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camarões
17-abr-2018
A importância de manter adequados valores de oxigênio, pH, alcalinidade, gás carbônico, dureza total,
amônia, nitrito e nitrato nos tanques e viveiros de cultivo de peixes e camarões já foi discutida nessa
sequência de artigos. Neste quarto e último artigo da série “A Água nos Cultivos Aquícolas” será dado
destaque a outros compostos que invariavelmente recebem pouca atenção da parte dos produtores, mas
que podem trazer prejuízos ao desempenho produtivo, à reprodução, à saúde e sobrevivência dos peixes
e camarões.
Tabela 2. Concentrações tóxicas de gás sulfídrico (H2S) para algumas espécies de peixes e camarões (ppb
= parte por bilhão ou micrograma/litro
Concentrações subletais e letais de H2S podem ocorrer após um eventual distúrbio dos sedimentos ou da
água em contato com os sedimentos. Ventos fortes (desestratificação dos açudes e viveiros), arrastos de
rede ou mesmo o acionamento súbito de equipamentos de aeração podem promover o revolvimento da
água do fundo dos viveiros. Boyd (2014) sugere que as concentrações de H2S não devam exceder a 2 ppb
nos cultivos em água doce, e 5 ppb nos cultivos marinhos. Esses valores correspondem a 5 a 10% dos
valores de LC50-96h para algumas espécies cultivadas. Alguns especialistas sugerem que as
concentrações de H2S não devem ultrapassar a 10 ppb nos cultivos de camarões marinhos.
A água do fundo dos viveiros pode conter concentrações de H 2S que variam desde 0 a 12.000 ppb. Uma
camada de água de fundo de 10 cm com 6.000 ppb de H 2S, se completamente misturada com o restante da
coluna d’água por algum distúrbio causado por ventos fortes, arrasto de rede, ou por um aerador, pode
elevar para 400 ppb a concentração de H2S na água de um viveiro com profundidade média de 1,50 m.
Para a maioria dos peixes de água doce uma concentração de H 2S de 400 ppb é próxima ou acima dos
limites letais. Para camarões marinhos, essa concentração pode não causar mortalidade direta dos animais
após curta exposição. Porém, reduz a capacidade de defesas contra infecções por víbrios. Estudos
realizados com Litopenaeus vannamei e Marsupenaeus japonicus indicam que camarões
experimentalmente infectados com Vibrio alginolyticus e mantidos em água com 450 a 525 ppb de H 2S
apresentaram maior mortalidade acumulada comparados a camarões mantidos em água com menores
concentrações de H2S.
Algumas práticas para prevenir problemas com o gás sulfídrico – A manutenção de adequado oxigênio e
a circulação da água é a forma mais efetiva de prevenir a formação e o acúmulo de gás sulfídrico nos
viveiros. Manejo eficiente da alimentação, evitando sobras de ração. Correção da acidez do solo do fundo
dos viveiros, através da calagem. Exposição do solo ao ar após colheitas e drenagens, favorecendo a
decomposição dos resíduos orgânicos (exceto em viveiros de camarões construídos em solos ácidos-
sulfáticos). Monitoramento de rotina do oxigênio dissolvido e das concentrações de H 2S em amostras de
água coletadas do fundo dos viveiros para verificar a necessidade de ajustar o manejo de aeração e
circulação de água, além do controle das taxas de alimentação.
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Figura 2. Na imagem 1 pode ser observado depósitos de óxido de ferro sobre a membrana de ovos de
dourado já com os embriões em fase avançada de desenvolvimento (foto do autor). Na imagem 2, podem
ser vistas nano partículas de óxido de ferro (Fe2O3) na água (imagem extraída do artigo de Zhu X, Tian S,
Cai Z, 2012. Toxicity Assessment of Iron Oxide Nanoparticles in Zebrafish (Danio rerio) Early Life
Stages). Na imagem 3, pode ser observada a deposição de partículas de óxido de ferro nos filamentos
branquiais e fusão das lamelas branquiais em truta. Na imagem 4, um filamento branquial de aspecto
normal, limpo, sem a presença de partículas de óxido de ferro e sem ocorrência de fusão de lamelas
(imagens extraídas do artigo de Peuaren et al, 1984. The effects of iron, humic acid and low pH on the
gills and physiology of Brook trout, Salmo truta)
Figura 3. Precipitados de hidróxido de ferro nas laterais de um viveiro de produção de alevinos (aspecto
de ferrugem). Viveiro com uma nata de óxido e oxi-hidróxido de ferro na superfície da água. Essa
condição é chamada popularmente de “capa rosa” no Nordeste (fotos do autor)
Alumínio
O alumínio (Al3+) pode ser prejudicial aos peixes, especialmente em águas ácidas e desprovidas de cálcio.
A interação entre alumínio, pH e concentrações de cálcio (dureza cálcica) determinam o risco de
intoxicação por alumínio. Compostos de alumínio são praticamente insolúveis a pH entre 6,0 e 8,0. Porém
a solubilidade desses compostos aumenta bastante em águas muito ácidas (pH < 5,5) ou muito alcalinas
(pH > 9,0). Problemas com alumínio são praticamente inexistentes em cultivos marinhos, devido às
baixas concentrações de alumínio, elevadas concentrações de cálcio e pH entre 8,0 e 8,5 na água do mar.
No entanto, em regiões do Cerrado e em áreas Amazônicas, onde as águas são predominantemente ácidas,
e praticamente desprovidas de cálcio, a presença de alumínio impõe risco aos peixes, especialmente às
fases mais jovens (pós-larvas e micro alevinos). Águas ácidas, mesmo com concentrações muito baixas
de alumínio, podem causar elevada mortalidade de embriões e larvas de peixes nos incubatórios (Tabela
3).
Tabela 3 . Efeito do pH sobre a mortalidade de embriões (ovos olhados) de truta mantidos em água com
dureza < 9 mg CaCO3/l e contendo 0,3 mg de Al3+/l (ou 300 ppb). Adaptado de Hunn et al 1987)
Defensivos agrícolas
O Brasil é um país com grande tradição em agricultura. Desse modo, é de se esperar que muitos
empreendimentos de aquicultura estejam circundados por culturas agrícolas (soja, milho, cana, laranja,
feijão, etc.). Uma grande diversidade de herbicidas, inseticidas, fungicidas, reguladores de crescimento,
dessecantes e outros químicos, são regularmente aplicados às culturas agrícolas. Por mais criterioso que
possa ser o uso desses produtos, é muito provável que parte desses defensivos acabem chegando aos
mananciais que abastecem as pisciculturas (através da derivação pelo vento durante a aplicação, da água
de chuva que se infiltra no solo carregando os químicos, enxurradas, ou até mesmo pela inadequada
disposição das embalagens e descuido na limpeza dos equipamentos de pulverização).
Nas Tabelas 4 e 5 são resumidas as concentrações letais de alguns defensivos agrícolas para a Tilápia, o
Tambaqui e o Camarão Marinho. Informações sobre doses letais dos defensivos para os organismos
aquáticos (peixes, camarões, microcrustáceos e mesmo algas) podem ser encontradas na WEB e nas
fichas técnicas ou bulas dos produtos. Com base nos valores de LC50-96 h apresentados nas Tabelas 4 e 5
podemos considerar como seguras as concentrações menores que 10% da LC50-96h (ou 5%, sendo ainda
mais conservador).
Tabela 4. Concentrações letais de alguns defensivos agrícolas avaliadas para o Tambaqui e Tilápia do
Nilo
a) baixa resistência ao manuseio e doenças;Embora seja pouco provável que uma eventual contaminação
das águas atinja concentrações letais próximas das apresentadas nas Tabelas 4 e 5, é possível que os
mananciais hídricos em uma região de intensa produção agrícola já possam conter concentrações subletais
de um ou mais desses químicos. A ocorrência de dois ou mais compostos, mesmo em doses subletais,
pode potencializar o risco de intoxicação dos animais e exacerbar os prejuízos econômicos com a queda
no desempenho e produtividades dos empreendimentos aquícolas. Animais intoxicados por defensivos
agrícolas podem ter a reprodução e crescimento prejudicados e apresentar diversos sinais clínicos, entre
eles:
b) alterações no comportamento (hiperatividade, natação errática, aumento da ventilação branquial,
boquejamento na superfície d’água, letargia, prostração lateral, entre outros);
c) coloração do corpo escurecida;
d) deformidades corporais (na coluna vertebral, opérculo e boca);
e) tumores ou verrugas próximos à boca e cabeça;
f) anomalia e lesões no fígado, coração e outros órgãos internos;
g) alterações na contagem de células sanguíneas.
Tabela 5. Concentrações letais de alguns defensivos agrícolas avaliadas para o camarão marinho
Litopenaeus vannamei
Algumas boas práticas podem ser adotadas para minimizar os riscos e os possíveis impactos dos
defensivos nas pisciculturas que estão circundadas por culturas agrícolas:
a) Adoção de práticas de conservação do solo, como o terraceamento de áreas agrícolas e de estradas
rurais, especialmente para evitar a entrada de água de enxurrada diretamente nos açudes que servem de
reservatórios e nos canais que conduzem a água aos viveiros.
b) Investimento em infraestrutura hidráulica que possibilite o controle do suprimento de água para cada
um dos viveiros individualmente. Adotar sistema de produção com regime de baixa renovação de água.
Evitar renovar água dos viveiros em épocas onde as pulverizações das culturas são mais concentradas e
quando essas são sucedidas por chuvas intensas.
c) Correção da água nos açudes de armazenamento através da calagem, para que os valores de dureza e
alcalinidade total fiquem acima de 30 mg de CaCO3/l. Os íons cálcio, magnésio, bicarbonato e
carbonatos podem amenizar a toxicidade de diversos princípios ativos presentes nos defensivos.
d) Armazenamento dos defensivos agrícolas em local exclusivo e de acesso controlado e permitido
somente a pessoas de confiança.
e) Adequada disposição das embalagens e lavagem dos equipamentos de manipulação e de aplicação de
defensivos. Essas tarefas devem ser atribuídas a pessoas de confiança e adequadamente instruídas para
isso.
Considerações finais
Diversas outras substâncias e elementos presentes na água de cultivo podem vir a influenciar os
resultados produtivos e econômicos dos empreendimentos de aquicultura. Por isso, produtores e técnicos
devem procurar buscar mais informações sobre qualidade da água e investir em equipamentos e kits de
análise que possibilitem monitorar de forma ágil e precisa os parâmetros de qualidade da água. Com este
artigo concluímos a série “A Água nos Cultivos Aquícolas”. Fica aos leitores da Panorama
da AQÜICULTURA, minha mensagem: “Cultivar a água é essencial para produzir peixes e camarões de
forma sustentável”.