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Os Campos

O dos Castelos

A Europa jaz, posta nos cotovelos:

De Oriente a Ocidente jaz, fitando,

E toldam-lhe româ nticos cabelos

Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;

O direito é em â ngulo disposto.

Aquele diz Itá lia onde é pousado;

Este diz Inglaterra onde, afastado,

A mã o sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,

O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

Fernando Pessoa, in Mensagem

O dos Castelos  sistematização

A Europa é perspetivada pelo poeta como figura feminina cujo rosto é, indubitavelmente, Portugal – “O
rosto com que fita é Portugal.
Porém, esta figura feminina “jaz”, melhor dizendo, está deitada sobre os cotovelos, numa atitude de
hipotético adormecimento, ou de espera, vivendo das memó rias de um passado, cujas raízes culturais estã o
associadas à Grécia, Itá lia e Inglaterra.
Desta atitude passiva, expectante, apenas o rosto parece estar animado de vida, porque fita, olha
fixamente o Ocidente – o mar, onde a Europa se lançou através de Portugal, na grandiosidade das descobertas
com a qual traçou o seu pró prio futuro. Neste sentido, só Portugal parece estar pronto a despertar e o seu
olhar é, simultaneamente, “esfíngico e fatal”, ou seja, enigmá tico e marcado pelo destino.
Assim, o poeta refere-se, sem dú vida, ao papel de Portugal como líder inegá vel de uma nova Europa,
cujo futuro recuperará a gló ria do passado. A missã o de Portugal está , desde logo, assinalada pela sua
localizaçã o geográ fica estratégica: conquistar o que está para ocidente, o mar, criando um novo império que
dará continuidade à supremacia do restante império europeu.
O título do poema é uma alusã o ao territó rio português, protegido por os sete castelos que, uma vez
conquistados aos mouros, definiriam a geografia de Portugal.

20 Eis aqui, quase cume da cabeça


De Europa toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa,
E onde Febo repousa no Oceano.
Este quis o Céu justo que floresça
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fora, e lá na ardente
Á frica estar quieto o nã o consente.

21 Esta é a ditosa pá tria minha amada,


A qual se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
Esta foi Lusitâ nia, derivada
De Luso, ou Lisa, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela entã o os Íncolas primeiro

Luís de Camõ es, os Lusíadas, Canto III

O dos Castelos  intertextualidade

Tal como neste poema de Mensagem, a estrofe 20 do canto III d’ Os Lusíadas referencia Portugal como
a cabeça da Europa – “quá si cume da cabeça de Europa toda” – atribuindo-lhe uma missã o predestinada. N’ Os
Lusíadas, essa predestinaçã o é ditada pelo “Céu” que quis que Portugal vencesse na luta contra os mouros.
Quer num texto, quer noutro, é percetível um forte sentimento patrió tico, uma vez que o papel de
Portugal face à Europa é enfatizado.
No texto camoniano, tal sentimento expressa-se tanto pela forma como o poeta vê Portugal como líder
da Europa (“cabeça”), como na expressã o do amor do narrador, Vasco da Gama, pela “ditosa pá tria”, onde
espera vir a morrer depois de cumprida a sua missã o.
Já Pessoa valoriza o papel de Portugal junto da civilizaçã o ocidental, ao colocá -lo como resto que fita
“O ocidente, futuro do passado”. É um sentimento muito patrió tico aquele que leva Pessoa a antever a
construçã o de um império muito para alem do material e é também esse sentimento o que o leva a apontar
Portugal como cabeça e Itá lia e Inglaterra como cotovelos.

Os Campos

O das Quinas

Os Deuses vendem quando dã o.

Compra-se a gló ria com desgraça.

Ai dos felizes, porque sã o

Só o que passa!

Baste a quem basta o que lhe basta

O bastante de lhe bastar!

A vida é breve, a alma é vasta:


Ter é tardar.

Foi com desgraça e com vileza

Que Deus ao Cristo definiu:

Assim o opô s à Natureza

E Filho o ungiu.

Fernando Pessoa, in Mensagem

O das Quinas  sistematização

O poeta faz uma série de afirmaçõ es paradoxais – “Os deuses vendem quando dã o” -, ou baseadas em
jogos de palavras – “Baste a quem basta o que lhe basta” – com um ú nico objetivo: mostrar que para se
atingir a grandeza, para se conquistar a gló ria é indispensá vel estar disposto a sofrer – “Compra-se a gló ria
com a desgraça”.
Qual será , pois, o destino do Homem, mais particularmente o do Homem português? O mesmo de
Cristo: tal como Ele, os portugueses só ascenderã o a um plano superior, transcendendo-se, superando as
limitaçõ es da pró pria vida, por natureza efémera – “A vida é breve, a alma é vasta”.
Estã o, entã o, traçadas as potencialidades da alma portuguesa, uma alma que se afirma “vasta”, grande
– será esta grandeza de alma que presidirá todos os heró is de Mensagem.
Se se descodificar o titulo do poema, “as quinas” correspondem à s cinco chagas de Cristo, símbolo do
sofrimento e morte redentores da humanidade. Por conseguinte, as quinas sã o, desde logo, a expressã o de
que só o sacrifício conduz à redençã o e à gló ria, projetando a missã o de Portugal para um plano de
espiritualidade.
Os Castelos

Ulisses

O mito é o nada que é tudo.

O mesmo sol que abre os céus

É um mito brilhante e mudo –

O corpo morto de Deus,

Vivo e desnudo.

Este que aqui aportou,

Foi por nã o ser existindo.

Sem existir nos bastou.

Por nã o ter vindo foi vindo

E nos criou.
Assim a lenda se escorre

A entrar nas realidade,

E a fecundá -la decorre.

Em baixo, a vida, metade

De nada, morre.

Fernando Pessoa, in Mensagem

Ulisses  sistematização

Pessoa remonta à figura mítica de Ulisses para explicar a fundaçã o de Portugal.


Associadas à sua fundaçã o, nã o está apenas o real, o factual histó rico, mas igualmente o mítico,
dificilmente explicá vel – “O mito é o nada que é tudo”. Ulisses, “sem existir”, porque é mito, “nos bastou”, e
“por nã o ter vindo”, porque nã o é real “nos criou, ou seja, foi essencial para sermos hoje o povo que somos.
Ulisses é figura lendá ria do navegador errante, cujo espírito aventureiro o levou a enfrentar o mar
durante dez longos anos, vivendo e ultrapassando os seus inú meros e difíceis obstá culos, até, finalmente,
aportar na sua ilha natal, Ítaca. Ulisses antecipa, assim, o destino de um Portugal voltado para a aventura
marítima, celebrada na nossa histó ria.
Embora nã o existindo, Ulisses aparece associado ao nascimento de Portugal, mais propriamente à
cidade de Lisboa, o que evidencia, desde logo, a missã o espiritual de Mensagem. Ele representa o mito que,
juntamente com a histó ria, dará vida a Portugal. Ele é o mito que fecunda a realidade, dando sentido à vida –
“A lenda se escorre a entrar na realidade/E a fecundá -la decorre”.

O paradoxo inicial (tese) – “O mito é o nada que é tudo” é a seguir demonstrado:


 O mito – a lenda – é o nada (nã o existe), mas, ao mesmo tempo, é tudo porque explica o real, fecundando-
o: “Assim a lenda se escorre/A entrar na realidade,/E a fecundá -la decorre.”;
 A importância da referencia a Ulisses:
- Ulisses é um heró i mítico – “Este, que aqui aportou,/Foi por nã o ser existindo.”;
- A sua existência lendá ria nã o invalida a sua força criadora da identidade nacional – “Sem existir
nos bastou./Por nã o ter vindo foi vindo/E nos criou.”;
- A sua ligaçã o ao mar explica o destino marítimo dos portugueses;
 A terceira estrofe, iniciada pelo advérbio adjunto de modo “Assim”, sintetiza a tese inicial: com efeito, na
terra – “Em baixo” – a vida real e objetiva – “metade/De nada” – apaga-se para que o mito se engrandeça
e eternize.
 Conclusão: Ulisses nã o é nada, porque é mito, explica o destino marítimo dos portugueses, que é tudo. É
irrelevante que os heró is fundadores tenham ou nã o tido existência real, o que importa é que todos
tenham funcionado com a força do mito que, nã o existindo, é tudo.
Ulisses  intertextualidade

Canto VIII:
- Armada estacionada em Calecut
- Narrador: Paulo da Gama
- Narratá rio: Catual de Calecut

4 (…)
Vês outro, que do Tejo a terra pisa,
Depois de ter tã o longo mar arado,
Onde muros perpétuos edifica,
E templo a Palas, que em memó ria fica?

5 Ulisses é o que faz a santa casa


A Deusa, que lhe dá língua facunda;
Que, se lá na Á sia Troia insigne abrasa,
Cá na Europa Lisboa ingente funda.

Luís de Camõ es, Os Lusíadas, Canto VIII

Tal como em Mensagem, Os Lusíadas recuperam a lenda fundadora de Ulisses, atribuindo-lhe a


fundaçã o de Lisboa.

Os Castelos
D. Afonso Henriques

Pai, foste cavaleiro.

Hoje a vigília é nossa.

Dá -nos o exemplo inteiro

E a tua inteira força!

Dá , contra a hora em que, errada,

Novos infiéis vençam,

A bênçã o como espada,

A espada como bênçã o!

Fernando Pessoa, in Mensagem

D. Afonso Henriques  sistematização

D. Afonso Henriques é apelidado pelo poeta de “Pai”. Ele é, simultaneamente, “Pai” e “cavaleiro” – Pai,
porque fundador da nacionalidade e, por isso, pai dos portugueses; cavaleiro, porque, com a “espada”,
defendeu e conquistou o territó rio português, mas também se assumiu como defensor da fé. Entã o, o poeta
pede-lhe que, nos dias de hoje, ele sirva de exemplo aos portugueses e que a sua força inspire a uma açã o que
vença os “novos infiéis”, ou seja, todos aqueles que se opõ em à missã o espiritual e providencial de Portugal
que, para o poeta, é uma certeza inabalá vel.
Espada:
 Confere luminosidade (tudo à sua volta se torna claro);
 Defesa dos valores (morais, religiosos, nacionais);
 Símbolo de cavalaria  uniã o mística entre o cavaleiro e a espada;
 Valor profético;
 Símbolo:
- Da Guerra Santa  da guerra interior;
- Do verbo, da palavra;
- Da conquista do conhecimento;
- Da libertaçã o dos desejos;
- Da espiritualidade;
- Da vontade divina;

D. Afonso Henriques  intertextualidade

43 Em nenhuma outra cousa confiado,


Senã o no sumo Deus, que o Céu regia,
Que tã o pouco era o povo batizado,
Que para um só cem Mouros haveria.
Julga qualquer juízo sossegado
Por mais temeridade que ousadia,
Cometer um tamanho ajuntamento,
Que para um cavaleiro houvesse cento.

44 Cinco Reis Mouros sã o os inimigos,


Dos quais o principal Ismar se chama;
Todos exprimentados nos perigos
Da guerra, onde se alcança a ilustre fama.
Seguem guerreiras damas seus amigos,
Imitando a formosa e forte Dama,
De quem tanto os Troianos se ajudaram,
E as que o Termodonte já gostaram.

45 A matutina luz serena e fria,


As estrelas do Pó lo já apartava,
Quando na Cruz o Filho de Maria,
Amostrando-se a Afonso, o animava.
Ele, adorando quem lhe aparecia,
Na Fé todo inflamado assim gritava:
— "Aos infiéis, Senhor, aos infiéis,
E nã o a mim, que creio o que podeis!"

Luís de Camõ es, Os Lusíadas, Canto III

N’Os Lusíadas, como nã o podia deixar de ser, é dado um destaque enorme a D. Afonso Henriques,
figura que preenche as estrofes 28 a 84 do canto III. Ele é o fundador da naçã o, o escolhido por deus que
legitima o seu poder ao aparecer-lhe na batalha de Ourique. De resto, a lenda de Ourique, muito alimentada
desde o século XVI, serviu para conferir uma dimensã o sagrada ao nascimento de Portugal. Na Mensagem,
curiosamente, o poema dedicado a D. Afonso Henriques nã o refere a lenda, mas ela está lá , implícita, através
da espada/bênçã o.

Os Castelos

D. Dinis

Na noite escreve um seu Cantar de Amigo

O plantador de naus a haver

E ouve um silêncio mú rmuro consigo:

É o rumor dos pinhais que, como um trigo

De Império, ondulam sem se poder ver


Arroio, esse cantar, jovem e puro,

Busca o Oceano por achar;

E a fala dos pinhais, marulho obscuro,

É o som presente desse mar futuro,

É a voz da terra ansiando pelo mar.

Fernando Pessoa, in Mensagem

D. Dinis  sistematização

Pessoa evoca a figura histó rica de D. Dinis, monarca português da 1ª dinastia, filho de Afonso III. A sua
prioridade enquanto rei foi administrar e organizar o Reino português e nã o guerrear, tendo assinado a paz
com Castela em 1297. Foram-lhes atribuídos os cognomes “O Lavrador” e “O Trovador”, tanto pelo impulso
que deu ao desenvolvimento da agricultura, como pelo apreço manifestado pelo culto da arte de fazer poesia
e pela elevaçã o do português como língua oficial.
Os dois primeiros versos do poema remetem, de imediato, para essa dupla faceta – D. Dinis “escreve
um seu Cantar de Amigo” e é “plantador de naus a haver”, sendo estas construídas com o produto dos pinhais
por ele mandados semear. D. Dinis representa, pois, aquele para quem a poesia terá , entre outros, como
objetivo cantar o império português e aquele que lançará a semente de futuros impérios.
Nos restantes versos, destaca-se toa uma serie de vocá bulos que exprimem sons, vozes, rumores,
como se de uma profecia se tratasse (“marulho obscuro”; “fala dos pinhais”; “o rumor dos pinhais”). Todos
eles profetizam a grande epopeia marítima portuguesa dos séculos XV e XVI.
D. Dinis é, entã o, o profeta que sabe intuir, de forma sibilina (enigmá tica), o grande império das
descobertas. Assim, o que se preconiza é o sonho fundador que permita a construçã o de um tempo futuro.
D. Dinis  intertextualidade

96 Eis depois vem Dinis, que bem parece


Do bravo Afonso estirpe nobre e dina,
Com quem a fama grande se escurece
Da liberalidade Alexandrina.
Com este o Reino pró spero florece
(Alcançada já a paz á urea divina)
Em constituiçõ es, leis e costumes,
Na terra já tranquila claros lumes.

97 Fez primeiro em Coimbra exercitar-se


O valeroso ofício de Minerva;
E de Helicona as Musas fez passar-se
A pisar do Monde-o a fértil erva.
Quanto pode de Atenas desejar-se,
Tudo o soberbo Apolo aqui reserva.
Aqui as capelas dá tecidas de ouro,
Do bá caro e do sempre verde louro.

98 Nobres vilas de novo edificou


Fortalezas, castelos mui seguros,
E quase o Reino todo reformou
Com edifícios grandes, e altos muros.
Luís de Camõ es, Os Lusíadas,
Canto III

D. Dinis nã o poderia deixar de figurar na Mensagem, obra que se ocupa sobretudo dos mitos e à qual
da Histó ria, interessa precisamente a matéria mítica. Nesse sentido, D. Dinis figura como um mito da
iniciaçã o, o antecipador da grande empresa de descoberta do mar desconhecido, aquele que soube escutar a
voz do mar. Já n’Os Lusíadas, epopeia que se ocupa da matéria histó rica elaborada como caminho para a
construçã o do império, da gló ria e do heroísmo, D. Dinis merece pouco mais de duas breves estrofes, pois ele
nã o é um rei guerreiro e os seus feitos nã o sã o feitos de armas.

As Quinas

D. Sebastião, Rei de Portugal

Louco, sim, louco, porque quis grandeza

Qual a Sorte a nã o dá .

Nã o coube em mim minha certeza;

Por isso onde o areal está

Ficou meu ser que houve, nã o o que há .

Minha loucura, outros que me a tomem

Com o que nela ia.

Sem a loucura que é o homem

Mais que a besta sadia,

Cadá ver adiado que procria?

Fernando Pessoa, in Mensagem


D. Sebastião, Rei de Portugal  sistematização

Este é o primeiro dos quatro poemas dedicados a D. Sebastiã o. Caracterizando-se como um “louco”
porque “quis grandeza”, D. Sebastiã o admite com orgulho essa loucura, símbolo do inspirado, de todo aquele
que está para além do comum da sociedade e transmite a ideia de que nem a morte a extinguiu ou poderá
extinguir. O “ser que houve” morreu nos areais de Alcá cer Quibir; o “ser que há ”, esse nã o é perecível, porque
o sonho também nã o o é.
Indo mais além neste discurso de “elogio da loucura”, D. Sebastiã o incita aqueles que o ouvem a
herdarem a sua loucura. Trata-se de uma espécie de apelo à continuidade do seu sonho de grandeza.
Num remate de natureza tanto reflexiva como desafiadores, o poeta interroga-se sobre o que distingue
o Homem dos restantes animais – é o sonho que permite que o Homem seja “mais que (...) cadá ver adiado”. É
o sonho que eleva o Homem e o faz ultrapassar a pró pria morte. D. Sebastiã o surge, entã o, como uma espécie
de messias que traz a boa nova da salvaçã o.

Num discurso na 1ª pessoa, D. Sebastiã o assume-se orgulhosamente como louco:


 A recorrência da ideia de loucura – “Louco, sim, louco”; “Minha loucura”; “Sem a loucura”;
 A loucura do rei, de sinal positivo, projeta-se no desejo de ultrapassar os limites do homem, na ousadia de
transmitir o seu sonho aos outros – “Minha loucura, outros que me a tomem/Com o que nela ia”.
 O jogo dos tempos verbais – “ser que houve nã o o que há ” – exprime a dicotomia entre o ser mortal, o D.
Sebastiã o histó rico (que ficou no areal de Alcá cer Quibir), e o ser imortal, o D. Sebastiã o mítico – o sonho,
o desejo de grandeza;
 Esta espécie de loucura, fecundante (que dá frutos), distingue o homem da “besta sadia,/Cadá ver adiado
que procria?”;
 D. Sebastiã o é ais um agente da busca de realizaçã o do sonho objetivo da Mensagem pessoana;
 D. Sebastiã o como figura messiâ nica.

D. Sebastião, Rei de Portugal  intertextualidade


É a D. Sebastiã o que Camõ es dedica Os Lusíadas e é a este rei que o poeta dirige o apelo, no sentido de
continuar a tradiçã o dos antigos heró is portugueses, para fazer ressurgir a Pá tria da “apagada e vil tristeza”
do presente – Dedicató ria. Na Mensagem, D. Sebastiã o (o Sebastianismo) é o mito organizador e articulador
da obra, no sentido de que ele representa, precisamente, o sonho que ressurgirá do nevoeiro em que o
Portugal do presente está mergulhado, impulsionando a construçã o do futuro, a utopia (que é a força criadora
de novos mundos, quer a nível individual, quer a nível coletivo).

O Infante

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.

Deus quis que a terra fosse toda uma,

Que o mar unisse, já nã o separasse.


Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,

Clareou, correndo, até ao fim do mundo,

E viu-se a terra inteira, de repente,

Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.

Do mar e nó s em ti nos deu sinal,

Cumpriu-se o mar, e o Império se desfez.

Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Fernando Pessoa, in Mensagem

Infante D. Henrique – grande impulsionador dos descobrimentos. Tendo defendido uma politica expansionista voltada para a
descoberta, foi o responsá vel pela escola de Sagres e levou a cabo a realizaçã o de uma série de descobertas que englobam os
arquipélagos dos Açores e da Madeira e a costa ocidental africana até pró ximo do equador.
O Infante – sistematização

No poema que abre a segunda parte de Mensagem, Pessoa recupera a figura do infante D. Henrique,
um heró i, um dos eleitos por Deus que foi protagonista da vontade divina – “Deus quer” – e que cumpriu a
missã o para a qual foi designado – “a obra nasce”. é entã o reforçada, neste poema, a ideia do heró i mítico,
aquele que Deus manipula quase como um títere, o que obedece à s suas ordens e cumpre os seus desígnios.
Essa obra foi grandiosa: a descoberta da Terra na sua totalidade e verdadeira forma, através da posse
do mar – “E viu-se a Terra inteira, de repente,/Surgir, redonda, do azul profundo”.
Porém, o poeta antecipa o desfecho desventurado da saga marítima dos portugueses – povo que deu o
mundo ao mundo, conquistando o mar, mas cujo império se foi progressivamente dissolvendo – “E o Império
se desfez”.
O poema encerra, entã o, um tom desencantado – “Senhor, falta cumprir-se Portugal!” –, mas no qual se
pretende a certeza de que é possível recuperar a grandeza perdida e construir um Portugal novo, fazendo
alusã o ao mito do Quinto Império.
O Mostrengo

O mostrengo que está no fim do mar


Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que nã o desvendo,
Meus tetos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo:
“El-rei D. Joã o Segundo!”
 
“De quem sã o as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
“Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”
E o homem do leme tremeu, e disse:
“El-rei D. Joã o Segundo!”
 
Três vezes do leme as mã os ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
D' El-rei D. Joã o Segundo!”

Fernando Pessoa, in Mensagem

O Mostrengo – sistematização

Este poema simboliza a interminá vel e difícil tarefa da conquista do mai, o poeta narra o encontro –
aquando da primeira passagem do cabo das Tormentas em 1488 – entre a figura horrenda do Mostrengo e o
homem do leme, representante de todos os protagonistas da aventura marítima, os navegadores portugueses.
Numa relaçã o clara de inferioridade física com o monstro marinho, o homem do leme nã o se deixa
intimidar, e lança-lhe o seu desafio: dar cumprimento à vontade inflexível de D. Joã o II.
Ao dominar o Mostrengo, o homem do leme protagoniza a vitó ria dos navegadores portugueses sobre
todos os obstá culos que o mar oferecia: os medos e os inú meros perigos.

Poema cuja extensã o parece querer simbolizar o longo e difícil processo de conquista do mar:
 O cará ter narrativo do poema;
 O dialogo a três vozes: sujeito poético, Mostrengo e homem do leme;
 A simbologia do Mostrengo: todos os perigos, medos e obstá culos;
 A dimensã o simbó lica do homem do leme: anó nimo que dá voz ao sentir e à ousadia de um povo;
 Poema eco da tradiçã o lendá ria: o desafio do homem face aos limites da sua condiçã o humana;
 A insistência no numero três e sua simbologia.

O Mostengo:
 Revela atitudes intimidató rias, ameaçadoras, amedrontadoras;
 É informe (nã o tem uma forma concreta);
 Está carregado de conotaçã o negativa;
 É pouco definido, pouco descrito (nã o tem identidade);
 Simboliza os perigos do mar, os obstá culos, as adversidades e os medos.
O Mostrengo – intertextualidade

37 Porém já cinco Só is eram passados


Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca doutrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando,
Quando uma noite estando descuidados
Na cortadora proa vigiando,
Uma nuvem que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.

38 Tã o temerosa vinha e carregada,


Que pô s nos coraçõ es um grande medo;
Bramindo o negro mar, de longe brada,
Como se desse em vã o nalgum rochedo.
"Ó Potestade (disse) sublimada:
Que ameaço divino, ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta?"

39 Nã o acabava, quando uma figura


Se nos mostra no ar, robusta e vá lida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquá lida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má , e a cor terrena e pá lida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.

(…)

41 E disse: — "Ó gente ousada, mais que quantas


No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vã os nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas
E navegar meus longos mares ousas,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho.
Nunca arados de estranho ou pró prio lenho:

(…)
43 Sabe que quantas naus esta viagem
Que tu fazes, fizerem de atrevidas,
Inimiga terã o esta paragem,
Com ventos e tormentas desmedidas!
E da primeira armada que passagem
Fizer por estas ondas insofridas,
Eu farei de improviso tal castigo,
Que seja mor o dano que o perigo!

(…)

49 Mais ia por diante o monstro horrendo


Dizendo nossos fados, quando alçado
Lhe disse eu: — Quem és tu? que esse estupendo
Corpo certo me tem maravilhado.—
A boca e os olhos negros retorcendo,
E dando um espantoso e grande brado,
Me respondeu, com voz pesada e amara,
Como quem da pergunta lhe pesara:

50 "Eu sou aquele oculto e grande Cabo,


A quem chamais vó s outros Tormentó rio,
Que nunca a Ptolomeu, Pompô nio, Estrabo,
Plínio, e quantos passaram, fui notó rio.
Aqui toda a Africana costa acabo
Neste meu nunca visto Promontó rio,
Que para o Pó lo Antarctico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende.

51 Fui dos filhos aspérrimos da Terra,


Qual Encélado, Egeu e o Centimano;
Chamei-me Adamastor, e fui na guerra
Contra o que vibra os raios de Vulcano;
Nã o que pusesse serra sobre serra,
Mas conquistando as ondas do Oceano,
Fui capitã o do mar, por onde andava
A armada de Netuno, que eu buscava.”

Luís de Camõ es, Os Lusíadas, Canto V

Entre o Mostrengo de Mensagem e o Adamastor de Os Lusíadas há a considerar o facto, muito


significativo, de ambos se situarem no centro das respetivas obras, funcionando como eixos estruturantes.
O Mostrengo e o Adamastor surgem como símbolo dos perigos e das dificuldades que se apresentam
ao ser humano que quer conhecer novos mundos. Sã o nã o só o símbolo dos problemas a enfrentar quando se
pretende explorar o desconhecido, mas também quando o homem deseja descer ao interior de si pró prio.
Camõ es procura, fundamentalmente, demonstrar que muitos dos “gigantes”, ou dificuldades, advêm da
falta de conhecimento e do medo de correr riscos. O homem tem de se superar para ultrapassar os problemas
com que se depara. Vencendo-se, vence os seus medos e pode descobrir o que lhe estava oculto.
A figura do Mostrengo mantém toda a simbologia do fantá stico que se contava e que amedrontava
mesmo os mais corajosos. O poema pessoano simboliza as dificuldades sentidas pelos portugueses na
conquista do mar, contrapondo o medo com a coragem do marinheiro português perante aquele ser “imundo
e grosso”, vencendo os seus medos.

O Gigante Adamastor – sistematização


A exaltação do herói – exatamente por serem ditas por um ser tã o temível, as palavras do Adamastor sobre
a ousadia dos portugueses têm um efeito duplamente exaltante: aquela “gente ousada”, “mais que quantas/no
mundo cometeram grandes cousas”, ignorou as interdiçõ es, ultrapassou os limites (“vedados términos”), para
desvendar o desconhecido, “ver os segredos escondidos/da natureza e do hú mido elemento”, o que nenhum
ser, nobre o imortal, se tenha atrevido a tentar – é mais uma vez a conquista do conhecimento, do saber,
ancorado na observaçã o, que se coloca em destaque como um dos grandes feitos da viagem.

A afirmação do herói – a coragem do heró i afirma-se pelo enfrentar do medo, por ousar conhecê-lo, decifrá -
lo; assim, o uso da palavra, por parte de Vasco da Gama, interrompendo as palavras ameaçadoras da
monstruosa figura, a pergunta sobre a sua identidade (“Quem és tu?”) sã o o momento simbó lico de afirmaçã o
da grandeza do homem.

O desfazer do mito – tendo sobre os humanos a vantagem de conhecer para amem do presente, o que
mostra ao profetizar desgraças futuras, o gigante, no final, retira-se com um “medonho choro”, depois de ter
contado a sua histó ria. Fora, afinal, vencido no amor e na guerra, iludido e aprisionado; assim, ao tornar-se
conhecido, desvanece-se o seu cará ter ameaçador.

Simbologia do episódio – o Gigante Adamastor representa o maior de todos os obstá culos na realizaçã o de
qualquer viagem, seja qual for a sua natureza – o medo do desconhecido. Como vencer os limites paralisantes,
por vezes, que a prudência impõ e? Como preparar o confronto com nã o se sabe o quê? Com que armas se luta
com o que se desconhece? Perante o desconhecido, os navegadores enfrentaram o terror, desvendaram os
seus mistérios e o desconhecido deixou de o ser. Portanto, o episó dio simboliza a vitó ria sobre o medo que os
perigos ignorados da natureza provocavam – em “O Mostrengo”, encontramos naturalmente a mesma
intençã o simbó lica.

Mar português

Ó mar salgado, quanto do teu sal

Sã o lá grimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mã es choraram,

Quantos filhos em vã o rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar


Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma nã o é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa, in Mensagem

Mar Português – sistematização

O poeta dirige-se ao mar, um mar responsá vel pelo sofrimento das mã es, dos filhos, das noivas, de
todos aqueles que ousaram cruzar as suas á guas com o intuito de o dominarem – “para que fosses nosso, ó
mar!”.
Terá valido a pena tanto sofrimento? “Tudo vale a pena/Quando a alma nã o é pequena” – é mais uma
maneira de o poeta afirmar a importâ ncia da vontade da alma humana, vontade sempre insaciá vel.
Se, na primeira estrofe, o mar é sinonimo de dor, já na segunda, aparece associado à conquista do
absoluto. De facto, o mar encerra “perigo” e “abismo”, mas também espelha o “céu”, ou seja, oferece
recompensas ao permitir o acesso a um prémio superior, seja ele a verdade, a heroicidade, a imortalidade, a
gló ria...

A apó strofe inicial indicia a atmosfera emotiva do poema:

 A expressividade da enumeraçã o de todos quantos participaram na safa sofrida das Descobertas;


 O valor simbó lico da circularidade da primeira estrofe – “Ó mar (...) ó mar!”;
 A interrogaçã o retó rica a iniciar o cará ter reflexivo da segunda estrofe;
 O mar como espaço de conciliaçã o do perigo e da recompensa;
 O mar, símbolo da conquista do absoluto, do divino;
 O sentido patrió tico, de abnegaçã o, o espírito de missã o dos navegadores.

Mar Português – intertextualidade

89 Em tã o longo caminho e duvidoso


Por perdidos as gentes nos julgavam,
As mulheres cum choro piadoso,
Os homens com suspiros que arrancavam.
Mães, Esposas, Irmã s, que o temeroso
Amor mais desconfia, acrecentavam
A desesperaçã o e frio medo
De já nos nã o tornar a ver tã o cedo.

90 Qual vai dizendo: —“Ó filho, a quem eu tinha


Só pera refrigério, e doce emparo
Desta cansada já velhice minha,
Que em choro acabará , penoso e amaro,
Por que me deixas, mísera e mesquinha?
Por que de mi te vas, ó filho caro,
A fazer o funéreo enterramento,
Onde sejas de pexes mantimento?”

91 Qual em cabelo: —"Ó doce e amado esposo,


Sem quem nã o quis Amor que viver possa
Por que is aventurar ao mar iroso
Essa vida que é minha, e nã o é vossa?
Como, por um caminho duvidoso,
Vos esquece a afeiçã o tã o doce nossa?
Nosso amor, nosso vã o contentamento,
Quereis que com as velas leve o vento?"
Luís de Camõ es, Os Lusíadas, Canto IV

As “lá grimas de Portugal” que tornaram salgado o “mar” de Mensagem sã o as lá grimas choradas n’ Os
Lusíadas pelas mulheres que, na praia, se despediram dos marinheiros que partiram na grande aventura de
Vasco da Gama, nas Despedidas em Belém.

Despedidas em Belém – sistematização

Este episó dio é um momento particularmente lírico da narrativa, pondo a tó nica nos sentimentos do
que ficavam, que antecipadamente choravam a perda dos que partiam, bem como nos destes, que tiveram que
enfrentar esse primeiro obstá culo – a dor que infligiam aos seres amados, as saudades que eles pró prios já
começavam a sentir. Antes dos heró is, em particular Vasco da Gama, vêm as mais frá geis – “mã es, esposas,
irmã s”, “velhos e os mininos”, os mesmos cujas lá grimas darã o sal ao mar do poema de Mensagem.
Assim, nestas estancias d’ Os Lusíadas, há um ambiente de dor e de pessimismo provocado pela
antecipaçã o dos perigos que aqueles que partem vã o enfrentar. No poema “Mar Português”, esta consciência
do perigo, que também provoca dor e sofrimento, é eivada de otimismo, por a dor é encarada como um meio
necessá rio para alcançar o sonho, é uma fase do caminho para atingir o absoluto.
Prece

Senhor, a noite veio e a alma é vil.

Tanta foi a tormenta e a vontade!

Restam-nos hoje, no silêncio hostil,

O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nó s criou,

Se ainda há vida ainda nã o é finda.

O frio morto em cinzas a ocultou:

A mã o do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem – ou desgraça ou â nsia –,

Com que a chama do esforço se remoça,

E outra vez conquistemos a Distancia –


Do mar ou outra, mas que seja nossa!

Fernando Pessoa, in Mensagem

Prece – sistematização

Trata-se do ultimo poema da segunda parte de Mensagem, Mar Português, onde sã o exaltados os
acontecimentos e o heró is das descobertas marítimas portuguesas, constituindo, também, um prenuncio da
linha temá tica estruturadora da ultima parte de Mensagem – o Encoberto.
O poema é, sem duvida, um apelo a uma entidade divina e superior – “Senhor” – em quem o sujeito
poético deposita a esperança de um futuro redentor. Se, na primeira quadra domina um sentimento de
desencanto e a disforia se torna notó ria, no resto do poema sucede a certeza de que nem tudo é irremediá vel
e de que é possível restaurar a grandeza perdida, ou, pelo menos, conquistar uma outra grandeza – o poeta
acredita que é possível recuperar o passado grandioso e avançar para um futuro promissor e positivo. Assim,
para ele, a esperança ainda sobrevive, a chama da vida ainda nã o está completamente extinta, ela apenas
dorme debaixo do “frio morto em cinzas”.
O que é preciso, entã o? Basta que a “mã o do vento” a erga, basta apenas um golpe de vontade e, uma
vez levantado “o sopro, a aragem”, o esforço ganhará forma e, de novo, haverá a certeza de conquistar a
“Distâ ncia”. Esta distâ ncia nã o tem necessariamente que ser a do mar, mas será , sobretudo, “nossa”, ou seja,
será a condiçã o redentora do desencanto do povo português. O tom das duas quadras é, pois, a de um choro
apelo à açã o, numa antevisã o de um novo império, o Quinto Império – um império nã o mais material porque
eterno.
Prece – intertextualidade

145 No mais, Musa, no mais, que a lira tenho


destemperada e a voz enrouquecida,
e nã o do canto, mas de ver que venho
cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
nã o no dá a pá tria, nã o, que está metida
no gosto da cobiça e na rudeza
duma austera, apagada e vil tristeza.

146 E nã o sei por que influxo de destino


nã o tem um ledo orgulho e geral gosto,
que os â nimos levanta de continuo
a ter para trabalhos ledo o rosto.
Por isso vó s, ó Rei, que por divino
conselho estais no régio só lio posto,
olhai que sois (e vede as outras gentes)
Senhor só de vassalos excelentes.

147 Olhai que ledos vã o, por vá rias vias,


quais rompentes leõ es e bravos touros,
dando os corpos a fomes e vigias,
a ferro, a fogo, a setas e pelouros,
a quentes regiõ es, a plagas frias,
a golpes de Idolá tras e de Mouros,
a perigos incó gnitos do mundo,
a naufrá gios, a peixes, ao profundo

Luís de Camõ es, Os Lusíadas, Canto X

Neste poema, o sujeito lírico lamenta o presente de cinzas em que a pá tria está mergulhada (depois de
ter vencido tanta “tormenta” e ter tido tanta “vontade” e exprime o desejo de ressurgimento impulsionado
pela vontade de novos embates com o desconhecido, na perseguiçã o da verdade que só é possível alcançar
seguindo a chama vital do sonho. Do mesmo modo, no final de Os Lusíadas, o poeta, que cantou a vontade
indomá vel dos guerreiros e nautas do passado, exprime a amargura de saber que, no presente, a pá tria “está
metida/No gosto da cobiça e da rudeza/Duma austera, apagada e vil tristeza.”, por isso, apela a D. Sebastiã o,
para que o rei impulsione o ressurgimento da luta, enfrentando “perigos incó gnitos do mundo”.

D. Sebastião
'Sperai! Cai no areal e na hora adversa

Que Deus concede aos seus

Para o intervalo em que esteja a alma imersa

Em sonhos que sã o Deus.

Que importa o areal e a morte e a desventura

Se com Deus me guardei?

É O que eu me sonhei que eterno dura,

É Esse que regressarei.

 Fernando Pessoa, in Mensagem

D. Sebastião – sistematização

Este poema, que abre a terceira parte de Mensagem, utilizando um discurso na primeira pessoa,
inicia-se com um apelo do rei aos portugueses, a quem o monarca transmite a esperança de um futuro
promissor. Para o rei, a “hora adversa” do presente nã o é mais do que o “intervalo” necessá rio para o inicio da
realizaçã o de um grande sonho universal e eterno – “é o que eu me sonhei que eterno dura” – que
ultrapassará a precariedade do momento em que o D. Sebastiã o histó rico, aquele que desaparecer na batalha
de Alcá cer Quibir, caiu no areal.
A derrota, em Alcá cer Quibir, assim, apresentada como “um mal necessá rio” para se ultrapassar a
dimensã o material e efémera do império português – “o areal e a morte e a desventura” – e se começar a
construir uma outra grandeza possuidora de uma dimensã o espiritual e eterna, o Quinto Império, inspirado
na figura do rei – “É esse que regressarei”. O rei assume-se como uma espécie de messias, um enviado de
Deus – “Que Deus concede aos seus”; “Se com Deus me guardei?” –, um salvados que conduzirá o seu povo à
gló ria eterna.

O Quinto Império
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!


Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a liçã o da raiz
Ter por vida a sepultura.

Eras sobre eras se somem


No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visã o que a alma tem!

E assim, passados os quatro


Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.

Grécia, Roma, Cristandade,


Europa – os quatro se vã o
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastiã o?

 
Fernando Pessoa, in Mensagem

O Quinto Império – sistematização

Neste poema, pessoa assume, de forma clara e explicita, o que se já vinha anunciando ao longo de
Mensagem, o futuro redentor de Portugal está indissociavelmente ligado à construçã o de um império de
características espirituais e eternas, o Quinto Império.
As primeiras três estrofes constituem uma reflexã o sobre a condiçã o humana. Partindo de afirmaçõ es
provocató rias e controversas – “Triste de quem vive em casa/Contente com o seu lar” ; “Triste de quem é
feliz!” –, pretende-se mostrar que a felicidade torna o Homem acomodado, transformando-o num ser sem
sonhos, que apenas “Vive porque a vida dura” e que nada mais faz durante a sua existência do que esperar a
morte – “Ter por vida a sepultura”. A conclusã o deste momento reflexivo é a de que ser homem passa pelo
descontentamento que leva à realizaçã o de grandes obras.
Nas duas ultimas estrofes, o poeta desvenda a “chave do poema”: o desencanto do presente (“erma
noite”) será ponto de partida para uma nova era designada como “dia claro”. Esta nova era distancia-se das
gló rias materiais – “Quem vem viver a verdade/Que morreu D. Sebastiã o?” – e apresenta-se como a
continuadora das matrizes espirituais que moldaram a identidade europeia ao longo dos séculos – Grécia (a
origem da civilizaçã o Ocidental), Roma (a potência que expandiu os fundamentos greco-latinos), Cristandade
(a dimensã o espiritual e humanista europeia), Europa (influencia europeia no resto do mundo, operada apó s
a renascença). Estes “quatro Tempos” tiveram o seu ciclo de vida, mas o Quinto Império, império da língua e
cultura portuguesas, nã o só conduzirá Portugal a uma nova gló ria, como será eterna e universal.

O poema constró i-se a partir de:


 Oposiçõ es dominantes: o homem que vegeta/o homem que sonha; o homem que se acomoda/o homem
que ambiciona;
 Expressividade do paradoxo “Triste de quem é feliz!”
 A passagem do tempo e o descontentamento inerente à condiçã o humana, como molas impulsionadoras
do nascimento dos quatro impérios de cará ter temporal (Grécia, Roma, Cristandade, Europa);
 A certeza da vinda de um futuro promissor – “dia claro” – já pressentido “no atro/Da erma noite”;
 O Quinto Império, de cará ter transcendente e espiritual, construído por uma nova geraçã o de homens
purificados, detentores da verdade – “Quem vem viver a verdade/Que morreu D. Sebastiã o?”

O Quinto Império – intertextualidade

Relaçã o do advento do Quinto Império com as profecias de Jú piter no Consílio dos Deuses:

24 Eternos moradores do luzente


Estelífero Pó lo, e claro Assento:
Se do grande valor da forte gente
De Luso nã o perdeis o pensamento,
Deveis de ter sabido claramente,
Como é dos fados grandes certo intento
Que por ela se esqueçam os humanos
De Assírios, Persas, Gregos e Romanos.

Luís de Camõ es, Os Lusíadas, Canto I

Camõ es foi o épico que imortalizou o império português, ao vê-lo atingir o seu apogeu com os
Descobrimentos. Pessoa é o cantor épico-lírico que canta o impero “à beira má goa”, procurando despertar os
espíritos para a necessidade do seu ressurgimento. Se nas duas primeiras partes da Mensagem é possível uma
aproximaçã o a Os Lusíadas, na terceira parte, Pessoa sente-se investido no cargo de anunciador do Quinto
Império, que nã o precisa de ser material, mas civilizacional.
(Terceiro)

'Screvo meu livro à beira má goa.


Meu coraçã o nã o tem que ter.
Tenho meus olhos quentes de á gua.
Só tu, Senhor, me dá s viver.

Só te sentir e te pensar
Meus dias vá cuos enche e doura.
Mas quando quererá s voltar?
Quando é o Rei? Quando é a Hora?

Quando virá s a ser o Cristo


De a quem morreu o falso Deus,
E a despertar do mal que existo
A Nova Terra e os Novos Céus?

Quando virá s, ó Encoberto,


Sonho das eras português,
Tornar-me mais que o sopro incerto
De um grande anseio que Deus fez?

Ah, quando quererá s, voltando


Fazer minha esperança amor?
Da névoa e da saudade quando?
Quando, meu Sonho e meu Senhor?

Fernando Pessoa, in Mensagem

Terceiro – sistematização

Este é o ú nico poema de Mensagem que nã o apresenta titulo, sendo, por esse facto, considerado como
aquele em que o discurso se identifica com o pró prio Pessoa.
O poema estrutura-se em torno do desencanto e da má goa do poeta que sente os seus “dias vá cuos”, o
vazio que subjaz à ruína do império, e que anseia pela chegada de um messias, de um salvador, que possa
restituir a Portugal a grandeza perdida – “Quando virá s, Ó Encoberto,/Sonho das eras português”.
O predomínio das interrogaçõ es revela essa dor do presente e a â nsia da chegada da “Nova Terra” e
dos “Novos Céus”. Atende-se, ainda, na identificaçã o realizada pelo sujeito poético entre o sonho e a entidade
divina inspiradora – “Quando, meu Sonho e meu Senhor?” – que o torna uma das forças impulsionadoras da
vontade humana.
Terceiro – intertextualidade

145 No mais, Musa, no mais, que a lira tenho


destemperada e a voz enrouquecida,
e nã o do canto, mas de ver que venho
cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
nã o no dá a pá tria, nã o, que está metida
no gosto da cobiça e na rudeza
duma austera, apagada e vil tristeza.

(...)

155 Para servir-vos, braço à s armas feito,


Para cantar-vos, mente à s Musas dada;
Só me falece ser a vó s aceito,
De quem virtude deve ser prezada.
Se me isto o Céu concede, e o vosso peito
Digna empresa tomar de ser cantada,
Como a pressaga mente vaticina
Olhando a vossa inclinaçã o divina.

Luís de Camõ es, Os Lusíadas, Canto X

O final da Mensagem aproxima-se e o poeta exprime a sua tristeza e vazio pela pá tria à “beira-má goa”.
Quer anunciar a vinda do futuro, “ser mais do que o sopro incerto/De um grande anseio que Deus fez”, mas
tem já “os olhos quentes de á gua”. Como Camõ es no final de Os Lusíadas, quando desalentado escreve “Nã o
mais, Musa, nã o mais, que a Lira tenho/Destemperada e a voz enrouquecida” e mais à frente, diz a D.
Sebastiã o “Para servir-vos, braço à s armas feito:/Para cantar-vos, mente à s Musas dada”.

Nevoeiro
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,

define com perfil e ser

este fulgor baço da terra

que é Portugal a entristecer –

brilho sem luz e sem arder,

como o que o fogo-fá tuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.

Ninguém conhece que alma tem,

nem o que é mal nem o que é bem.

(Que â nsia distante perto chora?)

Tudo é incerto e derradeiro.

Tudo é disperso, nada é inteiro.

Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!

Valete, Fratres

Fernando Pessoa, in Mensagem

Nevoeiro – sistematização

O poema final de Mensagem apresenta uma caracterizaçã o negativa de Portugal, país marcado pela
falta de identidade, de entusiasmo, de objetivos e de valores morais.
Portugal é um pais fragmentado, mergulhado na incerteza, vivendo à sobra de um passado glorioso
que morreu – “Como que o fogo-fá ctuo encerra”. No entanto, o nevoeiro que envolve Portugal traz em si o
gérman da mudança, indicia um outro tempo anunciado pela exclamaçã o final – “É a Hora!” – e pela saudaçã o
latina – “Valete fratres”. É o tempo do Quinto Império, que dará à língua e cultura portuguesas uma dimensã o
eterna e universal.

O poema apresenta um tom melancó lico:


 Caracterizado pela negativa deste “Portugal a entristecer”;
 Valor expressivo da personificaçã o de Portugal;
 Falta de identidade nacional sublinhada pelas construçõ es negativas;
 Estado de indefiniçã o, incerteza, dispersã o: ausência de totalidade – “nada é inteiro”;
 Simbologia do título;
 A síntese que a apó strofe final encerra;
 O apelo “É a Hora!” como resposta à s interrogaçõ es do poema “Screvo o meu livro à beira-má goa”.

Nevoeiro – intertextualidade

145 No mais, Musa, no mais, que a lira tenho


destemperada e a voz enrouquecida,
e nã o do canto, mas de ver que venho
cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
nã o no dá a pá tria, nã o, que está metida
no gosto da cobiça e na rudeza
duma austera, apagada e vil tristeza.

Luís de Camõ es, Os Lusíadas, Canto X

Neste poema, como em Prece, o sujeito lírico lamenta o presente de indefiniçã o e crise em que a pá tria
está mergulhada e exorta à mudança que equivale ao erguer do sonho do combate com o desconhecido, na
perseguiçã o da verdade. Do mesmo modo, no final de Os Lusíadas, o poeta exprime a amargura de saber a
pá tria “metida/No gosto da cobiça e na rudeza/Duma austera, apagada e vil tristeza”, para depois fazer um
apelo a D. Sebastiã o, no sentido de impulsionar o ressurgimento da luta.
Assim, o retrato de Portugal que Camõ es faz na sua obra aproxima-se do retrato feito em Nevoeiro – é
o “Portugal a entristecer/Brilho sem luz e sem arder”, de Pessoa. A desilusã o é, porém, maior: falta-lhe o grito
de esperança que encontramos no poema pessoano.

Os símbolos

As Ilhas Afortunadas

Que voz vem no som das ondas

Que nã o é a voz do mar?

É a voz de alguém que nos fala,

Mas que, se escutamos, cala,

Por ter havido escutar.

E só se, meio dormindo,


Sem saber de ouvir ouvimos,

Que ela nos diz a esperança

A que, como uma criança

Dormente, a dormir sorrimos.

Sã o ilhas afortunadas,

Sã o terras sem ter lugar,

Onde o Rei mora esperando.

Mas, se vamos despertando,

Cala a voz, e há só o mar.

Fernando Pessoa, in Mensagem

Os Símbolos

O Desejado

Onde quer que, entre sombras e dizeres,

Jazas, remoto, sentete sonhado,

E ergue-te do fundo de nã oseres

Para teu novo fado!

Vem, Galaaz com pá tria, erguer de novo,

Mas já no auge da suprema prova,

A alma penitente do teu povo

À Eucaristia Nova.
Mestre da Paz, ergue teu glá dio ungido,

Excalibur do Fim, em jeito tal

Que sua Luz ao mundo dividido

Revele o Santo Gral!

Fernando Pessoa, in Mensagem

Os Símbolos

O Encoberto

Que símbolo fecundo

Vem na aurora ansiosa?

Na Cruz Morta do Mundo

A Vida, que é a Rosa.

Que símbolo divino

Traz o dia já visto?

Na Cruz, que é o Destino,

A Rosa que é o Cristo.

Que símbolo final

Mostra o sol já desperto?

Na Cruz morta e fatal

A Rosa do Encoberto.
Fernando Pessoa, in Mensagem

Ao longo do poema, assiste-se a uma progressã o ideoló gica e temporal na construçã o das perguntas:
símbolo fecundo  símbolo divino  símbolo final : três símbolos
aurora ansiosa  dia já visto  sol já desperto : três momentos do dia

Essa mesma progressã o é igualmente verificá vel na construçã o das respostas:


Cruz morta do mundo  Cruz, que é o destino  Cruz morta e fatal : sacrifício
Rosa/Vida  Rosa/Cristo  Rosa/Encoberto : vida

Horizonte

Ó mar anterior a nó s, teus medos

Tinham coral e praias e arvoredos.

Desvendadas a noite e a cerraçã o,

As tormentas passadas e o mistério,

Abria em flor o Longe, e o Sul-siderio

'Splendia sobre as naus da iniciaçã o.

Linha severa da longínqua costa –

Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta

Em á rvores onde o Longe nada tinha;

Mais perto abre-se a terra em sons e cores:

E, no desembarcar, há aves, flores,

Onde era só , de longe, a abstrata linha.

O sonho é ver as formas invisíveis

Da distancia imprecisa, e, com sensíveis

Movimentos da esp'rança e da vontade,

Buscar na linha fria do horizonte


A á rvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –

Os beijos merecidos da Verdade.

Fernando Pessoa, in Mensagem

Horizonte – sistematização

O horizonte é símbolo do indefinido, do longe, do mistério, do desconhecido, do mundo a descobrir, do


objetivo a atingir.
Através da apó strofe inicial, "Ó mar anterior a nó s", o sujeito poético dirige-se ao mar desconhecido,
ainda nã o descoberto/navegado.
Na 1ª estrofe encontramos uma oposiçã o implícita. A oposiçã o refere o mar anterior aos
Descobrimentos portugueses ("medos", "noite", "cerraçã o", "tormentas", "mistério" - substantivos que
contêm a ideia de desconhecido, que remetem para a face oculta da realidade) e o mar posterior a esse feito
("coral e praias e arvoredos", "Desvendadas", "Abria", "´Splendia" - palavras que contêm a ideia de
descoberta).
A expressã o "naus da iniciaçã o" (v. 6) é uma referência à s naus portuguesas que, impulsionadas pelos
ventos do "sonho", da "esp'rança" e da "vontade", abriram novos caminhos e deram início a um novo tempo.
A segunda estrofe é essencialmente descritiva. Essa descriçã o é feita por aproximaçõ es sucessivas, de
um plano mais afastado para planos mais pró ximos: a "Linha severa da longínqua costa" (o
horizonte);"Quando a nau se aproxima, ergue-se a encosta / Em á rvores"; "Mais perto", ouvem-se os "sons" e
percebem-se as "cores"; "no desembarcar" veem-se "aves, flores".
O sujeito poético, na ú ltima estrofe, apresenta uma definiçã o poética de sonho: O sonho é ver o
invisível – “o sonho é ver as formas invisíveis” –, isto é, ver para lá do que os nossos olhos alcançam (ver
longe); o sonho é procurar alcançar o que está mais além (é esforçar-se por chegar mais longe); o sonho é
alcançar/aceder à Verdade, sendo que esta conquista constitui o prémio de quem por ela se esforça. De
salientar, aqui, o uso do presente do indicativo - "é" - que confere, a estes versos, um cará ter intemporal e
programá tico. 
Nos versos 16 e 17 é reforçada a passagem do abstrato ao concreto. Essa passagem é reforçada pela
acumulaçã o, no verso 17, de nomes concretos, precedidos de artigos definidos: "A á rvore, a praia, a flor, a ave,
a fonte", que têm uma simbologia muito peculiar.
Este poema apresenta-nos o sonho como motor da açã o dos Descobrimentos. É o sonho que, movido
pela esperança e pela vontade, desperta no homem o desejo de conhecer, de procurar a Verdade – etapa
ú ltima de qualquer demanda.
O título "Horizonte" evoca um espaço longínquo que se procura alcançar funcionando, assim, como
uma espécie de metá fora da procura, como um apelo da distâ ncia, do "Longe", à eterna procura dos mundos
por descobrir. Assim, este é um dos poemas que demonstram um Pessoa nacionalista místico, que respira um
patriotismo de exaltaçã o e de incitamento.

Horizonte – intertextualidade
51 Cortando vã o as naus a larga via
Do mar ingente para a pá tria amada,
(…)
Quando juntas, com sú bita alegria,
Houveram vista da ilha namorada,
(…)

52 De longe a Ilha viram fresca e bela,


Que Vênus pelas ondas lha levava
(Bem como o vento leva branca vela)
Para onde a forte armada se enxergava;
(…)

64 Nesta frescura tal desembarcavam


Já das naus os segundos Argonautas,
Onde pela floresta se deixavam
Andar as belas Deusas, como incautas.
(…)

83 Ó que famintos beijos na floresta,


E que mimoso choro que soava!
Que afagos tã o suaves, que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
(…)

91 Nã o eram senã o prêmios que reparte


Por feitos imortais e soberanos
O mundo com os varõ es, que esforço e arte
Divinos os fizeram, sendo humanos.
Que Jú piter, Mercú rio, Febo e Marte,
Eneias e Quirino, e os dois Tebanos,
Ceres, Palas e Juno, com Diana,
Todos foram de fraca carne humana.

Luís de Camõ es, Os Lusíadas, Canto IX

O Canto IX dos Lusíadas, conta do regresso dos Portuguesas da Índia, onde pelo caminho encontram a
«Ilha dos Amores». A Ilha aparece como uma recompensa, mas também como símbolo de o povo Português
de ter tornado, pelos seus feitos, igual aos deuses que agora os homenageiam de modo tã o inesperado. A
comparaçã o possível entre este Canto IX e o poema “Horizonte” é a oposiçã o quase total entre o que Camõ es
considera a “Recompensa” e Pessoa considera a “Verdade”. Camõ es idealiza uma recompensa para os
sentidos, um festim material, enquanto Pessoa quer algo mais alto e frio – a verdade do conhecimento oculto.

Os Tempos

Tormenta

Que jaz no abismo sob o mar que se ergue?


Nó s, Portugal, o poder ser.

Que inquietaçã o do fundo nos soergue?

O desejar poder querer.

Isto, e o mistério de que a noite é o fausto...

Mas sú bito, onde o vento ruge,

O relâ mpago, farol de Deus, um austo

Brilha, e o mar 'scuro 'struge.

Fernando Pessoa, in Mensagem

Os Tempos

Antemanhã

O mostrengo que está no fim do mar

Veio das trevas a procurar

A madrugada do novo dia,

Do novo dia sem acabar;


E disse, «Quem é que dorme a lembrar

Que desvendou o Segundo Mundo,

Nem o Terceiro quer desvendar?»

E o som na treva de ele rodar

Faz mau o sono, triste o sonhar.

Rodou e foi-se o mostrengo servo

Que seu senhor veio aqui buscar,

Que veio aqui seu senhor chamar –

Chamar Aquele que está dormindo

E foi outrora Senhor do Mar.

Fernando Pessoa, in Mensagem

Os Tempos

Noite

A nau de um d’eles tinha-se perdido


No mar indefinido.
O segundo pediu licença ao Rei
De, na fé e na lei
Da descoberta ir em procura
Do irmã o no mar sem fim e a névoa escura.
 
Tempo foi. Nem primeiro nem segundo
Volveu do fim profundo
Do mar ignoto à pá tria por quem dera
O enigma que fizera.
Entã o o terceiro a El-Rei rogou
Licença de os buscar, e El-Rei negou.
 
Como a um cativo, o ouvem a passar
Os servos do solar.
E, quando o veem, veem a figura
Da febre e da amargura,
Com fixos olhos rasos de â nsia
Fitando a proibida azul distancia.
 
Senhor, os dois irmã os do nosso Nome
– O Poder e o Renome –
Ambos se foram pelo mar da idade
À tua eternidade;
E com eles de nó s se foi
O que faz a alma poder ser de heró i.
 
Queremos ir buscá -los, d’esta vil
Nossa prisã o servil:
É a busca de quem somos, na distancia
De nó s; e, em febre de â nsia,
A Deus as mã os alçamos.
 
Mas Deus nã o dá licença que partamos.
A Última nau

Levando a bordo El-Rei Dom Sebastiã o,


E erguendo, como um nome, alto, o pendã o
Do Império,
Foi-se a ú ltima nau, ao sol aziago
Erma, e entre choros de â nsia e de presago
Mistério.
 
Nã o voltou mais. A que ilha indescoberta
Aportou? Volverá da sorte incerta
Que teve?
Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
Mas Sua luz projeta-o, sonho escuro
E breve.
 
Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minh'alma atlâ ntica se exalta
E entorna,
E em mim, num mar que nã o tem tempo ou 'spaço,
Vejo entre a cerraçã o teu vulto baço
Que torna.
 
Nã o sei a hora, mas sei que há a hora,
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
Mistério.
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
A mesma, e trazes o pendã o ainda
Do Império.

Fernando Pessoa, in Mensagem

A Última Nau – sistematização

“A ú ltima nau” aparece como uma espécie de lead-in, de introduçã o à Terceira Parte de Mensagem, que
ainda nã o se iniciou. É este um período intermédio de poesia, palavras de anoitecer, saindo da luz (a vida) do
que é conhecido em que fomos ainda guiados pelos sentidos, para entrarmos na escuridã o completa da noite
(a morte), onde apenas os símbolos nos vã o guiar.
A certeza de Pessoa acha aqui nobre conclusã o. “Nã o sei a hora, mas sei que há a hora”. De maneira
perentó ria o poeta nã o deixa dú vidas ao leitor – o regresso de D. Sebastiã o será uma realidade. Mas num
futuro incerto.

“Surges ao sol em mim e a névoa finda” – eis um bom exemplo do que


acabá mos de dizer.estrofe
Na primeira O sol ele
(conhecimento)
encarna os que surge dentro
ficaram dele a(“em
na praia ver a mim”)
expediçãe oa Como
“névoa finda” (ao ignorâ
de D. Sebastiã partir.ncia).
“A úSimples e linear,
ltima nau”, que embora esotérica,
s~o todas as naus a linguagem
e nenhuma, detem ele tanta
Pessoa
“levando é clara. A nau
a bordo que ele
El-Rei vê, agorao já(…)
D. Sebastiã totalmente
Erguendosimbó(…) lica
altoé o“apendã
mesma”,o / que
Docerteza? É fá cil
traz “o pendã o ainda / Do Império”. Ou seja, o passado regressa
Império, / Foi-se / (…) entre choros de â nsia e de pressá gio”. A cena surge-nosigual, mas já esconder a
mito, nã o para ser o mesmo, mas para alimentar uma nova realidade.
aos olhos da alma, que se enchem de lá grimas, como aqueles que viam partir o certeza em
Rei e com ele o Império Material. Novamente a dor, a pró pria morte sã oambiguidade:
enaltecidas como necessá rias para o renascimento, para a revelaçã o do“Demore-a
“Mistério” que ficou, quando o Rei se foi com a ú ltima nau.

Deus, chame-lhe a alma (…) / Mistério”. “Mistério” é afinal uma palavra que pode tomar diferentes
“A que ilha indescoberta / Aportou? Voltará da sorte incerta / Que teve?”significados. A
– Pessoa invoca aqui, como o fez por exemplo no seu drama está tico Ocerteza é uma
Marinheiro, a mesma ilha misteriosa, na qual é possível aquilo que agora é certeza
impossível. É a mesma ilha longínqua que Jacinto do Prado Coelho identifica nainterior,
Mensagem, dizendo-nos – lembrando Castro Meireles – que Pessoa desenha firmada numa
também “a histó ria trá gico-marítima de si pró prio”. convicçã o de
“iniciado”.

O regresso de D. Sebastiã o – que Pessoa chega a considerar realmente


possível pela transmigraçã o das almas – parece, de certa maneira, irrelevante
porque “Deus guarda o corpo e a forma do futuro”. No entanto, se o Destino está
certo, ele está guardado em mistério – “Sua luz projeta-o, sonho escuro / E
breve” nos homens, que têm de o revelar. Nem todos o vã o conseguir fazer.

A terceira estrofe é verdadeiramente confessional esta passagem. Aqui


derrama Pessoa a sua frustraçã o com a maneira como a sociedade de Portugal
está estagnada e em decadência social, econó mica e cultural – “Quanto mais ao
povo a alma falta, / Mais a minha alma atlâ ntica se exalta / E entorna”.
De novo Pessoa pega num negativo (morte) para que surja um positivo
(vida).
Ele vê-se a si mesmo claramente como alguém capaz de operar – ou pelo
menos ter um grande papel – nesta regeneraçã o nacional. Ele diz: “E em mim (…)
Vejo (…) teu vulto baço / Que torna”. É ele – Fernando Pessoa – que vê, como vê
um profeta, um Bandarra, um Vieira. Vê claramente o “vulto baço" como se fosse
certo o regresso do rei, embora fosse desfocado “o (seu) corpo e a (sua) forma”.
Padrão

O esforço é grande e o homem é pequeno.


Eu, Diogo Cã o, navegador, deixei
Este padrã o ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.
 
A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrã o signala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus. 

E ao imenso e possível oceano


Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português. 

E a Cruz ao alto diz que o que me ha na alma


E faz a febre em mim de navegar
Sé encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar. 

Fernando Pessoa, in Mensagem


Os Castelos

Viriato

Se a alma que sente e faz conhece

Só porque lembra o que esqueceu,

Vivemos, raça, porque houvesse

Memó ria em nó s do instinto teu.

Naçã o porque reincarnaste,

Povo porque ressuscitou

Ou tu, ou o de que eras a haste —

Assim se Portugal formou.

Teu ser é como aquela fria

Luz que precede a madrugada,

E é já o ir a haver o dia

Na antemanhã , confuso nada.

Fernando Pessoa, in Mensagem

Viriato – intertextualidade
22 Desta o pastor nasceu, que no seu nome
Se vê que de homem forte os feitos teve;
Cuja fama ninguém virá que dome,
Pois a grande de Roma nã o se atreve.
Esta, o velho que os filhos pró prios come
Por decreto do Céu, ligeiro e leve,
Veio a fazer no mundo tanta parte,
Criando-a Reino ilustre; e foi desta arte:
Luís de Camõ es, Os Lusíadas, Canto III

6 Assim o Gentio diz. Responde o Gama:


— "Este que vês, pastor já foi de gado;
Viriato sabemos que se chama,
Destro na lança mais que no cajado;
Injuriada tem de Roma a f ama,
Vencedor invencível afamado;
Nã o tem com ele, nã o, nem ter puderam
O primor que com Pirro já tiveram.

7 Com força, nã o; com manha vergonhosa,


A vida lhe tiraram que os espanta:
Que o grande aperto, em gente ainda que honrosa,
As vezes leis magnâ nimas quebranta.
Outro está aqui que, contra a pá tria irosa,
Degradado, conosco se alevanta:
Escolheu bem com quem se alevantasse,
Para que eternamente se ilustrasse.

Luís de Camõ es, Os Lusíadas, Canto VIII

As Quinas

D. Duarte, Rei de Portugal


Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.

A regra de ser Rei almou meu ser,

em dia e letra escrupuloso e fundo.

Firme em minha tristeza, tal vivi.

Cumpri contra o Destino o meu dever.

Inutilmente? Nã o, porque o cumpri.

Fernando Pessoa, in Mensagem

Os Colombos

Outros haverã o de ter

O que houvermos de perder.

Outros poderã o achar

O que, no nosso encontrar,


Foi achado, ou nã o achado,

Segundo o destino dado.

Mas o que a eles nã o toca

É a Magia que evoca

O Longe e faz dele histó ria.

E por isso a sua gló ria

É justa auréola dada

Por uma luz emprestada.

Fernando Pessoa, in Mensagem

Ocidente

Com duas mã os- o Ato e o Destino-

Desvendá mos. No mesmo gesto, ao céu

Uma ergue o facho trémulo e divino

E a outra afasta o véu.

Fosse a hora que haver ou a que havia


A mã o que ao Occidente o véu rasgou,

Foi alma a Sciencia e corpo a Ousadia

Da mã o que desvendou.

Fosse Acaso ou Vontade, ou Temporal

A mã o que ergueu o facho que luziu,

Foi Deus a alma e o corpo Portugal

Da mã o que o conduziu.

Fernando Pessoa, in Mensagem

Os tempos

Calma

Que coisa é que as ondas contam


E se nã o pode encontrar
Por mais naus que haja no mar?
O que é que as ondas encontram
E nunca se vê surgindo?
Este som de o mar praiar
Onde é que está existindo?
 
Ilha pró xima e remota,
Que nos ouvidos persiste,
Para a vista nã o existe.
Que nau, que armada, que frota
Pode encontrar o caminho
À praia onde o mar insiste,
Se à vista o mar é sozinho?
 
Haverá rasgõ es no espaço
Que deem para outro lado,
E que, um deles encontrado,
Aqui, onde há só sargaço,
Surja uma ilha velada,
O país afortunado
Que guarda o Rei desterrado
Em sua vida encantada?

Fernando Pessoa, in Mensagem

MENSAGEM
Período de elaboraçã o: 1913 a 1934
Data de publicaçã o: 1/12/1934
Intencionalidade comunicativa:
. Regenerar o orgulho dos portugueses;
. Contar o passado histó rico de Portugal de uma forma simbó lica e emblemá tica, transformando-o num mito,
a partir do qual seja possível reinventar o futuro;
. Anunciar um novo Império civilizacional, uma supernaçã o mítica.
44 poemas divididos em 3 partes
1ª parte – Brasã o: Nascimento do Império – Evocaçã o dos heró is histó ricos e míticos fundadores de Portugal;
2ª parte – Mar Português: Vida do Império – simboliza a essência da vocaçã o de Portugal para o mar e para o
sonho; sã o retratados os impulsionadores da expansã o portuguesa; conceçã o messiâ nica da Histó ria (“Deus
quer, o Homem sonha e a obra nasce”)
3ª parte – O Encoberto: Morte e Ressurreiçã o do Império – constata-se o estado moribundo do Império
Português e anuncia-se a regeneraçã o do ardor patrió tico; à morte sucederá um tempo de prosperidade
espiritual (o Quinto Império)
Mito Sebastianista
D. Sebastiã o, o décimo sexto rei de Portugal, conhecido pela sua sede de grandes feitos heroicos, morreu em
combate na batalha de Alcá cer Quibir, onde lutou corajosamente em busca de expansã o territorial. Como D.
Sebastiã o nã o tinha herdeiros, o seu desaparecimento provocou uma crise diná stica, que originou a
aclamaçã o de Filipe II de Espanha como rei de Portugal. A notícia da morte do rei português, mal aceite pelos
populares, deu azo ao nascimento do mito sebastianista que simboliza a crença no regresso daquele que
salvará a pá tria e lhe restituirá a sua gló ria.
Mensagem e Lusíadas
Síntese
 Os Lusíadas e a Mensagem cantam, em perspetivas diferentes, a grandeza de Portugal e o sentimento português.

 Nas duas primeiras partes da Mensagem é possível um diálogo com Os Lusíadas; em O Encoberto, Pessoa situa-se no
momento em que o Império Português parece desmoronar-se por completo e, assume, então, o cargo de anunciador de
um novo ciclo que se anuncia, o Quinto Império, que não precisa de ser material, mas civilizacional.

 Os Lusíadas são uma narrativa épica, que faz uma leitura mítica da História de Portugal. Em estilo elevado, canta uma
ação heroica passada e analisa os acontecimentos futuros, cuja visão os deuses são capazes de antecipar.

 Fernando Pessoa, no poema épico – lírico, canta, de forma fragmentária e numa atitude introspetiva, o império
territorial, mas retrata o Portugal que “falta cumprir-se”, que se encontra em declínio a necessitar de uma nova força
anímica.

 Camões propõe o povo português como sujeito da ação heroica.

 Camões procura perpetuar a memória de todos os heróis que construíram o Império Português; Fernando Pessoa
descobre a predestinação desses heróis, para encontrar um novo heroísmo que exige grandeza de alma e capacidade
de sonhar, quando o mesmo Império se mostra moribundo.

 Os nautas, incluindo Vasco da Gama, são símbolo do heroísmo lusíada, do seu espírito de aventura e da capacidade
de vivência cosmopolita.

 Em Lusíadas, Camões consegui fazer a síntese entre o mundo pagão e o mundo cristão; na Mensagem, Pessoa procura a
harmonia entre o mundo pagão, o mundo cristão e o mundo esotérico.

 Fernando Pessoa, na Mensagem, procura anunciar um novo império civilizacional. O “intenso sofrimento patriótico”
leva-o a antever um império que se encontra para além do material.

 Estrutura tripartida da Mensagem:


 Nascimento
 Vida
 Morte/renascimento

 Os 44 poemas que constituem a Mensagem encontram-se agrupados em três partes:


 Primeira Parte – Brasão (construtores do Império)
A primeira parte – Brasão – corresponde ao nascimento, com referência aos mitos e figuras históricas até
D. Sebastião, identificadas nos elementos dos brasões. Dá-nos conta do Portugal erguido pelo esforço dos
heróis e destinado a grandes feitos.

 Segunda Parte – Mar Português (o sonho marítimo e a obra das descobertas)


Na segunda parte – Mar Português – surge a realização e a vida; refere personalidades e acontecimentos
dos Descobrimentos que exigiram uma luta contra o desconhecido e os elementos naturais. Mas, porque
“tudo vale a pena”, a missão foi cumprida.

Mensagem
Lusíadas
Mitificação do herói
 Os lusíadas mostram a história do povo que teve a ousadia da aventura marítima e a intenção em exaltar os heróis que
contribuíram a alargaram o Império;

 Os navegantes, com destaque para Vasco da Gama, ultrapassam a individualidade do herói coletivo (povo), e são
símbolos do heroísmo lusíada, do seu espírito de aventura e da capacidade de vivência cosmopolita;

 Exprime a passagem do desconhecido para o conhecido, da realidade do Velho Continente e dos seus mitos
indefinidos para novas realidades de um mundo a descobrir.
 Ao contrário dos épicos anteriores, Camões escolheu um herói coletivo, procurando que a sua epopeia anunciasse a
história de todo um povo, afirmando que os navegantes, que chegaram à Índia, e todos os heróis lusíadas merecem a
mitificação;

 Nega a existência de deuses, dizendo que estes são criação do homem para tentar justificar o que lhe parece difícil de
explicar.

Fernando Pessoa e a Mensagem

Mensagem é a única obra completa publicada em vida de Fernando Pessoa. Contém 44 poemas. Os seus poemas,
apesar de compostos em momentos diversos, têm como fio condutor da sua unidade a visão mítica da Pátria.

1. A Estrutura Tripartida
Os 44 poemas que constituem a Mensagem encontra-se agrupados em três partes que correspondem às etapas da
evolução do Império Português – nascimento, realização e morte.
O poema comça com a expressão latina Benedictus Dominus Deus noster qui deditnobis signum (Bendito o Senhor
Nosso Deus que nos deu o sinal).
Cada uma das partes do Poema inicia-se também com uma expressão latina: na primeira surge Bellum sine bello
(Guerra sem guerra). Na segunda parte, ocorre Possessio maris (Posse do mar). N1.1a terceira parte há uma Pax in excelsis
(Paz nos céus), que marcará o Quinto Império. O poema termina com a expressão Valete, Frates (felicidades irmãos).

1.1. Brasão
Esta primeira parte corresponde ao nascimento do Império Português. Portugal na Europa e em relação ao Mundo,
procurando atestar a sua grandiosidade e o valor simbólico do seu papel na civilização ocidental

1.2. Mar Português


Nesta segunda parte surge a realização da vida. Em “Mar Português”, Pessoa procura simbolizar a essência do ideal
de ser português vocacionando para o mar e para o sonho.

1.3. O Encoberto
A terceira parte corresponde a desintegração, começa por manifestar a esperança e o “sonho português”, pois o
atual Império encontra-se moribundo. Mostra a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição.

2. Discurso da Mensagem

Em Brasão, “Os Campo”, “Os Castelos”, “As Quinas”, “A Coroa” e “O Timbre”, são marcas de afirmação do passado,
de mágoa do presente e de antevisão do que há de vir. Em Mar Português, há um presente de glórias, que já não existe,
mas que faz parte da mémoria e alma portuguesa, capaz de fazer renascer uma nova luz, de permitir o advento do Quinto
Império. O Encoberto, depois de manifestar a crença num regresso messiânico, considera que, após a tempestade atual, a
chama há de voltar e a luz permitirá o caminho certo. Por isso que acredita que “É a Hora” de traçar novos rumos e
caminhar na construção de um Portugal novo.

Mensagem – Análise de textos

1. ª Parte
1. O dos Castelos
»Personificação da Europa
»“Futuro do passado” designa uma alma que permanece.
2. Ulisses
» Lenda da criação da cidade de Lisboa por Ulisses
» “O mito é o nada que é tudo”: apesar de fictício, legitima e explica a realidade
» O mito está num plano superior à realidade, dada a sua intemporalidade
3. D. Afonso Henriques
» D. Afonso Henriques equiparado a Deus, tendo como missão o combate aos Infiéis
» Vocabulário de dimensão sagrada: “vigília”, “infiéis”, “bênção”
» Referência ao aparecimento de Deus a D. Afonso Henriques na Batalha de Ourique
4. D. Dinis
» Mitificação de D. Dinis pela sua capacidade visionária (plantou os pinhais que viriam a ser úteis nos
Descobrimentos); construtor do futuro
» O Presente é “noite”, “silêncio” e “Terra”, enquanto que o futuro é os pinhais, com som similar ao do mar, daí a
“terra ansiando pelo mar”
5. D. Sebastião, rei de Portugal
» A “loucura” ou “sonho” é a capacidade de desejar e ter iniciativa, para ultrapassar o estado de “cadáver adiado que
procria” (simplesmente vive esperando a morte)
» Convite a que outros busquem a grandeza para construir algo importante (“Minha loucura, outros que me a
tomem”)
» Para ser grande, Portugal deve ter loucura e desejar grandeza, para poder “renascer o país”.
» Enquanto figura histórica, D. Sebastião morreu em Alcácer-Quibir (“ficou meu ser que houve”) mas persiste
enquanto lenda e exemplo de “loucura” (“não o que há”)
» Apesar do fracasso, a batalha de Alcácer-Quibir é importante para motivar e recuperar Portugal do estado de
“morte psicológica”

2. ª Parte
1. O Infante
» “Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce”: descrição do processo de criação
» Porque Deus quis unir a Terra, “criou” o Infante D. Henrique para que este impulsionasse a obra dos
Descobrimentos
» Mitificação do infante, criado e predestinado por Deus
» Depois de criado o Império material (“Cumpriu-se o mar”), “o Império se desfez”, faltando “cumprir-se Portugal”,
sob a forma de um Quinto Império espiritual
2. Horizonte
» O horizonte (“longe”, “linha severa”, “abstrata linha”) simboliza os limites
» Descrição das tormentas da viagem (passado), da chegada (presente) e reflexão (projeção futura)
» A esperança e a vontade são impulsionadoras da busca
» O sucesso permite atingir o Conhecimento como recompensa
3. Ascensão de Vasco da Gama
» Capacidade de interferência de Vasco da Gama no plano mitológico das guerras entre deuses e gigantes
» Ascensão de Vasco da Gama e dos Portugueses, porque devido aos seus feitos “se vão da lei da morte libertando”,
perante pasmo quer no plano mitológico (deuses e gigantes) quer no plano terreno (pastor)
4. O Mostrengo
» Existência permanente do desconhecido
» O homem do leme treme com medo do perigo, mas enfrenta-o (herói épico)
» Imposição progressiva do homem do leme ao mostrengo
5. Mar Português
» Lamentação do “preço” dos descobrimentos e reflexão sobre a sua utilidade
» O mar (“sal”, “lágrimas”) é de origem portuguesa – mitificação de Portugal
» “Tudo vale a pena/Se a alma não é pequena”: o preço da busca é recompensado, neste caso tornando-se português
o mar.
» É no mar (desconhecido) que se espelha o céu
» Cumprir o sonho é ultrapassar a dor
6. Prece
» Poema de transição da 2.ª para a 3.ª parte da obra
» Descrição negativa do presente e consequente saudade do passado
» “O frio morto em cinzas a ocultou:/A mão do vento pode erguê-la ainda.”: Debaixo das cinzas ainda resta alguma
esperança
» Demonstração do desejo de novas conquistas
» Independentemente da conquista, interessa “que seja nossa” para recuperar a identidade e glória passadas.
» O Passado é representado pela grandeza nacional (Descobrimentos) e o Presente pela saudade do passado, daí a
necessidade de recuperar o fulgor e o tom de esperança implícito no poema

3. ª Parte
1. O Quinto Império
» “Triste de quem é feliz!”: Felicidade de quem não sonha, não passando de “cadáver adiado que procria”
» Quem sonha está permanentemente descontente, e por isso tem objetivos
» Depois de quatro Impérios, um novo nascerá, começado por D. Sebastião
» D. Sebastião morreu, mas a mitificação permanente permite que o sonho persista e que possa ser prosseguido –
“minha loucura, outros que me a tomem”
2. Screvo meu livro à beira-mágoa
» Descontente face à situação do mundo, o poeta vive na ânsia do sonho e da vinda do “Encoberto” para o despertar
» O vocativo varia, assegurando apenas a vinda de um messias, independentemente da sua identidade
» O sujeito poético apela à vinda do destinatário para “acordar” o povo
3. Nevoeiro
» Metáfora do Portugal presente, na indefinição, obscuridade e incerteza
» O país vê-se perante uma crise de identidade e valores
» Ao contrário da nação, o sujeito poético está inquieto, chorando a saudade do passado
» É chegada a hora de preparar o futuro, despertar o reino e cumprir a missão já que ao nevoeiro sucede um novo
dia.
I Os Campos:
 Primeiro / O dos Castelos
 Segundo / O das Quinas
Os Castelos:
 Primeiro / Ulisses
 Segundo / Viriato
 Terceiro / O Conde D. Henriques Quarto / D. Tareja
Quinto / D. Afonso Henriques Sexto / D. Dinis
 Sétimo (I) / D. João o Primeiro Sétimo (II) / D. Filipa de Lencastre

 Primeira / D. Duarte, Rei de Portugal Segunda / D. Fernando, Infante de Portugal Terceira / D. Pedro, Regente d

Brasão
Nun’ Á lvares Pereira

Bellum sine
PRIMEIRA As Quinas:
PARTE 




Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis

A Coroa:

V O Timbre:
A Cabeça do Grifo / O Infante D. Henriques
Uma Asa do Grifo/ D. Joã o Segundo
A outra Asa do Grifo / Afonso Alburquerque

O Infante
Horizonte
Mensagem

Padrã o
signum

O Mostrengo
Epitáfio de Bartolomeu Dias
Os Colombos
Ocidente
Fernão de Magalhã es
Portuguê s

Ascensão de Vasco da Gama


SEGUNDA

Mar Português
PARTE
Mar

A Ú ltima Nau
Prece

I Os Símbolos:
 Primeiro / D. Sebastião
 Segundo / O Quinto Império Terceiro / O Desejado
Quarto / As Ilhas Afortunadas
 Quinto / O Encoberto


II Os Avisos:

O Encoberto

Primeiro / O Bandarra
TERCEIRA


PARTE

Pax in

Segundo / Antó nio Vieira


 Terceiro / (Screvo meu livro à beira-mágoa…)

III Os Tempos:
Primeiro / Noite
Segundo / Tormenta
Terceiro / Calma
Quarto / Antemanhã
Quinto / Nevoeiro

3. O mito do Quinto Império


O Quinto Império profetizado na Mensagem seria um império de fraternidade universal, que seria vivido na Terra.
Enraizando no mito do "Paraíso Perdido", aquele espaço edénico onde reinava a perfeição, o mito do Quinto Império
preconiza o renascimento humano numa outra era, num tempo futuro, ligado à simbologia solar e a toda a carga positiva
que a ela se associa.
4. O que se espera dos portugueses?
A Mensagem celebra as qualidades dos portugueses, que no passado ajudaram a construir um país, e que no
futuro o deverão ajudar a reerguer-se.
Não se limitando, como Camões, ao elogio do português que desvendou novos mundos e que se “se mais
mundos houvera, lá chegara”, Fernando Pessoa destaca ainda a força de outrora de um povo dominador, possuidor de
um império territorial espalhado por vários continentes. Tudo isto aconteceu porque houve vontade, esforço, dedicação
e capacidade de sofrimento. Na verdade, quando se consegue conjugar o que “Deus quer” com o que “o homem sonha”,
então aí “a obra nasce”.
Agora, para que esse elogio continue a ser merecido e para que “possa cumprir-se Portugal”, cabe a este país e a
este povo guiar a Europa e o Mundo, até atingir um novo Império.

5. Sebastianismo
Fernando Pessoa, na Mensagem cria o herói, o Encoberto que se apresenta como D. Sebastião. Da história ao
mito: a inspiração providencial da figura de D.Sebasteão. D. Sebastião é representado pelo “Encoberto” que está
associado a uma dimensão messiânica de um salvador da pátria. A mitologia nacional indica o Sebastianismo como a
crença na regeneração futura de Portugal e de ideologia impulsionadora do Quinto Império.

6. Exaltação patriótica

O nacionalismo está presente por Portugal ser o tema central. O passado de inspiração, o presente de frustação
e o futuro de concretização. O sentido providencial e messiânico de Portugal está presente na eleição do povo para a
instituição do Quinto Império.

7. Simbologia
 Ilhas Afortunadas- Em Mensagem, Fernando Pessoa fala das Ilhas Afortunadas como mito e símbolo, é o
espaço onde se inventa a ideia de salvaçã o, é lá que está o Desejado, o salvador, aquele ou aquilo que virá
salvar a pátria, fazê-la renascer, construindo o Quinto Império.

 Mostrengo- O Mostrengo, presente na Mensagem, de Fernando Pessoa, corresponde à figura do Adamastor de


Os Lusíadas, de Camõ es. Como este, é o guardiã o do mar tenebroso, no Cabo das Tormentas, mais tarde da Boa
esperança.O Mostrengo é a personificaçã o do medo e do receio. O Mostrengo, ao ser vencido, permitiu a
revelaçã o de um novo mundo aos Portugueses.
Por isso, o Mostrengo (tal como o Adamastor) representa os perigos e as dificuldades que se apresentam ao ser
humano que quer conhecer novos mundos, simboliza as dificuldades que temos que enfrentar quando queremos
explorar o desconhecido
 Os números- Os nú meros que aparecem ligados à estrutura da obra sã o o um, símbolo da unidade, do ser,
princípio e fim de todas as coisas; o dois, símbolo da dualidade, da vida e da morte; o três símbolo da trindade,
da uniã o Deus, Universo, Homem, das três fases da existência: nascimento, crescimento e morte; símbolo do
homem (o homem representado de braços abertos, em forma de cruz, salientando-se ainda o peito, ao centro,
lugar do coraçã o e as pernas), é o nú mero da uniã o, do equilíbrio, da harmonia, é, assim, o símbolo da vontade
divina que deseja a ordem e a perfeiçã o; o sete é o nú mero que está associado à criaçã o divina e ao poder, que
estabelece uma relaçã o entre Deus e o Homem; o oito é universalmente o nú mero do equilíbrio có smico, do
infinito;
o doze simboliza o universo durante o seu percurso cíclico espácio-temporal, é o universo na sua complexidade
interna.
Se olharmos para a estrutura da obra, verificamos que estes números estão sempre presentes quer na divisão
em partes, quer no número de poemas que compõe cada uma delas.

 Mar- Na Mensagem, o mar é "Elemento de ligação entre o passado e certeza adivinhada do futuro, o mar é o
símbolo do ser-se português". O mar surge associado ao desvendar do desconhecido, à demanda de um novo
mundo, de um novo tempo. É o espaço que concilia o perigo, a dor e a possibilidade de ultrapassar' o abismo e o
medo, é uniã o, revelaçã o e descoberta. O mar espelha o céu, o divino, é o caminho, é o espaço de concretizaçã o
do sonho/da loucura.
O mar é símbolo dinâ mico da vida, por isso, o mar foi o caminho para a construçã o do império físico, o mar
será o caminho de busca dessa Índia por haver, como se pode ler no Dicioná rio de Símbolos de Jean Chevalier e Alain
Gheerbrant, "Tudo sai do mar e tudo aí volta: lugar do nascimento, da transformação e do renascimento.”
No mar está o Mostrengo, símbolo do desconhecido, do medo, do fantástico, do misterioso que urge combater e
destruir. Para lá do Mostrengo, estava o novo mundo. Vencer o Mostrengo, comparável ao Adamastor de Os Lusíadas, é
vencer os medos e as inseguranças.
 Terra- A terra simboliza a funçã o materna, pois é ela que dá a vida, é, portanto, a fonte do ser e a sua
protecçã o. Na Mensagem podemos associar à s figuras femininas D. Tareja e D. Filipa de Lencastre. Ambas
simbolizam a concepçã o de seres excepcionais, que marcarã o o destino da pá tria. A primeira representa o início
da La dinastia de Portugal: "Ó mãe de reis e avó de impérios, / Vela por nós!," a segunda, dá origem à Ínclita
Geraçã o: “ Que enigma havia em teu seio / Que só génios concebia?".

 Espada-Símbolo militar, da virtude e da bravura. Representando a força, possui uma dupla simbologia: a
destruiçã o, mas também o combate à injustiça, à maldade, à ignorâ ncia, ganhando, entã o, uma dimensã o
positiva. Na Mensagem, e seguindo de novo as palavras de Artur Veríssimo, na obra já citada, é "o símbolo da
Guerra Santa, da guerra interior, do Verbo, da palavra, da conquista do conhecimento, da libertação dos desejos,
do poder, da espiritualidade, da vontade divina, da justiça.". Este autor associa ainda a espada ao cavaleiro, à
defesa do Bem. Entre o cavaleiro e a sua espada cria-se uma ligaçã o intrínseca, "mística", pois ela será a sua
"companheira de vida ou de morte". Esta interpretaçã o é perceptível no poema Nun' Álvares Pereira: a espada
confere ao heró i uma dimensã o guerreira, mas é também luz que o guia, que permite desvendar e conhecer.

 Loucura-A loucura é vista como a força motriz que conduz o homem à genialidade, à heroicidade. É um traço
distintivo da grandeza, é a energia criativa, é aquilo que impulsiona à açã o. Sem o sonho, sem a utopia, sem a
loucura, o homem toma-se incapaz de agir, é ela que o impulsiona na sua inquietaçã o, na busca da
distâ ncia, da "febre de Além".

 Padrão- É um monumento erigido para assinalar as descobertas, é um símbolo de posse, de poder, é a


afirmaçã o da conquista constante que traduz a insatisfaçã o permanente, o desejo de ir mais além. Quando o
homem atinge, apesar da sua ousadia, coragem e esforço, os seus limites, sobra Deus: "Este padrão assinala ao
vento e aos céus / Que, da obra ousada, é minha parte feita: / O por jazer é só com Deus."

 Nau- Simboliza a viagem, a descoberta de novos mundos, novas culturas, que permitirã o o
alargamento do conhecimento. Numa travessia difícil, a nau representa a segurança.

 Noite, Tormenta, Calma, Antemanhã, Nevoeiro- Estes sã o os títulos dos cinco poemas que constituem a
terceira secçã o, denominada Os Tempos, da terceira parte da obra e podem ser lidos como um todo.
A noite é o tempo do sono, da morte, da suspensão das energias e um momento de letargia. Representa o
estado do país que perdeu o Poder e o Renome.

A tormenta, na Bíblia representa a intervençã o de Deus, nomeadamente a Sua có lera e pressupõ e uma ideia
de agitaçã o, que trará , no futuro, uma mudança: "Mas súbito, onde o vento ruge, / O relâmpago, farol de Deus, um
hausto / Brilha, e o mar 'scuro 'struge." A tormenta simboliza as aspiraçõ es do homem desejoso de uma vida menos
banal.

A calma conota a ideia de pacificação, de desejo de regresso à tranquilidade, de reflexão.

Antemanhã/manhã simboliza o tempo em que a luz ainda está pura, em que não há corrupção. É sempre o
início de qualquer coisa, um tempo de descoberta, de recomeço, de esperança, de possibilidade, de redenção, de
revelação. Antemanhã é a passagem das trevas para a claridade.

8. Relação Intertextual Mensagem/ Lusíadas

 O épico fala dos heró is que construíram e alargaram o Império Português, para que a sua memó ria
nã o seja esquecida, enquanto Pessoa escolhe aquelas figuras histó ricas predestinadas a essa
construçã o imperial mas, através delas procura simbolizar a essência do ser português que
acredita no sonho e se mostra capaz da utopia para a realizaçã o de grandes feitos.

 Nos Lusíadas há a viagem à India, na Mensagem temos a avaliaçã o do esforço, considerando que a
gló ria advém da grandeza da alma humana, apesar das vidas perdidas e de toda a espécie de
sacrifícios dos nautas mas também das mã es, filhos e noivas.

Camões procurou em Os Lusíadas cantar os feitos gloriosos dos portugueses que deram início ao grande império
que se estendeu pelos diversos continentes. Pessoa, em Mensagem, cantou o fim do Império territorial, procurando
incentivar o aparecimento de um império de língua, de cultura e de valores.
As Dificuldades- “O Mostrengo” da Mensagem ou o “Adamastor” de Os Lusíadas aproximam-se na sua mais profunda
imagem comunicativa. Ambos exprimem os perigos da aventura marítima para exaltar o espirito dos nautas e do povo
português.

Sintese:

Semelhanças
 Poemas sobre Portugal.
 Concepçã o da Histó ria Portuguesa enquanto demanda mística.
 D. Sebastiã o, ser eleito, enviado por Deus ao mundo, para difundir a Fé de Cristo.
 Os heró is concretizam a vontade divina.
 Conceito abstracto de Pá tria.
 Apresentaçã o dos heró is da Histó ria de forma fragmentá ria.
 Exaltaçã o épica da acçã o humana no domínio dos mares.
 Superaçã o dos limites humanos pêlos heró is portugueses.
 Superioridade dos navegadores lusos sobre os nautas da Antiguidade.
 Gló ria marcada pelo sofrimento e lá grimas.
 Sacrifício voluntá rio em nome de uma causa patrió tica.
 Estrutura rigorosamente arquitectada.
 Evocaçã o do passado (memó ria) para projectar, idealizar o futuro (apelo, incentivo).

Diferenças
Os elementos estruturantes das obras (forma e conteúdo) são marcados pela diferença de quatro séculos que separam os
autores

Os Lusíadas

 Dinamismo; a viagem, a aventura, o perigo.


 A acçã o, a inteligência, o concreto, o conhecimento do Império no apogeu e na decadência, a
possibilidade de ter esperança.
 O poeta dirige-se a D. Sebastiã o, que era uma realidade viva, e invectiva o rei a realizar novos
feitos que dêem matéria a uma nova epopeia.
 A memó ria e a esperança situam-se no mesmo plano.
 Concepçã o de heroísmo: concretizaçã o de feitos épicos pelos humanos.
 Amor à Pátria: enaltecimento e imortalizaçã o a Histó ria de Portugal e dos heró is portugueses, através
de um poema épico, trabalho á rduo e longo.
 Linguagem épica, estilo grandiloquente.
 Epopeia clá ssica pela forma e pelo conteú do. Narraçã o da viagem de Vasco da Gama, da luta dos
deuses, da Histó ria de Portugal em alternâ ncias, discurso encaixado, analepses e prolepses.
 Assunto: os Portugueses e os feitos concretos cumpridos. O poeta canta a saga lusa na conquista dos mares.
 Os heró is agem norteados pela Fé' de Cristo, dando a conhecer novos mundos ao mundo. A missã o de
Vasco da Gama foi coroada de êxito dela derivou o Império Português do Oriente; outra missã o poderá ser
realizada pelo rei D. Sebastiã o: difusã o do Cristianismo e conquistas no Norte de Á frica.
 Epopeia de dimensã o humanista-renascentista: acesso ao conhecimento dos segredos da Natureza pelo Homem
Mensagem
 Estatísmo: o sonho, o indefinido.
 O abstracto, a sensibilidade, a utopia, a falta de razõ es para ter esperança, o
sebastianismo.
 D. Sebastiã o é uma entidade que vive na memó ria saudosa do poeta, uma sombra,
um mito.
 A esperança é utopia, só existe no sonho.
 Concepçã o de heroísmo: de cará cter mental, conceptual. O autor
identifica-se com os heró is e, através deles, revela-se num processo
lírico-dramá tico.
 Os heró is sã o símbolos de um olhar visioná rio, as figuras sã o espectros, resultado do
trabalho do pensamento.
 Amor à Pá tria: atitude metafísica, procura incessante do que nã o
existe. Expressã o de fé no Quinto Império, evasã o angustiada da
vivência absurda.
 Linguagem épico-lírica, estilo lapidar.
 Mega-poema constituído por quarenta e quatro poemas breves,
agrupados em três partes principais (1ª,2ª, 3ª, sendo a 1ª e a 3ª
subdivididas). De cará cter ocultista, a sua natureza é
predominantemente de índole interpretativa, com reduzida narraçã o.
 Assunto: a essência da Pá tria e a missã o que esta deverá cumprir,
 Os heró is, numa atitude contemplativa e enigmá tica, buscam o
infinito: a Índia tecida de sonhos. A missã o terrena de Portugal foi
cumprida por vontade divina; outra, de índole ocultista, aventura
espiritual e cultural, está ainda por cumprir a hegemonia do Quinto
Império.
 Poema épico-lírico-simbó lico-mítico, projecto de ideal de fraternidade
universal: utopia. Elogio da loucura, do sonho: evasã o do real,
valorizaçã o do imaginá rio.

O Império: apogeu e decadência


A epopeia Os Lusíadas celebra a ação grandiosa e heroica dos Portugueses
que deram o início ao grande império que se estendeu pelos diversos continentes. Ao
relatar a viagem à India, entrecortando-a com episódios do passado e profecias do
futuro, Camões mostra a história do povo que teve a ousadia da aventura marítima.
O poema épico-lírico Mensagem canta de forma retratando o Portugal que
se encontra declínio a necessitar de uma nova força anímica.

Caracteristicas do discurso épico:


- Uso da 3ª pessoa (narratividade);
- Glorificaçã o dos feitos heroicos de um heró i e consequente mitificaçã o;
- Protagonistas de estatuto moral e social elevado;
-Inserção de figuras e acontecimentos histórica.

Caracteristicas do discurso lírico:


- Uso da 1ª pessoa (subjetividade);
- Tom emotivo e linguagem expressiva;
-Forma fragmentaa (44 poemas).

OS LUSÍADAS
Período de publicaçã o: 1545-1570
Data de Publicaçã o: 1572
Fontes literá rias: “Odisseia” de Homero e “Eneida” de Virgílio
Género narrativo: epopeia pois trata-se de uma narrativa, estruturada em verso,
que narra os feitos grandiosos de um heró i com interesse para toda a
Humanidade
Proposiçã o: poeta propõ e-se a exaltar os feitos dos portugueses;
Invocaçã o: poeta pede ajuda à s ninfas;
Dedicató ria: poeta dedica a sua obra a D. Sebastiã o;
Narraçã o: poeta relata a descoberta do caminho marítimo para a Índia pelos
navegadores portugueses liderados por Vasco da Gama
Estrutura externa
. 10 cantos; Oitavas; Versos decassilá bicos; Esquema ritmá tico: ABABABCC
. 4 Planos: do poeta; da viagem; da mitologia; da histó ria de Portugal
Mitificaçã o do heró i
A mitificaçã o do heró i é constante na epopeia lusa.
Logo na Proposiçã o, Camõ es sobrepõ e o português ao homem comum,
pelos seus feitos mais grandiosos “Do que prometia a força humana”, que
superam os antigos. Também os Deuses reconhecem a magnificência dos heró is
nacionais, no episó dio do Consílio dos Deuses, onde Baco teme ser esquecido em
detrimento deles.
Contudo, é o no episó dio da Ilha dos Amores que a mitificaçã o do heró i
atinge o seu apogeu, uma vez que a uniã o dos lusitanos com as ninfas os eleva à
categoria de semideuses e que Vasco da Gama tem o privilégio de conhecer a
“Má quina do Mundo”.
Assim, ao longo d’Os Lusíadas, o povo luso vai-se da libertando da “lei da
morte”.
Reflexõ es do Poeta
A epopeia camoniana contém algumas reflexõ es por parte do seu autor.
Logo no Canto I, o pensamento do poeta recai sobre a fragilidade do
“bicho da terra tã o pequeno” que é o homem. Mais adiante, é criticado o desprezo
deste pela poesia, que nã o é mais do que um reflexo da sua rudeza. Camõ es
sente-se desvalorizado, apesar de ter sempre “numa mã o a pena e noutra a
lança”, pois vive num país materialista que está imerso numa “vil tristeza” e no
gosta da cobiça. Ao longo da obra, nã o faltam ainda conselhos que visam por
termo à corrupçã o que tem lugar em Portugal.
Assim, Camõ es lamenta o estado decadente da pá tria, mas mostra orgulho
nesta e espera uma mudança.

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