Você está na página 1de 7

Liana Pereira (Doktorandin/Musikpädagogik) * Hochschule für Musik und Theater Leipzig

O material didático atual para viola da gamba


Uma pesquisa na área da pedagogia musical aplicada ao
instrumento histórico

Liana Pereira

A questão sobre as origens da viola da gamba inquieta intérpretes e


pesquisadores há séculos. Ganassi, seus contemporâneos e outros teóricos que
dedicaram seus livros com o objetivo do ensino da viola da gamba buscaram
explicar de diversas formas, de acordo com suas fontes arqueológicas e
também tendências, o surgimentou do instrumento que conhecemos por viola
da gamba.

Sabemos porém que a polêmica sobre as raízes da viola da gamba está


intrinsecamente relacionada com a forma como o instrumento fora registrado
em iconografias, sugerindo a forma com que fora executado. Atualmente a
fonte mais antiga conhecida encontra-se na Biblioteca Nacional de Madrid
(cerca 920-930 D.C.): trata-se de uma figura que relata quatro músicos tocando
instrumentos posicionados para baixo com arcos semi-circulares. Essa forma de
segurar o instrumento a gamba é relacionada nesse período aos países do
Oriente, Norte da África, Oriente Médio, Ásia Central e Extremo Oriente,1 e
não aos povos do antigo Mediterrâneo que provavelmente não utilizaram o
arco para tocar o instrumento.

Considerando a longa tragetória durante séculos que o instrumento vêm


traçando na Europa podemos constatar que a família das violas formam o
alicerce da cultura musical européia. Com a sua perda de popularidade para a
família dos violinos sobretudo no Séc. XIX. houve de fato um período de
estagnação em sua literatura musical e consequentemente em métodos de
ensino. Porém não significa necessariamente que a viola da gamba tenha
desaparecido por completo do cotidiano musical europeu – perdeu a
relevância e o espaço preponderante musical na classe das cordas e com isso,
não avivou o interesse da área pedagógico-científica por um longo período.
1
The Early History oft he Viol, Pg.9-10. Woodfield, Ian. Cambridge University Press 1984
Liana Pereira (Doktorandin/Musikpädagogik) * Hochschule für Musik und Theater Leipzig

Vivenciamos desde o início do Séc. XX com o trabalho pioneiro de Christian


Döbereiner na Alemanha um período de “Renascimento“ das práticas
interpretativas históricas e nesse contexto enquadra-se o reavivamento da
viola da gamba e sua literatura. Esses são os pontos fundamentais que fazem o
desenvolvimento metódico e didático serem relevantes: possuir um público
alvo com interesse em aprender um determinado instrumento e adequá-los
para ele.

Atualmente a família das violas2 encontra-se contextualizada no ensino das


escolas de música municipais, em institutos privados de música e universidades
de música (cursos de bacharelado e mestrado na área de performance e/ou
pedagógica), assim como os demais instrumentos orquestrais, da área de jazz,
canto e educação musical infantil. Ainda assim, as pesquisas da área de
pedagogia da viola da gamba estão em grande desvantagem em comparação a
instrumentos como o piano, o violão, a flauta doce, entre outros.

O número de alunos que aprendem viola da gamba nas escolas de música


municipais (öffentliche Musikschulen) é tão pequeno que não consta no gráfico
de desenvolvimento dos instrumentos mais aprendidos de 1976 (ano da
fundação da Associação das Escolas de Música da Alemanha [Verband deutsche
Musikschulen]) até 20133. Porém constata-se que ao decorrer das décadas
ocorrem oscilaçoes em quase todos os instrumentos, até mesmo no
instrumento Piano em primeiro lugar com aproximadamente 140.000 alunos
constantes desde 1995 até a atualidade. No fim da década de 1970 o número
maior de alunos deu-se na classe de flauta-doce que por sua vez está em
declínio desde 2005, e assim por diante.4

São vários os fatores externos que contribuem para que haja um interesse
maior em determinado instrumento num certo período, o que não significa que
o instrumento deixe de existir por completo. A viola da gamba, embora não
apareca no gráfico citado acima, está ligada à cultura do povo alemão e pode
retomar uma significância ainda maior nos próximos tempos.

2
Viola da gamba soprano, alto, tenor, tenor-baixo e violone
3
Ano do término da pesquisa realizada pela Verband deutscher Musikschule
4
Entwicklung der beliebtesten Instrumente. Verband deutscher Musikschule, 2014
Liana Pereira (Doktorandin/Musikpädagogik) * Hochschule für Musik und Theater Leipzig

A literatura educacional para viola da gamba atual na Europa


Em comparação com instrumentos como violino, teclados, piano, violão, flauta
doce, bateria entre outros, cuja literatura pedagógica mantém-se
constantemente atualizada, a viola da gamba5 encontra-se em uma situação
drasticamente diferenciada.

Tendo em vista que a família das violas permaneceram por séculos como o
alicerce da prática instrumental de cordas na Europa, poderíamos concluir que,
atualmente, uma rica oferta na área de literatura, tanto de repertório, quanto
pedagógica encontram-se disponíveis.

Estudos realizados6 apontam, porém, que nos últimos dez anos apenas dois
novos métodos voltados para o ensino da viola da gamba encontram-se
editados, nenhum deles concebido para o público infanto-juvenil.

Porém, a viola da gamba está intrinsecamente contextualizada no Sistema de


ensino escolar alemão, pertencendo ao grupo de matérias (optativas ou
obrigatórias) em colégios no setor de música instrumental. Nas escolas
particulares e estaduais de música, o ensino da viola da gamba também é
oferecido ao lado dos instrumentos de orquestra.

O trato do material didático orienta-se, portanto, de forma heterogênea e


muitas vezes ineficiente, já que cabe unicamente ao professor a organização
completa desse material para que as aulas sejam ministradas.

A proposta do método “Mein erstes Viola da Gamba-Buch Band I”7, concebido


para alunos entre oito e dez anos de idade, sugere a possibilidade de um
programa sistemático para o ensino do instrumento, orientado no processo de
trabalho, proporcionando também um caminho para o aprendizado autônomo-
cognitivo. A integração de elemtos da psicologia e metodologia do esporte,
além dos elementos do Sistema Montessoriano de ensino visam à interação e
emancipação do aluno de forma construtivista, resultando uma vivência
musical completa e formando os domínios epistemológicos e metódicos do
aluno de forma coligada.

5
Do italiano: viola „viola“ e gamba „perna“
6
Pereira, Liana. Pesquisa realizada em: Versuch eines Lehrganges für Viola da Gamba – Ein neuer Weg des
Lernens. Akademiker Verlag 2013
7
Pereira, Liana. Mein erstes Viola da Gamba-Buch Band I. Akademiker Verlag 2013
Liana Pereira (Doktorandin/Musikpädagogik) * Hochschule für Musik und Theater Leipzig

A elaboração de um novo método para viola da gamba para adolescentes e


jovens adultos, sob a mesma autoria, está prevista para o segundo semestre de
2019.8

Quem serão os alunos nos próximos tempos?


Quase 1,1 milhoes de refugiados chegaram na Alemanha em 2015 e foram mais
de 476.000 incrições de exílo feitas segundo o jornal alemão Süddeutsche
Zeitung de 06.01.2016. Dentre essa estatística existe um grande número de
menores de idade desacompanhados que encontram-se em processo de
integração através de meios culturais e sociais. Manuela Schwesig, ministra da
família afirma que o objetivo é integrar os menores despatriados na sociedade
de tal forma que „seus direitos a educação e participação na sociedade sejam
oferecidos e dessa forma, participarem de forma ativa na sociedade“. 9

Contudo, o processo de integração é um grande desafio para as instituições e


órgaos sociais. Para o sucesso desse objetivo, é preciso um engagamento de
várias vertentes: entre elas instituições musicais como escolas de música
públicas, organizações privadas e demais órgaos competentes. A permanência
e inclusão dos exilados trarão para a Alemanha uma sociedade jovem,
dinâmica, creativa, pacificadora e com um futuro promissor – a mélange
cultural, pode resultar num enriquecimento frutífero para a cultura musical
clássica comparável aos tempos da chegada do instrumento na Europa.

Abbildung 1: Liana Pereira apresenta a viola da gamba e outros instrumentos no projeto realizado na creche Wolke 10
(Cruz Vermelha da Baviera) em 2016

8
Projeto relacionado a pesquisa de Doutorado na Hochschule für Musik und Theater Leipzig
9
VdM/ Engagement für Geflüchtete. 01.11.2016
Liana Pereira (Doktorandin/Musikpädagogik) * Hochschule für Musik und Theater Leipzig

Atualmente vários projetos e iniciativas musicais focadas para os despatriados


estão sendo intensamente discutidos, selecionados e apoiados, tanto em
escolas públicas como em instituições particulares pelo governo alemão e
organizações não fundamentais como por exemplo o projeto para crianças e
jovens com histórico de exílio entre 3 e 18 anos: „Musik Leben!“, entre tantos
outros.

Capacidades interculturais no ensino da música aplicadas aos


alunos despatriados
A chegada de instrumentos na Europa com os mouros e outros povos no
período da ocupação estrangeira da península Ibérica resultou no
desenvolvimento de sua fabricação, sua literatura musical, técnica
instrumental, em hábitos envolvendo a cultura e toda a estrutura da sociedade
européia. Não podemos afirmar como seria a sociedade hoje se tivesse
ocorrido o bloqueio das influências culturais do povo chegado na Europa, mas
sabemos através de fontes que houve uma forte influência resultantes na
sociedade até os dias de hoje.

Como exatamente deu-se o desenvolvimento de aspectos técnicos


instrumentais, por exemplo em tempos anteriores aos de Ganassi, é até o
presente momento incerto. Fato é que a sociedade hoje encontra-se num
contexto diferente do que há cerca dois mil anos atrás em diversos aspectos
como regras diplomáticas e direitos humanos inexistentes nas eras passadas. O
atual momento da pedagogia musical relacionado às práticas interpretativas da
viola da gamba está relacionada de forma holística no decorrer da história da
europa.

Devemos considerar que o preparo na formação da licenciatura musical não


aborda de maneira geral aspectos músico-terapêuticos que são de extrema
relevância no trabalho com alunos despatriados. Muitos deles trazem um
histórico traumático, dificuldades em se expressar pela falta de domínio da
língua alemã entre outros problemas como saúde debilitada, estado psíquico
instável, etc. Para que o trabalho pedagógico se realize é necessário o preparo
do corpo docente direcionado para um trabalho com competências musicais e
emocionais resultando numa experiência plena e saudável. É portanto de
extrema importância o preparo dos profissionais de música que receberão
alunos refugiados em suas salas de aulas de forma cuidadosa e responsável.
Liana Pereira (Doktorandin/Musikpädagogik) * Hochschule für Musik und Theater Leipzig

Medidas como as sugeridas pela „Associação de escolas de música da


Alemanha“ (Verband deutscher Musikschulen) proporcionam capacitações
para pedagogos da área da música com foco em inclusão social (aqui entende-
se também como refugiados com perfil traumático), gerando uma atmosfera
propícia para o trabalho com as crianças e jovens exilados. Um dos pontos
relevantes desse trabalho desenvolvido pelas instituições de ensino musicais na
Alemanha é a adição da pedagogia musical intercultural e instrumentos como
Oud, Tabla, etc. na oferta de instrumentos.

A aceitação e interesse da viola da gamba no grupo de refugiados é semelhante


aos demais instrumentos oferecidos nas escolas de música. Muitos alunos
interessam-se pelo instrumento exatamente pela semelhança com
instrumentos10 de suas regiões, mostrando até mesmo uma grande
familiaridade técnica-instrumental por vezes maior do que os demais
instrumentos orquestrais.

O novo método para viola da gamba previsto para o ano de 2019 é baseado em
um estudo empírico11 realizado na Alemanha e deverá resultar num sistema de
ensino do instrumento dinâmico, atualizado e com elementos da pesquisa
atual nas áreas psicológicas, de esporte e músico-pedagógicas no geral. Um dos
pontos abordados pela autora é o aspecto intercultural e competências sócio-
pedagógicas do corpo discente e docente na sociedade atual.

Como se deu exatamente o ensino da viola da gamba até os tempos antes de


Ganassi é incerto, podemos apenas cogitar sem o embasamento sólido
necessário para que alguns pontos da história fiquem claros. Contudo, hoje
podemos documentar como está sendo a mudança no sistema de educação
musical na Alemanha tendo em vista a necessária reorganização sócio-cultural,
deixando assim uma colaboração científica de valor para as próximas geração.

10
Como por exemplo Rubab ou Rabab no Azerbaijão, Irã, Turquia, entre outros países
11
Liana Pereira, Estudo empírico da tese de douturamento PhD, Hochschule für Musik und Theater Leipzig
Liana Pereira (Doktorandin/Musikpädagogik) * Hochschule für Musik und Theater Leipzig

Liana Pereira (*1981, Brasil) é Doutoranda (PhD.) na


área de Pedagogia Musical na Hochschule für Musik
und Theater Leipzig-Alemanha. Obtém o título de
bacharel em violoncelo pela Universidade de São
Paulo (ECA-USP), Diplom Orchester Musikerin e
Musikpädagogin na Hochschule für Musik Nürnberg.
É Mestra em performance em instrumentos de
época pela mesma univerisdade. Seu objeto de
pesquisa baseia-se no ensino atual do instrumento viola da gamba em instituições musicais
na Alemanha e as vertentes da prática pedagógica musical atuais. Liana Pereira desenvolve
um intenso trabalho na área pedagógica para crianças em idade pré e escolar, adolescentes,
adultos e idosos. Trabalha em parceria com instituiçoes como o Ministério de Cultura da
Baviera, Sociedade do método Suzuki na Alemanha, ELAN (escola profissionalizante para
despatriados) entre outros.

Você também pode gostar