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Alexandre Herculano

A Abóbada
(1401)
FICHA DE AVALIAÇÃO FORMATIVA
GRUPO I

Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

A
Leia o excerto da Parte I — O Cego — do texto «A abóbada», de Alexandre Herculano. Se necessário, consulte as
notas.

— Sois letrado, reverendo padre: deveis ter visto algum traslado1 da Divina Comédia do florentino
Dante.
— Li já, e mais de uma vez — respondeu o prior. — É obra-prima daquelas a que os gregos
chamavam epos2, id est, enarratio, et actio3, segundo Aristóteles; e se não houvesse nessa escritura
5 algumas ousadias contra o papa...
— Pois sabei, reverendo padre — prosseguiu o arquiteto, atalhando o ímpeto erudito do prior —
que este mosteiro que se ergue diante de nós era a minha Divina Comédia, o cântico da minha alma:
concebi-o eu; viveu comigo largos anos, em sonhos e em vigília: cada coluna, cada mainel, cada fresta,
cada arco era uma página de canção imensa; mas canção que cumpria se escrevesse em mármore,
10 porque só o mármore era digno dela. Os milhares de lavores4 que tracei em meu desenho eram
milhares de versos; e porque ceguei arrancaram-me das mãos o livro, e nas páginas em branco
mandaram escrever um estrangeiro! Loucos! Se os olhos corporais estavam mortos, não o estavam os
do espírito. O estranho a quem deram meu cargo não me entendia, e ainda hoje estes dedos
descobriram nessa pedra que o meu alento não a bafejara. Que direito tinha o Mestre de Avis para
15 sulcar com um golpe do seu montante a face de um arcanjo que eu crera? Que direito tinha para
me espremer o coração debaixo dos seus sapatos de ferro? Dava-lhe o ouro que tem despendido?
O ouro!... Não! O Mestre de Avis sabe que o ouro é vil; só é nobre e puro o génio do homem.
Enganaram-no: vassalos houve em Portugal, que enganaram seu rei! Este edifício era meu; porque o
gerei; porque o alimentei com a substância de minha alma; porque eu necessitava de me converter
20 todo nestas pedras pouco a pouco, e de deixar, morrendo, o meu nome a sussurrar perpetuamente
por essas colunas, e por baixo dessas arcarias. E roubaram-me o filho da minha imaginação, dando-me
uma tença!... Com uma tença5 paga-se a glória e a imortalidade? Agradeço-vos, senhor rei, a mercê!...
Sois em verdade generoso... mas o nome de mestre Ouguet enredar-se-á no meu, ou, talvez, sumirá
este no brilho de sua fama mentida...

NOTAS
(1) traslado: cópia, imitação, versão.
(2) epos: canto heroico (gr.).
(3) id est, enarratio, et actio: isto é, de narração e ação.
(4) lavores: trabalhos, adornos.
(5) tença: pensão dada em remuneração de serviços.

1. Explique em que medida a suposição acerca dos conhecimentos do «reverendo padre» (linha 1) prepara
a apresentação dos argumentos do arquiteto.

2. Explicite o significado da afirmação do arquiteto Afonso Domingues «Se os olhos corporais estavam mortos, não
o estavam os do espírito» (linhas 12-13), relacionando-a com o sentido global do seu discurso.

3. Identifique o recurso expressivo presente em «Com uma tença5 paga-se a glória e a imortalidade?» (linha 22)
e refira o seu valor.

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B
Leia a cantiga de D. Dinis. Se necessário, consulte as notas.

Non chegou, madr’1, o meu amigo,


e oj’ est o prazo saído2!
Ai, madre, moiro3 d'amor!

Non chegou, madr’, o meu amado,


5 e oj' est o prazo passado.
Ai, madre, moiro d'amor!

E oj' est o prazo saído!


Por que mentiu o desmentido4?
Ai, madre, moiro d'amor!

10 E oj’ est o prazo passado!


Por que mentiu o perjurado5?
Ai, madre, moiro d'amor!

Por que mentiu o desmentido,


pesa-mi6, pois per si é falido7.
15 Ai, madre, moiro d'amor!

Por que mentiu o perjurado,


pesa-mi, pois mentiu a seu grado8.
Ai, madre, moiro d'amor!
D. Dinis
in MARIA EMA TARRACHA FERREIRA, Antologia literária comentada —
Idade Média (4.a ed.), Lisboa, Ulisseia, s/d, p. 75.

NOTAS
(1) madr’: mãe.
(2) e oj’ est o prazo saído: e hoje termina o prazo; chegou o dia do encontro.
(3) moiro: morro.
(4) desmentido: falso, mentiroso.
(5) perjurado: falso.
(6) pesa-mi: causa-me pena.
(7) per si é falido: faltou por sua livre vontade.
(8) a seu grado: por sua vontade.

4. Identifique o destinatário das palavras do sujeito poético e explicite o seu papel.

5. Descreva o estado de espírito do sujeito poético e exponha os motivos que originam esse estado de alma.
Ilustre a sua resposta com citações pertinentes.

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GRUPO II

Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta.


Escreva, na folha de respostas, o número de cada item e a letra que identifica a opção escolhida.

Leia o texto seguinte. Se necessário, consulte as notas.

Fernão Lopes excede a craveira1 de um cronista à maneira medieval. Se é verdade que parte da sua
obra faz a compilação2 de memórias anteriores, também é verdade que outra parte já resulta de uma
investigação original e crítica. Isto representa um grande avanço sobre a historiografia3 medieval,
nomeadamente sobre a francesa, que não passa de uma reportagem baseada em recordações
5 pessoais ou relatos de testemunhas. Como guarda-mor da Torre do Tombo, Fernão Lopes tinha ao seu
alcance os arquivos do Estado, circunstância de que soube fazer uso, transcrevendo, resumindo e
aproveitando a correspondência diplomática, os diplomas legais, os capítulos das Cortes, e outra
documentação, que ainda enriqueceu, examinando, fora da Torre do Tombo, os cartórios das igrejas e
lápides de sepulturas. Com este material foi-lhe possível fazer a crítica e a correção das memórias
10 existentes, segundo um método que se assemelha ao de dois a três séculos mais tarde. Sempre que
uma tradição ou uma memória é desmentida pelos documentos, Fernão Lopes rejeita-a; e, avançando
nesse caminho, declara submeter a uma revisão metódica todos os relatos que lhe chegavam às mãos,
notando as suas contradições e inverosimilhanças4, e decidindo-se, à falta de documento, pela versão
que julga «mais chegada à razão». Até hoje não foi possível desmentir, em nada de importante, a
15 informação desta obra sob o ponto de vista documental, e as polémicas que se travaram sobre o valor
histórico de Fernão Lopes, quando acusado de denegrir a figura de D. Pedro ou de caluniar os inimigos
de D. João I, nomeadamente D. Leonor Teles, só têm levado a confirmar o escrúpulo 5 do cronista de se
estribar em documentos autênticos, embora sem as transcrições explícitas que apenas principiarão a
impor-se dois séculos mais tarde.
20 O primeiro cronista português pode, assim, ser chamado também com justiça o primeiro, em data,
dos historiadores portugueses, isto é, o primeiro que, não se limitando a compilar, se informa nas
fontes documentais, submetendo a tradição a uma análise crítica.
ANTÓNIO JOSÉ SARAIVA e ÓSCAR LOPES, História da Literatura Portuguesa, 17.a ed., Porto, Porto Editora, 1996, pp. 45-46.

NOTAS
(1) craveira: nível, estatura.
(2) compilação: conjunto de textos.
(3) historiografia: trabalho do historiador.
(4) inverosimilhanças: aspetos improváveis.
(5) escrúpulo: atenção, cuidado.

1. Fernão Lopes e os historiadores posteriores têm em comum o facto de

(A) apresentarem transcrições, referindo, de forma explícita, as suas fontes.


(B) consultarem documentos cuja autenticidade investigaram.
(C) desvalorizarem a existência de contradições nos documentos que reúnem.
(D) valorizarem, especialmente, relatos de testemunhas.

2. O facto de Fernão Lopes ter sido guarda-mor da Torre do Tombo

(A) permitiu-lhe retificar memórias existentes.


(B) permitiu-lhe aproximar-se dos métodos da historiografia francesa.
(C) determinou a sua parcialidade.
(D) foi irrelevante na sua atividade de cronista/historiador.

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3. As polémicas sobre o valor histórico de Fernão Lopes

(A) deram razão aos que condenam a sua parcialidade.


(B) deram razão aos que o consideram um cronista preocupado com a verdade.
(C) permitiram compreender melhor a posição dos inimigos de D. João I.
(D) puseram em causa o valor documental da sua obra.

4. O vocábulo «compilar» (linha 21) significa

(A) «analisar».
(B) «investigar».
(C) «rever».
(D) «reunir».

5. O último parágrafo do texto permite concluir que um historiador é alguém que

(A) aceita, sem questionar, a tradição.


(B) submete a tradição a uma investigação.
(C) reúne o maior número possível de documentos.
(D) valoriza a tradição em detrimento das fontes documentais.

6. O texto apresentado pode enquadrar-se no género

(A) narrativo.
(B) descritivo.
(C) argumentativo.
(D) expositivo.

7. Identifique a função sintática desempenhada pelos constituintes seguintes.

a) «de memórias anteriores» (linha 2)


b) «pelos documentos» (linha 11)

8. Classifique as orações que se apresentam.

a) «que outra parte já resulta de uma investigação original e crítica» (linhas 2 e 3)


b) «Sempre que uma tradição ou uma memória é desmentida pelos documentos» (linhas 10 e 11)
c) «que apenas principiarão a impor-se dois séculos mais tarde» (linhas 18 e 19)

GRUPO III

Escreva um texto expositivo em que mostre que o patriotismo está presente em vários momentos da narrativa
«A Abóbada». O seu texto deverá apresentar introdução, desenvolvimento e conclusão e ter um mínimo de cento
e trinta (130) e um máximo de cento e setenta (170) palavras.

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RESPOSTAS

Critérios
GRUPO I
A
1. O conhecimento da Divina Comédia, obra que Afonso Domingues supõe ter sido lido pelo «reverendo padre», é essencial
para a compreensão da metáfora central desenvolvida no discurso do arquiteto: o mosteiro era a sua obra-prima, o cântico
da sua alma, um canto grandioso — «canção imensa» — que foi escrito em mármore e que outros arrancaram das duas
«mãos».

2. A frase do arquiteto contém uma referência à sua cegueira física («Se os olhos corporais estavam mortos») e uma oposição
entre o físico e o espiritual, sintetizando o argumento que explica o seu lamento: quando cegou — fisicamente —, outros
consideraram-no incapaz de continuar o seu «livro», porque ignoraram o conhecimento profundo que tinha da sua obra, ou
seja, a visão do espírito.

3. Trata-se de uma interrogação retórica. O arquiteto deseja ser conhecido pela sua obra, ganhando «a glória e a imortalidade»,
e considera que nenhum valor pode comprar a fama que justamente merecia. Na verdade, receia que mestre Ouguet receba
a fama que lhe pertencia, sendo, nessa medida, uma «fama mentida».

B
4. Nesta cantiga de amigo, o destinatário das palavras do sujeito poético — uma donzela — é a mãe («madr'»). Esta figura
desempenha o papel de confidente, ou seja, ouve as lamentações do sujeito poético, que está profundamente desiludido
com o comportamento do «amigo».
Não se tratando de uma cantiga dialogada, o confidente, nesta composição poética de D. Dinis, não responde às palavras da
donzela.

5. Destacam-se os sentimentos de tristeza, mágoa, desilusão, desespero e alguma incredulidade ou incompreensão, associados
ao profundo amor que a donzela (sujeito poético) sente pelo amigo («o meu amigo»/«o meu amado»).
Na primeira estrofe, o sujeito poético apresenta o facto — a não comparência do amigo no encontro que havia sido marcado
— que está na origem da sua desilusão e do desespero, sendo este transmitido, sobretudo, no refrão («Ai, madre, moiro
d’amor»). Ao longo do poema, sob a forma de interrogações, que contêm acusações ao amigo («Por que mentiu o
desmentido?», vv. 8 e 13), a donzela manifesta, também, a sua incredulidade.
Por fim, a expressão «pesa-mi» (vv. 14 e 17) traduz a tristeza e a mágoa da donzela, estando ela consciente de que o amigo
faltou ao encontro porque quis («per si é falido»).

GRUPO II
1. (B)

2. (A)

3. (B)

4. (D)

5. (B)

6. (D)

7. a) Complemento do nome.
b) Complemento agente da passiva.

8. a) Oração subordinada substantiva completiva.


b) Oração subordinada adverbial temporal.
c) Oração subordinada adjetiva relativa restritiva.

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