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JOSÉ MANUEL ANES

O ESOTERISMO OCIDENTAL
E SUAS INICIAÇÕES

INCLUINDO

O ESOTERISMO EM PORTUGAL E EM FERNANDO PESSOA

Seguido de uma

Breve Cronologia da Maçonaria em Portugal

ARRANHA CÉUS/EL CORTE INGLÊS

LISBOA, 2013
À Carla,

pela amizade e pelo apoio constantes

que dela recebi ao longo destes últimos e já longos anos


INTRODUÇÃO

Este livro resulta de um pedido da Drª. Susana Santos - enquanto responsável


pelas actividades culturais do El Corte Inglês, me convidou já lá vão alguns anos para
dar cursos sobre religiosidades e espiritualidades esotéricas, que hoje se denominam
também de “alternativas”, no contexto do chamado “Âmbito Cultural” daquela
empresa -, pedido que consistiu em eu passar a escrito as aulas desses cursos que
tenho dado em 9 sessões de 2 horas cada, cursos esses que já vão em 11 edições (com
duas sessões em cada ano). Tivemos sempre o cuidado de não explicitar o nome de
“esoterismo” no título destes cursos, pois para muitos isto podia ser confundido com
um “ocultismo” de má fama ou com uns quaisquer sulfurosos “pós de perlim-pimpim”.
Ora, na verdade e pelo contrário, o Esoterismo interessou, no seu tempo, espíritos
como Giordano Bruno, Isaac Newton, Yeats ou Fernando Pessoa. É pois importante
saber o que é e quais são as suas diversas vertentes.

Comecei a interessar-me por este universo quando, ainda jovem na primeira


metade dos anos 60, frequentava a Licenciatura de Físico-Químicas na Faculdade de
Ciências de Lisboa no vetusto edifício da rua da Escola Politécnica. Aí ao estudar a
História da Química deparei-me com esse mundo fascinante da Alquimia e com o seu
exuberante simbolismo que contrastava com a frieza das fórmulas da química
moderna, exuberância essa que fascinou muita gente, entre os quais os surrealistas e
que me fascinou também.

Mais tarde, depois de ter exercido uma actividade, durante cerca de 20 anos,
de criminalista químico no Laboratório de Polícia Científica da P.J., e de ter continuado
uma actividade docente, durante 18 anos, no Departamento de Antropologia da
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL)
– tendo leccionado durante dois anos, no final desse período, a cadeira de
Antropologia da Religião e do Ritual -, acabei, já depois de deixar a docência na
FCSH/UNL, por me Doutorar nessa mesma Faculdade e Universidade em Antropologia
(Social e Cultural) da Religião, particularmente no domínio dos Novos Movimentos
Religiosos e das Espiritualidades Alternativas e concretamente estudando os grupos
que praticam a alquimia em finais do século XX e princípios do século XXI – Tese que
foi publicada em 2009 na Ed. Ésquilo com o título “A Alquimia, os alquimistas
contemporâneos e as novas espiritualidades”. Devo dizer, neste contexto, que sou
membro (desde praticamente a sua fundação) da ESSWE – European Society for the
Study os Western Esotericism, criada pelo Prof. Wouter J. Hannegraaff da Universidade
de Amsterdão e por outros académicos como o veterano destes estudos, o Prof.
Antoine Faivre da parisiense EPHE (Sorbonne).

O presente livro segue o formato dos diversos cursos que dei, dedicados a estes
temas, de entre os quais saliento os primeiros, de 1989 a 2008 no ex-ISER (Instituto de
Sociologia e Etnologia das Religiões) da FD/UNL, fundado e dirigido pelo Professor
Moisés Espírito Santo, e alguns desde 2000 no Centro Nacional de Cultura presidido
pelo Dr. Guilherme d’Oliveira Martins, mas foram estes cursos no Âmbito Cultural do El
Corte Inglês que atingiram uma audiência maior, com um total de cerca de 1000
alunos ao longo destes últimos 6 anos, dando-me ainda uma maior experiência para
atingir um público mais alargado, grande parte do qual sem grande preparação e
sintonia com estas áreas. No entanto, devo dizer que a exposição oral destes temas
pode ser mais fácil de digerir que a leitura de um livro, por menos “universitário” que
ele pretenda ser, com este. Mesmo assim procurei, neste livro, dar um tom coloquial
possível e ao mesmo tempo apresentar a minha visão do esoterismo que decorre não
só dos meus estudos académicos, como também dos meus interesses e da minha
vivência pessoal nestes mundos – cada vez mais a aproximação “reflexiva” e
autobiográfica está presente nos estudos actuais das Ciências Sociais e Humanas.

Paralelamente à actividade docente tenho publicado diversos livros sobre estes


temas – ensaios reunidos em livros sobre Hermetismo e Esoterismo, quer na antiga
Editora Hugin (“Re-criações herméticas I e II”, entre outros), quer mais recentemente
na Editorial Ésquilo, de entre os quais os meus livros “Fernando Pessoa e os Mundos
Esotérios”, “Os Jardins Iniciáticos da quinta da Regaleira”, “Um outro olhar” e em
colaboração, “Mozart e os Mistérios Iniciáticos”, “O Inferno decifrado” de David
Kingsley, etc.

Agradeço por fim à Editorial Arranha Céus a publicação deste livro e a paciência
com que esperaram por ele, mas não só continuo a ter uma vida muito ocupada como
os anos vão cada vez mais pesando… Felizmente que tive a possibilidade de ter livre o
mês de Agosto deste ano e dediquei as minhas “férias” a escrever este livro, grande
parte de memória, já que o conteúdo destas aulas, com dois cursos por ano nos
últimos 5 ou 6 anos, estão bem presentes no meu espírito.

Notas:

1 - Este livro não é um tratado de esoterismo nem um livro de texto


universitário sobre o assunto – para facilidade de leitura não introduzi as “notas de
roda-pé” - mas é sim uma introdução às correntes esotéricas e às contribuições dos
esoteristas e ao mesmo tempo uma espécie de guião dos cursos que tenho dado sobre
estes temas, particularmente no El Corte Inglês, faltando no entanto, mais leituras
comentadas de trechos de obras esotéricas para ilustração desses mesmos temas – o
que fazemos nas aulas.

2 - Incluo neste domínio do esoterismo as suas vias iniciáticas e os temas


míticos e simbólicos que têm tido prolongamentos e vivências esotéricas, como é o
caso dos rituais maçónicos, por um lado e das filosofias do Sebastianismo e do Quinto
Império portugueses, por outro.

3 – Uma vez que estão esgotados os meus livros sobre a Quinta da Regaleira
(em 2ª. Edição) e sobre o Esoterismo de Fernando Pessoa (em 3ª. Edição) decidi incluir
as ideias essenciais do primeiro, tendo dado mais espaço ao esoterirmo pessoano pois
Fernando Pessoa foi um profundo conhecedor e entusiasta das diversas correntes do
esoterismo, sendo interessante fazer uma revisitação a estes temas pela visão genial –
ao mesmo tempo histórica e mítica - do Poeta; sobre o esoterismo pessoano daremos
conta da nossa perspectiva actualizada, ultrapassando algumas dúvidas iniciais, face às
importantes descobertas de jovens investigadores da “arca de Pessoa”, especialmente
Jeronimo Pizarro e Stephan Dix.

4 – Apresento no final do livro, em anexo, uma beve cronologia da história


dessa sociedade iniciática que é a Maçonaria a qual tem e vive rituais simbólicos e
míticos, muitos dos quais com claras referências esotéricas, centrando no entanto essa
cronologia apenas em Portugal.

Caparica, Setembro de 2013


INDICE

- Introdução

PARTE I – INTRODUÇÃO AO ESOTERISMO OCIDENTAL E ÀS SUAS INICIAÇÕES

- Iº. CAPÍTULO: O Esoterismo ocidental e as iniciações

- IIº. CAPÍTULO: As raízes do esoterismo ocidental. As Religiões de Mistérios

- IIIº. CAPÍTULO: As duas colunas do esoterismo ocidental: Gnosticismo e Hermetismo

- IVº. CAPÍTULO: Os esoterismos das três religiões do Livro – I. O esoterismo judaico e a


Cabala

- Vº. CAPÍTULO: Os esoterismos das três religiões do Livro – 2. A Gnose cristã.

- VIº. CAPÍTULO: Os esoterismos das três religiões do Livro – 3. O Sufismo islâmico

- VIIº. CAPÍTULO: O esoterismo medieval

-VIIIº. CAPÍTULO: O Esoterismo do Renascimento ao século XVII

-IXº. CAPÍTULO: O século XVIII, o “século das iniciações” e dos rituais.

- Xº. CAPÍTULO: Ocultismo e esoterismo do século XIX:

- XIº. CAPÍTULO: Séculos XX e XXI

PARTE II – O ESOTERISMO EM PORTUGAL E EM FERNANDO PESSOA

- Notas para a história do Esoterismo em Portugal

- O “Fecho da Abóboda”: Fernando Pessoa e o Esoterismo

- Anexo - Breve cronologia da Maçonaria portuguesa

Bibliografia

Bio-bibliografia do autor
Iª. P A R T E

INTRODUÇÃO AO ESOTERISMO OCIDENTAL E ÀS SUAS INICIAÇÕES


Iº. CAPÍTULO

O ESOTERISMO OCIDENTAL E AS INICIAÇÔES

- O que é o esoterismo?

Esoterismo é uma palavra que indica “interior”, por contraste com exoterismo
que remete para o exterior, logo doutrina interna, reservada a alguns, os “iniciados”,
por oposição aos “profanos”, comunicada, discreta ou secretamente – “sub rosa”, sob
o silêncio iniciático, que transcende o silêncio profano -, aos membros ou discípulos
dessa organização ou corrente, através de uma linguagem simbólica e mítica.

Podemos avançar, desde já, com a aproximação de Jean-Pierre Laurent (cf. “Le
regard ésotérique”), para o qual o esoterismo é uma doutrina interior acerca da
constituição oculta do Homem, da Natureza e do Cosmos, nos diversos planos da
realidade.

Mas, vejamos de seguida as definições mais estruturadas, que têm feito


carreira na abordagem académica do tema – a chamada esoterologia. No que diz
respeito à doutrina, temos duas definições principais, a de Faivre e a de Riffard:

Definição de Antoine Faivre (cf. “L’Ésotérisme”, 1ª. Edição, 1992, 5ª. Edição,
2012; já foi publicada uma edição em português).

Este académico (agora jubilado) da École Pratique des Hautes Études/ Section
de Sciences Réligieuses (Sorbonne) – meu amigo e mestre que já tive a oportunidade
de convidar para dois colóqiuios em Portugal, ambos sobre o Esoterimo em Fernando
Pessos, um no ano de 2000, em Cascais e o outro na Casa Fernando Pessoa, em 2008
- ,estruturou o conceito de esoterismo assentando-o em quatro componentes
principais, a saber:

- A Ideia de “correspondências universais”: tudo está em correspondência com


tudo, o homem com o universo, o microcosmo com o macrocosmo, diversas partes do
corpo humano com planetas, etc. Esta doutrina das correspondências – actuando
sobre uma das partes em correspondência, actua-se sobre a outra - está na base do
universo da magia e também da alquimia. Escreveu Fernando Pessoa que “há um
ferro-matéria e ao mesmo tempo um ferro-simbolo, por isso o chymico ao operar
sobre o ferro-matéria, opera sobre o símbolo…” o que antecipa o que René Alleau
escreveu vinte anos mais tarde: “tudo o que é observável é simbólico, tudo o que é
simbólico é observável…”

- A ideia de “natureza viva”: a natureza é um “organismo vivo”, percorrido por


“forças invisíveis, mas activas”. Esta ideia existe, no plano erudito desde o hermetismo
de Alexandria – “Deus existe na matéria, Oh Pai?... – e vai até à “hipótese Gaia” do
New Age.

- O papel das “mediações” e da “imaginação”: rituais, símbolos, mitos e


espíritos intermédios (anjos, por exemplo), povoam ou ajudam a povoar o espaço que
existe entre a matéria e o espírito, entre o mundo de baixo e o mundo de cima, mas
tudo isso só pode ser acedido através da imaginação (criadora) que tem faculdades
“noéticas” (que acede a esses mundos) e “poéticas” (que cria esses mundos). Esta
dupla qualidade da Imaginação criadora leva a que alguns esoteristas digam que ela
acede a esses mundos pré-existentes, enquanto que outros, numa perspectiva
prometeica, afirmem a sua capacidade de criação desses mundos.

- A “experiência da transmutação”: a experiência de uma transformação


profunda, de uma revelação transformadora radical. Aqui não se trata apenas de uma
vivência mística, nocturna, onde o homem se funde com os planos superiores,
espirituais, mas sim de uma vivência sintética em que o esoterista está e faz a ponte
entre o plano diurno e o nocturno.

Para além das quatro características principais, a definição de Faivre apresenta mais
duas características acessórias:

- a “prática da concordância”: existem denominadores comuns entre as


diversas tradições religiosas e espirituais – Faivre chama a isto “concordantismo” -, o
que leva alguns a proporem uma “tradição primordial” como fonte de todo o
conhecimento sagrado – tese a que chama de “perenialismo”;

- a ideia de “transmissão”: de mestre a discípulo, de iniciador a iniciado, esta


ideia assentando numa regularidade de transmissão da “filiação”.
Para Faivre esta definição, assim estruturada, aplica-se ao conceito de
“esoterismo ocidental”, não fazendo sentido, para ele, falar-se em “esoterimo
oriental”, uma vez que muito daquilo que chamamos “esotérico” não está fora, mas
pelo contrário, está ainda dentro das religiões orientais como o Hinduísmo, o Budismo,
o Taoismo, etc. Pelo contrário no Ocidente o “campo esotérico” foi constituindo-se
autonomamente das religiões à medida que esses temas iam sendo “expulsos” por
elas, por demasiado mágico e “ocultos” – fenómeno de rejeição por parte das religiões
ocidentais, cada vez mais tomadas, ao longo dpos séculos, pela dimensão racional da
teologia (e da liturgia, como no protestantismo), o que levou a que alguns estudiosos
denominassem o esoterismo de “conhecimento rejeitado” (“neglejected knowledge”).

Já para de Pierre Riffard (cf. “l’Ésotérisme” – Laffont), o conceito de esoterismo


é mais lato e apresenta mais características – as 9 “invariantes do esoterismo” -, o que
lhe permite estabelecer conceitos como esoterismo africano, asiático, etc. – que Faivre
rejeita:

- A Disciplina do arcano; a disciplina do segredo na aprendizagem, na vivência e


na comunicação dos Mistérios

- A impessoalidade do autor: o conhecimento vem de fontes ocultas, anónimas


– os Mestres desconhecidos, os Superiores incógnitos, etc, - que podem dispensa-los a
“instrutores” para que os divulguem a discípulos escolhidos

- Afastamentos e ocultações; oposição exotérico/esotérico, profanos/iniciados;


isto tem a ver com a natureza e qualidade dos conhecimentos e das pessoas que os
possuem

- O “subtil”; subtil é a fonte desses conhecimentos, subtil é a qualidade de


quem os ministra e de quem os recebe, subtil é o grupo onde eles se conservam

- As analogias e as correspondências; isto é idêntico ao que Faivre mencionou


na sua definição (vide supra)

- O número e a sua simbólica; a simbólica dos números e das letras não existe
apenas na cabala hebraica e é um processo cifrado para conservar e comunicar
conhecimento
- As artes e as ciências ocultas e a hermenêutica; desde logo a hermenêutica, a
interpretação das coisas – hermenêutica, de Hermes, o instrutor e o mensageiro dos
deuses – e artes e ciências ocultas para ocultar os conhecimentos àqueles que não
estão preparados para os receberem

- A iniciação; processo de (re)nascimento, crescimento e aprendizagem que


simbolicamente tem a ver com a morte iniciática, a que vai da morte para a vida – ao
contrario do processo natural que vai da vida para a morte…

- Sintonia. Trata-se da sintonia entre o cerne de todos os conhecimentos, entre


os mestres, instrutores e discípulos e de todos eles com a Fonte Suprema – trata-se de
uma posição que A. Faivre chama de “concordantismo” e que tem frequentemente a
ver com a aceitação da existência de uma “tradição primordial”, o “perenialismo”
como Faivre denomina.

No que diz respeito, já não à doutrina (de que ocupam as doutrinas anteriores),
mas sim à estrutura do grupo esotérico, há que considerar a definição (estrutural) de
Olaf Hammer (“Claiming Knowledge. Strategies of Epistemology from Theosophy to
the New Age”, 2001), para o qual o esoterismo, com as partições iniciados/profanos,
conhecimento reservado/conhecimento aberto, etc., assegura um poder simbólico ao
grupo, ao seu líder e seus membros, reforçando ao mesmo tempo a coesão do grupo
face à sociedade exterior - comportamento que poderíamos denominar de “sectário” e
que não é, na sua forma extrema, típico de todos os grupos esotéricos.

Não posso deixar de dizer que a definição de esoterismo mais aceite pelo
mundo universitário, a de Faivre, está muito centrada na perspectiva hermetista e
alquímica do esoterismo. E – porque sou discípulo que o respeita e o admira muito,
mas que guarda a sua independência intelectual - ouso incluir e explicitar nela, sem a
contradizer, mas em homenagem ao Mestre, a dimensão gnóstica, a outra coluna do
esoterismo ocidental, particularmente no que diz respeito a dois temas fundamentais:

- a importância do Conhecimento espiritual (a Sofia) face à Fé (a Pistis), mais


característica da Mística,, no domínio da Salvação;
- a interioridade divina do homem – o gérmen de luz, o gérmen da divindade -
que ele tem de desenvolver e que conduzirá á “transmutação” de que fala Faivre e que
é retomado por correntes esotéricas mais tardias (como veremos) até ao New Age.

É claro que Hermetismo e Gnosticismo são parentes não muito longínquos,


sendo o primeiro mais optimista que o outro, mas creio que faltará à definição de
Faivre o acentuar da dimensão gnóstica do esoterismo – que aliás é salientada por
autores como Jean Vernette no seu livro “New Age” e por Wouter Hanegraaff (“New
Age Religion and Western Culture: Esotericism in the Mirror of Secular Thouight”).

Por outro lado, faremos ainda referência a símbolos e mitos, pois se é verdade
que nem todos os mitos e símbolos são esotéricos, também é verdade é que alguns o
são explicita ou implicitamente, tendo havido ao longo dos séculos interpretações
esotéricas deles – darei como exemplo as obras setencentistas “Fables égypciennes et
grecqes” e “Dictionnaire mytho-hermétique” do Abade Dom Pernety, dando apenas
dois exemplos portugueses: os mitos do Sebastianismo e o Quinto Império que em
Portrugal tiveram leituras esotéricas, alquímicas, como veremos.

As iniciações

Iniciação é o começo de um caminho e ao mesmo tempo a mudança de estado


que marca esse começo – as iniciações situam-se naquilo a que a Antropologia
denomina de Ritos de Passagem. Por exemplo o baptismo, a primeira comunhão e a
confirmação ou crisma são iniciações na vida de um cristão, enquanto que o
casamento, civil ou religioso, marca a separação da vida de solteiro e a aquisição da
condição de casado. A entrada para o serviço militar e a entrada para a Universidade
são outras iniciações, de entre as muitas que marcam a vida de uma pessoa.

No domínio do esoterismo, as iniciações – por exemplo maçónicas,


rosacrucianas, teosóficas, etc. - são veiculadas através de rituais que marcam a entrada
do iniciado e a sua progressão por etapas numa determinada via esotérica.

Este caminho das iniciações através de símbolos e mitos foi o que Dionísio o
Aeropagita denominou de via positiva – por contraste com a via negativa, a via da
transcendência absoluta. A primeira, como salienta Arthur Versluis (op. cit., p. 11) está
ptesente nas tradições dos mistérios egípcios e os greco-romanos que lhe sucederam.
A “via positiva”, acrescentaremos, está ainda presente nas iniciações esotéricas
ocidentais e nos respectivos rituais elaborados ao longo dos séculos – rosacrucianos,
maçónicos, etc.

Neste sentido, também é importante, como já vimos, não confundir esoterismo


com mística, já que aquele pertence à “via positiva”, pois é uma aproximação iniciática,
progressiva, gradual – sem ritual ou com ritual – das dimensões espirituais,
pertencendo a segunda à “via negativa”, pois é uma fusão nocturna com esses planos.
Isto não quer dizer, por um lado que não haja aspectos místicos dentro do eoterismo –
mas eles são minoritários – e que, por outro lado, que não seja necessário em algum
esoterismo subalternizar a conceptualização racional das coisas (o “regime diurnoi”
proposto por Bachalard e Durand) privilegiando a percepção directa delas, mas mesmo
assim não estamos no puro campo da mística.

Nota:

Convém fazer uma distinção entre “esoterismo e “ocultismo, estando o


primeiro mais ligado a uma filosofia espiritual ou religiosa, enquanto que o
segundo está mais claramente associado à obtenção de resultados práticos.
Mas, deve dizer-se que esta dicotomia não é absoluta, uma vez que não existe
teoria sem prática nem prática sem teoria. Além disso, há períodos em que a
palavra “ocultismo” é utilizada em vez de “esoterismo” como é o caso do século
XIX.
IIº. CAPÍTULO

AS RAÍZES DO SOTERISMO OCIDENTAL:

do sagrado selvagem ao sagrado filosófico.

Nem todos os livros académicos sobre esoterismo (como de A. Faivre, por


exemplo) referem as suas raízes arcaicas – que pertencem quer a um “sagrado
selvagem”, longínquo, quer a espiritualidades filosóficas e religiosas antigas -, mas,
apesar do nosso não ter pretensões a manual universitário (embora não rejeite o rigor)
opto por fazê-lo – numa outra divergência/complementaridade com o Mestre - pois
elas vão influenciar correntes esotéricas posteriores.

Sigo assim Arthur Versluis (in Magic and Mysticism – an Introduction to


Western Esotericism, cap. I) – autor que Faivre me apresentou na Cidade do México
em 1996, no Coingresso da Academia Internacional das Religiões, que pela primeira
vez incluiu uma secção sobre esoterismo - o qual considera que as mais remotas
“raízes das tradições esotéricas ocidentais” são:

(1) “as antigas tradições mistéricas”, isto é as religiões (pré-cristãs) de


Mistérios, quer egípcias (Mistérios de Osiris e de Isis), quer médio-
orientais (Mistérios de Attis, de Adonis, etc.), quer greco-romanas
(Mistérios de Deméter/Ceres, de Dionísio/Baco, de Mitra, etc.)”
(2) “as antigas tradições mágicas greco-romanas”

Falemos sobretudo das primeiras, mas em nosso entender é preciso referir que
existe uma ainda tradição anterior a esses Mistérios que os influencia, assim como
influenciará mais tarde, num plano simbólico, os “mistérios” das fraternidades
iniciáticas, tradição essa que é o Xamanismo.

O Xamanismo é, de facto, uma “técnica arcaica do êxtase” (Mircea Eliade) ou


uma “religião extática” (Ian Lewis) em que o corpo – corridas, saltos, danças, gritos, os
trajes, as máscaras, o tocar o tambor, etc. - e as substâncias ingeridas – cogumelos
como o “peyotl” (América Central) e a “amanita muscaria” (Sibéria) e por outro lado o
vinho (Mediterrâneo) - desempenham um pepel importante no desencadear do êxtase
- se bem que uma corrente de psicologia moderna, “alternativa” (a psicologia
transpessoal) sustente que o êxtase pode ser atingido pelo intenso trabalho com o
corpo – como o faz o xamanismo -, e por meditações e exercícios diversos (respirações,
etc.).

O escolhido para ser iniciado no xamanismo é um indivíduo a quem sucedeu


algo de extraordinário, por exemplo alguém que foi atingido por um raio e sobreviveu
ou um jovem que caiu de uma árvore e não morreu. A iniciação dessa pessoa fora do
comum consiste numa cerimónia complexa conduzida pelo xamane e que provoca no
iniciado uma experiência de morte e ressurreição, de transmutação, que o leva a sentir
renovado o seu corpo (ossos, carne e sangue), isto é, ele sente-se renascer num novo
corpo.

Muitos deuses das Religiões de Mistérios passavam, no mito, pelo processo de


morte e ressurreição – Osiris, Attis, Adonis, Dionísio, etc, - e o próprio Jesus Cristo, que
para o cristão, viveu entre nós a paixão, a morte e a ressurreição - “morreu, desceu aos
infernos, ressuscitou ao terceiro dia e ascendeu aos céus onde está sentado à direita
de Deus-Pai todo-poderoso” (era este o Credo que me ensinaram, embora hoje a
palavra infernos esteja substituída pela expressão “morada dos mortos”). Mais tarde
as fraternidades iniciáticas no Ocidente centraram os seus rituais de iniciação num
processo elaborado de morte e ressurreição já não real mas simbólico, mas que tem
quanto a nós uma origem no sagrado “selvagem” do xamanismo,

Não posso deixar de referir, neste ontexto, a profunda e inteligente análise do


antropólogo contemporâneo Maurice Bloch que - no livro La violence du réligieux
1997, pp. 9-20 - sustenta que este esquema de morte e ressurreição constitui a
«estrutura irredutível mínima fundamental […]» de todos os rituais, e não apenas
dos iniciáticos, mas dos religiosos em geral. Esta «quase-universalidade» assenta na
«relação entre o processo religioso e as noções de vida e de morte biológicas», pelo que,
segundo Bloch, o processo iniciático pretende inverter o processo natural que vai
da vida para a morte, estabelecendo um processo cultural que vai da morte para a
vida.
Sobre a dimensão sacrificial das origens do sagrado e do religioso e a sua
simbolização posterior, recomendo a leitura indispensável de René Girard, La violence
et le sacré.

Mas para além da iniciação xamânica – desmembramento e recomposição,


“morte e ressurreição” - existe o “voo xamânico”, feito pelo especialista do sagrado já
iniciado, que é o xamane, realizado para resolver algum problema da comunidade
(seca, doenças, etc.) ou para obter iluminação e respostas a determinadas questões,
“vôo” esse que é desencadeado pelo trabalho com o corpo e sobre o corpo e também
com o auxílio de substâncias coadjuvantes de natureza químico-biológica (cogumelos,
bebidas alcoólicas, etc.), que provocam uma sensação de viagem: para cima, como
uma águia, ou um condor – para obter iluminação – e para baixo, como um jaguar,
penetrando nas fendas da terra - para obter poder.

RELIGIÕES DE MISTÉRIOS

Vejamos agora, sucintamente, numa perspectiva do esoterismo e das iniciações,


algumas das religiões mistéricas ou de Mistérios

- Mistérios de Osiris

Osiris é raptado pelo seu irmão Seth – no final de um banquete em que este se
propunha oferecer uma caixão finamente decorado a quem nele coubesse, sendo
Osiris o verdadeiro destinatário, pois Seth já lhe tinha tirado as medidas…Osiris- acaba
por ser morto pelos esbirros de Seth e o seu corpo dividido em 14 pedaços os quais
foram espalhados pelo Egipto – tema de decomposição que remete para o xamanismo
das origens. Foi Isis, irmã e esposa de Osiris que andou a recolher os 13 pedaços do seu
corpo, reintegrando-o de certa maneira – o Feminino integrador - mas faltando o 14º.,
o falo de Osiris, que simboliza a virilidade iniciática e também a fecundidade da “terra
negra” (Chem), o Egipto e as suas margens banhadas pelo Nilo.

- Eleusis/Demeter
Proserpina ou Perséfone, filha de Deméter, andava pelos campos colhento lírios
quando Hadés, o rei dos mundos subterrâneos, a raptou sequestrando-a nessas
regiões inferiores. Isto tinha sido combinado com Zeus o rei dos deuses, mas perante o
espectáculo do sofrimento de Deméter que, numa gruta – onde mais tarde seriam
celebrados os mistérios – chorou durante largo tempo a perda da sua filha, ele
comove-se e propõe um acordo a ambos, Deméter e Hadés, acordo que consistiu na
condição da Proserpina ter de ficar durante uma parte do ano debaixo da terra e outra
parte à sua superfície. Trata-se de uma referência clara à vida de uma planta que
começa quando a semente que se coloca debaixo de terra apodrece, “morre”, para dar
origem às raízes mas também ao caule que surge à superfície progressivamente com
folhas, flores e frutos. Trata-se de uma religião de mistérios baseada na meditação
sobre os mistérios da Natureza e na maravilha que estes causavam no Homem antigo.
O seguidor dessa religião, o iniciado nos mistérios (o “mixto”), era convidado a imitar a
vida da semente e, portanto da Perséfone, num processo sacrifciial simbólico de morte
e ressurreição, de descida e ascensão. Os mistérios de Eleusis, celebrados na Grécia,
tinham duas festividades, uma no Equinócio da Primavera – os Mistérios Menores –
onde aos candidatos à iniciação era ministrada oralmente uma instrução e outra no
Equinócio de Outono – os Mistérios Maiores – onde se vivia através do ritual uma
experiência radicalmente transformadora do iniciado.

Não sabemos exactamente o que se passava nos mistérios de Eleusis mas há


um trecho do “Asno de Ouro” de Apuleio em que ele, através de Lucius, diz que
embora tendo sido iniciado nos mistérios não pode no entanto revela-los pois jurou
guardar segredo sobre o seu conteúdo, afirmando que eles eram uma experiência que
perdurava para o resto da vida. Mas – contrariando, em parte, o seu juramento – diz-
nos que depois de um jejum de dez dias, se dava entrada no templo para uma
cerimónia secreta em que se ele aproximou do reino da morte, o reino de Proserpina,
no qual ele viu o sol brilhar à meia-noite – sinal de ressurreição, de iluminação -, após
o que, simbolicamente, se aproximou dos deuses e permaneceu entre eles.

- Dionísio
Dionísio – equivalente grego do romano Baco - foi morto pelos Titans que o
cortaram em 14 pedaços, conseguindo reintegrar o seu corpo, ressuscitando – outra
vez uma clara referência ao desmembramento xamânico e à
recomposição/reintegração/”ressurreição”. De notar o desmembramento em 14
pedaços em Osíris e em Dionísio e também, significativamente, que o processo
sacrificial do Deus-Filho Jesus o Cristo se desenrola em 14 estações da Via Sacra.

Os mistérios dionisíacos – celebrados nas montanhas, à noite e com archotes -


tinham uma clara raíz xamânica, e utilizavam o vinho para atingir os estados extáticos,
mas a importância dos tambores e do ritmo, dos canticos e dos gritos, da dança, das
corridas e dos saltos era decisiva para atingir esses mesmos estados. De salientar a
presença de um falo gigante que desfilava nesses mistérios numa carruagem e a
presença maioritária de mulheres, sendo conhecida a domensão orgiástica de alguns
mistérios, não numa dimensão profana (em que mais tarde caíram), mas num contexto
de evocação da força e da energia de Dionísio/Baco.

- Os esoterismos das origens: Magia, Alquimia, Astrologia

Magia: técnica de modificação da realidade pela invocação de uma energia ou


um ser sobrenatural por meio de uma fórmula ou discurso, oração, etc., com ou sem
suporte de um objecto que possa assegurar esse fim. Segundo o sociólogo das religiões
Massimo Introvigne (“Le New Age des origines à nos jours”, 2005) – que tive a honra
de ter no meu Juri de Doutoramento - há duas espécies de magia, a descendente que é
a rural, primitiva, ancestral – da qual se ocupa tradicionalmente a antropologia e a
etnologia – e a ascendente, aurbana, erudita e mais moderna – que é sobretudo, mas
não exclusivamente, estudada pela sociologia.

É evidente que a Magia pela qual o esoterismo se interessa não é essa magia
das sociedades primitivas e longínquas no tempo, no espaço e na cultura – estudada
por célebres antropólogos como Malinowski, Evans-Pritchard ou Griaule, entre outros,
mas sim a mais recente e com uma dimensão filosófica. Há, no entanto, uma zona de
transição entre esses dois universos, a qual merece a atenção do Esoterismo e dos
seus estudos (esoterologia), como por exemplo a magia caldaica e mesopotâmica, a
magia egípcia, a magia grega, a magia do hermetismo de Alexandria, a magia cristã
copta, etc..

Ao longo dos séculos e sobretudo a partir do Renascimento, vão merecer a


atenção dos estudiosos do esoterismo contribuições como a de H. Cornelius Agrippa,
no século XVI, com a sua “De Philosophia Oculta”, no século XVII John Dee e a sua
“Monada Hierogliphica”, a magia ritual de um Martinez de Pasqually, no século XVIII e
já no século XX a magia telemita de Aleister Crowley, a que ele deu o nome de Magick.

Alquimia: prática iniciática e espiritual em que se trabalha com e sobre a


matéria, “sacrificando-a”, fazendo-a passar por um processo sacrificial de “morte e
ressurreição” – do “Solve” ao Coagula”, desde o “nigredo” ou Obra ao Negro, a
destruturação, ao “albedo” ou Obra ao Branco, a purificação e por último ao “rubedo”
ou Obra ao Rubro, a fase última de exaltação e espiritualização da matéria, que a
conduz a uma derradeira modificação de “estado”, uma verdadeira transmutação.
Salientemos a analogia da Alquimia com o Xamanismo, no que toca à “morte” e decomposição
da matéria nos seus princípios – “solve”, “separatio”, “obra ao negro” – seguida da sua
integração, purificação e exaltação – “coagula”, “conjunctio”, “obras ao branco e ao rubro”,
processo fim do qual a matéria atinge um “estado extático”, isto é, tem um “novo corpo”.

Este novo estado da matéria, em que os alquimistas acreditam ser possível de


atingir, inclui a Pedra dos Filósofos e por fim a Pedra Filosofal, com propriedades
medicinais – o Elixir da Longa Vida - e transmutatórias – quer na Argiropeia (fabricação
da prata), quer na Crisopeia (fabricação do ouro). Estas aplicações da Pedra Filosofal
são apenas demonstrações do seu poder mas, segundo o preceito tradicional – e para
os que acreditam na Arte transmutatória -, não devem constituir o fim último do
alquimista sob pena de ele se transformar num “assoprador de carvões”, um homem
obcecado pela “aura sacra fames”.

Na Alquimia verdadeira tem de haver uma íntima associação entre o operador,


o alquimista e a matéria, desde a fase de preparação até às fases de evolução da
mesma. O alquimista é assim modificado, espiritualizado, num processo evolutivo que
acompanha o da matéria. Esse processo alquímico poderá recorrer à captação do um
“espírito universal” e/ou a excitação de um “fogo secreto” interior à materia.
Teoria e Filosofia alquímicas; imaginário, símbolo, mito e rito
Como dissemos, a Alquimia é, em grande parte, uma aplicação do Hermetismo
alexandrino, exemplarmente simbolizado pela Tábua de Esmeralda, atribuída a
Hermes Trismegisto - que é um modelo de muita literatura alquímica posterior e
mesmo da prática alquímica até aos nossos dias -, a qual passamos a transcrever:
É verdade, certo e sem nenhuma dúvida. Tudo o que está em baixo é como o
que está em cima e o que está em cima é como o que está em baixo, para realizar os
milagres de uma só coisa. Da mesma maneira que todas as coisas procedem dum
Único, do mesmo modo, por adaptação, elas nasceram dessa coisa única. O seu pai é o
Sol e a sua mãe a Lua. O vento trouxe-o no seu ventre e a Terra é a sua ama. (o Único)
É o pai de todos os milagres do mundo. O seu poder é perfeito, se ela (essa coisa única)
é convertida em terra. Separa a terra do fogo e o subtil do grosseiro, suavemente e
com grande prudência. Ele eleva-se da terra ao céu e torna a descer sobre a terra,
recebendo assim a potência das realidades superiores e inferiores Deste modo, tu
ganharás a glória do mundo inteiro e toda a obscuridade se afastará de ti. É a potência
das potências, que estende a sua vitória sobre todas as coisas subtis e penetra todas as
coisas sólidas. Assim foi criado o microcosmo, segundo o modelo do macrocosmo.
Assim e deste modo se fazem as aplicações maravilhosas. Eis porque eu
sou chamado de Hermes Trismegisto, pois eu possuo as três partes da sabedoria do
mundo inteiro. Perfeito é o que eu disse da obra solar.

Como se vê o projecto do alquimista é prometeico, convidando-o a realizar no


seu laboratório - no microcosmo -, a utopia alquímica, assumindo um papel demiúrgico
de re-criação. Este mito alquímico fundador – que lembra outros mitos familiares à
Antropologia, como o dos Dogon estudado por Griaule (“Dieu d’eau”) - vai repercutir-
se ao longo da história da Alquimia, com algumas pequenas variações.
Baseada num claro “dualismo sexual”, - ver os capítulos “Le monder sexualisé”
e “Terra mater. Petra genitrix”, da clássica obra de Mircea Eliade, Forgerons et
alchimistes (com tradução portuguesa “Ferreiros e alquimistas”), onde ele refere a
“embriologia mineral” dos alquimistas -, o simbolismo da Alquimia parte das oposições
binárias: Sol/Lua, Pai/Mãe, Enxofre/Mercúrio, Ouro/Prata, Fogo/Água,
masculino/feminino, esperma/menstruo, activo/passivo, etc. A Grande Obra alquímica
é a união do elemento masculino, o Enxofre, com o elemento feminino, o Mercúrio,
falando os diversos autores em “união” e “geração”. Esta dimensão sexual da Alquimia
foi explorada por Jung na sua célebre obra Psicologia e Alquimia, tendo Bachelard
feito, antes, algo semelhante em A Psicanálise do fogo.
Sistematizemos, então os conceitos - que não designam corpos químicos
(elementos, compostos ou substâncias), entenda-se, mas que designam qualidades -
nos quais assenta a teoria alquímica:
- Dimensão estática:
- duas “naturezas”: pai/mãe, masculino/feminino, fixo/volátil, activo/passivo,
quente/frio, Sol/Lua, Enxofre/Mercúrio;
- três “princípios”: Enxofre, Mercúrio e Sal; este terceiro princípio, mediador
entre os dois primeiros – e por vezes simbolizado pelo Bispo que casa o Rei e a Raínha
-, embora implícito desde cedo, foi explicitado por Roger Bacon, Basílio Valentim e
Paracelso.
- quatro “elementos”: Terra, Água, Ar e Fogo, da velha teoria grega associada a
Anaximandro, Aristóteles, entre outros;
- a “quinta essência”, que pode fazer correspondência com o Sal e que se
denomina por vezes o quinto elemento, o Éter, ou a Quinta Essência.
Saliente-se a importância estrutural da binaridade e da ternaridade no
simbolismo alquímico.
- Dimensão dinâmica:
- em dois momentos: Solve e Coagula, Separar e Reunir, Morte e Ressurreição;
como vimos, há uma clara raíz xamânica neste “desmembramento”, nesta “morte”, à
qual se segue uma “ressurreição num novo corpo;
- em três momentos: Obra ao Negro (Nigredo) – a morte sacrificial da matéria -
» Obra ao Branco (Albedo) – a purificação da matéria - » Obra ao Rubro (Rubedo) – a
exaltação da nova matéria, ressurgida, renascida -, isto é, as três cores da Grande Obra
alquímica.
Uma vez mais a binaridade e a ternaridade, desta vez não na dimensão estática,
mas na dimensão dinâmica do processo alquímico

Astrologia

Técnica de previsão – astrologia “judiciária” - baseada no estudo dos signos, das


posições e dos movimentos dos astros no zodíaco. Para se elaborar a “carta astral” de
uma pessoa ou de um país importa a posição dos planetas no momento do nascimento
da pessoa, de uma organização ou de uma nação – signo, ascendente, etc, - mas é
importante igualmente os “trânsitos”, as posições e movimentos num determinado
período da vida.
A Astrologia de antanho – e ainda muito da de hoje pois as pessoas querem
saber o que vai passar com elas - era uma aastrologia “judiciária”, elaborava juízos
previsionais para acontecimentos presentes e futuros. Mais modernamente - a partir
da segunda metade do século XIX e sobretudo a partir de meados do século XX, com
nomes como lan Leo e Dane Rudyar -, a astrologia é “psicológica” ou “psico-espiritual”,
integrando-se como uma componente importante das novas espiritualidades e do
“new age”. Nesta nova astrologia interessa mais sconhecer-se a si próprio para nos
poidermos modificar +positivamente e assim alterar e ultrapassar as nossas limitações

Segundo A. Faivre, a Astrologia estava presente na “Ars Magna” de Raymond


Lull
IIIº. CAPÍTULO

AS DUAS CULUNAS DO ESOTERISMO OCIDENTAL: Gnosticismo e hermetismo

- Duas filosofias esotéricas: Orfismo, Pitagorismo, Neo-platonismo

- Orfeu

Orfeu é um herói que ama Eurídice a qual morre, “desce aos infernos”. Armado
de coragem espiritual e física, desencadeada pelo amor, Orfeu desceu aos infernos em
demanda da sua amada e conseguiu resgata-la parcialmente, mas não totalmente pois
ela olhando para trás, sofre uma segunda morte. Lembremo-nos o que sucedeu à
mulher de Lot que, por isso, ficou transformada numa estátua de sal. Lição: quando se
sai dos infernos devemos olhar para a Luz e abandonar as Trevas….

O Orfismo tinha uma teogonia e uma cosmologia complexas, com entidades


como Chaos, Chronos, Hylê, Gaia, Éther, Uranos, Ether, etc..

Os mistérios órficos juntaram-se mais tarde aos dionisíacos.

- Pitágoras – para além do matemático e geómetra insigne que foi – lembremo-


nos que descobriu, o célebre Teorema “de Pitágoras” -, o Filósofo de Samos foi um
mestre espiritual. Tendo vivido vários anos no Egipto – segundo “A vida de Pitágoras”
do seu discípulo Jâmblico – Pitágoras trouxe para a sua Grécia natal não só os
conhecimentos científicos mas também os conhecimentos espirituais alguns dos quais
estão presentes nessa obra extraordinária que a ele lhe é atribuída, que são os “Versos
de Ouro” (publicado pelos seus discípulos), onde ele, entre outras coisas propõe o
exame de consciência diário, para evitar “acumular trabalho” para quando morrermos,
mas em que ele nos aconselha a concentrarmo-nos e a valorizarmos sobretudo aquilo
que fizemos de positivo, como estímulo para as jornadas seguintes!

Os Versos de Ouro de Pitágoras têm notáveis trachos sobre a “interioridade


divina do Homem” – oh deuses se mostrasseis aos Homens o génio de que são
habitados” – interioridade que, uma vez purificada e desenvolvida trará a
imortalidade:

“Oh Zeus, nosso Pai, tu libertarias os homens de numerosos males


Se tu lhes mostrasses a todos o “daimon” (espírito”) que está ao seu serviço

(…) Mas tu, ganha coragem, pois os mortais são uma raça divina (…)

E tendo curado a tua alma, tu a libertarás de tais males (…)

E na libertação da alma medita sobre cada coisa exercendo o teu juízo (…)

Então sim, abandonando o teu corpo tu chegarás ao livre éter

E serás imortal, deus incorruptível e para sempre liberto da morte”

- Platão e os neo-platónicos

O princípio platónico de que as coisas existem em potência no mundo das


ideias e só depois se podem actualizar neste mundo é seguido pelas colunas do
esoterismo ocidental, particularmente pela Gnose e pelos gnosticismos e também pelo
Hermetismo, mas ainda pelos esoterismos das três religiões do Livro, particularmente
pelo esoterismo judaico, a Kabbalah (ou Cabala) e pelo esoterismo islâmico, o Sufismo.

- GNOSE E GNOSTICISMOS

- Princípios gerais: “Gnose” quer dizer em grego, Conhecimento, Sabedoria e


nesse sentido a corrente espiritual e religiosa assim denominada, privilegia a aquisição
do Saber espiritual sobre a Fé, isto é, da Sofia sobre a Pistis.

Os Gnosticismos são o conjunto de correntes diversas assentes na Gnose mas


que, embora diversificado, apresenta algumas características comuns, de entre as
quais poderemos salientar, numa perspectiva neo-platónica, a ideia de que o Homem é
na origem, no princípio (“in principio”, “arche”) um ser espiritual, próximo de Deus e a
partir dessa proximidade cai na matéria – a Queda – ficando “agrilhoado”, prisioneiro
nesta nossa dimensão material – guardado por “guardas” denominados, por alguns
gnósticos, os Arcontes – da qual tem de se libertar, para “regressar à Casa do Pai”. Para
tal, o gnóstico terá de desenvolver em si o germe da divindade, passando da Queda à
Reintegração na proximidade divina.

O Gnosticismo não se concebe sem o feminino. Desde o não manifestado que


se manifestam éons (seres espirituais e períodos de tempo) aos pares – as “sizígias” -,
masculino e feminino, tendo a mulher um papel igual ao homem nas comunidades
gnósticas e sendo uma mulher companheira do Mestre, como por exemplo Simão o
Mago e Helena, que ele conheceu num bordel em Tiro e a escolheu como seu par
espiritual pois “Helena era o Primeiro Pensamento de Deus agrilhoado na Matéria, da
qual ele a libertou” – a lenda da proximidade entre Cristo e Maria Madalena, ou da sua
exploração, parece ser uma contaminação ou uma resposta a essa situação.

A importância do feminino no gnosticismo é notória:

“Pois eu sou a primeira e a última/ eu sou a venerada e a desprezada

Sou a meretriz e a santa/ sou a esposa e a virgem…

Sou a estéril e a que tem muitos filhos…

Sou o silêncio incompreensível…/sou a voz cujos sons são tão numerosos…

Eu sou forte e tenho medo/ eu sou guerra e paz…

(O Trovão Intelecto Perfeito)

Há matizes mais ou menos radicais, mais ou menos mitigadas, mais ou menos


pessimistas, mais ou menos optimistas face a essa Queda, a essa incarnação, a essa
condição de “exílio” neste mundo material, sendo a sensibilidade mais radical, que é
minoritária, o gnosticismo radical, extremamente pessimista em relação ao mundo
material que despreza, ansiando pela libertação dele, no entanto, o gnosticismo
mitigado, maioritário, é menos pessimista relativamente às consequências da Queda e
da incarnação. Os gnósticos radicais escolhem uma de duas vias: a da ascese rigorosa,
ou a da orgia sexual, gastronómica, etc., pois para eles só há dois caminhos: o da
rejeição e do afastamento do mundo ou o do mergulho no mundo até à sua dimensão
mais baixa e mais material, para assim sairem dele. O gnóstico cristão St. Ireneu de
Lyon, acusava estes “gnósticos licenciosos” de pertencerem à “falsa gnose” – face à
“verdadeira” gnose que seria a Gnose cristã.

As correntes gnósticas são diversas e os seus principais nomes vão desde Simão
de Samaria – gnóstico não cristão -, a Valentino – gnóstico cristão.
A Gnose não cristã

Simão de Samaria, ou Simão o Mago, vem mencionado no Novo Testamento


como um rival ou inimigo do Cristianismo. É evidente que havia, na época em que
surgiu o Cristianismo, várias correntes espirituais e religiosas em competição umas
com as outras, cada qual pretendendo estar mais próxima da verdade que as outras e
pretendendo também angariar mais adeptos. Como a História é escrita pelos
vencedores, Simão de Samaria aparece como tendo protagonizado um pecado que foi
denominado de “simonismo”: em Roma ele terá proposto a Pedro oferecer-lhe
dinheiro para, em troca, este lhe revelar como se fazem milagres. Ora, a verdade é que
Simão o Mago foi autor de um Tratado gnóstico que chegou até aos nossos dias,
“Apophasis Mégalé”, pelo que se ele não sabia fazer “milagres” (segundo os seus
adversários cristãos) era no “mínimo” um Mestre espiritual, filosófico (no sentido
antigo da palavra) e religioso.

Contra os gnósticos

Foi Justiniano quem escreveu o maior ataque contra os gnósticos não cristãos,
concretamente contra os “gnósticos licenciosos”. Os Padres da Igreja viam com maus
olhos as correntes gnósticas não cristãs e denunciavam as práticas orgiásticas dos
grupos radicais minoritários, fazendo-as passar por toda a Gnose não cristã. No célebre
texto de Justiniano ele refere que para além das orgias sexuais estes pequenos grupos
gnósticos extremos, tentando não trazer a este mundo mau mais seres humanos,
comiam os fetos.

Veremos como em finais do século XIX, princípios do século XX, um pequeno


grupo como a O.T.O. (depois liderado por A. Crowley)) tinha instituído na sua liturgia
uma “missa gnóstica” em que a “eucaristia” assentava no consumo de “duas espécies”:
o esperma e o sangue menstrual.

Tipologia antropológica gnóstica

Alguns gnósticos dividiam os Homens em 3 categorias:

- Os Hílicos: os materiais – matéria é “hyle” em grego -, os que nem alma tinham ou se


a tinham era rudimentar e perante a morte não sobrevivia;
- Os Psíquicos: os que tinham uma alma (“psiche”) suficientemente consistente para
que fosse eventualmente desenvolvida e pudesse ser habitada pelo espírito;

- Os Pneumáticos: os que já tinham o espírito o qual era a certeza da sobrevivência da


parte subtil do Homem, após a morte física e anímica.

A GNOSE CRISTÃ

Sobre ela falaremos no capítulo V, que lhe é dedicada, no contexto dos


Esoterismos das três religiões do Livro.

HERMETISMO DE ALEXANDRIA

Alexandria porto egípcio do Mediterrâeo, no delta do Nilo, foi, segundo René


Alleau, a capital cultural do mundo antigo na sua época fazendo a síntese da religião
egípcia, da filosofia helénica, da religião judaica, das tradições mágicas da
Mesopotâmia, etc. Hermes grego é o equivalente ao deus Thot egípcio, um deus
mediador e instrutor dos homens, um deus iniciador que ensina as técnicas e a escrita
e sobretudo que traz as mensagens dos deuses e leva mensagens aos deuses – tem
muitas das características que encontramos no Mercúrio romano. Chamado de
“Trismegisto”, ou “três vezes grande”, Hermes era um deus que interpretava ou
ajudava a interpretar os mistérios – daí a palavra “hermenêutica” que tem a ver com a
interpretação dos símbolos e dos textos – mas essa característica luminosa,
esclarecedora cedeu o passo à sua dimensão “hermética”, fechada, quando mais tarde
os alquimistas medievais e renascentistas ao descobrirem uma técnica para fechar os
seus vasos – de modo a que não entrasse neles nenhum ar, nem saísse nenhum vapor
– disseram: “encontramos o Selo de Hermes”! E daí o Hermes de luminoso e aberto,
passou a fechado e obscuro…

O Reverendo Padre Festugière (já falecido) traduziu em 4 volumes o conjunto


dos livros atribuídos a Hermes Trismegisto – o “Corpus Hermeticum”, de que já
apresentamos anteriormente a Tábua de Esmeralda – e comentou-os em outros 4
volumes – “La Révélation d’Hermés Trismégiste”. Este notável especialista dividiu os
textos “herméticos” em dois grupos:
- o hermetismo “popular”, um conjunto de receitas mágico-alquímicas;

- o hermetismo “erudito”, textos com uma dimensão filosófico-religiosa e


espiritual – são estes que nos interessam.

Trechos do CORPUS HERMETICUM (Livro 1º.)

- referentes à interioridade divina do Homem.

“Eis porquê, único de entre todos os seres que vivem na terra, o homem é duplo,
mortal pelo corpo, imortal pela sua própria essência. Imortal e soberano sobre todas
as coisas….”

“Porquê, oh homens nascidos da terra, vos abandonais à morte, quando vos é


permitido obter a imortalidade?... Afastai-vos da luz tenebrosa, tomai parte da
imortalidade, renunciando à corrupção”

“Pois o homem é um animal divino que deve ser comparado, não aos outros animais
terrestres, mas aos do céu que nós chamamos deuses. Ou melhor, não receemos dizer
a verdade, o homem verdadeiro está acima deles, ou pelo menos igual a eles….Assim,
ousamos dizer que o homem é um deus mortal e um deus celeste é um homem
imortal”

“Todo o vivente é imortal pelo intelecto (inteligência espiritual).Mas o mais imortal de


todos é o homem pois é capaz de receber Deus e de entrar em união com Deus”

“ A grande doença da alma é o afastamento de Deus”

“O vício da alma é a ignorância”

“Não há nada mais divino e mais activo que o intelecto, nada de mais apto para unir os
homens aos deuses e os deuses aos homens. Feliz a alma que está plena deste
intelecto, infortunada a que está totalmente desprovida dele”.

“Deus está no intelecto, o intelecto na alma, a alma na matéria.”

- referente à energia que existe na matéria


“(Deus) está pois na matéria, meu pai? pergunta Tat a Hermes, ao que este responde:
A matéria, meu filho, está fora de Deus, se tu quiseres atribuir-lhe um lugar especial;
mas a matéria que não está posta em acção não será apenas uma massa confusa? E se
ela está posta em acção não será por meio das energias, e nós dissemos que essas
energias são partes de Deus. De quem recebem os vivos a vida e os imortais a
imortalidade? O que produz as transformações? Quer seja a matéria, corpo ou
essência, essas são as energias de Deus… Todo este conjunto é Deus e no universo não
existe nada que não seja Deus.”

- Louis Ménard no seu livro “Hermès Trsmégiste” salienta dois temas


importantes:

- a semelhança entre o “Pimandro” hermético e o Evangelho de S. João, notando que


entre eles existe, contudo, uma diferença profunda, pois em S. João vem: “E o Verbo
se fez carne e habitou entre nós”.

- a crítica dos herméticos, optimistas, aos gnósticos, pessimistas, pois para estes o
mundo é uma obra má, ao mesmo que distinguem o Criador do Deus supremo.
IVº. CAPÍTULO

OS ESOTERISMOS DAS TRÊS RELIGIÕES DO LIVRO – I

O ESOTERISMO JUDAICO E A CABALA

Temas do Esoterismo Judaico.

- O Nome de Deus/YHWH

O Sumo Sacerdote de Jerusalém só podia pronunciar o Nome de Deus, uma vez


por ano e no Santo dos Santos do Templo, coisa que era proibida aos outros judeus –
“não invocarás o Santo Nome de Deus em vão”… O Nome de Deus Criador, é pois
extraordinariamente poderoso e só pode ser pronunciado por quem está purificado e
tem qualidades ímpares. Recordemos que uma das características do Sagrado é o
afastamento e a diferença radical, o que está ou deve estar afastado, o que é
“totalmente outro”, ao mesmo tempo “tremendo e fascinante” (Rudolf Otto), daí o
“tabu do sagrado”, pois ele acarreta riscos para quem dele se aproximar ou tocar.

- Bereschit/Génese

Meditação sobre o significado oculto do primeiro versículo/capítulo do Génese:


“No princípio Deus criou os céus e a terra…” – Bereshit. Os mistérios da Criação.

- O Carro de Fogo de Ezequiel

Ezequiel tal como Enoch e Elias transcendem a morte, ascendendo aos céus
sem passar por ela. A ascensão de Ezequiel aos céus num carro de fogo é tema de
meditação para uma imitação da ascensão luminosa, “em glória”, de cada um – a
palavra “glória” neste contexto, veio da Pérsia.

- Os Hekhaloth ou Palácios

É uma técnica de meditação do esoterismo judaico sobre a ascensão da alma


para regiões cada vez mais luminosas, utilizando a visualização de palácios ou de
quartos dentro de um mesmo palácio, fazendo uma meditação dirigida em que se
pretende fazer a passagem sucessiva por palácios (ou quartos) cada vez mais
luminosos. Curiosamente encontramos este tipo de visualização em Santa Teresa de
Ávila no seu livro “Castillo interior o moradas”, o que pode ter a ver com um ambiente
familiar cristão-novo, comum em Ávila.

- Os Essénios e os Manuscritos do Mar Morto

Junto ao Mar Morto, em Qumram, foram descobertos logo a seguir à 2º.


Grande Guerra (por um pastor que perseguia cabras que se haviam perdido dentro de
uma gruta), rolos de cobre e em outros materiais, dentro de âmforas de barro, onde
estavam descritos as regras da comunidade essénia de homens e mulheres e os textos
entre os quais os do seu Mestre da Justiça. Os textos essénios são profundamente
apocalípticos e messiânicos e a regra da comunidade era ascética. Estes textos estão
publicados e os rolos podem ver-se no Santuário do Livro no Museu de Israel em
Jerusalém. Note-se que a Biblioteca gnóstica de Nag-Hammadi (Alto Egipto) também
foi encontrada em circunstâncias semelhantes no mesmo período (1945-46).

Foram vários os que, antes de Cristo e durante e depois da sua vida, fugiram
das cidades e foram para os campos, para o deserto. João Baptista foi um deles, mas
não o único. Coberto de pelas de cordeiro, alimentando-se de gafanhotos e de mel,
este primo de Cristo foi quem o baptizou, anunciando que “ele teria de diminuir para
quo o outro (Cristo) crescesse”. Alguns grupos religiosos – os primitivos baptistas, os
mandeanos e sabeanos do Iraque, Síria, etc. – consideram que o Baptista é que era o
Mestre e que Cristo era apenas um discípulo.

- Os Terapeutas de Alexandria

Trata-se de uma comunidade judaica esotérica instalada em Alexandria e que


se dedicava à cura espiritual, com consequências positivas no domínio da cura física –
ler sobre este tema o livro de Jean-Yves Leloup sobre “Les Theurapeutes” na editora
Albin Michel.

A Cabala hebraica

A Cabala hebraica passa a escrito tradições seculares atribuídas a Abraão,


Moisés, etc., embora elas tenham sido passadas a esrito sobretudo a partir do século
V-VIº. D.C.. Os seus textos principais são o Sefer Yetzirah, o Sepher Zohar e o Sefer
Bahir de que falremos brevemente.

- O Sepher Yetzirah ou Livro da Formação (sécs. III-VI, Israel) é atribuído ao Rabi


Siméon Bar Yochai e ao seu filho Eléazar. Naturalmente, a Cabala hebraica nasce em
Israel e a tradição aponta uma localização mais precisa, a cidade de Safed (ou Sefad),
na Galileia, onde se encontram os túmulos de Siméon e de seu filho , sendo ainda hoje
considerada a cidade dos cabalistas - e que por isso tem recebido a visita de diversos
grupos cabalistas, entre os quais os de new-age como o Kaballah Center de Los Angeles
a que pertence Madonna.

Trecho do S. Yetzirah

“Segundo trinta e dois misteriosos caminhos da Sabedoria, Yah, Senhor dos


Exércitos, Deus vivo e Rei do Mundo (…) gravou e criou o seu mundo (…) Dez sefitoth
belima e vinte e duas letras de fundamento”

Note-se, desde já, a referência à ciência das letras dos números e as


correspondências entre aquelas e estes.

- Sepher Bahir, o Livro da Claridade (séc. XII, Provença)

Trecho do Bahir

“Quais são as dez palavras (os dez “sefirot” de que fala o “Sepher Yetzirah”))? A
primeira é a Coroa (Kether) suprema, Bendita e Glorificada seja o Seu Nom (YHWH)
assim como o seu povo (Israel)… A segunda palavra é a Sabedoria (Hockmah)….

Continua o desenvolvimento desta reflexão sobre letras e números e suas


correspondências mútuas.

- Sepher Zohar, o Livro do Esplendor (séc. XIII, Espanha) – Moshe de Léon

Trecho do Zohar

“A alma (“nephesh”) está intimamente ligada ao corpo que sutenta e mantem;


é em baixo o primeiro impulso. Quando digna dele, torna-se o trono onde se encontra
o espírito (“ruah”)… E quando ambos, a alma e o espírito, se preparam devidamente.,
são dignos de receber a “alma superior” (“neshamah”) que reside, ela própria, no
trono do espírito (“ruah”)… Aprofundando estes graus da alma, consegue-se penetrar
na suprema sabedoria; e só a sabedoria permite assim ligar certos mistérios.”

A Árvore da Vida e os seus Sefirot

(desenho da Árvore da Vida cabalística?)

Basicamente o tema mais comum da Cabbalah hebraica é a Árvore da Vida,


com os seus 10 Sefiroth (plural de Sefirah ou Sefira, esfera) divididos em 4 Mundos que
provêm de regiões do não manifestado absoluto (o Nada, o Vazio de Luz), Ain, Ain Sof
e Ain Sof Aur:

- o Mundo de Atziluih, Mundo supra-celestial, com os 3 Sefiroth superiores, num


triangulo com a ponta virada para cima: 1) Kether, a Coroa; 2) Chockmah, Sabedoria, 3)
Binah, Inteligência;

- o Mundo de Briah, Mundo Celestial, com os 3 Sefiroth seguintes: 4) Chesed,


Misericórdia, 5) Geburah, Julgamento, Força, 6) Tifreth, Beleza, o Coração crístico,
numa leitura cristã esotérica, correspondente ao Chakra cardíaco;

- o Mundo de Yetzirah, Mundo espiritual: 7) Netzach, Eternidade, Vitória, 8) Hod,


Esplendor, Glória, 9) Yesod, Fundamento

- o Mundo de Assiah, Mundo material: 10) Malkuth, Reino

A Cabala tem vários exercícios de meditação, de entre os quais:

- um, harmonizador das dimensões masculina, neutra e feminina, com as 3


letras-mãe, Shin, Aleph, Mem e que inclui o que se pode denominar um “mantra”, com
a emissão de sons (sussurrados) com cada uma delas: sibila-se Shin (o Fogo), depois
sopra-se Aleph (o Ar) e por último vibra-se Mem (a Água), tudo suavemente.
.- o exercício de visualização criadora – proposto por Isaac Luria - denominado
“tikkun”, de regeneração e de reintegração das partículas de luz caídas no interior da
matéria.

Há dois exercícios de meditação mais recentes, sobre a Árvore da Vida, mas


mesmo assim com raízes antigas, propostos numa forma actual em finais do século
XIX, pela organização cabalística inglesa, fundada em 1888, The Hermetic Order of the
Golden Dawn (“A Ordem Hermética da Aurora Dourada”) – que nada tem a ver com
uma organização política grega neo-nazi, dos dias de hoje.

O primeiro deles é o:

- “Raio Flamejante” (Lightening Flash) que se centra na visualização de um raio que


desce repentinamente do vazio luminoso, passando pelos Sefiroth superiores e
percorrendo toda a Árvore da Vida até à Sefira mais baixa, Malkuth.

- “O Caminho da Serpente da Sabedoria” (The Way of the Serpent of Wisdom),


caminho ascensional, lento, que parte de Malkuth e vai até Kether, passando por todos
os Sefiroth e meditando sobre todos eles e sobre os 4 mundos cabalísticos. E como diz
Fernando Pessoa no seu magnífico texto “O Caminho da Serpente – certamente
influenciado, como veremos, pela versão de Aleister Crowley da Golden Dawn, a A. A. ,
“a Serpente quando chega a Deus não para”, “vai além Deus” – frase (aparentemente)
provocadora cujo significado e lógica veremos mais tarde..

Notarikon, Guemátria, Themurah

As equivalências numéricas das letras hebraicas – a Guematria -, a permutação


das letras/consoantes dando significados equivalentes às respectivas palavras –
Temurah - e as letras inciais (e finais) – Notarikon - são métodos cabalísticos para
interpretação dos textos sgrados.

Por exemplo, Cabala é formada por 3 consoantes CBL – em hebraico cabalístico


são as consoantes que interessam – logo é equivalente, por permutação, a CLB, ora
Calb é coração, logo a Cabala – conhecimento tradicional - é um conhecimento que se
recebe no coração, não na mente, sendo por isso um conhecimento espiritual.
Ainda outro exemplo:

Os quatro sentidos das Escrituras são: Peshet, o literal, cuja inicial é P; Remetz,
o sentio alegórico, com inicial R; Derasha, sentido talmúdico, moral, com inicial D; Sod,
sentido secreto, cuja inicial é D. Ora PRDS são as iniciais de Pardés, Paraíso, o que quer
dizer que quando lermos os textos sagrados unindo todos eles no último, no mais
profundo deles, atingiremos o Paraíso.
Vº. CAPÍTULO

OS ESOTERISMOS DAS TRÊS RELIGIÕES DO LIVRO – 2 - A GNOSE CRISTÃ

- Gnose cristã

Veremos a seguir alguns dos trechos contidos nos Evangelhos Gnósticos ou


Apócrifos, mas desde já referiremos que no contexto do Novo Testamento poderemos
destacar como grande gnóstico S. Paulo – e o seu “Cristo em nós” – e no dos Padres da
Igreja, S. Clemente de Alexandria e Sto. Ireneu de Lyon – que distingue a “verdadeira”
(a cristã) da “falsa” Gnose (a não cristã), em relação à qual é impiedoso. S. Paulo é, de
facto, o grande teólogo que primeiro valorizou a divindade de Cristo e nos convida a
imitarmos a divindade do Filho, a recriarmos a sua divindade dentro de nós, tema
gmóstico por excelência.

Um exemplo de gnóstico cristão do século IVª., heterodoxo – tendo pago por


isso com a vida, como veremos adiante no capítulo sobre o esoterismo em Portugal -
foi Prisciliano, Bispo de Ávila que toinha sido iniciado por uma mulher Agapê, que por
sua vez tinha sido iniciada por um gnóstico do Egipto, Marcos de Menfis. O prestígio de
Prisciliano como mestre cristão atingiu todo o Noroeste peninsular (incluindo o norte
do futuro Portugal), tendo proposto, entre outras coisas que adienante veremos, que a
leitura dos Evangelhos Gnósticos era tão importante como a dos Canónicos.

Vejamos então algumas passagens dos Evangelhos Gnósticos cristãos (da escola
valentiniana), descobertos a seguir à 2ª. Guerra Mundial, no Alto Egipto, em Nag-
Hammadi, tudo indicando que pertencesse à biblioteca de um antigo mosteiro copta
da região:

- Evangelho segundo Filipe

- Adquire a ressurreição em vida, tema maior dos gnosticismos

“Aqueles que dizem que o Senhor primeiro morreu e depois ressuscitou estão
enganados, pois ele primeiro ressuscitou, depois morreu. Se a pessoa primeiro obtem
ressurreição não morrerá…”
“Enquanto existirmos neste mundo devemos adquirir ressurreição, a fim de que ao
despirmos a carne nos encontremos em repouso e não entremos no ponto do meio,
pois muitos se perdem ao longo do caminho”

- Outro tema, Maria Madalena, a sua companheira (?), e - independente da


relação de afectividade que tinha com ela -, a maior, melhor, talvez o maior dos
discípulos:

“Três mulheres costumavam andar sempre com o Senhor - Maria, sua mãe, sua irmã, e
a Madalena, que é chamada sua companheira. Pois Maria é o nome de sua irmã e de
sua mãe e é o nome de sua parceira”

“A Sabedoria que é chamada de sabedoria estéril é a mãe (dos) anjos. E a companheira


de (…) Maria Madalena. O (…amou) a mais do que (todos) os discípulos, (e ele
costumava) beija-la na sua (…mais) vezes do que o resto dos (discípulos)… Eles lhe
disseram: “Porque a amas mais do que a todos nós?”, O Salvador respondeu, dizendo-
lhes: “Porque não amo vocês como a ela? Se uma pessoa cega e uma que enxerga
estão ambas nas trevas, elas não são diferentes uma da outra. Quando vier a luz, então
a pessoa que enxerga verá a luz, e a cega permanecerá nas trevas”

Evangelho segundo Tomé

- Crítica à ansiosa espera do Reino dos Céus no tempo linear e a potencialidade


do Reino aqui e agora, pois “o Reino já está dentro de nós”:

“Mas o Reino está dentro de vós. E está fora de vós. Qundo vos tornardes conhecidos
de vós mesmos então sereis reconhecidos. E compreendereis que vós é que sois filhos
do Pai vivente”

”Seus discípulos disseram-lhe: Quando virá o Reino? (Jesus disse): Não é por ser
esperado que ele virá. (…) O Reino do Pai está espalhado pela terra e as pessoas não o
vêm”

- A unificação, a integração indispensável à Salvação:


“Quando de dois fizerdes um, e fizerdes o interior como o exterior e o exterior como o
interior, e o acima como o em baixo, e fizerdes o macho o a fêmea serem um e o
mesmo (…) então entrareis em (o Reino)”

“ Quando fizerdes dos dois um, vos tornareis filhos do Homem”

Alguma Gnose cristã considera que Jesus só em determinado momento da sua


vida recebeu o Cristo, o Espírito do Filho de Deus que sobre ele desceu, passando a ser
Jesus o Cristo:

“Além disso, Jesus tendo sido gerado de uma virgem mediante intervenção de Deus,
era mais sábio, mais puro e mais justo que todos os outros seres humanos. O ungido
(Cristo), combinado com a Sabedoria (Sofia) desceu nele e assim foi feito Jesus Cristo

- Sto. Irineu e Epifanio

Embora gnóstico cristão, adepto da “verdadeira Gnose”, Sto. Ireneu de Lyon


(“Contra as Heresias”) combateu os outros gnosticismos mesmo os cristãos, que
pertenciam à “falsa Gnose” como eram denominadas essas correntes pelos Padres da
Igreja Ocidental. Por seu turno, Epifanio deu um testemunho - que não sabemos se foi
objectivo, provavelmente foi parcial - de certas doutrinas gnósticas, particularmente as
que eram chamadas de “licenciosas” pelos Padres da Igreja.

Mas a maior parte das correntes gnósticas eram cristãs e não tinham esse tipo
de comportamentos “licenciosos” dessas correntes minoritárias que – Ofitas,
Carpocratianos, etc. Pelo contrário, as comunidades gnósticas cristãs, maioritárias a
partir do 3º. século, eram ascéticas.

Os Evangelhos Gnósticos (Apócrifos)

Estes Evangelhos foram encontrados em grande número a seguir à 2ªª. Grande


Guerra em Nag-Hammadi no Alto Egipto, quando um pastor procurava encontrar umas
cabras tresmalhadas, tendo-se deparado com uma verdadeira biblioteca que deveria
pertencer a uma mosteiro cristão gnóstico. Hoje admite-se que a comunidade era
valentinina, que reunia seguidores do gnóstico cristão Valentino.

Evangelho de Filipe

É este Evangelho que refere que “Jesus costumava beijar Maria…” (alguns
perguntam-se se na boca) o que dará pretexto a muita especulação – desde a mais
feliz à menos feliz… - sobre a relação entre Jesus Cristo e Maria de Magdala (localidade
junto ao Lago Tiberíades ou Mar da Galileia). Maria Magdalena, era sem dúvida uma
mulher extraordinária que Jesus admirava – ela foi a primeira testemunha da
ressurreição de Cristo, o que é altamente significativo da sua qualidade espiritual e da
sua proximidade com Cristo - e amava. Sabemos pelo Credo cristão que Jesus era
“verdadeiro Deus e verdadeiro Homem”, pelo que pessoalmente admitimos, sem
escândalo, que o Filho de Deus pudesse amar Maria também fisicamente.

Um tema muito presente nos Evangelhos Gnósticos“ – e muito mais importante


do que a relação entre Jesua e Madalena – é a necessidade imperiosa da aquisição da
resurreição espiritual ainda em vida, antes de morrermos:

“Se não ressuscitardes (espiritualmente) primeiro, depois de morto já será


tarde”

Ev. Tomé

É talvez o mais belos dos Evangelhos Apócrifos, pois contem as palavras do


Salvador (como os Gnósticos lhe chamavam), não mencionando o enredo, isto é,
despojadas da história – o que se compreende já que para os gnósticos o que se
passava neste mundo material era menos importante do que a mensagem espiritual. É
de salientar que essas palavras de Jesus se encontram também nos Evangelhos
Canónicos e nas boas edições dos Evangelhos Gnósticos, nomeadamente as do
Evangelho de Tomé (por exemplo a de Bentley Landon e a de Jean-Yves Leloup),
encontramos anotadas à margem os capítulos e versículos dos Evangelhos de Marcos,
Lucas e Mateus onde se encontram as mesmas frases.

Desde logo a necessidade de nos “unificarmos”, de nos integrarmos na nossa


dimensão espiritual que abarcará as outras.
“Se não vos fizerdes um (como as criancinhas), não entrareis no Reino
dos Céus”

Para além da passagem do Evangelho de Filipe com refrências a Maria


Madalena – Maria de Magdala - e à relação de Jesus com ela, é muito interessante
considerar um outro Evangelho que a ela se refere e que não fazia parte da Biblioteca
de Nag Hammadi, o Evangelho de Maria

Trecho do Ev. De Maria

Maria Madalena dá conta nesse Evangelho apócrifo (escondido) dos


ensinamentos que Jesus Cristo lhe confiou e que têm a ver com a visão transcendente
das regiões supra-celestiais que ele teve durante a sua morte e ressurreição. Os
discípulos, particularmente Pedro desconfiaram do que ela lhes disse dizendo “então o
Salvador nunca nos disse nada disto e ia confiar-lhos a ela, uma mulher?”, ao que
Maria Madalena disse, a chorar “Julgam que eu inventei tudo isto e que vos estou a
mentir?”. Apenas Levi saiu em socorro dela criticando Pedro e dizendo “se o Salvador
lhe disse estas coisas é porque a julgou digna de tal”.

- Prisciliano de Ávila e o Cristianismo do século IV no Nordeste Peninsular

O Cristianismo do século IVº. No Noroeste peninsular era centrado na figura e


na prática do Bispo de Ávila, Prisciliano. Iniciado por uma mulher, Âgapé, a qual por
sua vez tinha recebido iniciação de um gnóstico do Egipto, Prisciliano faz uma síntese
entre um cristianismo gnóstico e cultos estelares peninsulares. Os seus seguidores,
homens e mulheres reuniam-se nos campos e nas montanhas e a eucaristia podia ser
levada para casa e aí consumida. É condenado no <Concílio de Toledo pelos outros
bispos mas vai a Roma – num percurso que, segundo alguns, deitou as sementes para
um catarismo posterior – e aí o Papa ilibou-o da acusação. Regressou `Península e
voltou a ser condenado, desta vez à morte juntamente com alguns dos seus mais
próximos colaboradores. Os seus textos estão publicados – em Portugal, na Imprensa
Nacional/Casa da Moeda - e um deles, sobre a Fé – De Fide – afirma que é tão útil
para o cristão a leitura dos Evangelhos gnósticos, “apócrifos”, como a leitura dos
Evangelhos canónicos…e isto no séc. IV! De qualquer modo diz a tradição que os
priscilianistas tinham um lema: ”Jura, jura e perjura, mas não digas a verdade!”.
Segundo alguns, é Prisciliano que está enterrado em Compostela e não São Tiago que
nunca saiu da Palestina.
VIº. CAPÍTULO

OS ESOTERISMOS DAS TRÊS RELIGIÕES DO LIVRO – 3 - O SUFISMO

O ISLÃO e os 5 pilares

Os 5 pilares do Islão são: as 5 orações diárias o jejum pelo Ramadão, a esmola,


a peregrinação a Meca (pelo menos uma vez na vida) e a Unicidade: só existe um Deus
e esse Deus é Allah.

- Os Califados, o Sunismo e o Xiismo

Quando o Profeta morreu, sucedeu-lhe Abu Bakr e depois Omar, Osman e por
fim Ali que deveria ter sido o primeiro – era casado com a filha de Maomeh, Fátima –
mas foi preterido perante a indignação dos seus partidários, os “shia”. Ainda maiores
motivos de indignação foram dados aos “xiitas” quando Ali assumiu o califado e foi
morto, pouco depois, juntamente com o seu filho Hussein. Todos estes
acontecimentos para além da indignação que geraram, provocaram uma cisão que
perdura até hoje entre os Sunitas (maioritários) e os Xiitas (minoritários); além disso
anualmente nas cidades iraquianas, santuários dos xiitas, já que contêm os túmulos de
Ali e seu filho, são celebradas até hoje o seus martírios, com procissões de fiéis
flagelando-se com objectos metálicos e deitando sangue das feridas neles próprios
assim povocadas.

Os califados foram, sucessivamente, os seguintes: Omeíada, Abássida e


Fatimida (xiita/ismaelita), sendo o último dos quais o Otomano (turco).

O Sunismo assenta na “Suna”, ou lei, que se restringe ao sagrado Corão e aos


ditos, “hadith”, proferidos pelo Profeta.

O Xiismo já admite uma interpretação das escrituras sagradas, isto é, para ele a
revelação corânica não está fechada. O Xiismo tem dois temas importantes: o imame
escondido, ocultado e o mahdi (uma espécie de messias)

Há dois ramos principais do Xiismo:


- O xiismo duodecimaniano, maioritário – com uma forte imamologia
que é a doutrina do Imam, o Mahdi, que virá no final dos tempos;

- O Xiismo septimaniano (aceita apenas 7 Imames) do qual a corrente


mais importante é o Ismaelismo; o ismaelismo fatimida teve o Califado com seu nome
e sede no Cairo e grande esplendor intelectual e espiritual; o ismaelismo reformado de
Alamut – “A Grande Ressurreição de Alamut” - tem a ver com uma confraria iniciática,
assim denominada “dos Assassinos” (de “Assass”, Guardião, ou de Hashish?), que era
comandada pelo “Velho da Montanha”, sendio o mais célebre Issam i-Sabah que
governava a confraria a partir da sua sede em Alamut, a norte de Teerão. Os fiéis não
tinham medo de morrer pois acreditavam que já tinham atingido a ressurreição em
vida (perspectiva gnóstica).

O Sufismo do Norte e o Sufismo do Sul

O Sufismo é o esoterismo do Islão e existe tanto no Sunismo (Ibn’Arabi, por


exemplo) como no Xiismo (por exemplo, Sohravardi de Alepo).

O Sufismo do Sul desenvolveu-se em zonas onde tinha havido uma expansão do


cristianismo, logo privilegia o Amor e o apagamento (“fanã”) progressivo e suave do
ego, enquanto que o Sufismo do Norte se desenvolveu em zonas mais orientais, onde
em algumas delas quais havia influência do Hinduísmo e do Budismo, como na Ásia
Central, privilegiando o trabalho intenso sobre o ego e assumindo por vezes uma
grande exigência e dureza com as dimensões física e psicológica da personalidade.

Os grandes Mestres: Hallaj, Ibn’Arabi, Rumi, Attar,Al-Ghazali, Sohrawardi

- Al-Hallaj: proclamou a sua interioridade divina, “eu sou Deus” e por isso foi morto
pela ortodoxia muçulmana.

- Ibn’Arabi (natural de Murcia) foi considerado o Sheik Al-Akbar, o “maior dos


Cheiques” e deixou uma obra considerável que foi estudada magistralmente por Henry
Corbin (cf. “L’Imagination créatrice dans le Soufisme d’Ibn Arabi”). Arabi refere que
aprendeu com um livro do silvense Ibn’Cassi – que adiante referiremos.
No domínio da filosofia sufi deveremos mencionar Jabir (Geber) e a Alquimia e
ainda a Enciclopédia dos Irmãos da Pureza. Avicena e o seu “relato visionário” (cf. O
estudo de Henry Corbin “Avicenne et le récit visionaire”) é um nome interessante que
se opõe de certa maneira ao aristotelismo de Averroés.

Falemos agora desse grande nome da política e da espiritualidade que foi Ibn’
Qassi de Silves que podemos filiar no sufismo da Andaluzia particularmente na escola
de Ibn’ Massarrah (cf. Histoire de la Philosophie islamique” de Henry Corbin). Rei do
Baixo-Alentejo e do Algarve (o Garb do Al-Andalus), de 1141 a 1151, nasceu em Silves,
reinou em Silves e morreu assassinado em Silves. Foi um destemido adversário dos
Almorávidas e sobretudo dos Almoadas, berberes tiranos que seguiam a versão mais
rigorista do Islão e que se opunham às outras correntes muçulmanas e também à
exuberância das formas culturais que se desenvolveram no Al-Andalus.

Fatimida – não esqueçamos o Califado Fatimida, ismaelita, com sede no Cairo e


com grande esplendor cultural, como as “Epístolas dos Irmãos da Sinceridade (séc. IX)
-,logo um xiita septimaniano, Ibn’Cassi foi chefe da Confraria de Cavaria espiritual
(equivalente muçulmano dos Templários), os Muridines, os “discípulos” ou “adeptos”,
que tinham a sede, o “Ribat”, em Jila – agora identificada, pelos arqueólogos Varela
Gomes, em Arrifana (Aljazur), sobre o mar. Deixou um notável tratado de sufismo, o
“Descalçar das Sandálias” (que Adalberto Alves comentou em “As Sandálias do
Mestre”, obra que eu tive o prazer de apresentar quando foi editada pela extinta Ed.
Hugin e que posteriormente foi editada pela Ésquilo), obra que Ibn’Arabi cita como o
tendo influenciado.

Breve trecho do Descalçar das Sandálias de Ib’Cassi de Silves

“ Quem observa com o olhar da Beleza (que é o dos) gnósticos contempla a


totalidade da árvore da sabedoria e da religião bem como o fruto autêntico e a crença
firme que das alturas desce até ao véu espesso e tenaz da existência mundanal. A raíz
(dos gnósticos) é sólida, o seu ramo alcança o céu e o seu alimento chega a toda a
parte…” (in Adalberto Alves, op. cit., p. 393). Nota: gnósticos em árabe é “maruf”.
Ibn´Cassi foi um herói libertador do povo do Sul daquilo que seria Portugal,
lutando contra os tiranos Almoadas, acabando por ser morto no Castelo de Silves com
a acusação de que era o “mahdi dos cristãos”, ele que segundo a tradição promovia o
chamamento para a oração de 6ª. F Santa do Islão, numa dimensão ecuménica,
através de duas personagens no minarete, Jesus e João Baptista. A sua morte trágica e
extremamente injusta para os seus seguidores deve ter deixado nestes a esperança de
que ele regressasse não como o mahdi do fim dos tempos mas como um mahdi
intercalar. Em nossa opinião a morte de Ibn’Cassi e a esperança do seu regresso é uma
das raízes do nosso sebastianismo – mas uma raíz histórica, ao contrário das raízes
céltica e judaica que também devem ser consideradas.

Há um enigma histórico em torno deste grande rei e sufi pois enquanto que os
livros muçulmanos coevos afirmam que D. Afonso Henriques, o “Ibn’ Anrique”, lhe
ofereceu um cavalo, uma lança e um escudo, nenhum dos livros cristãos menciona
esse eventual e subtil gesto de oferta de uma aliança entre o rei de Portugal e o rei de
Silves contra um inimigo comum, os Almoadas.

- Rumi e os Mawlanyia

Rumi – conhecido como o Mawlana - nasceu no Afeganistão mas veio com o


seu pai para ocidente instalando-se por fim na Turquia onde fundou a confraria dos
Mawlanyia. Esta confraria tem uma vertente de música e dança sagradas que é
praticada pelos Derviches rodopiantes, a qual pretende simular a dança das esferas
cósmicas e a harmonia e a energia do Cosmos com a qual devemos estar em sintonia.
A sede da Confraria é em Konya, na Turquia central.

Atribuem a Rumi a seguinte história: quando ele era jovem apaixonara-se por
uma bela rapariga, mas sendo ele muito tímido, não tinha coragem para lhe dirigir a
palavra, até que um dia transcendendo a sua timidez bateu à porta da casa da jovem
na esperança de a ver e de lhe falar. Bateu e logo ouviu a sua voz feminina que
perguntou “Quem bate?” ao que ele respondeu: “Eu sou Ibn’Arabi e gostaria de falar
um pouco contigo”, mas a porta não se abriu. Anos mais tarde e tendo crescido
espiritualmente, ele regressa e decide saber se ela ainda estava viva pois gostaria de a
rever. Bateu, então, à porta e uma voz feminina perguntou “Quem é?”, ao que ele
respondeu “Eu, que sou tu” e a porta abriu-se finalmente ao fim de tantos anos de
aprendizagem espiritual.

- Sohravardi e o Oriente das Luzes e os Ishraqyn

Sohravardi de Alepo é o grande nome da “teosofia oriental” e dos “ishraqyn” –


“ishraq” é o oriente.

- Os Bekthashis e O Livro da Lucidez Implacável

Confraria sufi turca, os Bekhtasis promovem como prática iniciática a “lucidez


implacável”, muito próxima do Budismo e da sua “Presença consciente”,

- Nashroddin

Os contos de Nashrodin são de um humor notável e constituem ensinamentos


preciosos de natureza espiritual e iniciática. Eis um deles: um dia um homem
regressava a casa de um encontro com amigos e perto da entrada tentou encontrar
nos bolsos a chave da porta da casa, mas em vão. Chegou um outro homem que lhe
perguntou o que se passava e desde logo começou a ajuda-lo nas buscas não fosse ele
ter deixado cair a chave em algum sítio próximo. Mais um outro homem chegou e
prestável ajudou nas buscas até que um último que acabara de chegar perguntou: “o
senhor tem a certeza de que terá deixado cair a chave aqui? Não meu amigo, mas é
aqui que está um candeeiro”. De facto nós só procuramos encontrar as coisas em
zonas iluminadas e raramente nos aventuramos a busca-las em zonas sombrias…

- Os Naqshabandiys da Ásia Central (Afeganistão, Tadjiquistão, etc.)

É uma confraria sufi que, pertencendo ao Sufismo do Norte é extremamente


rigorosa com o ego, seguindo práticas muito próximas do Budismo que atingiu a Ásia
Central. A vigilância sobre os pensamentos, a Presença Consciente, o “estar só entre a
multidão”, são alguns dos preceitos desta via. Conheci, em França, a sua corrente do
Ouaysis.

O Dihkr (Zihkr)
É uma prática espiritual que os sufis utilizam frequentemente e que consiste
em meditações com mantras. Como não faz parte da tradição corânica, os
fundamentalistas radicais – wahabistas e deobandistas - atacaram-na, atacando assim
o sufismo que eles detestam.
VIIº. CAPÍTULO

A IDADE MÉDIA ALQUIMIA,MAGIA E ASTROLOGIIA. OS TEMPLÁRIOS E OS


CONSTRUTORES DE CATEDRAIS. CÁTAROS E FIÉIS DO AMOR. A DEMANDA DO GRAAL E
A CAVALARIA.

Na Idade Média desenvolvem-se as três disciplinas do esoterismo ocidental


tradicional, a Magia, a Alquimia e a Astrologia

- Magia

Tem uma vertente, que á a sua origem, popular, rural e arcaica que é estudada
pela antropologia e a etnologia e outra, erudita mas também antiga, mais ligada ao
universo das religiões e da filosofia. Pode ser individual ou colectiva, benéfica ou
maléfica.

A etnologia costuma distinguir a Bruxaria, que não é maléfica em si mesma e a


Feitiçaria, essa sim destinada em geral a provocar dano físico ou metafísico nos outros.

- Alquimia

As origens arcaicas parecem residir no trabalho dos ferreiros – ver “Ferreiros e


alquimistas” de Mircea Eliade) – os quais na forja, transformam aos metais, como um
demiurgo. Daí o carácter sagrado dos ferreiros que nas civilizações tradicionais eram
temidos pelo poder que tinham sobre a matéria.

A origem da Alquimia no contexto ocidental parece ser babilónica (cf.


“LÁlchimie babylonique” de Mircea Eliade), tendo-se desenvolvido no Egipto e
posteriormente passado aos árabes invasores que a desenvolveram na sua dimensão
química – Geber ou Djabir e a sua “Ciência das Balanças”. Passou depois à Europa
cristã tendo sido traduzidos para o latim muitos tratados alquímicos árabes.

Trecho de Aurora Consurgens

Não se pode ignorar, no entanto, a importância das alquimias orientais, a


indiana – tântrica, quer hinduísta, quer budista - e a chinesa, taoista. Estas alquimias
situam-se também, para além da sua dimensão física, no plano do trabalho com as
energias do corpo, desencadeadas e potenciadas por práticas diversas, entre as quais
as respiratórias, de meditação e sexuais. A questão é saber se elas terão influenciado
as alquimias ocidentais pois na verdade não é visível, nestas – mas poderia estar oculta
– uma leitura alquímico-sexual, a não ser a partir do século XIX.

Costuma propor-se uma classificação das diversas alquimias em:

- físicas, laboratoriais (onde se “labora” e ora”), embora o objectivo não seja


apenas físico, mas sim espiritual

- psicológicas, ou psico-espirituais, muito em voga a partir do século XIX e


particularmente com as novas espiritualidades da segunda metade do século XX (new
age, etc.)

- “internas”, ou “das substâncias”, na qual as práticas atrás mencionadas nas


alquimias orientai conduzem à elaboração das substâncias, segregadas pelo próprio
organismo que é, assim, um verdadeiro Athanor ou forno alquímico.

Na Idade Média a maior parte dos textos alquímicos referem-se a uma prática
laboratorial de evolução da matéria através do despertar do “fogo secreto” contido no
seu interior. Para isso alguns sais serão adicionados à matéria primeira da Obra, a fim
de captarem o Espírito Universal.

Continuaremos a falar da Alquimia em Capítulos posteriores

- Astrologia

A Astrologia medieval é “judiciária”, procurando saber o que vai acontecer com


pessoas, soberanos e nações. Só mais tarde a partir do século XIX é que se estabelece
uma astrologia de interpretação psicológica. Também veremos mais tarde os seus
desenvolvimentos.

- Os Companheiros construtores medievais


Os companheiros construtores medievais associavam-se em corporações cujas
reuniões se desenrolavam num contexto cristão – a Corporação dos Construtores de
Estrasburgo (séc. >XIV-XV) começava as suas reuniões com a invocação da Santíssima
Trintde e uma oração à Virgem Maria. Depois tratavam-se as questões do ofício.

Aprendizes e Companheiros eram os dois graus da maior parte dos


Construtores, os “maçons” (pedreiros em francês) medievais. Os Mestres deviam fazer
prova da sua maestria, através da elaboração de uma “obra-prima”.

Há quem afirme (p.e., Robert Ambelain) que estas corporações cristãs


medievais de construtores tinham como antecedentes os Collegia Fabrorum romanos
e as Confrarias de ferreiros do Monte Sinai.

- Os Templários

Os Templários foram criados na Terra santa – em Jerusalém, onde nove


cavaleiros, comandados por Hughes de Payns, estiveram nove anos alojados nas
antigas cavalariças do Templo de Salomão, preparando a criação da Ordem dos Pobres
Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão – cujo fim era assegurar as rotas dos
peregrinos que se dirigiam para a Terra Santa e aí proteger os lugares santos do
Cristianismo - , cuja Regra foi dada por S. Bernardo de Claraval

De notar que entre os novos cavaleiros que acompanhavam Hughes de Payns,


em Jerusalém, havia um Arnaldo da Rocha e um outro Gondemar, o que leva alguns a
supor que seriam portugueses. De qualquer modo esteve na Palestina um ilustre
templário português que, regressado a Portugal é eleito Mestre da Ordem do Templo
em Portugal. Foi ele Gualdim Pais, que começará a construir o Castelo de Tomar, em
1160, o qual resistirá a alguns cercos dos muçulmanos, entre os quais o do
“Almançor”, de que foi testemunho a Porta do Sangue. Outros Mestres dos Templários
lhe sucederam, entre os quais Pedro Anes e Lourenço Martins.
Bernardo de Claraval escreveu também o “elogio da nova milícia”, De Laude
Novae Militia, e, sendo ele um devoto de Maria, determinou que a mãe de Jesus fosse
a Chefe da Ordem dos Templários, sendo João Baptista o seu Patrono.

Esta questão do Patrono pode explicar a acusação de idolatria que o Rei de


França, em princípio do século XIV, lançou contra os Templários e que levou à sua
prisão em França, na Sexta-feira 13 de Outubro de 1307 e à sua posterior condenação
papal, depois de um processo iníquo que levou à extinção da Ordem do Templo, até
hoje. De facto, entre as acusações diversas que eram feitas aos templários, estava a de
magia, a de homossexualidade, a de cuspirem e pisarem a cruz, etc. e a de adorarem
um ídolo, o “Bafomet, que parecia a cara do demónio. Ora – para além de outras
interpretações que o interpretam como Mahomé, ou como “Bios-fos-metis” – parece
provável a muitos que fosse a imagem da cabeça de S. João Baptista – o seu patrono! –
decapitado por ordem de Salomé, segundo reza a Bíblia; de notar que no calendário
católico existe uma festa anual que é a Degolação de S. João Baptista.

É de referir que a ordem papal – e nessa altura havia dois papas, o de Roma
que o rei de França declarou como herético (!), e o de Avignon que era seu familiar e
que por isso o rei controlava, apesar dos esforços deste papa -, ordem de proibição dos
Templários, não foi cumprida pelo rei de Portugal, D. Diniz, esse grande Rei, nem em
Castela nem em Aragão. Os três reis da Península decidiram não acatar a ordem do
Papa e pedir a constituição de novas Ordens que substituíssem a do Templo. Em
Portugal foi a Ordem de Cristo que se constituiu em 1318 e que teve sede nos seus
primeiros quarenta anos, não em Tomar mas em Castro Marim, regressando sim a
Tomar posteriormente.

De notar que D. Diniz, para além de ter mandado plantar o Pinhal de Leiria –
que, para além de fixar as areias, daria madeira para a construção naval – contratou
um almirante genovês, Pessanha, ainda nós não tínhamos uma frota naval. A tradição
diz que vieram, na noite da prisão dos templários em França, alguns barcos templários
da frota que estava fundeada em La Rochelle, uns para Portugal, outros para a Escócia.
Uns dizem que o tesouro dos templários – outra tradição que não deixa de estar
presente em Tomar com a história de uma certa “louca”, referida por Maurice
Guingand em “O Tesouro dos Templários – Tomar ou Gisors?” - que mais
provavelmente veio para Portugal terão sido as cartas de marear da frota templária
que navegava no Atlântico norte e no Mediterraneo.…

De notar ainda que a Ordem de Cristo – que contou como Mestres como
Rodrigo Anes, Gil Martins, entre outros - teve um período de ouro em Tomar com a
administração do Infante D. Henrique que, congregando as competências técnico-
científicas e financeiras das outras comunidades, a judaica - em Tomar havia a Judiaria
e ainda há a Sinagoga, a mais antiga de Portugal - e a muçulmana, ambas com os seus
cartógrafos, navegadores e financeiros, planeou a empresa dos Descobrimentos. Cada
caravela era capitaneada por um Cavaleiro da Ordem de Cristo (nunca houve muitos, o
seu número nunca ultrapassou os cem).

Infelizmente no começo do século XVI, D. João III (que sucedeu a D. Manuel I),
ordenou a Frei António de Lisboa que procedesse a uma reforma da Ordem de Cristo,
que consistiu numa “castração” da mesma (a expressão é de António Quadros em
“Portugal, Razão e Mistério”), passando os monges-guerreiros a serem apenas
monges, rejeitando a acção e centrando-se exclusivamente na comtemplação e na
oração. Além disso, na senda de um Filipe o Belo, dando corpo a um indisfarçável ódio
pela Ordem do Templo, mandou retirar os túmulos dos Mestres dos Templários
portugueses que estavam sepultados na Igreja de Santa Maria do Olival (ou dos
Olivais), ainda em Tomar, do outro lado do rio Nabão., que era um verdadeiro panteão
templário. A única lápide tumular que subsiste é é a de Gualdim Pais, mas entretanto e
recentemente, uma organização templária, a Templanima, numa bela homenagem,
decidiu colocar nesta Igreja uma placa metálica com os nomes dos Mestres templários
que lá estavam sepultados

É de notar a importância que a Ordem do Templo teve na expansão para sul do


Reino de Portugal, acompanhando as batalhas que os sobranos travavam. Do mesmo
modo, a Ordem de Cristo esteve associada à expansão marítima, verdadeira Gesta, dos
portugueses.

Os construtores de catedrais medievais


Segundo Robert Ambelain, as corporações medievais de pedreiros podiam ter
antepassados artesanais, quer nas loggia romanas de pedreiros, quer nas corporações
de ferreiros do Monte Sinai. Mas, é claro, que foram as corporações de construtores
medievais que adquiriram um enorme prestígio pela imponência e beleza das suas
obras arquitectónicas nas quais eram utilizados os segredos da geometria e da
arquitectura sagradas que os antigos, como Vitrúvio, ainda possuíam - o número de
ouro, a divina proporção, etc. Os artesãos tinham antigamente uma dimensão sagrada:
o vidreiro a fazer o vidro e a dar-lhe formas, marceneiro escolhendo e trabalhando a
madeira, o ferreiro, mestre da forja dando forma aos metais e ligas metálica e o
pedreiro escolhendo e talhando a pedra de modo a que ela se pudesse encaixar
harmoniosamente num conjunto de outras pedras de molde a construir a obra traçada
pelo arquitexto, todos eles são de algum modo demiurgos, criadores de uma obra no
microcosmo – como o serão num plano ainda mais ambicioso os alquimistas.

As corporações de pedreiros – em francês, os maçons – medievais reuniam-se


para tratar de defesa da sua profissão e dos seus interesses profissionais. As reuniões
abriam e terminavam com uma oração cristã e esta norma durou pelo menosi até ao
século XV – como o demonstram as actas das reuniões da Corporação dos pedreiros de
Estrasburgo onde eram rezadas orações à Santíssima Trindade e à Virgem Maria.

As marcas de pedreiros das catedrais e igrejas são para muitos um enigma


simbólico, já que podemos ver nelas patas de ganços, “chifre de catre”, suásticas,
espirais, cruzes, etc. A versão mais divulgada é a de que cada pedreiro tinha a sua
marca que colocava nas pedras que trabalhava, para poder receber o seu salário do
mestre de obras. São célebres as grande catedrais europeias pelas suas siglas de
pedreiros e Portugal também as tem na Batalha, nos Jerónimos, etc. No entanto existe
uma igreja datada do começo da nacionalidade ou mesmo antes, a “capela das siglas”,
perto de Castro d’Aire, que segundo Fernando Teixeira que a estudou e publicou uma
monografia sobre ela, deve ser das que mais siglas apresenta.

A maçonaria moderna – dos pedreiros livres, dos “freemasons”, dos “franc-


maçons”, dos “franco-masones”, dos “freimaurer” - refere-se à medieval como a sua
antepassada – a dos pedreiros, dos “masons”, dos “maçons”, dos “masones”, dos
“maurer” -, mas na verdade não se pode estabelecer uma continuidade global entre
uma e outra. Como veremos, houve lojas operativas que receberam maçons não-
operativos – em meados do século XVII temos, atestadamente, a entrada de um
maçon “aceite”, o rosa-cruz Elias Ashmole, numa Loja inglesa – mas houve lojas
modernas sem raíz operativa, a não ser a de desejarem ser construtores, não de
catedrais, mas num plano simbólico, construtores de homens e da sociedade.

- Os Cátaros

Os Cátaros e os Albignses desenvolvem uma florescente civilização no Sul de


França, mais propriamente no Languedoc e são seguidores de uma heresia que se
espalhou, vinda do Médio Oriente, pelo sul da Europa: na Bulgária, os Bogomilos, na
Itália, os Patarinos – recordemos o romance de Humberto Eco, “O nome da rosa”.

Esta heresia tem como origem longínqua o gnosticismo radical e mais


concretamente o Maniqueísmo – a primeira religião global, que se estendeu até à Chin
-, no qual existe uma dualidade absoluta entre dois princípios opostos, o Bem e o Mal.
Tinham uma liturgia própria com a imposição das mãos, o Consolamentum que
simbolizava a descida o Espírito Santo sobre o fiel, o “puro” (cátaro). Criticavam
violentamente o poder dos bispos e papas e as suas riquezas e rejeitavam que Cristo
pudesse ter incarnado neste mundo material o que para eles constituiria uma
verdadeira ofensa. Ao mesmo tempo criticavam fortemente o poder e a ostentação de
alguns bispos e do próprio papa, o que originou, juntamente com as suas posições
teológicas e litúrgicas, a perseguição da Igreja.

A primeira Cruzada é contra os Cátaros, desencadeada após terem falhado os


esforços de conversão de S. Domingos de Gusmão. Este está ainda associado à criação
da temida Inquisição, dura realidade que se exerceu desde logo contra os Cátaros e os
Albigenses.

Há uma anedota histórica que é referida amiúde e que nos conta que um
cruzado ao chegar a uma vila ou cidade cátara terá perguntado ao Bispo que
acompanhava a tropa: “Eminência dizei-nos, de entre a população, quais são os
cátaros para que podermos prendê-los ou mata-los? Ao que o bispo respondeu: Mata-
os todos, Deus reconhecerá os seus!”.

- Os Fiéis do Amor

O amor como Demanda inciática, instrumento de revelação da nossa dimensão


espiritual, através do amor do outro, é um tema universal, de oriente a ocidente. No
que diz respeito ao Ocidente referiremos o importante estudo de Denis de
Rougemont, “O Amor e o Ocidente” e no que diz respeito ao Oriente é de referir,
numa dimensão mais sexual, o livro de Julius Evola, .

As Cantigas de Amigo têm a ver com este universos e dentre elas lembremos
uma de D. Dinis, com o seguinte trecho:

“Leonoreta fin roseta bela sobre toda a flor/ fin roseta não me meta em tal coi
vossa amor…”

Leonor de Aquitânia era uma Fiel do Amor e organizava na sua corte saraus de
poesia trovadoresca e Cortes do Amor, provas de amor em que os amantes eram
julgados e condenados, se não amavam devidamente as/os suas/seus amadas/os.

- A Demanda do Graal

O Graal é um objecto simbólico e mítico representado, na tradição cristã, pela


Taça em que José de Arimateia – homem rico, em cujo túmulo o corpo de Jesus foi
depositado - recolheu o sangue de Cristo, sangue sacrificial, derramado para salvar a
humanidade, logo sangue regenerador. A Demanda do Graal simboliza a busca de um
objecto religioso e mágico que muitos localizam aqui e acolá (os nossos vizinhos
espanhóis pediram ao Vaticano que confirme que le está na Catedral de Valência…),
indo outros – como “O Código de Da Vinci” - ao ponto de dizer que o Graal é o útero e
o ventre de Maria Madalena que estaria grávida de Cristo, tendo dado à luz um filho o
Salvador…
VIIIº. CAPÍTULO

DO RENASCIMENTO AO SÉCULO XVII

- O Hermetismo Renascentista; Cosme de Medici e a tradução do “Corpus


Hermeticum” por Marcillo Ficcino; Giordano Bruno e a tradição hermética (cf. Frances
Yates)

O Hermetismo teve uma segunda vida – depois da primeira, em Alexandria – no


Renascimento, concretamente e sobretudo na Corte de Cosme de Médicis que
mandou Marcilo Ficcino traduzir o Corpus Hermeticum.

Como hermetistas do Renascimento podemos citar eminentes nomes como


Picco dela Mirandula e Giordano Bruno. O primeiro com as suas “Conclusões mágicas e
cabalísticas” e o “Discurso sobre a dignidade do Homem” que muitos interpretam
como um discurso anti-religioso mas que trata de uma dignidade que provem da
dimensão sagrada do Homem – daquele germe da divindade de que fala o hermetismo
e o gnosticismo. Quanto a Giordano Bruno não é demais aconselhar a leitura do livro
da já falecida Profª. Frances Yates “Giordano Bruno e a tradição hermética” (Ed.
Pensamento).

No contexto da Cabala Cristã que emerge no Renascimento – e que pretende


provar os dogmas do Cristianismo através da Cabala -, para além de Pico della
Mirandola, teremos de citar Knorr von Rosenroth. Exemplo: a letra hebraica “shin” ao
descer no centro do Tetragrama divino YHWH dá Yeshouah, logo Jesus o Cristo é Filho
de Deus.

- A Teosofia Cristã, de “O peregrino Querubínico” de Angelus Silesius

Este autor retoma o tema do Deus interior, tão caro à Gnose toda ela e ao
Cristianismo gnóstico em particular, e que S. Paulo foi o primeiro a afirma-lo no Novo
Testamento, “o Cristo em nós”, promessa da ressurreição espiritual que está acessível
ao Cristão.
Assim, Ângelus Silesius proclama (ver versão portuguesa intitulada “A Rosa sem
porquê”, traduzida, entre outros por José Augusto Mourão), numa grande e salutar
provocação:

“Que te importa a ti que Cristo nasça mil vezes em Belém, se ele não nascer
uma vez que seja no tu coração?”

- Jacob Boheme,

Em Jacob Boehme encontramos um claro exemplo da Alquimia mística ou


espiritual, em que os nomes da alquimia operativo-laboratorial ignificam estados da
evolução da alma espiritual.

A Rosa-cruz histórica

Os Manifestos da Rosa-Cruz foram escritos e publicados no começo do séc.


XVII, em 1614, 1615, 1616, respectivamente, “Fama Fraternitatis”, “Confessio
Fraternitatis” e “As Bodas Químicas de Christian Rosencreutz”. O seu autor terá sido o
pastor protestante Johan Valentin Andrea o qual se rodeava de um pequeno grupo de
amigos e seguidores, não havendo nessa altura aquilo a que poderia chamar de uma
Ordem Rosa-cruz, mas sim de uma operção de propaganda e divulgação dos seus
ideais.

“Não tínhamos ainda visto o cadáver de nosso Pai prudente e sábio. Por isso
afastamos para um lado o altar. Então pudemos levantar uma chapa forte de metal
amarelo, e ali estava um belo corpo célebre inteiro e incorrupto (…), e tinha na mão
um pequeno livro em pergaminho, escrito a oiro, intitulado T., que é, depois da Bíblia,
o nosso mais alto tesouro nem deve ser facilmente submetido à censura do mundo”

(Fama Fraternitatis Roseae Cruci – trecho posto por Fernando Pessoa em


exergue ao seu poema “No Túmulo de Christian Rosencreutz”)
Os Manifestos encerram os temas relativos a um cristianismo esotérico,
estabelecido no quadro da Reforma protestante, com forte tonalidade alquímica. O
objectivo é lançar as bases de uma Aliança Evangélica – anti-papista, anti-Habsburgos –
para a criação de uma “sociedade ideal” (cf. Roland Edhigoffer, “Les Rose-croix et la
crise de la concience européenne” e “Les Rose-croix et la societé idéale” e ainda
Robert Vanloo “L’Utopie Rose-Croix”). Tratava-se de transformar, no quadro da
Reforma, transmutar a sociedade no sentido da pureza do ideal cristão, procurando
unir os Estados protestantes da Europa contra o Sacro-Império Romano-germanico.
Após um período de uma certa abertura a essa ideia de uma aliança entre os estados
protestantes, as rivalidades entre eles acabam por comprometer o projecto que, no
fim, não passou de uma ideia entusiástica e generosa (por mais sectária que fosse).

Podemos resumir alguns temas e ideais da Rosa-cruz:

- os Rosa-cruz deviam reunir-se pelo menos uma vez por ano, na Quinta-feira Santa, na
Casa do Espírito Santo – expressão que revela a importância que a Terceira Pessoa da
Trindade cristã tinha para eles;

- tinham, além disso, a obrigação de curar gratuitamente os doentes – o que implicaria


da parte deles, conhecimentos de medicina, incluindo a espagíria paracelsiana e talvez
mesmo de alquimia;

- tinham, ainda, de se adaptar e respeitar a religião do país onde estavam ou


passavam, o que uma tolerância activa, mais do que simples oportunismo, a qual se
aplicava a outras religiões cristãs como o catolicismo ou não cristãs coo o judaísmo e o
islão.

- os seus textos referiam por vezes a esperada vinda de Elias Artista, uma espécie de
Paracleto que viria tutelar a transmutação da sociedade, da natureza e do Cosmos.

Lema da Rosa-Cruz:

“Em Deus nascemos, em Cristo morremos, pelo Espírito Santo ressuscitaremos”


(Ex Deo nascitur, in Jesu morrimur, in Spirito Sancto reviviscimur”)
Este lema afirma o carácter cristão da Rosa-Cruz e a esperança da
transmutação por Obra e Graça do Espírito Santo. Uma vez mais, encontramos a
valorização transformadora da Terceira Pessoa da Trindade, numa corrente esotérica
cristã.

- A expansão das ideias da Rosa-Cruz

Sem que existisse uma organização mas apenas pessoas que aderiram ao seu
ideal, a Rosa-Cruz expandiu-se muito por acção de uma inteligente, mitificadora e
subtil propaganda. Essa expansão desenvolveu-se sobretudo nos meios intelectuais
protestantes mais ligados ao esoterismo. Em Paris surgiram cartazes afixados nas ruas
que diziam; “Nós, o Colégio invisível da Rosa-Cruz…”. Na Alemanha temos um grande
nome como o médico e alquimista Michael Maier, médico do Imperador Rudolfo II, de
Praga. Em Inglaterra Robert Fludd foi um dos eminentes seguidores desta corrente,
mas devemos destacar um “antiquário” inglês – pois estudava as tradições antigas,
havendo mesmo a Sociedade dos Antiquários -, Elias Ashmole de seu nome, que foi um
dos primeiros maçons aceites em Lojas operativas (as do pedreiros).

A entrada progressiva de intelectuais, burgueses e aristocratas – alguns deles


rosa-cruzes - para Lojas operativas ou para novas Lojas que já pouco tinham a ver com
o ofício dos construtores, parece ter sido uma estratégia da Rosa-Cruz para realizar a
transformação social que falhara por projecto próprio. A criação da Maçonaria
moderna, a “especulativa” ou simbólica, terá sido, indirectamente, um projecto
remoto da Rosa-Cruz.

- Emanuel Swedenborg

É outro exemplo, mas já no século XVIII, do esoterismo e da mística cristãs,


neste caso afirmando as realidades angélicas como elemento de aproximação ao
mundo divino (ver a sua obra “Sabedoria angélica”). O sueco Emmanuel Swedenborg
não foi maçon mas discípulos seus fundaram um Rito Swedenborgiano de que foi um
dos responsáveis recentemente o esoterista francês e meu amigo Rémy Boyer.
Karl von Eckartshaiusen

A sua obra “A nuvem sobre o Santuário” (17…) afirma a existência de uma Igreja
Interior, no seio do Cristianismo e a possibilidade de desenvolvimento de um órgão de
visão espiritual interior ao homem, o “sensorium”, para acesso a realidades espirituais.
IXº. CAPÍTULO

O SÉCULO XVIII DAS INICIAÇÕES E A MAÇONARIA ESPECULATIVA

- As origens da Maçonaria especulativa

Quando de fala em “maçonaria especulativa” refere-se aquela corrente


iniciática (e por vezes esotérica) que já não se dedica à construção de edifícios
religiosos ou outros, como a dos construtores medievais, mas sim a que deseja
construir quer o homem, quer a sociedade, segundo um plano espiritual de eficácia no
mundo. Mas quer os maçons medievais, quer os maçons dos séculos XVII e seguintes
pretendem construir, ambos, “à Glória de Deus, “à Glória do Grande Arquitecto do
Universo”, expressão simbólica que se refere a esse plano em que a ordem divina se
projecta no mundo.

Há várias hipóteses propostas para explicar as origens da maçonaria moderna,


a que reside na maçonaria operativa medieval, a que tem a ver com as suas pretensas
origens templárias e, por último, a que propõe a Rosa-Cruz como sendo o motor dessa
criação.

- Origem na maçonaria medieval - pode estabelecer.se claramente uma


inspiração mas só em alguns casos – por exemplo na Inglaterra, com o célebre caso de
Elias Ashmole, em 1644 – é possível estabelecer uma transição real entre a maçonaria
operativa de origem medieval e a maçonaria moderna, especulativa ou simbólica.

- Origem templária – aqui ainda é mais difícil estabelecer uma ligação histórica
entre estes e os maçons modernos. No entanto é de referir que por vezes em tempos
medievais os templários foram patrocinadores de obras sagradas e outras construídas
por corporações de pedreiros. Mas a única pista que se encontrou, segundo temos
conhecimento, foi a presença do esquadro e compasso (para além da cruz templária e
da espada) em túmulos templários no cemitério de Kilmartin na Escócia. De resto
quando o Cavaleiro Ramsay afirma que os “cruzados” são os “antepassados” dos
maçons modernos, trata-se apenas do desejo de filiação espiritual com uma instituição
tão prestigiada como foi a Ordem do Templo. E o facto de os templários terem sido
extintos pela Igreja Católica não trazia nenhum problema para os criadores da
maçonaria, em grande parte protestantes – só a partir de meados do século XVIII é que
muitos maçons tiveram cuidado com esse problema, devido à entrada de muitos
católicos (alguns dos quais sascerdotes), como por exemplo a Estrita Observância
Templária do Barão Carl von Hund e o Regime Escocês Rectificado dos alemães Duque
de Brunswick e Príncipe Carlos de Hasse-Cassel e os católicos franceses Jean-Baptiste
Willermoz e Joseph de Maistre que incluíam muitos católicos nas suas fileiras. O Prof.
Ferrer-Benimelli, jesuíta e historiador refere, na sua obra “Les archives secrets du
Vatican et de la Franc-Maçonnerie”, a existência de milhares nomes de padres e
monges católicos, maçons, desde meados do século XVIII até à Revolução francesa,
incluindo em Abadias como a de Citeaux (França) e a de Melk (Áustria)

- Os rosa-cruzes – esta parece ser a mais directa influência nas origens da


maçonaria moderna, embora não forneça uma explicação para todo o fenómeno –
recordemos que Elias Ashmole, rosa-cruz, foi dos primeiros maçons aceites a entrar
para lojas operativas, ainda em meados do século XVII. De facto, falhado o projecto de
transformação social cristã no quadro da Europa protestante, alguns rosa-cruzes terão
decidido entrar para as lojas maçónicas já existentes. Tratava-se de manter o
imbolismo da construção de uma nova sociedade, velado pelo simbolismo da
construção “à Glória de Deus”, ou “à Glória do Grande Arquitecto do Universo” como
será dito em finais do século XVII e no começo do século XVIII.

- A Maçonaria dos “antigos” tradicionalistas e a dos “modernos” iluministas

Duas correntes estabelecem-se ainda em meados do século XVII, a dos


“antigos” que defendiam – e praticavam – que a maçonaria implicava a crença num
Deus de uma religião revelada – Teísmo -, devendo ser, desde logo e no caso deles,
estritamente cristã, e a dos “modernos”, iluministas, que queriam abrir as lojas
maçónicas a um ecumenismo, em primeiro lugar no seio do cristianismo, juntando
católicos e cristãos, e depois abrindo a outras religiões, a começar pelo judaísmo. Mas
para estes iluministas não era obrigatório ser-se seguidor de uma religião, bastava ser-
se crente, acreditar-se em Deus – Deísmo - num “deus em relação ao qual todos os
homens estão de acordo”, como escreve o Pastor Anderson nas suas Constituições,
documento fundador da maçonaria moderna. A essa imagem de um deus ecuménico,
universal, os maçons deram o nome de “Grande Arquitecto do Universo” – ver o livro
“Mês bien-aimées frères” de Pierre Marion, ilustre maçon e ex-chefe dos Serviços
secretos franceses (DGSE) na época de Miterrand, que começou a sua vida maçónica
no Grande Oriente de França, depois passou para a Grande Loja Nacional Francesa,
terminando asuacarreira maçónica na Grande Loja Unida de Inglaterra.

- O Iluminismo britânico e a Royal Society

É clara a influência do iluminismo britânico – inglês em particular, mas não


apenas, pois é preciso considerar também o escocês – no nascimento da maçonaria
moderna e no surgimento da Grande Loja de Londres – veja-se o excelente livro de
Alain Bauer, meu amigo, Irmão (ex-Grão Mestre do Grande Oriente de França) e colega
(já que foi Presidente do Observatório Francês da Delinquência), “Les origines de la
Franc-maçonnerie: Isac Newton et les Newtoniens”.

Isaac Newton, fundador da ciência moderna, quer na matemática, quer na


física - mas ao mesmo tempo um demandador das antigas tradições, particularmente
da alquimia, área que dominava (ver “Les fondements de l’alchimie de Newton”,
tradução de “The Green Lion’s hunt”, da Profª Betty Dobbs) tendo na sua grande
biblioteca, vários textos de comentários a livros de alquimia, que possuía, escritos por
ele próprio – revelendo um profundo conhecimento da Arte de Hermes - e ainda um
laboratório alquímico num anexo da sua casa em Cambridge, onde era um eminente
professor.; nesse laboratório ocorreu uma explosão que afectou a saúde de Newton.

Os discípulos de Newton, os Newtonianos, estiveram na origem do Iluminismo


britânico – e na criação da Royal Society, a primeira Academia das Ciências do mundo -
e posteriormente, também, na origem da Maçonaria moderna e da criação da Grande
Loja de Londres. Estas características definiam os rosa-cruzes e os newtonianos que
como vanguarda social, política, científica e espiritual que, ao mesmo tempo se
interessavam pelas tradições antigas, preoocupação que vamos encontrar em
membros de outras vanguardas, como veremos adiante.
- As Constituições de Anderson (1723)

Trecho das Constituições

A dimensão social do iluminismo inglês assenta quer nos “Bill of Rights” quer no
“Acto de Tolerância”, documentos que asseguravam os direitos dos cidadãos e dos
seus representantes no Parlamento – e isto em 1691, cem anos antes da Revolução
francesa! Portanto, promovendo a “virtude social” e a crença em Deus – qualquer que
fosse a ideia que tivéssemos dele – a maçonaria nascente em começos do século XVIII
foi um factor de progresso social e da democracia, de tal modo que Voltaire e
Montesquieu viveram refugiados vários anos em Inglaterra, na altura país do
“progresso e das luzes”, pois pelo contrário a grande França da cultura não o era no
domínio político-social, com a sua monarquia absoluta, era pelo contrário e
simbolicamente um país das “trevas”.

- A Grande Loja de Londres (1717) versus a Grande Loja de York.

Nasce assim, em 24 de Junho - dia de S. João Baptista, ou de S. João de Verão -


de 1717 a Grande Loja de Londres, associando 3 e depois 4 lojas que se reuniam em
restaurantes e “pubs” que eram os locais onde os advogados e os solicitadores davam
consultas, entre outras actividades. Muito cedo os máximos responsáveis pela Grande
Loja de Londres foram membros da família real britânica pois, após anos de lutas
fratricidas em séculos anteriores, era bastante conveniente para a Coroa juntar
católicos e protestantes em lojas maçónicas onde, para além dos aspectos espirituais e
simbólicos, eles podiam confraternizar num espírito de concórdia

Paralelamente esta “Grande Loja dos “modernos”, existia as dos “antigos”,


tradicionalistas, que constituíram em meados do século XVIII a Grande Loja de York e
publicaram um livro com as suas constituições, o Ariman Rezon

A maçonaria nascida em Inglaterra em 1717 – embora com raízes iluministas


também na Escócia – teve um papel muito importante nas Ilhas Britânicas mas
também na expansão e valorização dos ideais democráticos e de convivência tolerante
entre diversas posturas filosóficas, políticas e religiosas, nos países para onde cedo se
expandiu, ainda no século XVIII: França, Países Baixos, Alemanha, Países Escandinavos,
Suiça, Itália, Áustria, Espanha, Portugal, etc., e também para as colónias no Novo
Mundo, Estados Unidos em particular – onde encontramos maçons nos dois lados da
barricada na guerra da Independência

- Da Grã-Bretanha, para a Europa e para o Novo Mundo

Desde logo em França, onde se constituiu a Grande Loja de França que nas
vésperas da Revolução Francesa tinha como Grão Mestre o Duque Philippe de Orléans,
o “Filipe Égalité” que será uma das primeiras vítimas da guilhotina. É importante dizer
que a primeira Revolução Francesa, a de 1789, corresponde aos ideais da maçonaria e
nela se empenharam os maçons. Já a época do Terror, também chamada de segunda
Revolução Francesa, a qual começa em 1791, a maçonaria é perseguida e dizimada por
ultra-revolucionários radicais e intolerantes.

Em começos do século XIX a situação de normalidade, embora num quadro


imperial, é restabelecida com Napoleão e os seus irmãos, alguns dos quais maçons, tal
como são maçons alguns dos seus oficiais e generais – incluindo portugueses da
Legião, entre os quais o General Gomes Freire de Andrade, que tinha sido iniciado em
Viena, sua terra natal (o pai era Embaixador de Portugal), na Loja de Mozart. A
maçonaria em França teve até aos nossos dias uma grande importância social, e
política, registando nomes como Renault, Citroen, etc.

Também encontramos portugueses nos primórdios da expansão da maçonaria


para o continente europeu, a começar pelo Conde de Tarouca, Telles da Silva, oficial
que pertencia a uma Loja militar prussiana em ocupação dos Países Baixos (vide Ars
Quatuor Coronatur). De destacar que na Alemanha, Frederico II, Rei da Prússia (o
“Frederico o Grande) teve um papel muito grande na expansão dos ideais maçónicos já
que foi maçon e protector da maçonaria. Existe uma canção, “Friedrich Koenig”, que
era cantada nas lojas prussianas, em louvor deste soberano e cuja autoria era atribuída
a Ludwig van Beethoven – o qual não sabemos se, de facto, foi iniciado mas que os
testemunhos referem que ele queria dar pública nota da sua condição de maçon, ou
pelo menos da sua simpatia pelos valores da maçonaria, o que está patente em
algumas das suas obras.
Maçon foi sem dúvida Wolfgang Amadeus Mozart que foi iniciado numa Loja
de Viena de Àustria – a mesma a que pertencia o nosso Gomes Freire (que no registo
ou quadro de loja aparece com o nome de Gomes Freire de “Entrada” e também com a
denominação de Conde e de Comendador da Ordem de Cristo, enquanto que Mozart
aparece como “Capelmeister!). Em Viena aparece depois um segundo Telles da Silva,
Duque de Tarouca, filho do primeiro que já referimos e que sendo amigo do Marquês
de Pombal, este o vai visitar na sua Loja. Ora o Marquês parece ter sido iniciado
quando era Embaixador em Londres numa Loja da City (onde estavam homens da
indústria, com os quais ele terá aprendido algo de útil para o desenvolvimento da
indústria portuguesa, quando foi primeiro ministro de D. José I) e iniciado pelo próprio
Príncipe de Gales da época, segundo refere Daniel Ligou no seu “Diccionaire de Franc-
Maçonnerie”.

Em Portugal a maçonaria entrou nos anos 20 do século XVIII através de duas lojas de
estrangeiros (ingleses, escoceses, irlandeses, franceses…), a Casa Real dos Pedreiros
Livres da Lusitânia, que reunia os católicos nos fundos de um restaurante na Rua dos
Remolares, ao Largo de S. Paulo, junto ao Cais do Sodré, em Lisboa. Os protestantes
reuniam-se numa outra loja, para os lados da Cruz-Quebrada, perto de Algés, cuja
denominação se desconhece mas que era chamada pela Inquisição a “Loja dos
hereges mercadores”. Eram sobretudo comerciantes, padres e monges que
integravam esses lojas, mas também e progressivamente oficiais dos regimentos
ingleses estacionados em Portugal. Em diversas alturas a repressão exerceu-se sobre
os maçons que viviam em Portugal, tendo havido um caso célebre e dramático
acontecido com Jean Coustos que foi preso e condenado pela Inquisição tendo dado
relato do seu sofrimento num livro publicado em Londres – de que existe um exemplar
da edição original no Museu do Grémio Lusitano, no Bairro Alto, em Lisboa. No
domínio das lojas militares, saliência ainda para as lojas que o oficial prussiano e
maçon, o Conde de Lippe – que veio a Portugal reformar o exército português e dar-
lhe um regulamento disciplinar – estabeleceu dedsde Caminha até Elvas. Para além
dos Tarouca, pai e filho, do Marquês de Pombal e de General Gomes Freire de
Andrade, foram tantos os nomes ilustres de maçons portugueses que, no século XIX se
perguntava quem é que não era maçon (assim com hoje se pergunta quem é…).
Destacaremos desde logo o Abade Correia da Serra, natural de Serpa, secretário da
Academia das Ciências e Embaixador nos EUA, tendo sido iniciado em Filadélfia, e
amigo e conselheiro científico (minas e florestas) do segundo Presidente norte-
americano, Thomas Jefferson – que não sendo maçon tinha grande apreço pela Ordem
– sendo visita de casa dele em Monticello na Virgínia, onde existe o quarto onde ficava
o “Abée Correia” (como era conhecido em França e noutros países). Referência
também para Hipólito José da Costa que figura na história do esoterismo do século XIX
– ver o segundo capítulo do livro de Joselyn Godwin, “The Theosophical
Enlightenment” – em virtude do seu livro, publicado em Inglaterra, “Sketches for the
History of the Dionysian Arttificers” (“Esboço para a História dos Artífices Dionisíacos”)
que se egastava da “egiptofilia”, quase uma “egiptomania”, do século XVIII e seguintes
– que considerava (e bem) o Egipto como origem de muita da nossa tradição religiosa,
mas não toda; exemplo desta “egiptofilia” é a sublime ópera iniciática A Flauta Mágica
dos Irmãos da mesma Loja de Viena, Mozart e Shikaneder, Da Costa sustenta no seu
livro que as nossas tradições filosóficas, religiosas e iniciáticas se radicam na Antiga
Grécia, particularmente nos mistérios dionisíacos – recordemos que segundo o mito
Dionísio morreu e ressuscitou.

Hipólito José da Costa, natural de Colónia de Sacramento, na altura Rio Grande


do Sul, hoje Uruguai – que tinha sido iniciado em Filadélfia, como o Abade Correia da
Serra, quando teve um cargo de representação diplomática nos EUA -, foi encarregado
pelos maçons portugueses, que entretanto em finais do século XVII já tinham
constituído Lojas, para se dirigir a Londres a fim de obter, segundo se crê junto dos
“antigos”, a carta-patente para constituição da primeira obediência maçónica
portuguesa, independente e reconhecida, cuja denominação – segundo o historiador
A. H. Oliveira Marques (“História da Maçonaria em Portugal” – 1º. Vol.) -, seria
denominada Grande Loja de Lisboa ou Grande Loja de Portugal. Chegado a Portugal,
em 1802, Hipólito é preso pela polícia de Pina Manique e depois começa a ser
interrogado pela Inquisição. Passado algum tempo é libertado pela intercessão, junto
das autoridades portuguesas, do maçon Duque de Sussex – que será o primeiro Grão
Mestre da unificação da maçonaria inglesa, entre os antigos e os modernos,em 1813 -
que estava viver em Lisboa num semi-exílio, por ter sido um grande boémio (segundo
diziam). Hipólito, magoado, nunca mais regressará a Portugal e fundará, na Grande
Loja de Inglaterra, a Loja Lusitânia. Em Londres, Da Costa escreverá, para além do livro
sobre os Artífices Dionisíacos, um outro relatando as suas desgraças decorrentes da
prisão e dos interrogatórios da Inquisição e será também o fundador da imprensa
brasileira, ao enviar regularmente para o Brasil o “Correio Brasiliense”, por ele escrito
e publicado. Continuaremos no capítulo seguinte e em Anexo estas referências
históricas relativas à Maçonaria, quer relativas a Portugal, quer no plano internacional.

Esoterismo e espiritualidade maçónicos

Para além do seu aspecto filosófico – iluminista e ecuménico na versão


triunfante dos “modernos” – e social – a “virtude social”, comum aos “modernos” e
aos “antigos” e consubstanciada no comportamento dos cidadãos respeitadores das
leis do Estado e das normas éticas (insistimos no livro de Pierre Marion que desenvolve
este aspecto) – a maçonaria tem uma vertente espiritual baseada na vivência de rituais
com clara uma dimensão simbólica e mítica que assenta na tradição dos construtores
medievais. Trata-se agora, não de construir edifícios físicos (igrejas, catedrais, etc,) à
Glória de Deus, mas sim de construir edifícios simbólicos à Glória de Deus, Grande
Arquitecto do Universo, um homem melhor do que quando entrou para a maçonaria,
um maçon na via incessante do aperfeiçoamento, mas também uma sociedade melhor
em que os valores da liberdade, da tolerância e da solidariedade fraterna estejam
sempre presentes. Como diz a Flauta Mágica dos Irmãos maçons Mozart e Shikaneder,
“e assim os homens serão como deuses e a terra um paraíso…”. A propósito desta
obra-prima de Mozart permitam-me aconselhar-vos a leitura da obra “Mozart e os
Mistérios Iniciáticos, de que sou um dos autores, a qual tem o libreto da ópera, em
versão bilingue, alemão e português.

Mas os rituais maçónicos contêm um esoterismo implícito, que os ingleses não


acompanham, pelo menos nos seus primeiros graus, ou simbólicos, de Aprendiz, de
Companheiro e de Mestre e mesmo esoterismo explícito, sobretudo no Altos graus
maçónicos, escritos no século XVIII por gente que ainda dominava muito bem o
simbolismo, o mito e o esoterismo – como por exemplo o Barão de Tchoudy com o seu
grau de Cavaleiro do Sol, que passou a ser o grau 28 do R.E.A.A e Jean-Baptiste
Willermoz, comerciante de sedas em Lyon, que escreveu os rituais para o Rito ou
Regime Escocês Rectificado e outros que foram incorporados no Rito Escocês Antigo e
Aceite, como o Cavaleiro da Águia de Ouro e do Pelicno. De salientar que talvez o mais
antigo sistema de Altos graus seja, A Royal Order of Scotland., a Ordem Real da Escócia
- que, perdoe-se-me o orgulho, fui o primeiro português a receber nos seus dois graus,
o de Heredom de Kilwining e o de Rose-Croix, no seu templo histórico, junto à Royal
Mile, em Edimburgo.

Rémi Boyer, num livro que eu tive o prazer e a honra de prefaciar – “La Franc-
Maçonnerie comme voie d’éveil” -, afirma a necessidade de uma vivência iniciática em todos
os graus e em todos os ritos maçónicos. Nesta perspectiva é indispensável a aquisição de
um estado de Presença, de presença consciente aquando da prática ritualística em
Loja, sem o qual o rito não é transformador do maçon.

Os rituais maçónicos têm um evidente simbolismo sagrado que é aberto desde


o seu começo, estabelecendo um corte com o espaço e o tempo profanos. Entre a
Abertura e o Fecho da Loja vive-se pois, no Templo, num espaço e num tempo
sagrados onde o ritual dá vida e sentido à reunião dos maçons. Aí as conversas e
assuntos profanos são evitados – devem deixar-se preferentemente para o ágape
fraterno e convivial que se segue à reunião de Loja –, dando lugar a discussões
filosóficas, simbólicas e outras que tenham, por exemplo, a ver com as obrigações de
fraternidade dos maçons.

Os rituais dos 3 primeiros graus simbólicos centram-se essencial e


respectivamente na recepção da Luz maçónica, na descoberta de um Astro interior e
na cerimónia da morte sacrificial do Mestre Hiram supliciado por se ter recusado a
revelar os segredos do grau de Mestre a três maus companheiros gananciosos de
poder, sem estarem preparados para tal.

É costume dividirem-se os tiros maçónicos em ritos “dos antigos” e ritos “dos


modernos” - ver o excelente livro de Jean Solis, “Guide pratique de la Franc-
Maçonnerie” livro que ele dedica a vários maçons entre os quais, eu próprio.

Rituais “dos antigos”, de uma maçonaria estritamente cristã são:


- a Estrita Observância Templária do Barão de Hund criado cerca de 1750 por iniciação
– segundo reza a tradição – transmitida pelos Stuarts, escoceses refugiados em França.
Trata-se de um rito maçónico templário. Embora extinta influenciou a criação de
outros ritos, de entre os quais o Regime Escocês Rectificado.

- O Rito Sueco

O Rito Sueco deriva da Estrita Observância Templária alemã e foi desde cedo protegido
pela Coroa, quer na Suécia, quer na Noruega, sendo o Rei também Grão-Mestre como
Carlos XIII da Suécia ou então alto protector da maçonaria, sendo Grão Mestre um
membro da família real. O rito sueco é estritamente cristão e templário, sendo o seu
último grau (11º.) apenas conferido ao rei.

- Rito de York

O rito de York espalhou-se com grande êxito pelos futuros E.U.A. sendo actualmente o
segundo rito em número de praticantes.

- Rito de Zinnendorf

É o rito que existe na Grosse Landslodge des Freimaurer von Deustchland (Grande Loja
National alemã) que é uma das cinco Grandes Lojas da Grande Loja Federal Alemã.

Os Ritos dos “modernos” são:

- o Rito de Emulação, inglês, descristianizado, muito centrado no simbolismo dos


construtores e da construção

- O Rito Escocês Antigo e Aceite (“Scotish Rite”) que é o mais divulgado no muno,
sendo o primeiro mundial em efectivos e também nos EUA.,

Para além destes temos:

- o Rito Francês que tem uma versão mais antiga, rosa-cruz, cristã e outra mais
moderna, descristianizada, mesmo dessacralizada;

- o Rito “egípcio” de Cagliostro (que esteve em Lisboa onde foi recebido na residência
do Conde de Sobral, ao Calhariz, tendo partido apressadamente pois arriscava-se a ser
preso por Pina Manique), rito mágico-alquímico, não cristão, mas sagrado no contexto
o Hermetismo e do Gnosticismo, o qual dará origem a dois ritos “egípcios” no século
XIX nas versões:

- Rito de Menfis e Misraim, de Marconis de Nègre e dos irmãos Bédarride

- Rito de Misraim de que saliento a versão sob a jurisdição do Grande Santuário do


Adriático (GSA) e de Misraim e Menfis, de Sebastiano Caracciolo, a saber o Antigo e
Primitivo Rito Oriental de Misraim e Menfis (APROMM).

Interessante é referir outros ritos, como o Rito Primitivo de Narbonne, o Rito dos
Arquitectos Africanos de Ecker und Eckofen, o Crata Repoa,

- Ordens Rosacruzes e Neo-templárias

- Da Rosa-cruz de Ouro do Antigo sistema à Societas Rosacruciana

Em finais do século XVIII constitui-se na Alemanha a Ordem da Rosa-Cruz de Ouro do


Antigo Sistema que teve enorme importância política e iniciática. A sua reunião magna
de 1777 decidiu publicar os manuscritos rosacrucianos que a Ordem possuía, os
Manuscritos de Altona - que foram publicados em finais do século XX em ediçõ fac-
smilada pela Ordem Rosa-cruz AMORC. A Rosa-Cruz de Ouro extinguiu-se pouco
depois.

O Martinismo do século XVIII: de Martinez de Pasqually e a sua Ordem dos Cavaleiros


Maçon, Eleitos Cohen do Universo com o seu último grau de Réaux-Croix– na verdade
um “martinezismo” -,, até Louis-Claude de Saint-Martin, que foi secretário de Martinez
na OCMECU e foi iniciado no Regime Escocês Rectificado, tendo depois enveredado
pela via cardíaca, a teurgia do coração. De St. Martin destacamos os seguintes livros
“L’Homme de Désir”, “Le Filosophe Inconnu”,

- O Magnetismo de Mesmer - que faz a transição entre o esoterismo do século XVIII e o


ocultismo do século XX - lançou as bases do hipnotismo e daquilo a que se chamava
“magnetismo animal”, sendo seu seguidor o Abade de Faria, que sendo natural de
Goa, não gostava dos colonizadores portugueses. Faria fez carreira nos salões de Paris
como excelente hipnotizador – desta sua actividade e dos seus conhecimentos dá
conta Egas Moniz no seu livro sobre o Abade de Faria.

Xº. CAPÍTULO

ESOTERISMO E OCULTISMO NO SÉCULO XIX

Comrçaremos por dar continuidfade às referências históricas sobre a


Maçonaria, iniciadas no capítulo anterior, quer no contexto internacional, quer
nacional

Grande Oriente Lusitano

Devido à pisão de Hipólito José da Costa e à apreensão, por Pina Manique, dos
documentos que ele trouxera de Inglaterra, os maçons portugueses voltaram-se para o
Grande oriente de frança, outra fonte de regularidade maçónica, e constituiram uma
obediência denominada de Grande Oriente Lusitano, cujo primeiro Grão mestre foi o
neto do Marquês de Pombal, o Juiz Sebastião Sampaio de Melo e Castro Lusignan.
Depois assumiu o Grão mestrado o General Gomes Freire de Andrade, o qual tendo
sido iniciado na Loja da Estrita Observância Templária de Mozart em Viena e recebido
o 4º. Grau de Mestre Escocês de Santo André na Loja de Lyon de Jean-Bptiste
Willermoz, fundador do Rito Escocês Rectificado, aparece depois como membro da loja
militar napoleónica dos Cavaleiros da Cruz – ele que era oficial do exército de
Napoleão, no contexto da Legião portuguesa – o que leva a supor que ele tivesse
acedido ao 6º. Grau do R.E.R., o de Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa (o 5º. Seria
apenas um grau de passagem, o de Escudeiro Noviço). O conflito entre franceses
invasores do território português, entre os quais havia vários maçons como por
exemplo Soult e os ingleses que estavam em Portugal auxiliando a Coroa portuguesa -
de entre os quais havia também mitos maçons ,entre os quais Beresford -,, mas que
para alguns eram vistos como tropa de ocupação, atinge a maçonaria portuguesa já
que esta fica dilacerada entre os dois partidos, a maior parte dos quais empenhados na
resistência contra o invasor, mas Gomes Freire está no epicentro desse conflito, sendo
acusado de conspiração e traição e em consequência disso é condenado e morto,
juntamente com outros oficiais. Refere a tradição que Beresford terá oferecido ao seu
Irmão Gomes Freire a possibilidade de fuga para escapar à morte, mas este recusou
com aquele espírito de honra e de militar que o caracterizava.

Nota: Referiremos em anexo uma cronologia da história da maçonaria em Portugal


continuando com o que aqui escrevemos e entrando nos séculos XIX e XX.

A Maçonaria no Brasil contribui para a independência do território face aos


colonizadores – assim como aconteceu nos outros países da América central e do sul,
como o México, a Argentina, o Uruguai, o Chile, etc. – sendo testemunho disso a acção
independentista do maçon Tiradentes, contra Portugal. Algumas notas têm de ser
ditas, mesmo no contexto rápido de uma introdução como esta. Assim referiremos
que D. Pedro foi iniciado no Grande Oriente do Brasil – potência maçónica regular
desde 1823, ano do seu reconhecimento pela Grande Loja Unida de Inglaterra - , no
Palácio do Lavradio, no Rio de Janeiro (num cadeirão onde os Irmãos brasileiros
tiveram a simpatia de me sentar quando fui, em 2003, na minha visita como Grão
Mestre português). Para além da obediência histórica que é o GOB, desde há cerca de
90 anos para cá que foram constituídas Grandes Lojas Estaduais, reconhecidas pelos
EUA e que uma boa parte delas tem uma boa relação com o GOB. De notar ainda que a
Maçonaria brasileira é actualmente a terceira em efectivos, com mais de 300 mil
membros, depois dos EUA com cerca de 3 milhões de maçons, da Grã-Bretanha com
cerca de meio milhão, tendo ultrapassado a França que deve contar um total de 250
mil membros nas suas diversas obediências. De referir ainda a importância política que
a Maçonaria teve no Brasil com quase 13 Presidentes da República e Primeiros
ministro.

Para terminar esta breve ronda (necessariamente curta numa introdução),


referiremos em último lugar – “last but not least”! – os Estados Unidos da América,
nação que nasceu sob signo da Maçonaria, desde a Declaração de Independência à
Constituição, sem deixar de referir que o eu primeiro Presidente da República, George
Washington era maçon e lançou a primeira pedra do Capitólio, devidamente
paramentado tal como os seus Irmãos de Loja, que o acompanhavam – este facto está
documentado numa pintura da época. Além disso, é de referir também que cerca de
20 Presidentes da República norte-americanos foram maçons, de entre os quais
citamos, Thomas Jackson, Franklin Delano Roosevelt, Harry Truman – que foi eleito
presidente depois de ter sido Grão Mestre do Illinois, já que nos EUA não existe
maçonaria federal, mas sim maçonarias estaduais -, havendo indicações de que Bill
Clinton e Barak Obama terão sido iniciados e que Ronald Reagan e George Bush pai
receberam o título honorífico de 33º. Grau. Para além disso a influência da Maçonaria
nos EUA é notável sobr, quer a nível de nomes da sociedade civil, como Gillette, Astor,
Cecil B. de Mille, Ford, Chrysler, Louis Armstrong, Count Basie, etc., quer do universo
militar como o General MacArthur.

- Os ritos do século XIX

Os ritos “egípcios” de Misraim e de Menfis e o de Manfis Misraim

Decorrentes do rito “egípcio” de Cagliostro, o “grande copta”, estabeleceram-se no


começo do século XIX dois ritos, o Rito de Menfis e Misraim, m 88 graus e o Rito de
Menfis em 95 graus, ambos bastante esotéricos quer na sua dimensão hermetista,
quer na dimensão cabalista. No topo da estrutura existe uma classe secreta que só é
dispensada a alguns membros dos últimos graus “visíveis”, classe essa que contem os
Arcana Arcanorum, “segredo dos segredos” decorrentes de Cagliostro e de outras
tradições mediterrânicas” e que têm a ver com a teurgia – magia divina – e com as
“alquimias internas” - ver a este respeito o livro de Jean-Pierre Giudiccelli Cressac de
Bachelerie, “Pour la Rose-Rouge et la Croi d’Or” e os de …..

Não pode deixar de referis-se um rito português criado por Miguel António
Dias, o Rito Lusitano ou da Maçonaria Eclética, que celebrava ritualmente, nos seus
mais altos graus – Português e Perfeito Português –, o martírio de Gomes Freire.

- A Ordem do Templo de Fabré-Palaprat


Fundada no começo do século XIX por maçons do Grande Oriente de França esta
Ordem promoveu, logo no seu começo, cerimónias espectaculares em Igrejas em Paris,
mas para além destas características que a situam como uma “ordem de aparato” –
que permanece até hoje sob a denominação de OSMTJ, Ordem Soberana e Militar do
Templo de Jerusalém, ordem de grande dimensão internacional cujo Grão Mestre
actual é um português, D. Fernando Campelo de Sousa Fontes – estava associada a
este templarismo um joanismo, a Igreja Joanica dos Cristãos Primitivos, isto é uma
Igreja gnóstica que, cremos, terá desaparecido muito cedo, abandonando assim a
Ordem de Palaprat a sua dimensão esotérica.

Esoterismo ocultista

- Espelhos e bolas de cristal

Na primeira metade do século XIX, talvez por um complexo de inferioridade em


relação à ciência triunfante, o esoterismo – mais ocultismo do que esoterismo –
precisa de objectos materiais para exercer o contacto com espíritos e outras realidades

- O Espiritismo, das irmãs Fox a Alan Kardec

Decorrente desse complexo de inferioridade, o Espiritismo chama-se a si próprio, com


Alan Kardec, a Ciência do Espírito – título de um livro seu. Nascido em 1844 com as
irmãs Fox, em Hydesville (E.U.A.), o espiritismo moderno procurava nessa primeira
fase o contacto com os espíritos dos defuntos, mas com Kardec ele pretende atingir
outros espíritos e outros mundos mais elevados, adquirindo assim uma dimensão
espiritual e filosófica mais profunda. Interessante também a penetração do Espiritismo
no movimento operário e do socialismo utópico, devido à democratização das
reincarnações. França, Inglaterra, EUA e Brasil são países de grande penetração
espírita.

- Os grandes esoteristas do século XIX

- Rosacruciano do século: Hardgrave Jennings

O Rosacrucianismo tem no século XIX um livro de grande projecção, o “The


Rosicrucians, their rites and mysteris”, de Hardgrave Jennings que curiosamente
apresenta o rosicruanismo como decorrente de cultos fálicos e de fecundidade, com
clara natureza sexual.

Algum preferem chamar de “ocultismo” a este esoterismo do século XIX. Mas nomes
como Fabe d«Olivet – “La langue hébraique restituée” – , Eliphas Lévi (“A Chave dos
grandes mistérios”, “A Hisória da magia”, etc. - Saint-Yves d’Alveydre – com “La
Synarchie”, “L’Archéometre”, “Mission des Indes”, “Mision des ouvriers”, etc. –
Stanislas de Guaita – com “A Serpente da Génese” e a sua “Ordem Kabalística da Rosa-
Cruz” sendo típicos de uma tentativa de visão global do esoterismo que é mais
sincrética do que sintética, não deixam de ter uma presença destacada na história do
esoterismo. No final do sélo XIX tremos de acrescentar Papus (Dr. Gérard d’Encausse)
que animou o Martinismo nessa mesma perspectiva, formando a Ordem Martinista.

- A Sociedade teosófica de Helena Petrovna Blavatsky

Em 1877, a russa Helena Petrovna Blavatksky fundou em Nova Iorque, com o seu
companheiro, o Coronel Olcott, a Sociedade Teosófica, com o objectivo de estabelecer
um núcleo comum de todas as religiões e de todas as raças, desenvolver as
potencialidades ocultas do homem e aproximar a Ciência da Religião.

Madame Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891), russa de nascimento, foi uma

grande viajante (Europa, Egipto, Índia, Tibet e América do Norte) e uma incansável

estudiosa das Tradições espirituais da Humanidade. Em 1875 ela funda em Nova

Iorque, juntamente com H.S.Olcott e W.Q. Judge, a Sociedade Teosófica (S.T.) que,

mais tarde, mudará a sua sede para Adyar (Madras), na Índia, em 1883 e cujos

objectivos (traçados em 1886) são:

- formar o núcleo da Fraternidade Universal da Humanidade, sem distinção de

raça, credo, sexo ou cor;

- encorajar o estudo comparado das religiões, das filosofia e das ciências;

- estudar as leis inexplicadas da Natureza e os poderes latentes do Homem.


A doutrina de Blavatsky, após uma fase “hermetista”, ocidental, personificada

pela sua obra “Isis sem véu” (1877), vai dar origem a uma doutrina orientalizante,

fortemente influenciada pelo Hinduísmo (e depois pelo Budismo), sobretudo depois da

viagem à Índia de H.P.B. e Olcott, em 1878. Desta segunda e última fase da doutrina

blavatskiana, a obra em seis volumes “A Doutrina Secreta” (1888) é o seu expoente

máximo.

Poderemos salientar como aspectos importantes das ideias e da acção de Helena

Petrovna, desde logo, a chamada de atenção, a nível de um grande público, para as

espiritualidades orientais, num clima de grande tolerância e ecumenismo (por vezes

sincrético, é certo1), valorizando (mesmo na Índia, face à cultura e religião ocidental) as

tradições do Hinduísmo e também, desenvolvendo uma luta política no campo anti-

colonial particularmente na Índia2. No século XX, algumas correntes das novas

espiritualidades “new age” foram influenciadas pela Teosofia, mito em particular o tema

da “Grande Fraternidade Branca”, formada pelos Mestres ou Mahatmas que guiam e

instruem a Humanidade.

Aventureira física e espiritual, mulher de grande coragem e capacidade, HPB


percorreu meio mundo em demanda das tradições espirituais, ilosóficas e religiosas.
Depois de uma viagem ao Egipto escreve “Isis sem véu” que representa a primeira
etapa da teosofia de Blavatsky, ocidental e hermetista. Cedo começa a segunda etapa,
oriental – hinduísta e budista – de tal modo que a sede da S.T. se muda para a Índia,
para Adyar no Estado de Madras. Nesta perspectiva ela publicará um resumo da sua
doutrina teosofista – os puristas preferem esta denominação à de Teosofia, no
ocidente mais aplicável à teosofia cristã – na monumental obra “A Doutrina secreta” -
em diversos volumes, 4 ou 6, consoante a edição. Há uma obra – que Fernando Pessoa
traduzirá – “A Voz do Silêncio” que ela reclama ter recebido dos Mestres Morya e Kut-

1
Sincretismo esse que iremos encontrar em correntes do “new age”, algumas fortemente influenciadas
pela teosofia de Blavatsky.
2
Não só Gandhi foi fortemente influenciado pela S.T., como a discípula e continuadora de Blavatsky,
Annie Besant, deu um importante contributo a esta luta, assim como à da emancipação da mulher.
u-Mi e que começa com a solene advertência da doutrina do hinduísmo e do budismo:
“O mental é o grande inimigo do discípulo. Que o discípulo mate o inimigo!”.

A teosofia teve, na Índia, um papel de estímulo e de encorajamento para que os


indianos privilegiassem as suas tradições culturais e religiosas e não se deixassem
oprimir pelas dos ingleses. Esta acção anti-colonialista, embora pacífica, exasperou os
colonizadores que através das acusações de fraude por parte de um casal, Coulomb de
seu nome, que frequentava na Índia as reuniões teosóficas, lançaram uma campanha
destinada a denegrir a imagem de H.P.B. e dos seus seguidores.

O caso Coulomb afectou Blavatsky pela injustiça e pelo vexame e teve nefastos ecos no
ocidente, de que salientaremos René Guénon, com o seu livro “La Théosophie, histoire
d’une pseudo-religion” – preferido a denominação “teosofismo” à de Teposofia - e
Fernando Pessoa com textos do espólio – que se seguem ao seu grande fascínio inicial
- de reserva e de crítica face a Blavatksky, embora deixando escapar uma indisfarçável
admiração, como este: “Madame Blavatsky era um espírito fraldoso mas também é
verdade que recebera uma missão dos Suiperiores Incógnitos”.

A acção política e Anie Besant

O português Visconde de Figanière – autor de “Submundo, mundo e supramundo” – é,


segundo a própria Blavatsky, um percurtsos de alguns temas da sua Teosofia.

- A H.O.G.D. – Ordem Hermética da Aurora Dourada

Fundada em 1888, por esoteristas maçons britânicos – e nada tendo a ver com um
actual partido político grego neo-nazi com igual nome, “Aurora Dourada”- , esta
Ordem rosacruciana – pois pretende descender de documentos rosacruzes alemães de
um século antes – baseia-se na Cabala hebraica. De facto, esta rosacruciana e
cabalística Ordem Hermética da Aurora Dourada (“Golden Dawn”) foi criada por W.W.
Wescott, W. R. Woodman e S.L. Mc Gregor Mathers, tendo sido, mais tarde dirigida
pelo célebre escritor W. Yeats (1865-1939), mas veremos adiante quem foi A. Crowley
(1875-1947) que, neste domínio, mais influência terá tido em Pessoa - muio
provavelmente, através da sua organização a A.A..
Os seus Graus correspondem aos 10 sefirot da Árvore da Vida cabalística, um por cada
sefira, os 4 mundos

Exercícios de meditação e visualização – o “raio flamejante”, Lightening Flash e “o


caminho da serpente da sabedoria, The Way of the Serpent of Wisdom.:

- O Raio flamejante é um exercício em que se visualiza um raio de luz e energia que


vem rapidamente das regiões superiores, não manifestadas, da Árvore da Vida, o qual
desce por todos os Sefirot até chegar ao mais baixo, Malkuth. Assim as partículas de
luz espalham-se na matéria obscura, permitindo a sua reintegração – Tikkun –
posterior.

- O Caminho da Serpente da Sabedoria é um caminho inverso e mais lento do que o


anterior que parte de Malkut e ascende por todos os Sefirot até Kether, passando além
dele – como escreveu Fernando Pessoa, que recebeu esta tradição via a A.A. de
Crowley, no seu texto “O Caminho da Serpente”, “ (ela) quando chega a Deus não
para, vai além Deus…”. Esclareça-se que Pessoa não assenta o seu caminho serpentino
na Árvore da Vida, como a Aurora Dourada, mas sim num losango, embora com uma
função simbólica equivalente.

Será interessante referir uma das várias guerras entre ocultistas, ocorrida na
circunstância entre o grande poeta e futuro Prémio Nobel irlandês Yeats, que
encabeçou a resistência dos membros da HOGD contra a tentativa de Crowley – que
eles não achavam digno de pertencer e muito menos dirigi-la, devido às suas posturas
provocatórias, com incursões pela magia sexual - para tomar de assalto a Ordem.
Crowley, vai formar outra Ordem, a AA – Astrum Argenteum ou Silver Star (SS), com
ensinamentos semelhantes, embora num espírito diferente, de que Pessoa receberá
pelo menos um exemplar das circulares que eram enviadas aos seus membros (vide o
interessantíssimo “Um Encontro Magick – Fernando Pessoa/Aleister Crowley”, de Luís
Roza, na verdade Luís Miguel Rosa Dias, sobrinho do poeta). Isto prova que Crowley
iniciou Pessoa na AA.
XIº. CAPÍTULO

ESOTERISMO NO SÉCULO XX

Ordens neo-rosacrucianas

Correspondendo àquilo que os especialistas de esoterismo denominam de “3ª.


Rosa-Cruz” – depois da “1ª.”, com os Manifestos do começo do século XVII e da “2ª”.
Com a Ordem Rosa-Cruz de Ouro de finais do século XVIII – o começo do século XX
apresenta uma bo presença deste tipo de Ordens.

Dentro dessas Ordens neo-rosacrucianas citaremos a Ordem da Rosa-Cruz do


Templo e do Graal de Sar Péladan, que surgiu como cisão da Ordem Kabalística da
Rosa-Cruz de Stanislas de Guaita, a que Péladan pertenceu e que co-dirigiu. Também
chamada de “Rosa-Cruz Católica”, ela organizou os célebres “Salões da Rosa-Cruz”
onde participaram Eric Satie e Gustav Moreaux, entre outros intelectuais e artistas. De
salientar que Sampaio Bruno dá nota, num dos capítulos do seu livro “Os Cavaleiros do
Amor ou a Religião da Razão”, da figura de Sar Péladan, que ele encontrava em Paris.

Aleister Crowley após ter falhado o seu plano de tomar de assalto a HOGD, com
a cumplicidade de McGregor Mathers, funda a A.A. – uma GD “thelemita”, já que a
Abadia de thelema de Rabelais era um dos seus modelos de comunidade livre – e
também uma ordem que se dizia neo-templária, a OTO – Ordo Templi Orientis que
conferia graus maçónicos de base, Aprendiz, Companheiro e Mestre e depois o de Arco
Real, Holy Royal Arch (o Sacro Real Arco de que fala Pessoa que o terá recebido de
Crowley), seguido de Rosa-Cruz e Templário. Este edifício iniciático – até aqui um
exemplo típico de uma “fringe freemasonry”, uma “maçonaria lateral”, como
qualificam os ingleses – era encimado por graus de magia sexual heterossexual, mas
depois de Crowley ter tomado conta da Ordem ele criou, segundo ele, um “nec plus
ultra” iniciático, um último grau de magia homossexual.

Papel de destaque para a A.M.O.R.C. – Antiga a Mística Ordem Rosa-Cruz, do


norte-americano Spencer Lewis (a que sucedeu o seu filho Ralph Lewis), que ele cria
após ter sido iniciado em França (Toulouse e Paris) num ramo da Maçonaria egípcia – a
expressão “saudações em todos os pontos do triângulo”, comum às duas ordens é
prova disso. Apresentando o Egipto como origem mítica da Ordem, a AMORC, com
sede em S. José da California, vai ter uma grande expansão internacional (América do
Norte e do Sul, Europa, África, etc.) chegando a contar com alguns milhões de
membros e grande influência política, sobretudo em África. Criou uma ordem neo-
templária a O.S.T.I. – Ordem Soberana do Templo Iniciático, animada pelo
responsável da AMORC francesa, Raymond Bernard (autor do livro “As Mansões
secretas da Rosa-Cruz”, entre outros).

Jollivet Castelot, autor do livro “Comment on devient-on alchimiste” (“Como


nos tornamos alquimistas”), cria a Sociedade Alquímica de França e publica a revista
“La Rose-Croix”. O dramaturgo sueco Augusto Stringberg escreve na revista a dedica-
se a experiências alquímicas no seio da SAF. Jollivet-Castelot defende um “comunismo
espiritualista” num congresso do Partido Comunista Francês e é logo expulso do
partido.

Rudolf Steiner afasta-se da Teosofia blavatskiana, pssa pela OTO de A. Crowley


e funda a Antroposofia, uma teosofia cristã. A sua sede na Alemanha é logo atacada e
incendiada pelos nazis, o que o obriga a fugir para a Suiça onde funda, em Dornach, o
Gottehanum que se dedica à educação pelas Arte. A sua pedagogia singular é posta
em prática pala Associação Waldorf, com delegações em vários países entre os quais
Portugal. Puseram em prática a agricultura biológica e no contexto do seu cristianismo
esotérico fazem uma interessante leitura das principais festas do ciclo anual.

A Rosicrucian Fellowship (“Fraternidade Rosa-Cruz”) de Max Heindel, com


sede em Oceanside, Ca., dedica-se à astrologia e à cura à distância através de orações
e de meditações. Em Portugal o seu responsável, Francisco Rodrigues publica e dirige a
revista “Rosa-Cruz” onde ele próprio púbica uma longa série de artigos sobre o
esoterismo dos Lusíadas. Um membro destacado desta Ordem é António de Macedo
cujo valor como autor de livros esotéricos transcende em muito a dimensão da Ordem.

A Rosa-Cruz de Ouro de Harlem (Holanda) é uma corrente rosacruciana que


associa a tradição dos Cátaros à da Rosa-cruz. Deodat Rocher, com o qual a Ordem
estabelece contacto nos anos 40, procede na Occitania à restauração da tradição dos
“puros”. Os seus membros são vegetarianos.

Ordens neo-templárias

Temos alguma dificuldade em classificar a Ordem dos Templários do Oriente –


O.T.O. como ordem neo-templária, uma vez que ela, apresenta desde o seu começo –
com Theodor Reuss e Carl Gelner – uma vertente clara mágico-sexual. A razão desta
característica radica no facto de no século XIX ter aparecido um livro de Pugstall – ver
Peter Partner, “The knghts templar and their myth” - que atribuía aos templários a
posse e a prática de segredos mágicos. Curiosamente aquilo que os amigos dos
templários sempre criticaram como uma acusação injusta e falsa – por exemplo Dante
na Divina Comédia - e que foi tema de acusação do Papa e do rei de frança contra eles,
foi agora afirmado como sendo verdadeiro, como aliás já Agrippa afirmara no seu livro
“A filosofia oculta”, “os templários esses magos…”.

- A Ordem do Tempo Renovada de René Guénon;

- A O.S.M.T.J. – Ordem Soberana e Militar do Templo de Jerusalem,


descendente da Ordem do Templo da Fabré-Palaprat, matem-se até hoje, sendo o seu
Grão Mestre internacional o Dr. Campelo de Sousa Fontes, embora tenham surgido
ultimamente algumas cisões, uma delas patrocinada por um português com
colaboração espanhola.

A “ressurgência de Arginy” verificada nos anos 50 em França que dá origem


directa ou indirecta a um conjunto de ordens neo-templárias:

- a Ordre Rénovée du Temple – que dará origem à funesta OTS – Ordem do


Templo Solar (de que falaremos adiante), a FJRT – Fraternité Joannite pour la
Résurgence Templière que deu origem à OCTCNT – Ordre des Chevaliers du Temple,
du Christ et de Notre Dame, ODVT – ordre des Veilleurs du Temple, etc., etc.

- Os três grandes intelectuais do esoterismo: René Guénon, Carl Gustav Jung e Julius
Evola.

GUÉNON

O francês René Guénon é um intelectual do Esoterismo que passou por várias


correntes iniciáticas. Publicou diversas obras tais como “A crise do mundo moderno”,
“O Reino da quantidade e o sinal dos tempos”, “O Rei do Mundo”, “O Esoterimo de
Dante”, etc. Depois de passar pelo neo-templarismo, maçonaria, etc. terminou os seus
dias no Cairo, convertido ao Islão e pertencendo a uma “tariqa” sufi (o esoterismo do
ialão).

JUNG

Carl-Gustav Jung, “o psicólogo de Zurich”, foi discípulo de Freud e depois


renegou o mestre seguindo o seu próprio caminho, não na dimensão positivista de
Freud mas sim numa abordagem psico-espiritual, onde a psicoterapia conduziria à
“individuação”. Grande especialista de gnosticismo e de alquimia, escreveu, entre
outros, os seguintes livros; “Aion” e “Os sete sermões aos mortos”, no domínio da
Gnose e “Psicologia e Alquimia” e “Mysterium conjunctionis” no que respeita à
Alquimia.,.

EVOLA

O italiano Julius Evola é tão conhecido pela sua dimensão de grande


especialista de esoterismo, como de adepto militante da extrema-direita (fascismo e
cripto-nazismo). Tendo escrito obras notáveis como “A tradição hermética”, “O
Mistério do Graal e a tradição imperial gibelina”, “A Metafísica do sexo”, “O Yoga
tântrico”, Evola escreveu também “Revolta contra o mundo moderno” e “Um homem
entre ruínas” que dão conta da sua postura ao mesmo tempo militante e angustiada
de homem de extrema-direita que o levou a Berlim, por solidariedade com Hitler,
numa altura onde era iminente a queda do nazismo, tendo Evola sido atingido por um
bombardeamento aliado que lhe provocou uma paralisia de que nunca mais recuperou

NEW AGE E NOVAS ESPIRITUALIDADES

- Os percursores do New Age: Paul LeCour e Alice Bailey

Paul LeCour foi o fundador, nos anos 30, da revista francesa “Atlantis” –
“revista de arqueologia tradicional” – que dura até aos nossos dias. Escreveu um livro
que um estudioso como o padre Jean Vernette (in “New Age”, Ed. Eiropa América)
considera que é um livro percursor do New Age, ao considerar – e a provar - que
estamos a entrar na Era do Aquário – recordemos a música do musical Hair (do
começo dos anos 70), this is the dawning of the Age of Aquarius, “esta é a alvorada da
era do Aquário”.

Alice Bailey é uma teósofa na linha de Blavatsky que pretende fazer a síntese
do hinduísmo e do cristianismo. Anuncia no seu livro “O retorno de Cristo” que está
para breve esse acontecimento, assim como o regresso do Buda Maitreya. Propôs
ainda a criação de Tríades de oração para que esses “avatares” possam vir até nós e
manifestarem-se. Criou ainda a “Boa Vontade Mundial” para o mesmo efeito.

NEW AGE

O New Age – que nasce da contra-cultura dos anos 60 com a recusa e a crítica
da sociedade capitalista vigente e as suas dimensões militaristas (a guerra do
Vietnam), “Make love nt war”, “Peace and Love” -. não é uma corrente mas sim um
conjunto muito diversificado de espiritualidades, religiões e filosofias. O começo do
New Age deu-se em dois locais diferentes: em Esalen na Califórnia Nova Ciência
defendendo e promovendo a síntese da Ciência e Religião, o estabelecimento de uma
Nova Psicologia que favorecesse a “expansão da consciência” e em Findhorn na
Escócia. Com o tema, posto em prática, do regresso à Natureza, uma ecologia sagrada
que vai ter desenvolvimento futuroa como a Hipótese Gaia.
Estes dois movimentos cedo entraram em contacto entre s, sendo uma das
características do New Age, a formação de pequenas comunidades e o trabalho em
redes, pelo que para além da dimensão de psicologia e de ciência alternativas, o
retorno à natureza marcou profundamente esta(s) nova(s) corrente(s).

O New Age, embora multifacetado, apresentou, no entanto algumas


características comuns, a saber:

- a rejeição dos dogmas e o primado da experiência pessoal;

- a síntese do Oriente e do Ocidente (que já Blavatsky havia proposto na sua


Teosofia)

- tudo é energia, afirmação que participa da equivalência entre matéria e


energia de Einstein, mas sobretudo da faceta “tântrica” do New Age

- a terra é um ser vivo, sagrado

- o desenvolvimento das potencialidades psico-espirituais do Homem

Juntamente com estas características podemos apontar outras que também


estão presentes naquilo que se denomina de Novas religiosidades e espiritualidades

- o “bricolage” e o “nomadismo” espirituais

- “Beleiving without belonging”

É importante referir neste contexto a denominaçõo audience cults¸ proposta (tal


como as outras categorias de client cults e movement cults) por Rodney Stark e William
S. Bainbridge, no seu livro The Future of Religion: Secularization, Revival and Cult
Formation, University of California Press, 1985, uma vez que muito do que se psssa nas
novas espiritualidades tem eco e é vivido por pessoas que não pertencem a organizações
– as pessoas que pertencem a organizações de novas espiritualidades são uma minoria -,
mas que são clientes de astrólogos, tarólogos (“cultos de clientes”), ou simplesmente
leitores Cds, filmes ou de livros de autores como Paulo Colho, Osho, Deepak Chopra,
etc. (“cultos de audiência”) – e estas duas categorias são largamente maioritárias no
New Age e nas Novas Espiritualidades.
- Novos Movimentos Religiosos, “seitas” e Espiritualidades Alternativas

A expressão Novos Movimentos Religiosos (N.M.R.) é preferida pelos


especialistas face à de “seita” por esta apresentar um carácter discriminador e
perjorativo. De qualquer modo há características “sectárias” em algumas destas
correntes, como por exemplo a oposição e por vezes tensão face à sociedade. Como
dizem os sociólogos das religiões, “nasce-se numa religião, mas opta-se por uma
seita”.

A Expressão Espiritualidades Alternativas caracteriza muito do que o New Age


defende e inclui pois grande parte dessas correntes não são religiões mas sim
espiritualidades.

Poderemos enumerar algumas correntes do New Age:

- de inspiração oriental e médio-oriental: Hare Krishna, Meditação Transcendental,


Yogas diversos incluindo tântricos, Budismos tibetanos, Ananda Marga, espiritismo
“channeling”, baseado nos Oráculos Caldaicos

- de inspiração ocidental: ordens de tipo rosacruciano e templário, cristianismos


esotéricos de tipo gnóstico, neo-xamanismo, neo-paganismo de entre os quais avultam
as ordens druídicas e neo-célticas,, neo-bruxarias como a Wicca,

- de inspiração moderna, embora com elementos tradicionais: P.N.L. – Programação


Neuro-linguística, Cientologia/Dianética, cultos de ETs e de OVNIS

- Do New Age comunalista e milenarista ao Next Age individualista e desencantado


colectivamente.

Posteriormente à fase comunalista em rede e milenarista daquilo a que se


convencionou chamar de New Age e face à desilusão que constituiu a continuação da
mesma sociedade e da mesma espiritualidade, com características ainda mais
negativas do que as que informaram os anos 60 e 70, os “new agers” já não acreditam
que esteja para chegar, colectivamente, uma Nova Era pelo que assumem que o
caminho a fazer é sobretudo individual. Este “salve-se quem puder” espiritual começa
em finais dos anos 80 e princípios dos anos 90 do século XX e tem nomes destacados
como por exemplo Paulo Coelho, Deepak Chopra.

(quadro)

Tipologias dos NMR

De todas as tipologias que pretendem fazer uma distinção mais fina no interior dos
NMR, i.e., entre as suas diversas manifestações, parece-nos que a apresentada na
excelente obra de Christopher Partridge, Encyclopedia of New Religions, – com prefácio
de J. Gordon Melton, da Universidade de Santa Barbara, EUA, que também esteve em
2000, em Cascais, no Congresso sobre o esoterismo de Fernando Pessoa que eu
organizei -, é a mais adequada à descrição deste fenómeno complexo que são os NMR.
Assim, nesta tipologia proposta, teremos as seguintes divisões (seguida dos exemplos
mais significativos):

- NMR com raízes no Cristianismo: Mormonismo, Testemunhas de Jeová, Ciência


Cristã, Pentecostalismo da Unicidade, Igreja Universal de Deus, Igreja da
Unificação/”Moonies” (Coreia do Sul), Rastafarianismo, Igrejas Africanas
Independentes (África sub-sariana), Kimbanguismo (Congo ex-Zaire), Igreja do
Senhor/Aladura (Nigéria), Igreja Celestial de Cristo/Aladura (Benin), Igreja Cristã de
Sião (África do Sul), Templo do Povo do Ver. Jim Jones (EUA/Guiana), Ramo dos
Davidianos (waco, Texas), A Família/Meninos de Deus, Espiritualidade da Criação de
Matthew Fox, Igrejas Internacionais de Cristo/ICOC, Fraternidade de Jesus/Exército de
Jesus, etc.
- NMR com raízes no Judaísmo: Movimento Lubavitch, Cabalismo (The Kabbalah
Learning Center, de Rav Berg, etc.), Aleph/Aliança para a Renovação do Judaísmo,
Judaísmo Reconstrucionista, Judaísmo Humanístico, Gush Emunim, Meshihistim, etc.
- NMR com raízes no Islão: Ordem Sufi Turca/ Odem dos Derviches Halveti-Jerrahi,
Ordem Sufi dos Naqshbandis Haqqani, Fé Baha’i, Movimento Internacional Sufi, A
Nação do Islão (de Louis Farrakhan, EUA), Subud, etc. 260
- NMR com raízes no Zoroastrismo: Mazdeísmo reformado, Filosofia Parsi, etc.
- NMR com raízes nas Religiões Indianas: Missão Ramakrishna, Brahma Kumaris,
Movimento Meher Baba, Sociedade Satya Sai Baba, Ananda Marga, MT/Meditação
Transcendental (de Maharishi Mahesh Yogi), ISKCON/Movimento Hare Krishna,
Yogas e Tantrismos diversos, Movimento Osho (ex-Rajneesh), Fundação Krishnamurti,
Elan Vital, do Guru Maharaji, NKT/Tradição do Kadampa, Shambala International, etc.
- NMR com raízes no Extremo Oriente: Tenrikyo (Japão), Soka Gakkai (Japão), Reiki
(Japão), Aum Shinrikyo (Japão), Taoismo moderno (Mantak Chia, etc.),
Kyodan/Perfeita Liberdade (Japão), Cao Daí (Vietnam), Falun Gong (China), Tai Chi
(China), Artes Marciais diversas, Meditação budista Chan/Zen, Feng Shui (China), etc.
- NMR com raízes nas Tradições indígenas e Pagãs: Cultos “cargo” (Melanesia,
Polinesia), Druidismo/Celtismo, Santeria/Regla de Ocha (Cuba), Umbanda (Brasil),
Candomblé (Brasil), Vudu (Haiti), Brujeria (México), Palo Maiombe (México), Igreja
dos Nativos Americanos (EUA), Xamanismos diversos (Castaneda, Michael Harner,
etc.), Wicca, Eco-paganismo, Heathenismo e Tradição Norse/ Paganismo germânico e
nórdico/Federação pagã, etc.
- NMR com raízes no Esoterismo Ocidental (EO) e nas Tradições “New Age”(NA):
a) EO: Teosofia cristã (Swedenborg, Jacob Boheme, etc.), Rosacricianismo (AMORC,
Rosicrucian Fellowship, Lectorium Rosacrucianum, etc.), Neo-templarismo (OSTS,
OTS, ORT, OCTCND, OVDT, OSMTJ, etc.), (Franco-) Maçonaria (Judaico-cristã,
Cristã, “egípcia”, etc., de Ofício, de Altos graus, Regular, liberal, etc.), Teosofismo
(Sociedade Teosófica de H.P. 261
Blavatksky, Antroposofia de Rudolf Steiner, Escola Arcana de Alice Bailey, etc.),
outras escolas: HOGD/Hermetic Order of the Golden Dawn, de W. Wynn Wescott, AA,
de Aleister Crowley, OTO/Ordo Templi Orientis, de Karl Kellner, Theodor Reuss e A
Crowley, Grupos Gurdjieff e Ouspensky, Igrejas Gnósticas, Satanismo (Igreja de Satã,
de LaVey, Templo de Set, de M. Aquino), Vampirismo (Templo do Vampiro), etc.
b) NA: Instituto Esalen (California), Fundação Findhorn (Escócia), Summit
Lighthouse/Igreja Universal e Triunfante, “O Curso de Milagres”, “A Profecia
Celestina”400, etc.
- NMR com raízes em Culturas Ocidentais Modernas: Espiritualidade centrada nas
Celebridades (Elvis Presley, Princesa Diana, etc.), Psicologias transpessoais (Stanislav
Grof, Pierre Weil, etc.), URANTIA, Ufologia (Raelianos, Heaven’s Gate, etc.),
Controle Mental de Silva, Igreja de Cientologia/Dianética de Ron Hubbard,
Espiritualidades Feministas, Movimento do Potencial Humano (Abraham Maslow),
NLP/Programação Neuro-linguística, Doofs e Raves, etc.

(fim do quadro)
Iiª. P A R T E

O ESOTERISMO EM PORTUGAL E EM FERNANDO PESSOA


NOTAS PARA A HISTÓRIA DO ESOTERISMO EM PORTUGAL

Preferimos a expressão Esoterismo em Portugal à de esoterismo português pois


no território que depois foi Portugal eclodiram formas de esoterismo e além disso há,
para além de algumas variações locais, uma clara característica internacional no
esoterismo ocidental.

Assim, temos de considerar como uma das primeiras manifestações esotéricas


no território que depois foi o norte de Portugal e nas suas mediações (futura Galiza e
futuro Léon), um nosso já conhecido, o gnóstico Prisciliano que chegou a ser Bispo de
Ávila – ver “Patrologia Lusitana” de Pinharanda Gomes. Iniciado no Gnosticismo cristão
por uma notável mulher peninsular, de seu nome Agapê – a qual teria recebido, por
seu turno, a iniciação de um gnóstico do Egipto, um tal Marcos de Menfis – Prisciliano
junta essa iniciação aos cultos estelares e da natureza, de origem celta, que existiam
no noroeste peninsular e leva-os para junto do catolicismo. Difícil – na época –
sincretismo que será causa da sua condenação e consequente morte decretados pelos
outros bispos num Concílio. Mas Prisciliano vai a Roma e convence o Papa a iliba-lo,
voltando à Península. Dizem que esse percurso pelo sul de França lançará a semente
de futuras heterodoxias, mesmo heresias (como a dos Cátaros). Muitos dos seus textos
estão publicados e traduzidos – em Portugal, pela Imprensa Nacional/Casa da Moeda.
No seu livro “De Fide” – sobre a Fé - Prisciliano afirma que tão importante é a leitura
dos Evangelhos Gnósticos ou Apócrifos como a dos Canónicos. Multidões de homens e
mulheres – em que syas teriam um papel importante na comunidade - seguiam este
homem extraordinário pelos campos e pelas montanhas onde se reuniam amiúde. A
Comunhão era distribuída pelos fiéis que a podiam guardar e levar para casa para ser
consumida depois. A comunidade, mista, era ascética como o era o gnosticismo cristão
do Egipto. No entanto não se sabe tudo sobre o priscilianismo pois a tradição refere
que o lema da comunidade era “jura, jura e perjura, mas não digas a verdade”.

Ibn’ Cassi é o segundo grande nome da tradição esotérica no espaço que


depois foi Portugal. Nascido em Silves, descendente dos Cassius romanos peninsulares
que, sendo arianos, estavam em boas condições para aceitar a unicidade de Deus que
a conversão ao islão exigia. Convertido ao fatimismo ismaelita – não esqueçamos que
o Cairo foi sede do ilustrado Califado fatimida que se espalhou pelo Norte de África.
Rei do Sul do Alentejo e do Algarve de 1141 a 1151, Ibn’ Cassi foi também chefe de
uma confraria de monges-cavaleiros, os Muridines, os “discípulos” ou “adeptos” cuja
sede em Djilla, foi localizada recentemente em Arrifana, Aljezur, procedendo-se
actualmente a explorações arqueológicas pelo casal Varela Gomes.

O Mestre Ananias é referido por Pinharanda Gomes (Filosofia hebraico-


portuguesa) como estando à frente de uma escola de “Arte Magna” m Lisboa, no séc
XIV. Esta “Arte” é a denominação dada à doutrina do heterodoxo maiorquino
Raymond Lull (Raimundo Lúlio) e refere-se à sua técnica de argumentação lógica para
converter os muçulmanos –uma espécie de percursora da “inteligência artificial”.

No domínio da Alquimia, é de referir o alquimista padre António de Gouveia –


que chegou a sofrer pelo seu interesse pela Arte de Hermes e o extraordinário Tratado
de Anselmo Caetano Munhoz de Abreu Gusmão de Castelo Branco, o “Ennoea –
tratado de aplicação do entendimento sobre a Pedra Filosofal”, editado em Lisboa,
1733, com todas as licenças do Santo Ofício. Este facto singular - já que se tratava de
um livro de Alquimia – deve-se ao facto de haver na época um sacerdote entusiasta da
Arte de Hermes, o padre Rafael Bluteau, autor de um conhecido Dicionário, além de
que o autor do Tratado elogia o Conde da Ericeira, seu patrono, e também D. João V,
segundo ele “o Monarca do Quinto império Português”. Anselmo Caetano defende a
equivalência entre o Sebastianismo e a Alquimia: “assim como os filósofos de grande
entendimento são alquimistas assim todos os sebastianistas são crysopeios….”.

ENNOEA é um dos mais importantes tratados europeus de alquimia -


infelizmente pouco conhecido dos especialistas europeus, embora Paulo Pereira tenha
publicado na revista francesa de estudos alquímicos “La Tourbe des Philosophes” um
artigo sobre ele – que demonstra um profundo conhecimento da melhor tratadística,
Basílio Valentim, Filaleto, etc., quer no domínio da teoria, quer no domínio da prática
(materiais, regimes, etc.). Mantem a disciplina tradicional quanto ao segredo,
utilizando exemplarmente a simbólica alquímica. Darei dois exemplos apenas tirados
do ENNOEA, um em português e outro em castelhano:
Do casamento hermético do Leão e da Águia.
(...). Tomai a Virgem com asas, lavada, limpa e prenhada, da Seminal e espiritual matéria
do primeiro contacto masculino, ficando ilesa a glória da sua virgindade, com as faces
tintas de roxo; ajuntai-a com o segundo sujeito masculino, sem suspeita, nem perigo de
adultério; e por fim parirá um venerável fruto de ambos os sexos, do qual sairá uma
imortal prosápia de poderosíssimos Reis. (...) Ajuntai pois a Águia com o Leão, e escondei-
os no seu claustro diáfano, com a porta bem tapada, para que não saia por ela a sua
respiração, ou lhe entre o ar estranho. A Águia acometendo o Leão, o despedaçará de
comerá. E logo adormecerá com um profundo e dilatado sono, inchando-lhe tanto o
estômago que feita hidrópica, se converterá com admirável metamorfose em um Corvo
muito negro, este perdendo paulatinamente as penas, principiará a voar e com o seu voo
remontará tanto que sacudirá sobre si mesmo água das nuvens, até que, ficando molhada,
dispa de boa vontade as asas e descendo por falta delas, se convertam num branquíssimo
cisne.

Si en Mercúrio no alterado,/ Dissuelves Oro nativo,


El Rebis has conseguido,/ Y el fermento deseado: Ponle en vaso sigilado,/En fogo lento a
coser, Advertiendo, que ha de ser/ Tan suave el movimiento, Que solo
elentendimiento,/Pueda llegarlo a entender. (…) En dos alas solamente,/ Consiste toda la
Obra, Y lo de más todo sobra,/ Porque és engaño patente: Toma un cuerpo permanente,/ Y
aun te custe disuelo, Abate el Águia al suelo,/ Y no la dexes bolar; Porque el intento es
hallar,/ Modo de unir Tierra y Cielo.

Manuel Rosales “Bocarro Francês”, alquimista e defensor de uma visão


esotérica o Quinto império. Autor do livro “Anacephaleosis da Monarquia Lusitana”.

A este propósito cite-se a acção dos monges de Alcobaça – Frei Bernardo de


Brito à cabeça - em torno de uma escola de (diremos hoje) propagando de muita
qualidade, em torno dos temas do Sebastianismo e do Quinto Império que deu à luz
sucessivamente ao longo de anos os volumes da “Monarquia Lusitana”..

D. Francisco Manuel de Melo, autor do “Tratado de Ciência Cabala”, também


editado em começos do século XVIII (como o ENNOEA)) também com as licenças do
Santo Ofício.

O Visconde de Figanière, natural do Porto, autor de “Submundo, mundo e


suprmundo”, foi considerado pela própria Blavatsky como sendo percursor de alguns
temas da sua teosofia.

(caixa)
A QUINTA DA REGALEIRA, OS MISTÉRIOS E AS INICIAÇÕES

A Quinta da Regaleira, com os seus jardins, poços, grutas e capela, sugere,


através da sua arquitectura nos jardins, fortemente, um percurso iniciático (simbólico ou
real) que une, de um modo coerente e evolutivo, os diversos locais simbólicos e míticos
nela presentes, na perspectiva da Iniciação aos Mistérios em geral e de diversas
iniciações esotéricas em particular: todas as que seguem esse «arquétipo», isto é, o de o
caminho que vai das Trevas à Luz.
Sendo a inspiração literária principal dos jardins a da Divina Comédia de Dante,
isto não exclui outras tradições religiosas, literárias e iniciáticas, também presentes - e
de que maneira! - na obra de Carvalho Monteiro e de Luigi Manini. A solução
arquitectónica dos jardins da Regaleira oferece uma estrutura universal onde assentam
todas as outras referências, como referi anteriormente no meu livro Os jardins
iniciáticos da Quinta da Regaleira (Ésquilo, 2ª. Ed. , 2006, cuja 3ª. Edição revista. sairá
em breve), fazendo a síntese do Cristianismo e do Paganismo e de diversas tradições
esotéricas e inciáticas.
A Quinta da Regaleira em Sintra foi mandada construir na sua forma actual, de
1900 a 1910, por António Augusto Carvalho Monteiro (Rio de Janeiro, 1848 - Sintra,
1920) tendo tido como arquitecto o italiano Luigi Manini, natural de Cremona e
cenógrafo em S. Carlos, o Teatro lisboeta de ópera. Manini foi também o arquitecto do
Palace Hotel do Buçaco, mas se existe alguma semelhança entre o neo-manuelino de
ambos os Palácios, já nos jardins a diferença é notória quanto à dimensão simbólica e
religiosa, a saber, cristã-católica no Buçaco – com destaque para a sua interessantíssima
Via Sacra, infelizmente em muito mau estado - e ecuménica na Regaleira, onde o
Cristianismo e o Paganismo convivem harmoniosamente, de tal modo que os seus dois
santuários, o pagão, a Gruta de Leda e o cristão, a Capela “templária”, dizem por
linguagens diferentes a mesma verdade simbólica e mítica, isto é, que o Espírito divino
fecunda a matéria e esta vai gerar filhos: na Gruta de Leda, uma mulher, esta é
fecundada por Zeus, disfarçado de cisne - Zeus é o maior dos deuses do paganismo
grego e é equivalente ao Júpiter romano . e dará à luz os Gémeos, Castor e Pollux, De
igual modo simbólico, o Espírito Santo – o Espírito do Deus Pai – desce, sob a forma de
pomba, sobre Maria, a Mater, a Matriz, a Matéria que recebe o Espírito e dará à luz
Jesus o Cristo, Filho de Deus. Uma diferença é de assinalar entre ambas as tradições
religiosas, pois enquanto que os deuses das mitologias viviam na lenda e no mito, para o
cristão Cristo encarnou e viveu entre nós num história e numa geografia determinadas.
Ora, sendo o arquitecto dos Palácios do Buçaco e da Regaleira o mesmo e se no
primeiro caso há apenas revivalismo nacionalista e cristianismo católico, no segundo há
a registar elementos esotéricos e míticos quie passamos a enumerar:
- o hermético uroboros (serpente que morde a cauda) à entrada do Palácio da
Regaleira;
- um medalhão com o Pelicano alimentando os filhos, utilizado por fraternidades
iniciáticas cristãs, como os rosa-cruzes, também à entrada do Palácio;
- o gibelino e paraclético “515” de Dante, na sala da caça, encimando a figuração
do Milagre de Santo Huberto – e no centro do 515 , il messo di dio, está um monteiro
com uma arma e dois cães de caça, provavelmente dizendo que Carvalho Monteiro quis
deixar na Regaleira a sua mensagem, o seu testamento espiritual -, e nesta mesma sala a
Oriente está uma figura feminina, o Feminino iluminador, iniciador;
- as três Graças maçónicas, Força Sabedoria e Beleza no tecto do escritório do
proprietátrio no 2º. Andar;
- a referência simbólica ao culto popular do Espírito Santo numa varanda virada
a sul, no Palácio da Regaleira,
- a referência ao Encoberto que estava num grande cadeirão numa das salas do
rés-do-chão do Palácio e que o sebastianista Carvalho Monteiro reservava para o Rei
que há-de vir.
- o facto de na Sala dos Reis as efígies dos sobreranos portuguses terminarem
em D. João V, poderá significar que este seria o último a quem se poderia dizer que era
o Monarca do Quinto Império português – como aliás refere Anselmo Caetano Castelo
Branco no seu Tratado de Alquimia, ENNOEA.
- a presença de um forno no terraço do palácio que – omo asinali no meu
primeiro artigo sobre a Regaleira – poderia ser para secar as peças (conchas, borboletas,
etc.) desse grande coleccionador que foi Carvalho Monteiro, como para actividades
espagíricas e alquímicas.
A quinta da Regaleira tem pois duas componentes essenciais, o palácio neo-
manuelino – celebração da grande dimensão histórica e mítica de Portugal – e os jardins
– celebração das tradições religiosas, espirituais e iniciáticas que informaram, e
informam muito da cultura ocidental e que foram inspiradas por tradições anteriores
vindas da margem sul e oriental do Mediterrâneo, tradições essas que passamos a
referir:
- Religiões de Mistérios, em que os deuses morriam e ressuscitavam: Osiris –
morto e cortado em 14 pedaços pelo seu irmão Seth -, Attis, Adonis, Dionísio – também
morto pelos Titans e dortado em 14 pedaços. De referir que o chamado Patamar dos
Deuses da Regaleira tem vários deuses da mitologia greco-romana: Mercúrio/Hermes,
Vulcano, Baco/Dionísio, etc. mas com referência também uma deusa Ceres/Deméter -
cuja filha foi arrastada pela os mundos inferiores pelo rei dessas regiões, Hadés, mas
que finalmente acabou por passar uma parte do ano debaixo de terra e a outra à
superfície - e um herói e semi-deus, Orfeu, que também desceu aos infernos em
demanda da sua amada Euridice.
- O próprio Cristianismo – a Quinta da Regaleira tem nos jardins uma Capela
cristã - em que Cristo, depois da Paixão – em 14 estações da Via Sacra -, “morreu,
desceu aos infernos, ressuscitou ascendeu aos céus onde está sentado à direita de Deus-
Pai todo-poderoso…”.
- Este arquétipo de descida e ascensão e de morte e ressurreição vai estar
presente na grande literatura de antanho, como as Metamorfoses de Ovídio, a Eneida de
Virgílio e a já referida Divina Comédia de Dante.
- Por fim, as sociedades iniciáticas – rosacrucianas, templárias, maçónicas, etc. -
criaram rituais de iniciação em que os neófitos viviam, simbolicamente, um processo de
morte e ressurreição. Dessas sociedades iniciáticas mencionaremos a presença
iconográfica, na Regaleira, de:
- Athanor (forno) alquímico nas traseiras da capela – uma torre com guela, “tour
de gueles”, torres rubra, torre ao rubro, sendo o Athanor o forno onde a matéria se
espiritualiza e o espírito se corporifica.
- Logo à entrada da Capela, por debaixo do coro, o Delta Radiante ou Triângulo
Luminoso maçónico, com a cruz templária (na versão da Ordem de Cristo), provável
referência a uma corrente maçónico-templária portuguesa. Em torno Delta encontramos
uma corda contornando o rectângulo, provável referência à corda que contorna o tecto
dos templos maçónicos e que simboliza a Cadeia de União universal, a fraternidade
universal.
- Cruzes templária, cruzes da Ordem de Cristo e pentagramas no chão da capela,
refeencia à tradição templária – note.se que a Igreja de Santa Maria do Olival em
Tomar, que foi panteão dos Mestres templários, tem um pentagrama à entrada e outro
no interior sob o altar. A cripta da Capela tem quadro janelas para a superfície com
cruzes templárias (na variante teutónica, referência à Estrita Observância Templária?) e
o seu chão é o ladrilhado branco o preto – o “xadrez do cjão ritual”, como escreve
Pessoa num seu poema -, o “ladrilhado maçónico” inspirado no estandarte templário, o
Beaucéant.
- Para além do maior Poço iniciático ter nove níveis, simbolizando os nove círculos do
Inferno da Divina Comédia de Dante, não deixa de ser curiosa a coincidência de o grau
maçónico (13º. do REAA) de Cavaleiro do Arco Real de Enoch mencionar um conjunto de 9
câmaras sucessivas, horizontais ou verticais (consoante os rituais), onde se desenrola a
iniciação.

Para terminar esta breve incursão pelos mistérios simbólicos e míticos da Regaleira
deve referir-se que estas descobertas e indentificações que fiz nos primeiros trabalhoa partir
de 1990 (inclusive) e que revelavam um enorme interesse por parte do proprietário e
construtor (com Manini) da Quinta, foram confirmadas quando me foi oferecido (por Paulo
Pereira) o catálogo da Biblioteca do Congresso, em Washington, sobre os manuscritos de
Carvalho Monteiro, e onde estão listados manuscritos sobre Alquimia, Sebastinismo, Quinto
Império, Templários, Maçonaris, etc.

Mas, não estaria completa uma referência à Quinta da Regaleira sem mencionarmos o
facto de nos poemas explicitamente esotéricos que Fernando Pessoa escreveu de 1930 até
1935, estarem referências, em nosso entender, explícitas à Regaleira - “Estalagem do
assombro”, “o muro da estrada”, “o xadrez do chão ritual” (a que asiste…) na cripta da capela,
o “atro poço”, os “degraus” do mesmo, etc. etc. E os poemas “Na Sombra do Monte Abiegno”
e “Do vale à montanha”, ambos de 1932 e o poema “O último sortilégio”, publicado na revista
coimbrã “Presença” nº. 29, de 1930, são em qualquer caso uma bela descrição da geografia e
da atmosfera simbólica e mítica da Regaleira, podendo ser também referências à sua
dimensão iniciática e mesmo ritualistica. Vejamos o poema “Eros e Psique” publicado na
revista “Presença”, n~.41/42 de Maio de 1934, em que o Poeta apresenta em exergue um
trecho do que ele nos diz ser o “Ritual do Grau de Mestre do Átrio na Ordem Templária de
Portugal”:

…E assim vedes, meu Irmão, que as verdades

Que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas

Que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são,


Ainda que opostas, a mesma verdade

“Conta a lenda que dormia/Uma Princesa encantada/

A quem só despertaria/Um Infante que viria/De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,/ Vencer o mal e o bem,/

Antes que, já libertado,/Deixasse o caminho errado/Por o que à Princesa vem.

A Princesa adormecida, Se espera, dormindo espera,

Sonha em morte a sua vida,/E orna-lhe a fonte esquecida,/Verde, uma grinalda de


hera.

Longe o Infante, esforçado,/Sem saber que intuito tem,/

Rompe o caminho fadado./Ele dela é ignorado./Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino -/Ela dormindo encantada,/Ele buscando-a sem tino/

Pelo processo divino/Que faz existir a estrada.

E se bem que seja obscuro/Tudo pela estrada fora,/

E falso, ele vem seguro,/E, vencendo estrada e muro,/Chega onde em sono ela mora.

E, inda tonto do que houvera,/Á cabeça, em maresia,/Ergue a mão, e encontra hera,

E vê que ele mesmo era/A Princesa que dormia”

Vejamos ainda estes trechos:

“A Montanha por achar/Há-de ter, quando a encontrar,/

Um templo aberto na pedra/da encosta onde nada medra.

O santuário que tiver,/Quando o encontrar, há-de ser/

Na montanha procurada/E na gruta ali achada…

(poema de F.P. datado de 1934)


“…Ou em êxtase mágico perdida,/Ao luar, à boca da caverna funda.

…”E as longínquas deidades do atro poço,/

(trechos do poema “O Último Sortilégio”, publicado na revista “Presença” em


Dezembro de 1930)

…”Deixar atrás, descendo, passo a passo,/A escadaria cujos degraus são/

Sucessivos aumentos de negrume,/Até ao extremo solo e noite inteira”

(poema de F.P. datado de 1932)

E ainda o poema Iniciação:

“Não dormes entre os ciprestes,/ pois não há sono no mundo (…)

Mas na Estalagem do Assombro/Tiram-te os Anjos a capa:/

Segues sem capa no ombro,/Com o pouco que te tapa,

Então Arcanjos da Estrada/Despem-te e deixam-te nu.

Não tens vestes, não tens nada: tens só teu corpo que és tu,

Por fim na funda Caverna,/Os Deuses despem-te mais,

Teu corpo cessa, alma externa,/Mas vês que são teus iguais (…)

A sombra das tuas vestes/Ficou entre nós na Sorte.

Não ‘stás morto, ntre ciprestes. (…)

Neófito, não há morte.”

(poema sem data publicado na revista “Presença”, nº. 35, em Maio de 1935)

De referir ainda que os mundos subterrâneos da Regaleira poderiam estar presentes


simbolicamente e como inspiração no manuscrito esotérico e mítico de Pessoa ititulado o
“Subsolo”.

Salientemos que António Augusto Carvalho Monteiro morreu em 1920 e que em 1930
o seu filho Pedro já era proprietário da Quinta (embora com muitas dificuldades financeiras, de
tal modo que depois vende a Waldemar D’Orey) onde que provavelmente acolhia um pequeno
cenáculo iniciático, a “Ordem Templária de Portugal”, eventualmente maçónico-templária,
cenáculo que incluiria, além de Pedro Monteiro, Pessoa e o seu companheiro de andanças
esotéricas Augusto Ferreira Gomes (jornalista e autor do livro “Quinto Império” que o Poeta
prefaciou) e ainda Álvaro Ribeiro, nome importante da Filosofia portuguesa – que António
Telmo refere, em entrevista à revista “Ler”, aquele lhe ter dito que A. Ferreira Gomes era “o
companheiro de Pessoa da Loja do Arco Real”.

Mas, repito, a Quinta da Regaleira é fruto de dois espírito universais, o proprietário


Carvalho Monteiro e o arquitecto Luigi Manini, que souberam oferecer-no um verdadeiro
testamento filosófico, espiritual e iniciático, numa dimensão ecuménica onde convivem o
Paganismo e o Cristianismo e onde florescem diversas – não uma, mas várias - referências a
tradições literárias e iniciáticas.

(fim da caixa)

O esoterismo português no século XX destaca-se pela sua vertente literária e artística.


Desde logo pelo seu percursor, Sampaio Bruno –o portuense José Maria de Sampaio (Bruno) –
que no seu livro (póstumo, mas incluindo diversos artigos publicados em vida), “Os Cavaleiros
do Amor ou a Religião da Razão”, disserta sobre alguns dos temas que serão retomados por
outros autores da segunda metade do século XX (Lima de Freitas, António Telmo, Manuel J.
Gandra, etc.), numa dimensão mítica e esoterisante, a qual têm a ver com os Fiéis do Amor, os
Templários e as sobrevivências da Ordem de Cristo (“A Lusitania transformada” de Fernão
Álvares do Oriente); Bruno também refere o eu contacto com os esoteristas do Paris do
começo do século, particularmente o rosacruciano Sar Peladan.

Almada Negreiros é um neo-pitagórico que dá testemunho disso, desde logo no painel “O


Começar” que está no átrio da Fundação Gulbenkian, em Lisboa, onde encontramos em
posição central, a Estrela pentagonal dos pitagóricos e ainda o traçado do Ponto da Bahute dos
construtores alemães – o ponto que está no centro do triângulo, do quadrado e do círculo (“se
encontrares esse ponto estarás salvo, se não o encontrares estás perdido”, cantavam eles) – e
também em vários artigos e entrevistas(uma dada a António Valdemar e publicada no Diário
de Notícias) que Lima de Freitas publicou e estudou nos livros “Almada e o Número” e “Ver”
e que têm a ver com os segredos da Geometria e da Aritmética sagradas, dando primazia à
figura e depois ao número – “Ao princípio Deus geometrizou, diziam os pitagóricos –
dissertando sobre o Número de Ouro, a Divina Proporção, a Relação 9/10, os Painéis de S.
Vicente, etc.

FERNANDO PESSOA

Mas é em Fernando Pessoa que o esoterismo atinge uma grande dimensão espiritual e
filosófica não só em muitos dos seus poemas (exiplicitamente naqueles escritos de 30 a 35,
mas implicitamente em outros anteriores), como também em vários textos do espólio –
publicados, entre outros, por Ivette Centeno e António Quadros. Este último, ensaiou uma
periodização da sua obra ensaística m três “estádios”: após um estádio filosófico que durará,
segundo este estudioso, de 1905/6 a 1915/6, começa, para Pessoa um estádio neo-pagão que
durará até 1920, findo a qual começará um estádio gnóstico que acompanhará o poeta até ao
fim da sua vida, em 1935. (cf. António Quadros, Obras de Fernando Pessoa). A dimensão
esotérica do Poeta da “Mensagem” é tão grande, variada e profunda que ele merece neste
livro um capítulo inteiro – como mereceu da minha parte um livro, “Fernando Pessoa e os
Mundos esotéricos” (Ésquilo, Lisboa, 3ª. Edição, 2006) que espero reeditar brevemente, numa
edição revista e aumentada.

Outros nomes que já “da lei da morte se libertaram”

AGOSTINHO DA SILVA

Não sendo propriamente um esoterista stricto senso a sua actividade intelectual e


espiritual situa-se em zonas fonteiras onde o símbolo e o mito tocam o esoterismo e não
apenas o ocidental. Desde logo, as suas referências franciscanas e joaquimitas no que toca à
Terceira Idade e ao Quinto Império do Espírito Santo. A sua valorização do culto popular do
Espírito Santo, centra-se no simbolismo espiritual das suas três componentes rituais,
começando logo pela Coroação do Imperador do Espírito, um homem qualquer (tirado à sorte,
pois o Espírito Santo sopra onde bem quer) ou mais recentemente uma criança, simbolizando
a coroação da simplicidade de coração e de espírito – o espírito desce mais facilmente sobre os
simples, os parvulli, os que têm menos ideias feitas, menos pre-conceitos. Segue-se o Bodo do
Espírito Santo, onde pobres e ricos partilhavam uma refeição comum, símbolo da fraternidade
entre os homens; as festas do E.S. foram introduzidas ou valorizadas pela Raínha Isabel de
Aragão, futura Rainha Santa (que embora vindo de um universo heterodoxo, acaba comom
Santa da ortodoxia católica), começando por Alenquer e depois em Sintra, onde no Palácio
Real existe uma capela vermelha com as pombas brancas pintadas esvoaçando e diz a tradição
que este notável casal real, ela e D. Diniz seu esposo, serviam à mesa durante o Bodo do ES,
em Sintra. A terceira componente deste Culto Popular – que hoje só está presente no
Continente, de quando em vez, na Aldeia do Penedo, na Serra de Sintra e apenas com
referências simbólicas na Festa dos Tabuleuros em Tomar, mas que está presente nas Ilhas dos
Açores e por onde os Açoreanos chegaram, E.U.A. e Canadá - só existe no Brasil,
concretamente em Paraty, cidade colonial do Estado do Rio de Janeiro e consiste na Libertação
dos presos, normalmente de um preso ou presos em fim de pena, pós a coroação do
Imperador e do Bodo. De onde provirá esta terceira componente? A origem deste culto
popular reside na teoria do Abade calabrês Joaquim de Fiore, a doutrina das Três Idades, a
qual consistia na seguinte sequência: 1) houve primeiro a Idade do Pai, a idade da Justiça, a
idade do Antigo Testamento; 2) depois chegou a Idade do Filho, a Idade do Amor, a Idade do
Novo Testamento, 3) mas estava a chegar a Idade do Espírito Santo, a idade da Liberdade, a
idade do Evangelho Eterno, que é o título de um livro de um discípulo do Abade Joaquim,
publicado no século XIV. A esta ideia aderiram os franciscanos mendicantes e os espirituais, os
fraticelli que erravam pelos campos e criticavam os dos conventos pelo seu conforto
(demasiado, segundo eles) e também uma parte da cristandade, entre a qual estava o pai de
Isabel de Aragão, correspondendo-se ela própria com os heterodoxos espanhóis das catalães e
das baleares, Arnaldo de Villanova e Raimund Lull, o que não deixa de ser interessante, pois
vinda da hetedoxia, ela acaba como santa da ortodoxia católica.

Também a ideia de Quinto Império cativou Agostinho da Silva que reviu e a


desenvolveu num plano espiritual, pois se para o Padre António Vieira - e também para o autor
do Tratado alquímico ENNOEA, Anselmo Caetano - esse Império era “imperial”, português e
ctólico e não poderia deixar de o ser na época, já para Fernando Pessoa o Quinto Império, uma
vez perdido o Brasil, era um império da Lingua portuguesa, “a nossa pátria é a língua
portuguesa”. Ora regressado do Brasil, para onde fora mandado por Salazar por motivos
políticos – e onde foi Professor universitário, ajudando a fundar universidades – depois da
Revolução de 25 de Abril e da Descolonização, o Quinto Império de Agostimnho da Silva é não
imperialista, pois como ele diz: “agora que já não temos Império material, podemos
enfimconstruir o Quinto Império do Espírito Santo”!

Não posso deixar de referir o que António Telmo refere em entrevista, relativamente à
ocupação do Mundo pelo Quinto Império português, projecto – financiado por um capitalista -
que levou alguns portugueses a Brasília para receberem a “ordem de marcha” dada pelo
Professor. Perante um mapa-mundi, Agostinho distribuiu as áreas geográficas a cada um, após
o que António Telmo (que iria segundo me lembro patra Granada) perguntou: “e o que
teremos de fazer?”. “Nada, absolutamente nada!” disse o “coordenador” do Quinto Império
português. “Basta estar nesses diversos pontos do globo e assim procederemos à ocupação
quinto-imperial do mundo”. Ora esta é outra clara referência ao esoterismo chinês,
concretamente ao Taoismo, pois a sua doutrina do Wu Wei, diz que “a mais eficaz das acções é
a não-acção”. SE por um lado, na Inglaterra de Cromwell os ultra-puritanos “Men of the Fifth
Monarchy” andavam aos tiros, mais tarde em Portugal planeava-se uma ocupação do mundo,
pacífica, diremos mesmo, poética…

Obras de Agostinho da Silva: “Um Fernando Pessoa”, “Sete cartas a uk jovem filósofo” e
diversos volumes de Ensaios.

NATÁLIA CORREIA

Poetisa, melhor, poeta, muito voltada para os temas simbólicos e míticos, numa
perspectiva heterodoxa, ela assume uma dimensão expressamente esotérica no seu magnífico
livro de poesia “Sonetos Românticos” e com as “Núpcias”, ambos claramente inspirados pela
alquimia.

LIMA DE FREITAS

Lima de Freitas – que é um grande ensaísta muito apreciado por especialistas

estrangeiros de nomeada, alguns deles universitários como Gilbert Durand – para além dos

seus quadros exemplares da uma visão estética simbólica e mítica, incluindo temas como “O

515”, o Prestes João, O Encoberto, O Jardim das Hespérides, etc., fez o resumo dos temas

míticos, simbólicos e esotéricos que estão presentes na tradição portuguesa, nos seus painéís

“da Estação do Rossio” (13 dentro da estação e mais 1 no acesso ao Metro), cujo conjunto é

visita de estudo indispensável para os que se interessam por estas dimensões. De entre estes

temas destacamos os que tem a ver com o culto do Espírito Santo, o Quinto Império e o

Sebastianismo e dois painéis de grande valor eotérico, um sobre o neo-pitagorismo de Almada

e outro sobre “o Caminho da Serpente” de Fernando Pessoa.


Outras obras: “515, o lugar do espelho” (tradução da edição francesa “515, le lieu du

miroir”), “Ver”, “Almada e o número”, “Porto do Graal” e “50 anos de pintura”.

ANTÓNIO TELMO

António Telmo ganhou notoriedade, merecida, pelo seu trabalho pioneiro, logo
a seguir ao 25 de Abril, o seu livro “A História Secreta em Portugal” – reeditado como
título de “O Horóscopo de Portugal”. Mas outros livros se seguiram, de entre os quais
“O Desembarque dos maniqueus na ilha de Camões”, “O Bateleur”, “A gramática
secreta da língua portuguesa”, “Filosofia e Kabalah”, “O Mistério de Portugal na
História e n’Os Lusíadas”, “Congeminações de um neo-pitagórico”, “A Aventura
maçónica”.

DALILA PREIRA DA COSTA

- Dalila Pereira da Costa, mística portuense, destacou-se com vários livros que
aliam o mito e o símbolo ao esoterismo, dos quais destaco, para além do já citado
“Introdução à Saudade” (com Pinharanda Gomes), “O Esoterismo de Fernando Pessoa”
– o primeiro livro sobre este tema publicado ainda antes do 25 de Abril -, “A Nau e o
Graal”, “Da Serpente à Imaculada”

Outros nomes dos ainda vivos

Referimos acima nomes daqueles que em Portugal deram um contributo no


domínio do esoterismo, quer através de estudos, quer através de textos esotéricos,
mas que somente os que “da lei da morte já se libertaram” – como vimos, no século
XX, Sampaio Bruno, Almada, Pessoa, António Quadros, Dalila Pereira da Costa, Lima de
Freitas, António Telmo, etc. –, mas é forçoso não nos restringirmos apenas a esses,
pelo que referiremos também nomes dos que ainda estão entre nós, seja de
esoterólogos (os que estudam o esoterismo) seja de esoteristas (os que também e
sobretudo o praticam), como:

- a Professora Yvette Centeno, desde logo com a sua Tese de Doutoramento


(anos 70, na FCSH/UNL) sobre A Alquimia e o Fausto de Goethe e outro estudo sobre a
simbólica do Conto da Serpente Verde, mas é a publicação de ensaios sobre o
esoterismo de Fernando Pessoa que atingem um público maior, interessado nestes
assuntos: “Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética”, “Fernando Pessoa, Amor, Morte,
Iniciação”, etc.

- o notável estudioso Pinharanda Gomes, com o livro “Introdução à saudade” –


com Dalila Pereira da Costa -, mas sobretudo com “Diccionário de Filosofia
Portuguesa” e a obra em três volumes “Patrologia lusitana”, Filosofia hebraico-
portuguesa” e “Filosofia arábigo-portuguesa”, refere nomes de grande importância no
domínio do esoterismo

- António de Macedo, arquitecto, cineasta, autor de livros de ficção científica,


tem escrito livros sobre esoterismo, de entre os quais “O Esoterismo da Bíblia” – Tese
de Doutoramento na FCSH/UNL, orientada pelo Prof. Moisés Espírito Santo e de que
tive a honra de ser co-arguente. Outros textos: “Instruções iniciáticas”, “Laboratório
mágico”, “O Neo-Profetismo e a Nova Gnose”, “Textos neo-gnósticos”, etc.

- Manuel J. Gandra que começou na Eubiose em Sintra, tendo-se radicado mais


tarde em Mafra, cujo Convento estudou sob o ponto de vista simbólico e mítico.
Publicou vários ensaios e livros sobretudo sobre o Sebastianismo e o Quinto Império e
em geral sobre a História Mítica de Portugal – “A face oculta do rosto da Europa”, “
Portugal sobrenatural”, “O projecto templário e o Evangelho português”, “ A Astrologia
em Portugal”, “Diccionário do milénio lusíada”, “Cadernos da Tradição”, etc. Foi o
organizador de uma exposição de material alquímico do grupo “Filiation Solazaref”, e
de uma conferência e performance musical de música gurdjeviana deste grupo, ambos
em Mafra

Adalberto Alves é um estudioso arabista que publicou vários livros sobre esta
tradição portuguesa, de entre os quais “O meu coração é árabe”, “Al-Mutamid: poeta
do destino”, “Portugal e o Islão iniciático”, etc. e o notável estudo sobre o sufi Ibn’Cassi
de Silves, com o título “As sandálias do Mestre”, publicado primeiro na Hugin e depois
na Ésquilo.
Paulo Pereira, Mestre em História de Arte, foi Vice-Presidente do IPPAR e tem
escrito muito sobre o simbolismo de monumentos e lugares sagrados de Portugal,
começando pela Simbolismo dos Jerónimos (com Ana Cristina Leite), passando pelo “A
Quinta da Regaleira, história, mito e símbolo”, com Denise Pereira da Silva e eu próprio
e terminando na monumental e utilíssima obra (em diversos volumes ou num só,
consoante a edição) “A História da Arte em Portugal”.

Paulo Cardoso, químico e astrólogo, estudou desde há muito os textos


astrológicos e horóscopos da “arca” de Fernando Pessoa, tendo publicado
recentemente um livro sobre o assunto, “Fernando Pessoa: cartas astrológicas”, mas
antes já havia publicado outro sobre o mesmo tema e simultaneamente outro sobre a
simbólica da Torre de Belém.

Carlos Calvet, arquitecto e pintor de nomeada, é também especialista da


geometria e da aritmética sagradas, tendo publicado vários artigo na revista de Arte da
Gulbenkian que depois reuniu em livro, “Mito-geometria de Portugal”, editado na
Hugin.

Pedro Teixeira da Mota, publicou vários livros com textos esotéricos de


Fernando Pessoa, por ele comentados, dos quais “Rosea Cruz”.

Vitor Adrião, tendo começado na Eubiose cedo formou a Comunidade Teúrgica


portuguesa, com ensinamentos semelhantes aos da Sociedade liderada muito tempo
por Olímpio Gonçalves. Publicou muitos e diversos livros sobre a história mítica de
Sintra e sua simbólica e sobre Portugal em geral. Interessante o seu precioso livrinho
sobre os lugares mágicos de Lisboa, “Lisboa insólita secreta”.

Paulo Loução, dirige a Editora Ésquilo, onde publiquei vários dos meus livros –
e é responsável também pela associação “Nova Acrópole”. Mais recentemente criou
ainda a Editorial Eranos. De entre a sua obra destacam-se livros sobre as raízes arcaicas
de Portugal e sobre os templários e os descobrimentos: “A Alma secreta de Portugal”,
“Os templários na formação de Portugal”, “Dos templários à Nova Demanda do Graal”,
“Portugal terra de mistérios”, etc.
Na linhagem dos ensinamentos da Nova Acrópole é de citar ainda José Carlos
Fernandez e ainda um dos seus antigos responsáveis portugueses, Eduardo Amarante
que tem publicado livros sobre as raízes arcaicas de Portugal e os descobrimentos.

Rainher Darnhart, alemão radicado em Portugal, tem na sua Quinta em Belas


um centro de animação da tradição celta em Portugal e sobre este tema publicou
vários livros. Ficou célebre uma entrevista que deu a Vitor Mendanha sobre a
descoberta de documentos coptas numa gruta da açoriana ilha do Pico

Jorge de Matos, começou também na sintrense Eubiose e é autor de vários


ensaios e do livro “O pensamento maçónico de Fernando Pessoa”, com prefácio meu.

Maria Flávia Monsaraz é a decanba dos estudos astrológicos em Portugal, uma


Astrologia principalmente de auto-conhecimento psicol-espiritual, baseada nos
escritos de ….. Publicou diversos livros entre os quais…Urano…, com prefácio meu

José Medeiros, ceramista de qualidade, é autor de livros sobre a interpretação


das mãos e sobre o Tarot. Foi mecenas de uma edição fac-similada, com prefácio de
Manuel Gandra, do tratado português de Alquimia de Anselmo Caetano Castelo
Branco, ENNOEA (1733). Depois de uma visita a Portugal da Associação alquímica “Les
Philosophes de la Nature”, de Jean Dubuis, José Medeiros dedicou-se à Espagíria,
seguindo os seus ensinamentos.

Vitor Mendanha celebrizou-se nestas áreas quando, enquanto jornalista do


Correio da Manhã publicou regularmente diversas entrevistas com personalidades
esotéricas ou que estudavam o esoterismo (entre as quais eu póprio) e ainda com
trabalhos sobre segredos e mistérios dos lugares sagrados de Portugal. Nesta
sequência publicou vários livros, -………, um dos quais é uma entrevista comigo sobre a
quinta da Regaleira, seguido de um ensaio meu sobre “A linguagem dos pássaros”.

Antónia de Sousa teve um papel equivalente nas páginas do Diário de Notícias


numa época e com um papel equivalentes à de Vitor Mendanha – anos 80 e 90.

Fiama Hasse Pais Brandão, destcada escritora e poetisa publicou nas páginas
da revista “História” alguns textos sobre história mítica portuguesa, dos quais destaco
um sobre a interpretação simbólica e esotérica das Capelas Imperfeitas da Batalha.
Paulo Borges, Professor universitário (FLL), é Presidente da União Budista e
anima o grupo de protecção dos amimais….. É autor de livros importantes sobre
Agostinho da Silva.

Luís Carlos Matos, co-fundador (com Jorge Matos) da revista Quinto Império é
autor de um livro sobre Maçonaria regular cristã.

Luís Resina, escreveu recentemente sobre a Astrologia de Fernando Pessoa e


tinha anteriormente publicado um livro sobre o Tarot, com prefácio meu.

Pedro Silva, etc.

Não podemos elencar aqui todas as sociedades e organizações iniciáticas e


esotéricas em Portugal, mas referindo-nos às principais teremos, para além da
Maçonaria nas suas diversas correntes, as mais antigas: a Sociedade Espírita que
sobreviveu à repressão que lhe moveu a Ditadura e a Sociedade Teosófica que
perdura até hoje e que tanto influenciou Fernando Pessoa; nela havia, segundo ele,
um grupo hermético – com uma Loja Martinista - dirigido pelo Dr. José Antunes que
publicou um livro A Filosofia hermética. De referir também no contexto teosófico, o
Professor da FLL, Délio Nobre Santos, que foi Bispo de Igreja Gnóstica. Também de
destacar na Sintra dos anos 50 a Ordem Esotérica e Iniciática, de Costa Cabral – cujo
espólio foi oferecido à Câmara de Sintra.

Já no último quartel do século XX é de referir a Sociedade Portuguesa de


Eubiose, decorrente dos ensinamentos teosóficos do brasileiro Henrique José de Sousa
e que foi dirigida durante muito tempo por Olímpio Gonçalves, um Licenciado em
Filosofia que se dedicou também à Alquimia. Publicava a revista “O Graal” com
diversos artigos esotéricos – por exemplo a simbólica do Terreiro do Paço e da Baixa
Pombalina - que fizeram escola entre os esoteristas portugueses mais jovens;
lembremos que passaram por ela, entre outros, Manuel J. Gandra, Vitor Adrião, Jorge
Matos, Luís Carlos Matos e ido para a Sociedade Brasileira de eubioso, Alberto Vieira
da Silva.

Relevo também para a Antropososofia (de Rudolf Steiner) e a Associação


Waldorf – com a sua pedagogia singular - , a associação Quiron de Flávia Monsaraz
que tem tido um grande papel na divulgação e ensino da Astrologia, sendo bem
secundada pelas organizações de Paulo Cardoso e Luís Resina. Apareceu em começos
dos anos 90 o Projecto Uno, animado pelo psicólogo Pedro Veiguinha que reuniu
algumas tendências esotéricas portuguesas (teosóficas, maçónicas, rosa-cruzes, etc.).
O jornal Biosofia do CLUC – Centro Lusitanmo para a Unificação Cultural, de tendência
teosófica mas com relevo para a vida espiritual de Portugal, tem tido uma publicação
constante ao longo de anos. Já em pleno século XX, a Casa do Fauno na Quinta dos
Lobos, em Sintra (perto da Regaleira), animada por Alexandre Gabriel, desenvolveu um
conjunto de actividades ligadas ao esoterismo, às novas espiritualidades, às terapias
alternativas (Conferências, workshops, estágios, etc.). Por seu turno o MIL –
Movimento Internacional Lusófono, dirigido por Renato Epifânio, com referência à
figura de Agostinho da Silva, tenta fazer a síntese entre o Político e o Mítico, com a
revista “Nova Águia”. Quanto a editoras, teremos a Ésquilo e a novel Eranos e a Zéfiro

Estas referências não são exaustivas, pois há um conjunto de pequenos grupos


das mais diversas tendências – Wicca, neo-pagãos, Reiki, regressão - que se situam em
torno as Novas Espiritualidades, do New Age e mesmo do Esoterismo Tradicional e que
seria difícil de enumerar, tal como é difícil enumerar um conjunto de personalidades
que fazem da Astrologia, do Tarot, das cartas, dos búzios, dos cristais, da bruxaria afro-
americana, do Umbanda e do Candomblé, etc. a sua actividade e modo de vida.

O “Fecho da Abóbada”:

O ESOTERISMO EM PERNANDO PESSOA

Como chamou a atenção Jorge de Sena (no “Diário de Notícias” de Março de 1957 e
depois no “Estado de S. Paulo” de Março de 1963 e no “Comércio do Porto” de Janeiro de
1964) “O capítulo das relações e convicções esotéricas de Fernando Pessoa é, ainda hoje, com
ser fundamental, um dos menos compreendidos. Não é possível compreender-se aquilo que
não se toma a sério (…) É porém, indispensável tomarmos a sério, criticamente, aquilo que
Pessoa assim tomava. Porque grande equívoco é (…) não situar no seu contexto europeu um
interesse pelo Oculto que Pessoa partilhou com quase todos os grandes pares do post-
simbolismo. Ele, Yeats, George, Rilke, Milosz, e tantos outros, não podem ser compreendidos
e valorizados, se forem pudicamente amputados do que, com características várias, foi parte
integrante das suas visões do muindo” (citado por Vítor Belém in “O Mistério da Boca do
Inferno”, p. 43). De facto, é conhecido o interesse de vários escritores e artistas pelo
esoterismo, Referiremos, de passagem, Goethe, com o conto da “Serpente Verde” e o
“Fausto”, Edward Bullwer-Lytton e os seus livros “Zanoni” e a “Raça Futura, Yeats e a sua
pertrença à H.O. Golden Dawn, os já mencionados “ Salons de la Rose Croix” de Sâr Péladan
com Èric Satie e Gustave Moreaux, a “Ars Magna” de Oscar Milosz e ainda o interesse de
nomes como Rimbaud, Baudelaire e Gérard de Nerval (este com Voyage en Orient, Les initiés),
os Surrealistas (Breton, Max Ernst. Kandinski, etc.) e ainda obras como o “Golem” de Gustav
Meyerink, “O Mago” de Sommerset Maugham, “Aleph” de Jorge Luís Borges. etc., etc.

O próprio Poeta-esoterista dá conta, com entusiasmo, deste seu interesse – um


interesse e uma vivência sofridos -, no “Livro do Desassossego”: “Do estudo da metafísica, das
ciências, passei a ocupações do espírito mais violentas para o equilíbrio dos meus nervos.
Gastei apavoradas noites debruçado sobre volumes de místicos e de cabalistas que nunca
tinha paciência de ler de todo, de outra maneira que não intermitente trémulo (…). Os ritos e
as razões dos Rosa-Cruz, a simbólica (…) da Cabala e dos Templários (…) – sofri durante tempos
a aproximação de tudo isso. E encheram a febre dos meus dias especulações venenosas, da
razão demoníaca da metafísica – a magia, (…) a alquimia – extraindo um falso estímulo vital da
sensação dolorosa e presciente de estar como que sempre à beira de saber o (ou um) mistério
supremo (…)”

Esta importante faceta de Pessoa que dura quase a sua vida toda, de jovem adulto
até à sua morte, mereceu a atenção de livros de estudiosos como Dalila Pereira da Costa,
António Quadros e Yvette Centeno e de outros académicos como Teresa Rita Lopes, Robert
Bréchon, Manuela Parreira da Silva, Richard Zenith, Jeronimo Pizarro, Stephen Dix, etc. que
publicaram e estudaram os diversos temas que mereceram sucessivamente a atenção do
Poeta: Espiritismo, Astrologia, Teosofia, Gnosticismo, Hermetismo, Magia, Alquimia, Cabala,
Rosacrucianismo, Templarismo e Maçonaria, dando também atenção a mitos nacionais com
ressonância esotérica como o Sebastianismo e o Quinto Império. Para além dos poemas o
Poeta escreveu trechos e obras esotéricas, de grande interesse (mesmo que incompletas),
como o “Ensaio sobre a Iniciação”, “Átrio”, “Subsolo” e o notável “O Caminho da Serpente” –
“o livro que não o é”… - mas os poemas explicitamente esotéricos – onde a literatura se cruza
com o esoterismo - escritos entre 1930 (ano da visita do mago inglês Aleister Crowley a Lisboa,
para o conhecer e iniciar) e 1935 (ano da sua morte), como “O último sortilégio”, “Na sombra
do Monte Abiegno”, “Eros e psique” - -apresentanto em exergue um trecho do “ritual do grau
de Mestre do Átrio na Ordem Templária de Portugal” -, “No túmulo de Christian Rosencreutz”,
“Iniciação” e “S. João”.
A TEOSOFIA EM PESSOA

Fernando Pessoa passa por várias correntes esotéricas, desde o Espiritismo e a


Astrologia – neste domínio particular, recomendamos desde logo os livros de Paulo
Cardoso e também de Luís Resina - mas a dimensão propriamente “esotérica” começa
com o seu interesse pelas doutrinas da russa Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891).
Pessoa teve contacto estreito com a teosofia – ou “teosofismo”, para não se confundir com a
teosofia cristã - de Blavastsky (que ele descobre em 1915, com 27 anos), tendo traduzido, para
português, nesse período, vários livros dessa corrente esotérica - segundo José Galvão (in
Fontes Impressas da Obra de Fernando Pessoa), os seguintes: o Compêndio de Teosofia, de
C.W. Leadbeater, os Auxiliares Invisíveis, A Clarividência e Os Ideais da Teosofia , estes de
Annie Besant, e a Luz sobre o Caminho, o Carma e A Voz do Silêncio de H.P. Blavatsky –
editado mais recentemente na Assírio e Alvim com prefácio meu - cf. Arnaldo Saraiva,
Fernando Pessoa – Poeta tradutor de poetas. Ssob o pseudónimo de Fernando Castro, traduziu
O Mundo de Amanhã, Conferências Teosóficas e Introdução ao Yoga, de Annie Besant, e Os
Servidores da Raça Humana, de C.W. Leadbeater. Todos estes livros foram editados na
“Colecção Teosófica e Esotérica da Livraria Clássica Editora, de Lisboa (cf. prefácio de Murilho
Nunes de Azevedo à edição brasileira de A Voz do Silêncio, editada por Civilização Brasileira,
Rio de Janeiro, 1969, p. 27-28)

A teosofia criada por HPB em 1875 (ver o nosso capítulo sobre o esoterismo no século
XIX) desempenha em Pessoa um papel de grande importância, pois é ela que - com a sua
concepção de um Tradição Primordial, núcleo comum a todas as tradições religiosas e
iniciáticas - vem sustentar, de algum modo, o neo-paganismo essencial de Pessoa, pois todos
os deuses são iguais quanto à sua dignidade espiritual, visto que têm um tronco comum. Por
outro lado, ao poder ser lida como um sistema ultra-cristão (como ele diz), é ela que
curiosamente vai permitir a Pessoa, a passagem do estádio neo-pagão para o estádio gnóstico,
que começará em 1920 (utilizando as denominações de António Quadros - cf. Obra de Frnando
Pessoa, Vol III).
Numa carta a Mário de Sá Carneiro, datada de 6 de Dezembro de 1915, escreve o
Poeta, em plena fase de fascínio pela doutrina blavatskiano: ”A (crise intelectual) que apareceu
agora deriva da circunstância de eu ter tomado conhecimento das doutrinas teosóficas (...)
conheço a essência desse sistema. Abalou-me a um ponto que eu julgaria hoje impossível (...)
O carácter extremamente vasto desta religião-filosofia (...) perturbou-me muito (...)”. E depois
de ter confessado que “cousa idêntica” lhe acontecera “há muito tempo com a leitura de um
livro inglês sobre “Os Ritos e os Mistérios da Rosa-Cruz”, Pessoa afirma que está perturbado
ou mesmo assustado (“hanté”) pela “possibilidade de que ali, na Teosofia, esteja a verdade
real”. Nessa mesma carta, Pessoa explicita a razão da sua perturbação ou “crise”, pois ao
considerar a Teosofia como um “sistema ultracristão - no sentido de conter os princípios
cristãos elevados a um ponto onde se fundem não sei em que além-Deus”, ela estaria em
contradição com o seu “neo paganismo essencial”. Mas, por outro lado, ao admitir “todas as
religiões”, a Teosofia teria “um carácter inteiramente parecido com o do paganismo que
admite no seu panteão todos os deuses”, o que constituiria “o segundo elemento” da “grave
crise de alma” de Pessoa (ibidem).

É sabido que Pessoa critica posteriormente a Teosofia, mas deixemos esse tema para
os interessados que poderão encontrar elementos no meu livro “Fernando Pessoa e os
Mundos Esotéricos” (3ª. Ed.) e no meu prefácio à “Voz do Silêncio” de Blavatsky, traduzido por
Pessoa e publicado em Portugal prla Assírio e Alvim. Após essa crítica da Teosofia – e também
da mediunidade e do Espiritismo, quer numa quer noutra, com argumentos semelhantes aos
que Guénon expressa nos seus livros – Pessoa entra em peno estádio gnóstico, claramente o
mais interessante e fecundo sob o ponto de vista esotérico, “empenhando-se”, como escreve
A. Quadros, “a fundo, no estudo das chamadas ciências ocultas ocidentais” (ibid.), ito é
esotéricas, chegando ao ponto de se afirmar como cristão gnóstico.
No entanto, e apesar das reservas formuladas pelo Poeta-esoterista, muito do
pensamento doutrinário de Blavatsky persistirá em Pessoa, aflorando aqui e além nas suas
reflexões esotéricas posteriores. Desde logo, nos poemas “O Guardador de Rebanhos” e mais
tarde, por exemplo, no seu Ensaio sobre a Iniciação, onde o Poeta escreve que «o significado
real da iniciação é que este mundo visível em que vivemos é um símbolo e um sombra, que
esta vida que conhecemos através dos sentidos é uma morte e um sono, ou, por outras
palavras, que o que vemos é uma ilusão. A iniciação é o dissipar – um dissipar gradual e parcial
– desa ilusão (in Y. Centeno, Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética, op. cit, pp 60-61; o
sublinhado é nosso). Ora, esta doutrina do desvendar dos véus, que se encontra, é certo, no
Ocidente, quer na Cabala, quer na Gnose, em muito a ver, ate pelo modo como é exposta por
Pessoa, com a afirmação do Hinduísmo de que o mundo é maya (“ilusão”) – Hinduismo
veiculado até ao Poeta pela teosofia blavatskiana. Então poderemos dizer que, em Pessoa,
apesar de Blavatsky, ainda Blavatsky, o que se poderá aplicar também a muitos dos que, no
campo do esoterismo, criticam e distanciam-se desta mulher ímpar, não deixando, no entanto,
de ser fortemente influenciados por ela e pelas suas ideia, apesar de contraditória e polémica.
Decorrente desta postura orientalista – hinduísta e budista - que FP recebe de HPB e
da sua teosofia, é – em nosso entender o longo poema “O Guardador de Rebanhos” (escrito
em 1915), atribuído por ele ao Mestre Caeiro.

Passagens do Guardador de Rebanhos com ressonâncias claramente hindo-budistas

“Não tenho ambições nem desejos,…” – o “desapego” hindo-budista, que não significa
indiferença, é um dever, uma via do discípulo, um método iniciático.

“Creio no mundo como num malmequer,/ porque o vejo. Mas não penso nele/ porque
pensar é não compreender…/ O Mundo não se fez para pensarmos nele (…)/Mas
paranolharmos para ele e estarmos de acordo… - pensar, conceptualizar as coisas é não as
compreender, pois só a percepção directa delas nos dá esse entendimento.

“Pensar em Deus é desobedecer a Deus,/Porque Deus quis que o não


conhecessemos,/Por isso se nos não mostrou…” – como escreve Pessoa por diversas vezes
(por exemplo nopoema Além Deus e no Caminho da Serpente) é preciso ir-se “além Deus”, isto
é irmos além das concepções que temos de Deus, que são limitadas, estando Deus muito mais
do que conceptualizamos.

GNOSTICIMO E HERMETISMO EM PESSOA

Gnose e gnosticismo
A Gnose é um movimento religioso e iniciático do começo da nossa era, que
preconiza a salvação pelo Conhecimento. Não se trata de um Conhecimento
intelectual ou especulativo, mas sim de um Conhecimento espiritual que libertará o
Homem e o conduzirá aos planos divinos. Por vezes, utiliza-se (indevidamente) o termo
gnóstico para qualificar toda a corrente esotérica ou oculta, mas na realidade não se
pode aceitar essa denominação para identificar uma corrente hermética ou alquímica -
o Hermetismo e a Gnose são duas correntes contemporâneas mas distintas,
mantendo, no entanto algumas características comuns, sendo a primeira mais
optimista que a segunda já que admite a salvação do mundo através da sua
espiritualização enquanto que a Gnose é pessimista em relação ao mundo, já que só
admite a salvação fora dele.
Fernando Pessoa afirmou o postulado gnóstico da Queda do Homem - Ser
espiritual, caído na Matéria e, portanto, estando nesse estado, dividido, separado,
exilado, afastado da “casa do Pai”, do mundo celestial de onde proveio e no qual ele
era Inteiro, mas para onde deve regressar -, quer em textos, como por exemplo, «O
homem não estava destinado a ser o que é: foi pela Queda que se tornou tal.» (in
Teresa Rita Lopes, Pessoa por conhecer, II, op. cit., p. 97). Mas Pessoa abordou
também a temática gnóstica em poemas como No Túmulo de Christian Rosencreutz:
«Quando, despertos deste sono, a vida, / Soubermos o que somos, e o que foi/ essa
queda até Corpo, essa descida/ Até à Noite que nos a Alma obstrui.» (F. Pessoa, op.
cit., Vol.I, p. 1131), mas ainda do poema sem data “Iniciação” mas publicado na revista
“Presença” nº. 35, em Maio de 1935: “O corpo é a sombra das vestes/Que encobrem
teu ser profundo”. Clara referência ao tema gnóstico da interioridade divina do
homem é ainda o poema de Pessoa datado de 1932 em que ele refere esse “germe da
divindade”: “A Presença Real sob o disfarce da minha alma presente sem intento”,
“presença que pode ser descoberta e revelada com a “técnica dos intervalos” (divisão
da consciência, por exemplo, mas também técnicas de meditação), como diz o Poeta
(poema também de 1932): “Sou entre mim e mim o intervalo…”.
Além disso, ele declarou, no final da sua vida, num texto em tom anti-clerical
muito típico da época, que era «Cristão gnóstico, e portanto oposto a todas as igrejas
organizadas e sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, por motivos que mais adiante estão
implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a
Tradição Secreta em Israel (a Santa Kaballah) e com a essência oculta da Maçonaria»
(in Quadros, op. cit. Vol. III, p. 461). Além disso, como refere Yvette Centeno, «Nos
documentos do espólio (ele) alude muitas vezes à via hermética que através da
chamada Igreja Gnóstica é transmitida aos Templários (Esp. 54-10). Esta é, para ele, a
verdadeira Igreja, e a via hermética, a verdadeira via». Mas esta estudiosa do
esoterismo pessoano acrescenta que «já na documentação publicada em Páginas
Íntimas e de Auto-Interpretação e Sobre Portugal, existem referências à Gnose e aos
gnósticos» (Y.K. Centeno, Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética, p.12), sendo um
exemplo destes textos, o seguinte: «Esta heresia não desapareceu nunca. Opressa,
esmagada exteriormente, essa seita de ocultistas tornou-se secreta, desapareceu da
evidência histórica, mas não da vida. Não é impossível encontrar, aqui e ali, evidência
da sua permanência secreta. E essa permanência oferece aspectos de conflito com o
cristianismo oficial e sobretudo com o católico. A par do cristianismo oficial, com os
seus vários misticismos e ascetismos e as suas magias várias, nós notamos,
episodicamente vindo à superfície, uma corrente que data sem dúvida da Gnose (isto
é da junção da Cabala judaica com o neoplatonismo) e que ora nos aparece com o
aspecto dos cavaleiros de Malta, ou dos Templários, ora, desaparecendo, nos torna a
surgir nos Rosa-Cruz, para, finalmente, surgir à plena superfície na Maçonaria (...)». -
aqui, Pessoa utiliza claramente a designação Gnose, quer para a Gnose antiga quer
para as suas manifestações tardias (gnosticismos diversos).

Alquimia e Hermetismo
A Alquimia é, como vimos, uma sabedoria tradicional (ciência ou arte sagrada) que
aspira à transmutação dos corpos por meio da sua espiritualização, com a concomitante
corporificação do espírito. Tem uma faceta laboratorial - a histórica - em que se pretende a
transmutação dos metais “imperfeitos” em ouro, por meio do pó transmutatório, e a
elaboração do Elixir da Longa Vida, ambos resultantes da Pedra Filosofal, a meta suprema da
Obra Alquímica. A Alquimia, mesmo na sua dimensão física, laboratorial, tem, pelas suas
técnicas e pelo seu simbolismo, uma dimensão sagrada, “espiritual”, que parece difícil separar
da sua dimensão “material”. O psicólogo Carl-Gustav Jung acentuou no entanto, na sua vasta
obra, a dimensão psíquica e espiritual da alquimia.
É muito rica a reflexão de Pessoa sobre a Alquimia (dada a conhecer em grande
parte por Yvette Centeno). A partir dos livros existentes na sua biblioteca, na sua
maioria de origem inglesa (Waite, Mathers) esperar-se-ia uma interpretação
exclusivamente “espiritual” ou “psíquica” da alquimia, aliás de acordo com as
concepções da “Golden Dawn” – e da sua equivalente Cowleiana A.A. criada por
Crowley e mesmo da O.T.O., “Ordo Templi Orientis” que Crowley chefiou e transfomou
e para a qual a alquimia seria de cariz sexual.
De facto, esta interpretação da alquimia, claramente na perpectiva do
rosacrucianismo da Golden Dawn, existe em Pessoa. Por exemplo, ao referir os quatro
estados da Grande Obra alquímica - na qual, segundo ele, se verifica «a transmutação
do inferior no Superior, sem alteração...» (Esp.54-95), Pessoa refere que: «Os quatro
processos da Obra (são): 1) Putrefacção (...); 2) Branqueamento, a purificação do eu
inferior que se segue à putrefacção (...) branqueamento (que) significa a emergência
do eu superior e verdadeiro, depois de se ter afastado pela putrefacção o eu inferior e
falso; 3) gradação (...) conhecimento gradual do Eu superior. Esta é a verdadeira
iniciação, a obtenção gradual do conhecimento e da Conversação do Santo Anjo da
Guarda; 4) Rubificação, realização completa.» (Esp. 54A- 56). Reforçando esta
interpretação, ele refere noutro texto que na putrefacção, «o iniciado tem que morrer
para si mesmo, ou, antes, que morrer-se» (Esp. 53B-83). Então, para o Poeta, a
alquimia é, nesta perpectiva, «a transmutação do próprio homem», mas a essência e
o segredo desta operação realiza-se «por meio do contacto com os símbolos
magicamente carregados» (Esp. 53-13). E em consonância com isto – o “contacto”
íntimo com os símbolos e os mitos -, voltemos ao fragmento do espólio 53 A-25, onde
escreve Pessoa: «Um mito pode não ser verdade, mas ser verdadeiro (…) Nisto – em
que um mito pode ser Verdade – está uma das chaves da Alta M.(agia) A “alquimia”
está nisto» (in P. Teixeira da Mota, Rósea Cruz, op cit., p. 181).
Ora, este último parágrafo – que refere o “contacto com os símbolos
magicamente carregados” e, com os mitos, quer sejam verdadeiros, ou Verdade - vai
estabelecer a ponte para a interpretação, por parte de Pessoa, da alquimia laboratorial
- que ele conhecia, pelo menos, através do Tratado português do século XVIII, Ennoea,
ou a Aplicação do Entendimento sobre a Pedra Filosofal, de Anselmo Caetano de Abreu
Munhoz e Castelo Branco, livro que pertencia à sua biblioteca. Yvette Centeno - que
patrocinou e apresentou a reedição do “Ennoea” na Gulbenkian, em 1987, ano em que
sai, em Mafra, uma outra reedição, com prefácio de Manuel Gandra - é responsável
pela publicação (entre muitas outras valiosas peças) de um interessantíssimo
fragmento do espólio pessoano, justificativo da alquimia laboratorial: «os elementos
que compõem a matéria têm um outro sentido; existem não só como matéria, mas
também como símbolo. Há, por exemplo um ferro-matéria; há porém, e ao mesmo
tempo, e o mesmo ferro, um ferro-símbolo. Cada elemento simboliza determinada
linha de força super-material e pode, portanto, ser realizada sobre ele uma operação
ou acção, que o atinja e o altere, não só no que elemento, mas também no que
simbolo (...) assim o alchimico, ao operar, materialmente quanto aos processos, mas
transcendentemente quanto às operações, sobre a matéria, visa transformar o que a
matéria symboliza, e a dominar o que a matéria symboliza para fins que não são
materiais.» (Esp. 54-84). René Alleau, no seu livro Aspects de l’Alchimie Traditionelle
(1953), afirmará mais tarde - em notável acordo com a tese pessoana - que a alquimia,
ao constatar que tudo o que é observável é simbólico, afirma que tudo o que é
simbólico é observável.
Alguns textos de Pessoa, parecem estar de acordo com a afirmação dos
rosacrucianos de que a Alquimia espiritual e a alquimia material são respectivamente,
o Ergon e o Parergon. Por exemplo, aquele excerto que tem a ver com as proximidades
divina e satânica das duas alquimias:«a alquimia material é satânica, a espiritual é
divina». Neste contexto, cite-se Álvaro de Campos que , na Ode Marítima, irá evocar o
«Deus dum culto ao contrário, /Um Deus monstruoso e satânico, um Deus dum
panteísmo de sangue» (in Álvaro de Campos - Livro de versos, introdução, transcrição,
organização e notas de Teresa Rita Lopes, Lisboa, Editorial Estampa, 1993, p. 116). Mas
ao mesmo tempo Pessoa escreve que «Tudo é um. O satânico é tamsómente a
materialização do divino» (Esp. 54B-19). Esta perspectica global e integradora dos
diversos planos da realidade - bem característica da alquimia - está bem clara no
poema que Dalila Pereira da Costa cita no seu livro pioneiro: «”Sursum Corda” Erguei
as almas! Toda a matéria é espírito,/ Porque Matéria e Espírito são apenas nomes
confusos/ Dados à grande sombra que ensopa o Exterior em sonho/ E funde em
Noite e Mistério o Universo excessivo!», como o está no texto anteriormente citado e
que atribui como «verdadeira criação da Pedra Filosofal», o «fazer dentro de si mesmo
a união os dois princípios», o material e o espiritual, o masculino e o feminino, o
racional e o emocional, etc., etc.
Magia, Cabala e vias tântricas
São diversos os livros sobre estes assuntos, que Pessoa possuía na sua
biblioteca (para além dos de A. Crowley, como veremos adiante) dos quais citaremos,
a título de exemplo, os seguintes: (The) Kabbalah unveiled, de Knorr von Rosenroth,
traduzido por Mac Gregor Mathers (um dos cisionistas da “Golden Dawn”, contra o
poeta e Prémio Nobel, W.Yeats, tendo sido acompanhado na sua rebelião por A.
Crowley), Magic white and blak, de Franz Hartman (teósofo e rosacruciano alemão,
fundador em 1888, da “Rosa-Cruz Esotérica”) e Le Kama soutra, de Vatsyayana (o
popular tratado de divulgação de técnicas tântricas).
São de referir as reflexões pessoanas sobre a Magia – sobretudo através dos
textos publicados por Yvette Centeno (in Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética),
para o “Ensaio sobre a iniciação”, dos quais destacámos o seguinte: O Misticismo
busca transcender o intelecto (por intuição). A Magia a transcender o intelecto pelo
poder; a Gnose a transcender o intelecto por um intelecto superior mas, continua
Pessoa, para transcender uma coisa devidamente, é preciso primeiro passar por essa
coisa (Esp. 54A-51). No mesmo “Essay on the Initiation”, podemos ler Há três tipos
distintos de iniciação – simbólica ou exterior, intelectual (exterior à interior) e vital
(interior)….Nas iniciações vitais, que reforçam a emoção e, portanto, conduzem à
Alquimia como realização, o candidato vive aquilo que sente e sabe (Esp. 54A – 52).
Temos aqui que Fernando Pessoa considera uma Magia “vital”, que passa pela
sensação, e além disso, reconhece que “para se transcender uma coisa devidamente, é
preciso primeiro passar por essa coisa” – estes são princípios básicos do Tantrismo
(oriental ou ocidental, gnóstico ou hermético). No entanto, no mesmo Ensaio, mas
noutro fragmento, o Poeta escreve: A primeira tentação a ser vencida, para que sejam
evitados os Erros do Caminho, é o Mundo. A segunda tentação a ser vencida, para que
sejam evitados os Erros da Pousada é a Carne. A terceira tentação a ser vencida, para
que sejam evitados os Erros da Cripta, é o Diabo. As tentações são comuns a todos os
caminhos, mas o místico está mais sujeito à tentação do Mundo, o mágico à
tentação da Carne, o gnóstico à tentação do Diabo. (Esp. 54A – 62) – o dizer-se que o
mágico está mais sujeito à tentação da carne, implica seguramente que ele utilize pelo
menos um tantrismo da mão direita. E, no mesmo fragmento – revelando um bom
conhecimento da história de uma das personalidades fundadoras da “Golden Dawn” –
refere Pessoa: Dificilmente haverá um mágico que não sucumba a coisas que revelam
a fraqueza da vontade. O fim terrível de MacGregor Mathers embrutecido pelo álcool é
um caso pungente. Ele poderia talvez controlar os diabos de Abremalin; não foi capaz
de controlar os seus (- fossem eles a luxúria, a bebida ou a desonestidade).
Portanto, Fernando Pessoa reconhece a Carne como uma “tentação” a ser
“vencida” pelo Mago (a “carne” está perto do mago…), mas – segundo ele próprio
afirma no mesmo Essay - não a evitando, no entanto, mas “passando por ela”,
“vencendo-a”, de modo a transcendê-la, pois, como ele diz, «quem sabe, por
exemplo, o significado místico e transcendente da cópula?(…) isto é mais sério que
quanto de sério ´há na vida aparente» (Hermetic Philosopher – Esp. 27 19 M3 (dt), in
P. Teixeira da Mora, op. cit., p. 30). Ao mesmo tempo reflecte criticamente (e quem
sabe com que dor) sobre o caminho de Mathers que não conseguiu “controlar os seus
demónios … a luxúria, a bebida…”.
No entanto, numa “página solta, sem data”, citada por António Quadros (“A
procura da verdade oculta”), revela uma reflexão complementar – um esclarecimento
a posteriore ou a priori, não sabemos - a esta compreensão de uma Magia integradora
do plano material: Tudo é um. O satânico é tão-somente a materialização do divino.
A magia é uma só; a magia negra não é mais que a magia branca feita materialmente.
(O culto fálico, quando entendido como símbolo, é divino; quando tomado literalmente
é orgíaco, e portanto satânico.) Se conhecermos os processos da magia negra e os
interpretarmos como símbolo, chegaremos ao conhecimento dos processos da magia
branca.
Deus é um espírito, diz a Bíblia: e o divino é (em relação a este mundo)
espiritual. O Diabo é a matéria (corpo) e a Trindade Satânica: o Mundo, a Carne e o
Diabo. O Diabo (Saturno) é a Limitação. . (Note-se que na biblioteca de Pessoa existia
um livro de Franz Hartman, intutilado Magic, white and black). Então, para Pessoa, a
Magia “material”, satânica, é apenas a materialização da Magia divina. Ela é
“satânica”, apenas porque material.
Escreveu Pessoa, num dos fragmentos para o Ensaio sobre a Iniciação, que «O
Misticismo busca transcender o intelecto (por intuição). A Magia a transcender o
intelecto pelo poder; a Gnose, a transcender o intelecto por um intelecto superior.» (in
Y.K.Centeno, Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética, op. cit., p.59). Quem se
distinguiu, na época de Pessoa, pelo poder mágico que possuía e desenvolvia, foi
Aleister Crowley - o Mago Therion, a “Besta 666”, como se denominava a si próprio -
que, vindo da “Golden Dawn” (para onde entrou em 1898), fundou a “Astrum
Argentum” (ou “Stella Matutina”) em 1903 e foi o máximo responsável pela “O.T.O. -
Ordo Templi Orientis”, organização pseudo-templária (criada por Carl Kellner em 1901)
que, na realidade praticava uma magia sexual (particularmente desenvolvida por
Theodor Reuss e depois por A. Crowley).

FERNANDO PESSOA E ALEISTER CROWLEY


Pessoa conheceu Crowley, através da sua obra, tendo traduzido o seu poema O
Hino a Pan e citado várias vezes o lema crowleyiano «Faz o que quizeres, é a única
Lei» (Esp. 54 A -38) - o que o levou a dissertar, a propósito e com maior profundidade
do que o Mago: «Descobre aquilo que és; descobre o que aquilo que és deseja; faz o
que desejas enquanto aquilo que és» (ibidem, publicado por Y.K. Centeno). Além
disso, Crowley decidiu vir a Lisboa conhecê-lo pessoalmente, em 1930, acompanhado
de (uma das suas várias) Mulher Escarlate, a sua parceira tântrica, na época, Hanni
Jaegger. Quem descreve todo este enredo à volta da visita do Mago a Lisboa, é Vitor
Belém na sua obra O Mistério da Boca do Inferno - o encontro entre o poeta Fernando
Pessoa e o Mago Aleister Crowley (publicada pela Casa Fernando Pessoa, em Lisboa,
em 1995) onde faz uma síntese das informações disponíveis até ao momento.
De facto, terá sido uma correcção do horóscopo de Crowley, feita por Pessoa e
a ele comunicada por carta, que parece ter motivado a curiosidade do Mago de
conhecer o poeta-astrólogo (talvez também, uma “mensagem” - a Mensagem ?- que
Crowley refere numa das suas cartas a Pessoa- in Vitor Belem, op. cit., p.19). Crowley
esteve em Lisboa, presumívelmente 23 dias - de 2 a 25 de Setembro de 1930 - durante
os quais se encontra com Pessoa, eventualmente também com o poeta Raul Leal,
talvez também com Augusto Ferreira Gomes, jornalista, amigo e companheiro do
poeta no mundo do ocultismo, e com um “amigo” que Crowley (ou Pessoa) tinha em
Sintra. Qual será a identidade dessa “amigo” que ele parece ter ido visitar várias vezes
a Sintra (cf. A. Quadros, Obra de Fernando Pessoa, Vol. II, p. 1294 e Vitor Belém, O
Mistério da Boca do Inferno, op. cit., pp. 21, 26 e 48)? Terá ele a ver com a Quinta da
Regaleira e com o seu proprietário (de 1920 a 1945), Pedro Carvalho Monteiro, filho de
António Augusto Carvalho Monteiro? E quando é dito que Crowley foi a Sintra “jogar
xadrez” isso não terá a ver com alguma cerimónia realizada no “xadrez do chão ritual”
da cripta da Capela (templária) da Regaleira, denominação que Pessoa usa num seu
poema posterior a 30 e referente a uma cerimónia rtitual?
“Oscila o incensório antigo/Em fendas e ouro ornamental.
Sem atenção, absorto sigo/Os passos lentos do ritual.
Mas são os braços invisíveis/E são os cantos que não são/
E os incensórios de outros níveis/Que vê e ouve o coração.
Ah, sempre que o ritual acerta/Seus passos e seus ritmos bem,
O ritual que não há desperta E a alma é o que é, não o que tem.
Oscila o incensório visto,/Ouvidos cantos stão no ar,/
Mas o ritual a que eu assisto/É um ritual de relembrar.
No grande Templo antenatal,/ Antes da vida e alma e Deus…
E o xadrez do chão ritual/É o que é hoje a terra e os céus…
(poema de F.P. datado de 1932)
De qualquer forma, o acontecimento mais mediatizado (em Portugal, em
Inglaterra e em França) dessa visita, foi o desaparecimento do Mago, ocorrido
simultaneamente com uma simulação do suicídio de Crowley na Boca do Inferno, em
Cascais e no qual parecem ter desempenhado um papel de alguma cumplicidade,
Fernando Pessoa e Augusto Ferreira Gomes - o qual, “por acaso”, encontra um bilhete
de Crowley dirigido à mulher escarlate, no local do suposto suicídio: «Não posso viver
sem ti. A outra “Boca do Inferno” apanhar-me-à - não será tão quente como a tua» (in
Vitor Belem, O Mistério da Boca do Inferno, op. cit., p. 26) e que, também parece ter
“preparado” a notícia sobre este caso, no Notícias Ilustrado, de 5 de Outubro de 1930.

Penso, de facto, que a dimensão mágica em Pessoa assenta, mais


estruturadamente, em reflexões baseadas no esquema iniciático da “Golden Dawn”, e
também, em nossa opinião, na versão “crowleyana” do “A. A. - Argenteum Astrum”,
atingindo a sua máxima dimensão nesse «Livro que não o é», «O Caminho da S.
(Serpente)» (in Yvette Centeno, Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética, op. cit, p.
27), que estudaremos adiante.
Durante a sua vinda a Portugal, em Setembro de 1930 (Crowley e a sua
companheira chegaram a Portugal a 2 desse mês), para além de dois almoços a 7 e a 8,
com a Besta 666 e a sua Mulher Escarlate, e da muito provável iniciação a 9 – com Raul
Leal - Pessoa teria tido, segundo as suas declarações à Polícia, encontros mais
frequentes com Crowley, a partir de 17 de Setembro, data em que Hanni Jaeger terá
fugido para a Alemanha. Sobretudo, participou – juntamente com o seu companheiro
iniciático Ferreira Gomes, que aliás tem palavras muito elogiosas para Crowley na
notícia do “Notícias Ilustrado” que sai em 5 de Outubro do mesmo ano - na simulação
do suicídio de Crowley em relação ao qual é interessante referir, para além dos
detalhes da história já bem conhecida, o que Crowley escreveu no seu diário: Sept 21. I
decide to do a suicide stunt to annoy Hanni. Arrange details with Pessoa (21 de
Setembro. Decidi fazer um suicídio acrobático para aborrecer a Hanni. Arranjar
detalhes com Pessoa). E o seu biógrafo John Symonds comenta, a propósito: Fernando
Pessoa did his part of the job well (Fernando Pessoa fez bem a sua parte do tabalho).
Tratou-se, na verdade de uma cumplicidade solidária que se expressa no triângulo
Crowley-Pessoa-Gomes.
É importante referir que Pessoa, tinha na sua Biblioteca três livros de Crowley,
não só o The Confessions of Aleister Crowley (As Confissões de Aleister Crowley) –
como quase todos os pessoanos indicam e que já, por si só revelaria um interesse pela
vida e pela obra do Mago Crowley – mas também outros dois – que ninguém pôs em
evidência, até hoje - que vêm, no entanto, mencionados na mesma lista de livros
pertencentes à Biblioteca pessoal de Fernando Pessoa e que são:
- Magick in theory and practice, being part III of Book 4 (Magia em Teoria e em
Prática, sendo a prte III do Livro 4), de Master Therion, um pseudónimo
iniciático de A. Crowley, numa edição de Paris (Lecram) que só pode ter sido ou a
de 1929 ou a de 1930 – referido com a cota 1-151 e incluido na rubrica
“Filosofia”;
- 777: Vel Prolegomena symbolica ad systemam sceptico-mysticae viae
explicandae, fundamentum hieroglyphicum sanctissimorum scientiae
summae, London: The Walter Scott Publishing Co., 1910 – referido com a cota
2-1 e incluido na rubrica “Religião, Teologia”.
Tratam-se de dois livros importantes da doutrina e da prática “telemita” –
denominação que Crowley vai buscar à liberal Abadia de Thelema do Gargantua e
Pantagruel de Rabelais -– revelando um interesse ainda mais profundo, da parte de
Pessoa, quanto mais não fosse para se informar mais detalhadamente sobre o tema
em questão - pois o primeiro aborda os aspectos práticos da Magia do “novo aeon” –
incluindo a sexual, “vermelha”, no seu capítulo XX, On the Eucharist, on the Art of
Alchemy (Sobre a Eucaristia, sobre a Arte da Alquimia) -, e o segundo é uma
exposição da doutrina cabalística de Crowley, adaptada a partir da que ele aprendeu
na Golden Dawn - e onde estão referidas, sob a forma de um “diccionário mágico e
filosófico” as diversas correspondências simbólicas (entre as quais as sefiróticas) e
iniciáticas dos graus desta organização rosacruciana, que Crowley transpôs para a sua
Ordem, criada em 1907, a A:.A:. (Argenteum Astrum, Estrela de Prata, em inglês, Silver
Star, S.S.).

E pois inquestionável o interesse de Pessoa por Crowley, primeiro porque


adquiriu três livros de Crowley (um dos quais, pelo menos, antes de o conhecer, o
Confessions), em segundo lugar porque resolveu corigir o seu horóscopo dando-lhe
conta do facto (através da Mandrake Press, editora de Confessions) e depois porque
começou a corresponder-se com ele – they had been corresponding for a year (eles
correponderam-se durante um ano, escreve J. Symonds) -, a partir do momento em
que Crowley lhe respondeu a agradecer-lhe. Além disso para além da posterior (em
1931) tradução e publicação na revista Presença, do poema crowleiano Hyno a Pan, há
outra anotação no Diário de Crowley, referente a Pessoa – trazida a público por Marco
Pasi e que Vitor Belém cita no seu livro – a qual nos deixa uma pista séria quanto à
verdadeira natureza da viagem do Mestre Therion a Portugal: … I was obliged to leave
immediately for Lisboa in order to establish there a headquarter for the Order under
Don Fernando Pessoa. (Eu fui obrigado a partir imediatamente para Lisboa a fim de
estabelecer uma delegação da Ordem sob a responsabilidade de Dom Fernando
Pessoa). Esta Ordem seroa, segundo Marco Pasi seria a Ordo Templi Orientis - com o
que concordo, face às últimas descobertas dos pessoanos que estudam a “arca de
Pessoa”, como adiante veremos, a “Ordem dos Templários Orientais” de que Crowley
foi o responsável da secção inglesa, a Mystica Maxima Mysteria, tendo sido o dirigente
máximo da O.T.O., a seguir à morte do fundador Theodor Reuss, em 1923.
Deste projecto de Crowley referente a Pessoa decorrerá a designação com que
aquele o distingue, isto é, de “Caro Frater” – e a que corresponde com “Caro Frater” e
mesmo “Carissimo Frater” – acompanhada da máxima “telemita”, Do what thou wilt
shall be the whole of the Law (Faz o que queres, será toda a Lei) e Love is the Law,
Love under the Will (O Amor é a Lei, Amor sob a Vontade)?. Veremos que essa
fraternidade que entre ambos cedo se estabeleceu, vai assumir mais tarde, uma
dimensão iniciática formal quando, tudo o indica, Pessoa aceita ser membro da A.: A.:
(vde circular aos membros, na posse do Poeta) e mesmo muito provavelmente aceita
ser iniciado na OTO por Crowley para cumprir o projecto confessado por este – mas,
mesmo após uma eventual iniciação, parece não ter tido grande realização posterior.
A A:.A:. foi fundada em 1907 por Crowley e George Cecil Jones. Baseada no
clássico sistema de graus rosacruciano da Golden Dawn, a A:.A:. requere que o Mágico
atinja realmente o stados de consciência e poderes contidos em cada um dos dez
Sefirots, i.e. o Mágico só é um Adeptus Minor quando alcançou realmente o
Conhecimento e a Conversação com o Santo Anjo da Guarda – expressão de que fala
Pessoa várias vezes nos seus textos do espólio. Note-se que a A:.A:.não é um sistema
em Loja, sendo inteiramene discreta. É uma ordem de teste, não um ordem de ensino.
O Aspirante só conhece oficialmente uma pessoa na Ordem, a que lhe é sua superior.
Cada Mágico é,durante a maior parte o tempo, deixado sózinho como o seu trabalho.
Esta hipótese A:.A:., permitiria o conhecimento (também bebido no 777, p.e.)
que Pessoa tinha da estrutura iniciática da Golden Dawn - e sobre a qual reflete em
muitos dos seus textos – que a Ordem de Crowley retoma apenas com o acrescento do
grau de “Probacionista” 0º = 0º - e do seu profundo simbolismo iniciático e mágico
relacionado com cada um dos Sefiroth da Árvore da Vida Cabalística (a partir de baixo
e ascendendo):
1ª. Ordem, exterior, da Golden Dawn (que nela era denominada Stella Matutina):
1º = 10º Neophyte; 2º = 9º Zelator; 3º = 8º Practicus; 4º = 7º
Philosophus
2ª. Ordem, interior, denominada Rosae Rubeae et Aureae Crucis (na G.D.):
5º = 6º Adeptus Minor; 6º = 5º Adeptus Major ; 7º = 4º Adeptus Exemptus
3ª. Ordem, suprema (denominada de Aurora Aurea, na G.D. e Argenteum Astrum
(Silver Star, na A:.A:.):
8º = 3º Magister Templi; 9º = 2º Magus; 10º = 1º Ipsissimus.
Note-se, como exemplo desta exigência de interiorização, ou vivência prática,
na A:.A:., que o grau de Neófito exigia a “aquisição do perfeito controle do plano
astral”, o de Zelator, o “estudo da fórmula da Rosa-Cruz”, o de Prático, o estudo da
Cabala, para além do já citado exemplo do Adepto Menor, com o “Conhecimento e
Conversação com o Santo Anjo da Guarda” – temas, repito, sobre os quais Fernando
Pessoa reflectiu e dissertou nos seus textos -, e que as vias especificamente sexuais da
“versão Crowley” só começavam no grau de Adepto Exempto, em que se poderia
tornar num “Irmão no Caminho da Mão Esquerda”.
E temos de concordar com Marco Pasi, pois presentemente - face às
descobertas mais recentes dos estudiosos da “arca de Pessoa” - parece cada vez mais
possível que tivesse sido realizada a intenção de Crowley, isto é, para além da iniciação
na AA, a transmissão a Pessoa de alguns rituais e respectivos graus da O.T.O. –
também governada por Crowley -, de uma maneira eventualmente simplificada, mas
que tudo indica terá tido tido lugar, ritualmente, em 9 de Setembro na casa de Raul
Leal - segundo afirma Stephen Dix no capítulo que escreve para a obra “Pessoa
Guardador de papéis”, cooordenada pelo seu colega Jeronimo Pizarro. Recordemos
que esta Ordem é constituida por um sistema de graus maçónicos (sobretudo do Rito
Escoçês Antigo e Aceite) encimados por graus de magia sexual (tanto nos rituais de
Reuss como nos de Crowley, embora o primeiro não tenha utilizado a
homosexualidade, contrariamente a Crowley). Eis a estrutura dos graus da OTO:

0º Minerval; Iº Man; IIº Magician; IIIº Perfect Magician; IVº Holy Royal Arch
(correspondendo os graus 1, 2, 3 e 4, aos três primeiros graus da Maçonaria azul,
acrescidos do grau de Maçon do Royal Arch – que Pessoa denominava de Sacro Real
Arco – correspondendo também à Loja de Perfeição – 4º - 14º - do R.E.A.A.)
Vº Soberano Príncipe Rosa-Cruz (18º); VIº Cavaleiro Kadosh (Templário) 30º;
VIIº Soberano Grande Inspector Geral (33º); VIIIº Perfeito Pontífice dos
Illuminati;
IXº Iniciado no Santuário da Gnose; Xº Rex Summus Sanctissimos.
É de notar, em primeiro lugar, que Pessoa, num dos seus textos sobre a
iniciação maçónica e a progressão através dos seus altos graus, refere uma parte
importante desta estrutura da O.T.O. quando diz: «A FM tem essencialmente, ou 3
pontos, ou 5 pontos – 3 se considerarmos os 3 tempos essenciais (Mestre, Real Arco,
e Rosa Cruz) – 5 se incluirmos os dois primeiros graus que são necessários mas só
preparatórios», ficando aqui de fora (no que diz respeito à componente maçónica) o
grau de Cavaleiro Templário (6º. Na OTO, 3º., no REAA). É de referir que a magia sexual
da O.T.O. (presente a partir do IXº grau) - incluia um tipo de espermofagia,
particularmente na “Santa Missa Gnóstica” – eles próprios se denominavam de
“espermo-gnósticos”, admitindo como o faziam alguns dos gnósticos antigos, que o
esperma era o veículo do Logos (cf. o Logos spermatikos) - e que Crowley introduziu
um grau XIº “em vários sistemas da O.T.O”, do qual existe uma versão “lunar” (usando
sangue menstrual) e outra “mercurial” (homosexual). Já no que diz respeito à
sexualidade mágica proposta e realizada por Crowley é de salientar que ela incluía,
para além de práticas homoeróticas, práticas auto-eróticas e que o onanismo, esse sim
(tal como a homossexualidade, pelo menos em potência e pacialmente), poderia esta
em sintonia com o mundo sexual do Poeta - «és um homem que se masturba e que
sonha com as mulheres à maneira dos masturbadores», Fernando Pessoa, Escritos
autobiográficos, automáticos e de reflexão pessoal, editados por Richard Zenith, p.
227.
Portanto, sendo possível ter havido uma transmissão de Mestre (Crowley) a
Discípulo (Pessoa) pelo menos dos graus maçónicos da O.T.O., incluindo o de Arco
Real, de rosa-Cruz e de Cavaleiro Templário, ou Cavaleiro Kadosh, sem excluir uma
eventual transmissão de magia sexual, que era apenas dispensada aos titulares dos
VIIº, IXº e Xº graus da O.T.O. (e ao grau 7º= 4º da A:.A:., como vimos).
Vamos agora observar o que passou do lado de Pessoa, a fim de
descortinarmos alguma zona comum entre ambos. Quanto a saber se a doutrina
“telemita” terá eventualmente influenciado Pessoa, é importante estudar os textos
esotéricos de Pessoa, tentando encontrar neles reflexos das teorias e práticas de
Crowley – apesar de muitos deles não se encontrarem datados, o que por vezes
dificulta a elaboração de uma sequência evolutiva no seu pensamento. Yvette Centeno
escreveu: Na biblioteca de Fernando Pessoa, encontram-se As Confissões do mago
inglês Aleister Crowley, por quem o poeta se interessou ao ponto de trocar
correspondência com ele, lhe traduzir um longo poema mágico, o Hino a Pã, de
escrever outros, como o ùltimo Sortilégio, de nítida marca ritual e sob sua influência,
tudo isto culmina no encontro lisboeta e na farsa do desaparecimento do mago na
Boca do Inferno, a que o nosso poeta deu também cobertura. Por intermédio de
Crowley e da Ordem rosicrucista da Golden Dawn, a que este pertenceu, juntamente
com S.L. MacGregor Mathers (a tradução da Kaballa de Knorr von Rosenroth encontra-
se na biblioteca de Pessoa), se abre a porta da alta magia para Pessoa. (para nós, a
Golden Dawn a que Y. Centeno alude é a A:.A:., como já referimos).
Para sistematizarmos (embora de um modo não exaustivo) possíveis influências
de Crowley sobre os textos ensaísticos de Pessoa, iremos agrupá-los em três classes:
a) - textos influenciados pela estrutura em graus e pelo conteudo iniciático,
cabalístico a mágico, da Golden Dawn (provavelmente veiculados por
Crowley, via A:.A:.) –são vários e referem à exaustão o gaus da G.D./A.A.:
Adeptus Major, Adeptus Exemptus, Philosophus, etc., etc. ;
b) – textos que revelam a influência do lema “telemita”, “Faz o que queres essa
é a única Lei”, “O Amor é a Lei, o Amor sob a Vontade”; refira-se, desde já que
Vitor Belém foi o primeiro a identificar o lema do Livro da Lei, num texto
pessoano: A principal regra da Ordem Astrum Argentinum era “Do what thou
wilt shall be the whole of the Law”, máxima que está na origem de uma das
considerações esotéricas de Fernando Pessoa;

b) – textos que denotem algum tipo de tantrismo (em Pessoa, mais da “mão
direita”, do que da “mão esquerda”), particularmente os que se intitulam
“O Caminho da Serpente” (que referiremos em detalhe no capítulo final
sobre a Iniciação em Pesoa), introduzido por Yvette Centeno, tendo Lima de
Freitas chamado a atenção para a analogia com a serpente Kundalini do
Yoga tântrico hindu.
Na página 390 do livro de Miguel Roza (Luis Miguel Rosa Dias, sobrinho do
Poeta), initulado Encontro Magick (Hugin, 2001), pode ver-se uma circular dessa
mesma organização, a A.A. (ostentando o carimbo da organização), dirigida aos seus
membros – com a palavra de passe e os exercícios – e que Fernando Pessoa terá
recebido (naturalmente como membro, pois estas instruções confidenciais são
restritas aos membros). Então o Poeta não só estava muito interessado nas doutrinas
“telemitas” de Crowley, como pertenceu (não sabemos durante quanto tempo) »as
suas organizações iniciáticas.

O Caminho da Serpente, ensaio maior do esoterismo pessoano

De todos os textos de Pessoa sobre as vias esotéricas que estudou, sentiu, ou


viveu, pelo menos interiormente, o conjunto intitulado O Caminho da Serpente– o
Livro que o não é - é aquele onde o Poeta se eleva a uma altura espiritual ímpar,
filosófica e inciática, conduzindo, segundo ele próprio à Alta Magia, à Alta Alquimia e
à Identidade suprema, e que faz adivinhar não ter sido apenas fruto de uma reflexão
intelectual distanciada, mas antes constituírem testemunhos de etapas vividas
interiormente , onde o Poeta/Serpente deixou a “pele”, sentida e intensamente.
Claramente influenciado por Crowley, mas transcendendo este, esta via é ultrapassada
em Pessoa nos últimos anos da sua vida por uma perspectiva cristã gnóstica.
Para compreendermos correctamente este percurso serpentino é importante
vermos o esboço que dele traçou Fernando Pessoa, num documento do espólio, 54 A –
4, que Lima de Freitas divulgou pela primeira vez, incluindo-o no seu importante
trabalho Fernando Pessoa e o paradigma hermético, publicado em 1991 na obra
colectiva Fernando Pessoa e a Europa do século XX e qual mostramos nesta edição
(juntamente com outro diagrama, com o qual eu pretendo explicitar o de Pessoa). O
diagrama contem como estrutura principal um losango, tendo inscritas três segmentos
de recta horizontais que o seccionam em três partes – dando quatro níveis de leitura o
literal, o alegórico (e ritual), o mágico (‘) e o anagógico -, as quais juntamente com o
segmento de recta vertical que une os dois vértices, superior e inferior, determinam
segundo Pessoa, os seguintes 11 pontos que a Serpente irá percorrer, a saber (ver
documento do espólio):
1 – Instinto; 2 – Desejo (Ânsia); 3 – Inteligência; 4 – Arte (… Ciência);
5 – Magia; 6 – Imaginação; 7 – Alquimia; 8 – Magna Magia;
9 – Intuição; 10 – Alta Alquimia; 11 – Identidade (1+1, 10+1).

Escutemos Pessoa – seguindo o texto estabelecido e organizado por Ivette


Centeno (in Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética, pp. 27-35) - na descrição desse
percurso fantástico que tudo atravessa e engloba e que convoca, provocando («É
preciso, quando se é Serpente, passar em Satan, para chegar a Deus»- Esp. 54 A - 1),
os que não receiam, quer os abismos, quer, muito menos, as alturas, pois «A Serpente,
retida pela Vesica…No vértice nada a retem…» (ibid.). - Dizia Lima de Freitas que o
conhecimento da Vesica Piscis era determinante para o conhecimento do segredo da
construção sagrada; essa geometria sagrada tem a ver também com o conhecimento das
“alquimias internas”, Arcano Arcanorum da Iniciação – ver as obras do Mestre (este artigo
sobre O Caminho da Serpente, os livros 515-o lugar do espelho , Hugin, Almada e o Número,
Soctip, etc.e o painel de azulejos da gare do Rossio, onde está representado Pessoa e o
Caminho da Serpente…).Olhemos, pois, o diagrama de Pessoa – em alguns aspectos mais
eloquente que seus textos correspondentes - , para melhor nos orientarmos nesse
“caminho que não é nenhum”: «A Serpente coleante (…) liga os contrários
verdadeiros (…) ela segue um caminho que passa por todos e não é nenhum. Ela
parte, como o caminho direito e o esquerdo, do Instinto para Deus, mas não sofre a
quebra onde os triângulos se unem (…). Nem ascende sem quebra, como o
caminho médio, do Instinto a Deus. Conhecendo que há outros caminhos, que não
o médio, ela reconhece-os, pois se desvia do médio, e repudia-os, pois não segue
nenhum deles. Ao sair do vértice instintivo, ao sair para o vértice divino, ela roça a
curva produzida da vesica envolvente, e assim mostra que sabe dela; mas roça-a e
passa-a, e não segue a sua curva (…). Ela não conhece os mistérios mas os envolve,
desvia-se dos caminhos e ds iniciações; deixa a ciência por onde passa; nega a
magia que atravessa; e quando chega a Deus não para.» (Esp. 54 A – 9).

Mas continuemos a ouvir a fascinante descrição do Poeta: «Ela (a serpente)


atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a
ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem
rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a
Cobra do Éden como a pele largada, deixa Saturno e Satan como pele largada, as
formas que assume nõ são mis que peles que larga. E quando, sem ter caminho,
chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou
ali de fora.», já que «a sua fuga é o seu mistério, e o seu caminho a chave de todos
os mistérios. Mas ela não sabe nem do seu mistério nem de todos os mistérios,
porque conhece tudo, e conhecer é não existir» (Esp. 54 – A 3). Parece evidente que
aqui, “passar para além de Deus” é, sobretudo e desde já (o que não impede posteriores
interpretações), passar para além do conceito humano de Deus; como escreve o Poeta:
«O caminho da Serpente é a evasão dos caminhos, porque é (…) a Evasão
Abstracta, o reconhecimento da verdade essencial, que pode exprimir-se,
poeticamente, na frase de que Deus é o cadáver de si mesmo». (Esp. 54 A -12).
Notem-se ainda as ressonâncias orientais (hinduístas e budistas) da frase que
comentávamos, no que toca à necessidade de ultrapassar e abandonar os conceitos que
são (segundo essas doutrinas e outras ocidentais) véus que se interpõem entre nós e a
Realidade – e que a fazem tornar-se como “ilusão” («a ilusão é a substância do
mundo», dirá o Poeta em Esp. 54 A – 4), maya, no hinduísmo -, impedindo-nos a
percepção directa da mesma, único modo de acesso a ela; como escreve Pessoa, «A
magia e a alquimia são caminhos de ilusão. A verdade está só no instinto directo
(…) na linha directa da sua ascenção ao instinto supremo; no instinto directo, cuja
forma activa é a sexualidade, cuja forma intemédia é a imaginação, fantasia, ou
criação pelo espírito, cuja forma final é a criação de Deus, a união com Deus, a
identificação abstracta e absoluta consigo mesmo, a verdade» (…) Só a Serpente,
contornando os infinitos abertos (…) dos dois mundos, foge à ilusão e conhece o
princípio da verdade» . (Esp. 54 A – 4). Para Pessoa, as verdadeiras Alquimia e Magia
são a criação de Deus no Homem, a auto-criação do Homem como Deus: «Existir, no
sentido real da palavra, é ser Deus – isto é, ter-se criado a si mesmo (…). A G.O.
(Grande Obra) é a libertação no homem, de Deus (…). A G.O. (Grande Obra), em
outras palavras, é a criação de Deus.» (ibid.). Ligado com este texto, de verdadeiro
impacto sobre determinadas almas assentes apenas na fé (a qual pode ser profundamente
abalada por ele), está outro, não menos forte na sua “provocação”, intitulado O
Desconhecido (Esp. 138-15 Dt): «Os espíritos, os deuses, as Vidas Supremas de que
os símbolos falam, os demiurgos, os demónios, os espíritos todos – nunca existiram.
São criação dos Herméticos para uso ilusório dos Esotéricos…».
Sendo a “serpente” um evidente símbolo do iniciado – Pessoa incluído que
percorre estes “caminhos sem caminho” – vindo, na perspectiva gnóstica, de uma
“altura” que é a “sua origem” (vide infra) e retornando a ela -, cremos que estamos em
presença de um conjunto e textos de uma reflexão iniciática, filosófico-espiritual, que
atinge e supera os níveis terminais que a palavra pode sugerir e que só poderão ser
acedidos depois daquela “inversão dos candelabros”(ou “das luzes”) de que nos falava
Gustav Meyrink (outro iniciado) no seu livro O Olhar verde. Como diz Pessoa, «A
Serpente é o entendimento de todas as coisas e a comprensão intelectual da
vacuidade delas. Seguindo o caminho que não é o de nenhuma ordem nem destino,
ela ergue-se à Altura que é a sua origem e evita os lugares por onde os homens
passam. O entendimento de tudo, a fusão dos opostos, a ciênca da indiferença do
bem e do mal, a ciência da valia da emoção como emoção e da vontade como
vontade, a igual ironia para com os saios com para com os néscios. No seu culto
adutaram os últimos magos no seu nome adolesceram os primeiros. (Esp. 54 A – 2).
Note-se uma outra referência budista, agora relativa à vacuidade das “coisas”, que aliás
também encontramos em outras tradições incluindo as ocidentais (embora mais
veladamente). Note-se ainda a proclamação antinómica (que não é indiferentismo
moral, mas postura filosófica, com ressonâncias nietzchianas, e iniciática, de origem
gnóstica) da “indiferença do bem e do mal”, que poderá chocar muitos, mas que deve
ser entendida apenas nessa dimensão. Como diz Pessoa noutro texto, «No absoluto não
há nem bem nem mal» (Esp. 54-5 t)
Esta dissertação de Pessoa, profundamente vivida, sobre o entendimento das
coisas, leva-nos a outro fragmento com a maior importância, que nos parece, não só
estar relacionado com a enigmática operação de “inversão das luzes” de que Meyrink
nos fala, como também, constituir um programa de vida, iniciático e espiritual (ou numa
releitura da vida do Poeta, numa fase mais adiantada dela): «Considerar todas as
coisas como acidentes de uma ilusão irracional, embora cada uma se apresente
racional para si mesma – nisto reside o princípio da sabedoria. Mas esse princípio
da sabedoria não é mais que metade do entendimento das mesmas. A outra parte
do entendimento consiste no conhecimento dessas coisas, na participação íntima
delas. Temos que viver intimamente aquilo que repudiamos. Nada custa a quem
não é capaz de sentir o Cristianismo o repudiar o Cristianismo; o que custa é
repudia-lo, como a tudo, depois de verdadeirament o sentir, o viver, o ser. O que
custa é repudia-lo, ou saber repudia-lo, não como formade mentira, senão como
forma de verdade. Reconhecer a verdade como verdade, e o mesmo tempo como
erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de toda as maneiras, não
ser nada, no fim, senão o entendmento de tudo – quando o homem se ergue a este
píncaro, está livre, como em todos os píncaros, está só, como em todos os píncaros,
está unido ao céu, a que nunca está unido, como em todos os píncaros». (Esp. 54 A
-9).
Não pode deixar de se referir, lendo este texto-testemunho de Pessoa, que este
“caminho da Serpente” , conduz a altos cumes, “píncaros”, “onde o ar está rarefeito” (já
que citámos Nietzche…) e onde o filósofo-iniciado se encontra só, “livre”, mas “só,
tendo apenas por companhia a sua própria solidão. Nestas “alturas” vertiginosas, o
Poeta Pessoa muito provavelmente não tinha nem acompanhiade Augusto Ferreira
Gomes (seu companheiro de “andanças iniciáticas” e Ordens, reais ou imaginárias),
nem de Ofélia Queirós, sua namorada (que por vezes se queixava da companhia
frequente que Pessoa mantinha com o autor de Quinto Império). Estes, se algum dia lá
chegaram, fizeram-no sozinhos, tal como Pessoa o terá feito (mas muito mais
provavelmente que eles, estou certo disso, embora por razões diversas).
Relativamente a esta liberdade-solidão que o iniciado enfenta nos “altos cumes”
ela transcende a da própria Lei de Telema, de Crowley, que terá, de algum modo,
influenciado o Poeta, e portanto transcende uma “liberdade” proposta por uma qualquer
organização iniciática, por mais interessante e avançada que ela seja. Escreve Pessoa:
«A fórmula da Fraternidade é esta: cada homem é ele só; qualquer caminho que
siga, tem de buscá-lo em si mesmo. Não pode pertencer a Ordem nenhuma, nem a
outra de qualquer modo. A fórmula da RC (Rosa-Cruz) é esta: liberdade,
igualdade e fraternidade. Mas não é como a entendem os místicos que a recebem
sem a entender. Liberdade, quer dizer não se subordinar a nada, nem ao próprio
ideal nem à própria peronalidade, nem à Lei de Thelema que nos dá a nossa
liberdade como nossa limitação.» (Esp. 26 C – 52).

Maçonismo, rosacrucianismo e templarismo


Para Pessoa, embora sejam vias distintas, existe uma perfeita articulação de
complementaridade entre o Rosacrucianismo, o Templarismo e a Maçonaria. Embora
mitificando, ele escreve que: «A Ordem Templária da Escócia havia criado a M.
(Maçonaria) como Ordem Mística. Os Rosicrúcios recrearam-na como ordem Mágica.
À Ordem de Cristo competiu o fazer que houvesse nela uma Ordem Alquímica.
Podemos dizer, na mesma linguagem maçónica, que a Maçonaria foi entrada pela
Ordem do Templo, passada pelos rosicrúcios, erguida pela Ordem de Cristo. Desde
que cumpriu a sua missão o Emissário Português, ficaram na Ordem Maçónica os
elementos espirituais e transmutação. Quem quiser e souber buscá-los, os encontrará.
A M. (Maçonaria) continuou, na sua aparência secreta, sempre a mesma; mas um novo
espírito havia penetrado nela desde que Ramsay falara; um espírito ainda mais alto se
despertara nela desde que ela falou o Emissário do Ocidente» (Esp. 54 – 45). Está claro
que esta afirmação é mais do que uma constatação histórica (pois a Ordem de Cristo
existiu como sucessora da Ordem do Templo), é um verdadeiro programa iniciático no
qual Pessoa parece estar empenhado e determinado a contribuir para o seu êxito.
Neste sentido vale a pena referir o resto deste fragmento do espólio do Poeta:
«Doravante referir-me-ei no termo Ordem do Templo à Ordem Templária da Escócia,
para que não confunda com a ordem maçónica que tem este último nome; no termo
Ordem de Cristo à Ordem Templária de Portugal, que é a parte interior da outra, hoje
extinta». (ibid.). Fernando Pessoa refere-se aqui à tradição do templarismo esotérico,
segundoa qual a Ordem o Templo teria um núcleo central, secreto, detentor de uma
doutrina espiritual oculta, de natureza gnóstica. Parece ter com isso a frase do Poeta:
«..veio a forma-se, com certos fins místicos e secretos, a dentro do seio visível da Igreja
de Roma, uma Ordem que foi designada por Ordem Militar do Templo de Salomão. Os
seus servos, iniciados o não, são os que designamos pela abreviação de Templários. A
esta Ordem Mística foram confiados os segredos e a tradição da Igreja Gnóstica (…)
possuidora das chaves dos íntimos mistérios; foi a ela a que mais tarde se haveria de
chamar, na linguagem dos Rosicrúcios, a Igreja Mística». (in P. Teixeira da Mota, op.
cit., p. 76 - Esp. 54 A – 18).
É interessante constatar duas notas que Pessoa dá sobre a Ordem de Cristo e
ambas referentes ao século XIX: uma, do começo do século - que podemos encontrar
em Miguel António Dias (1853), Anais e Código da Francomaçonaria em Portugal -,
sobre um tal Nunes, português, ao que parece pouco recomendável, que foi a França
vender o sonho de uma Ordem de Cristo ressurgida numa perspectiva iniciática
(«Nunes quis fundar uma O.C. dentro da M.. Isso estava de antemão conenado…» -
Esp. 54 – 87); a outra, basante enigmática e que levanta algumas dúvidas sobre a sua
autenticidade - «As provas da O.C. Sob elas ficou esmagado Antero de Quental, que
nunca passou de escudeiro. (A sua associação com elementos maçónicos e
semelhantes, em parte contibuiu para sua derrota astral)» (ibid.). Registe-se a tradição
de que, em meados do século XIX, haveria uma corrente dentro da Maçonaria
portuguesa que desejava que esta fosse a continuadora da Ordem de Cristo e à qual
não seria estranha a figura do Grão Mestre Costa Cabral, Conde de Tomar, que
comprou parte do Convento de Cristo para sua residência (e não sabemos se para
outros fins…); testemunhos indirects dessa corrente vêm pela mão dos seus críticos,
como por exemplo, Borges Grainha (in História da Franco-Maçonaria em Portugal).

O Poeta tinha na sua interessantíssima e valiosa biblioteca, vários livros sobre


Rosacrucianismo: The rosicrucians, their rites and mysteries, de Hargrave Jennings –
que o Poeta cita abundantement nos seus textos do espólio -, Our ancient brethren the
originators of Freemasonry: an introduction to the history o rosicrucianism, F. de P.
Castells – também citado por Pessoa -, Histoire des Rose-Croix, de Fr. Witemans, The
Brotherhood of the Rosycross de Arthur E.Waite (um dos “chefes” da “Golden Dawn”,
que também Pessoa cita várias vezes), etc.
“Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peitoi posto,
Nosso Pai Roseacruz conhece e cala”
(do poema s.d. de F.P., “No túmulo de Christian Rosencreutz”, que estava
previsto ser publicado no nº. 3 da revista “Sudoeste” de 1935)
Para Pessoa, a «doutrina rosicruciana» - que lhe interessou profundamente por
ser esotérica cristã, sobretudo, na parte final da sua vida, após o “choque” crowleyano
de que já falámos - e o correspondente «influxo da Ordem-mãe» na Maçonaria é
«manifesto no Segundo Grau Simbólico (quem aparte isso, o esperaria), No Real Arco
inglês (o Real Arco de Zerobabel, não o de Enoch, hoje Grau 13 do Rito Escocês) e,
possivelmente, na Ordem de Heredom de Kilwinning. (…) Na sua segunda fase, influiu
também a Ordem Rosicruciana na Maçonaria (na) formação dos Altos Graus, e alguns
deles, e com certeza o grau 18 do Rito de Perfeição (…18 do Rito Escocês e ..7 do Rito
Francês), são de origem roscruciana…» (op. it., p. 92).
Não podemos deixar de dizer que Pessoa refere amiúde o Martinismo, salientando

a doutrina teúrgica de Martinez de Pasqually e teosófica cristã de Louis-Claude de


Saint-Martin, mas ao mesmo tempo criticando o neo-martinismo do ocultista Papus. O
poeta parece ter conhecido esta via iniciática, via João Antunes, autor do livro História
e Filosofia do Hermetismo - que Yvette Centeno refere como tendo pertencido à sua
biblioteca (cf. O pensamento esotérico de Fernando Pessoa, op. cit., p.8) - que terá
animado um grupo martinista na Sociedade Teosófica. Vem a propósito mencionar que
Pessoa deu, a propósito da defesa da Maçonaria, uma indicação preciosa acerca de
uma eventual filiação martinista em Portugal: «(...) no nosso país, caída há muito em
dormência a Ordem Templária de Portugal (...) não existem, suponho, à parte uma
outra possível Loja Martinista ou semelhante, mais do que duas associações
“secretas”(a Maçonaria e a Companhia de Jesus)» (in Petrus, Antologia - A Maçonaria
vista por Fernando Pessoa, p. 4).

A MAÇONARIA EM PESSOA

Para se ter uma ideia do interesse que Pessoa tinha pela Maçonaria, vejam-se
os títulos de alguns dos livros da sus biblioteca: The Emblematic Freemasonry, de
Arthur E. Waite, The lost keys of Feemasonry, de Manly P. Hall, Manual do Franc-
Maçon do Rit(ual) Francês ou Moderno por um Cavaleiro Rosa Cruz (editado pelo
Grande Oriente Lusitano), (The) scotish workings of craft masonry, sem autor (mas
editado pela “Lewis masonic”, próxima da G.L.U. de Inglaterra), (An) Introduction to
Royal Arch Freemasonry (não indica o autor, mas é da iniciativa da Grande Loja Unida
de Inglatera), Les origines du rituel dans l’Église et dans la Franc-Maçonnerie, de H.P.
Blavatsy, Builders of the man: the doctrine and history of masonry or the romance of
the craft, de John G. Gibson, etc.
Com a proliferação de textos pessoanos sobre as mais diversas correntes
esotéricas, parece ser de admitir, como o faz Yvette Centeno, que Pessoa não terá
pertencido a nenhuma delas. Relativamente ao universo maçónico-templário, se ele
afirma, por um lado, que não pertenceu a nenhuma Ordem, a verdade é que não
poderemos esquecer declarações de, no mínimo profunda simpatia - mesmo que
apenas “poéticas” - como a do seu poema dedicado a S. João, publicado por Alfredo
Margarido: «Meu Irmão, se tu és maçon, eu sou mais do que maçon, eu sou
templário(...). Meu Irmão eu dou-te o meu abraço fraternal» mas também, não só
aquela citada por João Gaspar Simões na sua Vida e Obra de Fernando Pessoa:
«Iniciado por comunicação directa de Mestre a discípulo, nos três graus menores da
(aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal.», mas sobretudo a que mais
adiante referiremos e que constitui uma explicação do célebre artigo publicado no
Diário de Lisboa em Fevereiro de 35.
Não é “poética” (nem é fantasia) a sua defesa da Maçonaria (feita nesse
artigo), a propósito do projecto-lei de proibição das “sociedades secretas” da autoria
de Costa Cabral. Pelo contrário, ela constitui um acto de coragem cívica exemplar, mas
também revela uma indisfarçável simpatia por essa Ordem Iniciática, apesar de ele a
considerar como uma Ordem preparatória, ou introdutória, uma Ordem do Átrio («Há
duas Ordens do Átrio, e só duas. Uma delas é a Maçonaria. Não direi qual é a outra»
- Esp. 54A-88/90), ou por uma Baixa Ordem: «A Maçonaria é formada pelas Baixas
Ordens todas, ou, se se preferir, as Baixas Ordens são formadas pela Maçonaria.
Baixos ou Altos Graus que seja, todos são das Baixas Ordens, e para todos é preciso
ser maçon. As Altas Ordens não necessitam todas que se seja ou houvesse sido maçon:
em algumas (como foi a Soc. Ros.) tem que se ser mestre-maçon para ser admitido ou
iniciado; em outras como a G.D. não e exige essa qualificação…» (Esp. 54-94).

- O artigo do Diário de Lisboa, de 1935


Vejamos então quais as linhas essenciais do artigo do Diário de Lisboa de 35,
que constitui uma defesa corajosa, por parte de Pessoa, da Ordem Maçónica, que
transcende, sem negar, as diversas Obediências maçójicas - num período histórico
pouco favorável e receptivo a intervenções deste tipo -, face ao decreto que visava
proibir as “associações secretas”. Começa ele por dizer que «no nosso país, caída há
muito em dormência a Ordem Templária de Portugal, desaparecida a Carbonária (…)
não existem, suponho, à parte uma outra possível loja martinista ou semelhante,
mais do que duas “associações secretas” dessa espécie. Uma é a Maçonaria, a outra
essa curiosa organização que, em um dos seus ramos, usa o nome profano de
Companhia de Jesus, exactamente como, na Maçonaria a Ordem de Hereon de
Kilwining usa o nome profano de Ordem Real da Escócia.» (in A. Quadros, Obras de
Fernando Pessoa, vol. III, p. cit., p. 472 e seguintes). Registe-se o conhecimento que
Pessoa revela quanto às correntes esotéricas do seu tempo, em Portugal – a “loja
martinista ou semelhante” -, e também o conhecimento profundo dos ritos maçónicos
– muito particularmente, o mais antigo sistema de altos graus maçónicos estabelecido
cerca de 1740 na Escócia, a Royal Order of Scotland, com os seus dois graus de
Heredom de Kilwining e de Rosa-Cruz -, tal como, mais adiante no artigo, demonstra o
conhecimento da mais importante Loja de Investigação (histórica e filosofia), a inglesa
Ars Quatuor Coronatorum (tal como refere) e, também, a existência das «três Grandes
Lojas cristãs da Prússia» que Hitler terá manipulado – concretamente, acrescento eu, a
Grande Loja Nacional da Alemanha (Gosse Landsloge der Freimaurer von Deutschland) – do
rito (maçónico-templário) de Zinnendorf – que conheci e a Grande Loja-Mãe da Alemanha
(Grosse Mutterloge….), ainda existentes.. A argumentação de Pessoa centra-se, a partir

dessa asserção inicial, na afirmação de que a Maçonaria não é uma “associação


secreta”, mas «uma Ordem secreta, ou, com plena propriedade, uma Ordem
Iniciática.» De facto, continua ele, «A Ordem Maçónica é secreta por uma razão
indirecta e derivada – a mesma razão por que eram secretos os Mistérios antigos,
incluindo os dos cristãos, que se reuniam em segredo, para louvar a Deus, em o que
hoje se chamariam Lojas e Capítulos, e que, para se distinguir dos profanos, tinham
fórmulas de reconhecimento – toques ou palavras de passe, (…)» (ibid.). Por essa
razão, a Maçonaria, como “Ordem Iniciática”, não pode ser destruída, mesmo que
proibida por um decreto: «Se o Sr. José Cabral cuida que ele, ou Assembleia Nacional,
ou o Governo, ou quem quer que seja pode extinguir o Grande Oriente Lusitano, fique
desde já desenganado. As Ordens Iniciáticas estão defendidas, ab origine symboli,
por condições e forças muito especiais que as tornam indestrutíveis de fora.» (ibid.) e
qualquer acção contra elas («como o camartelo do Duce», em Itália), «Não tem força
para abater colunas simbólicas, vazadas num metal que procede da Alquimia»(ibid.)
–o que deve ser lido simbolicamente.
É neste artigo que o Poeta insere (também) célebre declaração: «Não sou
maçon, nem pertenço a qualquer outra Ordem semelhante o diferente. Não sou
porém anti-maçon, pois o que sei do assunto me leva a ter uma opinião
absolutamente favorável da Ordem Maçónica. (…) por virtude de certos estudos
meus, cuja natureza confina com a parte oculta da Maçonaria – parte que nada tem
de político ou social -, fui necessariamente levado a estudar também esse assunto –
assunto muito belo, mas muito difícil, sobretudo para quem o estuda de fora. Tendo
eu, porém, certa preparação, cuja natureza me não proponho indicar, pude ir,
embora lentamente, compreendendo o que lia e sabendo meditar o que
compreendia. Posso hoje dizer, sem que use de excesso de vaidade, que pouca gente
haverá, fora da Maçonaria, aqui ou em qualquer parte, que tanto tenha conseguido
entranhar-se na alma daquela vida, e portanto, e derivadamente, os seus aspectos
por assim dizer externos.»
Mas, como já vimos no artigo de 1935, interessante e importante é verificar,
nos textos pessoanos sobre a Maçonaria um profundo conhecimento da sua história,
da complexidade e natureza dos seus ritos, rituais e simbolismo iniciático e, mesmo
um elogio da grandeza da sua espiritualidade, primeiramente da Maçonaria que ele
chamava de esotérica e que reclamava ser um magno mistério cristão, mas também e
sobretudo da Maçonaria em geral, pois como ele escreveu no célebre artigo de Diário
de Lisboa, «A Maçonaria compõe-se de três elementos: o elemento iniciático, pelo
qual é secreta; o elemento fraternal; e o elemento a que chamarei humano. (…) Nos
primeiros dois elementos, onde reside essencialmente o espírito maçónico, a Ordem
é a mesma sempre e em todo o mundo.» (ver. A. Quadros, op. cit., p. 481). Ainda
elogioso para a Maçonaria iniciática é o seguinte texto da obra Átrio, referente à Loja
maçónica: « No ultimo e excelso sentido, a Loja é o arcano ou arca da Verdade. O
Mestre e os Dois que estão com ele no governo da Loja são o símbolo das Três
Verdades fundamentais ou cabalísticas. Os dois que, com estes três, formam os Cinco
que completam a Loja, são símbolo dos Dois princípios externos ou de Relação, por
meio dos quais a Verdade não é erro…». Ou ainda, do mesmo Átrio, Fernando Pessoa
refere uma estrutura de progressão iniciática maçónica, sincrética (já que vai unir o
“Arco Real” do rito inglês de Emulação, com o grau de Rosa-Cruz do Rito Escocês
Antigo e Aceite ou do Rito Francês), perfeitamente igual à parte central, maçónica, da
estrutura iniciática da O.T.O. de Theodor Reuss, que Aleister Crowley tomou “de
assalto”: «A FM (Franco-Maçonaria) tem essencialmente, ou 3 pontos, ou 5 pontos –
3 se considerarmos os 3 tempos essenciais (Mestre, Real Arco, e Rosa Cruz) – 5 se
incluirmos os dois primeiros graus que são necessários mas só preparatórios. (…) No
1º. tempo trata-se da construção do 1º. Templo, que é o de Salomão; no 2º., do 2. T.
que é o do Zorobabel; no 3º. Tempo, da do 3º. T. que é o de Cristo – ou,
alternativamente, do Padre, do Filho e do Espírito Santo. No 1º. tempo revela-se o
símbolo da Palavra Perdida; no 2º. revela-se o símbolo da maneira de a encontrar; no
3º. O símbolo da Palavra ela mesma; ou antes, a sua natureza e essência (…) Não são
precisos, úteis ou .. mais de que 5 graus na FM – os dois preparatórios, o do Mestre,
o de R.A., e o R.C.. Todos os outros são divagações ou erros – são supérfluos ou fúteis.
A M. acaba onde o indica a oração daquele grau críptico (Perfeito Mestre de Santo
André) onde Hiram é erguido como Cristo – “porém no sentido mais alto da
palavra”…» (doc. Esp. 53 A – 39, in Pedro Teixeira da Mota, Fernando Pessoa – Rosea
Cuz, op. cit., p. 158). Estes textos, em particular o último, revelam também (como
outros) – para além de uim aonhecimento da “fringe freemasonry” da OTO - um
profundo conhecimento, por parte do Poeta, da Maçonaria e outras vias iniciáticas
com ela (ou não) relacionadas.
Apesar de Fernando Pessoa ter defendido generosamente (e não
sectariamente) a Maçonaria como um todo, isto é, toda a Maçonaria, vemos, pelos
seus textos que ele estava mais próximo, pelo menos espiritualmente – e é claro, na
“fase gnóstica”, pós-pagã e talvez depois da perturbação causada pelas doutrinas de
Crowley por volta de 1930 - da Maçonaria iniciática, muito em particular da Maçonaria
cristã. Desde logo, por que, segundo Pessoa «Na Pedra Cúbica, que é o modelo do
Maçon, deve estar o Volume da Lei Sagrada, que é o seu guia.» (esp. 53 B – 23, op. cit.,
p. 158), isto é, Bíblia (para os cristãos, mas também a Tora para os Judeus, o Corão
para os muçulmanos, etc.). E também porque o modelo estrutural da Maçonaria, para
o Poeta assenta nesses “três tempos” fundamentais (ou cinco, se incluirmos os
preparatórios) do universo da Maçonaria cristã: o (básico) de Mestre maçon (que é
universal), o do Sacro Real Arco (como escrevia Pessoa, traduzindo o Holy Royal Arch
do rito (simbólico) inglês de Emulação, o Emulation) – e que é, segundo ele, «o
desenvolvimento de certas linhas» do grau de Mestre – e o grau de inspiração cristã
(crístico, mas que para alguns Supremos Conselhos, como o inglês, é exclusivamente
para cristãos), o de Rosa Cruz qe, como é sabido inclui uma Ceia Mística, com partilha
do pão e do vinho (o sacerdócio de Meiquitsedeque), celebrada obrigatoriamente na
Quinta-feira Santa. Esta Maçonaria cristã teve origem próxima (já que tem origem
remota na Maçonaria medieval cristã, católica), segundo Pessoa (e segundo alguns
estudiosos) na acção do Rosacrucianos, pois como ele diz, a Rosa Cruz «Na sua
primeira fase criou ou transformou a Maçonaria – a “Ordem Externa” (…)», embora
«Na sua fase presente, a Ordem Rosacruciana nada tem que ver, creio, com a
Maçonaria, continuando, porém a estender a mão àqueles maçons (…) que julga
dignos de serem chamados ao seu Templo.» (esp. 53 B- 36, op. cit., p. 92).
Pessoa é conhecedor dessa variedade quando diz: «Se há altos graus que são
nitidamente cabalísticos e até anti-cristãos, também os há que são espirituais ou
cristãos, desde o sobregrau do Sacro Real Arco até àquele grau críptico em que Hiram
é erguido como Cristo…» (op. cit., p. 100 e 101). Em suma, essa Maçonaria – iniciática,
rosacruciana, templária, cristã gnóstica - tão do agrado de Pessoa (pelo menos
segundo cremos, na parte final da sua vida), é, como na Maçonaria inglesa, cristã: «a
Maçonaria, não sendo já católica, é todavia, ou tem que ser, cristã e trinitária» (esp. 53
A – 4, op. cit., p. 92).
É impotante citar, neste contexto, que no final da sua vida Pessoa estava a escrever
“rituais iniciáticos” - com imaginação criadora, assente numa sólida cultura iniciática
de raíz maçónico-templária, e não com fantasia, gratuita e delirante -, os quais Teresa
Rita Lopes publicou, em Pessoa por conhecer II (op. cit., pp. 98 - 104). Trata-se, tudo
indica, de rituais maçónicos ou maçonizantes, pois neles figuram alguns elementos
maçónicos habituais: “entre (as duas) colunas”, o “sinal da Ordem”, o Neófito “cego,
nu e pobre” que pede “a luz, o calor e a vida”, o “pavimento mosaico”, “as três
colunas”, o “Supremo Arquitecto dos Universos”, etc. mas em que o “Venerável
Mestre” e os “Vigilantes” maçónicos são substituidos por pelo Mestre do Átrio e pelo
Mestre do Claustro, e em que as três colunetas da Sabedoria, da Beleza e da Força, são
neste caso substituidas pela Verdade, pelo Bem e pela Beleza. Destes rituais, citaremos
um exemplo (op. cit., p. 98):
«P - Abri o atrio, Mestre do Atrio, e que o neofhyto apareça entre as duas
colunas, e fareis o signal da Ordem. Falareis quando vos fôr correspondido.
P - Que trazes, Mestre do Atrio?
R - Um neophyto, cego, nu e pobre.
P - Que quere elle?
R - A luz, o calor e a vida.
P - Onde quere ele a luz, o calor e a vida?
R - Nesta Ordem.
P - Que o neophyto se adeante.
R - Está adeantado.»
Este excerto ritual parece ter a ver com os dois “Fragmento do discurso do
Iniciador no Grau de Mestre do Átrio” que António Quadros inclui nas pp. 536 e 537 do
Vol. III das Obras de Fernando Pessoa (op. cit.) - publicados, respectivamente, pela
primeira vez por Yvette Centeno no livro Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética(op.
cit.) - texto sem data - e por Teresa Rita Lopes no seu livro Fernando Pessoa et le
drame symboliste ( ) - datado de 3-9-34:
I -«Pela Lei do Cristo (de Deus ou do Cristo), que é a Vida Eterna, nos podemos
libertar dele (Satã ou Inferno) nos podemos libertar dele para sempre, (e) para não
regressar nunca. Tudo isto sabeis vós, meus Irmãos, e eu convosco, e sabemos também
como haveremos, se pudermos, resistir aos três assassinos e guardar connosco, ainda
que mortos para os outros, a Palavra Divina (...). E como sabeis tudo idto, deixarei o
que isto é e significa; passarei de novo, voltando sobre os antigos passos, a átrio e a
porta do Templo e, olhando para fora, dir-vos-ei o que vejo.»
II - «Meu irmão, recebeste a Palavra. O que a vida te esconde, porque é a
morte, revela-te a morte, porque é a vida. (Meu irmão) tudo neste mundo é símbolo e
sonho. Símbolo tudo quanto temos, sonho, tudo quanto desejamos. O universo inteiro,
de que somos parte por castigo e erro, é uma alegoria cujo sentido já conheces visto
que teus olhos, por fechados, estão abertos, e teus ouvidos, por oclusos, podem enfim
ouvir. Sabes já , meu irmão, visto que estás disperto que o sol é negro e a terra vazia;
que o que amámos é o que desconhecemos, que o que sonhámos é o que conhecíamos.
Teu caminho agora é outro onde cessam os astros e a luz do sol não é lei nem dia. Que
o Supremo Arquitecto do Universo te dê a luz...»

No entanto, repetimos, e apesar desta visão particular da Maçonaria, Pessoa


defende toda a Maçonaria com respeito pelos outros ritos, isto é, defende a “Ordem
Maçónica” (todos os ritos e todas as Obediências de todos os países), pois como ele
diz: «Conquanto, porém, a Maçonaria esteja assim materialmente dividida, pode
considerar-se como unida espiritualmente. O espírito dos rituais, e sobretudo o dos
Graus Simbólicos (nos quais, e sobretudo no Grau de Mestre, está já, para quem
saiba ver ou sentir, a Maçonaria inteira), é o mesmo em toda a parte (…) quem tive
as chaves herméticas, em qualquer forma de um ritual encontrará sob mais ou
menos véus, as mesmas fechaduras. Resulta desta comunidade de espírito profundo,
deste íntimo e secreto laço fraternal, que ninguém quebrou nem pode quebrar, que
uma Obediência, ainda que tenha poucas ou nenhumas relações com outra, não vê
todavia com indiferença o ser esta atacada por profanos».
Esta perspectiva englobante de toda a Maçonaria – independentemente da sua
perspectiva particular que o leva a privilegiar certos ritos, graus e Ordens maçónicas –
leva-o ainda – para além do fundo comum da iniciação maçónica os três primeiros
graus, que ele salienta – a pôr em evidência os grandes temas da Ética maçónica e dos
grande valores que a Ordem, em geral, proclama para a sociedade. Assim, no mesmo
artigo do Diário de Lisboa, ele escreve a propósito da ausência de uma doutrina
maçónica: « …toda a Maçonaria gira, porém, em torno de uma só ideia – a tolerância;
isto é, o não impor a alguém dogma nenhum, deixando-o pensar como entender», o
que acarreta uma necessária defesa da Liberdade como estando intimamente
associada à vivência da Tolerância – que não é indiferença, como Pssoa bem salienta -,
o que constitui uma clara e forte crítica ao Estado Novo, então vigente: «A Maçonaria
nada, pois, tem que ver com qualquer regimen ou partido político, excepto se ou
quando esse regímen ou partido atacam a tolerância ou oprimem a liberdade. Nada
tem que ver, por igual, com qualquer religião ou doutrina excepto se essa religião ou
doutrina está nas condições indicadas. (…) Nesse caso é dever de todo o maçon
combater quanto possa esse inimigo da liberdade, e é seu dever natural de maçon,
independente de indicação directa da oficina de que seja obreiro, o da obediência a
que, ele e ela, pertençam. Tolerantes, o antes indiferentes, de mais têm sido a
M(açonaria) e os maçons para com tais dutrinas, imprevidentes de mais para com
elas quando ainda no início e mais fáceis portanto de combater.» (Fragmentos de um
texto de réplica, in A. Quadros, op. cit., p. 498)
É importante referir que Pessoa afirma não ter pertencido a nenhuma Ordem,
embora revele um conhecimento iniciático de natureza esotérica que parece
ultrapassar a mera informação livresca. Terá pertencido ele a um círculo iniciático
restrito, ou mesmo a uma Loja ou Capítulo “selvagem” de natureza maçónico-
templária ou rosacruciana, fazendo com que ele fosse «um irregular do transepto»
(expressão com que assina, em Janeiro de 1934, uma carta em defesa da Maçonaria,
dirigida ao Jornal A Voz, incluida no livro Pessoa Inédito, coord. Teresa Rita Lopes,
Lisboa, 1993, p. 328)?
No entanto, as referências de Pessoa ao templarismo enquadram-se, grande
parte delas, num universo maçónico, como por exemplo a frase esclarecedora meu
Irmão, se tu és maçon, eu sou mais do que maçon, eu sou templário que está no seu
poema S. João – pois se o seu templarismo não fosse maçónico, ele não diria que era
mais do que maçon, mas que não era maçon. De acordo com esta perspectiva em que
a iniciação cavaleiresca sucede e completa a iniciação artesanal, assim como a
iniciação sacerdotal, completará a cavaleiresca, está também a seguinte afirmação que
pode ser fantasiosa, mas também pode ter algum fundamento quanto a um projecto
iniciático que Pessoa gostaria ou pensaria desenvolver (pelo menos “imaginalmente”),
e que correspondesse à Ordem Templária de Portugal: «Temos espadas porque
somos cavaleiros, veste de rito porque somos sacerdotes, capuzes de velar porque
somos ocultos...» (cf. Yvette Centeno, Esp. 54A/53).
António Telmo, que no seu livro A História Secreta de Portugal, se refere a ele
como o “rectificador da Maçonaria” - expressão que lançou alguma perturbação em
estudiosos como Jorge Matos, autor do muito interessante livro O Pensamento
maçónico de Fernando Pessoa - esclareceu-nos recentemente a razão desta sua
expressão. De facto, estando ele no Café Palladium (onde se reunia a tertúlia da
“Filosofia Portuguesa”), entrou alguém que fez uma saudação críptica a Álvaro Ribeiro.
Tendo-lhe António Telmo perguntado quem era, ele respondeu que era Ferreira
Gomes, “companheiro do Pessoa na Loja do Real Arco” (inglês, refira-se, pois também
existe o americano). Acresce o facto de Álvaro Ribeiro (“homem de segredos”) ser
maçon e, segundo António Telmo, “muitos da Filosofia Portuguesa, com excepção de
alguns como António Sardinha, também o eram”.
Tuido indica que essa mesma Loja ou Capítulo seriam “selvagens” (isto é, livre
do toda a Obediência e, pelo menos administrativamente irregular), incluindo o Sacro
Real Arco (Holy Royal Arch) e eventualmente um prolongamento templário (como a
Ordem de Crowley)? E a transm,issão dses graus maçónicos teria vindo de Crowley. O
conhecimento de Pessoa destes graus é sólido. Num texto escrito no último ano da sua
vida, em que ele diz que a Maçonaria inglesa entregou o «Sacro Rial Arco» a «um
Supremo Grande Conselho dos Maçons (?) do Rial Arco - se me perguntarem isso,
estou apto a responder, embora guarde silêncio. Todas estas coisas são da alma e da
essência da Maçonaria e, muito embora haja que colher em livros a indicação dos
factos, não é com uma ciência derivada de livros, que esses factos podem ser
coordenados e devidamente entendida e interpretada a sua coordenação» (in Pessoa
Inédito, op.cit., p.333). Ao mesmo tempo, no mesmo texto Pessoa refere que «Não
lhes ocorreu que houvesse alguém que, não sendo maçon (isto é, não pertencendo a
nenhuma Ordem Maçónica), tivesse todavia motivos para ter com os maçons um
sentimento deveras fraternal, que o movesse a defendel-os; que não sendo presa de
qualquer compromisso de sigilo, pudesse fazel-o; que tendo os conhecimentos
necessários pudesse fazel-o competentemente» (ibidem). Quem poderia ter para com
a Maçonaria uma solidariedade tão “fraternal” que o levasse - com alguns riscos e
incómodos - a defender essa Ordem, num período politicmente tão difícil. Na minha
opiniõ, uma resposta óbvia é a seguinte: quem tivesse recebido graus maçónicos,
mesmo que fosse numa ordem não-maçónica.
Não escreveu Pessoa, num texto datado de 1935, que «é à luz dos
conhecimentos que recebi pelos trez Graus Menores da Ordem Templária que pude ler
com entendimento livros e rituaes maçonicos.» (in Pessoa Inédito, op. cit., p. 334)? De
que Ordem se trata? Num importante e esclarecedor texto - mesmo tendo em conta o
fingimento de um poeta - escrito no último ano da sua vida, publicado por Teresa Rita
Lopes, este explicita a afirmação incluída no seu artigo do Diário de Lisboa, de 4-2-1935
(Não sou maçon, nem pertenço a qualquer outra Ordem semelhante ou diferente):
«(1) Uma Ordem iniciática é verdadeiramente uma Ordem só quando está em
actividade - isto é quando tem abertos os seus templos (...) e realiza sessões e
iniciações em ritual vivido. Quando em dormência, e vida latente e simplesmente
transmissa, não é propriamente uma Ordem, mas tão somente um sistema de
iniciação, avanço e completamento. São os três termos que competem à conferição,
por exemplo, dos três Graus Menores da Ordem Templária de Portugal.
(2) Por isso eu disse, legitimamente, que não pertencia a Ordem nenhuma.
Não podia legitimamente dizer que não tinha nenhuma iniciação. Antes, para quem
pudesse entender, insinuei que a tinha, quando falei de «uma preparação especial,
cuja natureza me não proponho indicar». Essa frase escapou, e ainda mais o seu
sentido possível, aos iledores anti-maçónicos. Só posso pois dizer que pertenço à
Ordem Templária de Portugal. Posso dizer, e digo, que sou templário portuguez.
Digo-o devidamente autorizado. E, dito, fica dito. Ora é á luz dos conhecimentos que
recebi pelos três Graus Menores da Ordem Templária que pude ler com
entendimento livros e rituais maçónicos. Ausentes esses conhecimentos, estaria
lendo às escuras (...) » (texto, “posterior a 2 de Fevereiro de 1935”, in Pessoa Inédito,
op. cit. P. 334, os sublinhados são nossos).
Fernando Pessoa revela num dos “fragmentos de um texto de réplica” às
reacções críticas ao célebre artigo do Diário de Lisboa, ter não só “uma preparação
especial” - «os meus conhecimentos maçónicos derivam-se, não da simples leitura de
livros, mas de certa “preparação especial” cuja natureza me não propunha, nem
agora me proponho divulgar» (in A. Quadros, op. cit., p. 488) – de natureza “cristã
gnóstica”, assente na «Tradição Secreta de Cristianismo (com) laços apertados e
ocultos que ligam essa tradição ao mais íntimo do espírito maçónico» (ibid., p. 492),
como “ter recebido noutro Templo a mesma Luz (maçónica): «Deixe o Sr. José Cabral a
Maçonaria aos maçons e aos que, embora o não sejam, viram, ainda que noutro
Templo, a mesma Luz.» (op. cit., p. 483). É caso para nos intrrogarmos: queTemplo?
que Luz?

Mas parece-nos ser impossível elaborar essa reflexão, sem ter em conta os
textos tardios de Pessoa, em particular este que, alás, confirma a declaração biográfica
de Pessoa a João Gaspar Simões: «Iniciado por comunicação directa de Mestre a
discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de
Portugal.» (acima citada).

E UMA VEZ MAIS CROWLEY… E O ESCLARECIMENTO DA QUESTÃO MAÇÓNICA

No que diz respeito à relação de Fernando Pessoa com a Maçonaria, para além do
notável e corajoso artigo do “Diário de Lisboa” de 1935, de defesa da Ordem maçónica contra
o Decreto de proibição da “sociedades secretas” que o Deputado José Cabral preparava da
Assembleia Nacional, é de referir um “texto de réplica” publicado por António Quadros e que é
extremamente revelador do que terá levado o Poeta (um não maçon, como ele diz) a defender
a Maçonaria:

“Deixe o Sr. José Cabral a Maçonaria aos maçons e aos que, embora o não sejam,
viram, ainda que noutro Templo, a mesma Luz”.

Ora, “receber a mesma luz noutro templo” é ter recebido graus maçónicos, não numa
organização maçónica mas numa organização não maçónica – que as houve várias, aquilo a
que os maçons ingleses chamamde “fringe freemasonry”, maçonaria lateral. Tudo indica que
foram os graus maçónicos, dispensados a Pessoa por Crowley, no contexto da sua Ordem dos
Templários do Oriente – que tinha três níveis iniciáticos, o maçónico, o cavaleiresco e o mágico
– que determinaram da parte do Poeta uma expressão pública da sua solidariedade em
relação à Ordem maçónica, ele que no final da sua vida estava a escrever rituais maçónico-
cristãos (que já reproduzimos em parte neste livro).

De facto, cerca de um ano antes da sua vinda a Portugal, em 1930, Fernando Pessoa e
o poeta “luciferino” Raul Leal estabeleceram correspondência com o mago inglês Aleister
Crowley. Pessoa escrevera a Crowley no sentido de o informar de que o seu horóscopo
inserido na obra Confessions of Aleister Crowley (que o Poeta possuía na sua biblioteca),
estava errado. Esta demonstração de competência numa área do esoterismo terá
impressionado o mago que de seguida pensou expandir a sua “ordem” a Portugal e ao mesmo
tempo entregar-lhe a sua direcção: I was obliged to leave immediately for Lisboa in order to
establish there a headquarter for the Order under Don Fernando Pessoa (eu fui obrigado a
partir imediatamente para Lisboa para estabelecer aí uma sede da Ordem sob a autoridade de
Fernando Pessoa).

Relativamente a Raul Leal a opinião de Crowley não era tão favorável já que no seu
Diário ele escreve em 9/9/30: To Lisbon: Lunch with 4.000 esc. Met Leal; don’t like him.
There’s something very definitively wrong about him. At night initiation. (Marco Pasi, 2006,
223-231) – “”para Lisboa: almoço com 4.000 Escudos. Encontrar Raul Leal; não gosto dele. Há
qualquer coisa de definitivamente errado nele. À noite iniciação”.

Como refere o investigador pessoano Stephen Dix – no Capítulo I Vida/Obra do livro


coordenado pelo seu colega Jeronimo Pizarro, Fernando Pessoa, o guardador de papéis , Texto,
Lisboa, …-, “Marco Pasi encontrou uma extensa carta de Raul Leal , escrita no dia 15 de janeiro
de 1930 e dirigida directamente a Crowley, onde o antigo poeta de Orpheu explica, de uma
forma algo confusa o seu sistema esotérico, terminando com o pedido de uma iniciação
pessoal com o mestre inglês de ocultismo. É muito provável que esta iniciação tenha
acontecido em Lisboa no dia 9 de Setembro de 1930. – local provável da iniciação: a
residência de Raul Leal na Travessa das Salgadeiras ao Bairro Alto.

É pois muito provável que Pessoa tenha estado presente nessa iniciação pois:

- ele escreveu, a propósito da sua relação om a Maçonaria – relativamente à qual ele afirma
“não ser maçon”, isto é não pertencer a nenhuma Ordem Maçónica – que, no entanto, tinha
“uma preparação especial cuja natureza me não proponho indicar” e, além disso, que
”recebeu a mesma luz noutro templo”, o que quer dizer que foi iniciado em graus maçónicos;

- Ctrowley – que escreve no seu diário “à noite iniciação” - não iria perder o seu tempo
fazendo uma iniciação apenas para Raul Leal, relativamente ao qual ele não tinha boa opinião
– “não gosto dele” - ao contrário de Pessoa que ele considerava;

- Crowley escreveu que, em Lisboa, ele ia “estabelecer uma sede da (sua) Ordem sob a
autoridade de Fernando Pessoa”; ora isso só seria possível se Pessoa fosse iniciado; logo a
intenção da vinda a Lisboa do mago inglês era clara e a sua concretização muito provável.
- de que Ordem fala Crowley? Uma vez que ele tinha duas, e sendo uma delas a A. A., uma
Ordem cabalística decorrente da Golden Dawn e cujos ensinamentos eram, em grande parte,
dados directamente por ele, por correspondência, aos seus discípulos, membros da AA – vide a
circular iniciática que Pessoa tinha no seu espólio e que o seu sobrinho Luis Roza (na verdade
Luís Miguel Rosa Dias) publicou em “Um encontro Magick” -, tudo indica que a Ordem de que
Crowley fala seria a OTO-Ordo Templi Orientis que tinha graus maçónicos, graus cavaleirescos
e graus mágicos e que necessitava de uma iniciação para a transmissão desses graus (por mais
curta que fosse).

- A determinação com que Pessoa escreve o artigo do Diário de Lisboa, em defesa da


Maçonaria e de crítica dos que a querem proibir, revela que ele, embora não pertencendo a
nenhuma ordem maçónica, se sente solidário com a Ordem; uma hipótese muito provável
reside no facto da OTO ter graus maçónicos e de Passoa, ao tê-los recebidos – mesmo que em
transmissão resumida – se sentir na obrigação de manifestar publicamente a sua solidariedade
com a Ordem maçónica.

- como refere Stephen Dix, no seu texto, Raul Leal escreveu um carta a João Gaspar Simões em
que ele acusa Crowley de ter realizado “uma certa vingança mágica”, “arrastando porfim o
Fernando para a Morte que poucos anos depois surgiu para ele subitamente (…) e apanhando-
me de ricochete de modo a provocar em mim uma horrível doença que também quase foi
mortal…”; seria mais provável, no dicurso de Leal, que essa influência “negativa” resultasse de
uma iniciação ou transmissão iniciática.

Mas após ter recebido a visita (com uma muito provável iniciação) do mago inglês
Aleister Crowley, em Setembro de 1930, ele – que não foi discípulo de Crowley mas recebeu
dele um impulso para tratar outros temas - e escreve o lema crowleiano “Faz o que queres” e
outro textos como “O Caminho da Serpente” –“o livro que não o é” - , e tratar poéticamente
temas esotéricos como “No túmulo de Christian Rosencreutz”, “Eros e Psique”, etc.
ANEXO

BREVE CRONOLOGIA DA MAÇONARIA EM PORTUGAL

1733 – Introdução da Maçonaria em Portugal pelo escocês Gordon

1738 – Bula “In Eminenti” do Papa Clemente XII contra a Maçonaria, invocando razões
seculares.

Processo da Inquisição contra o dominicano O’Kelly da Loja católica de Lisboa, a “Casa


Real dos Pedreiros-livres da Lusitania”, que era dirigida pelo Coronel Hugh O’Kelly e se
reunia nos fundos de um restaurante de um irlandês, Rice de seu nome, na Rua dos
Remolares, ao Cais do Sodré; outros membros da Loja: Capitão Brown, Tenente Hogan,
Charles Mardel, Engenheiro Militar, diversos comerciantes, etc.

1743 – Jean Coustos, suíço, Venerável da Loja protestante de Lisboa (que se reunia na Cruz
Quebrada) – cujo nome desconhecemos mas que era deominda pela Inquisição como a “Loja
dos Herejes protestantes” – foi preso juntamente com outro Irmão dessa Loja, Jacques
Mouton, tendo ambos sido torturados. Coustos era comerciante de pedras preciosas e
consegue ser libertado mas escreve depois um livro contando a hoistória da sua prisão e da
sua tortura.

1744 – Primeiro Auto-da-Fé contra maçons, o mencionado Mouton e Jean-Bapriste Richard,


Capitão da Guarde Real

1762 – O Conde de Lipppe, maçon alemão, vem reformar o Exército português e cria Lojas
militares, de Caminha a Elvas. O seu Regulamento de Disciplina sobreviveu até ao século XX.
O Reinado de D. José (1750-1777) é favorável à Maçonaria, por acção do Marquês de Pombal,
seu Prmeiro Minitro que teria sido iniciado em Londres, numa Loja da City, pelo próprio
Príncipe de Gales da altura – segundo refere Daniel Ligou no eu Diccionaire de Franc-
Maçonnerie. A rconsrução de Lisboa após o Terramoto de 1755 é confiada a maçons, Carlos
Mardel, Eugénio dos Santos, etc

No Reinado de D. Maria (1777-1799) o Intendente da Polícia Pina Manique persegue a


Maçonaria, havendo em 1788 um Auto-da-Fé contra maçons. A Ordem conta já nessa altura
com nomes de iniciados da dimensão de Avelar Brotero, Filino Elísio, Ribeiro Sanches, José
Anastácio da Cunha, et.

1793 – Jack Gordon, talvez descendente ou parente do introdutor da maçonaria em Portugal


foi a LÇondres obter autorização para a constituição de uma Loja que integrasse os militares
ingleses e irlandeses; foi preso juntamnente com outros maçons, entre os qusis portugueses e
ingleses naturalizados.

1797 – as reuniões maçónicas eram feitas a bordo de barcos ancorados no Tejo; a Loja
“Regeneração” - núcleo de cinco outras lojas – reunia-se a bordo da fragata “Fénix”.

1801 – A Maçonaria em Portugal vai crescendo e neste ano há 5 Lojas maçónicas britânicas em
Lisboia – com oficiais do exército, comerciantes, sacerdotes, professores, etc. -, uma das quais
no Regimento dos Dragões Ligeiros ingleses .

Devido ao crescimento do número de maçons portigueses, começam nesse ano, no Palácio de


Gomes Freire de Andrade, as reuniões preparatórias para a constituição de uma Obediência
maçónica portuguesa regular.

1802 - Hipólito José da Costa é enviado a Londres para obter – junto da Maçonaria inglesa,
tendo-se dirigido, não sabemos porquê, à Grande Loja dos Antigos - a carta patente de
constituição da Grande Loja de Portugal (ou da Grande Loja de Lisboa), mas ao chegar a Lisboa
é preso por Pina Manique e depois interrogado pela Inquisição.Desta situação dramática ele
dará conta num livro que publicará em Londres para onde conseguirá fugir, por influência do
Duque de Sussex - então radicado em Lisboa -, futuro Grão Mestre da Maçonaria inglesa.

1804 – Consagração da Grande Loja de Portuglal que em 1806 passará a denominar-se de


Grande Oriente Lusitano (G.O.L.), tendo recebido a carta patente do Grande Oriente de
França, uma vez falhada a transmissão inglesa. O 1º. Grão Mestre seráo neto do Marquês de
Pombal, o Juiz Sebastião José de Sampio de Melo e Castro Lusignan,
807 – Primeira Invsão francesa comandada pelo maçon Junot. Embarque da família real
portuguesa para o Brasil, deixando o Comité de Regência em Lisboa. Algumas Lojas reagem
contra a invasão encorajadas pelo maçon Duique de Sussex. O exército francês é derrotado e
expulso pelasopas anglo-portuguesas.

1809 – Segunda Invasão francesa comandada por Soult. Procissão maçónica dos maçons
ingleses em Lisboa. Continua a perseguiçãpo de Pina Manique e em 1810 dá-se a prisão de 30
maçons que logo são libertados por acção do Duque de Sussex. O General Beresford era o
Governador do Exército inglês.

1812 – Em Lisboa há 13 Lojas, tendo a Loja-mãe a sede em S. Vicente de Fora.

1814 – O General Gomes Freire de Andrade – então oficial das tropas napoleónicas, tendo
constituído nesse contexto, a Loja Militar dos Cavaleiros da Cruz, do Grande Oriente de França
- regressa a Portugal e em 1816 é eleito 3º. Grão Mestre do Grande POriente Lusitano.

1817 – O mais dramático incidente da Maçonaria portuguesa: 11 maçons pró-franceses são


acusados de tecerem uma conspiração (falhada). São presos, ondenados e xecutados., de
entre os quais o Grão Mestre Gomes Freire de Andrade. Este rejeita a possibilidade de fugir,
oferecida pelos militares ingleses maçons e com grande dignidade pessoal e militar prefere a
execução, que ocorre em S. Julião da Barra. Outros maçons acusados da conspiração são
executados no Campo de Sant’Aana, que por isso se denominará Campo dos Mártires da
Pátria.

1818 – Apesar deste acontecimento a maçonaria portuguesa expande-se, existindo Lojas em


Lisboa, Porto, Coimbra, Satarém, Elvas.

1820 – Reolução liberal e constituição do “Sinédrio” maioritariamente constiuido por maçons,


de entre os quais dois futuros Grão Mestres: Cunha SoutoMaior (1821) e Silva Carvalho
(1827).

1822 – Constituição e Assembleia Constituinte liberais, de inspiração maçónica. A Maçonaria


está presente através de monárquicos, sacerdotes, intelectuais, políticos, etc.

Em 1822 D. Pedro IV, Iº. do Brasil é iniciado na Maçonaria no Rio deJaneiro e será o primeiro
Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil, que se constitui regularmente em 1823, sendo logo
reconhecido pela Inglaterra – recorde-se que nesse ano o Duque de Sussex, que tinha vivido
em Portugal, procede à unificação dos “modernos” e dos “antigos”, sendo o primeiro Grão
Mestre da Grande Loja Unida da Inglaterra.
1823/4 – Reacção absolutista de D. Miguiel, D. Carlota Joaquina e seus partidários, dando-se
uma perseguição contra a maçonaria e os maçons.

1826 – A Carta Constitucional é aprovada por imposição do Duque de Saldanha, futuro Grõ
Mestre do “Grande Oriente do Porto”, exilado em França. Em Inglaterra estará exilado Silva
Carvalho, futuro Grão Mestre do “Grande Oriente de Passos Manuel”.

1834 – Após 10 anos de Governo miguelista – e de perseguição dos maçons – os liberais


impõem a Convenção de Évora Monte, sendo expulso D. Miguel e os Jesuítas. Extinção das
Ordens religiosas.

1836 – Revulução Setembrista de Passoa Manuel. Divisões na Maçonaria portughuesa entre os


Grandes Orientes e os seus Grão Mestres.

1842 – Revolução Cartista - restauração da Carta Constitucional que os “setembristas” de


Passos Manuel tinham substiuido pela de 1822. Grão Mestre do Grande Oriente Lusitano,
Costa Cabral, Conde de Tomar que, com a extinção das Ordens Religiosas, adquire parte dos
anexos do Convento de Cristo para sua residência – alguns dizem que seria sua intenção aí
colocar a sede da Maçonaria, já que para a visão conservadora de Costa Cabral e amigos
maçons, a Maçonaria portuguesa devia ser a continuadora da Ordem os Templários e da
Ordem de Cristo. Costa Cabral foi Primeiro- Ministro e Grão Mestre num total de sete anos e o
seu Supremo Conselho do Grau 33º. Incluía como membro, o Arcebispo de Évora D. Frei
Francisco Anes de Carvalho – o qual, sendo liberal, tinha estado com residência fixa na Beira,
por ordem dos miguelistas.

1846/7 – Revoltas da Maria da Fonte e da Patuleia, “contra os Cabrais”, na verdade uma


exploração populista dos sentimentos populares e tradicionais, da parte dos miguelistas.
Exemplo, a dterminação de Costa Cabral em proibir os enterramentos nos adros das igrejas,
criando cemitérios para o efeito, o que constituiu uma medida higiénica e moderna.

1834/1869 – Cisões e criação de Obediências diversas (da direita à esquerda) no seio da


Maçonaria portuguesa: Grande Loja Provincial do Rito Irlandês (Grão Mestre: Silva Pereira),
Grande Oriente de Portugal (Grão Mestre Moura Coutinho), Grande Oriente do Rito Escocês
(Grão Mestre: Silva Carvalho), Confederação Maçónica (Grão Mestre José Estêvão), Grande
Oriente templário (Grão Mestre: Rodrigo da Fonseca), Maçonaria Eclética/Rito Lusitano (Grão
Mestre: Miguel António Dias), Grande Loja Portuguesa (Grão Mestre: Cónego Castelo Branco),
Federação Maçónica (Grão Mestre: Pina Cabral), Grande Oriente Português (Grão Mestre:
Mendes Leal). O Grande Oriente Lusitano teve por seu turno como Grão Mestre o já citado
Costa Cabral, a que sucedeu o Conde de Paraty.

1869 – O Conde de Paraty, Grão Mestre do G.O.L. procede à unificação da Maçonaria


portuguesa, formando-se o Grande Oriente Lusitano Unido (G.O.L.U.), o qual por volta de
1870 regista 34 Lojas, às quais se somam 21 Lojas espanholas que deviso a problemas políticos
na nação vizinha, se colocam sob a autoridade do GOLU.

1871 – São criadas duas Constituições: a Maçónica (de Lisboa) e a Constituição do Norte
(Coimbra e Porto) o que constituiu nova dissidência. Também o Tratado entre o GOLU e o
Grande Oriente de Espanha, acarretou a chamada dissidência patriótica.

1882 – Criação da Grande Loja de Portugal do rito Simbólico, de tendência britânica, que
integra 6 Lojas vindas do GOLU. Os seus Grão Mestres foram Dias Ferreira e França Neto. Esta
G.L., em 1884, terá 18 Lojas.

1897 – Depois do Ultimato inglês em 1890 e da revolução de 31 de Jneiro no Porto, começa


em 1896 a Ditadura de João Franco. No ano seguinte dá-se a criação do Grande Oriente de
Portugal do Grão Mestre Peito de Carvalho que durará poucos anos. Também em 1897 é
criado o Grémio Português, a partir da Loja “Comércio e Indústria” do GOLU e integrará a Loja
“Montanha” que acolherá carbonários que também eram maçons.

1908 – Morte do rei D. Carlos e do Príncipe Luís Filipe. De 1860 a 1910 em pleno
desenvolvimento a acção republicana dentro da Maçonaria, com algumas características de
anti-clericalismo – respondendo segundo alguns ao demasido clericalismo vigente – e uma
afirmação política que conduziu a algumas divisões.

1910 – Revolução republicana de 5 de Outubro, com Machado dos Santos na Rotunda, em


Lisboa, em que a Carbonária (a que ele pertence), tem um papel decisivo, tendo nessa altura
cerca de 40 mil homens em armas.

1912 – Nova Constituição do GOLU informada pelos princípios de igualdade social.

1913 – No ano do seu Congreso nacional, o GOLU – Grande Oriente Lusitano Unido conta 4300
membros com: 156 Lojas do REAA – Rito Escocês Antigo e Aceite, 69 do Rito Francês, 1 do Rito
Simbólico (Emulação?) e 1 do Rio de York.

1914 – O Supremo Conselho do Grau 33º. – organismo que tem a jurisdição dos altos gras do
REAA, proclama a sua independência e defende a Cosntituição de 1871 (face à nova
Constituição demasiado socializante, segundo ele). O Grão Mestre do GOLU é irradiado do
SCG33.

1915 – O Grão Mestre Magalhães Lima defnde o princípio “nem reacção, nem revolução”.
Grande actividade maçónica nos domínios da instrução publica e do Registo Civil.

1916 – Criação do Grémio Luso-Escvocês, como cisão do GOLU. O GOLU esteve representado
no Congresso das Maçonarias aliadas e neutrais (16 países).

1918 – O emblema do GOLU perde o “olho de Deus” no centro do triângulo, sendo aquele
substituído por um sol. O número de membros baixa para 2226. Os maçons são acusados de
terem organizado o atentado contra Sidónio Pais (que havia sido iniciado maçon).

1919/20 – Lutas internas não impedem o crescimento do GOLU: 2369 membros e 105 Lojas e
Triângulos.

1921 - Nova Constituição do GOLU que conta com 1826 membros. Nela se afirma que “A
Maçonaria é progressista e que embora possam ser maçons “indivíduios de ambos os sexos”,
“não são permitidas Lojas mistas”. O GOLU está presente no Congresso Internacional de
Genebra, juntamente com 17 países europeus e sul-americanos, grande parte dos quais latinos
e latino-americanos.

1923 – Tentativa de reunificação do GOLU-Grande oriente Lusitano Unido com o GLE-Grémio


Luso-Escocês, isto é, das duas tendências maçónicas portuguesas, a primeira mais progressista
e a segunda mais conservadora..

1924 – O Grão Mestre Magalhães Lima refere-se às diferenºas entre as duas tendências
maçónicas, a anglo-saxónica – que é “ritualística e crente no Grande Arquitecto do Universo” –
e a latina – que é “política e pouco ritualística”. O G.M. Magalhães Lima está presente em
Bruxelas no 3º. Congreso Internacional Internacional.

1925 – O GOLU tem 2528 membros dos quais mais de 50 membros do Parlamento. Não é esse
facto que levanta reservas à maçonaria anglo-saxónica mas sim o facto de a Maçonaria
portuguesa ser atravessada desde o século XIX por lutas político-partidárias.

1926 – Finalmente dá-se a união do GOLU com grande parte do GLE (alguns ainda ficam de
fora). O relatório do Conselho da Ordem diz que não foi possível restabelecer as relações –
“troca de Garantes de Amizade” – com as Grandes Lojas Estaduais dos EUA e com a Grande
Loja Unida de Inglaterra, “com as quais desde há muitos anos não temos relações”
1926 – Revolução de 28 de Maio. Um a no depois começa a perseguição da Maçonaria e dos
maçons – sobretudo dos que não estão com o Estado Novo.Lembremos, entre outros, que o
Marechal Carmon, futuro Presidente da República, foi maçon e que um nome como Bissaia
Barreto também o foi (e fazia a ponte do Estado Novo com IInglaterra).

1929 - Depois da morte do GM Magalhães Lima em 1928, é eleito o novo Grao Mestre,
António José de Almeida. Persiguição e crise na Maçonaria portuguesa. O maçon General
Norton de Matos critica o Estado Novo.

1935 – Depois de uma campanha anti-maçónica na imprensa portuguesa, de 1930 a 1934,


prepara-se na Assembleia Nacional um Decreto-Lei. De proibição das “socirdades secretas”,
isto é, da Maçonaria. Fernando Pessoa – que tinha recebido graus maçónicos da OTO-Ordo
Templi Orientis de Aleister Crowley – sente-se na obrigação moral de reagir de imediato com
um longo e corajoso artigo no Diário de Lisboa, poucos meses antes da sua morte.

- 1937 – É eleito Grão-Mestre o Dr. Luís Rebordão. As reuniões dos maçons continuam na
clandestinidade.

- Revolução de 25 de Abril de 1974 – Criam-se condições para o ressurgimento da Ordem e sua


expansão. Sucessivos Grão-Mestres do Grande Oriente Lusitano: Dias Amado (1975), Adão e
Silva (1981), Comandante Simões Coimbra (1984), Raul Rego (1988), Ramon de La Féria (1990),
Rosado Correia (1994), Coronel Eugénio Oliveira (1996), António Arnaut (2000), António Reis
(2005), Fernando Lim ( ).

- Anos 80 – Criação da Grande Loja de Portugal, com membros vindos do GOL: Vitor Marques,
Fernando Teixeira, etc, Este projecto não dura muito tempo. É criada em França (Bretanha), no
âmbito da GLNF-Grande Loja Nacional Francesa, a Loja Fernando Pessoa,maioritariamente
constituída por portugueses (Nuno Nazaré Fernandes, entre outros). Em 1989 é criado o
Distrito Portiguês da GLNF, reunindo três Lojas.

- 1991 – Criação da GLRP-Grande Loja Regular de Portugal, sendo o seu Grão Mestre, Fernando
Teixeira, ao qual sucede em 1996, Luís Nandin de Carvalho que é consagrado numa reunião no
então Hotel Estoril-Sol na presença de mais de uma dezena de Grão Mestres do Obediências
regulares de diversos continentes.

1996/7 – Em 1996 dá-se uma cisão na GLRP ficando o grup+o minoritário com essa
denominação – tendo José Medeiros como Grão Mestre - e constituindo-se a GLLP-Grande
Loja Legal de Portugal, continuando Luis Nandin de Carvalho como Grão Mestre. É esta Grande
Loja que vai receber, em poucos anos, os reconhecimentos da esmagadora maioria das
Obediências estrangeiras regulares.

Anos 2000 – sucedem-se os Grão-Mestres na GLLP: José M. Anes (2001), Trovão do Rosário
(2004), Mário Martin Guia (2007) e José Moreno (2010, reeleito em 2012). Aconteceram
algumas cisões no seio do campo da “regularidade”: a GLNP-Grande Loja Nacional Portuguesa
(vinda da GLRP), a Grande Loja Tradicional Portuguesa, mista, vinda da GLLP -– a qual depois
sofre sua vez uma cisão, formamndo-se o GOI-Grande Oriente Ibérico -. De salientar a criação
recente da Grande Loja Simbólica do Rito de Menfis e Misrim, cujo Grão Mestre é Pedro
Rangel.

“Last but not least”, é de registar a criação pela Grande Loja Feminina de França, já depois do
25 de Abril, da Grande Loja Feminina de Portugal, única Obediência Maçónica Feminina em
Portugal – com Grão Mestras como Maria Belo, Júlia Maranha, Feliciana Ferreira, etc.. Já
houve, entretanto, uma cisão protagonizada por uma sua ex-Grã-Mestra, a Prof. Maria Helena
Carvalho dos Santos, tendo criado uma Obediencia mista.

Saliência, ainda, também para uma Obediência histórica mista que existe em França desde
1900, criada por Marie Desraimes e que é o Direito Humano e que se estabeleceu em Portugal
também depois do 25 de Abril.
Bibliografia:

- L’Ésotérisme – Antoine Faivre – Paris, P.U.F. (Presses Universitaires de France), 1ª.


Ed., 1992, 5ª. Edição acualizada, 2012 – existe tradução em português (que está
esgotada)

- L´´Esotérisme – Pierre A. Riffard – Paris, Laffont, 1ª. Ed., 1990 – já existe tradução em
português.

- L’Histoire de l’Ésotérisme et des Sciences Occultes – Jean-Paul Corsetti – Paris,


Larousse, 1ª.ed., 1992

- Le regard ésotérique – Jean-Piere Laurent - Paris, Bayard, 1ª. Ed., 2001

- Magic and Mysticism – An Introduction to Western Esotericism – Arthur Versluis –


Maryland, Rowman &Littlefield, 2007

- The Western Esoteric Traditions – Nicholas Goodrick-Clarke – Oxford University Press,


2008

- Nouveau Dictionnaire de l´Ésotérisme – Piere Fiffard – Paris, Payot, 1ª. Ed., 2008

- The Theosophical Enlightenment – Joselyn Goodwin

E ainda:

- o Xamanismo e as técnicas arcaicas do êxtase – Miscea Eliade

- Mystery religions - Buirke


- Os Evangelhos Gnósticos -…………… - Ésquilo

- As Escrituras Gnósticas – Tradução, introdução e notas de Bentley Layton – Edições


Loyola, São Paulo, Brasil, 2002 (Tradução de The Gnostic Scriptures, 1987).

- Hermés Trismégiste – trad. Louis Ménard – Ed. De la Maisnie/Guy Trédaniel, Paris,


s.d. (anos 70)

- Zohar, o Livro do Esplendor - Ed. Estampa, Lisboa, 1994

- A Cabala explicada – Janet Berenson-Perkins, Livros e Livros, Lisboa, 2002

- Sefrer Yetzirah (bilingue) – Ed. Obelisco, Barcelona, 1983

- O Sufismo - - Ed. Eurolpa-América

- Antologia do Sufismo - - Al Furqan

- Histoire de la Philosophie Islamique – Henry Corbin – Gallimard

- Le Soufisme - - L’Originel

- Giordano Bruno e a tradição hermética – Frances Yates – ed. Pensamento

- “La Rose-croix” – Bernard Gorceix - PUF

- “Le Rose-croix et la crise de la conscience européenne”

- “L’utopie Rose-croix”

- “Les Rose-croix et la société idéale”

Do autor:

- Fernando Pessoa e os Mundos esotéricos, Ésquilo, 3ª. Ed. 2007

- Os Jardins iniciáticos da Quinta da regaleira, Ésquilo, 2ª. Ed. 2006

- Um outro olhar, a face esotérica da cultura portuguesa – Ésquilo, 2008

- A Alquimia, o novos alquimistas e as novas espiritualidads – Ésquilo, 2009


BIO-BIBLIOGRAFIA DO AUTOR

José Manuel de Morais Anes, nascido em Lisboa a 21/6/44, licenciou-se - depois de ter
regressado do Serviço Militar Obrigatório em Angola - em Química, em 1974, pela Faculdade
de Ciências da Universidade de Lisboa, tendo-se Doutorado, em 2009, em Antropologia Social
e Cultural pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Foi
Assistente de Biomatemática na Faculdade de Medicina de Lisboa (H.S.M.) e estagiou em
Madrid no Instituto de Química-Física Rocasolano do C.S.I.C. Foi Perito Superior de
Criminalística do Laboratório de Polícia Científica, durante 19 anos (1978-1997) e Assistente
convidado da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, nos Departamentos de Antropologia e
de Ciência Política, durante 18 anos (1986/7-2004/5).

É membro da ESSWE – European Society for the Study of Western Esotericism


(fundada pelos Profs. Wouter Hannegraaf e da Universidade de Amsterdão e Antoine Faivre da
EPHESS/SSR, Sorbonne. Publicou nestes domínios do Esoterismo os seguintes livros: Re-
criações herméticas e “Recreações herméticas II (Hugin, respectivamente, 1995, 1996),
Maçonaria regular (Hugin, 2003), “Fernando Pessoa e os Mundos esotéricos (Ésquilo, 3ª. Ed,
2008), “Os Jardins iniciáticos da Quinta da Regaleira” (Ésquilo, 2ª. Ed., 2006), “Um outro olhar,
a face esotérica da cultura portuguesa” (Ésquilo, 2008), “A Alquimia, os novos alquimistas e as
novas espiritualidades (Ésquilo, 2009) e, com outros autores, “Portugal misterioso”
(Seleccções Reader’s Digest , 2004), “A Flauta mágica e os mistérios iniciáticos” (Ésquilo, 2007),
“O Inferno de Dante” (Ésquilo, 2013), etc.

Dirigiu na Ed. Hugin a colecção Biblioteca hermética tendo aí publicado livros de


autores como Lima de Freitas, Adalberto Alves, Manuel J. Gandra, Carlos Calvet, etc. Leccionou
vários cursos livres sobre temas esotéricos na FCSH da Universidade Nova de Lisboa, na
Universidade Lusófona, no Centro Nacional de Cultura, no Âmbito Cultural do El Corte Inglês,
etc.

No domínio da Segurança foi co-fundador e depois Presidente do OSCOT –


Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo e é Director, desde a sua
fundação em 2006 da revista trimestral “Segurança e Defesa” (Ed. Diário de bordo). É
Professor Auxiliar na Universidade Lusíada de Lisboa das cadeiras de Organizações criminais e
de Terrorismo da Licenciatura de Políticas de Segurança, sendo também Professor Auxiliar na
Universidade Lusíada do Porto, onde lecciona a cadeira de Criminalística e Metodologia de
Investigação Criminal da Licenciatura em Criminologia. É também Professor Auxiliar no ISCSEM
– Instituto Superior de Ciências da Saúde “Egas Moniz”, onde lecciona as cadeiras de
Introdução às Ciências Forenses e de Metodologia de Investigação Criminal e Análise de
Informações criminais (opção) da Licenciatura de Ciências Forenses e Criminais. É Professor do
Mestrado em Direito e Segurança na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e
no IESM – Instituto de Estudos superiores Militares. Neste domínio, foi co-autor do livro “As
teias do terror” (Ésquilo, 2006), autor de 5 artigos sobre violência religiosa pulicados na revista
Janus 2007 (Público/Univ. Autónoma) e coordenador do livro colectivo “Organizações criminais
– uma introdução ao crime organizado” (Edições Lusíadas, 2ª. Ed., 2013).

Bibliografia (outras publicações)

- “As Tentações de Bosh e o Eterno Retorno”, Lisboa, Museu de Arte Antiga, 1994;
- “Poesia e Ciência”, Lisboa, Cosmos/GUELF, 1994;
- “Caos e Meta-Psicologia”, Lisboa, Fenda/ISPA, 1994;
- “Religião e ideal maçónico”, Lisboa, ISER, 1995;
- “Seminário sobre Newton”, Évora, Universidade de Évora/CEHFC, 1995;
- "Masoneria y religión", Madrid, Ed. Complutense, 1996;
- “A Vivência do Sagrado”, Lisboa, Hugin, 1998,
- “A Quinta da Regaleira: história, símbolo e mito”, Fundação Cultursintra, 1998;
- “Portugal Misterioso”, Lisboa, SRD, 1998;
- "L'Âme secrète du Portugal", Paris, L'Originel, nº 9, 2000;
- “L’Homme à venir - Mémoire du XXe.siècle – nº.2”, Paris, Rocher, 2000;
- “Discursos e práticas alquímicas - I”, Lisboa, Hugin/CICTSUL, 2001;
- “Esoterismo e Humanidades” –Colibri/Faculdade de Letras de Lisboa, 2001;
- “Discursos e práticas alquímicas – II” – Lisboa, Hugin/CICTSUL, 2002;
- “O Homem do futuro – um ser em construção” – São Paulo –Br., Triom/USP,
2002;
- “A Creação – La Création” – Lisboa, Atalaia/Intermundos, 2003;
- “O Esoterismo da Quinta da Regaleira“ (entrevista conduzida por Vitor
Mendanha), Hugin, Lisboa, 1e éd.1998, 2e éd. 2000; 3ª. Ed., 2002; 4ª. Ed. 2003.
-"Templiers: les yeux du baphomet" - Monts, Rafael de Surtis/Éditinter, 2004

- Préfacio ao livro de Rémi Boyer "La Franc-Maçonnerie comme Voie d'Éveil",Ed.


Rafael de Surtis/Editinter,Monts,França, 2006.
-Prefácio ao livro de Jorge Matos "O pensamento maçónico de Fernando Pessoa",
Editora "Sete Caminhos", Lisboa, 2006.

- "Arte, História e Arqueologia - Homenagem a J. Pais da Silva"


Diversos autores, coordenação de Pedro G.Barbosa, Ésquilo, Dezembro de 2006,
inclui o meu artigo "O Sagrado, a religião e a violência". (pp.297-304)

- Participação no opúsculo "Messianismo"


Com Helena Longrouva, Paulo Brito e Abreu José Manuel Fernandes, publicado em
Fevereiro de 2006, pela Editora "Apenas", Lisboa

- "Inquisição Portuguesa: Tempo, Razão e Circunstância". Autores diversos,


coordenação de Luís Filipe Barreto, José Augusto Mourão, Paulo de Assunção, Ana
Cristina da Costa Gomes, José Eduardo Franco, Ed. Prefácio, Lisboa - São Paulo,
Janeiro de 2007. Inclui o meu artigo "As atribulações do Hipólito José da Costa
(1774-1823): um grande nome da Maçonaria portuguesa e da imprensa brasileira,
preso por Pena Manique e interrogado pela Inquisição" (pp. 45-55)

- "Os Evangelhos 2007 Comentados"


Diversos autores, editores José Calos Calazns, José Sousa Machado (autor e
introdução), Paulo Mendes Pinto, Prefácio de Adel Yussef Sidarus, Posfácio de
Carlota Mantero, Edições O Firmamento, Novembro de 2006. Inclui o meu
comentário ao Evangelho de Lucas, 14, 25-33, para o Domingo 9 de Setembro de
2008 (ano C)

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