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Teoria Da Constituicao Carl Schmitt
Teoria Da Constituicao Carl Schmitt
Nesses dois sentidos, Constituição é um status, estático (do ser), que todo Estado,
invariavelmente, têm, mas em um terceiro sentido, entretanto, Constituição assume um caráter dinâmico,
tornando-se um devenir (fluxo ininterrupto) da unidade política, o fenômeno de formação e criação
continuamente renovada da unidade política. Dos mais diferentes interesses contrapostos, opiniões e
tendências, deve se formar diariamente a unidade política. Aqui, é verdadeiro modo de se constituir o
Estado, pois abarca a vontade individual e a estatal, no sentido de uma força ativa resultante das relações
objetivas de poder (Lassale). A constituição é a livre formação da vontade do Estado, e a ordem do Estado
é execução orgânica da vontade formada. [31-32]
Aqui Constituição é algo normativo, um dever-ser, mas não se trata de leis ou normas
particulares, mas, sim, de uma regulação total da vida do Estado, da lei fundamental, lei das leis. Trata-se
de uma unidade de normas jurídicas. Nesse sentido, Constituição só equivaleria ao Estado se
considerarmos o Estado como algo desprovido de existência concreta, como um sistema de normas, uma
ordem jurídica. É assim, portanto, que se passou a dizer que a Constituição é soberana, uma verdadeira
personificação da norma, pois apenas aquilo que tem existência real pode ser soberano. Só é possível
chamar de soberana uma norma quando não é vontade ou mandamento positivo, mas sim Verdade, Razão
e Justiça racional e, portanto, tem determinadas qualidades; pois, doutro modo, é soberano precisamente
aquele que quer e manda. [33]
Esse modo de enxergar a Constituição pode ser encarado como similar àquele de Kelsen,
pois apresenta também o Estado como um sistema e uma unidade de normas jurídicas. Schmitt o critica
veementemente, afirmando que a teoria de Kelsen torna-se inteligível se contemplada como derivação
última da teoria do Estado burguês de Direito, mas, aqui, construiu-se um verdadeiro sistema, com
normas jurídicas que valiam antes que e sobre qualquer ser político, pois que justas e racionais (como a
propriedade privada e a liberdade individual). Em Kelsen, pelo contrário, só valem as normas positivas. É
dizer, aquelas que realmente valem, valem não porque devam valer, mas somente porque são positivas,
sem considerar qualidades como razoabilidade, justiça... Aqui cessa de repente o dever-ser e desaparece a
normatividade decorrente dele; em seu lugar, aparece uma tautologia de simples fatos: uma coisa vale,
quando vale e porque vale. [34]
Na verdade, a Constituição é válida quando emana de um poder constituinte e se estabelece
por sua vontade. A palavra “vontade” significa, em contraste com simples normas, uma grandeza do ser
como origem de um dever-ser. Uma norma ou vale por que é justa (então, a lógica levaria ao direito natural,
e não ao positivo) ou por que se origina em uma vontade existente, nunca se estabelece por si mesma.
Quem diz que uma Constituição vale como norma fundamental, afirma isso por seu conteúdo de justiça,
por que encerra um sistema fechado de preceitos justos, e não só por sua positividade. [33-34]
Essas concepções de sistema fechado têm origem histórica nos movimentos de codificação e
na fé racionalista dominante no século XVIII que acreditava na capacidade do legislador formular um
plano consciente e completo de toda a vida política e social. Já na época de Schmitt, restava claro que o
texto de toda Constituição é independente da situação política e social do momento de sua elaboração. As
razões porque certas determinações legais tornam-se constitucionais ou não é matéria das contingências
políticas dos partidos, das oportunidades políticas. Na realidade, hoje o não se pode mais falar em “uma”
Constituição, pois o conceito de constituição se relativizou para caracterizar o conceito de lei
constitucional em particular, deixando de caracterizar uma unidade, e, sim, várias prescrições legais de
mesmo tipo reunidas. [35-36]
( III ) A outra característica formal da lei constitucional é a reforma dificultada, com base
nisso distinguem-se as constituições flexíveis (modificadas com a mesma dificuldade de uma lei comum) e
as rígidas (que exigem procedimentos especiais de maior dificuldade). Procura-se colocar no requisito de
reforma dificultada certa garantia de duração e estabilidade, mas o sentido primitivo de garantia de uma
Constituição se perde quando esta é relativizada em leis constitucionais diversas. O conteúdo não deve ser
uma coisa fundamental e destacada em razão de sua mais dificultosa reforma, ao contrário, deveria receber
a garantia de duração pela sua qualificação de fundamental. Quando se trata de leis constitucionais em
particular, essa garantia torna-se uma prática partidária para proteger da maioria parlamentar os interesses
inscritos na Constituição. As prescrições constitucionais não recebem sua força da dificuldade de reforma,
mas mesmo as prescrições sobre reforma, devem sua força à Constituição. Dessa maneira, a definição de
Constituição baseada apenas no critério formal não traz nenhuma utilidade e é lógica e juridicamente
insustentável, dessa maneira, é necessário adotar-se a distinção entre Constituição e leis constitucionais.
[41-45]
(A Constituição como uma decisão conjunta sobre o modo e forma da unidade política)
A Constituição não é coisa absoluta, pois não surge de si mesma, tampouco vale por virtude
de sua justiça normativa ou de seu sistema fechado. Não se dá a si mesma, mas é dada por uma unidade
política concreta e vale em virtude da vontade política existente daquele que lhe dá. As leis constitucionais,
ao contrário, valem com base na Constituição e pressupõem uma Constituição. Todo ser tem uma
constituição, mas nem toda entidade com existência política decide em um ato consciente a forma desta
existência. Frente a essa decisão existencial, todas as regulações normativas são secundárias. [46-47]
1. As decisões políticas fundamentais são aquelas que, por exemplo, decidem a favor da
democracia, da república, pelo federalismo, pelo parlamentarismo, pelo Estado de Direito e seus
princípios: direitos fundamentais e divisão de poderes. Essas determinações não são leis constitucionais,
não são sequer leis. São mais do que leis ou normas, são as decisões políticas concretas que denunciam a
forma política de ser do povo e formam o pressuposto básico de todas as normas posteriores, inclusive as
leis constitucionais. [47-48]
b) A Constituição é intangível, enquanto que as leis constitucionais podem ser suspensas e violadas durante o
estado de exceção. A suspensão de direitos fundamentais, por exemplo, não atenta contra a decisão política
fundamental nem contra a substância da Constituição, mas se dá, precisamente, em serviço da manutenção e
subsistência dela mesma. [50]
c) A Constituição garante uma série de direitos fundamentais, mas que se distinguem de sua regulação
concreta em uma lei constitucional. Por meio das regulações constitucionais e legais admitem-se amplas
intervenções nos direitos fundamentais garantidos, mas, a medida que esses direitos são negados, a
Constituição é violada. [51]
d) Quando se jura à Constituição, não se jura a cada uma das leis constitucionais, nem tampouco se faz um
(imoral) juramento em branco, que se submeteria a tudo decorrente do procedimento de reforma. O
juramento é o reconhecimento da forma de existência política do Estado, denota uma Constituição entendida
em seu sentido próprio e positivo. [51]
e) A alta traição é um ataque à Constituição, não a uma lei constitucional. [51]
g) Algumas prescrições constitucionais podem continuar valendo como prescrições legais após a abolição da
Constituição. [51]
( I ) Por razões políticas, cada partido em sua luta reconhece como verdadeira Constituição
apenas aquela que corresponde a seus postulados políticos. Desta forma, chega-se a um conceito singular,
distintivo, de Constituição, que atende à visão política de cada grupo. Com a aglomeração de conceitos
diversos de Constituição, surge, frequentemente, confusão e obscuridade, pois que, cada grupo, tem uma
visão diferente do que seriam os conceitos (imprecisos por necessidade) da vida do Estado, como a
Liberdade, o Direito, a Ordem Pública e Segurança. Liberdade, por exemplo, toma sentidos diferentes em
um Estado laico e em um confessional, em um Estado burguês em um socialista etc. [58-59]
A divisão entre os poderes é considerada, desde o Séc. XVIII, como conteúdo necessário de
uma Constituição liberal e autêntica, se traduz na garantia orgânica contra o abuso de poder do Estado.
Assim, a Declaração francesa de Direitos do Homem, de 1789, diz que as sociedades onde não está
assegurada a garantia dos direitos, nem a separação dos poderes, “não têm uma Constituição”. [60-61]
3. Lei fundamental = toda norma relativamente invulnerável (tem sua reforma dificultada).
4. Lei fundamental = o último princípio unitário da unidade política e da ordenação coletiva (conceito
absoluto de Constituição).
5. Lei fundamental = qualquer princípio particular de ordenação estatal (direitos fundamentais, separação
de poderes, princípio monárquico, princípio representativo etc.)
6. Lei fundamental = a norma última para um ordenamento normativo (se destaca o caráter
normativo, o elemento “lei”).
7. Lei fundamental = toda regulação orgânica de competência e procedimento das atividades estatais
politicamente mais importantes.
9. Lei fundamental = Constituição em sentido positivo (não tem como conteúdo uma norma especial,
mas uma decisão política).
( III ) Nas exposições seguinte, Schmitt passa a referir-se com a palavra Constituição, apenas
seu sentido de conceito positivo. Da mesma forma, sempre faz a distinção entre Constituição e Lei
Constitucional. [65]
6. O nascimento da Constituição
( II ) Um autêntico pacto constitucional supõe, pelo menos, duas partes existentes, cada uma
das quais contém um sujeito de um Poder Constituinte, sendo, portanto, uma unidade política. Um
autêntico pacto constitucional é, normalmente, um pacto federal.
Com o pacto federal surge uma nova Constituição. Todos os membros da federação
recebem um novo status político de conjunto, de modo que coexistem, uma junto a outra, a unidade
política da Federação e a existência política de seus membros. [82]
( III ) O autêntico pacto constitucional é sempre um pacto de status, posto que fundam um
novo status para todos os Estados participantes do acordo. É um pacto livre, pois repousa na vontade dos
sujeitos concorrentes, mas não é um pacto livre no conceito jusprivatista de contrato, apoiado na
“liberdade de contratação” liberal-burguesa, pois abarca toda a existência da entidade política. [85]