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É desse pressuposto que partem os autores quanto utilizam como titulo do livro uma
indagação: O que é memória social?, evidenciando muito mais o caráter exploratório e
questionador que tal publicação propõem do que a necessidade de respostas fechadas e exatas.
Mas nem por isso esta coletânea de pesquisadas (realizadas no Programa de Pós-Graduação da
UNIRIO) deixa de trazer também propostas, ou até mesmo respostas, já que a “ausência de rigor”
neste tipo de conceituação também é danosa, como diz Jô Gondar.
Sabendo-se que campos abertos, como os conceitos de memória e cultura, podem, por um
lado, ser muito ricos no quesito discussão, já que justamente não possuem regras definidas e
encerradas, a psicanalista Jô Gondar, no entanto, ressalta que esta característica pode ser também
muito preocupante pois, segundo ela, “dois perigos, entretanto, costumam ameaçar os territórios
abertos e colhedores do múltiplo: a ausência de rigor e o ecletismo ético.”2
Para tanto, Gondar dispõe quatro proposições sobre memória social, as quais disserta de
maneira clara e, no limite possível, objetiva, tendo em vista o complexo campo em que pisa.
1
GONDAR, Jô.: Quatro Proposições sobre Memória Social, in: GONDAR, Jô; DODEBEI, Vera. O que é memória
social, Rio de Janeiro: UNIRIO, 2005, p. 07.
2
Idem, p. 11.
“A memória social, como objeto de pesquisa passível de ser conceituado,
não pertence a nenhuma disciplina tradicionalmente existente, e nenhuma delas
goza do privilégio de produzir o seu conceito. Esse conceito se encontra em
construção a partir de novos problemas que resultam do atravessamento de
disciplinas diversas.”3
3
Idem, p. 15.
4
Idem, Ibidem.
5
Idem, p. 16.
“O conceito de memória produzido no presente, é uma maneira de pensar o
passado em função do futuro que se almeja. Seja qual for a escolha teórica em que
nos situemos, estaremos comprometidos ética e politicamente.”6
Jô Gondar coloca que a memória é uma construção, admitindo isso como um fato
aceitável hoje. Isso porque a memória “não nos conduz a reconstituir o passado, mas sim a
reconstruí-lo com base nas questões que nós fazemos, que fazemos a ele, questões que dizem
mais de nós mesmos, de nossa perspectiva presente, que do frescor dos acontecimentos
passados”7.
Essa concepção, no entanto, é contemporânea e segue os moldes modernos deste último
século, pois o conceito de memória como a entendemos hoje é bem recente, datando do “(...) fim
do século XIX. É apenas nesse período, bastante recente na história do pensamento, que os
homens admitiram que a memória é algo que eles mesmos constroem a partir de suas relações
sociais – e não a verdade do que passou ou do que é.”8
A memória defendida por Platão não era individual nem social, mas sim ontológica “que
permite a revelação do ser imutável e eterno”, ou seja, o homem esperava da memória que ela o
salvasse da degradação, que o tirasse do tempo, e o “conduzisse-o às verdades eternas, formas
imóveis e anteriores a tudo o que se constrói, a tudo o que muda, a tudo o que é acidental e
contingente”9. Muitas outras proposições feitas por pensadores clássicos foram colocadas após a
de Platão, mas todas elas estavam atreladas ao anseio pela eternidade. Somente com o surgimento
do sujeito, na modernidade, isto mudaria, pois este “tem uma dimensão finita: ele passa e se
transforma com o tempo (...). O homem, com seus limites, sua história, seus valores sociais, pôde
se tornar objeto de investigação”10. É, justamente, quando surgem as Ciências Humanas e
Sociais, e a memória tornaria-se então uma construção humana e, portanto, uma construção do
tempo.
6
Idem, p. 17.
7
Idem, p. 18.
8
Idem, Ibidem.
9
Idem, p. 19.
10
Idem, Ibidem.
Desta idéia, em que a memória é um processo, a Gondar tira sua última proposição, que
tem por objetivo questionar certos hábitos de pensamento que disseminam, por exemplo, a
noção de memória como sinônimo de representação coletiva.
Desta citação é clara a intenção de demarcar como memória não apenas arquivos
representativos de um povo, de um acontecimento, ou de uma cultura, mas sim admití-la como
parte da esfera social que é “viva, pulsante e em constante mudança”12. Diante de tudo o que a
memória abrange, a representação dela é apenas um fragmento, uma instância de uma trama
muito mais complexa e abrangente. Tão ampla é a conceituação da memória que não podemos,
segundo Gondar, deixar de lembrar que dela fazem parte a invenção e a criação do novo, pois seu
conceito é tão rico justamente por isso, por abarcar a mudança, a vivacidade.
11
Idem, p. 23.
12
Idem, Ibidem