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Passividade

Muitos metais, que, em dados meios aquosos, se corroem ativamente, quando sobrepassam
um certo valor de potencial, passam a apresentar uma corrente anódica reduzida, que
corresponde a uma corrosão pequena ou desprezível. Diz-se, então que o metal está
passivo. Este comportamento pode ser apreciado pela forma da curva de polarização
anódica, a qual pode ser representada esquematicamente como na fig. 1

E
transpassividade

passividade

EF Transição ativo-passiva

Corrosão ativa

Ipass I crit Log I

Fig.1 Curva de polarização anódica esquemática de um metal que é capaz de passivar-se


em dado meio.

Nessa curva se observa que, a potenciais relativamente baixos, o metal sofre uma
dissolução crescente com o valor do potencial. A partir de dado valor de potencial,
conhecido como potencial de Flade, EF, a corrente passa por um máximo (corrente crítica,
Icrit) e depois há uma diminuição apreciável do valor da densidade de corrente, instalando-
se a passividade. A partir daí, por um intervalo de potenciais maior ou menor, a corrente se
mantém praticamente constante, (corrente passiva, Ipass), o que mostra que ela não está
sendo comandada pelo potencial. Em potenciais mais elevados, em geral acontece um novo
aumento de corrente, que pode ser devido a vários fenômenos: estabelecimento de corrosão
localizada, início de uma nova reação anódica como a liberação de O2 (oxidação da água),
ou a transpassividade propriamente dita que corresponde a transformação de um óxido que

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houvesse se formado sobre o metal durante a passividade e que se transforma em um íon
solúvel ou em outro óxido, por sua vez solúvel.
A curva esquemática anódica apresentada, pode ter modificações em cada caso. Por
exemplo, na região do potencial de Flade, costumam aparecer fortes oscilações de corrente,
antes que se estabilize seu valor a partir de um dado potencial. O valor da densidade de
corrente passiva pode ser bastante variado nos diversos casos, mas dados de 0,1 a 10
µA/cm2 são comuns de serem encontrados. Se forem valores muito maiores do que estes
pode-se falar em pseudo-passividade, já que a corrosão deixa de ser desprezível.
Durante muitos anos se tem discutido a natureza do fenômeno da passividade.
Houve várias teorias apresentadas tentando explicar por que um metal, que se dissolve em
dadas condições, repentinamente, por pequenas variações no potencial, passa a ser
praticamente inerte. Já Faraday havia descrito este fenômeno da passividade do ferro em
ácido nítrico.
Uhlig, um dos primeiros corrosionistas modernos (século 20) atribuiu a passividade
à adsorção de O2 na superfície do metal. Este oxigênio preencheria os orbitais livres do
metal evitando que o mesmo se dissolvesse. Já outros autores, com o desenvolvimento das
técnicas de análise superficial, verificaram que sempre que o metal se apresenta passivado,
sobre a superfície se encontra um filme tridimensional de outra fase, normalmente um
óxido ou hidróxido do metal. Este filme pode ser bastante fino (alguns nanômetros), mas
parece ser o responsável pela inertização do metal.
Outro elemento na controvérsia é o valor do potencial de Flade, que varia com a
natureza do metal e com o pH, principalmente. Tentou-se correlacioná-lo com o potencial
de equilíbrio de reações do tipo metal + água = óxido (hidróxido) + H+ + e-, que são
equilíbrios dependentes do pH. Em geral, porém os valores obtidos na prática não
coincidem com os calculados para estes equilíbrios. Finalmente, se optou por concluir que
o potencial de Flade não corresponde a um potencial termodinâmico (de equilíbrio) mas é
um valor resultante da cinética dos processos de eletrodo. Pode-se mostrar que a
passividade só ocorre quando é termodinamicamente possível a existência de uma ou várias
fases óxidas do metal ou quando uma dessas fases, formadas anteriormente em condições
adequadas, não consegue cineticamente se dissolver em uma situação onde
termodinamicamente não deveria predominar. Assim, a passividade parece ser o resultado
da competição cinética de várias reações possíveis, principalmente a dissolução do metal e
a reação do metal com o meio formando um composto protetor e, eventualmente, também,
a adsorção de espécies do meio sobre a superfície. Quando a formação do composto
protetor se torna cineticamente preponderante, a superfície se recobre totalmente e, depois
disso, a dissolução só pode se dar através do óxido formado.
A corrente que continua circulando através da interface eletrodo/solução, na
presença do filme passivante, mostra que continua a haver reação eletroquímica. Como
esta corrente é razoavelmente constante com o tempo e a espessura do óxido também se
mantém constante, pode-se supor que há uma contínua formação de óxido na interface
metal/óxido e uma equivalente dissolução do óxido na interface óxido/solução. O
mecanismo real não necessariamente é assim tão simples, pois é preciso verificar como o
óxido consegue se formar no interior, ou seja como íons oxigênio ou oxidrilas penetram o
óxido e migram até a interface metal/óxido. Também é preciso ver através de que
mecanismo o íon metálico migra para o exterior. Normalmente se pressupõe que defeitos
puntuais na película sejam responsáveis por esta migração (vacâncias ou íons intersticiais).

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A capacidade que muitos metais e ligas têm de se passivarem em vários meios
aquosos é responsável pelo uso extenso dos mesmos. Assim, aços inoxidáveis, ligas de
alumínio, de níquel e de titânio tem sua utilização facilitada por causa das características
protetoras dos filmes de óxido que estão praticamente sempre presentes sobre a superfície
desses materiais. Basta ver que os potenciais de equilíbrio destes metais são valores
bastante negativos o que faria esperar que eles se dissolvessem com grande facilidade.
Porém, o próprio meio atmosférico já possibilita a formação dos filmes.

Diagramas de Pourbaix.
A possibilidade de se formar um ou mais óxidos para os diversos metais em água pode ser
desprendida dos diagramas de Pourbaix. Nestes diagramas termodinâmicos se pode
encontrar as condições, em função do potencial e do pH, em que é de se esperar a
existência do metal sob as distintas formas quando em contato com meio aquoso: estado
metálico, iônico (dissolvido), ou ainda sob forma de óxidos ou hidróxidos.
DIAGRAMAS DE POURBAIX
Ferro/água (esquemático)
E(V)

Fe3+

+1 Fe2O3

Fe2+
0

Fe3O4
Fe(OH)3-
-1 Fe

0 7 14 pH

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Pelo fato de serem diagramas termodinâmicos, não estão contempladas as condições
cinéticas para que se encontrem as situações de mais baixa energia previstas pelo diagrama.
Ou seja, se uma determinada região assinala a presença de um oxido, não se sabe quanto
tempo será necessário para que este óxido se forme. No entanto, são muito úteis para se ter
uma primeira idéia do possível comportamento do metal em dadas condições: imunidade,
corrosão, passividade. Na fig. 2 se apresenta um esquema simplificado do diagrama de
Pourbaix para o ferro.

Domínio do comportamento à corrosão do Fe

Passividade

A
Corrosão

corrosão

Imunidade

pH

Fig. 3 Comportamento do ferro em soluções aquosas


A  Condições mais freqüentemente encontradas em corrosão
atmosférica e em águas naturais.

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Diagrama de Pourbaix esquemático para
Cr - água

Corrosão

0
Passividade

-1

Imunidade

0 7 14 pH
Fig. 4 Diagrama de Pourbaix esquemático para o Cr em soluções aquosas

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Como dito, é fácil verificar regiões onde o metal é imune à corrosão e que
corresponde ás condições mais redutoras (menores potenciais). Há duas regiões de
prevalência de íons quer sejam ferrosos ou férricos, uma na região de pH baixo e outra,
pequena, na região de pHs muito elevados. Existe ainda a zona intermediária do diagrama
onde os óxidos são estáveis e, dependendo das características desses, se terá uma
passividade mais ou menos importante do metal. É preciso lembrar que este diagrama foi
traçado sem prever a presença de outros elementos que não sejam os provenientes da água e
do ferro. Assim, complexantes, sais diversos e gases da atmosfera como CO2 não foram
considerados, os quais podem modificar bastante o comportamento do metal no meio
aquoso.
Na figura seguinte (fig.3), se esquematiza as condições normais de comportamento
do ferro. Em águas naturais, arejadas, o mais comum é encontrar o ferro em situações ao
redor do ponto A, isto é dissolvendo formando íons F.++.
Na figura 4 há um esquema do diagrama do cromo. Tem algumas semelhanças com
o do ferro, como seja, o fato de se dissolver em meios fortemente ácidos e fortemente
alcalinos e de possuir uma zona de formação de óxidos. Contrariamente ao ferro, porém,
possui para altos potenciais uma região de dissolução onde o óxido crômico deixa de ser
estável e tende a se dissolver formando íons de cromo hexavalente. Este fenômeno é
conhecido por transpassividade e é típico das ligas de cromo, nas quais o filme de óxido
protetor seja primordialmente constituído de óxido de cromo, como nos aço inoxidáveis. O
normal para ligas com um teor mínimo de cromo (ao redor de 12%) em meios aquosos não
demasiadamente ácidos, é se cobrir espontaneamente de película protetora de Cr2O3 ou de
um óxido misto contendo Cr. Este óxido em geral é muito estável e, mesmo em condições
redutoras (baixos potenciais), custa a se dissolver.
Na figura 5 são sobrepostos os diagramas do ferro e do cromo para se visualizar suas
diferenças.
Observa-se que o Cr na verdade dissolve a partir de potenciais mais baixos que o ferro,
porém seu âmbito de formação de filmes é mais amplo. Portanto, sua principal vantagem
em relação ao ferro é a facilidade de se passivar mesmo em meios ácidos (região do
“triângulo” em que o óxido de cromo se sobrepõe à região de dissolução do ferro. Esta
característica explica o desempenho anticorrosivo do cromo mesmo quando participa em
ligas em teores relativamente reduzido, como nos aços inoxidáveis onde uma quantidade
mínima de 12% é suficiente para manter um filme protetor adequado para resistir a meios
aquosos diversos
Os aços inoxidáveis possuem um teor suficiente de cromo para poderem ser passivados
com facilidade nos meios comumente encontrados (aquosos com pHs não extremamente
ácidos ou alcalinos.). Formam então um filme protetor que contèm óxido de cromo embora
também possua uma proporção de óxido de ferro. No caso de aços contendo níquel, este
elemento também participa do filme . O pico ativo é tanto maior quanto menor a quantidade
de cromo e também depende da temperatura e do pH como mostram as figuras. Ni e Mo
também influem no tamanho do pico reduzindo-o e portanto facilitando mais ainda
apassivação.

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Resistência a Corrosão
de Aços Inoxidáveis

Etr
E
Aço ao Cr

Aço Cr-Ni
EFl

Aço Cr-Ni-Mo

log icrit log i log i

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Resistência a Corrosão
de Aços Inoxidáveis
Influência de variáveis : T, pH, [Cl-]

pH 

T Cl- 

log i

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O cromo bem como as ligas que o contém apresentam um problema em altos potenciais,
pois aí o filme de óxido de cromo se dissolve resultando em íon cromato ou bicromato. A
este fenômeno se chama de transpassividade. Também acontece com outros metais como o
molibdênio, tungstênio, vanádio.
Nas curvas acima, esquematicamente é mostrado que o aumento da temperatura, o
decréscimo do pH e o aumento de cloretos atuam no mesmo sentido: aumentam o pico

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ativo, aumentam a corrente na zona passiva e diminuem o potencial a partir de onde ocorre
o fim da passividade (ou por transpassividade ou por ataque localizado como é o caso na
presença de cloretos).

Passivação de aços inoxidáveis


Depende do reagente catódico, agitação, etc.

E passivo

instável

ativo

log i

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Conforme se vê na figura acima, o aço inoxidável (ou outra liga que possua curva de
polarização anódica semelhante) pode ficar no estado ativo ou passivo dependendo da
reação catódica. Qualquer reação catódica cuja curva de polarização consiga passar “ao
largo” do pico ativo em geral facilita a passivação do material pois cortará a curva anódica
na região passiva. Logo o potencial de corrosão se estabilizará aí.
Se a curva catódica corta a anódica em vários pontos a situação é de instabilidade e, em
geral, o material acabará se despassivando e permanecendo na região ativa de potenciais.

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SOBREPOSIÇÃO DE DIAGRAMAS: Fe e Cr
(esquemático)

0 3 7 9 13
pH

Cromo protege ferro na área hachurada

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