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A Bíblia e o Calendário II

A Bíblia e o Calendário II
Definindo os critérios para encontrarmos o Calendário de YHWH
Extraído do Livro “O Calendário de YHWH”
Por Sha’ul Bentsion

Chodesh: Uma possível definição?

O artigo caraíta "The New Moon in the Hebrew Bible" propõe: "Não deve haver dúvidas
de que as festas bíblicas dependem da lua. A prova mais forte disso está na passagem em Sl.
104:19 que declara:

'Designou a lua para os moadim [tempos apontados]'"

O artigo então continua, proponto que isso seja prova de que 'chodesh' se refira à lua
nova. Podemos apontar dois problemas na conclusão caraíta. De fato, a proposição
caraíta acerta em dizer que as festas bíblicas, ou melhor dizendo, o calendário de YHWH,
se baseia também na lua. Mas, o argumento caraíta falha em quatro aspectos. O
primeira deles é ignorar que o versículo continua, e diz:

'Designou a lua para os moadim; o sol conhece o seu ocaso.'

Repare que o texto se refere igualmente ao sol. Aqui o autor utiliza um recurso de
construção poética chamado Paralelismo Emblemático. Nele, utiliza-se exemplos
semelhantes para a construção de uma idéia única. De fato, aqui o autor utiliza o
exemplo do sol em igualdade de condições para com a lua – o descer do sol é igualmente
importante para o calendário. Mas, o autor caraíta destaca a lua para tentar provar seu
ponto.

O segundo ponto em que falha o argumento caraíta está no fato de que, de fato, a lua é
um dos elementos dados para os moadim (tempos apontados), mas evidentemente que
nem mesmo o autor caraíta sugeriria que a lua é o único elemento dado para os moadim
(tempos apontados). Até mesmo no calendário caraíta, conforme veremos mais adiante
em nosso estudo, o sol tem um papel fundamental. Como vimos em Bereshit (Gênesis)
1:14-16, sol, lua e estrelas foram criados para os moadim (tempos apontados):

"E disse Elohim: Haja luminares na expansão dos céus, para haver separação entre o dia e
a noite; e sejam eles para sinais e para tempos determinados e para dias e anos. E sejam
para luminares na expansão dos céus, para iluminar a terra; e assim foi. E fez Elohim os

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dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para
governar a noite; e fez as estrelas." Bereshit (Gênesis) 1:14-16.

Ou seja, existe uma sutil inserção de idéias no argumento caraíta, que o Sl. 104 não
diz: que a lua foi dada para os meses. Isso não é dito em ponto algum dos salmos, ou
mesmo do restante das Escrituras.

O terceiro ponto em que falha o argumento caraíta é o fato de que a Torá não define em
ponto algum o que seria a "lua nova". Em que momento do ciclo lunar devemos iniciar a
contagem do dia? O quarto ponto é o fato de que o ciclo lunar não bate com a cronologia
bíblica. Veremos todos esses aspectos a seguir.

Lua Nova? Qual delas?

Uma das grandes dificuldades da proposta de que o 'chodesh' seja a lua nova é que por
'lua nova', entende-se que seja algum momento em que o ciclo lunar se reiniciou. Mas,
que momento seria esse? Ora, se a Torá sequer define o que é o 'chodesh', não há como
entrar nesse grau de detalhe. Assim sendo, a interpretação do que seria a 'lua nova' é
algo absolutamente subjetivo, e depende da vontade de quem a define.

Se considerarmos que o 'chodesh' de fato é a lua nova, então teremos pelo menos 15
diferentes datas que poderiam ser consideradas como o início do mês, todas elas com
bons argumentos e embasamentos históricos. Analisemos as propostas:

a) A conjunção, ou 'lua nova oculta', proposta pelos samaritanos e também pelos fariseus
(período pós-mishnaico) para o sétimo mês;

OU

b) O primeiro feixe de luz visível da lua crescente, proposta pelos caraítas, e também
pelos fariseus (período pós-mishnaico) para os demais meses;

OU

c) A lua cheia, conforme os manuscritos arqueológicos mais antigos encontrados de


datação da lua no mar morto (*)

(*) Obs: Sabe-se pelos manuscritos que os essênios não baseavam os meses no ciclo
lunar, porém os manuscritos que dão conta do ciclo lunar são considerados por alguns
como maneira de equivaler as datas com o calendário fariseu.

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Vejamos cada uma das proposta abaixo:

A Lua Nova Oculta

Essa é a proposta dos samaritanos, cujo calendário é parcialmente explicitado na obra


"Tolidah" – um relato da cronologia samaritana, escrito parcialmente em hebraico e
parcialmente em aramaico. A idéia da 'lua nova oculta' deriva do Sl. 81:3, que
estudaremos mais adiante.

Sobre a proposta samaritana, o autor Bonne Rock, em seu livro "The Samaritan
Calendar" descreve:

"O mês samaritano é lunar, e é o ciclo do número de noites entre duas conjunções
adjacentes da Lua Nova. A verdadeira conjunção ocorre em um tempo anterior ao
comparado com aquele que é fixado pela observação, porque a lua crescente aparece
depois que ela já ocorreu. Até mesmo os proponentes da observação da lua crescente
admitem que o crescimento da lua crescente comece imediatamente após a conjunção, e
portanto o tempo entre a conjunção e a observação do crescente é parte da Lua Nova."

O rabino Ya’akov Bernstein, em sua obra "Outline" vol. 1 no. 12, ao comentar o Kidush
HaChodesh, afirma:

"O 'molad' é a conjunção entre o sol e a lua, quando a lua está centralizada entre o sol e a
terra, e não pode ser vista. Contudo, a Torá diz que [N. do T: aqui uma alusão às leis
rabínicas, e não à Torá escrita]… a lua… [deve ser] vista por testemunhas, e esse período
somente ocorre algumas horas depois, no início da primeira fase da lua. Este estágio é
referido como 'chiduso shel lavana' – a renovação do ciclo lunar."

O Principal Problema da Lua Nova Oculta

Um dos principais problemas da chamada 'lua nova oculta' está no fato de que o mesmo
se baseia no momento em que a lua se torna invisível no céu. Samaritanos e fariseus
desenvolveram formas diferentes de calcular esse momento, mas supondo que o mesmo
se desse por observação, partindo de um pressuposto de que este pudesse ser o método
bíblico, teríamos o seguinte problema. A imagem abaixo é do observatório McDonald, da
University of Texas, e se refere ao mês de março de 2009:

http://stardate.org/nightsky/moon/

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Para começar, já de cara podemos ver que nos dias 26 e 27, a lua não pode ser vista. E,
dependendo da percentagem de iluminação dos dias 25 e 28, é também possível que ela
não possa ser vista a olho nu. Ao todo, estima-se que o período em que a lua seja
invisível ao olho nu dure cerca de 2.5 dias.

Ou seja, se formos pensar na observação da 'lua nova oculta', poderíamos ter uma
variação de até três dias na identificação do início do mês! Isso sem contar as demais
sugestões de outros pontos para o início do ciclo lunar!

O Crescente Visível

Trata-se do método proposto no Talmud para os demais 11 meses, e também pelos


judeus caraítas.

Sobre ele, o autor Arthur Spier, em seu livro "The Comprehensive Hebrew Calendar", na
seção "Historical Remarks on the Jewish Calendar" comenta:

"O princípio dos meses era determinado pela direta observação da lua nova. Então, aqueles
princípios de meses (Rosh Chodesh) eram santificados e anunciados pelo Sanhedrin, a
Suprema Corte em Jerusalém, depois que testemunhas atestavam que teriam visto a nova
lua crescente e depois que o seu testemunho houvesse sido meticulosamente examinado,
confirmado por cálculos e adequadamente aceito."

O autor caraíta (ibid) também concorda, e afirma:

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"A lua nova crescente é chamada Chodesh porque é a primeira vez que a lua é vista
renovada depois de estar oculta por diversos dias ao final do ciclo lunar. Ao final do mês
lunar a lua está próxima do sol e finalmente chega ao ponto de 'conjunção' quando passa
entre o sol e a terra. Como resultado, por volta do tempo da conjunção, muito pouco da
superfície iluminada da lua está voltada para a terra, e não é visível dado o brilho
infinitamente maior do sol. Depois que a lua se move para além do sol, ela continua
seguindo em direção ao lado oposto da terra. A medida que se afasta do sol, a percentagem
de sua face iluminada voltada para a terra aumenta, e em uma tarde pouco depois do pôr-
do-sol, a lua é vista renovada depois de estar invisível por cerca de 1.5 a 3.5 dias."

A proposição acima até é interessante, mas é totalmente interpretativa. E, como a Bíblia


nada afirma sobre isso, trata-se de um argumento completamente circular. O autor parte
do pressuposto que o mês é lunar, para então provar que "chodesh" se refere à lua. O
autor também parte do pressuposto, não afirmado nas Escrituras, que "chodesh" se
refere ao momento em que a lua é novamente vista após um período oculto.

Alguém poderia, por exemplo, supor que o "chodesh" se refira à nova "levaná", ou "lua
cheia", quando ela aparecesse plenamente no céu. Ou poderia igualmente supor que a
lua se torna "chodesh" no momento da conjunção, quando, como afirmam os rabinos, ela
"recebe a luz do sol". Ou ainda que de fato o "chodesh" se refira à lua em sua fase
crescente, mas não necessariamente apenas quando fosse vista. Enfim, a visão do autor
caraíta é totalmente intepretativa e, sem uma base sólida mais concreta, circular.

O Principal Problema da Lua Crescente

Existem diversos problemas para com a utilização da lua como forma de calcular o mês
bíblico. Contudo, aqui nos ateremos ao principal problema da lua crescente face os
demais métodos propostos.

O principal problema é que o primeiro feixe de luz da lua crescente é exatamente a lua
mais difícil de ser avistada, justamente pelo fato de que a conjunção, fase anterior a ela,
tem uma duração indefinida, podendo apresentar variações de até três dias. Assim
sendo, é o método menos lógico e eficiente a ser seguido, pois requer por muitas vezes
vários dias de observação.

Outro problema que decorre disso é o de que, já que a lua é de difícil observação, para
que haja um alinhamento das datas para todo o povo, é preciso que algum órgão central
a observe e depois divulgue a notícia para todo o povo, pois não é razoável supor que,
todo mês, o povo faria vigília de até três dias para avistar a lua.

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Hoje em dia, muitos caraítas ficam acordados aguardando receberem e-mails de seus
correligionários em Israel, para verificar se a lua nova foi avistada em Jerusalém.
Suponha que a lua seja avistada próxima ao pôr-do-sol em Jerusalém, na época de Yom
Teruá. Jerusalém está a 1 hora de Berlim, na Alemanha. Suponha que ainda não tenha
havido o pôr-do-sol por lá. A comunidade judaica alemã teria menos de uma hora para
comemorar Yom Teruá! E isso se não acabasse sendo informada de Yom Teruá depois do
mesmo! Para contornar tais problemas, seria necessário criar tradições e/ou
interpretações paralelas, como certamente devem existir.

Mesmo em Israel, o método não era muito eficiente. Como veremos quando analisarmos
o calendário mishnáico, os fariseus acendiam fogueiras no alto das montanhas para
informar quando a lua nova fosse avistada. Além dos óbvios problemas que decorreriam
se a lua nova ocorresse num Shabat, havia ainda os seus adversários políticos que
acendiam fogueiras para confundí-los. Como podemos perceber, o método não é nada
fácil, e apresenta problemas sérios.

A Lua Cheia

A revista "The Hope of Israel" em seu artigo "The New Full Moon" sintetiza a vertente
que defende o início do mês como sendo a lua cheia:

"É possível dizer antecipadamente que dia a Lua Nova Cheia irá ocorrer, para que
possamos nos preparar para nossas celebrações (1 Samuel 20:5-26). Quando aqueles que
procuram pela não-lua (escuridão da lua) ou pelo feixe de luz da lua crescente que é
pagão, só conseguem saber depois do evento ocorrido."

Os proponentes do início do mês na lua cheia apontam para um dos principais


problemas das duas outras vertentes: Não saberem quando é que o mês se iniciará. De
fato, vamos ver que o texto citado pela publicação aponta para um dos critérios do
calendário bíblico. Contudo, o texto bíblico não sugere a lua cheia como o Chodesh.
Novamente, o autor se apega à sua própria interpretação do termo Chodesh, caindo num
argumento circular.

Na realidade, a idéia de que o Chodesh fosse a lua cheia tem como evidência histórica o
manuscrito do mar morto 4Q321, que Michael Wise, Martin Abegg Jr. e Edward Cook
chamam de "Calendários Sincrônicos".

O manuscrito 4Q321 sincroniza meses solares, que como veremos adiante serviam para
determinar as festas bíblicas, com o ciclo lunar, isto é, com "meses lunares."

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O manuscrito 4Q321 é uma lista contínua de datas para o princípio do ciclo lunar, e para
a duká (ou 'fina'), que seria o crescente visível. Pela distância de dias entre o que os
acadêmicos chamam de 'dia X' (o princípio do mês lunar) e a duk/duká (que alguns
propõem significar 'fina'), a maior parte dos acadêmicos conclui que para os essênios, o
princípio do ciclo lunar era a lua cheia. Sobre isso, James VanderKam comenta em sua
obra "Calendars in the Dead Sea Scrolls: Measuring Time":

"Um estudo cuidadoso das evidências leva à conclusão de que a data X é provavelmente a
lua cheia, e duk deva designar um tempo por volta do aparecimento do crescente lunar.
Além disso, neste sistema, a lua cheia é o tempo em que o mês [lunar] se inicia. Evidências
para essa conclusão vêm da etimologia da palavra 'duk', que sugere a noção de
observância cuidadosa. Pessoas que viviam por um calendário lunar observavam
cuidadosamente quando a lua nova poderia ser avistada para que a contagem dos dias no
novo mês pudesse continuar."

De fato, 4Q320 comprova a teoria de VanderKam, ao associar a lua cheia ao quarto dia
da semana do sacerdócio de Gamul no primeiro mês, que é exatamente o primeiro dia do
ano no primeiro ano do ciclo do calendário essênio/saduceu. Quando formos analisar o
calendário em questão, entraremos em mais detalhes sobre isso.

Os demais três autores supracitados comentam o objetivo do manuscrito:

"Os três manuscritos do mar morto ajuntados aqui têm um propósito em comum:
sincronizar o calendário de 354 dias com o calendário solar de 364 dias."

Evidentemente que aqui caberia uma explicação: Por que os essênios teriam em seu
manuscrito que cuidava de acompanhar as fases da lua duas datas marcadas e
sugeridas?

Na realidade, veremos mais adiante que uma dessas datas se refere justamente ao papel
da lua no calendário essênio/saduceu. Para esse calendário, veremos que a lua cheia era
de fato a lua considerada. O crescente visível era, como sugerem Wise, Abegg e Cook,
usado para que se pudesse acompanhar ou o calendário oficial do império selêucida, ou
para acompanhar o calendário fariseu.

O Principal Problema da Lua Cheia

A arbitrariedade e circularidade do argumento em prol da lua cheia não são exclusivos


dos seus proponentes e, como vimos, estão presentes em todos os modelos propostos.
Como vimos, a Bíblia não nos revela sequer que o Chodesh se refere à lua, muito menos
ainda a que tipo de lua.

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Contudo, um problema é exclusivo do modelo da lua cheia: Total falta de fundamentação


histórica. Uma vez que manuscritos como 4Q325 demonstram claramente que os
essênios/saduceus não se baseavam em meses lunares, e como sabemos historicamente
que os fariseus e os samaritanos não consideravam a lua cheia para o início de seus
ciclos, não resta qualquer evidência de nenhum grupo em Israel que tenha adotado um
mês lunar para as festas bíblicas, começando pela lua cheia.

Sem detalhamento bíblico nem base histórica, essa proposição fica bastante fragilizada.
Até existe, por parte de seus proponentes, também a tentativa de utilizar o Sl. 81:3 como
evidência. Analisaremos esse texto mais adiante.

Conclusão Parcial

Considerando as três propostas apresentadas, e levando-se em conta que uma delas, a


lua nova oculta/conjunção (conhecida como 'molad' no hebraico), pode ser determinada
através de critérios diferentes e conseqüentemente pode ser observada por até 3 dias,
temos nada menos do que 5 possíveis dias para o início do mês. Contudo, o problema
não pára por aí.

Quando Começaria a Contagem?

Outro problema enfrentado pelos proponentes do avistar a lua nova como forma de
contar o mês está no quando começar a contagem: No dia em que a lua for avistada, ou
no dia seguinte?

Existem pelo menos três posições acerca disso: Os caraítas propõe que seja no mesmo
dia. Isso pode ser visto em seus materiais. Sempre que um e-mail é enviado acerca da lua
nova, o mesmo dia é considerado.

O Talmud não dá detalhes sobre o período bíblico, mas, como vimos, nas regras de
cálculo do calendário de Hillel 2, está previsto que até um certo horário, a lua é
considerada no mesmo dia. Após um determinado horário, a lua é considerada para o
dia seguinte.

Já a Encyclopedia of Creation Science afirma: "Um mês no calendário bíblico termina no


dia em que a lua nova é avistada." Em tese, essa forma parece ser bem mais lógica,
evitando alguns dos problemas que apontamos ao longo deste estudo, porém carece de
evidências históricas mais concretas.

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Como a Bíblia nada afirma, isso significa que temos essas 3 formas de calcular o início do
mês com base no dia da lua nova, que por sua vez pode ser qualquer um dos 5 dias que
analisamos. Ou seja, temos num total 15 possíveis combinações para determinarmos os
meses com base na lua, partindo de premissas diferentes para preencher as "lacunas
bíblicas".

YHWH não é o autor de confusão. Começa a ficar claro para nós que o Chodesh bíblico
não é a lua. Mais adiante, veremos mais evidências das Escrituras que demonstrarão
com plena segurança que, de fato, o Chodesh (mês) bíblico é incompatível com o ciclo
lunar.

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