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14 Sistemasdenumeracaodecimalnociclodealfabetizacao PDF
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SISTEMA DE
NUMERAÇÃO
DECIMAL NO CICLO
DE ALFABETIZAÇÃO
Ano XXIV - Boletim 5 - SETEMBRO 2014
S istema de N umeração D ecimal no C iclo de
A lfabetização
SUMÁRIO
Apresentação........................................................................................................................... 3
Rosa Helena Mendonça
Introdução............................................................................................................................... 4
Cristiano Alberto Muniz
Texto 2A: Pega Varetas: construção da noção de valor para a aprendizagem do SND ...........22
Ana Maria Porto Nascimento
Texto 3A: A criança se percebendo como construtora do Sistema de Numeração Decimal ........37
Cristiano Alberto Muniz
Texto 3B: SND: conceitos matemáticos articulados com atividades pedagógicas .......................49
Eurivalda Santana
S istema de N umeração D ecimal no ciclo de
alfabetização
Apresentação
A publicação Salto para o Futuro comple- A edição 5 de 2014 traz o tema Sistema de
menta as edições televisivas do programa Numeração Decimal no ciclo de alfabetiza-
de mesmo nome da TV Escola (MEC). Este ção, e conta com a consultoria de Cristia-
aspecto não significa, no entanto, uma sim- no Alberto Muniz, Doutor em Sciences de
l’Education pelo Université Paris Nord e
ples dependência entre as duas versões. Ao
Professor Adjunto da Universidade de Bra-
contrário, os leitores e os telespectadores
sília, que contribuiu com a organização da
– professores e gestores da Educação Bási-
presente coletânea e foi o Consultor desta
ca, em sua maioria, além de estudantes de Edição Temática.
cursos de formação de professores, de Fa-
culdades de Pedagogia e de diferentes licen- Os textos que integram essa publicação são:
textos que integram cada edição temática, tora do Sistema de Numeração Decimal
o fato de que, mesmo constituindo-se num ca ganham importância nas nossas reflexões,
sistema fechado de regras, as propostas pe- revelando que qualquer aprendizagem sig-
se percebam como autoras das estruturas do diação realizada pelo professor, sempre desa-
1 Doutor em Sciences de l’Education pelo Université Paris Nord, Professor Adjunto da Universidade de
Brasília e Consultor desta Edição Temática.
Almeida nos presenteia com o primeiro texto o “um” pode significar plural, como ocorre
destacando o valor dos processos de media- na pontuação dos palitos no jogo de pega-
ção nas aulas de Matemática. Este primeiro -varetas. Se, no jogo, as crianças apresentam
texto, Mediação Pedagógica: uma via de mão dificuldades para compreensão da noção de
dupla, nos revela que muitas das dificulda- valor, Ana Porto demonstra que mediações
des de aprendizagens, dentre elas a constru- pedagógicas podem se realizar, articulando
ção do número, podem ser ressignificadas se as noções de valor-quantia com as de quan-
nós, educadores, assumirmos nosso papel de tidade e utilizando como mediação material
mediadores pedagógicos. de contagem, bolinhas ou semente de milho.
Esta noção de valor será de fundamental im-
Fazer das crianças protagonistas do
portância para a construção, pela criança, da
processo de estruturação do sistema de nu-
ideia de ordens e classes, pois um dígito pode
meração é a proposta de Sueli Brito Lira de
assumir diferentes valores dentro da compo-
Freitas, no texto A criança ativa na construção
sição do número, segundo sua posição. Este
do número no SND, que nos apresenta suges-
protagonismo acaba por nos conduzir a me-
tões de construção de um projeto pedagógico
lhor compreender como as crianças são capa-
com efetiva participação de cada criança no
zes de apresentar inusitados procedimentos
desenvolvimento de atividades que permitam
operatórios e registros nas operações aritmé-
a gradativa aquisição de estruturas do sistema 5
ticas quando elas se apropriam efetivamente
de numeração decimal, fazendo com que os
da compreensão da estrutura do número.
aprendizes participem efusivamente dos em-
bates, proposições e decisões, sempre trocan- As relações da criança com o siste-
do e validando ideias no processo coletivamen- ma de numeração decimal em seus contex-
te constituído. Sueli demonstra que materiais tos socioculturais é o foco de Nilza Eigenheer
concretos e simbólicos, livres e estruturados, Bertoni, nos trazendo, além de construções
pedagógicos e culturais participam da consti- conceituais importantes, atividades do coti-
tuição deste ambiente alfabetizador da Mate- diano escolar como “Quantos somos hoje?”,
mática no primeiro ciclo de escolarização. revelando como estas permitem, à criança,
gradativamente, se apropriar dos sentidos das
Se a descoberta do agrupamento de- regras do sistema de numeração, sempre de
cimal e posicional é importante, Ana Maria forma reflexiva, socializada e colaborativa.
Porto Nascimento, em seu texto Pega Va- Seu texto O ensino do Sistema de Numeração
retas: construção da noção de valor para a Decimal propõe uma reflexão sobre aspectos
aprendizagem do SND, nos revela o quanto é linguísticos e culturais da escrita e leitura dos
importante oferecer, às crianças, atividades números e revela como os processos de apro-
que permitam a elas a noção de valor. Quan- priação e aprendizagem dos números é um fe-
do uma unidade pode representar um grupo, nômeno complexo.
Assim como outros autores desta pu- serem realizadas paralelamente aos jogos, se-
blicação, Nilza nos traz exemplos de como o gundo proposta do autor.
conhecimento da estrutura do sistema nu-
Não apenas a leitura deste texto e as
mérico “empodera” a criança para produzir
gravações do Salto para o Futuro alimentam
procedimentos operatórios próprios, deveras
nossas esperanças de um fazer diferente e me-
ricos e criativos.
lhor: a experiência e a construção coletiva com
Se o sistema de numeração decimal os alunos e colegas professores da escola são
acaba por se constituir em estrutura fundada fatores que podem ser a garantia da realização
em agrupamento decimal, valor posicional e destas esperanças de que a aprendizagem do
registro, podemos favorecer a construção de SND não se constitua em mais um obstáculo à
proposta pedagógica a partir de jogos que têm alfabetização de nossas crianças.
como regras o agrupar de dez em dez, o posi-
cionar e registrar com algarismos que mudam O conjunto dos textos é concluído com
de valor conforme a posição. Cristiano Muniz as contribuições de Eurivalda Santana, que
nos mostra, em seu texto A criança se perce- põe acento à importância da resolução de pro-
bendo como construtora do Sistema de Nume- blemas pelos alunos no ciclo de alfabetização,
ração Decimal, como o professor pode ensinar com destaque aos papéis dos registros por eles
6
aos seus alfabetizandos jogos matemáticos, realizados e para as trocas sociais. Eurivalda,
apoiados nas regras do sistema. Desta for- no texto SND: conceitos matemáticos arti-
ma, aprender a jogar o jogo do professor, culados com atividades pedagógicas ancora
implica, em última instância, assimilar as suas colocações em importantes teóricos que
regras do SND, a partir das quais a atividade apresentam conceitos para a compreensão
lúdica foi concebida. dos processos de aprendizagem do número
pelas crianças em contextos de quantificação.
Com tais jogos, pensa-se na criança
como protagonista da aprendizagem do SND. Esperamos que esta publicação seja,
É possível também repensar a organização do para os alfabetizadores, fonte de consulta e
trabalho pedagógico, favorecendo novas for- reflexão sobre melhores estratégias de media-
mas de mediação pedagógica, de interações ção pedagógica na construção das estruturas
em sala de aula, e mesmo formas alternativas do sistema de numeração decimal, consi-
e importantes de se avaliarem os processos derando as crianças em alfabetização como
de aprendizagem matemática, num ambiente efetivamente autoras de seus processos de
pleno de trocas entre os alunos. Para a reali- aprendizagem e de atribuição de significados
zação de tais jogos, materiais lúdicos passam ao número, suas estruturas e validação no
a fazer parte do cotidiano pedagógico na al- contexto sociocultural.
fabetização, assim como outras atividades, a
texto 1a
Dentre as muitas frases que se torna- professor como em direção ao aluno. Se por
ram comuns entre nós, professores, quando um lado o professor parece não conseguir
o assunto é dificuldade em Matemática, po- alcançar o aluno; do outro, o aluno, por ve-
de-se destacar uma, que talvez ainda percor- zes, não consegue explicitar suas formas de
ra muitas salas de aula: “Não consigo enten- pensar ou se sente inseguro, ou mesmo te-
der o que foi que esse aluno não entendeu!” meroso, em se expor.
A frase acima encerra um dilema que Parece que um impasse foi estabeleci-
parece ainda não ter sido resolvido entre as do e que as possibilidades de solucioná-lo são
partes do processo educativo, sendo elas a bastante limitadas, restando apenas manter a 7
relação entre ensino e aprendizado, entre rotina padrão que se instaurou nas aulas de
professor e aluno, entre saber ensinar e sa- Matemática: O professor dá um exemplo fácil na
ber como se aprende.
hora da aula, mas na hora da prova passa uma
questão difícil. Daí, ninguém consegue resolver
Não se trata de dizer quem é o culpa-
(Ricardo2, 15 anos).
do, ou quais são os culpados nessa história.
Todavia, não se pode ignorar o fato de que há
Ante o quadro exposto, é possível enu-
uma brecha na relação entre o ato de ensinar
merar algumas indagações: por que os profes-
e o de aprender, o que acaba por aumentar
sores de Matemática continuam afirmando
ainda mais a lista de temores em relação ao
que as dificuldades apresentadas pelos alunos
ensino-aprendizado de Matemática.
são decorrentes da falta de atenção destes?
Por que muitos alunos, em diferentes níveis
As dificuldades que se notam nes-
de escolarização, chegam à mesma conclusão
se contexto apontam tanto em direção ao
A diversidade da sala mostra diferentes ní- NIZ, 2004). Por conseguinte, revela em que
• O registro pictórico que aparece ao lado Por isso, ao fazer a subtração na or-
mento resolutivo da operação, revelando para completar as 8 centenas (4 + 4), sendo en-
Todavia, como avaliar o que Joyce Pelo que se pode apreender, funda-
fez? Pautar a avaliação tão somente no re- mentalmente, a realização da mediação
gistro escrito é suficiente para dizer o que pedagógica mostra que é necessária a re-
a aluna sabe ou não sabe em Matemática? construção dos alicerces da avaliação que é
Qual a necessidade de Joyce? feita (ou tem sido feita) nas aulas de Mate-
mática. Basicamente ela desconstrói o muro
da supremacia professoral, em termos de
detenção do conhecimento certo, exato e
acabado, sem, contudo, retirar do professor
a devida competência pedagógica e profis-
sional, ao mesmo tempo em que desperta
no aluno a necessidade de se tornar mais
ativo no processo de construção do conhe-
cimento, levando-o a refletir sobre a própria
maneira de pensar, sem menosprezar o va-
lor social dos conteúdos trabalhados.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 28 ed. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
KAMII, Constance. A criança e o número. 31ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 1990.
MUNIZ, Cristiano Alberto. A criança das Séries Iniciais faz Matemática? In: PAVANELLO, Maria
Regina (org). Matemática nas séries iniciais do ensino fundamental: a pesquisa e a sala de
aula. São Paulo: Biblioteca do Educador Matemático. Coleção SBEM. Vol. 2. 2004, p. 37-48.
PAIS, Luiz Carlos. Didática da Matemática: uma análise da influência francesa. 2 ed. Belo Ho- 13
rizonte: Autência, 2002.
3 Mestrado em Educação pela Universidade de Brasília, Brasil. Professora da Secretaria de Estado de Educação
do DF, Brasil.
O que sabe de número uma criança objetos que propiciem a aprendizagem dos
de 2 anos quando mostra dois dedos para números: sucatas; coleções diversas feitas
responder a pergunta “quantos anos você com a turma; fichas numéricas; cartazes
tem?” Ou que recita de 1 a 10? Em um pri- com quantidades e registros corresponden-
meiro momento pensamos: tão pequena e já tes, tanto nome quanto número; cartazes
sabe mostrar que tem 2 anos ou já sabe con- com sequência numérica até 100; relógio;
tar até 10. Como é inteligente! Realmente, as calendário; material dourado; jogos e etc.,
crianças são muito inteligentes e aprendem podem ajudar neste processo.
quando estimuladas.
Em 1999 conheci a caixa matemáti-
A aprendizagem de número pres- ca com o Professor Doutor Cristiano Alber-
supõe o uso da memória, seja para recitar to Muniz, da Universidade de Brasília. Ela
uma sequência corretamente ou para iden- é formada por uma caixa com objetos que
tificar um registro numérico, mas não so- ajudam na aprendizagem matemática: ré-
mente. É muito provável que uma criança gua, sementes, coleções, fita métrica, tre-
de 2 anos, ao responder a estas perguntas, na, palitos, ligas, dados, 3 conjuntos de fi-
tenha recorrido apenas à memória, não chas numéricas de 0 a 9, material dourado,
compreendendo o significado do número calculadora, calendário, relógio... Novos 15
dois ou do que seja o dez. objetos irão compondo a caixa na medida
em que vão sendo necessários para resolver
O que representa o ‘dois’ da idade desafios propostos. A sugestão é que cada
ou o ‘dez’ da recitação numérica? Ativida- criança da turma monte a sua caixa com a
des que envolvam contagem, sequência nu- família e traga para a escola. Pode ser uma
mérica, inclusão hierárquica, comparação, caixa de sapato, de ferramentas, de plástico,
quantificação, correspondência biunívoca, como quiser. A cada proposta de atividade
uso de simbologia, formação de grupos, va- matemática, a criança fica livre para usar os
lor posicional e princípio aditivo são neces- materiais nela existentes, e então, procurar
sárias para compreender nosso sistema de resolver as situações propostas. Ao manipu-
numeração decimal e seus diferentes usos: lar o material, a criança tem a oportunidade
o número como quantificador, como orde- de pensar para construir conceitos, seja de
nador ou como código. número, geometria, medidas, etc. Não se
trata de uma aula de demonstração em que
A sala de aula deve se constituir a professora mostra o material, explica e faz
num ambiente de alfabetização matemáti- perguntas às crianças, mas de a professora
ca, um espaço em que a criança encontre provocar uma situação, e cada criança, a
partir das elaborações que possui e das ne- no colega; 3) as crianças em pé na roda
cessidades que tem, utilizar as ferramentas e a primeira diz UM e senta, a segunda
da sua caixa a fim de desenvolver soluções diz DOIS e senta, e assim até terminar ou,
para os problemas apresentados. ao contrário, estão sentadas e vão levan-
tando e dizendo a sequência numérica
Ao utilizar os materiais da caixa, até terminar a contagem. Aqui fizemos
com frequência, vai aos poucos se libertan- três sugestões que podem ser realizadas
do deles, ou seja, vai passando da necessi- em momentos diferentes, observando as
dade do concreto para a abstração. Quando necessidades da turma e sem nenhuma
a criança diz que não precisa mais usar o confecção de material. Se uma criança
material para resolver a situação significa está em dificuldade para recitar a sequ-
que ela alcançou um nível de abstração. É ência numérica, numérica, faça com ela
como se o material estivesse dentro da sua a sugestão número 2. Junto com a tur-
cabeça e assim é capaz de visualizar solu- ma, ajude-a a recitar a ordem enquanto
ções sem precisar dos objetos concretos. ela passa a mão na cabeça de cada colega
Os materiais da caixa podem ser usados ou no ombro. Estas atividades ajudam na
também em grupo. Jogos com palitos e da- contagem e na percepção de que existe
dos são feitos em duplas ou grupos de até uma sequência numérica. As atividades 16
4 crianças. Eles ajudam a compreender os de contagem são imprescindíveis na al-
agrupamentos que caracterizam o SND. fabetização matemática. Para nominar a
quantidade de alunos da sala é preciso or-
Vamos pensar algumas sugestões ganizar em grupos perceptivos no intuito
de atividades simples e importantes para de quantificar. A contagem mais elemen-
gerar ideias e favorecer a construção do tar é a de 1 em 1. As crianças usam os de-
conceito de número: dos para contar, o que é muito natural e
retrata uma herança cultural. Nosso sis-
• Contar quantas crianças há na rodi- tema é de base decimal porque se baseia
nha: 1) a professora vai passando a mão nos 10 dedos das mãos. Contar nos dedos
na cabeça de cada criança e toda a tur- faz parte da aprendizagem matemática.
ma pode contar junto; 2) uma criança vai
passando e contando cada membro da • Brincar de formar grupos com
2 No original: “students are also more motivated when the topics are personally interesting. There is considerable
evidence that when students read materials they find interesting they comprehend and remember the material better”.
escreve, em folhas de papel ofício, núme- mal). Num primeiro momento as crianças
ros de 1 a 10. As crianças ficam de pé vi- contarão de 1 em 1. Num outro momento
radas para a professora que mostra uma farão contagem de 10 em 10. Cada saqui-
ficha com um número, por exemplo, o 5. nho conta 10. Então, em dez saquinhos
Elas devem formar grupos de 5 crianças. teremos quantas bolinhas? Elaborar situ-
Esta atividade é para trabalhar a relação ações problema utilizando outras quanti-
símbolo X quantidade. Ou seja, as crianças dades. Hoje formamos 6 saquinhos com
identificam o símbolo 5 e imediatamente 10 bolinhas cada. Se fizermos 8 saquinhos
formam um grupo de cinco se abraçan- com 10 bolinhas cada quantas bolinhas
do ou dando as mãos. E assim com outros teremos? Quantas bolinhas faltam para
números. ficarmos com 80? As crianças podem ma-
nipular materiais, desenhar, escrever, usar
• Jogar queimada: a professora propõe
registros numéricos, operar...
o jogo e diz que precisa formar dois times
e pergunta quantas crianças irão ficar • Usar jogos: jogos de memória, pega
em cada lado, ou ao fazer a escolha dos varetas, dominó, jogos matemáticos pro-
times, as crianças percebem se ficaram postos no material do PNAIC Matemáti-
iguais, com quantos cada time ficou, se ca, entre outros, são procedimentos para 17
algum time ficou com mais ou com me- provocar a aprendizagem de número.
nos. Tudo isso pode ser discutido. Estabe-
Como a compreensão da ideia de nú-
lecer relações de equiparação, onde tem
mero pressupõe o processo de ação-reflexão-
mais ou onde tem menos são atividades
-ação sobre os objetos, o trabalho com ma-
importantes para compreender número.
terial concreto é imprescindível. O número
• Fazer coleções: propor à turma fazer por si só não existe, é uma ideia, e esta ideia
coleção de bolinhas de gude, por exemplo. para ser compreendida, experienciada, vivi-
Pode-se ir juntando as bolinhas e fazendo da. O trabalho com materiais ajudará nesta
contagem com seus respectivos registros construção que, com o passar do tempo,
a cada dia. Desafios escritos podem ser será dispensável, assim que ocorrer o pro-
elaborados pela professora para que as cesso de abstração. Então, a criança pensa
crianças resolvam. Num dado momen- numa quantidade e é capaz de representá-la
to, propor fazer grupinhos de bolinhas e mentalmente ou compreender o seu signi-
colocar em sacos transparentes. Combi- ficado. Neste momento ela diz não precisar
nar que cada grupo deve ter 10 bolinhas mais do material. Quem determina até quan-
(princípio do Sistema de Numeração Deci- do a criança precisará do material concreto?
Ela mesma. Estando sempre com o material rado por eles. Para elaborar o cartaz fizeram
ao seu alcance ela decidirá se precisará dele uso de medidas com a régua. Para utilizar o
para resolver o proposto ou se poderá fazê-lo campo de areia da escola ao lado da nossa
sem. As crianças seguem em tempos e mo- escrevemos uma carta à direção daquela ins-
dos de aprendizagem de maneira diferente, tituição fazendo a solicitação de uso do cam-
não sendo possível determinar que aprende- po de areia. Recebemos a resposta por meio
rão as mesmas coisas ao mesmo tempo. de carta também. No dia marcado ocupa-
mos o campo de areia. Crianças com trenas
E como promover a aprendizagem do nas mãos para marcar o comprimento dos
número? São diversas as propostas. Lembro- saltos, outras com pincel para anotar os nú-
-me que uma vez desenvolvemos um projeto meros das medidas. Ao final, a comparação
na época das olimpíadas na Grécia. Visita- entre os números registrados para determi-
mos a embaixada, lemos textos informativos nar quem saltou mais longe e para qual equi-
e literários, estudamos sobre a saúde dos pe iria a pontuação. A partir desta atividade
atletas, entrevistamos um atleta olímpico vivenciada e discutida, outras foram sendo
que morava em nossa cidade e foi estudante criadas para o registro das crianças: a resolu-
da escola pública em que trabalhávamos, en- ção de situações problema sempre presente.
fim, foram muitas as atividades. E onde fica o Muitas são as situações de vida que podemos
18
número? O número apareceu quase sempre. usar para aprender conceitos matemáticos.
Por fim, resolvemos fazer uma mini olimpía-
da: salto a distância, cabo de guerra, corrida, Aprender números no nosso Sistema
arremesso, etc.. Toda a proposta de como se- de Numeração Decimal pressupõe a compre-
ria foi discutida em sala e as crianças se or- ensão de alguns princípios:
ganizaram: montaram equipes, produziram
tabelas, prepararam materiais, realizaram a 1. Ser de base decimal: realiza agru-
olimpíada, construíram as medalhas, enfim, pamentos de 10 em 10 e vai mudando confor-
realizaram cálculos de pontuação para saber me a ordem.
qual equipe estava na frente.
2. Basear-se na escrita de 10 símbo-
Vamos detalhar uma das atividades los: os algarismos de 0 a 9.
da mini olimpíada: o salto em distância.
3. Possuir valor posicional: o algaris-
A turma foi dividida em equipes. Ha- mo recebe o valor da ordem que ocupa no
via o representante de cada equipe que par- número. Ex: em 251, o 5 tem valor de 50; em
ticiparia desta prova. O cartaz com a tabela 502, o 5 vale 500; em 35, o 5 vale 5.
para anotar os resultados do salto foi elabo-
No trabalho com crianças, percebe-se ‘20+30=50
claramente a facilidade em operar quando se 50+30=80
tem uma boa compreensão dos números. A 80+30=110
forma como a criança compreende a estru- 1+8+1=10, e aí fica igual a 120’
tura numérica determina os modelos que irá
A explicação demonstra o domínio
desenvolver para dar solução aos problemas
de número que ela possui. Sabe que o 2 e o 3
apresentados. Com isso, ao invés de imitar
apresentam um valor posicional e ela soma-
modelos prontos, ela mesma apresentará
-os com facilidade como 20 e 30. Sabe que ao
procedimentos operatórios próprios. Neste
somar 1+8+1 forma uma nova dezena que se
sentido cabe à professora pedir explicações
sobre os procedimentos utilizados para que junta ao 110 formando 120.
aprendem matemática e a professora apren- tica assumindo os alunos como sujeitos ati-
de a pensar novas organizações didáticas. vos em suas construções, nas suas formas 20
de se apropriarem dos conceitos, de darem
Apesar de o modelo ser o tradicio- significado aos números e suas formas de
nalmente ensinado nas escolas, a criança operar com eles. Isso ressignifica o papel da
não consegue explicar por que colocou o 1 professora alfabetizadora como organizado-
acima das dezenas, não consegue compre- ra deste ambiente na oferta de situações ma-
ender que aquele 1 representa um grupo de temáticas, na abertura aos diferentes regis-
10 unidades, e que por isso precisa compor tros, nas reflexões conjuntas, no confronto
junto com as dezenas. de diferentes processos que irão enriquecer
os saberes de cada uma das crianças que es-
Todas as duas chegaram à resposta tão em pleno processo de aprendizagem so-
120. Se fosse uma prova arriscaria dizer que bre os números e as situações que mobiliza.
a primeira criança perderia ponto porque
não colocou o 1 da reserva e a segunda com
certeza ganharia um certo. E eu pergunta-
ria: qual criança apresenta melhor estrutura
de número, a primeira que possui uma es-
tratégia própria de resolução e é capaz de
REFERÊNCIAS
FREITAS, Sueli Brito Lira de. Da avaliação à aprendizagem: uma experiência na alfabetização
matemática. 2003. 186 folhas. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação, Universidade
de Brasília, Brasília, 2003.
PAVANELLO, R. M. (org). - A criança das séries iniciais faz matemática? In: PAVANELLO, R. M.
(Org.) Matemática nas séries iniciais do Ensino Fundamental: a pesquisa e a sala de aula. São
Paulo: Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), 2004.
21
texto 2a
1 Mestrado em Educação pela Universidade de Brasília, Professora da Universidade Federal do Oeste da Bahia.
ça na construção dessas noções essenciais, ção de acordo com as cores foi registrada
poderá promover atividades lúdicas, como: no quadro; Uma folha em branco para re-
gistro foi entregue a cada aluno; A profes-
jogo de cartas, tiro ao alvo, boliche, entre
sora explicou o procedimento, como seria
outros. Aqui, trataremos mais exclusiva- o jogo em duplas e, em seguida, o registro
mente do jogo de pega varetas, onde cada do total de pontos.
vareta tem um valor de acordo com sua cor
(como ocorre com o dinheiro chinês). Ao percebermos a dificuldade em
copiar o nome das cores, fizemos um car-
Os relatos seguintes fazem parte de taz em que aparecia o nome da cor e um
uma pesquisa realizada em uma turma de al-
quadrinho colorido correspondente (Anexo
fabetização. Entre as atividades propostas à
B) e a pontuação. Assim, os alunos não pre-
turma de alfabetização, destaca-se o jogo de
cisariam preocupar-se em copiar, seria uma
pega varetas. É um jogo bem conhecido pelas
dificuldade a menos.
crianças, de fácil aquisição e aparentemente
simples. Mas, para crianças de seis anos de
Quando todos terminaram e se cansa-
idade, a construção da relação de valores foi ram de jogar, sugerimos que fosse fei-
um obstáculo. As crianças encontravam-se ta uma avaliação da atividade. A maior
envolvidas na aprendizagem dos números e parte da turma disse que tinha sido boa,
mas que é difícil anotar. Outros disse- 23
da sequência numérica e foram desafiadas
ram que é difícil fazer as continhas.”
pelo jogo de pega varetas a fazer a contagem
de pontos considerando o valor “relativo” de
Extrato do diário de campo:
cada vareta, que variava de acordo com a cor.
Os relatos mostram a dificuldade em “olhar
Quando nos reunimos, avaliamos as
para uma vareta” – “ver uma vareta” e fazer
maiores dificuldades no desenvolvimento da
um registro, uma representação mental de
atividade: os alunos não sabem ler o nome
que o total de pontos obtidos será dois, três,
das cores; sentem-se muito inseguros em
quatro, cinco ou dez, de acordo com a cor da
relação à escrita dos números; ainda não co-
vareta. A ideia de que um objeto único pode
nhecem suficientemente o jogo; teriam de
ter valores diferentes impôs ao grupo a cons-
contar as varetas e associar, a cada grupo
trução de novas estruturas mentais e gerou a
de cores, determinado valor que seria resul-
necessidade de utilizar um recurso mediador,
tante de uma multiplicação (4 varetas ama-
no caso, os grãos de milho. Isso será detalha-
relas = 4 de 5 = 20 pontos) ou uma adição de
do no texto que segue.
parcelas iguais (5 + 5 + 5 + 5 = 20); as crian-
ças, apesar de estarem sempre sentadas em
A professora propôs a realização do jogo,
grupo, não sabiam trabalhar em grupo, não
executando-se a seguinte seqüência: A tur-
ma foi dividida em oito grupos; A pontua- demonstravam uma atitude colaborativa.
1º. Brincar livremente; cada cor da vareta ao seu valor (Vermelha
2º. Anotar a cor e a quantidade de varetas = 2 pontos).
correspondente a cada cor; Na aula do dia 20 de novembro, apresen-
3º. Contar os pontos; relacionar: cor/quanti- tamos no quadro uma tabela semelhante
dade/pontuação correspondente a cada cor. a que seria entregue aos alunos, mas que
estava preenchida. Explicamos que aquela
Algum tempo depois, distribuímos situação não era real, pois era quase im-
possível que todos os alunos obtivessem o
vasilhames com alguns lápis nas cores das
mesmo resultado no jogo, mas, para que
varetas, um vasilhame para cada grupo e todos pudessem acompanhar uma situ-
uma folha para registro espontâneo. ação, registrar a quantidade de varetas,
anotar a soma dos valores e calcular os
Extrato do diário de campo: pontos obtidos em cada cor, iriam fazer
de conta que todos haviam conseguido a
As atividades com o pega varetas mesma quantidade.
continuaram e foram sendo aprimoradas,
sempre considerando o envolvimento, o Assim, por exemplo:
Assim, colocamos mais uma coluna na ta- em que estavam na sala apenas 11 alunos,
bela (valor da vareta) para tentar diminuir as atitudes de colaboração entre eles foram
a dificuldade demonstrada por grande parte mais intensas, percebia-se uma vontade
da turma, que ainda não conseguia associar de ajudar o colega e, ao mesmo tempo, de
mostrar o que já sabiam. O fato de estarem A disponibilização dos grãos ajudou
aprendendo, construindo novos conceitos numa melhor visualização, possibilitando
e superando as dificuldades causava muito a construção de imagens que foram dando
entusiasmo. Teriam nova oportunidade de suporte aos novos esquemas mentais que
aprender a sequência numérica, lidar com estavam sendo construídos, ou seja, opor-
28
REFERÊNCIAS
BROUSSEAU, G. Os diferentes papéis do professor. In: PARRA, C. SAIZ, I. (Orgs.) Didática da Ma-
temática: reflexões psicopedagógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
NUNES, T. e BRYANT, P. Crianças fazendo Matemática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
29
texto 2b
Apesar da opção, nas propostas e prá- tentar entendê-los por representações. O mes-
ticas elaboradas ao longo de anos de atividade mo deve ser feito para o sistema de numera-
profissional, pelo uso de materiais didáticos, ção decimal, possibilitando um reconhecimen-
somos levados à integração de algo novo. to estruturado e quantificador desse sistema
em si, em visualizações e mentalizações que
Mesmo com uma razoável dose de re- favoreçam comparações e cálculos. Essas con-
flexão sobre os materiais e seus resultados, e siderações conduzem à justificativa de novas
buscando que fossem um elo entre as vivên- ênfases que concebemos em nossas propostas,
cias no cotidiano e o encaminhamento para e foram narradas, com relação a frações, em
30
ideias mais elaboradas da Matemática, per- Bertoni (2008). Com relação ao SND, preten-
cebemos que o uso precoce do material pode demos narrar e expor ideias neste texto. Existe
tolher um conhecimento mais vivo da realida- uma lacuna: se a contagem tem raízes eviden-
de matemática que impregna o mundo e as tes na realidade, o SND não tem. Mas ele tem
relações humanas. Esse fato é minimizado na articulações, principalmente com o sistema
aprendizagem dos números naturais, se priori- monetário. Nosso intuito não é apenas de es-
zamos materiais soltos, como tampas e canu- tabelecer ligações com o cotidiano, mas, mais
dos, que as crianças contam e passam a juntar do que isso, buscar um enraizamento em si-
em recorrentes grupos de dez, para facilidade tuações e demandas do cotidiano na direção
da quantificação; e é mais acentuado no caso da Matemática, que impregnam a sociedade
de frações, geralmente feito com uso de fichas e que os homens devem conhecer para viver
inteiras e em partes, que não refletem objetos nela. Podemos falar em um apoio realístico
nem atividades do cotidiano. para a proposta. Seria um chão a percorrer
propositadamente com poucos materiais, ape-
Assim, consideramos relevantes vivên- nas aqueles que se tornam naturais e necessá-
cias mais reais sobre esses números, antes de rios nas atividades, de forte cunho cotidiano.
As crianças que têm o inglês como lín- dos os grupos, podem restar alguns alunos.
gua materna são mais felizes que as nossas Eles se contam do mesmo modo, mas não
– elas falam ten para o dez e têm o plural tens formam grupo. O último poderá ser qual-
para ele. É como se nossas crianças pudessem quer número entre um e nove. Ou zero, se
falar em “dezes”. As crianças de lá não têm não houver ninguém fora dos grupos.
Os alunos percebem que, no primeiro grupo, mero 28. Disse 20 e subiu na vertical, pro-
e atingem o 20; depois, vem o 21, o 22, etc. Encontrou 30, 10 e 30 e já foi adicionando
e dizendo os resultados: 50, 60, 90. Lá em
do dez e do vinte, entendendo que são co- descida adicionando cada quantidade, com
locados dez a mais. A professora pode falar ligeiras paradas e contagem nos dedos: 92,
em salas grandes, onde muitos grupos de 97, 103, 107, 115. Pronto!
corrente dessa atividade é a interpretação vo. Com isso, chegar à mentalização do SND
NASCIMENTO, Ana Maria Porto. A pesquisa como instrumento de mediação num ambiente
de aprendizagem matemática: aprende a criança, aprende a professora e aprende a pesqui-
sadora. (Dissertação de mestrado). Faculdade de Educação, Universidade de Brasília. Brasília:
Mimeo, UnB, 2002.
36
texto 3a
Como tratado nos textos anteriores sua presença no mundo do comércio, espor-
desta proposição de alfabetização matemática tes, jogos, meios de comunicação, dentre ou-
nos anos iniciais, o ensino do Sistema de Nu- tros, devem ser matéria prima para o trabalho
meração Decimal não pode ser sintetizado na pedagógico voltado à aprendizagem escolar
transmissão mecânica e sem significados de no Sistema de Numeração Decimal. Assim, a
estruturas, tais como as ordens, classes, valor criança vivencia, em sala de aula, práticas e re-
absoluto, valor relativo, imposição de termi- flexões sobre os números, já presentes em seu
nologias como milhar, centena, dezena e uni- cotidiano, o que permite, a cada uma, levantar
dade, assim como não podemos mais aceitar hipóteses sobre suas escritas e leituras, seus
que alfabetizar em matemática implique na significados diferenciados em cada contexto 37
redução ao objetivo de “escrita por extenso” de uso e sua apropriação pelo sujeito social.
dos números e saber decompor em ordens e
classes de forma estática. Refletir sobre as práticas pedagógi-
cas voltadas à aprendizagem das estruturas
Sistema de Numeração Decimal do número no Sistema de Numeração Deci-
como estrutura matemática a ser mal deve nos remeter, necessária e deseja-
ensinada e a criança como agen- velmente, à possibilidade de termos acesso
Devemos partir do pressuposto fun- ção, como base para conceber a construção
da num contexto sociocultural no qual os nú- cada aluno se veja como ser ativo na cons-
meros, suas leituras e escritas, sua utilização trução do conhecimento do número no con-
1 Doutor em Sciences de l’Education pelo Université Paris Nord, Professor Adjunto da Universidade de
Brasília e Consultor desta Edição Temática.
Não pretendemos assumir o sistema que, ao compreender um novo jogo, ou seja,
como objeto de ensino a partir do qual cabe- assimilando as regras que sustentam a ati-
ria, a cada alfabetizador, explicitar as regras vidade lúdica proposta pelo alfabetizador, o
formais matemáticas de sua estruturação aluno estará ludicamente assimilando tais
e organizar o trabalho pedagógico visando estruturas, tão importantes para a apren-
à assimilação das mesmas pelos alunos, de dizagem e construção da ideia do número
forma que eles sejam capazes de ler e escre- no sistema decimal. Para tanto, tais jogos
ver números de forma competente. Objetiva- devem incorporar, em sua estrutura, seja a
mos, ao contrário, pensar numa organização ideia de agrupamento, seja a ideia de posi-
pedagógica em que nossas crianças se vejam cionamento. É mister considerar que o po-
como sujeitos ativos na construção destas re- sicionamento é decorrente da ideia do agru-
gras e das estruturas gradativas do sistema, pamento, podendo o agrupamento existir
de modo que, a cada aula, possam atribuir sem a noção de posicionamento. Portanto,
novos e mais complexos significados às re- tratemos de jogos voltados primeiramente
gras que alicerçam o sistema numérico. para a estrutura de agrupamento, para, em
um segundo momento, tratarmos de jogos
Ao assumir o agrupamento, posi- com valor posicional. É interessante obser-
cionamento e registros formais como ba- var que devemos propor uma evolução dos 38
ses para a estrutura do sistema numérico, jogos, cada vez com uma nova estrutura
intentamos que a escola favoreça, aos alfa- matemática incorporada na versão anterior,
betizandos, experiências em que, de forma permitindo que os mesmos acabem por se
ativa, crítica e criativa, os alunos possam se constituir em uma sequência didática, mui-
sentir, de certa forma, autores da proposi- to útil para o desenvolvimento de um pro-
ção das estruturas numéricas. jeto pedagógico voltado à aprendizagem do
número na estrutura decimal.
As regras do Sistema de Numera-
ção Decimal como bases para a Quanto ao agrupamento, temos
construção de jogos de alfabetiza- duas instâncias de aprendizagem do ato de
ção matemática. agrupar (lembremos que podemos mesmo
explorar a ideia de que o agrupamento é um
Nosso maior objetivo é propor jogos ato espontâneo do ser humano na busca de
matemáticos que tenham, como regras, es- quantificar uma quantidade não percepti-
truturas do Sistema de Numeração Decimal, va): inicialmente, o agrupamento simples,
especialmente o agrupamento, o posicio- e, na sequência, o agrupamento complexo.
namento e o registro simbólico. Pensamos
No agrupamento simples, dada uma a escola tem que disponibilizar material
quantidade, o sujeito realiza agrupamento, que permita ao aluno agrupar fisicamen-
permanecendo fixa a quantidade de elemen- te o material de contagem. Assim, vemos
tos dos grupos, até que não possamos mais como os treze palitos ficam organizados
formar grupos. Assim, o que resta sem agru- em 4 montinhos de 3 palitos cada, e sobra
par deve ser sempre inferior ao número de 1 sem estar amarrado. Se fossem 14 palitos,
objetos de cada grupo. Para tanto, pensamos ficariam 2 palitos soltos.
no jogo “Ganha quem resta mais”, em que
cada um pega, aleatoriamente, sem contar, O agrupamento complexo trata não
certa quantidade de objetos. Um dado, por apenas de fazer grupos, mas de realizar gru-
exemplo, indica quanto deve haver nos gru- pos de grupos. Ou seja, se na atividade está
pos (valor fixo para todos os participantes). determinado que cada 5 objetos formam um
Assim, cada participante deve fazer grupos grupo, quando o jogador tiver 5 grupos, es-
(amarrando-os) até não ser mais possível tes formam um grupo de grupo. O agrupa-
fazê-los. Os objetos restantes, sem partici- mento complexo requer, além da formação
par da formação de grupo, correspondem do grupo de objetos, a formação de grupos
aos pontos ganhos pelo jogador. Para cada de grupos, ao obtermos uma quantidade de
objeto restante, ganha-se uma prenda. O ga- grupos equivalente à quantidade de referên- 39
nhador é aquele que, ao final de um certo cia. Por exemplo, se estivermos agrupando
número de rodadas, tiver mais prendas. de 5 em 5, ao obtermos 5 grupos, estes terão
de ser agrupados formando, portanto, um
O agrupamento simples é aquele em grupo de 5 grupos, com 5 objetos cada. As-
que a regra é a da formação de grupo, as- sim, teremos uma estrutura que prevê, tan-
sim que tivermos a quantidade predetermi- to a formação de grupos de objetos como
nada de objetos. Nessa lógica, por exemplo, de grupos de grupos, ou ainda de grupos de
se estamos com agrupamento simples de 3, grupos de grupos, e assim sucessivamente.
numa situação com treze palitos, teremos: Como fica, então, um agrupamento comple-
xo de treze, com grupos de três?
tais objetivos. Cada jogador, na sua vez, lança são de jogos se constitui em sequência di-
um lado. O valor indicado pelo dado deve ser dática, apoiando a constituição do projeto
tomado em palitos. Cada jogador, ao obter 5 pedagógico), são inseridas representações
palitos, deve formar um grupo de 5, amarran- simbólicas no jogo. Por exemplo, uma ficha
do-os. Para tanto, o jogador pode utilizar os vermelha para cada solto, uma ficha verde
palitos soltos da rodada anterior. Quando o para cada grupo e, finalmente, uma ficha
jogador conseguir formar 5 grupos de 5 pali- dourada para o grupão formado. Portanto,
tos cada, deve juntar os 5 grupos, amarrá-los, as fichas vermelhas ficam sempre na casa
formando um grupão de cinco grupos. É hora da direita, as vermelhas na casa central e a
de levantar a mão, mostrando o montão, dourada (indicando o vencedor) na casa da
declarando-se ganhador(a), mediante a frase: esquerda. O professor que quiser expandir
“Ganhei, tenho um montão”. Caso faça isso
poderá ir inserindo novas casas à esquer-
sem ter amarrado os grupos, perde um gru-
da, o que implicará maiores quantidades.
po. Ganha o primeiro que formar o montão
É importante ressaltar que o uso das fichas
de 5 montinhos. O valor pode variar de jogo a
numeradas com os dez algarismos deve ser
jogo, podendo em outra oportunidade, estar
realizado tão somente com o agrupamento
formando grupos de 8 palitos, por exemplo.
decimal, e não antes disto.
A esta altura da sequência didática, Objetivo do jogo:
as estruturas fundantes do sistema de nu- Ganha quem primeiro formar o grupão: o
meração já estão assimiladas pelos partici- amarrado de dez grupos de dez palitos cada
pantes enquanto regras de jogo. Não saber um. Quem primeiro formar o grupão, levan-
jogar é não saber respeitar tais regras mate- ta a mão com ele e declara em voz alta: “ga-
máticas. Ao longo do desenvolvimento das nhei CEM primeiro”.
atividades, é importante a mediação peda-
gógica realizada pelo professor, questionan- Materiais:
do, animando, instigando: “Quanto falta - ao menos 100 palitos por jogador
para formar um novo grupo?” “Quantos sol- - ao menos 12 liguinhas elásticas (tipo aque-
tos e quantos montões você tem a mais?” la de amarrar dinheiro) por jogador
- dois dados, de preferência com algarismos.
Se for com bolinhas, de preferência que não
O professor deve se preocupar com
seja o tradicional, isto é, sem constelação
a evolução para uma linguagem científica
(sem a distribuição clássica das quantidades),
somente quando a criança já demonstra
fazendo com que a criança tenha que contar
essa conservação – quando pega um grupo
a quantidade indicada em cada dado. Os da-
que ela própria amarrou e, sem contar no-
dos podem ter quantidades maiores que seis 41
vamente, afirma categoricamente que são
- 1 pote (que pode ser copo plástico ou em-
DEZ. Mas, mesmo diante dessa evolução da
balagem de sorvete)
conservação, a terminologia nunca deve ser
dada de graça para a criança. A terminolo-
Número de jogadores: entre dois e quatro alunos.
gia deve ser gradativamente construída pela
criança e sempre com significado: Indicação: para alunos do 1º e 2º anos
a cada dez peças de uma cor, troca-se pela do jogo, socializando situações.
deixa a gente jogar sozinho”. a partir das regras do SND, a escola deve estar 44
especialmente atenta para oferecer às crian-
No segundo momento, após apren- ças um ambiente rico em estímulos, para
derem como se joga, a atividade lúdica se que, no cotidiano, coletivamente, as crianças
desenvolve em pequenos grupos, de acordo em alfabetização possam vivenciar situações,
com a realidade de cada sala de aula. Duran- contextos e materiais que as levem a explo-
te a atividade, o professor visita cada grupo, rar, cada vez mais, de forma rica, complexa e
orientando as regras, instigando e colocando significativa, os números, suas escritas, leitu-
questões. Para os jogos aqui indicados suge- ras e usos. Por exemplo, temos a propor:
rimos questões do tipo: por que amarrou (ou
não amarrou)? Quantos faltam para fazer um • Medir distâncias com passos – cami-
novo grupo? Quantos faltam para formar o nhando junto, contando degraus, sempre
48
texto 3b
Eurivalda Santana 2
“fazer contas” com os números naturais rículo [...]. Os futuros professores passam
sabem que, na verdade, uma das principais pelas escolas do Ensino Básico e apren-
professores que trabalham no nível inicial plina interfere de modo direto no trabalho
2 Doutorado em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Professora
Adjunta da Universidade Estadual de Santa Cruz , Brasil.
com os conceitos matemáticos. Mas, a quais - Todo e qualquer número pode ser
conceitos matemáticos estamos nos referin- representado usando o princípio aditivo – o
do quando falamos do Sistema de Numera- valor do numeral pode ser dado pela adição
ção Decimal? dos valores posicionais dos símbolos. Exem-
plo: 14 = 10 + 4
A base dez é o alicerce do Sistema de
Numeração Decimal (SND). O pressuposto - Cada algarismo pode ser repre-
primordial dessa base é ter em mente que sentado usando o princípio multiplicativo
todas as operações são realizadas a partir de – cada algarismo representa o produto dele
agrupamentos de 10 em 10. Podemos afir- mesmo pelo valor de sua posição. Exemplo:
mar que o SND tem características próprias, escrever o número 532:
que envolvem diferentes conceitos, os quais
precisam ser apropriados pelos estudantes
para que se dê a compreensão desse siste-
ma, a saber:
- O SND utiliza a base 10 - por isso ele 532 = 5 X 10² + 3X 10¹ + 2 X 10º.
é chamado de sistema decimal;
3 Alguns autores fazem diferença entre “número” e “numeral”, considerando número como a ideia de
quantidade e numeral como a representação dessa ideia. Por entendermos que um está implicitamente imbricado
com o outro, optamos por não diferenciá-los.
4 Assumimos conceito como feito por Santana (2012, p. 23): “[...] conceito como a formulação de uma ideia
através das palavras e do pensamento”.
Para Santana (2012), quando esta- com uma única situação”. Utilizando esta
mos na prática de sala de aula, é possível ob- afirmativa no ensino do Sistema de Nume-
servar que um conceito não tem sentido em ração Decimal e dos principais conceitos a
si mesmo, mas adquire sentido quando en- serem focados nas ações pedagógicas, po-
volvido em situações- demos elencar alguns
-problema. Vergnaud “ (...) as situações exemplos de articula-
(1996, p.156) coloca ção entre conceitos e
pedagogicamente
que “este processo de atividades pedagógicas.
elaboração pragmá-
apresentadas em sala de
tica é essencial para aula necessitam ter foco Vale ressaltar que
a psicologia e para a para a aprendizagem dos as crianças constroem
didática”. Assim, em
conceitos inerentes às seus conhecimentos a
sua essência, as situa- partir da coordenação
mesmas.”
ções pedagogicamente das relações que vão
apresentadas em sala criando entre os obje-
de aula necessitam ter foco para a aprendi- tos e suas ações sobre esses objetos. Essas
zagem dos conceitos inerentes às mesmas.
atividades podem partir do lúdico, envol-
Segundo a abordagem de Vergnaud (1996),
vendo: desafios, contação de história, mú- 51
uma única situação envolve diferentes con-
sica, arte, história da matemática e brinca-
ceitos e um conceito se associa a diferentes
deiras infantis, passando pela socialização
situações. Assim, as atividades postas peda-
e alcançando o registro.
gogicamente precisam focar o conceito a ser
abordado num dado momento.
Para compreender as características
do Sistema de Numeração Decimal, den-
Mas como articular conceitos mate-
tre outros fatores, a criança precisa: usar
máticos, inerentes à estrutura do Sistema de
os números em situações pedagógicas que
Numeração Decimal, com atividades pedagó-
apontem sentido para elas; refletir sobre as
gicas a serem apresentadas aos estudantes no
Ciclo de Alfabetização? Este questionamento situações e os números envolvidos; obser-
pode conduzir a uma reflexão do nosso fazer var as regularidades e os padrões numéricos
POLYA, G. A arte de resolver problemas. Tradução: ARAÚJO, H. L. de. Rio de Janeiro: Inter-
ciência, 2006.
TOLEDO, M.; TOLEDO, M. Didática de Matemática: como dois e dois. A construção da matemá-
tica. São Paulo: FTD, 1997.
54
VERGNAUD, G. A. Teoria dos Campos conceituais. In. BRUN, J. Didáctica das matemáticas.
Tradução: FIGUEIREDO, Maria José. Lisboa: Intituto Piaget, 1996. p. 155-191.
Presidência da República
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Básica
Acompanhamento pedagógico
Grazielle Bragança
Copidesque e Revisão
Milena Campos Eich
Diagramação e Editoração
Bruno Nin
Virgílio Veiga
55
E-mail: salto@mec.gov.br
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Setembro 2014