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PROSA & VERSO O GLOBO Sábado, 30 de dezembro de 2006
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la aos mecanismos de aquisição lhões de anos se desenvolver. O bro para sentir a beleza? Para is- universal que o cérebro sempre
de conhecimento do cérebro, e cérebro verbal tem alguns mi- so, tenho que ir além de diferen- reconhecerá como bela?
é um subproduto da evolução lhares de anos, no máximo. Não ças culturais, procurar recorrên- ZEKI: Acho provável (hesita)...
(posição que não é unanimidade é tão refinado quanto os outros. cias, e aí há um trabalho histó- Acho que todos cérebros hu-
em seu meio). Por telefone, de Portanto, você pode comunicar rico. Se você pesquisa a literatu- manos têm um sistema de be-
Londres, Zeki falou ao GLOBO. pela visão coisas que não pode ra do amor, por exemplo, verá leza, todos são capazes de
descrever pela linguagem. Eu alguns conceitos que emergem classificar algo como sendo
Miguel Conde posso sentar e descrever para em todas as épocas e lugares. bonito. Mas se há uma carac-
você em 20 volumes a “Pietá” na terística aplicável em todas as
O GLOBO: Num de seus traba- Basílica de São Pedro, mas dez G Há características universais sociedades, é uma questão di-
lhos, o senhor diz que Kant segundos olhando-a terão um em nossas idéias sobre o fícil, não tenho resposta.
abriu o caminho para um estu- impacto maior. Você terá um co- amor?
do científico da arte. Por quê? nhecimento emocional daquilo SEMIR ZEKI: “Qual é o sistema do cérebro para sentir a beleza?” ZEKI: Sim, e pos- G Seria possível,
SEMIR ZEKI: O que Kant disse que palavras não podem descre- so dar os dois analisando o
ver. O conhecimento não é ape- constituintes essenciais de to- gadas a beber, comer, ao sexo,
é que para conhecer as coisas
você tem que se perguntar não nas o que se adquire ou expres- das as formas”. Se você olha ou- mas a origem é essa.
exemplos supre-
mos disto. Um é o “Se eu misturasse que acontece no
cérebro quando
apenas sobre as propriedades sa pela linguagem. Há um co- tra escola moderna, o trabalho conceito da uni- elementos químicos c on te mp la mo s
das coisas, mas sobre o que a nhecimento visual. Quando Mi- dos cubistas, posso citar o crí- G O senhor pode falar um pou- dade em amor. O uma obra de ar-
mente faz com isso, as contri- chelangelo estava pintando, ha- tico de arte Jacques Riviere: “o co sobre o que acontece no cé- forte desejo de teria o mesmo te, criar uma pí-
via teorias sobre proporção, de cubismo é destinado a dar à pin- rebro quando percebemos algo
buições que ela dá. Como o co-
nhecimento que você obtém Vasari, Alberti, Leonardo, mas tura sua verdadeira função, que como sendo bonito ou feio?
estarem unidos
um ao outro que,
prazer de ler Eliot? lula que provo-
casse as mes -
não é apenas das propriedades, ele dizia “não quero usar uma é representar objetos como são, ZEKI: As áreas ativadas em am- no auge da pai- Provavelmente mas reações?
mas também da mediação da régua, pois tenho não como apare- bos julgamentos são as mes- xão, dois amantes ZEKI: Deixe-me
mente, você nunca pode conhe- um sistema supe- cem a cada mo- mas, mas em níveis diferentes. sentem. E, rela- não” responder de um
cer o objeto como ele é. Ele não rior, que está no mento”. Por exemplo, nos dois casos o cionado, está o modo oblíquo.
concebia a beleza como algo meu olho”. Hoje “O conhecimento córtex motor, responsável pelo conceito de ani- Eu sinto um
que residisse apenas no objeto.
A questão muda de “o que é o
diríamos, no cé-
rebro.
não é só o que se prazer e ser inútil movimento,
G Algo pode dar é acionado. Quan-
do vemos algo que considera-
quilamento no amor. Como essa enorme prazer em ler, carrego
união é impossível, há desejo de comigo o tempo todo, os “Qua-
belo” para “porque, e de que expressa pela de um ponto de mos feio, ele é ativado com mais se aniquilar para se unir em ou- tro quartetos”, de T.S. Eliot. Pou-
maneira, percebemos algo co- G E no caso da vista evolutivo? intensidade, como se quisésse- tro mundo, diferente do nosso. cos poemas na língua inglesa me
mo sendo belo”. Além disso, arte abstrata? linguagem. Há um De que maneira, mos fugir. Quando achamos algo Isso ocorre em “Tristão e Isol- deram tanta satisfação e prazer
Kant, em sua “Crítica do julga- ZEKI: Malevitch conhecimento p o r e x e m p l o , bonito, a intensidade é menor, da”, ocorre em lendas árabes, na quanto esse. A questão é: por-
mento”, explorou a maneira co- dizia: “o artista perceber um pôr- mas também está presente. história hindi de Krishna, em que eu gosto tanto desse poe-
mo a arte está relacionada ao não tem necessi- visual” do-sol como bo- Dante, em Petrarca. É um tema ma? Há muitas razões. O uso de
sentimento de prazer e bem es- dade do objeto nito ajuda na lu- G Como artistas, filósofos e universal. O que as pessoas ten- linguagem, a metáfora, o uso do
tar. Kant não podia estudar os como tal”. O que ta pela vida? historiadores da arte têm rea- tam fazer é saber se esses auto- ambíguo, a aplicação de versos
mecanismos de recompensa e devemos fazer é olhar e ver o ZEKI: O sistema de prazer está gido ao seu trabalho? res leram um aos outros, e nem a muitas situações diferentes, o
prazer do cérebro, mas de certa que vem do cérebro. Ele veio profundamente ligado à evolu- ZEKI: Os artistas são os mais sempre se encontra uma rela- senso de humor. O estímulo ver-
maneira essa é uma questão com linhas e ângulos retos, e al- ção, mas não se deve achar que entusiasmados. Entre filósofos e ção. Mas a relação está na orga- bal evoca um prazer que é cau-
científica, que pode ser pelo me- guns círculos. Há uma grande se vai encontrar uma ligação di- críticos, há reações divididas. nização do cérebro, porque so- sado por meio de reações quí-
nos em parte resposta pelo exa- parte do cérebro que responde reta e óbvia entre os dois, pois Recentemente li um livro de crí- mos todos humanos. micas. Se eu tivesse um frasco e
me desses mecanismos. diretamente a linhas retas. Elas muito freqüentemente são sub- tica de arte contemporânea e misturasse elementos químicos
são úteis para construir ima- produtos. O prazer é algo que o havia muita discussão sobre co- G E quanto à literatura me- teria o mesmo prazer de ler
G O senhor diz que há uma re- gens de formas. Mondrian disse cérebro pode usar em outras si- mo certas obras podem ser ao dieval dos trovadores, onde Eliot? A resposta é provavel-
lação entre arte e aquisição de “eu quero saber quais são os tuações que não as originais, li- mesmo tempo dolorosas e pra- um tema freqüente é o da mente não. I