesus, foi
uma proposta que tinha como destinatários os indígenas, os membros da elite
pertencente à classe senhoril e dirigente da máquina administrativa colonial.
Constatamos também a existência de uma proposta educacional voltada para os
escravos.
Ao falarmos, nesta seção, de estruturas desestruturantes do campo, nosso
pensamento estará fluindo na direção de que o problema enfrentado pela Igreja na
área da educação constituiu-se uma dimensão que não eliminou a dominação e a
hegemonia da Igreja; conseguiu, entretanto, relativa desestruturação do seu poder.
O estudo da escravidão no Brasil impõe um significativo grau de complexidade,
portanto, houve a necessidade de recortes e delimitações nesse ponto. Sendo assim,
tivemos de abdicar do estudo da importância havida no campo da elaboração de leis
que contribuíram significativamente no processo que culminou na abolição da
escravidão no Brasil. Referimo-nos ao estudo da Lei do Ventre Livre e também a dos
Sexagenários. A despeito das leis surgidas no século XIX que objetivavam a abolição
83

do trabalho servil; destacamos o livro do professor Ademir Gebara, intitulado “O


mercado de trabalho livre no Brasil (1871-1888)” como uma referência necessária
para a compreensão da importância das leis afim do “término da escravidão no
Brasil”.
Nossa interpretação do problema da escravidão no Brasil é que ela se
constituiu numa realidade que também contribuiu para a desestruturação do campo
de dominação da igreja. Como estudaremos, houve manifestações vindas do interior
da Igreja, combatendo a existência da escravidão, no entanto, não foram capazes de
reconfigurar aquela situação, dada a sua conivência.
No último tópico desta seção, sobre o problema da Igreja Oficial, pretende-se
verificar a dramática relação ocorrida entre a igreja e o mundo moderno , que se
esboçava a partir do iluminismo. Diante do avanço da ciência e desenvolvimento
tecnológico, a Igreja continuava presa a embaraços dogmáticos e éticos que
acabaram por colocá-la numa difícil relação com a sociedade brasileira. Outro
aspecto que dificultou a posição da Igreja foi a questão religiosa envolvendo a
maçonaria. É preciso, mesmo que de passagem, mencionar o protestantismo que se
apresentava como religião concorrente e, como veremos, manteve uma relativa
aproximação com a maçonaria nessa questão.
Com a finalidade de não deixar nossos pontos de vista , a partir dos quais
estamos construindo este estudo, e, agora, estudando os problemas da educação,
escravidão e o da Igreja Oficial, queremos reafirmar alguns pontos teóricos de
Bourdieu, que, afinal, estão balizando este trabalho. O que nos importa dizer sobre a
teoria bourdiana, nesse ponto, amparados na discussão já realizada no início deste
estudo, é que, ao falarmos da religião, fazemo-no com a perspectiva de que a mesma
é um sistema simbólico estruturado que funciona como princípio de estruturação, pois
constrói a experiência dos atores sociais. Ao mesmo tempo, estamos tomando a
religião enquanto categoria ideológica, pois, como no caso da escravidão que iremos
estudar, a religião era um sistema que legitimava o arbitrário e agia dessa maneira,
em nome de Deus e também por meio do regime do Padroado que lhe oferecia
sustentação.
Estamos tomando como referência a noção de que, diante do tema da
educação e mesmo da escravidão no Brasil, a religião funcionou prática e
ideologicamente como mecanismo de absolutização do relativo e legitimadora do
arbitrário. A religião conseguiu catalisar e operacionalizar a força simbólica possível
84

de ser mobilizada por um grupo ou classe social, conseguindo assegurar a


legitimação de tudo que definia socialmente o grupo daqueles que mantinha certo
espaço dentro do campo. Estamos pensando, nesse caso, naqueles que exerciam o
poder temporal no Império e também na classe latifundiária, dependente que era da
mão-de-obra escrava para a consecução de seus interesses econômicos. Para
Bourdieu, “a religião permite a legitimação de todas as propriedades arbitrárias que
se encontram objetivamente associadas a este grupo ou classe (dominadores, grifo
nosso) na medida em que ele ocupa uma posição determinada na estrutura social”
(BOURDIEU, 2005, p. 46).
Estamos tomando a religião enquanto instrumento legitimador de situações,
tidas, algumas vezes, como arbitrárias. Para nós, a religião não está sendo vista
apenas como uma instituição que tratava unicamente de resolver angústias
existenciais da contingência e da solidão, da miséria biológica, da doença, do
sofrimento ou da morte. Estamos visualizando-a como instituição que legitimou
posições sociais determinadas de atores sociais determinados, isto é, a religião
justificando o status quo e as posições que os atores estavam ocupando dentro
daquele campo social do final do século XIX no Brasil.
Assim é que, ao santificar o status quo, a religiosidade dominante justificou a
hegemonia das classes dominantes e impôs o reconhecimento da legitimidade dessa
classe sobre a dos dominados. A estes, como no caso dos escravos, restou a
compensação e a transfiguração simbólica (promessa de salvação). A eficácia
simbólica do discurso da camada dominante residiu, entendemos nós, justamente na
capacidade de ocultar em seu discurso os interesses políticos e pelo poder.

4.1 O PROBLEMA DA EDUCAÇÃO

Nesta seção, objetivamos acentuar que, enquanto detentora de um alto nível


de poder, dado o acúmulo de capital simbólico, a Igreja Católica, através do projeto
de educação desenvolvido pelos Jesuítas, obteve também hegemonia e monopolizou
o campo educacional no Brasil até a implantação da República, em 1889.
Antes, porém, de entrarmos na apresentação dessa realidade, cabe o registro
das transformações que estavam se processando na Europa a partir da Reforma
85

Protestante e suas implicações no campo da educação. Essa realidade há de nos


facilitar o entendimento do modelo educacional regido pela Igreja Católica no Brasil.
Os protestantes re-configuraram, a partir de 1517, com a fixação das 95 teses
de Lutero na porta da igreja de Wittemberg, Alemanha, a relação do indivíduo com o
sagrado, possibilitando uma relação direta e pessoal que, entre outros aspectos, dar-
se-ia pelo contato dos cristãos com os textos bíblicos do Antigo e Novo Testamento.
Essa relação com o sagrado, mediada pelo contato com os textos bíblicos, exigiria,
evidentemente, um grau de alfabetização daqueles que se propusessem ler e
interpretar os registros bíblicos. Daí, a iniciativa dos reformadores em investir na
educação enquanto condição necessária para o avanço da Reforma religiosa.
Contribuíram decisivamente para tal finalidade a iniciativa de Lutero em traduzir os
textos bíblicos para uma linguagem vernacular na cultura alemã e, também, a
invenção da imprensa por Gutenberg.
Entre os diversos educadores que viveram naquele ambiente histórico da
Reforma Protestante, destacamos João Sturm (1507-1589), e Comenius (1592-1670).
O primeiro propôs novos currículos e métodos pedagógicos pertinentes para o seu
tempo. Sturm elaborou reformas educacionais que estabeleciam o modelo para o
ginásio clássico. A finalidade de tal modelo, compreendendo na sua estrutura a
importância da família, o ginásio e academia, era propiciar o desenvolvimento das
faculdades do saber, da eloqüência e da piedade. A família, nessa estrutura, teria a
função de, nos passos iniciais do desenvolvimento educacional, proporcionar
condições para o “desatar da língua”, em seguida, no ginásio, o menino adquiriria
uma cultura mais ampla e, finalmente, na academia, “onde as classes eram
estreitamente articuladas e deveriam seguir-se de um colégio ou curso universitário
de cinco anos com aulas públicas e livres” (NUNES, 1980, p. 182). Nesse último
nível, haveria o aprofundamento em uma das faculdades de Teologia, de Direito, de
Medicina ou dos estudos filosóficos.
A respeito do segundo educador, Comenius 24, a ele é atribuída a criação da
didática moderna. A máxima da pedagogia do referido educador: "Ensinar tudo a

24
Comenius nasceu em 28 de março de 1592, na cidade de Uherský Brod (ou Nivnitz), na Morávia,
Europa central, região que pertencia ao antigo Reino da Boémia e hoje integra a República Checa.
Viveu e estudou na Alemanha e na Polónia. Era de família eslava e protestante. A família seguia a
seita dos Irmãos Morávios, inspirados nas idéias do reformista boêmio John Huss, estreitamente ligado
às Sagradas Escrituras e defensores de uma vida humilde, simples e sem ostentações. Disse-se que
tal educação rígida e piedosa influenciou o espírito de Comenius e o despertou para os estudos
teológicos.
86

todos" sintetiza os princípios e fundamentos que permitiriam ao homem, de acordo


com sua visão, colocar-se no mundo como autor e não como mero expectador da
ação de uma entidade transcendental. A relevância de Comenius para o
desenvolvimento da educação no Ocidente tem sido amplamente estudada por
aqueles que estudam de forma direta ou não o tema da educação.
Diante dessa nova realidade, advinda a partir da Reforma Protestante, a Igreja
Romana, sob o impacto do avanço dos ideais reformistas, percebeu que a educação
se constituía num instrumento capaz de proporcionar o restabelecimento do poder e
da ordem inibindo o processo de desconstrução iniciado com a Reforma encabeçada
por Lutero e outros reformadores, no que tangia a hegemonia da Igreja Católica.
Nesse sentido, surgem as ordens religiosas voltadas para uma missão que se
desdobrava na dimensão educacional e evangelizadora, enfim, numa demonstração
de força frente ao avanço da Reforma Protestante. Tais ordens religiosas, vinculadas
à igreja em Roma começam a surgir, como foi o caso da Companhia de Jesus.
Outras ordens religiosas também estiveram envolvidas com o tema da educação no
final do século XVII, como foi o caso da ordem dos franciscanos, carmelitas e
beneditinos. No Brasil, notabilizou-se o trabalho da Companhia de Jesus 25.
A respeito da missão jesuítica, registramos que sua finalidade:

Era trabalhar incessantemente, num espírito de lealdade ao papa, mas


lealdade inquestionável. A organização da sociedade era baseada num
sistema de disciplina rígida e absoluta, obediência contínua e perfeita.
Cada membro era ligado por um juramento aos seus superiores
imediatos, como se ele ocupasse o lugar de Jesus Cristo, até o ponto de
fazer o que ele, o membro, considerasse mesmo errado... Assim
organizou-se uma grande máquina, inteiramente sujeita à vontade do
Geral, sempre pronta a ser usada para qualquer finalidade e em qualquer
lugar onde fosse útil à Igreja Romana, ou cumprir as ordens do papa.
(NICHOLS, 1954, p. 164)

25
Companhia de Jesus, cujos membros são conhecidos como jesuítas, é uma ordem religiosa fundada
em 1540 por um grupo de estudantes da universidade de Paris, liderados pelo basco Iñigo Lopes de
Loyola (Santo Inácio de Loyola). Tal ordem tornou-se conhecida por seu trabalho educacional e
missionário. No Brasil, os jesuítas obtiveram monopólio no campo da educação durante longo período
histórico, compreendido aproximadamente entre 1534 a 1850.
87

O regime do Padroado, firmado entre o Papa e a Coroa Portuguesa, já


mencionado em nosso trabalho, além de ter estabelecido o monopólio comercial luso,
travado o desenvolvimento do mercado dentro do Brasil, foi também um mecanismo
inibidor do desenvolvimento educacional, o que, em última análise, mergulhou o país
num processo de estagnação econômica. É, portanto, dentro desse processo que o
projeto educacional jesuítico está sendo observado em nosso estudo. E,
fundamentalmente, precisamos apontar que tal projeto educacional era o único
existente no Brasil. O monopólio no campo da educação estava nas mãos da Igreja
Católica pela mediação da ordem dos jesuítas.
Por uma vertente, identifica-se que o foco do projeto educacional jesuítico
estava direcionado para a elite existente no país. “Assim sendo, a formação cultural
tornou-se privilégio de minoria pertencente às famílias da classe senhoril ou dos
dirigentes da máquina administrativa colonial (...)” (AZZI, 1987, p. 41).
De outra vertente, identifica-se, como no caso da tese da professora Ana
Palmira Bittencourt Santos Casimiro26 intitulada: “Economia Cristã dos Senhores no
Governo dos Escravos: uma Proposta Pedagógica Jesuítica no Brasil Colonial”, que,
no bojo da proposta pedagógica jesuítica havia a existência de uma classificação
clara e delineada para a educação das elites colo niais (nos colégios); e outra para os
índios (nas missões). No entanto, a referida autora identifica, também, no percurso de
seu trabalho, que, na sociedade colonial, havia uma concepção de educação
subordinada à condição social de cada grupo e que os jesuítas, representados por
Jorge Benci, apresentaram uma clara e substancial proposta de educação
diferenciada, especialmente para os africanos escravizados.

26
Em sua tese doutoral, a professora Ana Palmira B. S. Casimiro discute a proposta pedagógica
jesuítica a partir do educador jesuíta italiano Jorge Benci, em obra datada de 1700, vide: BENCI,
Jorge. Economia Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos (livro brasileiro de 1700) (Estudo
preliminar) Pedro de Alcântara Figueira; Claudinei M.M. Mendes. São Paulo: Grijalbo, 1977, em que
nos é apresentado um curioso estudo sobre a existência de uma proposta pedagógica jesuítica que
contemplava, teoricamente, a classe social dos escravizados. Em contraste com as críticas à proposta
pedagógica jesuítica, a autora apresenta a pedagogia de Benci como possuidora de uma preocupação
com a educação dos escravos. Nessa intenção, seus discursos encaminham senhores e escravos
para a aceitação do poder constituído. Para resolver o impasse, a teoria pedagógica de Benci, de
acordo com a consciência da sua época, mediante o trinômio: crer, orar e agir (Para a Maior Glória de
Deus), apresentou objetivos que preparavam o senhor (educador) para tratar com o escravizado
(educando), segundo princípios humanos, religiosos e morais daquele contexto e, ao mesmo tempo,
preparava o escravizado para o trabalho, a docilidade, a obediência e o cumprimento dos deveres
(Para a Dilatação da Fé e do Império). A autora, finalmente, informa que o jesuíta italiano Jorge Benci
foi um dos ideólogos justificadores e reformadores da escravidão colonial, não chegando, porém, a um
grau de consciência cristã compatível com princípios evangélicos contrários à escravidão.
Conseqüentemente, sua proposta pedagógica funcionou como elemento catalisador das relações
econômicas e sociais.
88

A relevância dessa tese está no fato de enfocar uma realidade da proposta


pedagógica jesuítica, pouco explorada pelos pesquisadores da área de educação, ou
seja, a de que a educação jesuítica contemplou um projeto de educação que estava
voltado para os escravizados. Entretanto, no estudo realizado, a pesquisadora indica
que:

Com seus argumentos, Benci propôs uma pedagogia para cristianizar o


escravo e prepará-lo para uma vida de servidão e obediência (educação
para fazer), e propôs uma outra pedagogia recomendando como o patrão
deveria educar o escravo, com energia e, ao mesmo tempo, com
moderação (educação para mandar fazer); Nessa pedagogia, o senhor
deveria ser o destinatário da educação, ou objeto a quem se destinava o
discurso. Mas, ao mesmo tempo, passava a ser o sujeito que deveria
exercer o papel de agente (educador) da educação do escravo (o
educando). O escravo aparece como o objeto passivo de uma educação
que ‘prepara’ para a vida de escravidão, sem possibilidade de escolha;
Podemos observar que a Pedagogia de Benci, refletindo a dicotomia da
época, mostra claramente os argumentos do Jesuíta em prol da vida
material (dos bens, dos costumes, do trabalho etc), e os argumentos em
prol da vida espiritual (da doutrina, da salvação, dos castigos divinos
etc);(...) Benci mostrou conhecer profundamente as aflições dos
africanos escravizados, e as suas conclusões são a chave de leitura
mais importante para a compreensão da sua mentalidade e, talvez, da
sua angústia de homem religioso que se viu dividido entre o
compromisso com a Companhia e o seu compromisso de homem político
com o Padroado Português, em detrimento do seu compromisso de
cristão. Ao discorrer sobre as pensões do cativeiro e descrever como era
a vida dos escravos, Benci trouxe a lume uma das mais importantes
categorias, indispensáveis em qualquer concepção pedagógica de todos
os tempos, o conhecimento do educando pelo educador; Assim, se
dirigiu aos senhores como cristãos que deveriam compreender que os
escravos eram igualmente cristãos. Infelizmente, o argumento mais forte,
o do amor cristão, bem como a idéia da ‘regra de ouro’ cristã, apenas
tangenciaram o seu discurso final, perdendo a força exatamente por
conta da temporalidade que não permitiu a ruptura do compromisso da
Igreja com o Estado. E, no momento mais significativo de toda a sua
obra, depois de circular a questão nuclear (a escravidão com sua
incompreensível carga de desumanidade), no momento em que ele
declarou que queria falar aos senhores ‘como cristãos’, acabou por
tangenciar o problema, sem atingir o seu cerne. Nos seus discursos,
entretanto, o Missionário Jesuíta não ousou pedir àqueles senhores que
procedessem como cristãos e acabassem com o cativeiro. Mesmo após
ter argumentado e mostrado como são duras as penas do cativeiro, ele
não conseguiu ultrapassar os limites impostos pela consciência do seu
tempo, limitando-se a pedir aos senhores que ajudassem a suavizar o
fardo carregado pelos escravos; Benci chegou a aludir com a
possibilidade da libertação dos escravos.27

27
Disponível em http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art2_14.pdf. Acesso em 30.11.2007
89

O que se observa, a partir do estudo de Casimiro, é que, embora Benci


houvesse apontado tal possibilidade de libertação, no entanto, reviu a sua posição em
vista da realidade política e econômica do seu tempo, por saber quão dura seria a
sua luta, caso abraçasse a causa do fim do cativeiro.
Devido aos aspectos históricos e contextuais, Benci não conseguiu romper
com o paradoxo da escravidão colonial: cristianismo e escravidão. Se tenha
reconhecido os graves problemas da escravidão, contudo não a condenou
explicitamente. Para a referida autora, a:

Obra de Benci foi, pois, uma concepção pedagógica dirigida, na prática, para a
formação da mão-de-obra colonial. Porém, não se tratou somente de
'adestramento', ou formação de mão-de-obra, pois, o seu projeto pedagógico, no
que se refere à vida cristã, há princípios doutrinários que ultrapassaram uma
simples proposta de adestramento; Benci lançou algumas idéias de libertação,
mas, limitado pelo seu grau de consciência, não tirou delas as conseqüências
práticas que se impunham; Ou seja: nada fez, na prática, para promover a
libertação dos escravos, mas, sim, para catalisar os conflitos das relações
senhor-escravo. Houve, de fato, de sua parte, uma proposta pedagógica
específica, mas, esta proposta pedagógica não se encaminhou para a libertação
dos escravizados, pelo contrário, a pedagogia para a vida cristã foi
28
instrumentalizada a serviço do trabalho escravo.

Postos os estreitos limites dessas duas vertentes do projeto educacional


desenvolvido pela Companhia de Jesus, destacamos, ainda, o rígido controle
empreendido por ela sobre a produção literária. Nesse ponto, dada a inexistência no
Brasil da imprensa, então criada por Gutenberg e, também, pelo Index Librorum
Prohibitorum29, tem-se apenas um pequeno grupo, geralmente de religiosos, entre os
quais circulava certa produção literária, mas, mesmo nesse caso, tal literatura teria
inicialmente de passar pelo crivo das autoridades católicas.

28
Disponível em http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art2_14.pdf. Acesso em 30.11.2007
29
Index Librorum Prohibitoum expurgatorum foi o edito promulgado pela Igreja Católica. Esses índices
expurgatórios faziam a limpeza no texto dos livros, proibindo apenas certos trechos, que então eram ou
deviam ser simplesmente riscados com tinta em todos os exemplares de uma edição. Às vezes, eram
apenas algumas palavras, outras vezes, parágrafos inteiros. Mas também houve casos nos quais se
mandou eliminar uma folha ou página inteira, que então era retirada ou reimpressa com a correção devida.
(Horch, 1992, p. 473)
90

Quanto à base conceitual e filosófica sobre a qual se assentava a pedagogia


jesuítica, é sabido que seus fundamentos residiam na Ratio Studiorum 30. Esse
método de ensino, elaborado pelos jesuítas no final do século XVI, expandiu-se
rapidamente por toda a Europa e regiões do Novo Mundo em fase de ocupação.
Tendo como principal objetivo levar a fé católica aos povos que habitavam esses
territórios, os jesuítas utilizaram-se desse método para catequizar, servindo
duplamente aos interesses do colonizador e da Igreja contra-reformista. O Brasil
enquadrou-se nesse contexto, sendo terreno fértil para a implantação desse projeto.
Em síntese, pode-se dizer que tal pedagogia restringia o desenvolvimento de uma
cosmovisão geral, reduzindo a compreensão de mundo ao eixo da fé e dogmas da
Igreja Católica.
Com a reforma pombalina 31, em 1759, há a expulsão dos jesuítas e o “término”
da proposta educacional por eles desenvolvida, as aspas são fundamentais no
sentido de esclarecer que, dado aos limites da reforma pombalina na educação após
a expulsão dos jesuítas, o monopólio da Igreja nessa área não foi totalmente
substituída. Na perspectiva de Filho (2004, p. 87) “as novas medidas propostas
tiveram dificuldades de serem implementadas desde sua origem, não substituíram o
antigo sistema, nem quantitativamente nem qualitativamente, ou seja, não tiveram a
abrangência suficiente e nem a qualidade desejada”.
A tentativa do Marquês de Pombal de reconfigurar o sistema educacional
brasileiro, na prática, esbarrou em vários empecilhos, notabilizando-se o
distanciamento entre as intenções reformistas que objetivavam ao desenvolvimento
de uma educação pragmática do conhecimento científico, constituindo, para tanto,
academias científicas e literárias, bem como instituições educacionais com aulas
voltadas à educação prática científica com a realidade.
Entre intenções e realidade, havia um distanciamento. Isso porque a falta de
professores capacitados suficientemente, paralelo à ausência de material didático
próprio para atender às necessidades de uma educação cientificista, somando-se
ainda a falta de recursos econômicos para manter essa educação pública, o que

30
Por Ratio Studiorum compreende-se o sistema filosófico-pedagógico desenvolvido pela Igreja Católica e
que foi promulgado em 1599. Em face dos interesses de nossa pesquisa, não apresentamos o conteúdo
de tal projeto pedagógico, no entanto, indicamos a obra de FRANCA (1952), na bibliografia de nosso
trabalho, na qual o leitor poderá encontrar uma síntese do conteúdo da Ratio Studioru,.sobretudo entre as
páginas 158-163.
31
Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, foi primeiro ministro de Portugal de 1750 a
1777.
91

gerou dificuldades até mesmo para custear as côngruas dos professores,


proporcionou um quadro dentro da educação brasileira que, na prática, pouco
representou diante das necessidades de reformas. Na perspectiva de Gomes (2000,
p. 51):

Pombal tentou mudar os responsáveis pelo ensino, mas não se mudou o


método. Os jesuítas foram expulsos, mas a educação continuou nas
mãos da Igreja Católica Apostólica Romana. O padroado que garantia o
monopólio romano na educação continuou em vigor até a proclamação
da Republica. Os professores continuaram a utilizar em suas aulas o
Breve instrucçam para ensinar a doutrina Christãa, ler e escrever aos
meninos e, ao mesmo tempo, os princípios da Língua Portuguesa e sua
Orthografia. Esse manual que normatizava a instrução das crianças,
demonstra o que acima foi explicitado .

Finalmente, sob a garantia do Padroado, a Igreja Católica estendeu seu


domínio no campo educacional brasileiro até o período da reforma pombalina, e,
como verificamos dado aos limites dessa reforma, a hegemonia da Igreja ainda se fez
sentir até a instalação da República. No século XIX, a educação havia retornado para
as rédeas da Igreja Católica, especialmente na província de São Paulo. Os católicos
não controlavam apenas as escassas escolas existentes em São Paulo, mas
imperavam nos acervos das parcas bibliotecas, haja vista que os livros existentes na
Faculdade de Direito de São Paulo, a mais importante instituição de ensino do
Império, foram doados, em sua maioria, por clérigos católicos, Gomes (2000). Em
linhas gerais, assim se configurava a educação brasileira sob a égide do catolicismo
romano. Como se pode deduzir, um ambiente de insatisfação e busca de uma nova
realidade para a educação dentro do país se fazia sentir. O campo para o ingresso do
modelo educacional protestante “estava aberto”, dada a desestruturação existente na
educação brasileira.
92

4.2 O PROBLEMA DA ESCRAVIDÃO

Paralelo à complexidade que o estudo do tema da escravidão no Brasil impõe,


temos os limites exigidos por esta pesquisa que não trata unicamente desse tema,
mas procura observá -lo como um dos componentes que estruturava o campo social
brasileiro no final século XIX. Dessa maneira, a visão que estamos construindo do
assunto restringe-se a verificar a relação da religião majoritária no Brasil com a
escravidão e também as implicações naturais que o sistema escravista impunha ao
país no âmbito social e econômico. Delimitamos, dessa forma, o enfoque sobre o
assunto por entendê-lo suficiente para os interesses de nosso trabalho.
O fluxo de escravos entre o continente africano e a América foi,
comercialmente, um negócio dos mais rentáveis. Estimativas, obviamente imprecisas,
da quantidade de escravos traficados para o Brasil giram em tomo de três milhões e
meio de africanos, sabe-se da informação de que milhares morriam durante as longas
viagens, seja pela falta de alimentos, seja pelas péssimas condições de higiene a que
eram submetidos. Para Goulart (1975, p. 279), “a metade foi traficada ao longo dos
séculos XVI, XVII e XVIII, cabendo ao século XVIII um total aproximado de 1.700.000
escravos”. Nesse século, o Brasil era o destino das embarcações que saiam de duas
grandes áreas fornecedoras: a costa ocidental (chamada da Mina) que para cá
enviava em tomo de 600 mil escravos e a costa centro-ocidental (chamada Angola)
que transportava, aproximadamente, 1.100.000 escravos32.
A respeito da relação entre a Igreja e a escravidão, Bueno (2004, p. 01), assim
se expressa:

A posição da igreja foi, durante todo o período da escravidão, na melhor


das hipóteses contraditória, e, na pior, interessada na sua continuação, já
que ela beneficiava a classe social da qual o clero se originava a classe
social que fazia doações à igreja, e, de quebra, a escravidão garantia o
fluxo contínuo de “almas a serem salvas". Obviamente, a maneira mais

32
No Brasil, o livro de Pierre Verger, Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benim e a
Bahia de Todos os Santos, publicado inicialmente na França, em 1968, fornece novos números sobre o
tráfico entre a Bahia e o Golfo do Benim. Na edição aqui utilizada, de 1987, entre as páginas 670 e 675, o
autor apresenta o levantamento do número dos escravos, com indicação do local de origem estabelecido
segundo o livro de tutelas e inventários da vila de São Domingos do Conde. Perto da Bahia.
93

fácil para a igreja explicar para si mesma sua aceitação e incentivo da


escravidão estava baseada na possibilidade de “salvar os negros do fogo
do inferno”. Era de primordial importância para o projeto ideológico (e os
interesses econômicos) da igreja, que os negros se transformassem em
cristãos o mais rapidamente possível. Não que isso lhes garantisse
nenhuma regalia. Mas isso os transformava em sujeitados a igreja (não
em sujeitos da igreja). Tal transformação era feita muito simplesmente
através do batismo em massa, em cuja aceitação ou rejeição os negros
não tinham nenhuma voz .
Não é nossa intenção desqualificar o juízo emitido pela referida autora ao
apontar as duas hipóteses produzidas a respeito da relação da igreja oficial com a
escravidão. No entanto, precisamos, equitativamente, registrar novamente o trabalho
do jesuíta Jorge Benci no combate à escravidão, mesmo que, como já observamos
anteriormente, seu trabalho pouco tenha representado em termos práticos para o fim
desse sistema. Além da voz de Benci, outra que se levantou contra o sistema
escravista no Brasil foi a do Padre jesuíta Antônio Vieira33 (século XVII), entre outros
aspectos, pela produção de seus sermões.
O repúdio do padre Vieira (BUENO, 2004, p. 64) pode ser notado no sermão
XXVII onde lemos:

Nas outras terras, do que aram os homens e do que fiam e tecem


mulheres se fazem os comércios: naquela (na África) o que geram os
pais e o que criam a seus peitos as mães, é o que se vende e compra.
Oh! trato desumano, em que a mercancia são homens! Oh! mercancia
diabólica, em que os interesses se tiram das almas alheias e os ricos são
das próprias .

Embora reconheçam-se manifestações de repúdio à escravidão, vindos do


interior da Igreja oficial no Brasil, percebe-se, no entanto, que a Igreja estava ligada

33
O Padre Antônio Vieira nasceu em Portugal em 1608. Trabalhou em vários lugares no Brasil, mas sua
atuação mais conhecida desta época se deve a seu trabalho com os escravos e índios do Amazonas, os
quais ele defendeu contra os colonizadores portugueses. Com a mudança política em Portugal depois da
Restauração em 1640, Vieira foi para a corte, onde se tornou confessor do rei D. João IV que o enviou
como seu representante a Roma e a Amsterdã. Suas declarações e seus sermões juntamente com suas
críticas aos excessos da Inquisição terminaram por angariar a fúria da própria Inquisição. Vieira foi preso,
julgado e condenado, ficando na prisão em Portugal por cinco anos. Mais tarde, quando voltou ao Brasil,
preparou seus sermões para publicação. Morreu na Bahia em 1697.
94

umbilicalmente com o regime do Padroado34, o que minimizava sua capacidade de


alteração do sistema de produção baseado na mão-de-obra escrava. Além disso,
margeando-se nas parcas influências da Igreja para a extinção da escravidão,
limitando-se apenas a sanções canônicas e exortações contra os senhores que
abusavam de seus escravos; parecem-nos razoável as afirmações de Bueno, já
mencionadas acima, de que os negros conversos na igreja eram mais sujeitados da
igreja que sujeitos na igreja.
A maneira como a Igreja lidou com o problema da escravidão parece-nos ter
sido mais no sentido de busca de minimização das relações entre senhores e
escravos, sem, contudo, obter uma transformação mais profunda que o campo
composto pelos escravos exigia.
A respeito das implicações naturais que a realidade político-social e econômica
impunha aos escravizados no século XIX, especialmente a respeito de suas
condições de vida, considerando-se aspectos como o significado dos escravos dentro
daquela realidade histórica, as condições de vida desses sujeitados do sistema tanto
no campo como nos meios urbanos, as profissões por eles exercidas e, também,
aspectos comportamentais dos escravos naquele campo social, fogem do alcance
deste trabalho. Além disso, há de se considerarem as dimensões de nosso país,
mesmo dentro daquela realidade histórica do século XIX, no sentido de que os
escravos estavam presentes em várias e distantes localidades, limitando, assim,
nossa capacidade de abarcar esses aspectos.
A necessidade de um recorte, dentro da amplitude que o problema nos coloca,
não é apenas uma questão de opção metodológica, mas uma necessidade. Nesse
sentido, centramos nossas observações a respeito do assunto a partir do teórico
Verger35. Trabalhando com narrativas de viajantes estrangeiros, relatórios consulares

34
O termo Padroado refere-se ao direito de autoridade da Coroa Portuguesa a Igreja Católica, nos
territórios de domínio Lusitano. Esse direito do Padroado consistiu na delegação de poderes ao Rei de
Portugal, concedida pelos papas, em forma de diversas bulas papais, uma das quais uniu perpetuamente a
Coroa Portuguesa à Ordem de Cristo, em 30 de dezembro de 1551. A partir de então, no Reino Português,
o Rei passou a ser também o patrono e protetor da Igreja, com as seguintes obrigações e deveres: a) Zelar
pelas Leis da Igreja; b) Enviar missionários evangelizadores para as terras descobertas; c) Sustentar a
Igreja nessas terras. O Rei tinha também direitos do Padroado, que eram: a) Arrecadar dízimos (poder
econômico); b) Apresentar os candidatos aos postos eclesiásticos, sobretudos bispos, o que lhe dava um
poder político muito grande, pois, nesse caso, os bispos ficavam submetidos a ele (FRAGOSO, 1992,
p.14).
35
Pierre Verger nasceu em Paris, no dia quatro de novembro de 1902. Em 1946, enquanto a Europa vivia
o pós-guerra, em Salvador, tudo era tranqüilidade. Foi logo seduzido pela hospitalidade e riqueza cultural
que encontrou na cidade e acabou ficando. Como fazia em todos os lugares onde esteve, preferia a
companhia do povo, os lugares mais simples. Os negros monopolizavam a cidade e também a sua
95

e discursos políticos, além de pequenos anúncios dos jornais da época na Bahia,


Verger (1987) oferece-nos um amplo panorama das graves implicações do “ser”
escravo no Brasil. Para o referido autor, o escravo era um capital que fazia parte dos
bens móveis e figuravam nos inventários das sucessões, nos séculos XVIII e XIX,
antes mesmo do gado, instrumentos agrícolas e mobiliários da casa. Não é preciso,
pois, espantar-se ao encontrar, nos anúncios classificados dos jornais, aquela mesma
promiscuidade que pode, em nossos dias, parecer injuriosa e atentatória à dignidade
humana.
Amparado nesses anúncios/classificados do jornal da Bahia de 31/03/1854,
Verger (1987, p. 489) diz-nos a respeito da venda de um escravo nos seguintes
termos: “O Dr. E.J. Pedrosa está autorizado para vender um escravo, bom padeiro e
que entende de mar e de roça, um piano usado e alguns trastes de casa. Mora na rua
do canto de João Freitas, junto da botica do Sr. Barata”. E, dessa maneira, o autor
oferece-nos outros tantos exemplos que bem refletem o valor e a situação social na
qual estavam inseridos e eram tratados os escravizados. Chamou-nos a atenção,
ainda, a venda de uma escrava que foi anunciada nos seguintes termos, no mesmo
jornal supracitado datado de 30/03/1854: “A venda de uma escrava cabra... (mulata)...
ainda moça: com seu filho ou sem ele, sabe coser lizo, engoma, cozinha, lava e faz
todo o serviço de casa. Quem a pretender dirija-se aos caes Dourado, armazém
número 3” (VERGER, 1987, p. 490). Enfim, o escravo era tratado como um objeto.
Do ponto de vista econômico, o Brasil estava absolutamente dependente da
mão-de-obra escrava para a produção. Trabalhando a dimensão econômica do país

atenção. Além de personagens das suas fotos, tornaram-se seus amigos, cujas vidas Verger foi buscando
conhecer com detalhe. Quando descobriu o candomblé, acreditou ter encontrado a fonte da vitalidade do
povo baiano e tornou-se um estudioso do culto aos orixás. Esse interesse pela religiosidade de origem
africana rendeu-lhe uma bolsa para estudar rituais na África, para onde partiu em 1948. A intimidade com a
religião, que tinha começado na Bahia, facilitou o seu contato com sacerdotes, autoridades e acabou
sendo iniciado como babalaô - um adivinho através do jogo do Ifá, com acesso às tradições orais dos
iorubás. Além da iniciação religiosa, Verger começou, nessa mesma época, um novo ofício, o de
pesquisador. O Instituto Francês da África Negra (IFAN) não se contentou com os dois mil negativos
apresentador como resultado da sua pesquisa fotográfica e solicitou que ele escrevesse sobre o que tinha
visto. A contragosto, Verger obedeceu. Depois, acabou encantando-se com o universo da pesquisa e não
parou mais. Em seus últimos anos de vida, a grande preocupação de Verger passou a ser disponibilizar as
suas pesquisas a um número maior de pessoas e garantir a sobrevivência do seu acervo. Na década de
1980, a Editora Corrupio cuidou das primeiras publicações no Brasil. Em 1988, Verger criou a Fundação
Pierre Verger (FPV), da qual era doador, mantenedor e presidente, assumindo assim a transformação da
sua própria casa num centro de pesquisa. Em fevereiro de 1996, Verger faleceu, deixando à FPV a tarefa
de prosseguir com o seu trabalho. Nossas observações sobre a escravidão no Brasil e suas implicações
sociais, estão amparadas no livro de Verger intitulado “Fluxos e Refluxos do tráfico de escravos entre o
golfo de Benim e a Bahia de todos os santos”, citado na bibliografia deste trabalho com destaque para o
capitulo XIII, entre as páginas 485 e 511 nas quais o leitor poderá encontrar mais informações.
96

naquela época, com enfoque na província de Minas Gerais, o professor Isaías


Pascoal, da Escola Agrotécnica Federal de Inconfidentes, Minas Gerais e, doutor em
Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), demonstra, em trabalho intitulado
“Economia e trabalho no sul de Minas no século XIX”, a dependência econômico-
produtiva das três maiores províncias do país, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São
Paulo, da mão de obra escrava. Nesse sentido, o autor diz que:

O cerceamento ao tráfico interprovincial promovido por estas três


províncias aliado aos efeitos da promulgação das leis do Ventre-livre e
dos Sexagenários, a despeito do seu resultado muito aquém do
esperado, fizeram diminuir sensivelmente o percentual da população
escrava em geral. Todos esses dados demonstram o apego à escravidão
das três mais importantes províncias brasileiras. As ações
governamentais no sentido de dificultar a alimentação do abastecimento
do mercado de escravos, por meio do tráfico interprovincial, via aumento
na taxação de impostos sobre a entrada de escravos nas referidas
províncias, suscitaram reações resolutas da parte dos proprietários da
grande lavoura. Não foi sem dificuldades que os governos provinciais de
Minas, Rio e São Paulo conseguiram fazer aprovar as leis cerceadoras
do tráfico interno. Foi em meio à conjuntura de esgarçamento da
perspectiva de continuidade da escravidão, na década de 1880, em vista
do intenso movimento social em prol do abolicionismo, quer no
parlamento, quer na sociedade e, sobretudo, nas senzalas, e em meio à
busca de alternativas para o trabalho escravo, promovida de forma mais
enfática pela província de São Paulo via imigração subsidiada, que as
classes detentoras de escravos se viram forçadas a ceder, a despeito
das inúmeras tergiversações. (PASCOAL, 2007, p. 270-271).

Nesse quadro e em artigo publicado no jornal Novo Mundo, cujo objetivo era
tratar da crise do algodão havida no Império brasileiro no ano de 1876, o autor,
antiescravista, estabelece paralelo entre a distinta realidade produtiva num país onde
a produção independia do trabalho servil, com a do Império brasileiro dependente que
era dessa forma de produção36. Lemos:

36
O jornal Novo Mundo, fundado em 1870, por José Carlos Rodrigues, circulou por nove anos e era
publicado em Nova York, em língua portuguesa. Os editores desse Jornal, como por exemplo,
Sousândrade, eram visionários do progresso social e críticos do modo de produção brasileiro dependente
do trabalho servil. Fragmentos desse jornal, como os usados nessa pesquisa, encontram-se disponíveis no
Centro de Pesquisa sobre Educação Metodista, CEPEME, Piracicaba, São Paulo. Parte desse material
chegou em nossas mãos pelo co-orientador desta pesquisa, professor César Romero, UNIMEP, segundo o
qual tais cópias advêm de arquivos pessoais do historiador David Gueiros. As informações retiradas do
referido jornal datam de 1877, sobretudo no artigo que aborda os problemas econômicos decorrentes da
97

O anno de 1876 foi de crise e decadência para a cultura do algodão


neste Império; foi, porém, de prosperidade e de grande victoria para o
algodão na admirável Republica Anglo-Americana. Qual o motivo? É
sempre o mesmo: aqui o trabalho escravo, alli o trabalho livre:
incessantemente a demonstração experimental, a prova practica do
sublime axioma: a condição suprema do trabalho, racional e progressivo,
é a liberdade. Não é somente nos Estados Unidos que o escravo,
acrysolado pela liberdade, faz prodígios de trabalho; é em Porto-Rico,
que ainda é colônia da Hespanha, é na Martinica, que pertence a França,
é em Mauritius, colônia inglesa; é na Angola, colônia portuguesa, que já
envia ao mercado de Lisboa café para luctar com o nosso. É na Libéria,
nossa singular republica de pretos libertos dos Estados Unidos, já rica
pelo commercio de óleo de palma, e que agora prospera
assombrosamente com a cultura do famoso coffe liberies; é, enfim, por
toda a parte onde o legislador teve a sabedoria de mandar lançar no
fosso do passado os hediondos ferros da escravidão. (NOVO MUNDO,
1877, p. 78)

A crise econômica advinda a partir da cultura do algodão é agravada, segundo


o referido autor, também, pelas péssimas condições da indústria existente no Império,
quando da necessidade de industrialização do algodão. E informa:

Não é menos triste e mesquinho o quadro que appresenta a sua indústria


manufatureira. Apenas 23 fábricas em todo o Império. São 20 as
províncias productoras de algodão, e só 7 possuem fabricas. Nem o
Ceará, nem a Parayba, nem o Rio Grande do Norte possuem fabricas de
fiar algodão; e, entretanto, exportam milhares de toneladas desta
preciosa fibra. No Maranhão apenas há uma fabrica ainda em projecto;
em Pernambuco e nas Alagoas uma só fabrica em actividade. E, em
contraste, a importação em fazendas de algodão no Império elevando-se
a cerca de 42.000.000 para cada ano. (NOVO MUNDO, 1877, p. 78)

Finalmente, observa-se que o problema da falta de tecnologias nas poucas


fábricas existentes no Brasil trazia grandes prejuízos não só para o algodão, mas
também para o açúcar, o fumo ou qualquer outro produto agrícola. E, a respeito da
relação da Igreja com o modo de produção baseado na mão-de-obra escrava que,
afinal, dava sustentação para o desempenho da economia:

crise do algodão naquele ano que estão amparando a construção deste trabalho. Não conseguimos obter o
nome do autor dos fragmentos que citamos em nosso trabalho, mas fica o registro.
98

Entre nós, o movimento abolicionista nada deve, infelizmente, à Igreja do


Estado; pelo contrário, a posse de homens e de mulheres pelos
conventos e por todo o clero secular desmoralizou inteiramente o
sentimento religioso dos senhores de escravos. Nenhum padre tentou
jamais impedir um leilão de escravos, nem condenou o regime das
senzalas. (...) A abolição teria sido obra de outro alcance moral, se
tivesse sido feita do altar, pregada do púlpito, de geração em geração,
pelo clero e pelos educadores da consciência. (MORAES, 1986, p. 232 e
233)

Analisada do ponto de vista positivo, pela mediação de Jorge Benci e do


Padre Vieira, a igreja pouco fez para a eliminação da escravidão. Pelo lado negativo,
seu papel foi de legitimação e conivência. Fica, portanto, a construção da visão sobre
como a igreja oficial relacionou-se com o tema da escravidão e, também, a respeito
da realidade social e econômica existente no entorno da instituição escravocrata
durante o Império. Cabe-nos, no próximo passo deste trabalho, analisar o estado da
Igreja na sua relação com o Império.

4.3 O PROBLEMA DA IGREJA OFICIAL

O que nos interessa enfocar, no amplo cenário do campo religioso e político no


Império brasileiro, em meados do século XIX, são as transformações que estavam se
processando nesses dois campos, sobretudo na segunda metade daquele século,
marcado indubitavelmente por uma intensa luta entre os agentes do campo religioso
e os do campo político pelo poder. Temos, longamente, apontado a hegemonia da
religião católica no campo social brasileiro, que começou a dar sinais de
enfraquecimento já a partir do início do referido século 37 e, que, terminaria com a
definitiva separação entre a Igreja e o Estado culminada pelo decreto de 119A de
(1890).

37
Estamos aludindo à assinatura dos tratados de Aliança e Amizade, Comércio e Navegação, em 1810 já
mencionados em nosso trabalho. Nesses tratados, o governo já se mostrava tolerante com a diversidade
religiosa ao firmar, no artigo XII do Tratado de Comércio, que os imigrantes em seus territórios e domínio
não seriam perturbados, inquietos, perseguidos ou molestados por causa de sua religião, permitindo
assim, cultos acatólicos em seus domínios. Não se pode esquecer, entretanto, os critérios estabelecidos
para a construção dos templos protestantes que não deveriam ter apresentação arquitetônica de templos
religiosos, pois a Igreja Católica detinha constitucionalmente o direito de hegemonia, conforme a
constituição de 1824, no artigo quinto. (Constituição de 1824). Mas, foi esse um primeiro passo.
99

O problema da Igreja Católica com o mundo moderno, naquele momento


histórico, nos é apresentada por Mendonça nos seguintes termos:
É particularmente dramática a relação da Igreja Católica com o mundo
moderno que se esboçava no Iluminismo e cria corpo sob o impacto da
ciência e da tecnologia no século XIX. O drama se desenvolve em dois
atos que, num dado momento, no começo do século, se superpõem ou,
pelo menos, se desenrolam em cenários visíveis para a mesma platéia.
Num deles o racionalismo iluminista solapava o princípio de autoridade,
atingindo de modo direto o princípio de poder da Igreja; no outro, o
avanço da ciência e da técnica criava embaraços dogmáticos e éticos
difíceis de resolver através de procedimentos usuais e ainda rígidos da
escolástica. Acresça-se ainda, que o exército de defesa da Igreja,
tradicional baluarte da escolástica, a Companhia de Jesus, tinha sido
vítima direta do Iluminismo. Combatida e desarticulada a partir do século
XVIII, embora reativada nos primeiros anos do século seguinte, ainda
não estava suficientemente recuperada para desempenhar seu papel.
(MENDONÇA, 1990, p. 62)

Além desse fato, o modernismo, a imigração e instalação protestante


representavam para o clero uma ameaça, pois sentiam que a invasão de estrangeiros
e, com ela, a chegada de protestantes poria em risco a catolicidade da nação
brasileira e, conseqüentemente, seu status quo de dominador.
Como observamos no tópico anterior sobre o problema da escravidão, o
Império vivia um momento diferenciado no sentido de que o sistema de produção,
restrito à mão de obra escrava, estava em vias de extinção, concomitantemente, era
premente criar condições para a expansão industrial, semelhantemente a que ocorria,
sobretudo nos Estados Unidos, e que era paradigma para o caso brasileiro. No
âmbito dessa nova configuração que se desenhava nos campos político e industrial
no Império, exigindo evidentemente mão-de-obra especializada e novas tecnologias
que favorecem tal desenvolvimento, temos as preocupações da Igreja com a
introdução de estrangeiros, trazendo consigo ideais religiosos oposicionistas. Tais
preocupações foram amenizadas pelo poder político da Coroa, especialmente na
pessoa de D. Pedro II que, em relação à Igreja Católica mantinha apenas um nível de
respeito dado o Direito do Padroado, no entanto, o que se buscava mesmo era o
aperfeiçoamento do Estado brasileiro.
100

A toda essa movimentação liberalizante em que o Império estava inserido,


surge a Questão Religiosa38 (1870-1875), Mendonça a apresenta dentro dos
seguintes parâmetros:

A Questão Religiosa é uma expressão brasileira de grande luta entre a


Igreja e o mundo liberal. Anos antes da deflagração do conflito entre os
bispos e o Imperador, o episcopado brasileiro vinha tendo confrontos
com o pensamento liberal e o realismo imperial. No entanto, se a ala
tradicional, conservadora e romanista da igreja assimilava mal os
avanços das idéias liberais, os intelectuais e políticos liberais do Império
não estavam muito preocupados com a igreja. Afinal, o chefe da igreja no
Brasil era o imperador e sem o seu placet nenhuma decisão ou instrução
de Roma teria andamento. (MENDONÇA, 1990, p. 70)

A resposta a essa situação expressa-se através do ultramontanismo38 da


igreja, fortalecido com o Papa Pio IX, a partir do final da década de 1840, numa
demonstração de preocupação com a perda do poder religioso para o poder temporal,
sobretudo no Brasil, pela existência do padroado. O pensamento ultramontano
opunha-se ao Regalismo39, ou seja, a submissão do clero somente ao Imperador em
detrimento do Papa, bem como contra o Galicanismo40 . A respeito da resposta da
Igreja às tendências liberalizantes, há de se destacar as “progressivas atitudes do
38
De fato, a questão começa em 1872, quando o padre Almeida Martins é suspenso de suas funções no
Rio de Janeiro por causa de um discurso em uma loja maçônica. A reação da maçonaria, condenando a
decisão, espalha-se pelo país. Mas, logo em seguida, os bispos de Olinda e de Belém do Pará, dom Vital e
dom Macedo Costa, tomam atitudes semelhantes, mandando fechar as irmandades que ainda aceitavam
membros maçons. Os bispos são então processados pela justiça, convocados ao Rio de Janeiro e
condenados a quatro anos de prisão. Depois da suspensão das punições eclesiásticas aplicadas aos
maçons, a pena dos bispos é reduzida e eles são anistiados. Esse conflito abala as relações entre o
império e a Igreja. E, a partir da proclamação da República, em 1889, passa a vigorar a separação entre
Igreja e Estado, que deixa de ter uma religião oficial. No sentido de clarificar o significado da questão
religiosa, o livro de David Gueiros intitulado O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil,
indicado na bibliografia final deste trabalho, torna-se imprescindível para o aprofundamento do
entendimento da questão.
38
Ultramontanismo foi um termo usado desde o século XI para descrever cristãos que buscavam a
liderança de Roma (do outro lado da montanha), ou que defendiam o ponto de vista dos papas, ou davam
apoio à política deles. No século XIX, o termo reapareceu, dessa vez descrevendo uma série de conceitos
e atitudes do lado conservador da Igreja Católica (...) Essa reação católica tinha se caracterizado pela
reafirmação do escolasticismo, pelo restabelecimento da Sociedade de Jesus (1814) e por uma série de
encíclicas, bulas, alocuções e constituições que foram fulminantemente lançadas contra o que a Igreja
considerava serem elementos errôneos e tendências perigosas dentro da religião e da sociedade civil.
Vieira (1980, p. 32)
39
Doutrina que defende a ingerência do chefe de Estado em questões religiosas.
40
Termo que descreve várias teorias desenvolvidas na França concernentes às relações da Igreja Católica
francesa, assim como o do Estado francês, com o papado. Do ponto de vista religioso, o galicanismo que a
igreja e o clero franceses se outorgavam direitos próprios, independentes de Roma. Do ponto de vista do
Estado, os reis franceses afirmavam ter recebido seus poderes diretamente de Deus e que seus poderes
temporais estavam fora da jurisdição papal. Essas teorias eram desenvolvidas contra as pretensões
teocráticas dos papas da idade média. Vieira (1980, p. 28)
101

papa Pio IX, com a condenação da idéias liberais através do Silabo de 1864, e da
maçonaria41, lançada pela Quanta cura, que, aliás, confirmou a posição da igreja em
outras encíclicas anteriores”. Mendonça (1990).
A maçonaria, enquanto instituição que estava ligada a idéias e movimentos
políticos liberais na Inglaterra e na França, chega ao Brasil no final do século XVIII.
Durante o processo da independência e no decorrer do Império, aumenta seu
prestígio social e sua presença na estrutura de poder. As maiores figuras do regime,
com raras exceções, pertenciam aos seus quadros. Essa atuação da maçonaria
colide com a atuação da Igreja Católica, que, como temos informado, também era
muito influente no período imperial.
Pode-se dizer que a questão religiosa, naquele cenário, teve uma
representação da mais alta importância na medida em que colocou em pontos
opostos a Igreja e o Estado. A Igreja, antiliberalizante e, portanto, contrária ao
processo de modernização teve, na figura de D. Vidal e D. Macedo Costa, bispos de
Olinda e Belém do Pará, bem como, no caso do Padre Almeida Martins, suspenso em
1872, devido a um discurso proferido no Rio de Janeiro em uma loja maçônica, a
seguinte conseqüência: os dois primeiros foram submetidos à humilhação da prisão,
e, no caso do segundo, a uma suspensão de suas atividades. Essas medidas,
tomadas pelas autoridades do Império, deram-se, como no caso de D. Vidal, pelo fato
de ele estar amparado em bulas papais não placitadas pela autoridade Imperial e que
foram interpretadas consequentemente, como desobediência civil.
De outro lado, o Estado brasileiro marcava sua posição da seguinte maneira:

O Estado monárquico era pombalino, josefista e regalista e seu


Imperador era renanista e possivelmente até voltariano. Para ele o
Estado estava acima de qualquer coisa. Muitos intelectuais e políticos
liberais aspiravam à instituição de uma Igreja nacional, sujeita a Roma
apenas em questões de doutrina, sendo o Imperador a autoridade
máxima na constituição da hierarquia e no julgamento de leis e decretos
dos concílios. Assim pensava, por exemplo, Joaquim Nabuco. Aliás, já
fora com certeza o pensamento do padre Diogo Feijó, regente do Império
(1835-1837). É bom não esquecer que, numa época de formação e
consolidação de Estados nacionais, o nacionalismo não deixava de ser

41
Em 1871, o Vaticano impõe regras rígidas de doutrina e de culto e condena as sociedades secretas. Os
bispos brasileiros, acatando as novas diretrizes, determinam a expulsão dos maçons das irmandades
católicas e passam a exigir mais disciplina moral e canônica do clero, conforme ilustrado em nota de
rodapé na página anterior.
102

um dos componentes do pensamento liberal brasileiro. Por isso, uma


Igreja com a maior independência possível de poder estrangeiro não
deixava de ser atraente para políticos e intelectuais liberais.
(MENDONÇA, 1990, p. 72)

Face ao exposto, destacamos que outros grupos também estavam direta ou


indiretamente, com maior ou menor influência, conectados com a questão da
definição de poder dentro do campo social da nação. Referimo-nos aos
republicanos42 e à presença protestante, acerca dos quais iremos tratar na seção
seguinte deste trabalho.
Discorrendo a respeito da questão religiosa, Vieira (2006) informa que o fato é
que o conflito posto pela questão religiosa aprofundou a tensão entre a Igreja e o
Estado e trouxe à tona a verdadeira extensão do iceberg que estava submerso,
arrastando para as profundezas toda e qualquer pretensão modernizante da
sociedade brasileira. De fato, que a questão religiosa tenha não apenas aprofundado,
mas colocado realmente a Igreja e o Estado em pontos opostos parece-nos correto 43,
no entanto, estamos entendendo que a Questão Religiosa não foi um acontecimento
que tenha arrastado para as profundezas as pretensões modernizantes da sociedade
daquela época, ao contrário, foi um dado que, dentro do processo, contribuiu
significativamente para a modernização uma vez que, soltas as amarras do Estado
com a Igreja, abria-se um campo amplo para as idéias liberais e, conseqüentemente,
do progresso. Ainda, segundo Mendonça, devido a Questão Religiosa:

num dado momento, portanto, houve na história brasileira um vácuo


religioso: de um lado, um Estado em busca de uma religião civil aberta
para a modernidade e, de outro, uma Igreja que, à beira de perder suas
prerrogativas históricas, volta-se para si mesma no intento de reforçar-se
institucionalmente, mas nos marcos do conservadorismo.
(MENDONÇA,1990, p. 72)

42
Os republicanos em geral não tomaram parte na controvérsia, mas os seus chefes, alguns dos quais
eram maçons, e os seus jornais expressavam livremente suas opiniões (BOEHRER, p.252).
43
Mendonça (1990, p. 72) corrobora ao dizer que a questão religiosa marcou profunda mudança no campo
religioso brasileiro. As posições ficaram bem definidas: de um lado, um Estado ainda mais galicano e
anticlerical e, de outro, uma Igreja que aparentemente abandona o confronto com o Estado, mas toma
medidas de autofortalecimento interno.
103

Diante desse processo de desestruturação das instituições, referimo-nos à


Igreja e ao Estado e, também, aos graves problemas relacionados à educação e à
escravidão dentro do campo social brasileiro, abria-se, naturalmente, o caminho para
a entrada do protestantismo no cenário nacional. Como veremos posteriormente,
concorreu para isso a influência de republicanos e maçons. Enfim, ao lado de
republicanos e maçons, o protestantismo norte americano ganharia significância no
processo, dada a existência de seu capital simbólico e as propícias condições que o
campo brasileiro lhe proporcionava , mesmo que com conflitos.

5. AS ESTRUTURAS ESTRUTURANTES DO CAMPO

O objetivo desta seção é relatar e entender o papel desenvolvido por


instituições que, face aos problemas existentes no campo da dominação;
constituíram-se em um corpus que exerceu papel fundamental no processo de
transição do poder das mãos do Império e da Igreja.
Nessa direção, pretende-se analisar as seguintes instituições: a maçonaria, o
partido republicano e o presbiterianismo, sendo que, no caso do presbiterianismo,
desdobramos a interpretação de seu papel a partir das dimensões da religião, da
educação e também de seu relacionamento com a escravidão.
No estudo sobre a maçonaria e o partido republicano, também estaremos
atentos ao papel que essas instituições desenvolveram diante dos temas da
educação e a escravidão. A razão dessa opção deve-se ao fato de que esses dois
assuntos são os enfoques de nossas observações durante todo o trabalho.
Utilizando-se do conceito de capital simbólico de Bourdieu, analisaremos tanto
a maçonaria quanto o partido republicano, enquanto organismos que somaram ao
capital simbólico do presbiterianismo condições que lhe foram favoráveis diante do
processo de sua instalação no Brasil, uma vez que ambos exerceram determinada
pressão tanto sobre a Igreja quanto no Império.
Para a análise da maçonaria, basicamente nos apoiaremos nos estudos de
Vieira (1980). Para o estudo do partido republicano, auxiliar-nos-emos em Boehrer
(1954). Essa nossa opção, entre outras razões, que mencionaremos posteriormente,
deve-se ao fato de que a historiografia referente à maçonaria é escassa e a respeito
104

do partido republicano é extensa. Diante dessa realidade, entendemos que, dada a


importância de tais obras, seria adequado continuarmos agindo da mesma forma
como fizemos em momentos anteriores da pesquisa, isso, em nosso entendimento,
seria mais coerente.

5.1 O PAPEL DA MAÇONARIA

Nosso estudo sobre a maçonaria dentro da história do Brasil objetiva verificar o


seu relacionamento com o tema da escravidão, com a Igreja Católica e com o
protestantismo. Para adquirir um maior conhecimento a respeito da maçonaria,
esbarra-se, por um lado, no fato de que a literatura produzida no interior dessa
instituição, portanto feita por maçons, por vezes, vem eivadas de nuances
apologéticas44, o que acaba dificultando a análise e tornando-a pouco convincente.
Deve-se acrescentar que essa literatura é de difícil acesso para aqueles que não são
integrantes da maçonaria. Por outro lado, sugerimos também a necessidade de
desconfiança de opiniões sobre a maçonaria que esteja construída em preconceito,
opções políticas e religiosas diferentes45, isso pouco contribui para elevar o nível do
conhecimento sobre essa instituição.
Estabelecidos os limites do nosso olhar a respeito da maçonaria, destacamos
os nomes de André Rebouças, José do Patrocínio e Luiz Gama, ministros do Império,
sendo ambos maçons e afro-descendentes, como aqueles que mais estiveram
ligados ao tema da abolição da escravidão no Brasil. Além desses, outros maçons

44
Irmão, José Aleixo. A perseverança III e Sorocaba. Volume I e II. Cruzeiro do Sul. Sorocaba, 1969. É
uma obra que se constitui em um bom exemplo de uma narrativa sobre a maçonaria que, em nosso
entendimento, apresenta uma visão pouco isenta de ufanismo. O próprio autor revela: “É com intuito de
preservar essa história muito nossa, escrita pelos antepassados sorocabanos nos feitos memoráveis
traçados no recinto da oficina, que nos propusemos evocá-los, em pálido bosquejo, como homenagem aos
seus feitos e aos da loja-mãe que lhes deu alento e tanto os entusiasmou na prática do bem e da virtude.”
(IRMÃO, 1969, p. 11).
45
Registramos como boa indicação bibliográfica para compreensão da maçonaria a tese de Barata,
Alexandre Mansur. Luzes e sombras: a ação da maçonaria brasileira (1870-1910). Ed. Unicamp.
Campinas. 1999 e também a obra de Vieira, David Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a questão
religiosa no Brasil. Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 2 edição. 1980. O referido autor está entre
os pioneiros do estudo da maçonaria no Brasil, embora não enfoque a maçonaria como objeto específico
de sua análise. A dissertação de mestrado de Vieira, Maria Elizabete. O envolvimento da maçonaria
Fluminense no processo de emancipação do reino do Brasil (1820-1822) Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. 2001 constitui-se também uma boa referência.
105

envolvidos com a vida política brasileira estiveram inseridos com o problema da


emancipação, estamos nos referindo a Rui Barbosa, Visconde do Rio Branco, Duque
de Caxias, Castro Alves, Joaquim Nabuco (fundador da Sociedade Brasileira contra a
Escravidão), Deodoro da Fonseca, Quintino Bocaiúva e João Alfredo.
Entre esses personagens, destacamos o nome do Visconde de Rio Branco,
dada sua importância no processo legislativo que culminaria posteriormente na
abolição, seu papel nesse processo foi devidamente documentado por Gebara (1986)
ao mostrar que, em 1871, quando Rio Branco foi convidado pelo imperador para
formar um novo gabinete, ele escreveu a alguns líderes políticos do Partido
Conservador, convidando-os a tomar parte no novo governo, sob sua liderança.
Apoiado em Moraes (1986), que também nos auxilia a conhecer o papel
desempenhado pelo Visconde de Rio Branco no processo emancipacionista,
transcrevemos que:

A ação eficaz da maçonaria foi, principalmente, emancipadora. Desde


muito, tinham-se tomado, no seio da Sublime Ordem, medidas de elevado
alcance: assim era que, dia a dia, desde 1860, aumentavam as libertações,
por ocasião de festividades e se havia proibido a iniciação de pessoas
outrora comprometidas no infame tráfico de escravos. Sendo, depois, eleito
grão mestre o Visconde do Rio Branco, deliberou ele somente presidir atos
festivos quando do programa constasse distribuição de cartas de alforria.
Sobrevindo o movimento abolicionista (precisamente por ocasião da morte
de Rio Branco), a maçonaria continuou honrando a memória do seu
preclaro chefe. Foram realizadas, no recinto maçônico, conferências de
propaganda. Resumindo o que a maçonaria fizera, até então, escrevia em
1884, no Boletim do Grande Oriente, o preclaro Saldanha Marinho:
Quando apareceu a grande idéia que se converteu na lei de 28 de
setembro de 1871, a libertação dos escravos já desde muito preocupava a
maçonaria. A mais de mil escravos deu ela liberdade, e tudo a custa dos
metais maçônicos, e sem que se afastasse dos meios legais. Agora que a
emancipação se tornou uma aspiração geral, e que necessariamente há
de, em breve tempo, ser efetiva, a maçonaria trata de promover os meios
ao seu alcance em prol do movimento, mas nas raias da legalidade. Não
pode ir mais longe. Não pode fazer mais que isso; porém, não abandonará
o campo da nova luta, e fará todos os sacrifícios para que o Brasil, obtido o
grande desideratum da extinção da escravidão, possa combater
sobranceiro com todos os povos civilizados. (MORAES, 1986, p. 241)

Embora as informações acima nos indiquem o posicionamento abolicionista da


maçonaria, não encontramos registros de que ela tenha fechado suas portas aos
possuidores de escravos.
106

A maçonaria teve também um papel importante no processo de luta da


separação entre a Igreja e o Estado. Na seção anterior deste trabalho, já apontamos
a conflituosa convivência entre essas duas instituições a partir da Questão Religiosa
no Brasil. Pretendemos, agora, adensar melhor a compreensão desse assunto,
incluindo o protestantismo, o que não fizemos anteriormente. Devido à ausência de
fontes disponíveis, apoiar-nos-emos basicamente nos estudo de Vieira (1980). Dentro
da sociedade brasileira, de um lado, estava a Igreja, anti-liberalizante e conservadora,
de outro a maçonaria, que, ligada aos movimentos liberais a partir da Inglaterra e
França, ganhava progressivamente maior prestígio social na estrutura de poder no
Brasil e, nesse sentido, passava a representar séria ameaça ao status da Igreja.
Para a maçonaria, o uso do poder pela Igreja e sua interferência em questões
civis era vista como injustificável. Vieira (1980) dedica uma longa discussão para
verificar se os dois bispos, diretamente envolvidos na luta entre a Igreja e o Estado,
tinham ou não entrado em conflito pessoal com o protestantismo. Outra intenção era
saber se o elemento protestante estava realmente presente quando os bispos entram
em choque com as irmandades católicas dominadas por maçons.
Tomando como referência as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e
Belém, o autor estabelece uma teia de conexões que foi sendo construída entre a
maçonaria e o protestantismo ao ponto: “... de 1868 a 1875, notam-se freqüentes
contatos entre presbiterianos e maçons. Outrossim, se aceitarmos o ponto de vista do
Dr. Kalley, podemos crer que houve um esforço da parte dos maçons para infiltrar a
Igreja Presbiteriana”, (VIEIRA, 1980, p. 264). Pouco adiante, o autor revela que, do
lado do protestantismo, referindo-se especificamente aos missionários presbiterianos,
eles “estavam inteirados de muitas das decisões da maçonaria brasileira, mas que
pessoalmente cooperavam apenas de um modo limitado, fornecendo livros e
literatura anti-católica aos escritores maçônicos. Por outro lado, os recém-convertidos
brasileiros, que eram maçons, entraram com satisfação na luta” (VIEIRA, 1980, p.
278).
Entendemos que tanto a maçonaria como os missionários presbiterianos
usavam da importância que cada segmento possuía para lutar no sentido de
desarticular a estrutura de poder estabelecida pela Igreja e, claro, ocupar aquela
posição. Compreendemos que essa linha interpretativa obtém amparo a partir da
107

seguinte consideração: no início de 1871, A. L. Blackford46 informou, numa carta ao


The Christian World, que a maçonaria no Brasil era um grande fato e um grande
poder. Outrossim, era um dos mais importantes meios de que Deus tinha usado e
estava usando para quebrar o domínio do catolicismo no Brasil, Vieira (1980).
Concomitante a esta clara demonstração de admiração da maçonaria e
reconhecimento de sua importância:

Entretanto, os missionários protestantes nem sempre eram levados a julgar


os maçons puramente na base do auxílio que recebiam deles.
Ainda que Blackford os considerasse instrumentos nas mãos da providência,
chegou a chamá-los de inimigos da verdade, como em carta do Rio de
Janeiro, datada de 4 de abril de 1872, onde assim se expressou: “Deus está
preparando maravilhosamente o caminho por meios indiretos, fazendo que
os próprios inimigos da verdade ajudem sua causa”. (VIEIRA 1980, p. 278 e
279) apud. BFMPCUSA, (1872).

Posteriormente, quando da inauguração do templo presbiteriano no Rio de


Janeiro, em 1874, encontramos na lista de subscrição local que incluía os nomes de
estrangeiros intimamente ligados ao progresso brasileiro e que participaram daquela
celebração, tais como os que Vieira (1980) cita: Thomas Rainey, Robert C. Wright e
J. H. Wright, Willian S. Ellison and Henry H. Milford (construtores da estrada de ferro
Dom Pedro II), Daniel Makinson Fox (superintende da estrada de ferro de São Paulo),
Herinque Laemmert (o editor), bem como Leonard Akerblom e Henry F. Blowe,
respectivamente ministros da Suécia e dos Estados Unidos.
A esse significativo acontecimento para o presbiterianismo no Brasil, tendo em
vista estar ocorrendo a instalação de sua primeira igreja em solo brasileiro, a Igreja
Católica respondeu, através do jornal o Apóstolo, publicando uma correspondência
que fora enviada ao governo em que a Igreja:

Chamou a atenção para o fato de estar uma igreja protestante sendo


construída com todas as formas exteriores de um templo (exceto a torre). E
ainda mais, no frontispício ostentava as palavras “Igreja Presbiteriana”. O
jornal católico em seguida chamou a atenção dos católicos do Brasil para
46
Alexander L. Blackford, cunhado do Rev. Ashbel Green Simonton, o primeiro missionário presbiteriano
no Brasil. Blackford foi o fundador da primeira Igreja Presbiteriana de São Paulo em 5 de março de 1865 e,
também da Igreja de Brotas.
108

os “tristes dias reservados a seus filhos e á mãe pátria”. O futuro para eles
era desolador em face dos golpes do “machado bárbaro e selvagem da
maçonaria” que estava derrubando a árvore da legislação que declarara
que a Igreja Católica continuaria a ser a Igreja Nacional. Naquele mesmo
dia, em que o artigo acima citado apareceu no Apóstolo (18 e fevereiro de
1874), teve início o julgamento do Bispo Dom Vital Maria Gonçalves de
Oliveira, perante o Supremo Tribunal. (VIEIRA, 1980, p. 290)

Diante disso, a conclusão a que se chega é a de que o protestantismo esteve


envolvido na luta entre a Igreja e o Estado pela mediação da maçonaria com a qual
mantinha uma relação de interesses pela desarticulação do poder da Igreja. E o
padrão de cooperação entre a maçonaria e o protestantismo pareceu bem claro à
Igreja Católica no Rio e em São Paulo. Essa cooperação, segundo Vieira (1980), era
mais intensa ainda nas províncias do Pará e de Pernambuco, que estavam sob a
jurisdição eclesiástica dos bispos combatentes, Dom Antônio Macedo Costa e Dom
Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira.
Com a finalidade de evitar quaisquer exageros, pontuamos a necessidade de
cuidado na interpretação da proximidade entre protestantes presbiterianos com a
maçonaria, uma vez que o jogo de interesses das partes era grande. Outro aspecto
refere-se ao fato de que, dentro da maçonaria, havia grupos com tendências
monárquicas e grupos liberais que buscavam a separação entre Igreja e Estado.
Precisa-se alertar, ainda, sobre a existência de maçons ligados à Igreja Católica.
Em nosso trabalho, não analisamos esses pormenores, mas deixamos tais
registros no sentido de que se compreenda o recorte que fizemos no trato do assunto.
Finalmente, a Questão Religiosa, na qual estavam envolvidos os maçons e a Igreja
Católica terminou de forma branda47 , mas a constatação do papel do protestantismo
nesse processo foi precisamente a contribuição do estudo de Vieira.

Pode-se seguramente afirmar que a presença protestante no Brasil foi um


elemento que contribuiu para a Questão Religiosa. A contribuição
substancial feita pelos protestantes ao desenvolvimento do Brasil do século
XIX, por qualquer razão, tem sido muito negligenciada pelos historiadores

47
Vieira (1980, p.377) conclui dizendo que: pode-se dizer que a Questão Religiosa, no seu mais restrito
conceito (c omo um conflito entre a Igreja e a maçonaria), foi algo que era provavelmente esperado e
desejado há muito por ambas as partes envolvidas. Que tenha terminado num jogo de acomodação, em
vez de um derramamento de sangue generalizado, deve-se ao bom senso do Internúncio Domenico
Sanguigni e de Pio IX, assim como à maneira política brasileira de achar meios de contemporanizar.
109

brasileiros. Não obstante, a facção brasileira republicana-liberal-maçônica


da época achava que essas contribuições eram essenciais ao crescimento
da nação e por esta razão, entre outras, estava disposta a batalhar contra
os que queriam conservar o imigrante acatólico fora do Brasil, mantendo as
anacrônicas leis religiosas e o artigo quinto da constituição que
estabelecera a Igreja Católica Apostólica Romana como a Igreja nacional.
(VIEIRA, 1980, p. 377)

Essas palavras utilizadas por Vieira (1980), em suas considerações finais,


sintetizam e esclarecem o papel desempenhado pelo protestantismo ao lado da
maçonaria, frente ao tema da separação entre Igreja e Estado no Brasil.

5.6 O MOVIMENTO REPUBLICANO

Foi no decorrer do processo político brasileiro do século XIX, tendo a


Monarquia como sistema de governo e a Igreja enquanto instituição que usufruía de
certo espaço de poder dentro daquele cenário, que ganharam força os idealistas
republicanos, objetivando estruturar-se como um grupo que visualizava o
estabelecimento de uma nova ordem para aquela realidade. Assim foi que, na busca
da promoção da República, deram os passos para a criação do partido republicano
Boehrer (1954) 48.
Esse grupo de sonhadores de um novo sistema; referimos-nos a personagens
como: Campos Sales, Prudente de Moraes, Francisco Glicério, Quintino Bocaiúva,
Júlio Castilho, Rodrigues Alves, Bernardinho de Campos, Marechal Floriano,
Benjamim Constant e também os nomes de Joaquim Saldanha Marinho, Ubaldino do
Amaral entre outros; estiveram diretamente envolvidos no processo de reestruturação
política do país que teve seu desfecho final com a proclamação da República, em 15
de novembro de 1889.
Do movimento republicano em pauta, o que nos interessa enfocar são as
propostas do referido partido político no sentido de promover as alterações que, na

48
O partido republicano no Brasil brotou do primeiro clube republicando do Rio de Janeiro, em 1870. Não
há dúvida de que a formação desse clube e a publicação do Manifesto de 3 de dezembro são diretamente
responsáveis pelo movimento republicano organizado, nas províncias.
110

opinião desse grupo, eram prementes para a nação49. Nossa opção em trabalhar
esse assunto ficou centrada nos escritos de Boehrer (1954), e a razão disso deu-se
pelo reconhecimento da suficiência de seu trabalho, no sentido de nos oferecer uma
compreensão daquele tenso e longo processo da vida política da nação, abordando,
em sua obra, assuntos como a relação do partido republicano com a Igreja, com o
Império, com a maçonaria e com a escravidão.
A plataforma ideológica do partido republicano estava fundada no manifesto de
3 de dezembro de 1870 no Rio de Janeiro50, que trazia, no seu início, a declaração da
legitimidade dos ideais republicanos, como podemos observar a partir de (BOEHRER,
1954, p. 213), apud MORAES, (sd. p. 29-66):

Como homens livres e essencialmente subordinados aos interesses da


nossa pátria, não é nossa intenção convulsionar a sociedade em que
vivemos. Nosso intuito é esclarecê-la. Em um regime de compreensão e de
violência, conspirar seria o nosso direito. Mas no regime das facções e da
corrupção em que vivemos, discutir é o nosso dever. As armas da
discussão, os instrumentos pacíficos da liberdade, a revolução moral, os
amplos meios do direito, postos ao serviço de uma convicção sincera,
bastam, no nosso entender, para a vitória da nossa causa, que é a causa
do progresso e da grandeza da nossa pátria.

Observa-se que a intenção do partido republicano era de encontrar um canal


para substituição do sistema de governo vigente, que passasse pelo crivo das
negociações democráticas. Entretanto, dentro do partido republicano, sobretudo a
partir de Antonio da Silva Jardim e também do pernambucano Aníbal Falcão, havia a
opinião de que as propostas republicanas deveriam ser estabelecidas pelo viés da
revolução. As divergências no partido não estavam reduzidas apenas a questão de se
usar uma forma pacífica/evolucionista ou revolucionária para o estabelecimento da

49
O rumo estabelecido nessa abordagem deve-se ao fato de que entrar nos pormenores do surgimento e
desenvolvimento do partido republicano brasileiro poderia nos conduzir para caminhos que pretendemos
evitar. Nesse sentido, é que centramos atenção nas teses do movimento republicano. Indicamos,
entretanto, Boehrer, G.C.A. Da Monarquia à República: história do Partido Republicano no Brasil (1870-
1889). Rio de Janeiro: Ministério da Educação, 1954 como sendo uma obra que oferecerá mais
esclarecimentos a respeito do assunto, entre outros aspectos por trabalhar as divergências havidas dentro
do próprio partido republicano a respeito do estabelecimento dos seus ideais, tendo em vista que uma ala
do partido entendia que as mudanças que o país necessitava deveriam ser estabelecidas dentro de um
processo evolutivo e, outra ala, representada por Silva Jardim, buscava implantá-las pela revolução.
50
Ver mais detalhes a respeito em Boehrer (1954, p. 193).
111

plataforma de governo do partido, a questão aprofunda-se ainda mais ao


considerarmos o elemento do poder que estava em jogo dentro do partido51.
A partir do manifesto de 1870, os republicanos entendiam que a nação
brasileira encontrava -se em situações que clamavam por transformações. E sua
inconformidade com aquela situação expressava-se no horizonte de que:

Os partidos tinham sido reduzidos a impotência e expostos ao desdém da


opinião pela influência permanente de um princípio corruptor e hostil à
liberdade e ao progresso de nossa pátria. Os privilégios constituíam a
fórmula política e social que tornava um superior a todos e alguns a muitos.
Era a esse estado de coisas que o Brasil devia a sua decadência moral,
sua administração defeituosa e seus males econômicos. Embora o Brasil
fosse independente há século e meio, parecia emergir justamente do
estado colonial. A tradição do velho regime produzira tal devastação e
confusão que a era presente veria o alvorecer da regeneração nacional, ou
a destruição das liberdades civis (...) A Liberdade aparente e o despotismo
real, a forma dissimulando a substância, tais são os característicos da
nossa organização constitucional. (BOEHRER, 1954, p. 214).

Posta essa leitura da realidade feita pelos republicanos e que fundamentava


seus interesses por uma nova situação, expressaram a defesa, através do Manifesto
de 1870, do federalismo contra a centralização da monarquia. Para eles, a autonomia
das províncias era vista na forma da criação de Estados independentes entre si, mas
ligados um ao outro pelo pertencimento à mesma nação brasileira. Pretendiam,
portanto, a quebra do ciclo da hereditariedade monárquica e a conseqüente
manutenção do poder nas mãos de uma única pessoa, e propunham, em
contrapartida, que a soberania para definir os rumos da nação deveria estar nas
mãos do povo. “Finalmente, acentuava que os brasileiros eram americanos que
desejavam uma forma de governo adequada ao clima político do continente; como
única monarquia independente, o Brasil ficava naturalmente isolado das outras
Américas”. (BOEHRER, 1954, p. 215).
As falhas do sistema monárquico, colocado em xeque pelos republicanos,
eram as seguintes, conforme descreve (BOEHRER, 1954, p. 216):

51
Boehrer (1954, p. 193-289) oferece-nos, com clareza, informações a respeito desses desencontros
dentro do partido republicano. E que foram evitados nesse momento da pesquisa no sentido de não
valorizar informações que possam nos abstrair do objetivo delimitado.
112

O privilégio, em todas as suas relações com a sociedade... Privilégio de


religião, privilégio de raça, privilégio de posição... A liberdade de
consciência, nulificada por uma igreja privilegiada; a liberdade econômica,
suprimida por uma legislação restritiva; liberdade de imprensa,
subordinada à jurisdição de funcionários do governo, dependente do
beneplácito do poder; a liberdade do ensino suprimida pela inspeção
arbitrária do governo e pelo monopólio oficial; a liberdade individual sujeita
à prisão preventiva, ao recrutamento, à disciplina da guarda nacional,
privada da própria garantia do hábeas-corpus, pela limitação estabelecida.

Embora essa leitura conjuntural feita pelos republicanos parecesse inovadora,


sabia-se, entretanto, que o Partido Liberal havia antecipado essa mesma leitura da
realidade. Salvaguardando, portanto, o aspecto da oposição republicana à instituição
monárquica, as demais propostas oriundas do manifesto de 1870 já haviam sido
contempladas pelos liberais. O sucesso e importância das propostas republicanas em
relação àquelas dos liberais residiu no fato: “... de ter sido a primeira declaração
pública de um partido que veio a triunfar. À medida que o tempo passava, e com o
crescer do Partido Republicano, o Manifesto adquiriu um caráter especial.”
(BOEHRER, 1954, p. 217).
A respeito do envolvimento do Partido Republicano com a Igreja, enquanto
foco centralizador de poder ao lado da monarquia, sabe-se que a partir da Questão
Religiosa entre maçons e a Igreja: “os republicanos em geral não tomaram parte na
controvérsia, mas os seus chefes, alguns dos quais eram maçons, e os seus jornais
expressavam livremente suas opiniões.” (BOEHRER, 1954, p. 252).
Deduz-se, pela afirmativa acima que, embora não oficialmente, houve certa
aproximação entre alguns líderes republicanos com o debate já estudado no tópico
anterior sobre o papel da maçonaria, uma vez que alguns de seus líderes eram
maçons. Se o apoio republicano à questão entre maçonaria e igreja foi parcial, a
razão é que o Estado Monárquico apoiava a maçonaria na luta com a igreja. Para o
partido republicano, portanto, apoiar declaradamente os maçons poderia representar
estar “ombro a ombro” com a monarquia, da qual os republicanos queriam distância.
Citando o jornal republicano intitulado A Republica, (BOEHRER, 1954, p. 252)
informa:

A Republica, do Rio, opunha-se à união da Igreja e do Estado. “A


consagração peremptória de uma religião de Estado como dogma
113

constitucional, envolve a suposição errônea de que o espírito do povo deve


permanecer imóvel, sempre idêntico a si mesmo, em suas relações
internas e externas, em suas idéias e crenças, em tudo o que faz a sua
vida”. Opunha-se também a certas atitudes recentes da Igreja, que
criticava, publicando um longo artigo de L´Indépendence Belge, da autoria
do Padre Hyacinthe, contra a infalibilidade do Papa e o Syllabus de erros.
A seguir, o jornal atacou a este, bem como o ultramontanismo, os jesuítas,
os vicentinos, o dogma da Imaculada Conceição e o Concílio do Vaticano.

Um aspecto fica evidenciado nesse processo, ou seja, a união entre Igreja e


Estado estava em vias de extinção. Esse poder localizado trazia desdobramentos
para a nação, no âmbito da falta de liberdades civis, como no caso já estudado do
não reconhecimento de casamentos não oficializados pela Igreja Católica,
dificuldades de registro civil, impossibilidade de sepultamento de acatólicos em
cemitérios comuns e os limites para a construção de templos de outras expressões
religiosas. Em face desse estado de coisas, o partido republicano de São Paulo fazia
notar suas posições na medida em que sustentava:

Plena liberdade de cultos e perfeita igualdade de todos eles ante a


sociedade temporal e política. Abolição do caráter oficial da atual Igreja do
Estado e sua separação e emancipação do poder civil pela supressão dos
privilégios e encargos temporais até aqui outorgados a seus
representantes sectários. O ensino secular separado do ensino religioso,
cabendo aquele às escolas, e este aos pais no seio da família e aos
ministros de cada religião na respectiva Igreja. Constituição do casamento
civil, sem prejuízo do voluntário preenchimento das cerimônias religiosas,
conforme o rito particular dos cônjuges; instituição do registro civil de
nascimento e óbitos; secularização dos cemitérios, e sua administração
pelas municipalidades. (BOEHRER, 1954, p. 259)

Entendemos que esse posicionamento dos republicanos de São Paulo


sintetiza, guardando as devidas particularidades e posicionamentos dentro do partido
espalhado pelos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais entre outros, o ideário
republicano para a nação brasileira no sentido de estruturar uma nova realidade civil,
amparada na liberdade. Pontuamos dois outros aspectos concernentes à educação e
à escravidão.
A respeito do primeiro ponto, os republicanos propunham o ensino secular que
estivesse fora do domínio da igreja, no âmbito de sua interferência no campo do
ensino religioso. À família, ficaria a responsabilidade do ensino religioso de acordo
114

com seus próprios interesses e opção religiosa. A respeito da escravidão, os


republicanos assumiram um posicionamento de oposição à abolição imediata, e isso
desde 1870. O partido era da opinião de que a abolição era necessária, no entanto,
isso deveria ocorrer com restrições, considerando a necessidade de indenização aos
senhores dos escravos. Certamente, foi em decorrência disso que:

Ricos senhores de escravos haviam permanecido nele e usaram de sua


influência política e financeira em seu benefício. O partido prosperou
também, quando sobreveio finalmente a abolição total, pois muitos
fazendeiros exacerbados pelo papel que a família imperial representara no
movimento abolicionista, abandonaram a monarquia aderindo ao
republicanismo. Em abril de 1888, quando já se encaminhava a derrota, A
Gazeta Nacional do Rio reconheceu os novos membros do Partido, mas
adulterava e interpretava mal os motivos dos fazendeiros. Muitos desses
novos membros esperavam receber compensação de suas perdas, na
futura república, mas continuaram como membros do partido, a despeito
da recusa de qualquer idéia de indenização, da parte dos chefes
republicanos. (BOEHRER, 1954, p. 274).

Finalmente, os anos que antecederam 15 de novembro de 1889 foram,


indubitavelmente, anos de muita agitação na vida política e social brasileira, seja pela
Questão Religiosa, pela abolição da escravidão, pela presença protestante e também
pela forte influência dos republicanos no sentido de fazer aflorar a crise, envolvendo a
necessidade de deslocamento do poder de dominação exercido até então pelo
Império, pela igreja e pelos senhores de escravos. A definitiva troca do poder ocorreu
em 15 de novembro de 1889, com a decisiva participação do Exército, colocando o
poder nas mãos do povo. Os momentos finais que marcaram esse deslocamento da
dominação são assim descritos por (BOEHRER, 1954 p. 284-285):

A revolução que devia irromper no Rio foi marcada para 17 ou 18 de


novembro. No dia 14, os republicanos espalharam no Rio o rumor de que
Deodoro, Benjamim Constant e Sólon Ribeiro iam ser presos e que dois
regimentos, então estacionados na cidade, seriam transferidos para o
interior. Ao meio-dia, os regimentos revoltaram-se, sem conhecimento
prévio dos conspiradores. De manhã cedo toda a brigada estava em armas
e a revolução prosseguia. Na manhã de 15 de novembro, os conspiradores
reuniram-se e marcharam para o Quartel General, onde se mantinham
Ouro Preto e o gabinete, com uma força de defesa. O primeiro ministro
estava indeciso quanto a atacar. Por volta de 9 horas e 30 minutos, os dois
115

lados do Exército confraternizaram e Ouro Preto e seus auxiliares foram


presos. As tropas marcharam então para o arsenal da Marinha onde
receberam a adesão das forças ali estacionadas... Às três horas da tarde,
Aníbal Falcão, Pardal Mallet e José do Patrocínio – o último aderira então
ao Partido, proclamaram a república, no Conselho Municipal da cidade,
empregando, para esse fim, uma bandeira fornecida pelo Clube
Republicano Lopes Trovão. O primeiro ato oficial do novo governo teve
lugar nessa tarde.

5.7 A RELIGIÃO PROTESTANTE

O modelo religioso protestante 52, que chegou ao Brasil na segunda metade do


século XIX, constituiu-se uma alternativa à hegemonia católica romana nos campos
da religião e da educação. Embora minoritários, os grupos protestantes foram,
gradativamente, ocupando espaços no campo social brasileiro a partir da segunda
metade do século X IX.
De uma forma geral, os missionários que chegaram ao Brasil vieram imbuídos
de um projeto evangelizador, guardando relação com a ideologia expansionista norte
americana do “Destino Manifesto” carregando, subjacente à pregação religiosa e ao
ensino secular, os traços culturais do american way of life (MENDONÇA, 1984, p. 95
– BONINO, 1995, p. 11-25). A noção de eleição divina e a conquista são caracteres
impressos na alma do povo norte americano desde muito tempo, é o que Reily (1984,
p. 19) identifica como “auto-imagem religiosa do povo americano”, e acrescentamos
auto-imagem religiosa e geopolítica.
O conceito de Destino Manifesto, incorporado pela cultura norte-americana , é
um elemento representativo daquilo que estamos chamando de capital simbólico do
protestantismo norte -americano. Estamos compreendendo que a soma desses
elementos foram importantes no quadro das intenções expansionistas missionárias
de ocupar um espaço de poder, fazer prosélitos e influenciar o campo social
brasileiro.

52
Nos estudos sobre protestantismo no Brasil, utiliza-se uma tipologia que subdivide o campo em dois
grandes grupos: “protestantes de imigração” (os luteranos oriundos da Alemanha, o grupo mais
representativo) e “protestantes de missão” (presbiterianos, metodistas, batistas, etc.), que vieram com o
objetivo de implantar suas respectivas igrejas e escolas. Nosso foco é o presbiterianismo.
116

Ao buscar ocupar esses espaços, trazendo consigo o seu capital simbólico, os


missionários americanos acabaram se constituindo, no Brasil, em representantes de
uma nação desenvolvida. Na segunda seção deste trabalho, proporcionamos uma
visão desse desenvolvimento norte-americano a partir dos aspectos ligados ao seu
avanço na área da educação, do domínio de tecnologias, por estarem à frente do
Brasil na superação do trabalho escravo e a Igreja que tinha seu papel desvinculado
do Estado.
Amparando-nos no princípio bourdiano de que é a quantidade de capital
simbólico e o lugar de largada que pode facilitar ou dificultar a concorrência dentro
dos campos para a obtenção do poder, destacamos que o capital religioso depende
da relação entre demanda e oferta, ou mais especificamente, da força material e
simbólica dos grupos que a instância pode mobilizar. Como mobiliza? Oferecendo
bens e serviços capazes de satisfazer os interesses religiosos. A natureza desses
serviços depende: “de sua posição no campo e do capital religioso de que a instância
já dispõe. Assim instaura-se uma relação circular/dialética, pois o capital de
autoridade que as diferentes instâncias podem utilizar na concorrência que as opõe é
o produto das relações anteriores de concorrência” (BOURDIEU, 2005, p. 58).
Se considerarmos, inicialmente, a necessidade de acúmulo de capital
simbólico como um dos fundamentos necessários para entrar na luta pelo poder
dentro de um campo qualquer, nesse caso o campo da sociedade brasileira;
constatamos que o protestantismo norte-americano, pelos motivos já expostos,
possuía tal capital. Por outro lado, se considerarmos o segundo fundamento, ou seja,
a posição de largada dentro do campo para se chegar ao poder, notamos uma nítida
desvantagem do protestantismo no campo religioso, considerando terem chegado ao
Brasil, definitivamente, apenas na segunda metade do século XIX, encontrando uma
sólida estrutura religiosa católica que influenciava vários outros campos que
compunham a sociedade daquela época.
O ponto favorável para o protestantismo na luta pelo poder era o seu capital
simbólico acumulado. No entanto, a simples existência de capital não seria suficiente,
era necessário haver uma relação de demanda e oferta. Em relação à demanda, uma
parte da elite social mostrava sinais de insatisfação com a religião oficial do império e,
mesmo com o Estado monárquico, como já verificamos a partir da questão maçônica
e do partido republicano que se opunham tanto a Igreja como ao Estado, criando,
assim, um espaço de penetração para os missionários.
117

Outro considerável fato que evidenciava uma demanda para o protestantismo


referia-se à pequena quantidade de clérigos da Igreja Católica dentro da extensa
geografia do país. A esse respeito e apoiado em relatos de viagens do missionário
americano, Kidder (LEONARD, 2002, p. 33) informa:

Esta insuficiência do clero foi sublinhada e lamentada num relatório


apresentado à Legislatura Imperial de 1843 pelo Ministro da Justiça e
Negócios eclesiásticos, depois de um inquérito publicado a 9 de setembro
de 1842. (onde se lia - grifo nosso): Na província do Pará existem
paróquias que há doze anos e mais não tem vigários. A região do Rio
Negro compreende catorze aldeamentos e dispõe de um único padre. Em
idênticas circunstâncias, encontra-se a zona banhada pelo Solimões. Nas
três comarcas de Belém, no baixo e no alto Amazonas, existem trinta e
seis paróquias vagas. No Maranhão, vinte e cinco igrejas foram, em
épocas diversas, dadas como vagas sem que jamais aparecesse um
candidato. Aqui se tratava, sem dúvida, de regiões que estavam, sob todos
os pontos de vista, particularmente abandonadas. Mas o ministro
acrescentava; O bispo de São Paulo faz idênticas afirmações com relação
às igrejas vagas de sua diocese (...).

Portanto, demanda havia e em termos de oferta, majoritariamente, o único


concorrente do protestantismo era a religião católica. Ao protestantismo, restava
demonstrar sua capacidade de mobilizar grupos interessados em satisfazer seus
interesses a partir do capital que possuía para oferecer. É justamente a partir desse
ponto que pretendemos estudar a relação da religião protestante com a sociedade,
deixando para o tópico posterior o estudo da educação protestante e de sua relação
com o tema da escravidão.
Baseado no estudo que já realizamos sobre as estruturas estruturadas no
campo social brasileiro, pudemos constatar a dominação e poder da Igreja Católica,
como religião oficial do Império, que se estendiam nos âmbitos da educação, do não
reconhecimento de casamentos acatólicos e da dificuldade oriunda da proibição de
sepultamento de protestantes em cemitérios normais. Destacamos, ainda, a
complexa relação da Igreja Católica conivente e legitimadora da escravidão. Enfim,
esses eram aspectos que definiam a estrutura social com a qual a religião protestante
lutaria para o estabelecimento e consecução de seus ideais expansionistas.
Em 18 de junho de 1859, Ashbel Green Simonton, com 25 anos de idade,
embarcou para o Brasil, em Baltimore, no navio Banshee e, em 12 de agosto do
118

mesmo ano, aportou no Rio de Janeiro. Dessa forma, deu-se o início do trabalho
missionário presbiteriano em solo brasileiro. Devido às dificuldades naturais oriundas
da falta de domínio da língua portuguesa, o missionário desenvolveu suas atividades
inicialmente como pregador do evangelho em navios da Baía de Guanabara e nas
residências de alguns estrangeiros. Em 22 de abril de 1860, finalmente o missionário
conduziu seu primeiro culto em português. No curto espaço de 3 meses, através da
chegada do missionário Alexander Blackford, juntamente com sua família, Simonton
passa a ter um auxiliador para seu trabalho.
Discorrendo sobre o papel de Simonton na relação com a religião dominante
do campo religioso, Mendonça (1995, p.83) informa que: “não se nota nele espírito
abertamente polêmico, mas intenção proselitista, conversionista e exortativa para os
fiéis de sua Igreja no sentido de consolidar neles os princípios distintivos da nova fé
que haviam abraçado”. No mesmo contexto dessa exposição, o autor apresenta o
conteúdo da ideologia de Simonton que era transmitida para os adeptos de sua
religião, em “tom exortativo”, segundo a leitura feita por Mendonça53. Assim, ele se
expressa:

Simonton chama a atenção de seus fiéis para a falsa segurança que o


seguir a religião da maioria confere, principalmente porque ela não está
estruturada sobre o conhecimento dos fundamentos da fé, mas sobre os
costumes e sobre o rito inconsciente do batismo. Os hábitos e o
desconhecimento da Bíblia é que conduzem às exterioridades da sua
prática religiosa que não conduzem a nenhum consolo ou conforto na
morte e nas vicissitudes da vida. Religião que não dá segurança
(imortalidade) e consolação de nada serve. Então, a melhor religião não é
a da maioria, mas a que tem os elementos de acesso à verdadeira
salvação e está ao alcance de todos. As penitências pelo sofrimento
corporal voluntário atemorizam as pessoas mais débeis e as dispendiosas
providências funerárias tornam-se só acessíveis aos ricos. O temor de um
Deus cruel e vingativo deixa as pessoas aterrorizadas com a vida futura e
lança-as às superstições e à gerência de homens que fazem da religião
meio de vida e negócio. Em resumo, com toda a prudência, mas com
clareza, Simonton vai construindo nos seus sermões a figura que ele tinha
da Igreja Católica. (MENDONÇA,1995, p. 83)

53
Segundo Mendonça, para Simonton o catolicismo ainda se constituía em: “uma religião cristã só de
nome, distante de suas origens, mitológica, mais propícia aos ricos, contraditória, mantida por um
cerimonial externo e responsável por boa parte da irreligiosidade reinante na sociedade e que
caracterizava a Igreja Católica pelas facilidades que oferecia aos seguidores era a religião da maioria”.
(1996, p. 84)
119

Em face do exposto, nossa interpretação é outra, entendemos que a


agressividade do pensamento de Simonton não deve ficar restrita apenas à
interpretação de “clareza” na exposição da sua ideologia religiosa. Ao destacar que “a
religião da maioria da população não estava estruturada sobre o conhecimento dos
fundamentos da fé, mas sobre os costumes e sobre o rito inconsciente do batismo”;
entendemos, sociologicamente, que esse é o comportamento daquele gestor dos
bens de salvação que objetiva modificar as representações e práticas, inculcando nos
seus ouvintes um novo habitus religioso, que pode também ser interpretado como
sendo o processo de proselitismo, em que o indivíduo tem o ajustamento de sua
visão política do mundo social. Portanto, nossa compreensão caminha na direção de
que a luta pelo monopólio, nesse caso religioso, expressa-se na concorrência pela
legitimidade do controle da formulação ideológica e da aplicação dessa ideologia.
E mais, ao dizer que a “melhor religião não é a da maioria, mas a que tem os
elementos de acesso à verdadeira salvação e está ao alcance de todos”, verifica-se
aí o discurso do concorrente, ou seja, a demonstração do interesse na
dessacralização do “sagrado” para o estabelecimento de uma nova ortodoxia. E,
evidentemente, o protestantismo do qual Simonton era representante, podemos
supor, propunha-se a ser a expressão substitutiva da falsa religião, constituindo-se os
missionários americanos como legítimos representantes do “sagrado”. É
precisamente isso que (BOURDIE U, 2005, p. 33) chama de Alquimia ideológica, ou
seja, é a “transfiguração das relações sociais em relações sobrenaturais, inscritas na
natureza das coisas e, portanto, justificadas”.
A partir de 28 de setembro de 1864, soma-se ao lado de Simonton um novo
cooperador na empreitada de desqualificar a religião oficial no Brasil. Trata-se do ex-
padre José Manuel da Conceição, ordenado pastor presbiteriano em dezembro de
1865. Em 1881, outro brasileiro, cooptado pelos missionários presbiterianos, foi
ordenado pastor, tratava-se de Eduardo Carlos Pereira. Acerca do primeiro, o ex-
padre Conceição (MENDONÇA, 1995, p.86) escreve: “depois de ordenado pastor,
dedicou-se a visitar e revisitar suas antigas paróquias a fim de corrigir seus
ensinamentos passados e apresentar uma nova mensagem religiosa”. (MENDONÇA,
1995, p. 83), ainda faz menção ao referido ex-padre no sentido de mostrar seus
“remorsos de ter sido padre, de ter praticado e deixado a idolatria da hóstia e das
imagens e de haver pastoreado almas para o erro”.
120

A respeito do segundo, Eduardo Carlos Pereira, ator social perspicaz e que,


sociologicamente, soube canalizar seus impulsos pelo exercício do poder dentro da
missão presbiteriana no Brasil, utilizando-se, inclusive, quando oportuno lhe parecia,
lançar mão da maçonaria como bode expiatório de suas pretensas intenções por uma
Igreja Presbiteriana independente da Missão norte-americana 54, que sustentava os
missionários no Brasil. De uma forma ou de outra, Eduardo Carlos Pereira constituiu-
se em um personagem importante para auxiliar no processo de descaracterização da
importância da Igreja Católica.
Para a propaganda protestante presbiteriana, em 1883, Eduardo fundou a
Sociedade Brasileira de Tratados Evangélicos e, segundo MENDONÇA (1995, p. 87)
“dos dezessete folhetos publicados, deles sendo distribuídos mais de noventa mil
exemplares, foi o autor de nove”. E Mendonça (1995) ainda nos oferece a relação dos
títulos dos referidos folhetos: “Culto dos santos e dos anjos, O único advogado dos
pecadores, Um brado de alarma, Trabalho e a economia ou a Felicidade de Deus, o
Nosso Pai nos céus, Aventura da Virgem Maria e assim por diante”, tais folhetos
visavam, na sua maioria, a combater a doutrina católica55.
Na mesma linha propagandista dos ideais protestantes no Brasil, Eduardo
Carlos Pereira, juntamente com Bento Ferraz e Joaquim Alves Corrêa, fundou o
Jornal “O Estandarte” em 7 de janeiro de 1893. Na prática, esse jornal substituiu outro
jornal protestante, a Imprensa Evangélica, que fora fundado em 5 de novembro de
1864. Nas mãos dos presbiterianos, entre outros protestantes preocupados em
cristalizar, através do discurso suas ideologias religiosas, esses jornais56 foram um
canal facilitador para tal intenção.

54
Referimos-nos à cisão ocorrida na Igreja Presbiteriana em 31 de Julho de 1903. Fato bem documentado
pela historiografia protestante no Brasil, em que Eduardo Carlos Pereira lançou mão da maçonaria como
um dos componentes que acabariam por levar à divisão da Igreja, surgindo, a partir daí, a Igreja
Presbiteriana Independente do Brasil.
55
Além desses três propagandistas protestantes, houve as controvérsias entre o padre Julia Maria com o
pastor presbiteriano Álvaro Reis, sendo que o primeiro havia pronunciado discursos contra o
protestantismo e recebeu respostas de Álvaro Reis e mesmo de Eduardo Carlos Pereira. Indicamos
Mendonça (1995, p.90-93) como referência para conhecer tal controvérsia. Pelas razões já expostas no
início deste trabalho, não estamos também apresentando como os missionários de outras denominações
protestantes comportaram-se diante do tema que nos ocupa neste tópico. No entanto, salvo melhor juízo,
não há razões plausíveis para se acreditar que tenha havido diferença na atitude de ataque ao catolicismo.
56
Além da “Imprensa Evangélica”, do jornal “O Estandarte”, outros jornais que se constituíram em
mecanismo de divulgação das doutrinas presbiterianas foram: “O Púlpito Evangélico” fundado em 1874,
pelo Reverendo Emanuel Varnodem em São Paulo, teve o seu encerramento em 1875. No mesmo ano de
1875, o Reverendo Varnodem fundou outro jornal “O Pregador Cristão” que permaneceu ativo por dez
anos. No ano de 1870, foi fundado o jornal “O Novo Mundo” por José Carlos Rodrigues, esse jornal, já
citado neste estudo, circulou por 9 anos, tendo a particularidade de ser publicado em Nova Iorque. “O
121

Através desse canal de comunicação, entre outros, como as prédicas


proferidas geralmente por esses missionários, os protestantes apontavam as heresias
e distorções da teologia ensinada pelo catolicismo. Não nos cabe aqui entrar no
mérito dessa questão teológica, nem emitir juízo de valor sobre esse aspecto, apenas
constatar a intenção protestante de desqualificar o catolicismo e, também, como bem
documenta Leonard (2002), apontar a decadência moral do clero.
O pensamento de Bourdieu (2005), aplicado à situação em estudo, oferece-
nos uma compreensão mais ampla das razões motivadoras do discurso subversivo e
das estratégias da minoria protestante recém-chegada, forçando os dominantes
católicos a saírem do silêncio para a reafirmação de sua ortodoxia.

Aqueles que, num estado determinado da relação de força, monopolizam


(mais ou menos completamente) o capital específico, fundamento do poder
ou da autoridade específica característica de um campo, tendem a
estratégias de conservação - aquelas que nos campos da produção de
bens culturais tendem à defesa da ortodoxia -, enquanto os que possuem
menos capitais (que freqüentemente são também recém-chegados e,
portanto, na maioria das vezes, os mais jovens) tendem às estratégias de
subversão - as da heresia. É a heresia, a heterodoxia, enquanto ruptura
crítica, frequentemente ligada à crise, juntamente com a doxa, que faz com
que os dominantes saiam do silêncio, impondo-lhes a produção do
discurso defensivo da ortodoxia, pensamento “direito” e de direita, visando
a restaurar o equivalente da adesão silenciosa da doxa. (BOURDIEU 1983,
p. 91)

Em face da tentativa protestante de desconstrução da realidade estabelecida,


a Igreja Católica, concorrente direta, posicionou-se na defesa de sua ortodoxia e
status quo. A seu favor, em nível constitucional, a igreja possuía o amparo da lei que
lhe salvaguardava o status de religião oficial da nação, conforme já estudado57.

Puritano”, fundado em 1900; “O Pregador Cristão” em 1877/1887; o jornal “Presbiteriano Conservador”


sabe-se que foi criado em São Paulo, mas não localizamos a data, ficando apenas a informação de que
durou por 2 anos. E finalmente o jornal “Salvação da Graça” 1875/1876. Desses jornais, destacamos o “O
Estandarte”, que existe até hoje e que ficou nas mãos do grupo dissidente do presbiterianismo norte-
americano, encabeçado por Eduardo Carlos Pereira, em 1903. Socialmente falando, tem servido para
comunicações internas da Igreja, anúncios necrológicos, casamentos, além de uma coluna intitulada
sugestivamente: “Casos Pitorescos”. Para mais informações sobre a Imprensa Evangélica, sugerimos
Sodré, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil, 2a ed. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
57
Na abordagem a respeito da Igreja Católica na época do Império, Mendonça documenta que, já em
1823, quando a aprovação da abertura e a respeito à presença de religiões não católicas no Brasil, no
congresso entre “os noventa constituintes, dezenove eram padres” (Mendonça, 1995, p.26). Embora
aprovada relativa abertura para religiões acatólicas, a Igreja oficial do país continuaria a ser o catolicismo.
122

Estava estruturada no Brasil, desde o período da colonização, embora com falta de


especialistas/ funcionários58 religiosos, reprodutores do seu discurso em algumas
regiões do país, contudo, eles eram enormemente superiores à minoria protestante. A
partir de Leonard (2002), temos uma sobeja documentação sobre as reações da
Igreja Católica contra os propagandistas presbiterianos e também das demais
denominações protestantes no Brasil que iam desde as controvérsias teológicas até
ao apedrejamento e queima de templos em alguns casos. O nordeste foi a região do
país onde esse conflito foi mais acentuado. Contudo, nota-se também na região
sudeste, como em São Paulo tal oposição. Um exemplo está no fato de que houve
em: “1884, em São Paulo: protestos da imprensa e tumultos contra a edificação, na
rua 24 de Maio, do templo da Igreja Presbiteriana, que não guardava a discrição
exigida pela Constituição de 1824. Entretanto, o templo ali foi construído tal como se
planejara” (LEONARD 2002, p.123).
Aos ataques da Igreja Católica que avolumavam, seja pela imprensa, seja
pelos seus seguidores espalhados por várias cidades e Estados do país; o
protestantismo respondia empregando esforço no sentido de apontar “os erros do
ramanismo, tais como idolatria, negligência na difusão e leitura da Bíblia, ignorância e
superstição do povo católico e imoralidade do clero” (REILY, 1984, p.223-224).
Em termos gerais, a segunda parte do século XIX foi marcada por um estado
de agitação na vida brasileira nos aspectos políticos, religiosos e sociais. Os
interesses em jogo naquele campo podendo ser divididos em sub-campos tais como:
maçonaria, protestantismo, Igreja Católica, partido republicano, Império, grupo dos
fazendeiros e escravos, eram múltiplos. Diante desse estado de coisas, nosso papel
foi o de descrever tal processo e buscar entendê-lo sob a perspectiva sociológica de
que o Poder era o centro da disputa, uma vez que o fator determinante para a vitória
dentro de qualquer campo é obtida pelo poder e não pela verdade, seja ela
doutrinária ou prática. No caso em estudo, os inimigos a serem combatidos eram a
Igreja e o Império. Nessa luta, entendemos que o protestantismo lançou mão, quando
interessante lhe parecia, do beneplácito da maçonaria e dos republicanos e deixou-se
usar por eles numa espécie de “desinteresse interessado” e vice-versa.

58
O conceito de funcionários e especialistas religiosos é utilizado por Bourdieu (2005) para designar
personagens que, na estrutura de poder, no caso, do campo religioso, agem no sentido da manutenção do
capital simbólico. Não são produtores de capital, são apenas reprodutores do capital.
123

O desfecho final daquele denso processo ocorreu com a Proclamação da


República, em 15 de novembro de 1889, estabelecendo, assim, uma nova
configuração no campo social do país, no qual o Poder saiu das mãos tanto do
Império como da Igreja. Com a República estabelecida, Dom Pedro e o Império saem
de cena. A Igreja que ostentava o status de religião oficial “perde a batalha”59. A
escravidão havia sido abolida. Os rumos do país estavam agora nas mãos dos
políticos republicanos que contaram, direta ou indiretamente, com a participação da
maçonaria e do protestantismo no processo de descentralização do poder.
A transcrição do Decreto de número 119-A, de 7 de Janeiro de 1890, assinado
pelo marechal Manoel Deodoro da Fonseca, chefe do governo provisório da
República dos Estados Unidos do Brasil, constituído pelo exército e armada, por si
sintetiza e descerra nossa discussão sobre a religião protestante, apontando
claramente para os benefícios que a República trouxe para o protestantismo
consolidando, legalmente, a liberdade religiosa e outros espaços no campo social
brasileiro, entre eles, o campo da educação, que será estudado subsequentemente:

“Artigo 1. – É proibido á autoridade federal, assim como à dos estados


federados, expedir leis, regulamentos ou atos administrativos,
estabelecendo alguma religião, ou vedando-a e criar diferenças entre os
habitantes do país , ou nos serviços sustentados à custa do orçamento, por
motivo de crenças ou opiniões filosóficas ou religiosas. Artigo 2. – A todas
as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu
culto, regerem-se segundo sua fé e não serem contrariados nos atos
particulares ou públicos, que interessem o exercício deste decreto. Artigo 3
– A liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos nos atos
individuais, senão também as igrejas, associações e institutos em que se
acharem agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e
viverem coletivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem
intervenção do poder público. Artigo 4 – Fica extinto o padroado com
todas as suas instituições, recursos e prerrogativas. (grifo nosso).
Artigo 5 – A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a
personalidade jurídica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os
limites postos pelas leis concernentes à propriedade do mão-morta,
mantendo-se cada uma a domínio de seus haveres atuais, bem como dos
seus edifícios de culto. Artigo 6 – O governo federal continua a prover à
côngrua, sustentação dos atuais serventuários do culto católico e
subvencionará por um ano as cadeiras dos seminários; ficando livre a cada
estado o arbítrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto,
sem contravenção do disposto nos artigos antecedentes. Artigo 7 –
Revogam-se as disposições em contrário. (REILY, 1984, p. 225-226)

59
As aspas são necessárias porque,como se sabe, a Igreja continuaria ainda exercendo certo poder dentro
do campo, embora não mais com a mesma força e intensidade de então. Duncan Reily nos dá informações
adicionais sobre este ponto, em sua obra “História documental do protestantismo no Brasil”, entre as
páginas 223-236.
124

Em face da liberdade religiosa estabelecida, entretanto, a religião protestante


não teve relevância nas esferas da elite econômica daquela sociedade. “Os
historiadores do protestantismo brasileiro fazem referência a alguns barões do
Império que manifestaram simpatia pela ideologia protestante, mas não se encontra
em nenhum deles, nem em outro lugar qualquer, registro de que algum deles tenha
sido admitido numa igreja protestante” (MENDONÇA, 1995, p. 122-123).

5.8 A EDUCAÇÃO PROTESTANTE

Como constatado neste estudo, o sistema educacional existente, antes e


durante a instalação do protestantismo no Brasil estava sob a direção dos jesuítas.
Com a Reforma Pombalina, em 1759, o antigo sistema educacional, entretanto, não
foi alterado nem quantitativa nem qualitativamente pelo fato de haver vários
empecilhos que iam desde a ausência de professores capacitados até a falta de
material didático e recursos econômicos suficientes para manter uma educação
pública de qualidade. Na prática, a tentativa de uma reforma do sistema não
apresentou uma proposta suficientemente substitutiva à jesuítica.
A perspectiva da maçonaria e dos republicanos no tocante ao papel da
educação, conforme registra MESQUIDA (1994, p. 125) era:

Os intelectuais e homens políticos brasileiros da segunda metade do


século XIX, sobretudo os do Oeste da Província de São Paulo e do
Sudeste de Minas Gerais, liberais, republicanos, positivistas, anticlericais,
tinham apesar de algumas diferenças de ponto de vista políticos, um elo
em comum: sua filiação maçônica e, em conseqüência, sua fé comum no
papel social e político da educação. Juntos, eles analisavam o contexto
nacional e decidiam as estratégias políticas a seguir. As lojas maçônicas
eram suas fortalezas e suas frentes de combate, os centros de difusão de
suas idéias .

Perante a crise do sistema educacional e a compreensão tanto de maçons


como de republicanos de que a educação tem um papel social e político, a proposta
de ensino norte -americana, calcada na tríplice dimensão de que a educação tem de
125

ser pragmática, munir o indivíduo dos conhecimentos que assegurem sua cidadania
e, finalmente, uma educação que esteja a serviço da república, conforme estudamos
na segunda seção de nossa pesquisa, constituiu-se em uma alternativa. Nesse
sentido é que a educação liberal praticada nos colégios protestantes, de forma
crescente a partir das últimas décadas do século XIX, obteve guarida, apoio,
facilidades e incentivo interessado das elites liberais brasileiras.
Nas origens da educação protestante no Brasil, os presbiterianos constituíram-
se pioneiros60, seguidos pelos metodistas. A prática pedagógica dos colégios
protestantes em geral, não apenas presbiterianos, mas também metodistas, era
baseada no método indutivo, intuitivo ou lição das coisas. Conforme destaca Vieira
(2003, p. 38), “foi o método pedagógico (...), que tinha como característica principal
levar a criança ao desenvolvimento de suas faculdades mentais através da
observação, a grande atração dos colégios norte-americanos”. (...). E os fundamentos
teóricos da educação protestante “advinham de Horace Mann e Pestalozzi 61”.
A influência exercida pelo sistema educacional presbiteriano pôde ser
percebida, por exemplo, em São Paulo, na “Reforma da Instrução Pública e da Escola
Normal”, por Caetano de Campos, com a singular participação das educadoras
presbiterianas, Miss Márcia P. Browne e Maria Guilhermina Loureiro de Andrade,
conforme Hack (1985) tem apontado.
Para uma idéia mais ampla das realizações dos presbiterianos no campo da
educação, face ao apoio político encontrado, atraindo até mesmo a admiração do
Imperador Dom Pedro62, é que HACK (1985, p. 182-183) registra como contribuições

60
O primeiro centro educacional protestante criado no Brasil pelos missionários presbiterianos, dada sua
fundação de 1869, pelo Reverendo Nash Morton, trata-se do colégio internacional na cidade de Campinas,
em cujas salas de aula freqüentavam os filhos da elite de Campinas. Posteriormente transferido de
Campinas para Lavras, mais tarde veio a chamar-se Instituto Gammon, numa homenagem ao seu líder, o
Rev. Samuel R. Gammon (1865-1928). A partir de 1864, com a chegada ao Brasil do missionário George
W. Chamberlain, sua esposa dá início uma sala de aula que funcionava na sua própria casa, daí, surgiria o
Mackenzie College, conhecido atualmente como Universidade Mackenzie. A primeira escola evangélica do
nordeste foi o Colégio Americano de Natal (1895), fundado por Katherine H. Porter, esposa do Rev. William
C. Porter. A origem da escola metodista data de 1881, praticamente concomitante à presbiteriana.
61
Johann Heirich Pestalozzi (1746-1827), pedagogo suíço considerado precursor do movimento de
renovação escolar conhecido como “Escola Nova”, e Horace Mann (1796-1858), conhecida liderança do
movimento pela educação pública nos Estados Unidos da América, no século XIX.
62
“O jornal do Comércio”, de 3 de outubro de 1878 e a “Reforma”, órgão oficial do Partido Liberal, de 5 do
mesmo mês, ambos do Rio de Janeiro, noticiaram amplamente a visita do Imperador à Escola Americana.
“A Imprensa Evangélica”, órgão oficial da Igreja Presbiteriana, registraram uma visita feita por Dom Pedro
às instalações do Colégio Americano, dirigido por presbiterianos e que viria a tornar-se a atual
Universidade Mackenzie, em São Paulo.
126

educacionais do Mackenzie, no período histórico de 1879 a 1930, os seguintes


pontos:

A) Curso primário com pedagogia moderna, usando-se o método intuitivo,


b) introdução de atitudes liberais, com respeito à raça, religião e idéias
políticas, c) Primeira Escola do Comércio (1890), visando à preparação de
pessoal para atender à necessidade de contabilidade moderna nas
empresas do país, d) Curso Geral Preparatório (1896), separado por áreas
de interesse dos alunos. O que viria muito mais tarde a ser adotado no
Brasil, e) abertura de cursos de química industrial e de eletrotécnica, no
ensino técnico, f) a organização e adoção de esportes, em forma
obrigatória e sistemática, introduzindo novas modalidades de prática no
Brasil (por exemplo, o basquetebol), g) atividades extracurriculares, com
grupo orfeônico, grupo orquestral, teatro, cinema, h) organização moderna
de biblioteca com o uso do sistema Dewey de catalogação.

Temos o entendimento de que os historiadores do protestantismo, de forma


geral, já têm acumulado um significativo acervo de informações sobre os
acontecimentos que marcaram a presença da educação protestante no Brasil,
referimo-nos a autores como: Mendonça (1995), Reily (1984), Mesquida (1994),
Leonard (2002) e Gomes (2000). O último traz interessantes contribuições do
Mackenzie, como seu papel na formação do empresariado em São Paulo. Destaca-se
ainda, outras contribuições trazidas por monografias, dissertações e teses
apresentadas em várias universidades brasileiras, como é o caso da recentemente
tese de doutorado defendida por Romero (2006), abordando aspectos relacionados a
presença do protestantismo na “Reforma Caetano de Campos – 1890”.
O que mais nos interessa frente aos fatos históricos que mostram a instalação
dos colégios presbiterianos com sua metodologia de ensino, com seus educadores/as
habilitados/as, com a ideal localização geográfica dos colégios, com o apoio das
elites políticas e com a contribuição exercida pelos educadores/as nas reformas da
educação e na sociedade de forma geral, é que, por intermédio desses espaços
educativos, os missionários americanos criaram um campo de irradiação do
conhecimento e, no bojo disso, dos esquemas culturais norte -americanos.
Quando Bourdieu (2005) elabora sua teoria do campo religioso, estabelecendo
as regras do seu funcionamento, é bom lembrar que, guardadas as especificidades
de cada campo em análise, como o religioso, por exemplo, as regras gerais de
127

funcionamento são invariantes e aplicam-se a qualquer outro campo, contudo o que


muda é o tipo de capital que se tem no centro dos processos de luta pela posição de
dominação. Nesse sentido, ao entrarmos na discussão do campo da educação
presbiteriana, estamos agindo com a mesma lógica bourdiana que empregamos no
estudo do campo religioso.
Bourdieu (2005), escrevendo a respeito dos sistemas de ensino e sistema de
pensamento, surpreende-se com Durkheim e com a maioria dos autores que veio
depois dele abordando a sociologia do ensino, por não terem considerado a função
de “integração cultural (lógica) da instituição escolar”. A estranheza de
(BOURDIEU, 2005, p. 205) nascia do seguinte questionamento:

“Será que os esquemas lingüísticos e de pensamento transmitidos


pela escola, (grifo nosso) como, por exemplo, aqueles que os
tratados de retórica designavam como figuras de palavras e figuras
de pensamento, cumprem ao menos para os membros das classes
cultivadas a função dos esquemas inconscientes que organizam o
pensamento e as obras dos homens das sociedades tradicionais, ou
então, as condições em que são transmitidos e adquiridos fazem
com que só cheguem a operar ao nível mais superficial da
consciência?”

Diante da questão, o autor pondera que, se é verdade que a especificidade


das sociedades dotadas de uma cultura erudita (cultura acumulada e cumulativa)
reside no fato de que dispõem de instituições especialmente organizadas a fim de
transmitir, explícita ou implicitamente, formas de pensamento explícitas ou implícitas
que operam em níveis diferentes da consciência, pode-se, dessa forma indagar se a
sociologia da transmissão institucionalizada da cultura não constitui, pelo menos
através de um de seus aspectos, um dos caminhos e dos mais significativos da
sociologia do conhecimento.
O pensamento de Bourdieu (2005) está orientado na direção de compreender
o papel da escola, enquanto instituição organizada, como espaço de integração
cultural. Nesse sentido, pontuamos que os educadores/ religiosos presbiterianos
estavam de posse de um significativo montante de capital simbólico, no caso,
referimo-nos ao know how no campo da educação, gozando ainda do apoio das elites
políticas do país. É dentro dessa configuração que encontraram espaço, através de
128

suas escolas, para operar o processo de inculcar um novo habitus na parcela da


sociedade envolvida com sua educação, redefinindo, portanto, sua cosmovisão e
fazendo deles reprodutores das regras estruturadas de funcionamento do campo no
qual eles tinham o senso de pertencimento, nesse caso, o campo da produção do
conhecimento/ colégios.
Por meio do canal religioso e dos colégios, os presbiterianos divulgavam o seu
pensamento e cosmovisão, mas também imprimiam um modus vivendi, baseado em
hábitos, condutas sociais e valores, geralmente tematizados na perspectiva religiosa
e no “modo americano de vida”, como por exemplo: a) no combate ao uso do álcool e
do tabaco, bem como à prática dos jogos de azar; b) nas regras de higiene e saúde
preventiva pela prática de esportes; c) nas regras restritivas de certos divertimentos;
d) nos modos de administrar as finanças e o patrimônio, orientado ao trabalho
intenso, à poupança regular e à acumulação de capital; e) nos modos de trajar, falar e
comportar-se em público; f) na exigência da leitura e no estímulo à intelecção.
Pela mediação de seus colégios, considerando o seu papel de “integração
cultural”, os presbiterianos conseguiriam, parece plausível essa afirmação, exercer
um nível de influência significativo dentro de uma parcela da sociedade brasileira,
primeiro porque encontraram condições favoráveis para tal, segundo porque traziam
consigo um tipo de capital simbólico que correspondia à demanda existente no campo
da educação e atendiam aos interesses das elites e da sociedade de forma geral.
Dessa maneira, dentro da delimitação histórica desta pesquisa, e da suspeita
desencadeadora deste estudo, ou seja: se os protestantes e, mais especificamente
os presbiterianos, conseguiram exercer influência na sociedade brasileira, podemos
dizer que, pelo menos no campo da educação, a resposta é afirmativa. Se essa
influência deve ser compreendida numa perspectiva positiva ou negativa e se ela
trouxe desdobramentos maiores para a história da educação brasileira, é algo que
transcende os limites deste estudo. A pergunta que continua pairando é: Dentro do
quadro de resultados obtidos pela educação presbiteriana, houve a inclusão dos
escravizados? Esse aspecto será tratado no tópico subseqüente.
129

5.9 PROTESTANTISMO E A ESCRAVIDÃO

O presbiterianismo não teve, no Brasil, uma posição de combate à escravidão.


Não estamos referindo-nos casos específicos e isolados de escravos que foram alvo
da atenção deste ou daquele missionário, muito menos desta ou daquela igreja
presbiteriana isolada em algum local do Brasil no final do século XIX, muito menos
deste ou daquele missionário de orientação ideológica abolicionista. Estamos
pensando, objetivamente, em um projeto de ação presbiteriana, semelhante ao
ocorrido no campo da educação, que viesse ter representado alguma contribuição
significativa ao lado dos movimentos abolicionistas. Não encontramos registros de
que tenha havido tal investimento dos presbiterianos nesse campo.
Não há dúvidas de que houve missionários abolicionistas, como o caso do
presbiteriano Simonton. Barbosa (2002) chega a intitulá-lo como “O abolicionista
Simonton”. Contudo, sua voz era única e não representava nenhum projeto maior da
missão à qual ele pertencia no envolvimento com esse latente tema da sociedade
brasileira. Além disso, mesmo no nível individual, não há registros de que a voz do
mencionado abolicionista tenha obtido alguma relevância naquela sociedade.
Outro caso propalado de presbiteriano abolicionista é o de Eduardo Carlos
Pereira que divulgou na Imprensa Evangélica de 1886, um artigo intitulado “A religião
cristã em suas relações com a escravidão”, em que o referido autor condenava a
escravidão e pretendia ainda convencer os seus co-sectários acerca da
incompatibilidade existente entre a moral cristã e a propriedade servil. Chega até
mesmo a confessar, pasmo diante da atitude apática de outros pastores, que não
utilizavam a tribuna das suas prédicas para a campanha contra o cativeiro. O artigo
de Eduardo Carlos Pereira é bem ilustrativo no que se refere ao distanciamento
existente entre os missionários e pastores nacionais com o problema da escravidão, e
ajuda-nos a sustentar a afirmação inicial de que não havia um projeto
emancipacionista dos presbiterianos.
Ao contrário, o que encontramos são informações de que o presbiterianismo,
institucionalmente, à semelhança da Igreja Católica, transigiu com a eliminação da
escravidão e foi conivente com aquele sistema de produção basicamente fundado no
trabalho servil. Se, em algumas regiões distantes da capital, algum presbiteriano
tenha, isoladamente, se engajado na luta abolicionista, na capital do Império,
130

entretanto, “os mais conhecidos pastores procediam como o geral dos padres
católicos: temiam comprometer os interesses do culto, receavam a afastar os crentes,
se se pronunciassem decisivamente contra a posse de escravos”. (GOMES, 1986, p.
240).
A bibliografia que trata da relação entre protestantismo e escravidão é ainda
muito restrita, e acreditamos que uma das razões que justifica tal ausência deve-se,
justamente, pela falta de fontes que possam comprovar que o presbiterianismo tenha
desenvolvido uma atividade abolicionista consistente. Nesse sentido, o trabalho de
Barbosa (2002) é uma das poucas tentativas de escrever a história do protestantismo
com a escravidão. Mesmo nesse caso, as conclusões a que chega o referido autor
são as de que, em primeiro lugar, para o protestantismo em fase de instalação no
Brasil, assumir um posicionamento diante do problema poderia representar
dificuldades para a consecução de seus ideais de inserção dentro do campo religioso
brasileiro.
Outros dois aspectos que ainda são apontados e acabaram colocando o
protestantismo de forma geral, incluindo o presbiterianismo, evidentemente, numa
posição de distanciamento do problema, trata-se daquilo que o autor chama de
tendência conservadora do protestantismo que o levava a fazer distinção entre as
questões próprias do mundo contingente com as questões espirituais. A grande
preocupação do protestantismo, evidentemente, recaía sobre as questões espirituais,
ficando as temporais relegadas a outro plano. O último ponto apontado pelo autor é
que a ação dos protestantes em relação à escravidão foi a de buscar a integração do
negro para dentro da cultura religiosa protestante, mas isso não representava um
engajamento na luta pela sua e mancipação.
No ano de 2001, quando se avolumava na sociedade o debate sobre as quotas
para negros nas universidades brasileiras, nascia nosso interesse por saber se o
protestantismo, nas suas origens com forte ênfase na educação, tinha legado para a
história de nossa nação alguma contribuição relevante face aos problemas que
sempre permearam a vida dos afro-descendentes em nosso país. Até o dado
momento, o nosso desconhecimento sobre esse assunto era total. Começamos,
desse modo, a buscar fontes que pudessem nos auxiliar no conhecimento desse
problema. As pesquisas iniciais foram todas insatisfatórias. Surgia, então, pela
mediação do missionário presbiteriano norte-americano Richard Willian Irwin, o
conhecimento de que na cidade de Philadelphia, nos Estados Unidos, havia um
131

centro de documentação da Igreja Presbiteriana onde estavam armazenados


documentos sobre as atividades que os primeiros missionários estavam
desenvolvendo, tratava-se de cartas e relatórios descritivos de suas ações no Brasil.
Despertamos, a partir desse momento, para o fato de que ali poderia haver
fontes, nesse caso primárias, que pudessem nos auxiliar na busca de informações
que ajudassem a adquirir uma compreensão maior sobre o tema. Nesse sentido, com
o apoio da Fondation Pour L´ Aide Protestantisme Reforme, órgão vinculado ao CMI
(conselho mundial de Igrejas) fixado em Genebra, na Suíça, e com o apoio da
Presbyterian Church, viajamos para os Estados Unidos com a finalidade de consultar
tais documentos.
Realizamos nossas pesquisas naquele centro de documentação e a
constatação que fizemos foi a de que, pelo menos naquele centro de documentação,
não há provas capazes de justificar que o presbiterianismo no Brasil tenha tido algum
tipo de engajamento com o tema da escravidão. Nossa pesquisa, naquele centro,
ficou delimitada ao ano de 1859 até o final do século XIX. Dos inúmeros relatórios ali
armazenados, não há senão uma carta datada de 5 de junho de 1888 e escrita pelo
missionário H. M. Lane, em que o redator apresenta, em sua correspondência, três
assuntos, quais sejam: a) Request daughter be sent to field – Slavery is finally
abolished e Speaks of the work of Rev. Braga. (LANE, 1887-1889, Vol. II). (Pedido
de envio da filha para o campo – entenda-se campo missionário –, a escravidão é
finalmente abolida e fala do trabalho do reverendo Braga).
Se considerarmos a data de 1859, quando a missão presbiteriana inicia suas
atividades no Brasil, até a data de 1888, quando a abolição ocorreu, logo nos causa
surpresa não termos encontrado documentos que pudessem abordar o tema da
escravidão. O silêncio dos missionários presbiterianos preponderou durante todo
esse período.
Para nós, essa constatação de silêncio é relevante no sentido de evidenciar a
ausência de envolvimento dos missionários com um tema que era pauta em muitos
segmentos da vida social brasileira. O que encontramos, com facilidade, foram
relatórios financeiros enviados pelos missionários somando um grande volume, bem
como de cartas que informavam a Igreja americana sobre o andamento do trabalho
missionário de evangelização e do projeto educacional por eles desenvolvido no
Brasil, mas a respeito das questões emancipacionista há um substancial vazio de
informações.
132

Se institucionalmente, no campo religioso, o presbiterianismo não apresentou


nenhuma posição clara contra a escravidão, isso se aplica ao campo da educação. A
razão dessa falta de inclusão dos personagens sociais escravos ou ex-escravos no
campo educacional dos presbiterianos deu-se, entre outros aspectos, porque, como
diz Mendonça (1987), existem certas evidências de que as missões se encaminharam
às classes dirigentes e capazes de modificar a configuração social do país
”restringindo assim seu projeto educacional“ à educação para a elite e a
evangelização religiosa para a massa pobre. O que o protestantismo, de forma geral,
pretendia em relação à escravidão, pode-se dizer, era a integração, conversão e
educação do negro, mas isso para dentro da cultura protestante e não para sua
simples emancipação.
Portanto, a mesma dificuldade encontrada pela religião protestante para
penetrar no campo daqueles que detinham a dominação econômica, ocorreria no
campo composto pelos escravizados, “quanto ao segmento escravo, pouco se tem a
dizer no que se refere à propaganda protestante entre eles. Se a mensagem
protestante não teve acesso ao grande fazendeiro na casa grande, muito menos à
senzala” (MENDONÇA, 1995, p. 123).
Sendo assim, a imagem que construímos, no decorrer de nosso estudo a
respeito do tema da escravidão, é que a Igreja Católica era conivente, a maçonaria
tinha uma posição abolicionista, mas não chegou a fechar as portas de suas lojas
para os proprietários de escravos, o movimento republicano possuía uma opinião
dúbia sobre o tema, sobretudo, porque muitos dos membros do partido eram
proprietários de escravos e não foram favoráveis à abolição imediata, exigindo o
ressarcimento pela perda de seus escravos, numa clara defesa de seus interesses
econômicos. E, agora, o presbiterianismo não apresentando, institucionalmente,
nenhuma ação consistente que representasse contribuições significativas para a
extinção da escravidão.
De todos esses aspectos, de reconhecida importância para a história do Brasil,
resta-nos a constatação de que o poder foi determinante para não permitir que
aqueles que pertenciam ao campo das minorias, sem representação econômica e
intelectual, ficassem relegados ao simples campo de dominação.
133

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término do nosso estudo da atuação protestante no Brasil, pela vertente


presbiteriana, considerando-se as dimensões da educação e da escravidão como fios
que a nortearam, queremos salientar que, desde o início, tínhamos uma noção da
complexidade que nosso objeto de estudo estava envolvido. Ao chegarmos ao seu
término, estamos mais seguros não só das complexidades, mas também da
necessidade de adensamento de algumas discussões que foram estabelecidas.
Certamente, por si, esse fato desperta e fortalece a consciência de que não há uma
conclusão a ser construída nesse momento, o que podemos fazer é tecer algumas
considerações finais e, no futuro, continuar avançando na direção do aprofundamento
de alguns pontos da pesquisa.
No contexto das complexidades encontradas, trabalhamos com quatro pontos
que foram: o presbiterianismo, a sociedade brasileira, a educação e a escravidão.
Nossa intenção foi a de delimitar historicamente esses pontos, sempre preocupados
com a questão da logicidade e coerência entre eles; dessa maneira, fomos
avançando na pesquisa e tentando mostrar que eles se interligavam, formando o
nosso objeto de estudo.
Certamente, por si, cada um desses tópicos constitui-se em um objeto de
pesquisa no recorte histórico da segunda metade do século XIX. O fator que permitiu
o estabelecimento das conexões entre eles foi o auxílio teórico que emprestamos de
Bourdieu, a partir da sua teoria dos campos. De posse desse instrumental, buscamos
estudar a realidade social brasileira, do final do século XIX, como um campo onde os
quatro pontos mencionados anteriormente estavam presentes e tinham como núcleo
as relações de poder.
Para nós, o presbiterianismo, a Igreja Católica, o Império, a maçonaria, o
partido republicano e os escravos foram analisados como campos que, guardadas as
regras e características internas de funcionamento de cada um, tinham em comum a
luta pelo poder. E esse ponto comum mostrou-se com maior clareza pelo emprego da
teoria dos campos de Bourdieu que, como sabemos, tem esse tema como um fator
determinante para se compreender as relações dos atores sociais dentro dos campos
sociais. Caso contrário, talvez não conseguisse estabelecer os ligamentos da
discussão realizada.
134

Sobre a teoria de Bourdieu, dedicamos grande parte da primeira seção deste


trabalho para definir uma linha interpretativa de suas referências teóricas, de tal
maneira a nos permitir o desenvolvimento posterior dos estudos e evidenciar o
caminho que estávamos adotando. Logo em seguida, no percurso estabelecido, não
deixamos, em momento algum, de ler os fatos históricos produzidos pelas instituições
mencionadas sempre como realidades inseridas em campos e do poder que sempre
estava no centro dos jogos sociais e utilizado pelos dominadores para a manutenção
de seu status quo e, em alguns casos, servindo para processar a domesticação dos
dominados.
Foi com a construção desse olhar da realidade que, na segunda seção,
procuramos evidenciar o capital simbólico do protestantismo norte-americano. Para
tratar desse assunto, deparamo-nos com a necessidade de estudar a história dos
Estados Unidos, e essa tarefa mostrou-se árdua, exigindo uma série de delimitações
e abandono de informações que , embora importantes, poderiam nos conduzir para
um caminho sem saída, às vezes.
Assim, a partir do estudo da ideologia do Destino Manifesto, das questões
raciais, da educação e do desenvolvimento tecnológico vivido pelos Estados Unidos,
definimos os elementos que nos permitiram formatar as características do capital
simbólico que o presbiterianismo disponibilizaria direta ou indiretamente , quando
houve sua implantação na sociedade brasileira, uma vez que, para o ingresso na luta
pelo poder, os personagens sociais devem estar munidos de capital simbólico para
tanto, caso contrário, suas pretensões de dominação não alcançam êxito.
Na terceira seção, mostramos que a sociedade brasileira, com todas as suas
particularidades, apresentava-se estruturada religiosamente, tendo a Igreja Católica
como majoritária, exercendo influências em vários seguimentos do campo social da
nação.
Para o protestantismo norte-americano, de forma geral, esse era o inimigo a
ser combatido e nossa intenção foi a de bem caracterizá-lo, criando sua imagem e
alguns traços de seu poder de dominação. Constatamos que fatores diversos
concorriam para a solidez da estrutura católica romana no campo social do país,
primeiro porque o seu lugar de largada e quantidade de capital simbólico acumulado
era de grande volume e, segundo porque contava com uma legislação que lhe
oferecia um espaço de segurança. Foi esse o complexo quadro que os missionários
presbiterianos encontraram em sua instalação no Brasil.
135

Com a quarta seção, considerando já ter evidenciado que a Igreja Católica e o


Império eram instituições que corporificavam as estruturas estruturadas, exercendo
dominação e influências múltiplas dentro do campo social; contudo, havia algumas
fissuras indicativas de fragilidade daquela estrutura. Para nós, os problemas da
escravidão, da educação e da religião oficial representavam tais fissuras surgidas nas
estruturadas paredes da dominação existente até então, intensificando, assim, o
processo de enfraquecimento da hegemonia da Igreja Católica e sinalizando ainda
um momento de busca de novos caminhos e realidades diferentes da estabelecida.
Finalmente, a partir da quinta e última seção, mostramos as estruturas que
foram surgindo com a intenção de reestruturar o campo da dominação social,
deslocando, assim, o núcleo do poder das mãos da Igreja e do Império. Nessa
direção, estudamos o papel desenvolvido nesse processo pela maçonaria, pelo
partido republicano, pela recém-chegada religião presbiteriana, trazendo na bagagem
de seu capital simbólico a representação de uma nação desenvolvida, mas também
os seus métodos pedagógicos e colégios, notabilizando-se, enfim, por ser detentora
de uma educação avançada para a época e que atendia aos interesses das elites
intelectuais, políticas e econômicas do país. Interessou-nos ainda, a verificação do
tipo de relacionamento estabelecido entre o presbiterianismo com a escravidão.
A respeito do papel desenvolvido pela maçonaria no processo de
reestruturação das estruturas estabelecidas, verificamos que sua maior atuação se
deu através da luta contra a Igreja Católica, pelo debate que ficou marcado na
historiografia pertinente com o nome de “Questão Religiosa”.
Parece não haver meios para sustentar a idéia de que esse conflito tenha sido
fator determinante do enfraquecimento da dominação católica, segundo Vieira (1980,
p. 376) “religiosamente, o status quo foi mantido. Os bispos, especialmente o do
Pará, continuaram sua luta contra as irmandades dominadas pelos maçons”.
Fortalece a compreensão do parcial papel desenvolvido pela maçonaria, a partir da
questão religiosa especificamente, o fato de que o conflito tenha terminado de forma
a acomodar os interesses em jogo tanto pela igreja como pela maçonaria, sem o
derramamento de sangue.
Se, no plano da luta direta entre maçonaria e igreja, o conflito terminara sem a
promoção de uma mudança significativa do status da igreja, contudo, num cenário
mais amplo e na perspectiva do processo de enfraquecimento da dominação da
igreja, através do qual ela já vinha perdendo seu espaço, pode-se imaginar que o
136

papel da maçonaria, visto pelo viés da Questão Religiosa, obteve um grau de


representatividade no processo.
Um espaço em que o papel da maçonaria parece ter sido mais representativo
ocorreu no campo das lutas dentro do processo da abolição. Personagens de
reconhecida influência e representatividade, ligados à maçonaria, estiveram
imbricados nesse processo. Contudo, como verificamos, as lojas maçônicas não
chegaram a fechar suas portas para membros a ela ligados e que eram possuidores
de escravos. Sua maior contribuição deu-se no plano da fomentação das idéias
abolicionistas.
Em relação ao papel desenvolvido pelo partido republicano no processo de
reestruturação da dominação, percebemos que sua atuação se deu no plano político
como uma força que foi, paulatinamente, minando o poderio da dominação exercida
pelo império, culminando com a proclamação da República. Esse fato histórico
alterou o eixo da dominação e trouxe profundas conseqüências para a vida social da
nação.
No tocante ao tema da escravidão e da educação, o papel desenvolvido pelos
republicanos foi dúbio em relação à escravidão por não assumir um comportamento
abertamente abolicionista, entre outros aspectos, porque os interesses econômicos
de muitos dos seus correligionários confrontavam diretamente com a perda da mão-
de-obra, alterando, assim, o modo de produção até então sem ônus financeiro, e isso
porque muitos deles eram fazendeiros com altas condições econômicas.
A respeito da educação, eram favoráveis à retirada da condução do sistema
educacional da Igreja, propugnando uma educação secularizada e, portanto, fora da
ingerência dessa instituição. Para o partido republicano, a questão da educação
religiosa era algo que deveria ficar sob a responsabilidade de cada família, sempre
considerando sua opção religiosa.
Na introdução de nosso estudo, levantamos a hipótese de que não havia
evidências suficientes para sustentar que o protestantismo, de forma geral, tenha
logrado as condições necessárias, poder que pudesse representar uma capacidade
maior de influenciar a sociedade brasileira. Agora, após os levantamentos realizados,
queremos retomar essa hipótese no sentido de se verificar sua plausibilidade ou não.
Quanto ao papel desenvolvido pela religião protestante presbiteriana no
processo da reestruturação do poder, deve -se considerar que, basicamente sua
contribuição maior se deu no campo da educação. Religiosamente falando, o
137

presbiterianismo não obteve êxito nas camadas superiores da sociedade, tanto


intelectuais como da economia agrária, tão forte naquele período. Sua mensagem
religiosa conseguiu penetrar apenas nas camadas menos favorecidas. Concordamos
com Vieira (2006) quando ele diz que houve essa penetração da mensagem
protestante apenas nas camadas inferiores, indicando que a educação protestante
estava direcionada para as elites e que às igrejas protestantes, de forma geral, coube
o papel de massificar sua mensagem religiosa na busca de formatar uma nova cultura
religiosa dentro daquela configuração marcadamente influenciada pela tradição
católica.
O sucesso e a contribuição maior do presbiterianismo ficaram mesmo restritos
ao campo da educação. Nesse espaço, os presbiterianos e os protestantes, de forma
geral, demonstraram uma força significativa porque seus métodos pedagógicos e as
sólidas estruturas de seus colégios colidiram frontalmente com os interesses dos
republicanos de encontrar uma forma de justificar seus ideais por uma nova
configuração social, não somente no plano da educação, mas em um nível mais
elevado, relacionado ao desenvolvimento e progresso da nação. A educação
presbiteriana servia ainda como aporte ideológico necessário para o avanço e
implantação dos interesses republicanos no campo político.
Finalmente, no campo da relação entre os presbiterianos com os escravizados,
encontramos um grau de envolvimento que não passou pelos grandes projetos das
missões norte-americanas que patrocinavam financeira e ideologicamente o trabalho
dos seus missionários no Brasil. Na história do presbiterianismo no Brasil, podem-se
encontrar alguns indicativos de envolvimento com ações mais concretas diante do
tema da escravidão apenas a partir das iniciativas de alguns missionários
americanos, pastores nacionais e de algumas igrejas implantadas em algumas
regiões do país que deram liberdade aos seus escravos. Mesmo nesse caso, é bom
dizer, muitos membros dessas igrejas mantinham seus escravos, o que levou, por
exemplo, o líder presbiteriano Eduardo Carlos Pereira a pronunciar-se horrorizado
com esse fato.
Retomando nossa hipótese inicial, constatamos que, no campo da educação, o
presbiterianismo obteve um grau de importância a ponto de trazer contribuições para
a sociedade brasileira no período histórico da segunda metade do século XIX. No
entanto, no que tange seu relacionamento com o tema da escravidão, seja pela
religião ou educação, fica evidenciado que o presbiterianismo não interagiu com esse
138

tema significativamente, isso porque, entre outros aspectos, poderia representar


prejuízo, no que se referia ao processo de sua implantação no Brasil.
Concluímos este estudo com a narrativa de um fato emblemático e que
entendemos bem ilustra a abstenção dos presbiterianos diante do tema da escravidão
no Brasil, não apenas naquele recorte histórico do final do século XIX, mas que se
estendeu por outros períodos históricos do presbiterianismo no Brasil, chegando até o
ano de 2003, quando a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, uma ramificação
da igreja Presbiteriana, surgida em 1903, completava o seu primeiro centenário.
Em 2003, a Assembléia Geral dessa Igreja, que havia tido naquele último
quadriênio na sua presidência um pastor afro-descendente por nome de Leontino
Farias dos Santos, estando reunida na cidade de Louveira, Estado de São Paulo,
com a presença de representantes dessa Igreja e de todas as outras do território
nacional e até líderes presbiterianos internacionais, houve então a leitura do relatório
das atividades desenvolvidas pelo referido pasto r. Silenciosamente , o plenário
daquela Assembléia Geral ouviu o longo e minucioso relatório apresentado pelo seu
ex-presidente.
Chamou-nos a atenção no relatório apresentado, o desabafo daquele religioso
de pele negra ao dizer que:

Afirmou-se, quando de nossa eleição, que era muito desconfortável para a


Igreja ter um negro na presidência. Só os que são segregados e excluídos
sabem traduzir a dor da alma humana quando se manifesta o preconceito.
Diziam mais: negro, nordestino, egresso da pobreza nordestina e, para
piorar, diretor do seminário. Essa dor tivemos que sofrer, mesmo com o
absurdo de senti-la dentro da igreja de Jesus Cristo. Outras dores também
suportamos, por causa da vocação recebida (Livro de Atas número 2, p. 2
a 67, 2003).

Ao término da leitura, o presidente Reverendo Assir Pereira, colocou em


discussão o referido relatório. As discussões avolumaram-se, e entre outros tantos
aspectos que pautavam as discussões estava a nota que citamos. Nesse momento,
um pastor da Igreja , Valdomiro Pires de Oliveira, propôs que o relatório fosse
aprovado, mas que se retirasse o parágrafo onde o ex-presidente Leontino havia feito
suas declarações sobre o preconceito racial. As discussões continuaram até que o
presidente colocou a matéria em votação. Os fa voráveis para que o parágrafo fosse
139

retirado deveriam ficar de pé e os contrários sentados. Ao término daquele lamentável


episódio, permaneceu de pé apenas o proponente.
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