Você está na página 1de 7

Uma aula sobre história e memória pode começar com um questionamento

prévio sobre o que os alunos compreendem por memória. Uma vez feito esse
pequeno exercício com a participação de todos, podem ser abordados o que os
historiadores entendem pelo mesmo conceito e quais são os principais debates
que o envolvem.
Depois disso, o primeiro passo é lembrar os alunos que a memória não é a
mesma coisa que lembrança, uma vez que esta remete a uma experiência
individual de um acontecimento. Aquela, por sua vez, não é necessariamente uma
experiência individual, pois pode reproduzir uma visão do passado compartilhada
(coletiva) e que nem todos os membros que partilham dela vivenciaram. Dessa
forma, a memória é uma construção que pode ser transmitida para gerações
seguintes.
Uma vez pontuada essa questão, é importante definirmos que a memória é
uma reconstrução do passado feita de maneira parcial e limitada, levando em
consideração o que um indivíduo ou um grupo entende como o passado. A
memória é uma reconstrução do passado feita sem o processo crítico pelo qual a
história é feita.
Isso acontece porque a memória não faz uma análise crítica das fontes ou a
utilização de metodologias científicas, tampouco coloca o trabalho final em
apreciação científica, como os historiadores fazem. A memória é uma
reconstrução do passado que é feita, frequentemente, de acordo
com interesses políticos, econômicos ou ideológicos do presente.
Assim, essa falta de embasamento crítico da memória faz com que ela possa ser
instrumento para mitificar ou demonizar acontecimentos ou personalidades do
passado. Dentro disso, algo comum realizado com a memória é
o esquecimento de determinados acontecimentos históricos, uma vez que o que
não for interessante na glorificação ou demonização desses é simplesmente
esquecido.

Quando nos recordamos de algum


acontecimento, fazemos o uso da nossa
memória. A impressão mais intuitiva ao
fazer este exercício é que, aquilo que
estou recordando faz parte da “minha
memória”, ou seja, “pertence a mim”,
“nasceu das minhas observações” e
“perecerá comigo”. O que precisa ser
observado é que boa parte das
lembranças de um indivíduo é relativa a
momentos compartilhados com outros,
seja no ambiente familiar, no trabalho,
na escola, ou, numa escala maior, em
um bairro, cidade, ou até país.

Dessa forma, pode-se dizer, em


consonância com Halbwachs, que a
memória individual é um ponto de vista
sobre a memória coletiva. Se boa parte
das lembranças que temos é relativa a
momentos em que a memória é
compartilhada, ainda existe uma
parcela de momentos que foram
vivenciados por uma pessoa somente.
Até mesmo esses momentos individuais
possuem relações com o coletivo?

Ora, qualquer ser humano é resultado,


também, das interações sociais que
experimentou; além disso, a nossa
memória individual ancora-se em
diversos pontos de referência como
sons, paisagens, sentimentos,
elementos do espaço que se encontra,
entre outros. Assim, mesmo que uma
lembrança individual não envolva
diretamente nenhuma outra pessoa, ela
necessariamente se insere no mesmo
espaço que o das lembranças de várias
outras pessoas. “arquivada” pelos seus
recursos mentais que se constituíram,
também, de maneira social e pode se
materializar através da linguagem, que
é, novamente, uma construção social.

A partir da compreensão da memória


individual, o próximo passo é
estabelecer o que é a memória coletiva,
a que ela se refere. Quando há uma
lembrança que foi vivida por uma
pessoa – ou repassada para ela – e que
diz respeito a uma comunidade, ou
grupo, essa lembrança vai se tornando
um patrimônio daquela comunidade. As
informações mais relevantes dessas
lembranças vão sendo repassadas de
pessoa a pessoa e vão constituindo a
história oral de um determinado lugar,
ou grupo. Essa memória coletiva,
geralmente tenderá a idealizar o
passado e, na maioria das vezes, estará
vinculada a um acontecimento pontual,
que será considerado o de máxima
relevância.

Todo o restante, que envolve aquele


acontecimento, é fadado ao
esquecimento, ou a um constante
processo de atualização. Vemos esse
fenômeno aparecendo também nos
estudos de Freud, quando a memória
passou a ser compreendida como uma
capacidade psíquica seletiva. Assim,
esse processo de esquecimento
também faz parte da construção da
memória coletiva de uma comunidade.
Como apontado por Olga Von Simson, a
memória coletiva:

É formada por fatos e aspectos julgados


importantes e que são guardados como
a memória oficial da sociedade mais
ampla. Se expressa no que chamamos
de lugares da memória. Eles são os
memoriais, os monumentos mais
importantes, os hinos oficiais, quadros
célebres, obras literárias e artísticas
que expressam a versão consolidada de
um passado coletivo de uma dada
sociedade (VON SIMSON, 2003).
Com essa definição, também fica
evidente um elemento importante para a
memória coletiva: os lugares de
memória. Esse conceito surge em
meados do século XX com o historiador
francês Pierre Nora. Simplificadamente,
podemos compreender o “lugar de
memória” a partir de três
características que a constituem: o
lugar de memória é material, físico,
como museus, arquivos, cemitérios,
coleções, comemorações, tratados,
monumentos, santuários, associações,
jornais, etc.; é funcional, pois garante,
ao menos por hipótese, a cristalização
da lembrança e, consequentemente, sua
transmissão; e é simbólica, já que
remete a um acontecimento vivido por
um grupo minoritário de pessoas, que
muitas vezes já nem estão vivas, e,
ainda assim, traz uma representação
para uma maioria que não participou do
acontecimento.

A existência dos lugares de memória, e


os constantes esforços pela sua
perenidade, é um reflexo da
possibilidade do esquecimento. Como
ressalta Nora, “se o que [os lugares de
memória] defendem não estivesse
ameaçado, não se teria a necessidade
de construí-los. Se vivêssemos
verdadeiramente as lembranças que
envolvem, eles seriam inúteis” (NORA,
1993, p. 13).

Dessa maneira, compreendemos que há


uma memória coletiva. Ela representa
um repositório abstrato de informações
referentes a uma comunidade, se
constitui a partir de memórias
individuais, se expressa materialmente,
ancora-se nos lugares de memória e tem
como caminho espontâneo o seu
desaparecimento.

Definidos esses conceitos, tornam-se


mais claras as implicações de uma
tragédia que devastou uma cidade
inteira. O desastre de Mariana provocou
a extinção de incontáveis lugares de
memória da cidade, deixando todas as
lembranças comuns daquela
comunidade ancoradas apenas nas
mentes dos moradores, que vão
caminhando paulatinamente para o
esquecimento. Como se não fosse o
suficiente, a destruição ainda ergueu
novos lugares de memória.

Ao olhar para o rio e ver somente lama,


ao olhar para as ruas e vê-las
destruídas, ao olhar para um porta-
retrato e ver o familiar falecido, os
marianenses são constantemente
lembrados daquilo que desejariam muito
apagar da memória. Nesse caso, o
esquecimento da tragédia, que poderia
representar alívio, só acontecerá
algumas gerações no futuro, quando os
atuais lugares de memória da
destruição tiverem se dissipado.

Como reflexões finais, nós nos


perguntamos: qual tem sido a
contribuição da mídia neste processo?
Ela tem ajudado a resgatar as
lembranças dos moradores de Mariana,
dando voz às vítimas? Como isso afeta
aqueles que estão a quilômetros de
distância dessas pessoas?

Você também pode gostar