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Os três textos apresentados nesta unidade são elementos importantes para desmistificar
a ideia de que não há historicidade na África, apresentar a relação do africano (agente)
com sua história e como é passada ao longo de gerações. Encontra-se também as técnicas
utilizadas para estudar essa região que é vasta e diversificada.
O texto “Lugar da história na sociedade africana” escrito por Boubou Hama e J. Ki
-Zerbo introduz para o leitor aspectos importantes da cultura africana, para que se tenha
uma noção desse povo: tempo mítico e o tempo social. Não havia um marco de tempo
determinado ou preciso - com datas-, tudo se dá através de narrativas presas aos costumes
de um povo envolvido em um modelo mítico que determina e justifica as ações deles e do
soberano, uma “ uma reedição estereotipada do passado’’. Seu apego aos ancestrais, ao
que significa, os faz mais influente nas gerações posteriores. O senso de coletividade é
outro destaque, a história é contada e é de importância a todo um povo, e não a um único
indivìduo.
Entretanto, isso não faz com que os africanos estejam presos ao passado muito menos
em um retorno cíclico, seu tempo é dinâmico: “na concepção global do mundo, entre os
africanos, o tempo é o lugar onde o homem pode, sem cessar, lutar pelo desenvolvimento
de sua energia vital.”, a resolução de seus diversos conflitos e exemplos são adquiridos de
seus antepassados, o que não anula o presente e a transformação que pode surgir no
futuro.
Com a chegada da cultura islâmica na África adicionada de uma cultura letrada,
começa a se estabelecer pontos de referência e por conseguinte uma organização do fluxo
histórico.
“A tinta mais fraca é preferível à mais forte palavra” é a partir desse provérbio chinês
que entraremos em outro ponto: a tradição oral. É definida como um relato passado de
forma oral de uma geração para outra, preservando a sabedorias dos ancestrais - que é
extremamente enaltecida e grandes feitos, são passadas pelos griots. O ‘boato’ e o
testemunho ocular não considerados uma tradição, é uma informação verbal e neles
repousam a origem de uma tradição. Numa civilização oral como esta que estamos
estudando se faz necessário - principalmente para o pesquisador - uma análise mais
delicada e repetitiva dos textos orais, deve ser minuciosamente ponderada, e internalizada
“já que o corpus da tradição é a memória coletiva de uma sociedade que se explica a si
mesma.’’.
Para entender a superfície social - “uma identidade própria que traz consigo, um
passado inscrito nas representações coletivas de uma tradição, que o explica e o
justifica.” - de um grupo é necessário entender o tipo de sociedade que vai ser estudada.
Compreender como se obtinha as informações e por quem eram passadas e que ela
podem ter sidos manipuladas pelas tradições do local. Ele cita no texto também dois tipos
de tradições: as tradições oficiais como as histórias das dinastias, lista de soberanos e que
também abrange os assuntos de significância pública; e as tradições particulares que por
serem consideradas pouco importantes, não são bem conservadas, é relacionada a
histórias de grupos ou famílias. Sendo essa última firmada como oficial no grupo em que
pertence. Seus relatos são importantes quando é necessário ser feito uma análise da
política em sua época, já que o relato é menos afetado pelas restrições e imposições do
Estado.
Em sua conclusão ele sintetiza algumas dificuldades: “Além das tradições recentes,
existe um vasto corpo de informações literárias, como as narrativas épicas, e de dados
cosmogônicos, que podem ocultar informações históricas às vezes relativas a épocas
bastante remotas.” e afirma que “Em caso de contradição entre fontes orais, deve -se
escolher a mais provável. A prática, muito difundida, de tentar encontrar um acordo não
faz sentido ’’.
Outras dificuldades encontradas para a construção de uma cronologia, retirada da
interpretação do texto oral, são a distorção do tempo e a genealógica duvidosa. É comum
um relato alongar ou encurtar o tempo de determinados momentos históricos. Em locais
que aconteceram acidentes demográficos é fácil a perda da genealogia de um grupo que
em seguida é subjugado e substituído por outro grupo maior, o que gera uma espaço em
branco entre a história e sua origem.
Esse risco diminui - mas não some - quando trata-se de dinastias e monarquias, pois a
transferência do poder é, por muitas vezes, dado a indivíduos que pertencem a linhagem
real: sucessão primogênita e patrilinear.
No texto “Fontes e técnicas específicas da história da África – Panorama Geral”, T.
Obenga escreve sobre os instrumentos e fontes de pesquisas que são utilizados, até
mesmo de forma simultânea, pelo historiador. São elas: “geologia e paleontologia, pré-
história e arqueologia, paleobotânica, palinologia, medidas de radiatividade de isótopos
capazes de fornecer dados cronológicos absolutos, geografia física, observação e análise
etno-sociológicas, tradição oral, linguística histórica ou comparada, documentos escritos
europeus, árabes, hindus e chineses, documentos econômicos ou demográficos que
podem ser processados eletronicamente”. Vale ressaltar que essas técnicas que serão
apresentadas não são específicas a história do continente africano.
Através do uso de elementos químicos, como o isótopo Carbono-14, para datação de
elementos encontrados, em especial os fósseis. Bem como por meio das ciências da Terra
foi informado as características climáticas em determinado momento, a partir muito foi
explicado sobre a movimentação de diferentes povos, a realidade em que viviam, a
alimentação baseada na análise das plantas cultivadas e localizações estratégicas.
Outra fonte, mais utilizada para o estudo da África é a egiptologia - compreende a
arqueologia histórica e a decifração dos textos - mas para isso precisa entender o idioma
da linha egípcia, que tem cerca 5000 anos de existência. Ela é apresentada de três
maneiras:
Escrita hieroglífica:
·0 Ideogramas ou signos-palavras
·1 Fonogramas:
·2 Trilíteros: com três consoantes.
·3 Bilíteros: com duas consoantes.
·4 Unilíteros: uma vogal ou uma consoante.
·5 Escrita hierática: escrita da direita pra esquerda, com cálamo sobre folhas
de papiro ou fragmentos de cerâmica e de calcário.
·6 Escrita demótica: uma simplificação da escrita hierática e também uso de
grafemas.
É importante deixar claro que essa escrita se difundiu na África negra. E não se pode
isolar o Egipto do contexto africano.
Outro ponto, da técnica da tradição oral é: “O griot só se interessa pelo homem
apreendido em sua existência, como condutor de valores e agindo na natureza de modo
intemporal.” e por tal razão ele não trabalha com um relato cronológico, de modo
intemporal, também é descontínuo. Percebe-se ainda que há a parcialidade da história:
“Quem conta um ponto, acrescenta um ponto”.
Nos estudos das ciências históricas e no trabalho comparativo há a análise da diferença
de alguns regimes políticos econômicos que se constituem de forma diferente no
continente africano.
Todo conteúdo apresentada demonstra que as peculiaridades e suas características
sociais e históricas da África impõe uma necessidade de utilizar de diversas formas para
compreender seu território. E prova historicidade da África.
Os textos “Relações do Egito com o resto da África” por Abd El Hamid Zayed com a
colaboração de J. Devisse e “O Império de Kush: Napata e Méroe” de J. Leclant
trabalham a relação do Egito com a região do Meroé, em tempos remotos, ainda
reforçando o Egito negro e africano e sua historicidade. Para tal, ambos pesquisadores
trabalham com materiais que possam comprovar esse contato e ainda com outras partes
da África.
Ao citar a estátua de Osíris e a estátua gravada com o cartucho de Tutmés III,
associadas a região da Gana atual, Zayed reitera que a influência - comprovada - não é
uma prova de contatos antigos. Ao longo do texto ele demonstra-se contraditório em suas
palavras mesmo com os materiais apresentados, ele assinala hipóteses e teorias. A
segunda observação feita por ele é: “parece haver uma considerável discrepância
cronológica e tecnológica entre este último e as civilizações periféricas”, além de que
esses periféricos eram concentrados na região do baixo vale do Nilo e assim mantinham
contato com os egípcios, mas a relação não era imóvel, onde um só sempre mandou.
A teoria inicial é sobre os vizinhos do ocidente: No Saara há influências do Egito, isso é
comprovado mas não há mais detalhes além da hipótese de intercâmbio humano. Sendo o
povo saariano basicamente os líbios, estes que foram pressionados ininterruptamente à
periferia devido ao hostil deserto. A partir da XIX dinastia que dá-se essa negociação de
mão de obra humana e de soldados para o Egito; a intenção era evitar conflitos devido a
invasão desse povo e no governo Ramsés III eles participam intensamente na segurança
dessa região. Os líbios chegam até mesmo a governar o Egito na XXII e a XXIII
dinastias, o que gerou, finalmente, conflitos e em resposta os núbios - sudaneses-
instalam uma dinastia Etíope.
Criando um longo parênteses agora, para depois retornarmos as teorias acerca de
outras regiões da África, com o intuito de aprofundarmos mais um pouco a dinastia
Etíope, Império de Kush por Leclant. Esse reino, também denominado de Kerma, tem
como primeiro regente a ser estudado o Peye (Piankhy) - pois não sabe-se quem foram os
primeiros reis - responsável pela inscrição mais detalhada e extensa do antigo Egito que
descreve seus discursos, as deliberações do rei, sua campanha, a supremacia do deus
mon e a índole federativa do Império de Cuxe. Em seguida, seu irmão Shabaka - este sim
considerado por muitos o fundador da XXV dinastia - torna-se rei e conquista todo o vale
do Nilo até o Delta.
“Na região tebana ele erigiu colunatas nos quatro pontos cardeais
do templo de Carnac e construiu grande número de pequenas
capelas, onde se associavam os cultos de mon e de Osíris. Há
evidências de sua presença também em Mênfis e no Delta.
Abandonando a tradicional necrópole de el‐Kurru, Taharqa
construiu em Nuri o que parece ser um cenotáfio comparável ao
Osireion de Abidos; em Sedinga descobriu‐se um túmulo inscrito
com alguns de seus títulos e distinções. Várias estátuas de
excepcional qualidade, em granito esplendidamente esculpido e
realçado por ornamentos de ouro, representam o monarca a
caminhar em passos firmes, revelando‐nos seus traços: a face é
pesada; o nariz carnudo dilata‐se sobre a boca larga, de lábios
grossos; o queixo curto e forte sublinha o extraordinário vigor do
rosto”.
Nessa dupla monarquia vale ressaltar que houve uma mistura entre as culturas: os
sudaneses absorvem do comportamento (atitudes e vestimentas) egípcio e estes
utilizavam de ornamentos do Sudão, entre outras; e também a inclusão feminina em seu
império.
Após a derrota para os assírios, o domínio sobre o Egito acabou e os cuxitas
direcionaram-se para o sul (tornam-se os vizinhos do Sul). Concentraram-se em Napata -
onde foi encontrado cemitérios que provam essa similaridade com os faraós -, onde
houve a deterioração da influência egípcia em sua cultura, mas seu contato não termina
aí: o império (591 a.C) foi invadido por uma expedição egípcia e Kush teve que mover-se
novamente, desta vez em direção a Méroe por motivos econômicos e climáticos. Em sua
língua, meroíta, tem base alguns hieróglifos de seus vizinhos do Norte, porém tem suas
diferenciações como a leitura feita de forma inversa e seu sistema gráfico; ainda sim a
tradução é irrealizável o que impossibilita à novas descobertas.
Novamente por questões conflituosas com vizinhos e invasões, a capital de Meroé cai
assim como sua antecessora. Finalizando o autor ressalta a importância de Méroe: a
exploração de ferro local difundiu-se no continente africano e a transmissão de influência
egípcia para o interior da África através de Méroe.
No restante da África ele cita a expedição de Necau II - possível responsável pela
construção canal talvez ligasse o Mediterrâneo (ou Nilo) ao mar Vermelho - pela costa da
África em busca de produtos que necessitavam e não havia em seu território:
“A Líbia é circundada pelo mar, exceto na região fronteiriça com a
Ásia; quem por primeiro comprovou esse fato, ao que sabemos, foi
Necau, rei do Egito. Após concluir a abertura do canal que liga o
Nilo ao golfo Arábico, Necau enviou navios tripulados por
fenícios, incumbindo‐os de, na viagem de volta, contornarem as
Colunas de Hércules até atingir o mar, ao norte, e daí rumarem
para o Egito. Assim, os fenícios partiram do mar Vermelho e
navegaram pelo mar Austral. Sempre que chegava o outono, em
qualquer parte da Líbia que estivessem, desembarcavam e
semeavam a terra, e ali aguardavam a safra; em seguida, realizada
a colheita, partiam. Assim, passados dois anos, ao terceiro
contornaram as Colunas de Hércules e voltaram para o Egito. Lá,
relataram que durante a viagem viram o sol à sua direita (há quem
acredite nisso, mas não eu). Foi assim que se obteve a primeira
informação sobre a Líbia”.
Ele termina salientando a necessidade de junção dos materiais dado pelos africanos e
com as dos pesquisadores estrangeiros, fomentando e estudando teorias com a ajuda dos
diversos equipamentos científicos.
UNIDADE III
O tráfico árabe-muçulmano deu-se anteriormente ao tráfico europeu, ou tráfico
atlântico, e serviu de base para seu sucessor ao transferir sua visão, suas crenças e seus
preconceitos. É importante salientar que apesar de não haver números exatos da
quantidade de escravos, há especulações, é indiscutível que não foi algo pequeno; porém
tem-se duvidas que tenha sido menos danoso que a exploração dos europeus, mesmo com
as práticas diferentes.
Realizou-se através do Saara e do oceano índico, inicialmente, o primeiro eixo do
tráfico Árabe ligava a costa oriental da África com a Arábia; além do tráfico humano, era
praticado o comércio de marfim para Índia e a China. Os negros não eram os únicos
escravos presentes ali, havia persas e europeus, mais adiante entenderemos o por quê do
negro ser considerado mais importante.
Após a pregação do profeta Muhammad, que também teve africanos como
companheiros, e a expansão Árabe - com o surgimento do califado, a expansão militar e
religiosa (e o Islã) - a estrutura do tráfico muda e torna-se mais maciça e intensa. A
escravatura era legitimada durante a guerra santa, todos que eram capturados - os
idólatras - viravam escravos, bem como a necessidade domésticas, econômicas e
militares fortaleceram-se dessa exploração.
O eixo comercial também foi modificado, o primeiro era do “país dos zandj” (países
situados ao sul da Abissínia, em especial, com a costa oriental da África - onde tudo foi
organizado - e o povo bantu) para península Arábica. No século VII era do Egito a Núbia
(onde mulheres serviam como concubinas) e a terceira era a rota transaariana (ligava o
Ifriqiya e o Magreb a parte do Sudão - transformado em reservatório de escravos).
A utilização dos africanos dependia das necessidades locais, no mundo muçulmano
eles são geralmente postos em três situações: nas atividades domésticas; na segurança,
onde eram vistos com bons olhos devido a sua à sua coragem e ao mesmo tempo com
olhares temerosos exatamente pelo mesmo motivo; e no trabalho (preferencialmente
agrícola) também chamado de escravatura produtiva. Eunucos (não só negros) valiam
mais por sua condição, porém devido ao grau de degradação dos negros escravos, o que
levava a sua docilidade, eles eram menos perigosos que os escravos brancos temidos por
seus donos. As mulheres desempenhavam serviços domésticos e eram cobiçadas nas
famílias árabes. Vale ressaltar que o número de africanos nessas condições passada da
casa dos milhares.
Mas, como dito os escravos negros não foram tão desumanizados como no tráfico
atlântico:
“Os fatímidas do Egito (909-1171) deram-lhes um papel oficial na
organização dos grandes servidores do Estado, colocando-os
imediatamente após os emires e organizando-os em corpo
estruturado e hierarquizado.” (Pag. 226)
Como já dito, no primeiro período não havia estruturas necessárias para o pleno
funcionamento de seu mercado para além de sua região, que repetindo, teve seu
crescimento. As riquezas da zona africana não tinha o devido valor devido que o tráfico
escravo ampliava-se, então o metal e o ouro provinham principalmente das colônias da
América espanhola, sendo o outro utilizado como moeda de troca impulsionando o
processo de comercialização nas atividades econômicas. Torna-se claro o que seria um
processo de dependência entre as regiões.: