Vasco da Gama conta ao rei de Melinde a história de Portugal desde a fundação da nacionalidade até ao momento da Viagem. Vasco da Gama torna-se narrador, aquele que conta, e o rei de Melinde , narratário, aquele a quem a história é narrada.
É neste contexto que surge o episódio da morte de Inês de Castro, dentro
da narração da História de Portugal ao rei de Melinde. Inês de Castro, uma jovem castelhana de alta linhagem, era dama de D. Cons- tança, esposa de O. Pedro. Este apaixonou-se por D. Inês e tornaram-se amantes. D. Inês foi afastada de Portugal, mas depois da morte de D. Constança, D. Pedro ~ trouxe-a novamente e deste relacionamento nasceram quatro filhos. O pai de D. Pedro, o rei D. Afonso IV, e os seus conselheiros aperceberam-se que a ligação do futuro monarca com D. Inês poderia trazer graves consequências para a coroa portuguesa pela forte influência castelhana. Por isso, ouvido o Conselho, D. Afonso IV condenou D. Inês à morte, era necessário eliminá-la para salvar o Estado. Quando D. Inês teve conhecimento da decisão do rei, implorou-lhe misericórdia, apresentando como argumento os seus quatro filhos, netos do monarca. O rei apiedou-se de D. Inês, mas o interesse do Estado foi mais forte e D. Inês foi assassinada em 1355. Só depois do assassinato é que D. Pedro soube do sucedido, jurando vingança aos homens que mataram D. Inês.
Este episódio é considerado um episódio lírico pela
importância dada ao tema do amor, pela forma como esse sentimento vivido, e tornou-se num dos casos mais conhecidos no mundo e numa das histórias mais celebradas. Para uma mais fácil compreensão do episódio, podemos dividi-Io em três partes: Introdução (estrofes 118 a 119): Vasco da Gama anuncia que a história que se segue na narração era "O caso triste e dino de memória", cujo responsável é somente o Amor: 'Tu, só tu, puro Amor, com força crua" - este verso apresenta uma apóstrofe do amor que surge personificado. Desenvolvimento (estrofes 120 a 130) As estrofes 120, 121 e até ao 4º verso da estrofe 122 apresentam um quadro de tranquilidade e de alegria. Inês de Castro é caracterizada como "linda Inês", recordando os bons momentos, "memórias de alegria", que .passara com o seu príncipe. No entanto, no 3º e 4º versos da estrofe 120, "naquele engano de alma, ledo e cego,/Que a fortuna não deixa durar , muito," é já anunciada uma certa atmosfera de fatalidade. Na estrofe 122 é indicado o oponente ao amor de Pedro e Inês, o rei O. Afonso IV, caracterizado como "o velho pai sesudo" que determina matar D. Inês: "Tirar Inês ao mundo determina" (estrofe 123). Repara nas palavras utilizadas para referir a sentença do rei; Vasco da Gama poderia ter dito que o rei mandou matar Inês, mas essa seria uma forma muito drástica de anunciar a morte da dama, por isso diz "Tirar Inês ao mundo". A este recurso linguistico dá-se o nome de eufemismo. Diante do rei, D. Inês, rodeada pelos seus filhos, apela para que ele tenha piedade dela e não a mate (estrofes 125 a 129). Inês não pede apenas que o rei seja justo, mas implora-lhe misericórdia: "A morte sabes dar com fogo e I ferro/Sabe também dar a vida, com clemência" (estrofe 128,vv. 2 e 3). Se reparares bem nestes dois versos, há duas ideias que se contrapõem: a morte e a vida. Trata-se de uma antítese, que tem como valor expressivo I realçar a soberania do rei ao decidir sobre a morte ou a vida de uma pessoa.
Depois de ouvir o discurso de D. Inês, orei sente-se arrependido da sua
decisão e "Queria perdoar-lhe" (estrofe 130), mas o povo não permitiu: "Mas o pertinaz povo e seu destino". Conclusão (estrofes 133 a 135)
Inês de Castro é morta pelos "brutos matadores" (mais uma vez a
anteposição do adjectivo a caracterizar os algozes). .Nas estrofes 133 a 135 que ainda integram o episódio, o narrador tece alguns comentários ao assassínio cometido, dos quais se realça a referência à Natureza que, personificada, participa deste sofrimento, reflectindo a morte de Inês, que, agora em oposição ao quadro inicialmente apresentado, "Tal está, morta, a pálida donzela"(estrofe 134).