Dissertação de Mestrado
Belém, Pará
2020
ii
Dissertação de Mestrado
Belém, Pará
2020
iii
iv
Dissertação de Mestrado
Banca Examinadora:
__________________________________
Profa. Dra. Renata de Godoy (PPGA/UFPA)
Orientadora e Presidente da Banca Examinadora
__________________________________
Profa. Dra. Flávia Cristina Araújo Lucas (PPGCR/UEPA)
Examinadora Externa
__________________________________
Prof. Dr. Flávio Bezerra Barros (PPGA/UFPA)
Examinador Interno
__________________________________
Profa. Dra. Rosa Elizabeth Acevedo Marin (PPGA/UFPA)
Examinadora Suplente.
v
Agradecimentos
Temo que minha memória não seja mais a mesma e que algum esquecimento se torne
injusto; infelizmente, a mente humana tem seus percalços. No entanto, para que todas as peças
aqui presentes se formassem, foi preciso um grande conjunto de mãos, abraços, suportes,
conversas, aconchegos e amizades; espero conseguir expressar nem que seja um pouquinho da
minha gratidão.
Meu primeiro agradecimento vai para todas as erveiras, erveiros e feirantes do Ver-o-
Peso, fundamentais para essa pesquisa, seja como conteúdo, seja como inspiração. Existe um
algo muito grande vivendo ali, espero de alguma forma ter honrado isso. Seu João, Dona Miraci,
Roni Rocha, Adailson e Ray, um obrigada especial.
Nessa singela forma escrita, agradeço aquele que me concedeu a permissão do estudo,
apontando com sua flecha verde e certeira os caminhos que eu deveria percorrer, me guiando
no que mirar e a importância do que estaria representando. É com alegria que entrego.
A minha querida mãe, Arlete, que quase no mesmo único mês viu dois dos seus filhos
se mudarem para direções opostas à quilômetros e quilômetros de distância. Já dizia o poeta
“mãe no parto sente dor”. Um profundo agradecimento por ser minha base, hoje e sempre. À
minha pequena grande menina, Sofia, por segurar as pontas e me preencher com seu coração
de ouro. À minha vó Ester, matriarca de toda essa linhagem de guerreiras. Amo vocês.
Com muito carinho agradeço a minha orientadora Profª Drª Renata de Godoy, que
desde 2017 me acolhe em todas as ansiedades. Sua figura inovadora, obstinada e sensível me
inspira como profissional; sua amizade me faz sentir segura em estar e compartilhar um
ambiente tão diferente. Obrigada pelas trocas, aprendizagens, conversas, pontuações, tato e
ensinamentos.
Sou grata também à todas professoras e professores com que tive aula do PPGA,
compartilhando seus saberes únicos; em especial ao Prof. Dr. Diogo Costa e a Profª Rosa
Acevedo, que contribuíram com alguns dos enfoques mais importantes da pesquisa; assim como
ao Profº Drº Fabiano Gontijo por suas indicações e empréstimos. Um agradecimento destacado
ao Profº Drº Flávio Barros, não só por suas aulas, sobremaneira relevantes, como também por
vii
Um agradecimento profundo para aqueles que deram cor e alma para minha rotina
nortista: Igor, Fabiano Esteban e Sinnd, desde de o começo e sempre. Taynara Nascimento e
Paula Zanardi, como irmãs, sangue, choro, riso e apoio. Diego Vieira, Laísa, Fernanda, Marcos,
Sabrininha e Alex, tão queridos. À todas e todos meus vizinhos da Vila Adrega, mostrando que
a coletividade garante a existência humana; aqui, um obrigada principal a Heloisa Pinho, que
sensação boa é saber que ao lado mora uma alma amiga.
As minhas bases lá de Curitiba: Prima Paula, longe, mas aqui quase todos os dias, me
trazendo sanidade. Mari, Kau, Re, Jéssica Mirely, Matheus, Fábio, Leila, Jéssica Ribeiro,
Anninha, Fer, quem seria eu sem vocês?
RESUMO
O Setor das Ervas está entre as seções mais características do Complexo do Ver-o-Peso, maior
e mais antiga feira atacadista e varejista da capital do estado do Pará, Belém. Este acompanha
o surgimento da cidade e reúne particularidades significativas para a realidade urbana. No Setor
das Ervas, os artigos para venda são direcionados para fins de cura fisiológica e espiritual, frutos
de conhecimentos tradicionais e manejo etnobiológico comuns a região amazônica. Esses, no
município de Belém, entrelaçam-se às práticas culturais e fenômenos histórico-sociais próprios
ao município e seus sujeitos variados. Com tais fundamentos, pretende-se a análise das
dinâmicas socioculturais influentes na vigência de saberes medicinais tradicionais em contexto
urbano. Para o exame, são consideradas as significações, interações e manejos das práticas em
meio citadino político e urbanizador utilizando-se de levantamentos histórico-bibliográficos,
observação participante e entrevistas. São percebidos perspectivas subjetivas segundo
diferentes coletividades e suas expressões sociais, gerando configurações conflitivas sobre a
valoração dos saberes tradicionais de cura e seus sujeitos associados. Dessa forma, a pesquisa
contribui para o estudo de realidades urbanas e seus elementos mercantis, culturais e políticos,
considerando as novas as demandas e readequações que se fazem presentes. Contribui, também,
para a ampliação do campo de estudo das medicinas populares e trabalhar sobre as janelas
existentes que envolvem o estudo dos saberes tradicionais encadeadas com esferas hegemônicas
de produção e consumo.
ABSTRACT
The Herb´s Market is one of the most characteristic sections of the Complexo do Ver-o-Peso,
the largest and oldest open market in the capital of the state of Pará, Belém. It representsthe
emergence of the city and gathes significant particularities of the urban reality. The products
for sale there are intended for physiological and spiritual healing purposes, resulting of
traditional knowledge and ethnobiological management common to the Amazon region. In
Belém, these are associated with cultural practices and historical-social conjuncture specific to
the municipality and its varied subjects. With such fundamentals, the goal of this research is to
analyze the socio-cultural dynamics that influences the existence of traditional medicinal
knowledge in an urban context. For such evaluation, meanings, interactions and management
of practices in a political and urban environment are considered, using historical-bibliographic
surveys, participant observation, interviews. Subjective perspectives are perceived according to
different social collectivities and their expressions, which generates conflicting configurations
about the valuation of traditional healing knowledge and its associated subjects. In this way,
the research contributes to the study of the urban realities and their commercial, cultural and
political elements, considering new demands and readjustments. It also contributes to the
expansion of the field of popular medicines and to the works on the existing windows that
involve the study of traditional knowledge linked to hegemonic spheres of production and
consumption.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Destaque fotográfico dos produtos. Autoria: Laura Vieira, ano 2019 ....................... 11
Figura 2 Vista aérea contemporânea do Ver-o-Peso, desde a Ladeira do Castelo até a Feira
Livre. FONTE: IPHAN. Disponíel em:
<<http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/828>> .................................................. 14
Figura 3 Cartão-Postal da vista diagonal da Pedra do Peixe, em 1914. Fonte: Acervo Nostalgia
Belém <<shorturl.at/dent4>> ..................................................................................... 17
Figura 4 Retrato a partir da Boulevard Castilhos França, pegando Mercado de Ferro e Pedra do
Peixe. Fonte: Acervo Nostalgia Belém. <<shorturl.at/pFLM2>> .............................. 18
Figura 5 Figura – Ver-o-Peso na década de 1980. Autoria: Mark Edwards, HARD RAIN
PICTURE LIBRARY ................................................................................................. 20
Figura 7 Vista lateral da Pedra do Peixe, abrangendo a frontal dos casarões, característica
primária do tombamento do Conjunto e a área onde atravessadores atracam para a
venda dos produtos – Autoria: Jéssica Mirely Farias, 2019 ....................................... 23
Figura 9 Descansando sobre uma embarcação atracada, duas “garças namoradeiras”, símbolos
de canções, presença e imaginário sociocultural no Ver-o-Peso. Autoria: Laura Vieira,
2018. ........................................................................................................................... 39
Figura 10 Fotografia de uma erveira do Setor das Ervas no Plano Turítico Ver-o-Pará. Fonte:
SETUR (2012) ............................................................................................................ 44
Figura 15 Mix de folhas para defumação próspera na Virada do Ano. Autoria: Laura Vieira,
2018 ............................................................................................................................ 59
Figura 17 Vista do corredor central do Setor das Ervas a partir da Av. Boulevard Castilhos
França. Fonte: Autora, 2018 ........................................ Erro! Indicador não definido.
xi
Figura 18 Representação figurativa aérea da organização das barracas do Setor dar Ervas,
situando a posição da Av. Boulevard Castilhos de França e as margens da Baía do
Guajará. Fonte: Laura Vieira, 2018 ............................................................................ 73
Figura 19 O início da frontal direita, barracas “da Loura”. Fonte: Laura Vieira, 2018 ........... 74
Figura 20 Por dentro do corredor central. Fonte: Laura Vieira, 2018 ..................................... 77
Figura 21 O corredor central e seu aspecto aglomerado. Fonte: Autora, 2018 ........................ 78
Figura 22 O jogo “tema-horizonte”: aspecto abóboda, céu como fundo, sons, velocidades, cores
e cheiros. Fonte: Laura Vieira, 2018 .......................................................................... 79
Figura 23 Pela abertura se vê o Solar da Beira como “horizonte”. Fonte: Laura Vieira, 2018 80
Figura 29 Barraca do Seu João Alexandre, que trabalha há 32 anos no setor. Fonte: Laura Vieira,
2018. ........................................................................................................................... 87
Figura 33 Cartaz do Círio de Nazaré de 2018 na frontal direita. Fonte: Laura Vieira, 2018. .. 91
Figura 34 Vista da Boulevard Castilhos de França, antes da reforma promovida por Edmiso
Rodrigues, bem vista pela maior parte da população da cidade. Fonte:
<<https://www.edmilsonpsol.com.br/2002-edmilson-inaugura-o-novo-ver-o-peso/>>
.................................................................................................................................. 104
Figura 35 Após a reforma durante o governo de Edmilson Rodrigues. Autor: Igor Mota. .... 104
Figura 36 Imagem projetada segundo a Proposta vigente do, então, atual governo, Zenaldo
Coutinho. Fonte: Belém (2019) ................................................................................ 105
Figura 37 Placa bilíngue indicando o Setor das Ervas. Autoria: Laura Vieira, 2019 ............. 108
Figura 39 Estante de uma loja de souvenir no Aeroporto Val de Cans, Belém/PA. Autoria: Laura
Vieira 2019 ............................................................................................................... 112
xii
Figura 40 Caixa de um restaurante em área insular de Belém, Ilha do Combu. Essa, com forte
atração turística. Autoria: Laura Vieira, 2018 .......................................................... 113
Figura 41 Exposição "Feiras" no Museu Municipal Atílio Rocco, em São José dos
Pinhais/Paraná. Representação do Complexo em barraca estilizada, ao estilo das origi
Fonte: Luciano Chinda, 2019. .................................................................................. 113
Figura 42 Capa do Jornal Diário do Pará, edição 27/03/2019. Destaque para as narrativas de
grandeza versus decadência; o recorte turístico e sensorial, além da "morena paraense".
Fonte: Diário do Pará. .............................................................................................. 118
Figura 43 Logo da Associação Ver-as-Ervas feito de modo cooperativo. Fonte: Silva e Martins,
2009. ......................................................................................................................... 123
Figura 45 Erveiras irmãs: “Tira uma foto nossa!”. Fonte: Laura Vieira, 2018.......................129
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO -------------------------------------------------------------------------------------------- 1
Apresentação – Trajetória entre campos ------------------------------------------------------------- 1
1. Capítulo – Saberes tradicionais, práticas e lugares -------------------------------------------- 10
1.1 O Ver-o-Peso na história: ponto social, econômico e urbano estratégico ---------------- 14
1.2 Dizer sobre e experienciar: metodologia da pesquisa. -------------------------------------- 24
1.3 Olhares, Interpretações e Projetos: um mercado e seus elementos como representantes
culturais. ------------------------------------------------------------------------------------------------ 35
2. Capítulo – O Setor das Ervas: tradição, sensorialidade, agência ---------------------------- 47
2.1 A Tradição do Banho de Cheiro: a cultura das ervas medicinais e os laços entre seu uso
e a cidade de Belém ----------------------------------------------------------------------------------- 48
2.2 Os produtos: especialidades e relação com suas erveiras e erveiros ---------------------- 54
2.3 Citadinas em processos sociativos: diferença entre comunidades tradicionais e o
conjunto urbano de erveiras e erveiros ------------------------------------------------------------- 66
2.4 Percursos etnográficos: vivenciar o comércio no Setor das Ervas em relação com suas
formas e estratégias mercadológicas --------------------------------------------------------------- 68
3. Capítulo – As dinâmicas socioculturais que atravessam o comércio ----------------------- 96
3.1 Políticas urbanistas: condicionamentos institucionais sobre as práticas comerciais. --- 97
3.1.1 Revitalizações na orla histórica de Belém: higienismo e gentrificação. ------------ 99
3.1.2 As revitalizações perante os sujeitos, sociabilidades, saberes e práticas do Ver-o-
Peso. ------------------------------------------------------------------------------------------------ 103
3.1.3 O turismo como categoria específica de análise. -------------------------------------- 110
3.2 Cultura, natureza e erveiras(os) segundo discursos: influências exógenas sobre os
pilares dos saberes tradicionais em formatações mercantis. ----------------------------------- 114
3.3 A agência dos sujeitos: As(os) erveiras(os) como agentes mercantis e de domínio
sobre a vigência dos saberes medicinais tradicionais. ------------------------------------------ 120
3.3.1 Agência coletiva: Sociabilidades e sociação no Setor das Ervas -------------------- 121
3.3.2 “Erveira e feirante”: agentes comerciais mediadoras(es) ----------------------------- 126
CONCLUSÕES ----------------------------------------------------------------------------------------- 134
A adaptabilidade da cultura das ervas e banhos-de-cheiro: características que envolvem a
vigência dos saberes tradicionais medicinais. ------------------------------------------------------- 134
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS --------------------------------------------------------------- 140
xiv
INTRODUÇÃO
Apresentação – Trajetória entre campos
1
O curso de História – Memória e Imagem foi criado em 2009 pela Universidade Federal do Paraná/UFPR, com
caráter interdisciplinar, visando à formação em dois eixos: relação entre História e Memória e entre História e
Imagens. O primeiro destinado “à formação de conhecimento acerca das relações entre História e Memória,
apontando para os usos dos suportes da memória social (arquivos, museus, monumentos), sua preservação e
fruição” (DEHIS 2020) e o segundo “voltado ao estudo das relações entre História e suportes imagéticos” (DEHIS
2020), nele “pretendemos formar um historiador em condições de atender às novas demandas sociais relativas ao
seu campo de conhecimento: ‘preservação do patrimônio, assessorias a entidades públicas e privadas nos setores
culturais, artísticos, turísticos etc.’. Parecer CNE/CES Nº 492/2001.” (DEHIS 2020)
2
Possuindo interesse pessoal sobre o conteúdo do Setor desta icônica feira, tão distante
de mim e da minha realidade brasileira-sulista, intensificou-se um olhar sobre as subjetividades
e leituras que envolviam o consumo, absorção e valoração dos saberes e práticas curativas e
espirituais pelas ervas. Naquele período eu também estava em contato com uma rede campesina
socioambiental. As práticas do conjunto envolviam pontos como agrofloresta, permacultura,
defesa do meio ambiente, povos tradicionais e variadas outras. Destacava-se os estudos de
medicinas naturais desde os sistematizados como a ayurveda e a medicina tradicional chinesa;
mas também não sistematizados – “folks” –, como as garrafadas, unguentos, argilas, etc;
ritualísticos, como tabaco; e espirituais: defumações, banhos, purificações, patuás. A troca de
2
Assim como memória, representação e esquecimento por Michael Pollack (1989), memória, política e visibilidade
trabalhada pelo dissenso de Jacques Rancière (1996), memória coletiva de Maurice Halbwachs (2004), tradição
inventada e a construção de um passado histórico de Eric Hobsbawn (2008).
3
Grupo de Estudos e Pesquisas em Patrimônio Cultural fundado em 2017, sob a liderança de Luciano Chinda
DoArte.
3
Assim sendo, minhas primeiras relações com o locus do campo, e em certo nível, com
o próprio tema da pesquisa, vieram da transposição do meu olhar sobre um lugar cultural,
naquele momento, apenas pessoalmente relevante, para o questionamento das razões de sua
relevância para o processo de perpetuação de suas práticas culturais pelos indivíduos que o
envolvem, outros que não eu e minhas próprias percepções e anseios 4. Eu, naquele momento,
estava definindo questionamentos sobre uma realidade outra que a minha, baseando-me numa
associação com as prévias das quais já estava ligada e discutia coletivamente.
4
Como será demonstrado, houve um processo no qual começa pelo meu interesse pessoal no tema, transposto à
avaliação desses pela crítica social, pretensamente apoiada na impessoalidade, até enfim a constatação da minha
própria influência nos fenômenos e uso da minha individualidade para as considerações desses. Minha relação
com a investigação é tanto como aquela persona que infere, como uma das “engrenagens” no panorama estudado,
isso mesmo antes de iniciar o processo da pesquisa, pois já me posicionava como consumidora de saberes
tradicionais de cura e as imagéticas/construções sobre o Setor das Ervas.
4
arqueologia5, que me levou a tal e como este é uma carga relevante e presente nos fundamentos
da minha abordagem e ação antropológica, seja em marcos teóricos ou posturas metodológicas
e técnicas. Apesar de inicialmente temer um envolvimento multidisciplinar, ainda que assim o
desejasse, considero que o diálogo com outros campos permitiu um cuidado maior em relação
à abrangência do conteúdo da pesquisa e como essa seria transmitida, em sua forma e absorvida
pelos leitores, devido à sua forma. Essa postura veio com o tempo, entre dúvidas e meias
certezas, mas principalmente pela minha presença e interação com o Setor das Ervas.
Observando como esse cenário apontava para um nível afetivo, íntimo e anfêmero,
somou-se às minhas disposições o pensamento acerca da postura afetada (Siqueira 2005) que
definia minha pesquisa. Ainda nessa primeira incursão em campo outro elemento, no qual teria
consciência racional um pouco mais tarde, já se apresentava: a dimensão sensorial como parte
fundamental da expressão e leitura do Setor, do Ver-o-Peso e da cidade de Belém. Desde a
primeira vez, estar lá corporificada foi fundamental para significação e apreensão do campo, e
por sua vez, das narrativas que o envolvem. Os estímulos sensoriais tais quais cheiros, sons,
imagens, dimensões, temperaturas, gostos e texturas foram itens definidores nesse estudo, pois
5
A arqueologia, em maior escala, foi importante para o trabalho acerca da cultura material e relações espaciais e
paisagísticas com teoria sensorial. Assim como o lugar, a partir da perspectiva da geografia com o senses of place;
a história, com o levantamento historiográfico e paradigma indiciário; a arquitetura com a imagem da cidade e o
urbano da cidade, proposto pelo geógrafo Milton Santos.
5
sustentam a minha interação com o Setor do mesmo modo que se ligam aos fenômenos sociais
desse. A sensorialidade tanto impacta minha percepção no campo pelo seu caráter
fenomenológico (Merleau-Ponty 2004), como pela consciência que assim precisaria ser, uma
vez eu deveria estar em uma posição de ser impactada dessa forma, pois o uso de gatilhos
sensórios para atração marca e singulariza o Setor das Ervas.
Como se vê, quando um etnógrafo aceita ser afetado, isso não implica
identificar-se com o ponto de vista nativo, nem aproveitar-se da
experiência de campo para exercitar seu narcisismo. Aceitar ser afetado
supõe, todavia, que se assuma o risco de ver seu projeto de
conhecimento se desfazer. Pois se o projeto de conhecimento for
onipresente, não acontece nada. Mas se acontece alguma coisa e se o
projeto de conhecimento não se perde em meio a uma aventura, então
uma etnografia é possível. (Siqueira 2005:160)
Procurando não me perder “em meio a uma aventura”, mas em uma “etnografia
possível” a partir das correspondências, me atentei em três pontos: as intepretações provindas
do meu ofício, um vetor científico, “externo”; minha presença com uma engrenagem dos
6
fenômenos daquela vivência e, por fim; a interpretação que viria da condição de ser esse
elemento “afetado”. Tal tríade não deve ser entendida como pontos apartados, mas sim
mesclados e projetados entre si. Por tanto, o estado afetado e as influências sensoriais na minha
participação distanciam esse estudo de um nível puramente objetivo ou pretensamente neutro.
Conforme me colocava em campo – já que constantemente lá estava como frequentadora do
Ver-o-Peso, nos múltiplos momentos de compra, lazer, sociabilidade e pesquisa –, mas
procurava manter uma postura reflexiva e dialógica do que de ativa/passiva aos fenômenos
partilhados, atenta para não contrair, centralizar e verticalizar as considerações, mas inteirar e
participar das experiências partilhadas.
6
Sistematizado em crenças, kosmos; conjuntos de conhecimentos, corpus; e práticas produtivas, práxis (Toledo e
Alárcón-Cháires, 2012). Possibilita a compreensão holística da cadeia relacional em manejo da natureza.
8
determinada erveira e erveiro; entre outros. Perspectivar esses fatores à ação mercantil,
referentes não apenas compra e venda, mas aspectos subjetivos e sociotemporais, capta frações
relevantes que levam ao entendimento das dinâmicas cursadas pelas múltiplas presenças dos
saberes tradicionais com o ambiente citadino no contexto amazônico cosmológico e
globalizado.
10
Waly Salomão
7
“O fato de o modo de produção não se enquadrar completamente aos padrões da sociedade urbano-industrial e
ser caracterizado em parte como de subsistência remete ao sistema de manejo de recursos naturais que estas
populações utilizam.” (Pereira e Diegues 2010).
11
Figura 1 Destaque fotográfico dos produtos. Autoria: Laura Vieira, ano 2019
No Setor das Ervas, os produtos comercializados são materializações dos saberes das
erveiras(os) que os produzem e/ou comercializam, no qual o domínio sobre a feitura8, saber-se
dos manejos, cuidados e formas de uso são seus componentes intrínsecos, canalizando uma
cultura de uso de ervas ancestral da região. Utilizando dos insumos naturais provenientes na
sua grande maioria da biota amazônica, os produtos carregam saberes, crenças e noções
formadas coletivamente no tempo-espaço, constituído de vínculos emocionais e
memorialísticos, fundamentais para a formação de suas configurações (Little 2002).
Constituindo de uma seção que predomina o gênero feminino, as(os) produtoras(es)
erveiras(os)9 do Ver-o-Peso não compreendem uma comunidade tradicional, mesmo em nível
político, uma vez que se percebem como sujeitas individuais urbanas10. Contudo, estando em
sociação e sociabilidade – nos termos de George Simmel (2006) –, todas estão envolvidas em
redes de transmissão, preservação e prática dos saberes, com laços ativos de memória,
afetividade e pertença.
Percebeu-se como esses saberes dialogam com dois momentos temporais: o ancestral e
o atual, onde os conteúdos anteriores interagem com as renovações, formas e informações
cotidianas. São dessa forma “produtos históricos” (Cunha 1999), por tanto transformativos,
onde a difusão é carga relevante, assim como o ambiente onde acontecem. O comércio dos
produtos tradicionais das erveiras e erveiros do Ver-o-Peso constitui-se uma forma de assegurar
a propagação de cosmologias, práticas, conhecimentos, sistemas de organização e existência
provenientes de panoramas e grupos locais que possuem relações outras que as formas
hegemônicas e padronizadas de realidade.
8
Ou o conhecimento para tal, visto que nem sempre todas as erveiras(os) produzem os artigos que comercializam,
podendo ser outras(os) familiares também erveiras(os) e feirantes, assim como produtos revendidos, produzidos
pelos mateiros, fornecedores das ilhas da Belém Insular, como será discutido.
9
Categoria êmica para aqueles que estão comercializando os produtos no Setor das Ervas. São também, excluindo
os ocasionais ajudantes, os produtores, podendo muitos comprarem insumos e artigos de outros produtores, esses
mateiros.
10
Segundo o Decreto nº 6.040/2007, artigo 3: Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente
diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e
usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e
econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (Brasil 2007)
13
e como podem reagir? Pesquisar o Setor das Ervas é um meio de lidar com o estudo de saberes
tradicionais atravessados por novas temporalidades, sentidos e agentes, pois além de ser um
locus expressivo para o tema, com particularidades importantes, acontece numa capital que
reúne uma das maiores feiras públicas a céu aberto do mundo, envolvida por historiografia
política influente, assim como relevância socioeconômica definitiva e espacialidade estratégica,
o Complexo do Ver-o-Peso.
Por si só, o Complexo constitui uma interseção entre a realidade de rio e ribeirinha com
o ambiente urbano e de terra firme. Mesmo com as diversas transformações nos fluxos urbanos
de Belém ao longa da história, continua o principal ponto de ligação com o comércio fluvial,
interiorano e extrativista. Sendo comerciantes e trabalhadoras da feira – o que já define noções,
práticas, modos, elos geracionais, memórias e biografias similares a muitos dos trabalhadores
de diferentes setores – as erveiras e erveiros reúnem e sustentam em ambiente urbano tradições
comuns à outras localidades do Estado. Entender a importância dessas e da feira para o contexto
amazônico e seus aspectos socioculturais permitirá que se perceba diferentes questões ativas
que afluem sobre a validade do saber tradicional, tais como gentrificação, mercantilização,
fetichização, colonização.
Figura 2 Vista aérea contemporânea do Ver-o-Peso, desde a Ladeira do Castelo até a Feira Livre. FONTE: IPHAN. Disponíel
em: <<http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/828>>
11
Igarapé é uma denominação da região amazônicas dos cursos d’agua navegáveis que se vinculam a algum rio
ou canal maior. São associados a zonas de mata e ilhas, seguindo profundidade e volume da água de acordo com
os horários e ciclos lunares (as vazantes e lançantes, em categoria êmica). O Igarapé do Piri cortava de onde hoje
é a Avenida Almirante Tamandaré até a Baia do Guajará, onde localizava-se sua foz e a Casa de Haver o Peso,
local que se estabeleceria o então Mercado do Ver-o-Peso, a Feira da Praia e o resto do que hoje se tem como o
Complexo. Esse limitava a cidade, com o seu aterramento possibilitou uma das primeiras expansões territoriais de
Belém (Araújo Júnior 2014)
12
A aliança foi mediada por grupos tupinambás do atual Estado do Maranhão, então Capitania do Maranhão, a
qual se expande e torna-se Capitania do Grão-Pará. A aliança em molde cristão-colonizador explorou e escravizou
a mão de obra indígena gerando combates e guerrilhas que culminaram no Levante dos Tupinambás no ano de
1618, com triunfo português.
15
Os rios, não sendo manejados como fronteiras, serviam terreno para o acesso ao interior
amazônico. O Porto Naval de Belém do Pará ficava estrategicamente ao sul do estuário
amazônico, “protegido do oceano” (Almeida 2008 p. 53); garantia de maior segurança e
expansão portuguesa. Assim, rios e igarapés tornam-se meios primários para o surgimento da
cidade, visto que na fase ribeirinha (Ribeiro 2004) as mercadorias chegando e partiam por via
fluvial – seja com demais localidades e regiões amazônicas ou mesmo estrangeiras. A área, e
assim a cidade, constituiu-se um ponto de destaque da Província do Grão-Pará para a Coroa
Real Portuguesa em termos de soberania e meio econômico.
13
Compreendida atualmente pelos bairros da Cidade Velha e Campina. Naquele momento eram chamados de
Cidade e Campina e surgem a partir das primeiras ruas que descem do Forte do Presépio, paralelas ao rio (Moraes
2017; Almeida 2008)
14
Predominante na década de 1880 até início do século 20.
15
Belém e um pouco mais tarde Manaus, são as duas cidades apontadas como os maiores centros de
comercialização do látex; ambas passando por melhorias em suas infraestruturas e sendo consideradas as
metrópoles mais desenvolvidas do país no período, quando a venda da borracha superava com facilidade o café da
16
região sudeste, segundo maior commoditie brasileiro. Apesar do ciclo da borracha ter sido fundamental para tais
benfeitorias, aconteceram ainda muitos empréstimos ao capital estrangeiro (Sarges 1998).
17
Figura 3 Cartão-Postal da vista diagonal da Pedra do Peixe, em 1914. Fonte: Acervo Nostalgia Belém <<shorturl.at/dent4>>
18
Figura 4 Retrato a partir da Boulevard Castilhos França, pegando Mercado de Ferro e Pedra do Peixe. Fonte: Acervo
Nostalgia Belém. <<shorturl.at/pFLM2>>
Apesar das reformas e legislações, a feira livre formada com o comércio de ambulantes
de variedades começou a crescer e atingir novos espaços, espalhando-se pelas ruas, até que na
década de 1940 se oficializou Feira da Praia, aberta e permeando as edificações. Durante esse
percurso temporal, mais atividades e produtos foram agregando-se para além da venda de
produtos extrativistas e de cultivo, como os artigos manufaturados e a venda das ervas e banhos
de cheiro (Penteado 1968:247), a qual já acontecia por meio de ambulantes nas ruas da cidade.
Essa feira, ao contrário das estruturas dos Mercados, se mostrou menos controlável e
padronizada, com fluxos mais diversos e intensos. Essa classe de feirantes, somado aos
ambulantes, foi estigmatizada durante o governo de Lemos, que via neles a contribuição para
mantes a cidade “feia e suja, pois onde estacionavam para exercer suas atividades, deixavam o
local imundo”, contribuindo para a desordem e práticas ociosas, eram “desocupados” (Sarges
1998:166-167).
19
16
Práticas cotidianas e tradicionais da região foram visadas, essas de todos os tipos: como a queima de lenha para
afastar mosquitos pela fumaça, em desacordo com métodos civilizados; o consumo de “exagerado” do açaí
(Euterpe oleracea) pelos trabalhadores ou o consumo de bebidas alcoólicas. Maria de Nazaré Sarges (1998, p.
148) demonstra que Antônio Lemos também partilhava de muitas dessas práticas, sendo natural da região
amazônica; porém, ao desdenhar dos hábitos, definia seu preconceito de classe, procurando controlar e distinguir-
se das camadas mais pobres, as quais seriam também nativas e menos europeias.
20
Figura 5 Figura – Ver-o-Peso na década de 1980. Autoria: Mark Edwards, HARD RAIN PICTURE LIBRARY
Figura 6 área varejista do Ver-o-Peso em 1985. Fonte: Acervo Nostalgia Belém <<shorturl.at/biyRX>>
21
17
Sobre circuitos econômicos, Milton Santos (2008) observa a qualidade do fluxo, que em seu caráter de
movimento e circulação contribuem para o estudo das situações de distribuição e consumo. Percebendo dois
maiores circuitos, apresenta um superior, associado a grandes estruturas, tais quais marcas, empreendimentos e
corporações; e um inferior, associado a menores comerciantes e relações mais pessoais com o contexto de
produção, comercialização e consumo. A estrutura urbana admite essas configurações e se relaciona.
18
Mas também pela moda e consumo de produtos importados comprados em lojas como “Paris N’América”,
“Notre Dame de Paris”, “Marselhesa”, “Petit Paris”; tendo comportamentos, hábitos e formas de lazer como a
presença em cafés, conferências, bailes, óperas e peças teatrais (Sarges 1998:169; 136; 171)
22
discursos e expressões surgidas a partir das existências dos sujeitos, formados por esses
mesmos. Realidades que envolvem práticas no mínimo “inquietantes” para um projeto
civilizatório, desde de o início com cunho colonizador (ainda que modernista), que se procurou
fazer dominante, desarticulador e necropolítico.
19
Sob o Número de Processo: 812-T-1969, foi tombado com o nome: Conjunto Arquitetônico e Paisagístico “Ver-
o-Peso” e áreas adjacentes, Praça Pedro II e Boulevard Castilhos de França, Mercado de Carne e Mercado de
Peixe. Inscrições nº 69, de 09/11/1977, no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; inscrição nº
460, de 09/11/1977 no Livro do Tombo Histórico e, por fim, inscrição nº 525, de 09/11/1977, no Livro do Tombo
Belas Artes.
20
Veropa é, em categoria êmica, o apelido dado pelos trabalhadores, frequentadores e residentes da cidade ao Ver-
o-Peso. O nome Ver-o-Peso (ou mesmo Veropa) inspira muitos outros estabelecimentos ou centros pela cidade;
se tem por exemplo o centro de lazer Ver-o-Rio, o bar Veropinha, as praças de alimentação na Universidade
Federal do Pará: veropesinho, a loja de redes Ver-as-Redes, etc.
21
A exemplo: dados da Secretaria de Economia – SECON no ano de 2019 apontam para 100 toneladas diárias de
pescado desembarcado na Pedra do Peixe, o que corresponde a 70% de todo o pescado comercializado na capital.
23
Figura 7 Vista lateral da Pedra do Peixe, abrangendo a frontal dos casarões, característica primária do tombamento do
Conjunto e a área onde atravessadores atracam para a venda dos produtos – Autoria: Jéssica Mirely Farias, 2019
Entender como o Ver-o-Peso se faz para a realidade citadina, sua dualidade do que se
pretende e do que se é e como esses dois polos estão dialogando e reagindo entre si torna-se
vital para perceber de maneira crítica um comércio que se apoia em ambos os caminhos.
Abordá-lo em seus aspectos políticos e estruturais para falar da difusão saberes naturais
tradicionais por meio da venda de produtos (uma realidade mercantil, como veremos, que se
24
compulsórios. O Complexo como lugar, o que aqui quer dizer um ambiente atravessado por
sentidos e reconhecimentos (Shamai; Ilatov 2005), é também concorrência de existências.
Que Ver-o-Peso existe? Ou, quais existem? Quem são seus sujeitos, de onde e para onde
falam? Se visto por um caminho mais pragmático, é chamado aqui por Ver-o-Peso uma
formação próxima ao que se busca representar na área de sobreposição da figura 8, pois sendo
produto de diretrizes governamentais cabe na consideração do regime macrossocial delineado
a partir da historiografia23. É com as experiências, etnografia e partilhas em campo-locus, que
a capacidade microssocial das relações entre indivíduos, saberes e local são percebidas ativas
nos processos de significação e valorização do Complexo; polarizando com as estruturas
oficiais.
22
Erveiras(os) feirantes, e consumidores variados: fregueses, clientes, turistas, passantes.
23
Levando em conta que as estruturas e seus graus de influência e permeabilidade acontecem entre diferentes
instituições, dependendo dos conjuntos de sujeitos
26
Contudo, reações às interações não são suficientes para entender a heterogeneidade dos
sujeitos em ambiente citadino. Gilberto Velho (1988), ao atentar-se as sociedades complexas,
demonstra como a multiplicidade e diversidade de sujeitos – aqui destacando suas culturas e
sistemas cognitivos – estão em coexistência e ligadas a diferentes formações, como etnia;
gênero; ocupações diárias. Gerando e abarcando muitos modos de vida, o complexo ambiente
urbano envolve-se com o conflito, todavia, esse também depende das concepções subjetivas
dos sujeitos-indivíduos e suas ligações sociais. Dessa forma, saberes tradicionais em contexto
citadinos, além de relativos aos seus prismas de origem, dependem da variedade cognitiva dos
sujeitos relacionados e o jogo entre sistemas.
Nos últimos anos, principalmente na primeira década do século 21, uma profusa
quantidade de pesquisas firmou, dentro de suas temáticas e problematizações, a marca das
sociabilidades (Simmel 2006) em conjunto à riqueza de sujeitos, afetividades, composições e
redes que singularizam e preenchem as estruturas desse aglomerado mercantil. Na área de
ciências humanas, autoras como Wilma Marques Leitão (2010), Maria Dorotéia de Lima (2008)
28
e Marilu Márcia Campelo (2010) são referenciais primárias dessas investigações; somando-se
outros importantes nomes e grupos de pesquisa aparelhados. Há uma busca por perceber o Ver-
o-Peso a partir do seu cotidiano, de seus agentes e emoções, considerando a relação entre os
acontecimentos e coletividades. A qualidade de local de encontros fomenta estudos
etnográficos ou mesmo de naturezas diversas24.
Para entender as dinâmicas que permeiam os saberes no Setor das Ervas, é vital perceber
os encadeamentos que estão ali e como extrapolam a seção, caracterizando-se diferentes e
próprios de cada relação, por cada consumidor e feirante. Procura-se nesse escrito partir, e não
findar, compreendendo o Veropa como um local de laços, sociabilidades e sociação –
conjuntamente com a discussão sobre a atuação dos elementos institucionalizados mais as
influências simbólicas manejadas, também produtoras de concepções sobre o lugar. Tal
configuração é vital para o estudo haja visto a importância das relações diretas entre sujeitos
para a difusão dos saberes em meio comercial.
24
Podemos citar algumas para além das trabalhadas no texto, na vertente: conflito (Campelo 2010), comércio e
circulação (Corrêa e Leitão 2010; Silva e Rodrigues 2016), coletânea (Leitão 2010), geografia (Penteado 1968),
exposições (Carvalho 2011), artes visuais (Coelho 2003; Maués 2014), história (Cruz 1962; Oliveira 2018),
filmografia (Guedes et al 1984), patrimônio (Lima 2010), arquitetura (Malheiros 1996), teatro (Salles 1981),
ciência da informação (Dantas e Ferreira 2013), sociologia (Rocha 2012), museologia (Maués 2014), antropologia
e não-humanos (Silveira et al 2016), raça (Lopes et al 2010)
25
Anotações diário de campo. Abr/18.
29
perfumaria e cosméticos Natura – definida por sua ligação ambiental26 – esteve em processo
judicial com as(os) erveiras(os) da seção, pois, a partir de algumas entrevistas e gravações
visuais, reuniu informações que resultaram em um comercial e um novo produto lançado ao
mercado com base nos saberes das(os) erveiras(os), não gerando retorno de qualquer tipo para
tais. A circunstância foi responsável pela criação da Associação Ver-as-Ervas, que mais tarde
se tornou relevante também para outras necessidades oficiais do Ver-o-Peso como um todo, a
qual será melhor discutida no terceiro capítulo.
26
Extratos retirados da página virtual oficial da marca: “Desde o primeiro dia, construímos um negócio com a
missão de proporcionar o bem-estar-bem, relações harmoniosas do indivíduo consigo mesmo, com os outros e
com a natureza”. Disponível em https://www.natura.com.br/a-natura/nossa-historia. Acesso: Dez/19. “Priorizar
ingredientes vegetais é nossa maneira de tocas nossa atividade de modo inovadora, com recursos renováveis”.
Disponível em https://www.natura.com.br/sustentabilidade/cadeia-de-valor. Acesso: Dez/19.
31
A falta de apoio ao estudo também foi agravada pela minha não legitimação como
pesquisadora, pois além de controversa, minha aparência, sotaque e postura eram rapidamente
percebidos como relativos à um outro grupo presente na seção, o turista. Assim, mesmo aqueles
primários interlocutores que aceitaram a pesquisa apresentaram falas pré-preparadas ou
impessoais, iniciando assuntos que julgavam interessantes para meus ouvidos curiosos de
“viajante”, mesmo com o esclarecimento, consentimento e tema da pesquisa. Respaldada nessas
condições, procurei em primeiro momento reforçar meu interesse com pesquisadora utilizando
de entrevistas semiestruturadas, onde poderia iniciar uma aproximação dos pontos que
intentava, esperando que o diálogo demonstrasse as intenções da pesquisa ao mesmo tempo que
tivesse menor direcionamento e garantisse autonomia as(os) erveiras(os). A partir do Termo de
Consentimento Livre e Esclareci comecei as gravações com aquelas(es) que aceitaram a
participação.
27
Porém, esses foram proveitosos ao passo que suscitaram a percepção das inclinações científicas associadas à
atenção sobre as(os) erveiras(os), seu comércio e saber tradicional.
32
Esses, categorias substanciais para a vigência dos saberes e práticas, apontaram para a
necessidade da análise acerca dos sujeitos, tanto em interação com o espaço quanto relações
entre indivíduos, uma vez que os sujeitos são os agentes que dinamizam o local e a transmissão.
Por sua vez, a particularidade da pesquisa ilustra como espaço e indivíduos em interação são
perspectivados pelo ambiente urbano. Assim, a avaliação das apreensões em campo e estudo
diagramaram-se de tal forma:
Nessa segunda fase, minha condição como, agora, moradora de Belém, e especialmente
do bairro da Cidade Velha, também influiu sobre minha presença em campo, pois Ver-o-Peso
em si tomou dimensões cotidianas para mim. Suas seções atendem minhas necessidades como
habitante e sua localização faz parte alguns dos meus trajetos comuns para outros pontos da
cidade. Morando na região histórica, o Ver-o-Peso aos poucos se amarrou aos meus lugares
significativos da vida ordinária, tanto em âmbito mercantil como de lazer, histórias, sentimentos
e amizades. Essa conjuntura propiciou minha interação em um ritmo diferente do induzido e
rigidamente comprometido, afetando a pesquisa em um intenso processo de aclimação: de um
lugar observado e em relação, tornou-se uma das extensões da minha existência belenense.
Contudo, não significa que considerações acerca dos níveis, limites e configurações da
familiaridade (Velho 2013) adquirida não estiveram destacados. Foram pesadas e calculadas as
problemáticas sobre a circunstância da neutralidade; a minha situação de intervenção na
realidade estudada (aqui agora como pesquisadora e não componente/consumidora) e, também,
um elemento passivo de observação e opinião. Dado o panorama de conflito extra e intra setorial
envolvendo disputas de freguesia, esses pontos estiveram destacados, não só por suas
relevâncias epistemológicas, mas por influírem diretamente no andar da pesquisa e minha
admissão, mais ou menos harmoniosa, ao Setor. Sabendo da impossibilidade de ter um acesso
livre e próximo com todas(os) as(os) erveiras(os), tanto pelo conflito com a Natura, como
também por saber ser vista como próxima/freguesa (apenas) daqueles interlocutores principais,
estar atenta com minhas posturas, integralidade e autoconsciência quando em campo foi
substancial para garantir rigor científico paralelo a elaboração do estudo de maneira espontânea
e sociável. Ter cuidado em não atrapalhar o fluxo comercial e evitar sempre que possível o uso
em campo de anotações e gravações foram exemplos de atitudes que facilitaram minha inserção.
Como técnica, as fotos tiveram parte significativa para compreender algumas categorias
analíticas envolvendo as estratégias de comercialização e identidade, como propaganda e
distinção entre erveiras(os).
O posar estético das erveiras(os) para as fotos dos consumidores e turistas demonstra
facetas de suas agências sociais na escolha da história e imagem que quer contar, além da
valorização pessoal por conta do que se representa ser fotografada(o), e assim escolhido dentre
outras(os), para tal. Possibilita alcançar a dinâmica local onde a imagem e imagética são formas,
também, estratégicas de divulgação e autoestima das próprias(os) erveiras(os); desejadas e
estimuladas.
28
Importante para a produção do corpo colonial enquanto objeto antropológico (Edwards 2016:154)
29
Em conjunto com a “crise de representação” do momento (p.154).
30Que como será discutido encontram-se afinados a realidade corrente na seção e seus anseios,
porém respondem a um projeto de gentrificação patrimonial.
35
campo é marcado por percursos variados, onde a observação depende dos caminhos, espaço,
interações e minha subjetividade. Não obstante o produto analítico da primeira fase em campo,
analisado pelo método estendido; tenho como principal dado de análise o conjunto gestáltico
das minhas caminhadas durante a segunda etapa da pesquisa. Para tal, apoio-me na
consideração da subjetividade e corporificação pessoal, sendo a razão para qual utilizo-me dos
estudos de sensorialidade, onde o corpo e seu movimento são agentes em conjunto com o
ambiente, propiciando minha aclimação no lugar. Andar permitiu perceber a associação das
atividades de reprodução social ali presentes e os processos de percepção dos sentidos e
estímulos locais que, reverberando na sua singularização, constituem-se elementos apropriados
tanto pelas(os) erveiras(os) quanto o discurso público e midiático. Dessa forma, o Setor das
Ervas é tratado como um lugar comercial onde os vínculos, afetividades e subjetividade são
definitivos para a prática mercantil e a significação dos artigos comercializados; a canalização
desses acontecem por meio das assimilações dos estímulos sensórios do ambiente provindo da
absorção fenomenológica, corporificação, movimento, aspectos emocionais e decurso
temporal.
Maria Dorotéia de Lima (2010), debatendo sobre as diretrizes oficiais que envolveram
o processo de patrimonialização da área selecionada para tombamento do Iphan, pontuou como
essa não conferiu com as variadas visões e expectativas dos feirantes, marcando o processo de
oficialização do patrimônio cultural norteado segundo a orientações institucionais em voga –
nem sempre concebidas pelos sujeitos que produzem e vivem a realidade cultural. Os elementos
determinantes para tal situação formam-se a partir narrativas homogeneizantes tais quais a
noção do nacionalismo; pautando aspectos da cultura popular e/ou tradicional como patrimônio
da nação perante um mundo globalizado. Maria Cecília Londres Fonseca (2003) discorre sobre
as tendências que envolvem a legitimidade de algum elemento como patrimônio, as quais
priorizaram por muito tempo manifestações materiais, edificações e monumentos, tipicamente
expressões de classes dominantes, como casarios, igrejas, fortes, lojas e outros mais, provindos
da colonização lusa. Fonseca destaca como o Ver-o-Peso, ao ser tombado em seu conjunto
paisagístico e arquitetônico, prima pela influência portuguesa antiga, em um lugar de
expressões culturais próprias e características, rebaixando assim os indivíduos – e suas práticas
“culturais coletivas” (2003:58) – que o compõe, ante a história colonial.
Em certa medida, existe um falar a partir do Ver-o-Peso, assim como também se fala
sobre Ver-o-Peso. Feiras e mercados públicos são formações focais de encontros negociações,
interações, práticas simbólicas e produtivas; fortes personagens no desenvolvimento citadino e
37
civilizatório, atuando em nível social, político, histórico, econômico e cultural, são infindos os
processos envolvidos31. O comércio do saber tradicional está sendo estudado em associação ao
ambiente mercantil de feira na esfera urbana, ou seja, em meio social intrincado. Os estudos
das sociedades complexas, que como visto, formadas com o tramite coexistente de diversas
configurações sociais cognitivas, deve ser analisado por meio da consideração dos níveis
biológicos, psicológicos e socioculturais dos sujeitos perante a realidade social, postulando as
heterogeneidades culturais, a multiplicidade de significações, as influências históricas e a
tensão entre indivíduo e sociedade com embate de projetos nas cidades (Velho 1988). Dessa
forma, as estruturas coercitivas inserem-se nessas dinâmicas e fluxos pelos atravessamentos e
provocações de dissenso e mediação (Velho 2013). Falar próximo de um lugar interno não
desvincula a necessidade de aferir dimensões macrossociais e marcar, de forma ciente, que
ainda se trata de falar sobre.
31
Historiadores como Fernand Braudel (1987) demonstram relações comerciais, redes de trocas e dependências,
desenvolvimento urbano, movimentos políticos, relações alimentares, legislativas e temporais a partir de estudos
sobre feiras e mercados públicos a partir dos séculos 14 e 15 na Europa; no século 18 na Ásia, África e Américas,
precursores da urbanização e realidade urbana. Fala-se também sobre as grandes feiras do século 19, partidas da
Revolução Industrial, as quais mostram os adventos tecnológicos, produtos farmacológicos inovadores e novos
costumes de lazer e entretenimento, influindo sobre conceitos de modernidade, estética, consumo e prazer que são
formados naqueles ambientes (De Decca 1985). Antropólogos como Clifford Geertz (1978), Verger e Bastide
(1992), Marcel Mauss (2003) demonstram práticas laborais, sistemas monetários, influências familiares e de
gênero, redes de comércio e reciprocidade analisando mercados e feiras tradicionais.
32
É ativo mesmo na calada da noite e durante a madrugada, quando uma de suas principais feiras, a Feira do Açaí,
está em sua plena funcionalidade na área das Docas e Pedra do Peixe. Também nessas horas do dia é possível
encontrar abertas algumas barracas de lanche na área externa do Setor de Alimentação, destinadas a atender tanto
os variados trabalhadores da feira – sobre os múltiplos e variados trabalhadores que a compõe – quanto passantes
da região, a qual possui bares e casas noturnas que reúnem além dos trabalhadores de desembarque e venda de
pescados, hortaliças e outros, quanto pessoas não vinculadas ao trabalho no Ver-o-Peso. O resto dos setores da
área varejista estão fechados nesse período, com um reduzido policiamento realizado por dois seguranças situados
no pátio, os quais inibem a perambulação pelo local.
38
33
Brega é um dos mais tocados estilos musicais da região. Bike som são bicicletas utilizadas por ambulantes para
a venda de álbuns musicais, nelas estão acopladas caixas de som que tocam as músicas disponíveis; seus
condutores vendem Cd’s gravados de artistas expoentes ou locais, mesmo de outros municípios como Ananindeua
e Castanhal. “Garça namoradeira” e “Malandro urubu” são duas personagens comum da cidade de Belém,
principalmente o Ver-o-Peso; existem histórias, músicas, quadrinhos e causos de uma relação dos dois; tal fato
acontece pelo grande número de garças e urubus na área, principalmente na pedra do peixe, uma das canções
famosas: https://www.youtube.com/watch?v=CkFpmCP-R04. “Açaí do grosso” e “farinha baguda” se referem às
espessuras e dureza dos insumos respectivos.
34
Eric Hobsbawn (2008) difere costume de tradição. O primeiro está relacionado ao comprometimento com o
passado, com uma flexibilidade implícita. Já a tradição fala sobre um conjunto de práticas reguladas por “regras”,
que podem ser rituais ou simbólicas, inculcando valores e normas de comportamento por repetição que implica na
continuidade de um passado, sempre que possível “adequado”, como noções de nacionalismo. São formas que
podem ser coexistentes.
39
Figura 9 Descansando sobre uma embarcação atracada, duas “garças namoradeiras”, símbolos de canções, presença e
imaginário sociocultural no Ver-o-Peso. Autoria: Laura Vieira, 2018.
Faz parte de um ethos “ser belenense” que envolve experienciar e construir momentos
biográficos com o Complexo, configuração que inicia já na infância. Mesmo com um número
eloquente de pessoas que não o frequentam a anos, quando questionadas sobre a sua intensidade
afetiva com o local, pouquíssimos são aqueles que declinam qualquer laço ou sentimento
vigoroso de pertença ou satisfação. Os que assim fazem, coincidentemente ou não, tem
trajetórias de vida que envolveram mudança de cidade quando ainda novos, com regressos
posteriores e já não mais frequentando o Ver-o-Peso desde então, demonstrando indiferença
desse em suas vidas35.
35
Durante a produção dessa pesquisa, produzida nos anos 2018 até 2020, fui (e sou) moradora da cidade de Belém,
ainda que minha terra natal seja Curitiba, na qual passei todos os outros anos da minha vida. Algumas das análises
que trago sobre o município em si e que não saem diretamente de levantamentos bibliográficos ou do campo no
Ver-o-Peso e no Setor das Ervas – vem da minha vida na cidade. Estar morando sozinha em uma região antes
desconhecida por mim, a mais de 3.000 quilômetros de onde é minha origem, me fez entrar e manter contato com
uma profusão de pessoas e redes, desde universitários acadêmicos, até amigos, amigos de amigos, familiares de
amigos, vizinhos, comerciantes, donos de bares, de lanchonetes, padarias, organizações e grupos políticos,
viajantes, amores, atendentes, pessoas em situação de rua, trabalhadores de Uber ou taxistas, artistas locais,
organizadores de evento, crianças, adolescentes e idosos. Com mínimas exceções, todos esses encontros
questionaram ou foram direcionados por conta da minha origem, acabando ou não em discussões sobre o tema da
40
Sendo o principal público consumidor os moradores que frequentam o Setor das Ervas
se dividem em dois nichos. Há aqueles que compram ou consomem regularmente na feira, se
não todos, a maioria dos insumos que consomem em suas casas e que buscam preços módicos
em relação a supermercados e outros; esses não necessariamente são de poder econômico mais
baixo, uma vez que o Ver-o-Peso não é a feira mais barata da cidade, inclusive sendo
considerada muitas vezes a mais cara por frequentadores costumeiros de feiras37. São também
o conjunto mais ativo no Setor das Ervas, tomados como clientes, geralmente possuem
preferência por determinada(o) erveira(o) e agem como divulgadores da qualidade do
atendimento e dos produtos. Com um vínculo mais profundo e constante sobre saberes
tradicionais de cuidado fisiológico e espiritual, dão preferência aos artigos in natura; trocam
experiências com seus vendedores; encomendam; indicam alguma referência; confidenciam
problemas e, em uma relação dialógica, partilham histórias pessoais38, sendo comum um clima
amistoso, muitas vezes com carinho, amizade e contatos familiarizados. A feira por suas
próprias características já permite essa realidade mais pessoal, mas esse tipo de clientismo é
determinante para uma relação de confiança que extrapola mediações midiáticas superficiais.
São relações constituídas de diversos níveis e conforme a frequência e intimidade crescem, mais
cheias de características sentimentais.
minha pesquisa, mas sempre iniciando uma exuberância de comentários, dicas, explicações, conversas e
divagações sobre minha “nova vida” que muito me situaram e contribuíram para alargar o locus e as essências que
trazem Belém, o Ver-o-Peso e o Setor das Ervas. Ainda que nunca houvesse uma pretensão formal, um “survey”
ou “entrevista (semi)(não)estruturada”, para a aquisição desses conhecimentos – e sim a rotina do dia-a-dia – todas
as pessoas que encontrei, em algum nível, deram sustentação e maior profundidade para esse estudo. A todas
agradeço.
36
Os feirantes também são compradores de artigos do próprio Ver-o-Peso; no Setor das Ervas as(os) feirantes são
principalmente consumidores de refeições prontas do Setor de Alimentação, de serviços estéticos como manicure
e de “fazem tudo”, “meninos de recado”.
37
Em seu estudo, Santos (2014) também observa como consumidores de renda baixa não compram só em feiras,
ainda que as deem preferência.
38
Esse tipo de consumidor não necessariamente depende completamente das erveiras e suas indicações, podendo
com embasamentos próprios demandar artigos definidos. Em geral são clientes costumeiros que já sabem o que
buscam e os efeitos terapêuticos e espirituais, ou mesmo outros agentes terceiros de cura como benzedeiras e
pessoas de santo (Costa e Cordovil 2017; Campos e Campelo 2017)
41
O Setor das Ervas surge fortemente compreendido pelas narrativas simbólicas, onde
seus produtos, a prática, o saber e as(os) erveiras(os) são entendidos constituintes e
representantes da cultura local, mas pouco interativos as suas vidas, cambiando entre
desconhecimento, curiosidade, antiguidade e orgulho. Os saberes tradicionais de uso de ervas
e afins são amplamente difundidos na sociedade paraense, porém apreendem camadas
diferentes de interesses em contexto belenense, onde a classe social e os modos de vida influem
na assimilação em níveis dos saberes, sendo que quanto mais capitalizada e urbanizada estejam
os referencias de estima, menos contato direto com a feira, com as práticas populares e domínio
sobre os saberes tradicionais. Dessa maneira, o Complexo tem sua relevância percebida, porém
não está influente nos hábitos. É um consumidor da “Belém do ar-condicionado”41. Entendido
39
Consumidora moradora do bairro Batista Campos quando perguntada sobre sua constância no Ver-o-Peso como
um todo. Caderno de campo; setembro/19.
40
Em continuação, está explica o que lhe atrai à feira. Maniva é o nome dado às folhas da mandioca (Manihot
esculenta Crantz); cozida por no mínimo sete dias para limpar sua toxidade, é o substrato principal da maniçoba,
prato típico da região e do Círio de Nazaré, manifestação religiosa central de Belém e maior evento do calendário
belenense.
41
“do ar-condicionado”, e suas variantes, é uma expressão jocosa que volta e meia aparece em conversas sobre
pessoas que não “viveriam” a totalmente a cidade, que andam “do apartamento para o carro, do carro para o
trabalho, do trabalho pro shopping, do shopping para o crossfit”, tudo isso envoltos pelo conforto do ar-
42
mais seleto, é visado nos projetos municipais de revitalização do centro histórico, que discutido
no capítulo três, se pretende área de lazer e turismo. Distingue-se do primeiro conjunto de
sujeitos por formar outras percepções sobre o lugar, atrelando um cenário de violência e
descuido, característica que é destaca quando contrastado por esses sujeitos com a instalação
vizinha e aprazível, a Estação das Docas, complexo turístico e cultural privado surgido no ano
de 2000 onde antes instalava-se o Porto de Belém42. Com suas seções chamadas de Boulevard,
é, segundo sua página virtual e depois das propostas de revitalização municipal que o atingiram:
“um dos espaços que mais refletem a região amazônica” 43. Contudo, está tão apartado de um
elemento germinal do desenvolvimento da cidade, e mesmo da região amazônica, – e que fica
ao seu lado.
condicionado, que precisa de um ambiente fechado para ser efetivo. “Pegar um ar” também é uma expressão que
diz a respeito do acondicionamento térmico, aplicada quando se passa por locais, lojas e estabelecimentos que
possuem ar condicionado durante o trajeto a pé. São expressões geralmente vinculadas a grupos divergentes, a
primeira para aqueles que teriam uma menor ligação com a cidade, vivendo em seus ambientes protegidos e
controlados, a última para aqueles que usam do transporte público, andam pelas ruas, praças, feiras e podem se
depara com acontecimentos imprevisíveis que um centro urbano possui.
42
Possuindo características de galeria, tem lojas de souvenires, roupas, sorveterias, restaurantes e bares
tradicionais, banheiros, caixas eletrônicos, sala de cinema e evento, área de exposições, terraço com vista à Baía
do Guajará com barcos para passeio na mesma, banda ao vivo em plataforma móvel suspensa, áreas abertas para
ensaios fotográficos. Muitos belenenses ironizam o espaço, chamando-o por “Estação das Dondocas”.
43
Disponível em: << http://www.estacaodasdocas.com/>>. Acesso em Dez. 2019.
44
Tradução da autora. Original: “sense of place is the lens through which people experience and make meaning of
their experiences in and with place”.
45
Ou a noção de lugar discutido por Certeau (1999), contrário ao espaço praticado.
43
A concepção dos turistas e visitantes do Ver-o-Peso acaba sendo diversa, voltada à uma
lógica de consumo do produto como souvenir e da experiência como vivência exótica. Agustín
Santana Talavera (2003) discute o turismo como um fato continuamente em movimento,
renovável e adaptável; se antes restrito a um modelo, a partir dos anos 1980 novas demandas
surgem e o interesse pelo meio ambiente e cultura se fortalecem. Anseios relacionados à
história, paisagem, etnografia, arquitetura, arqueologia, fauna e flora pautam estilos turísticos,
que associando esses segmentos a grupos humanos mais virtuais do que reais. Em ambição ao
autêntico, destacam o ambiente, a cultura e a gente. Busca-se o compartilhamento de
experiências, que se vinculam a noção de “exótico”, “primitivo” e “autêntico”48.
Santana distingue dois grupos que teriam ações e responsabilidades diferentes: o turista
direto que procuraria a carga cultural baseada em de conhecimento e um “maravilhamento”
baseado no nostálgico e autóctone, mas ainda com níveis de segurança e conforto; quanto ao
indireto, aqueles que não procurariam patrimônios e expressões culturais como primeira ou
central opção. Caracterizados pelas massas, desejam entretenimento e relaxamento na ação
turística, seu contato com os patrimônios acontecem por casualidade, recebendo o prestígio
social que essa proximidade confere.
O turismo no Ver-o-Peso congrega esses dois exemplos, uma vez que é o “mais famoso
cartão-postal da cidade”, enriquecendo-se por seu conteúdo histórico e cultural; continuamente,
as ervas e erveiras(os) estão entre os elementos primários para o mercado turístico quando
46
Tradução da autora. Original: “location itself is not a sufficient condition to create a sense of place. In order to
create a sense and attachment to place, there is a need for long and deep experience of a place, and preferably
involvement in the place”.
47
Tradução da autora. Original: “The experience of a place is not neutral”
48
Procurando perceber as influências que modelam os gostos turísticos, Santana fundamenta um vetor ligado a
pós modernidade e seus alcances econômicos, políticos e sociais presentes no século XX ligados e impulsionados
pelo Estado de Bem Estar. No que se segue, distingue-se como uma noção de distinção social fundamental a
introdução desse tipo de turismo, onde preocupações outras que não as antigas aparecem, como a questão ecológica
e a experiência da cultura que serviriam como marcadores de distinção.
44
apontadas as atrações locais, mais fortes mesmo que algumas das edificações tombadas. Na
figura 10 está uma fotografia de uma erveira do Setor das Ervas, cuja legenda é “Cheiro-do-
Pará”; trata-se de um estrato do Plano Ver-o-Pará, responsável pelo manejo turístico no estado:
Figura 10 Fotografia de uma erveira do Setor das Ervas no Plano Turítico Ver-o-Pará. Fonte: SETUR (2012)
A matriz natural e cultural acaba por ser hoje o principal componente que sustenta o
turismo no Ver-o-Peso. Funciona como imagética, dialogam com processos de fetichização e
mercantilização (Veloso 2006). O Setor das Ervas, ao ser um dos principais destaques da feira,
influi da sua configuração predisposta a essência natural, cultural e estética; as quais não se
restringem apenas aos turistas, ainda que esses sejam o grupo mais susceptível, mas também
45
aos visitantes variados, moradores da cidade que percebem o local como um ponto de lazer,
confraternização e celebração.
O turista regular do Setor das Ervas é aquele que reage aos produtos em um misto de
desconfiança, curiosidade, descrença, interesse e preconceito. A estética e os estímulos
sensoriais agem de forma a aguçar o entusiasmo e fascínio, as estratégias de abordagem
volumosa das(os) erveiras(os) – posturas, vestimentas, expressões e tons – transmitem a
singularidade e provocam reações diversas. As impressões criadas são flutuantes e
ambivalentes, mas asseguram o lugar da natureza e cultura, ainda que em formas
estigmatizadas. As relações tecidas são, contudo, cordiais, iniciadas pelo forte componente
atrativo. O Ver-o-Peso que é da memória; da vivência; dos enredos; das reportagens e guias
turísticos; dos poemas, canções e tantos outros, é um lugar que se faz por estar de mãos dadas
com o meio natural amazônico, esse simbólico e prático: está ali, em algum lugar depois do rio,
ou no próprio rio; está no pescado vindo do Marajó; no ribeirinho; no paneiro; na tigela de açaí
(Euterpe oleracea); está no Mercado de Ferro, construído com o ouro líquido “de antigamente”
provindo das suas seringueiras (Hevea brasiliensis); na umidade do inverno, no boto (Sotalia
fluviatilis) furtivo que passeia pelo Rio Guamá e está nas(os) erveiras(os) e suas folhas, nos
banhos-de-cheiro, nas “mandingas” do Setor das Ervas49.
49
A ideia de mandinga está discutida no capítulo 2, tatando sobre formas de significação e estigma.
50
Pierre Bourdie (1989) discorre sobre como a linguagem, arte, mito, religião, conhecimentos e demais sistemas
coletivos são formativos no panorama de perspectivas, uma vez que operam na construção de modos, hábitos;
formando tanto estruturas simbólicas, quanto fenômenos de ordem prática: “atividades mundanas de atribuição de
sentido” (Loïc 2013:91), que materializam a realidade social. Os dois pólos, estruturas simbólicas e fenômenos
práticos, são coexistentes construtores de realidade, a qual, a partir do poder de classe e suas instituições
vinculadas, tende ao consenso para a integração social, buscando a reprodução da ordem vigente e estabilidade
das classes.
46
legitimado e sutil que interage com as visões particulares, subjetivas e pessoais daqueles que
vivem, frequentam, consomem, visitam o Complexo.
Uma perspectiva com maior controle e definição sobre Setor das Ervas atenta – seja
habitante ou turista, obviamente em níveis diversos – para produtos, costumes, finalidades e
modos de vida que dialogam com imagens cada vez mais exotizadas, fetichizadas e
mercantilizadas. Significativos e relevantes, são apropriadas por projetos higienizadores,
acabado atravessados por inclinações cujo sentido aponta para fins que estão em disputa: quais
são as existências que se querem ali mais asseguradas? A da cidade de Belém, que por meio
turístico aparecerá como local atrativo, singular, projetando-se em cenário globalizado? As(os)
erveiras(os), que com a seleção de produtos e modelos comerciais superficializados, terão mais
conforto, filhos na universidade, clientela abundante e fixa? A cosmologia, os saberes, práticas
e costumes tradicionais que, nos conformes das cartilhas vindas dos workshops municipais,
serão preservados, divulgados e estimados? Ou o consumidor, que pela inserção da tecnologia,
do ambiente higienizado, colorido, bonito de se estar, gostará mais, aumentará a frequência e
comprará mais?
Para a locução sobre a cultura das ervas de cheiro na capital paraense lança-se mão de
uma interpretação indiciária onde a confluência de detalhes secundários possibilita o exame do
contexto social (Ginzburg 2006) em conjunto com o locus etnografado. São somadas duas
análises periféricas as quais congregam a discussão da contemporaneidade e a tradicionalidade
na cultura das ervas a partir dos dois mais intensos períodos comerciais dentro do Setor, a época
do Círio de Nazaré e as festa juninas. É o caso do extrato literário memorialístico da jornalista
paraense Eneida de Moraes (1989) e do fenômeno pontual ocorrido durante o Auto do Círio de
2018. São paralelismos cujos elementos episódicos caracterizam-se indicativos, inferindo nos
contextos diretamente pesquisados, uma vez que interdependentes. Apesar de característico
método historiográfico, partir do paradigma indiciário nessa seção possibilita perceber casos
em que o uso das ervas e outros substratos naturais estão aportados em significações e
funcionalidades profundamente individuais, mas ao mesmo tempo delineadas e coerentes aos
seus momentos coevos sociais, de forma que ambos os polos demonstram a intensidade da
tradição cultural discutida.
Na seção respectiva aos produtos comercializados, esses são retratados em seus tipos;
origens e semelhanças socioculturais; singularidades e unicidades; qualidades curativas e
mágicas. Tais pontos são atentados a partir do diálogo com outros estudos similares sobre
formas medicinais amazônicas; teoria etnoecológica; avaliações da propriedade singular do
48
Setor das Ervas perante outros locais; e meu lugar como pesquisadora-consumidora, onde o
contato com as práticas, modos, indicações e curas são formas de compreensão da realidade
medicinal e componentes espirituais.
A reconstrução do Setor das Ervas como percurso intenta observar suas qualidades
atrativas, das quais influem em sua representação e destaque social. Esse é feito a partir de um
construto gestáltico, onde o acúmulo das minhas pessoais, e subjetivas, interações em campo
formam um montante segmentado de considerações variadas sobre o local. A sensorialidade é
a forma definida para a absorção fenomenológica por sua característica corporificada, além da
exaltação dos estímulos sensoriais como marca e estratégica comercial na seção.
2.1 A Tradição do Banho de Cheiro: a cultura das ervas medicinais e os laços entre seu
uso e a cidade de Belém
51
A exemplo a teoria dos humores de Hipócrates.
50
52
A exemplo: só durante o tempo desse estudo, sem pretensão de análise e por casualidade, outros municípios
demostraram seu vínculo com medicinas naturais tradicionais, mesmo em nível comercial como em Soure, na Ilha
do Marajó, onde uma barraca de produtos está situada ao lado externo do mercado municipal. Percebe-se o uso da
população ainda em Pesqueiro e Salvaterra, ambos na Ilha do Marajó; no conjunto de ilhas em Abaetetuba, e na
comunidade de Fortalezinha, na Ilha de Maiandeua.
51
pelos mateiros – produtores e vendedores de ervas in natura para a venda “por atacado”, seja
para as erveiras da própria seção, seja para outras(os) erveiras(os) das outras feiras da cidade,
que apesar de menor quantidade e menos expressão também comercializam ervas e afins,
estando distribuídas em pontos mais distantes do centro histórico, como Mercado de São Braz,
Feira do Marco, a Feira da Pedreira, a Feira do Guamá e Complexo de Abastecimento do
Jurunas.
O uso de ervas, banhos, óleos e patuás é reiterado nos hábitos e tradições belenenses,
principalmente durante as festas juninas. Em Aruanda - Banho de Cheiro (1989) a jornalista
Eneida do Moraes registra em suas memórias a importância dos artigos:
Pontuando os antigos vínculos festivos, onde o especial dia católico de São João se
caracteriza com a prática dos banhos-de-cheiro:
(...) estou a vê-la agora mesmo sentada num trecho do mercado, sôbre
o banquinho, tão cheirosa na sua roupa cerzida, muito limpa, muito
limpa. O cabelo em coque, e dentro dêle um ramo de jasmins bogaris.
Ah, os jasmins bogaris da minha terra (...) se muito usados, podem até
provocar vertigens; foi o que me contou, aconselhando cuidado, a preta
Marcolina. Mas quero falar é da outra, a do banquinho, e seus pés um
mundo de plantas, raízes, favas, ervas de vários feitios, cheiros, formas.
Chamava-se Sabá (...) contava-me estórias maravilhosas do mundo
52
vegetal, estórias que depois dela não mais encontrei em nenhum livro,
em nenhum pedaço de vida. Sabá era, como já disse, uma cabocla
paraense que vendia banhos de felicidade no mercado de Belém
(Moraes 1989:73-74)
Eneida, em sua recomposição de épocas antigas de São João, repercebe a tradição, sua
situação e ligação com a cidade e as questões da urbe:
O banho de cheiro ainda existe até hoje e é cultivado por muita gente
(...) pode ser comprado já pronto no mercado ou em casas que se
dedicam aos perfumes da Amazônia. Não resolve nenhum problema,
nem sequer traz esperanças, mas continua perfumando os corpos, nêles
deixando o cheiro de mata virgem. (...) São João abandonou minha
cidade e sua gente. Por quê? (Moraes 1989:76-77)
Muitos dos elementos citados por Eneida de Moraes são coerentes ao panorama
encontrado na cidade atual; em suas estimas e desencantos. O apreço ao aroma; a associação
mística da floresta; a influência indígena e negra; o entrelaçamento dos costumes; a estética das
erveiras; a oralidade; a modernidade e sua realidade desregulada; o uso em minúsculo de
“mercado”, intimidade que denota a ancestral centralidade do Ver-o-Peso perante outros locais
de comércio, pois para quê demarcar com Mercado Ver-o-Peso uma grandeza já óbvia...
Maiores ou menores indícios, esses marcadores se mostram perenes ao costume das ervas,
anotações de um cotidiano descrito na singularidade e afetividade local, repetidos e
recontextualizados.
A profunda familiaridade com a tradição da cultura das ervas, mesmo que fora do
consumo comercial, permite compreendê-la em equidade com outros elementos culturais
constituintes, a exemplo no ano de 2018, durante o cortejo do Auto do Círio. Esse evento, de
frequência anual desde 1993, surgiu com o núcleo de teatro da Universidade Federal do Pará e
está inserido como programa cultural paralelo ao Círio de Nazaré, ocorrendo suas apresentações
na sexta-feira antes dos dias da transladação, no sábado, e o Círio propriamente dito, no
domingo. Iniciado na Praça do Carmo, no bairro da Cidade Velha, percorre a rua Doutor Assis
até alcançar a Igreja da Sé, próxima ao Forte do Castelo, Igreja de Santo Alexandre, Casa das
Onze Janelas, instalando-se por fim na Praça D. Pedro II. Nesse referido ano, no momento que
o cortejo seguia em direção a Igreja da Sé, moradores de um sobrado na rua Doutor Assis53, em
sua varanda nos altos, borrifavam sobre os transeuntes que passavam, galões preenchidos de
banho-de-cheiro por meio de uma adaptação feita em uma lavadora de alta pressão VAP.
53
Uma das mais antigas da cidade, com um expressivo número de casarões portugueses, abrigando o Palacete
Pinho, importante centro cultural e artístico durante o ciclo da borracha.
54
Inscrito na Lista Representativa do Patrimônio Cultural da Humanidade no ano de 2013, durante a VIII sessão
do Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, realizada em Baku/Azerbaijão.
54
perfumada, que se chama o banho de cheiro ou banho da felicidade” (Moraes 1989:69, grifo
meu).
Os dois primeiros tipos prevalecem, sendo os únicos na maioria das barracas. O tipo
manufaturado em pequena escala responde a sabonetes e pomadas naturais que passaram por
algum processo de industrial; ainda naturais, possuem marcas de indústrias locais ou firmam-
se em curas populares amplamente reconhecidas como o caso do “sebo de carneiro” e “canela
de velho”, com propriedades hidratantes e anti-inflamatórias. Essa variedade está
principalmente nas barracas dos vendedores erveiros, em quantidade equiparável aos outros
tipos, como nos casos dos interlocutores Seu João e Roni Rocha. Algumas erveiras também
possuem esses artigos, principalmente aquelas da frontal direita da seção, mesma região do Seu
João e do Roni Rocha.
55
Os produtos artesanais são apontados como cargo chefe de venda, onde o manejo
agrega valor comercial, uma vez que envolve os saberes das(os) erveiras(os) produtoras(es)
sobre a mistura de compostos, qualidade do trabalho, qualidade da proveniência dos insumos,
amplitude de conhecimentos. Se dividem em dois grupos: os visados ao público turista, os de
comércio geral. Os primeiros se caracterizam pela padronização advinda de workshops
municipais, onde as etiquetas normatizadas contém os insumos reunidos em língua portuguesa
e muitas vezes em inglesa; o nome, telefone, contato virtual e número da barraca da(o)
erveira(o) em questão; explicações sobre seu fim (figura 11). Estão em embalagens menores,
mais bonitas, bem embaladas e lacradas (afim de facilitar o transporte); priorizam insumos e
misturas mais conhecidas como o óleo de andiroba (Carapa guianensis), o óleo de copaíba
(Copaifera langsdorffii), a buchinha-do-norte (Luffa operculata) e toda a sorte de dos banhos-
de-cheiro, as menores embalagens da seção, feitas de vidro ou plástico, em tamanho
aproximado de 10 centímetros.
Esses produtos possuem um valor maior quando comparados com os produtos menos
visados, maiores e mais baratos; também são os mais propagandeados, em especial o óleo da
bota (Sotalia fluviatilis). Dentre esses, os banhos-de-cheiro ganham destaque simbólico, sendo
os mais caros, menores, mais visíveis e numerosos da seção, são o pilar estético do Setor e seu
imaginário cultural; importantes podem ser dados de presente conforme a simpatia entre
feirante e consumidor, ou como formas de “desconto” para comprar grandes.
Alguns desses somente são acessíveis com extrema intimidade com a(o) erveira(o) em
questão, envolvem tabus sociais (figura 14) ou são possuem elementos proibidos de
comercialização.
Figura 14 Garrafada para "descer" a mesntruação atrasada. Restrita a pedidos particulares. Autoria: Laura Vieira, 2020.
Figura 15 Mix de folhas para defumação próspera na Virada do Ano. Autoria: Laura Vieira, 2018
O erveiro Garcia gerencia uma barraca apenas de ervas e folhagens, sendo a única do
Setor desse tipo (figura 16). Apesar de trabalhar em outra barraca, essa continua próxima a de
sua mãe, antiga mateira; percebe-se como as ligações familiares são ativas na seção, se não
trabalhando em uma mesma barraca, a família possui uma expressão própria em um conjunto
60
As(os) erveiras(os), ainda que produtoras dos artigos, compram a maioria dos seus
insumos dos mateiros, interioranos que trazem a matéria-prima vendendo-as antes do raiar do
dia, como dito, em uma área à frente do Setor. Sua proveniência majoritária é: Barcarena, Ilha
das Onças, Abaetetuba, Boa Vista, Outeiro, Mosqueiro, Genipaubá. Ao contrário do comércio
na seção, onde a prevalência feminina é maior, esses vendedores são todos homens, mas se
posicionam em uma função próxima ao atravessador, que como mostrado por Josias Sales
(2014), atravessa o pescado dos pescadores interioranos para os feirantes e mercadistas
61
55
Essa relação pelo recorte sexual e erótico é discutida por Bruno (2019), onde se percebe que certos insumos são
priorizados em detrimento de outros para os fins mágicos, onde os elementos mais saudáveis promovem
relacionamentos também harmoniosos; aqueles compostos fracos ou que putrefazem são capazes de adoecer a
união, a potência sexual, etc.
56
“Domínio difuso” foi o termo empregado pelo Ministério da Justiça para os saberes e práticas tradicionais
presentes no Setor das Ervas devido a problemática entre as(os) erveiras(os) e a marca de cosméticos multinacional
Natura, como já citado. “Domínio difuso” concedeu a liberdade de uso da empresa sobre as informações, visto que
não se tratava de domínio próprio à comunidades tradicionais, como regula a Medida Provisória 2186-16/2001,
que protegeria as comunidades e seus saberes de exploração empresarial e científica.
62
57
Tida como medicina rústica mista, de influência indígena, negra e portuguesa, reunindo técnicas, fórmulas,
ritualizações, remédios e modos próprios dos sujeitos de uma localidade para a cura e prevenção, podendo ser elas
do tipo mágico, religioso ou empírico (Araújo 1959).
58
Durante uma visita ao Setor das Ervas com uma amiga belenense que trazia “à tira colo” uma lista de ervas
apontadas para a sua sorte e proteção, segundo busca prévia que fez sobre o assunto na internet, lidou com a
dificuldade de encontrar todas as ervas do inventário prévio e, diante da sua hesitação às indicações que recebia
63
da erveira que nos ajudava em questão, essa nos indicou as lojas da Rua Oriental do Mercado, pois lá
encontraríamos o que era buscado. Mal-humorada, a erveira me segredou, em um momento de distração de minha
amiga, sua indignação com a “juventude” e a “internet”, que confiava em “baboseira” e desconsiderava aqueles
que sabiam do assunto. Nessa trouble situation (Gluckman, 1987) de colisão entre dois sistemas, erveira-idosa-
experiência e consumidora-jovem-internet, vislumbra-se o componente diferenciador entre o que são os produtos
do Setor e o que são ervas e outros insumos naturais: tradição, identidade e relevância histórico-cultural.
59
A exemplo os “cheiros do pará”, pequenas águas de cheiro de aproximadamente 10ml compostas por álcool,
raízes de priprioca e/ou patchoulli.
64
60
Disponível em: < http://www.belem.pa.gov.br/ver-belem/detalhe.php?i=1&p=367>. Acesso em: Dez/19.
61
Friso essas colocações como discussões substâncias sobre gênero, misoginia e racismo, que podem ser
encontradas nos trabalhos de Silva (2010) e Kilomba (2019).
62
Os interlocutores masculinos, Seu João e Roni Rocha, declinam de forma integral influências místicas,
afirmando a potência natural das plantas e afins como razão de cura.
65
Como dito, apenas uma erveira se colocou como benzedeira, uma vez ao ler minha
mão, cuidando do meu peito aberto e me aconselhando, mas essa ação foi única e só aconteceu
depois que estava familiarizada pelas(os) erveiras(os) no ambiente. Se colocando como
católicas(os), todas as interlocutoras e interlocutores se afirmaram sabedores dos poderes da
floresta, apreendidos de forma parental, nas quais seus antepassados, negros ou indígenas, são
detentores originários, que lidavam com a cura e tratamento dos problemas em um período de
inexpressão ou difícil acesso a medicina ocidental-farmacológica.
63
Pensemos aqui na relação dos mateiros, como atravessadores para um lugar, e em suas familiares, como
produtoras de um lugar.
66
As/os erveiras(os) não podem sem compreendidas como uma população tradicional,
fato com as quais concordam64. Como discutido, o Ver-o-Peso, ainda com suas transformações
64
Contudo, a categorização de “povos tradicionais” ou “comunidades tradicionais” não é unanime na academia, o
que demonstra a variedade de configurações socioculturais e seus processos de reconhecimento, que não dizem
apenas as questões representativas como de direitos vinculados (Sousa e Pezzuti 2017).
67
nos fluxos urbanos, está fortemente associado com a realidade fluvial e ribeirinha, vinculando
a cidade urbana o interior65. Pensando de maneira direta, os mateiros são as figuras que angulam
a diferença entre ser erveira(o) e ser interiorano, pois esses são vistos como outra formação,
aquela que provém a matéria-prima. Como comentado, uma das erveiras dentre as mais
famosas, Dona Coló, era antiga mateira para outras erveiras do Setor, possuindo agora barracas
e criando uma linha geracional dentro da seção, todavia, sua origem com provedora e
interiorana, é muitas vezes posta como um fator de menor legitimidade na sua posição do Setor,
ainda que esta seja de proeminência inegável.
Já para o exterior, a maior fama, cuidado com a procedência e influência segura são
fatores que creditam a erveira, como demonstrado. Estar articulado com as tendências atuais de
consumo garante boa parte da posição no Setor perante o público, agindo diretamente na
quantidade de clientes, um processo que, agora, influência as relações internas. Como ambiente
sociativo (Simmel 2006), as(os) erveiras(os) apresentam maior coesão perante o público, ou
seja, frente aos sistemas exógenos (Gluckman 1987), porém seguem em arranjos e desarranjos
em seus subsistemas particulares.
65
O mesmo acontece com as demais feiras associadas aos portos da cidade de Belém, com forte diálogo entre
interioranos e citadinos, fortalecimento formas tradicionais em ambiente urbano a partir dos feirantes, como é
discutido sob o olhar urbanista (Cañete; Silva; Cañete 2014:230)
68
Estar vivendo e ser da cidade é sempre destacado, mesmo não excluindo a origem antiga de
áreas interioranas ou familiares próximos que estão nessas. Ser erveira(o) no Ver-o-Peso é estar
na urbe e ser parte constituinte dela, apesar de suas figuras serem difundidas como místicas,
profundas e detentoras de saberes naturais, os quais seriam não urbanos, hegemônicos ou
comuns.
Assim, a busca por novos públicos volta-se ao tipo turista como potencial canal de
difusão e mantimento dos saberes em relevância social. E as(os) erveiras(os), citadinas, são
capazes de transitar com suas estratégias por meio de um público variado. Gilberto Velho
percebe que dentro do ambiente urbano, com suas flexibilidades e variedade de indivíduos,
esses estão em contato com diferentes formações subjetivas de sujeitos múltiplos. Os
mediadores são aqueles capazes de comunicação entre grupos distintos, alterando fronteiras e
transitando com valores (Velho 2013:147), ou seja, agenciando os projetos, como discutido no
capítulo 3.
2.4 Percursos etnográficos: vivenciar o comércio no Setor das Ervas em relação com suas
formas e estratégias mercadológicas
O Setor das Ervas, encontra-se na ponta sul da área varejista, envolto de outras seções,
como a de Temperos, a Legumes e a Animais. Está entre as duas edificações, o Solar da Beira
e o Mercado Ver-o-Peso (Mercado de Ferro/Mercado de Peixe) (Figura 17); em frente,
atravessando a rua, encontra-se o Mercado Municipal de Carne (Mercado Francisco Bolonha).
Assim, insere-se em uma área de grande afluxo de transeuntes – ao contrário do Setor de
Plantas, por exemplo, que comercializa produtos para jardinagem e está isolado da maior parte
do Complexo, próximo à Praça do Pescador, reunindo poucos transeuntes.
70
Observar como o espaço é ocupado – seja por suas coisas, pelas suas estruturas ou
sujeitos –, é um modo de apreensão possível para analisar os aspectos subjetivos presentes, uma
vez que os elementos citados fomentam as relações sociais e materiais desses. A intenção é
captar as sensações inferentes no ambiente a partir da percepção em meio sensorial
corporificado, “subjetividade não surge na mente ou na consciência, mas está no corpo” (Tilley
e Cameron-Daum 2017:6).
à uma relação ativa. Trata-se de pensar o externo não sem associação ou independente da
humanidade e nem produzido por tal, mas em interação com essa, possibilitando e valorizando
a compreensão da existência de ambos os pólos como ativos, numa perspectiva reflexiva. Não
separando o sujeito e o objeto, dissolve dualismos que promovem um rompimento sobre a
realidade, demonstrando que se algum corpo entra em contato com um estímulo material ou
imaterial, esse mesmo estímulo – que permite esse evento de contato – também se encontra
tocando o corpo e se afirmando como um sujeito ativo, ainda que não se trate de uma fusão
englobante dos corpos (Tilley 2014). É dessa interação sensorial primária, da percepção em
mão dupla relacionada a episódios terrenos, que se iniciam as análises fenomenológicas sobre
a estruturação da consciência, direcionando a compreensão sobre o Setor das Ervas e seus
fenômenos de maneira a tocar as subjetividades dos indivíduos envolvidos.
Percorrer nesse rumo, “norte-sul”, é a maneira mais comum e simples de andar por
toda a área varejista. Esse direcionamento responde a logística de acesso do consumidor ao Ver-
o-Peso, uma vez que o trânsito da Av. Boulevard Castilho de França desce no sentido “norte-
sul” e a maioria dos sujeitos chegam pela malha do transporte público, ou mesmo pelos pontos
de transporte privativo como táxis, Uber e outros; esses últimos deixam os passageiros, em sua
maioria turistas, na área dos setores mais próximos a Estação das Docas, como o de
Industrializados, ou, eventualmente, o de Refeições. Esse sentido também é o adotado pelo
Projeto Roteiros Geo-Turísticos, percursos turísticos gratuitos promovidos por docentes e
discentes da UFPA pelos determinados pontos selecionados da cidade66.
66
“Organizado pelo Grupo de Pesquisa de Geografia do Turismo da Faculdade de Geografia e do Programa de
Pós-Graduação em Geografia (GeoTur) da UFPA, o Projeto Roteiros Geo-Turísticos busca promover caminhadas
a pé, gratuitas, no centro histórico de Belém, e abordar o patrimônio material e imaterial, cultural e ambiental da
cidade, por meio da apresentação da geografia, da produção do espaço, da história e da arquitetura da cidade. O
projeto já soma mais de dez roteiros, que visitam pontos turísticos e de grande valor histórico para a população
paraense, como Ver-o-Peso, Belle Époque, Campina, Reduto, Batista Campos, Umarizal, Estrada de Nazaré. Fora
do centro de Belém, em experiências coordenadas por professores colaboradores, o projeto também já foi realizado
nas cidades de Cametá, Altamira, Marabá, Vigia e Ponta de Pedras.” Disponível em: <<https://is.gd/yMgiUs>>.
Acesso: Jan/2020. O projeto Roteiros Geo-Turísticos foi um dos vencedores do prêmio nacional do IPHAN, 29º
72
O Setor das Ervas, relativamente pequeno ao ser contrastado com os setores vizinhos
e sua fama, é formado por quatro fileiras paralelas de barracas, dispostas de maneira a formar
um corredor central e duas frontais laterais; contando com um total de 80 barracas. No esquema
abaixo, as aberturas das barracas estão representadas pela cor vermelha, o referido corredor
central ladeado por duas fileiras formadas das barracas de número 21 até 60; a frontal da
esquerda está configurada pelas barracas de 01 até 20 e a da direita, pela 61 até 80 (Figura 18).
O corredor central é formado apenas por erveiras(os), “fechado”, enquanto as duas frontais
laterais, da esquerda e direita, dão para a continuidade da feira. Diferente de outros setores,
quem formam apenas um ambiente integral, essa configuração cria divisões internas, que pela
soma do ambiente ao entorno, o caminho traçado para percurso e o conjunto de erveiras(os) e
seus conflitos internos respectivos, coloco como os três estágios do Setor.
Edição do Prêmio Rodrigo de Melo Franco de Andrade, na categoria projetos de iniciativas de excelência “em
promoção e gestão compartilhada do patrimônio cultural, envolvendo diversos campos da preservação e oriundos
do setor público, do setor privado e das comunidades.” Disponível em: <<
https://ww2.ufpa.br/imprensa/noticia.php?cod=12223>>.
67
Comércio é o nome dado para a área comercial do bairro da Campina, esse dando acesso ao Ver-o-Peso para
além do trânsito da Boulevard Castilhos de França.
73
Figura 18 Representação figurativa aérea da organização das barracas do Setor dar Ervas, situando a posição da Av.
Boulevard Castilhos de França e as margens da Baía do Guajará. Fonte: Laura Vieira, 2018
Figura 19 O início da frontal direita, barracas “da Loura”. Fonte: Laura Vieira, 2018
Percorrer a frente da direita traz uma percepção mais comercial e objetiva das barracas.
A sensação de continuum advindas do comércio dos outros setores, mantem, como inércia, a
mesma impressão para frontal direita. Ou seja, como é o primeiro contato visual com o Setor
das Ervas e por se manter “aberto”, voltado a uma sequência longa de outros setores, transpassa
entrelaçamento com o restante do Complexo, quase como uma posição de fronteira, onde a
“identidade” do Setor das Ervas ainda não está bem estruturada. Essa fronteira, o primeiro
contato, também gera uma sensação de “novidade”, é o começo de algo, seus primeiros
ordenamentos incertos mesclados com outras seções69.
68
As contribuições de Seu João foram substanciais para entender as relações coercitivas do poder público perante
o comércio do Setor e do Ver-o-Peso. As categorias analíticas como turismo, mercantilização e revitalização foram
nossos principais pontos de discussões, enveredando para problemáticas políticas da cidade.
69
No começo de 2019 e ainda agora no começo de 2020, o Solar da Beira, edifício vizinho ao Setor que se volta
para sua frontal direita, passa por trabalho arqueológico e reforma. Uma barreira de metal o circunda, diminuindo
o campo visual com as erveiras e vendedoras de Loura. Com o sombreamento criado, pessoas se sentam em
banquinhos enquanto descansam as costas nas chapas. A circulação está apertada, sujeira se acumula e é difícil até
mesmo o acesso para outros setores, uma vez que a barreira do Solar é grande e atinge entroncamentos.
Pessoalmente, parei de passar ali, consequentemente vejo menos o Seu João e o Roni, interlocutores que criei
amizade e sempre estavam no meu “itinerário” para batermos um papo quando ia fazer a feira. Pontuo tal situação
como mais um exemplo da influência sensorial causada pela cultura material presentificada.
76
O que acontece é uma seleção das manifestações sensórias pelos estados neurais e uma
dependência entre tais, mais as habilidades sensório-motoras, mais os próprios estímulos
externos em seus conteúdos e aspectos temporais múltiplos e mais nossas subjetividades
prévias. O resultado dessa somatória avia para a compreensão que toda a percepção passa pelo
sujeito, esse sendo um filtro da realidade, do fenômeno “total”. Nesse ponto, minha conduta
sujeito torna-se relevante, ou seja, aqui, as relações interacionais, narrativas e discursivas que
tenho sobre o Setor, pois ocorre uma interpretação da realidade e não a realidade em si (Pellini
2012), fazendo com que essa seja múltipla e responda a formações subjetivas próprias,
partilháveis ou não. Nesse ponto, as narrativas simbólicas propagandeadas com o
direcionamento do poder público associam-se as impressões corporificadas.
Ainda que uma análise sensorial possa corresponder a impressões comuns e mais
gerais, é a forma particular de uma sensibilidade que se destaca. Aqui me preocupo sobre o
número de análises que se movimentam por um canal subjetivo intrínseco, carregando o “olhar”
do indivíduo, do autor – eu em questão –, que o perpassa ao texto durante o processo de escrita.
É então que se ressalta a posição específica que eu ocupo como sujeito observador-autor sobre
a percepção e leitura que produz e como essa, por sua vez, pode ser prontamente contestável
em sua particularidade relativa70. O movimento é uma maneira do corpo definir e redefinir. Ao
se movimentar, ocorre um giro sobre as manifestações, causando novas reinterpretações dessas,
ou seja, a ideia de que os lugares se formam pela ação do deslocamento indica não apenas que
os sentidos são absorvidos enquanto experienciamos, mas também transformados conforme o
movimento, circunstância também relevante (Ingold 2000).
70
Se a fenomenologia trata em primeira instância da percepção da realidade a partir da corporificação – o corpo
absorvendo os estímulos exteriores, anteriormente as abstrações e formulações que se seguem – e a noção da
existência do externo e do interno pessoal dependem desse entrelace e absorção das sensorialidades, é tido que os
estímulos sensoriais não são estáticos, assim como as sensações que causam; esse corpo que experiencia também
é definido e redefinido, ou como já colocado, agentes ativos (Tilley 2014).
77
As duas fileiras estão arranjadas de maneira a formar como que uma abóboda. Essa
configuração cria uma sensação de aconchego, atração e centralidade que também se aplica em
uma reunião mais expressiva do público. Influindo como uma artéria vital do Setor é ali que o
fluxo de pessoas se acumula em momentos mais agitados, é também onde os passantes seguem
com um ritmo mais lento, os turistas percorrendo hesitantes, pulando de barraca aqui e acolá.
78
Tilley (2014) aponta – por meio da teoria gestáltica – a abrangência e ligação de vários
planos sensórios, permitindo analisar contiguidade dos corpos envolvidos. Desconstruindo a
percepção usual dos planos visuais, olfativos, táteis e outros como sobrepostos ou apartados
entre si e, a partir para a noção de “tema” e “horizonte” e como esses se reafirmam as existências
concomitantemente, fica elucidado o caráter sinestésico da discussão sensorial compreendendo
o enaltecimento de determinado “tema” sem desarticulá-lo com o “horizonte”, o qual não só
não é menosprezado como também é essencial para a afirmação desse próprio “tema”. Situação
de grande maleabilidade, ocorrendo a transposição “tema-horizonte”, “horizonte-tema” de
acordo com a perspectiva envolvida (Tilley 2014). Assim, a experiência sensorial assenta-se
também nas transposições que se faz de um domínio sensorial a outro – sem desmembrá-los e
hierarquizá-los segundo um pensamento analítico, mas pensando um todo com diferentes
planos que se interagem em continuidade (Figuras 22 e 23), findando com a noção de “corpo
79
sujeito” independente ou de um si individual, pois apesar das distinções, não ocorre uma
separação, mesmo envolvendo elementos não sencientes na equação.
Figura 22 O jogo “tema-horizonte”: aspecto abóboda, céu como fundo, sons, velocidades, cores e cheiros. Fonte: Laura
Vieira, 2018
predomina. Aqueles outros setores que fogem dessa segunda possibilidade, também se referem
a produtos não alimentícios, assim como no Setor das Ervas. Estão entre eles o de artesanato,
de produtos industrializados, de tabaco, os quais mesmo não possuindo o arqueamento
representativo da área de ervas, ainda partilham de aspectos de ordenação e estrutura.
Figura 23 Pela abertura se vê o Solar da Beira como “horizonte”. Fonte: Laura Vieira, 2018
avivamento dado pelos planos ondulados dos recortes do tecido no babado das saias vestidas,
da dobra das toalhas, dos panos.
Por tal razão, raras vezes percebi a frontal esquerda de outra forma, não que não tenha
ocorrido, principalmente quando comecei a alterar minhas rotas e me “esquecer” da feira em
sua função como “feira”, mas passei a também a vivê-la como local de passagem – o que
invariavelmente estava associado a rotas difusas e diversas.
Contudo, sendo a margem oposta à frontal direita, tem também opostas suas evocações
em consideração àquela. Não estando espacialmente arranjada de maneira a ser, em geral, o
primeiro contato com o público já em percurso interno do Complexo, igualmente não é o
segundo, uma vez que o corredor central ocupa essa posição – ou mesmo o primeiro lugar de
contato, por pensar-se como medular. A frente da direita aparenta ser a menos expressiva na
disposição do Setor por estar menos visível e mais exígua em sua dinâmica de percurso que os
demais ambientes (figura 25). Tal configuração, se o corredor da direita era a fronteira de algo
que surgiria novo, faz da frente da esquerda uma fronteira de algo que finda, o outono do Setor.
83
Nessa frontal, outra erveira se destaca, a Dona Miraci. A segunda interlocutora mais
ativa, Miraci assemelha-se ao Seu João, demarcando autonomia perante outros grupos.
Contudo, ela também se aproxima a Loura, Dona Beth e Dona Coló, uma vez que amplamente
reconhecida por fregueses variados. Sua diferença entre essas outras erveiras refere-se as suas
características menos conflitivas e competitivas, elementos que afirma problemáticos para o
Setor e mesmo a continuidade geracional da sua linhagem no comércio de ervas.
apreensões, sejam essas marcadas pelo maior ou menor expressão, modos de interação entre as
vendedoras e vendedores, público frequentador, turista, ou ocasional; maneiras de se conceber
o Setor – como paisagem – segundo os vínculos materiais e as relações sociais que se cria,
considerando memórias e afetividades, sejam subjetivas, temporais ou sensoriais. Também
asseguram conflitos, mais intensos em determinados ambientes, com concorrência mais
explícita entre aquelas de mesma área.
Percebe-se que as erveiras possuem uma maior interação e atividade nas formulações
dos produtos e essa carga pessoalizada, da interação entre erveira e saberes, se transparece
também na estética pessoal e ornamental das barracas; enquanto isso, os erveiros investem
menos em decoração, assim como em processos criativos que associam-se com seus
conhecimentos pessoais, mas valorizam mais os discursos sobre uma aspecto higiênico e
organizado, sendo um dos poucos feirantes a ter uma produção residencial ou ações de coleta –
como em viagens – quase completa de todos os insumos por eles utilizados, alegando assim
71
Aproximados das barracas, voltam-se para os consumidores, abrindo caminho para suas passagens, ordenação
que amplia o campo de visão das erveiras e erveiros – como me ocorreu quando me sentei em um dos banquinhos,
uma vez que a Beth me colocou de molho enquanto atendia uma cliente; surpresa com o deslocamento inesperado,
me admirei com o resultado da mudança de perspectiva: uma transfiguração abrupta do setor e de como enxergar
aqueles que ali transitavam. Tal situação reforça a noção da potência das perspectivas e dos movimentos na
apreensão dos sensíveis; conhecer uma visão mais ampla do Setor, a partir de uma aproximação com os elementos
permite compreender as organizações e sistemas sociais, formas de trabalho e maneiras (Zarankin et al 2011). De
repente, aquela abóboda hospitaleira que sempre me foi o corredor central se transformou um horizontal campo.
87
uma melhor qualidade por estarem a par de praticamente toda a origem das matérias-primas
(figuras 29 e 30). A organização segundo os moldes das(os) erveiras(os), seja por motivo de
funcionalidade, beleza ou qualidade, é percebido como basiliar para a fortuna do comércio,
como coloca Miraci: “Se organizado, Deus abençoa”72.
Figura 29 Barraca do Seu João Alexandre, que trabalha há 32 anos no setor. Fonte: Laura Vieira, 2018.
72
Entrevista aberta gravada em Jun./2018.
88
A decoração conflui tanto aspectos estéticos como funcionais para o trabalho na seção.
As formas de exposição dos produtos priorizam o olhar do consumidor, mas também a
facilidade de acesso, áreas de sombra ou mais arejadas para os insumos in natura como vasos
e ramas de ervas (figura 31). De maneira particular e reativa à cada erveira(o), deixar os artigos
vistosos, cheirosos, verdes, coloridos, separados por tipos é uma forma de otimizar do espaço
das barracas, mas também encantar os consumidores, que podem entrar em contato com os
artigos e seus estímulos sensórios.
89
Enfeitar as barracas é uma das centrais ações para o atendimento do público, seja com
fotos tiradas em conjunto com pessoas famosas ou em eventos os quais participou, símbolos
religiosos, estatuetas, toalhas, fitilhos... Os arranjos mudam constantemente, conforme seu
estoque de produtos se renova e demanda de outras formas de organização, como o uso de um
possível cesto ou caixinha (figura 32). Renovar e inovar na apresentação torna-se uma forma
90
Assim como toda a Feira, o Setor também segue um ritmo paralelo externo no que se
referem alguns modos de organização e decoração. Percebe-se, em conjunto com sazonalidades,
marcos relevantes socialmente, como datas festivas e períodos comemorativos ou pontuais,
como a Copa do Mundo de Futebol de 2018, evento que promoveu o embelezamento de Belém
por parte da população com bandeiras e pinturas representando o Brasil e a seleção brasileira73.
Com o advento do tal campeonato esportivo, o Setor das Ervas, além da área de bares do Setor
de Alimentação74, enfeitou suas estruturas coletivas, decorando particularmente também
algumas de suas barracas, principalmente aquelas mais visadas ao público turístico (figura 24).
Aos poucos, os itens decorativos particulares, como a toalha presente na mesa externa
da Dona Coló, foram sendo retirados ou substituídos por outros itens de outras sazonalidades,
73
Mas também os e os Círios de Nazaré de 2018 e 2019.
74
A qual por si só também possuiu complexibilidades referente à sua especificidade no Ver-o-Peso, por sua
característica recreativa.
91
como os tradicionais cartazes anuais do Círio de Nazaré – ainda que as bandeirinhas e fitilhos
de motivos brasileiros pendurados nas tendas se mantiveram mesmo após o fim da Copa (figura
33):
“É pra fazer o gosto, na Copa enfeita uma coisinha aqui e ali, bota a
fita, enfeita um pouco... Fica bonito também pra foto, né?” Dona Coló.
– Jun/2018
“Não, não tira (fitilhos), deixa... Fica mais bonito, da mais alegria paro
lugar” E. – Jun/2018
Figura 33 Cartaz do Círio de Nazaré de 2018 na frontal direita. Fonte: Laura Vieira, 2018.
pulsar da feira, que tão familiar e “doméstica” age de formar a marcar os ritmos e ciclos íntimos
dos feirantes e frequentadores constantes.
O Setor influi uma carga subjetiva própria, mas intensamente vincula a uma poética
amazônica, construto tanto orgânico como de desenvolvimento parcialmente artificial e de
relativismo externo, pois suas qualidades identificatórias dependem, em alguns níveis, de um
contraste com algo outro que não si mesmo. O Setor em sua imagética se assenta na consciência
de sua singularidade, que, com perceberemos, é reforçada a partir da oposição com outros
panoramas. Dessa maneira, atenta-se quanto aos direcionamentos que tem as repercussões
identitárias dessa configuração e seus efeitos mercantis e culturais.
Ter em mente o Setor das Ervas como uma paisagem contextualizada pelas interações
sociais é basiliar para uma análise sensorial apoiada na teoria gestáltica de “tema-horizonte”
(Tilley 2014), da qual as absorções advindas da espacialidade, elementos e atributos da seção
são formadas pela justaposição de ambientes e estruturas presentes na relação com o Ver-o-
Peso. Isso ocorre devido o encadeamento de relações sociais próprias do espaço de feira, na
qual a pluralidade de atos sociais abrange o tempo, espaço e matéria. Essas formações sociais,
como entendidas por Simmel (2006) são cambiantes estando continuamente construídas a partir
das relações confrontadas por elementos e suas diversas qualidades. Assim sendo, a
contiguidade de tais elementos, e aqui principalmente, de corpos, permite percepções
moldáveis, múltiplas e variáveis, vinculadas aos contextos singulares e únicos, temporalmente
e espacialmente delimitados. Por essa razão que o espaço do Setor das Ervas depende, também,
de análises relativa a toda a Feira, seus aspectos e questões.
Com todas essas considerações, é correto inferir que caminhar por todo o Ver-o-Peso
em si sucinta receber um amplo leque de sensações, confluindo não só “os cinco sentidos
aristotélicos”, mas as sensorialidades internas corporais e emocionais (Pellini 2012). Seja qual
for a intencionalidade e proximidade do transeunte, este, ao percorrer o complexo, defronta-se
com múltiplos estímulos inter-relacionados. Barracas, corredores, acenos e cumprimentos,
94
Sendo uma interseção entre realidades ribeirinhas e citadinas desde o princípio, foi
visto a importância do Ver-o-Peso em se configurar um local multifocal, importante tanto para
a cidade de Belém como para as áreas insulares desse e outras regiões interioranas. As
transposições de contextos são comuns e marcam a rotina do ambiente. Assim como o Setor
das Ervas, o Complexo sublinha sua dimensão cultural e é referência para outras feiras e cidades
paraenses (Carvalho, Rossy e Bastos 2014).
75
Milton Santos percebe ao urbano as qualidades gerais e abstratas materializadas no “concreto” da cidade
(1994:70).
76
O “estudo no ambiente urbano” é baseado por Velho (2013) em abordagens interacionistas e integrativas, que
consideram em conjunto três níveis configurativos da realidade: biológico, psicológico e social.
98
77
Os primeiros projetos se circunscreveram na revitalização por meio do reuso do São José Liberto, o Complexo
Feliz Lusitânia e a Estação das Docas. Eles desconsideraram e desarticularam, respectivamente, moradores do
entorno; práticas econômicas populares prévias e o uso do terminal de transporte fluvial, antes de utilização por
parte dos ribeirinhos e agora para uso recreativo e de turismo. O Mangal das Garças construção pensada para
traduzir caraterísticas da flora, fauna e arquitetura da cidade também teve, em conjunto com o Portal da Amazônia,
sua construção com relevância apartada dos moradores da região.
99
poder entre diferentes sistemas – nos termos de Gluckman (1987) –, expressam-se em relações
desiguais sobre os espaços, lugares.
Desde os anos 1950 os centros das cidades brasileiras começam a decair em sua
relevância simbólica e contextual. A partir da década de 1990, processos visando à renovação
urbana dessas áreas começam a entrar em pauta por meio de parcerias entre o poder público e
iniciativas privadas; esse andamento, principalmente em cidades com potencial turístico, segue
a linha higienista e mesmo gentrificadora (Jayme e Trevisan 2012).
78
"Imagens mentais comuns a vastos contingentes de habitantes de uma cidade: áreas consensuais que se pode
esperar surjam da interação de uma única realidade física, de uma cultura comum e de uma natureza fisiológica
básica" (Lynch 1997:8)
79
O Comércio compreende a região do bairro da Campina, contíguo ao Ver-o-Peso. Reúne um grande número de
lojas e comércios populares que atendem a população belenense. Ao mesmo tempo, configura-se um lugar
proscrito e inseguro, principalmente para as classes médias e altas.
80
Ideia que se mostra romântica, uma vez que, apontados as inúmeras pretensões e insatisfações do governo
leminista com a região, a convivência entre elementos “desenvolvidos” e “incivilizados” era coeva.
100
Surgem então projetos urbanísticos sobre a área, onde as ações, postas como
revitalizações, aludem aos seus objetos – ruas, edificações, comércio, lugares públicos... – a
transformação de algo que possuiria um caráter inoperante, extenuado, esmaecido ou paralisado
em elemento ativo, presente, funcional e integral. Elementos que contribuam para os aspectos
de desordem, sujeira e periculosidade – os quais seriam características dessas áreas –, deveriam
ser manejados a fim da organização social, fenômeno que seria considerado positivo (Douglas
1976). Essa polaridade, entre “ordem” e “desordem” segundo as perspectivas governamentais
públicas, demonstra o elemento hierárquico social presente a partir de antagonismos do que
seria bom, correto e direito ou não (Hertz 2016).
81
A locução “cidade morena” é presente na elaboração política e social de Belém, suscitando diferentes canais de
expressão (como veremos a seguir, no caso das “cheirosas”). O uso, talvez, possa exprimir um processo de
dessemelhança, onde a branquitude depende da outroridade para se marcar existente (Kilomba 2019). Mais além,
é visto como a moreneidade também é maneja como potencial atrativo, tratado adiante.
82
Estimativa segundo pesquisa do DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos em reportagem ao jornal OLiberal. Disponível em: <<
https://www.oliberal.com/belem/complexo-do-ver-o-peso-movimenta-r-1-milh%C3%A3o-por-dia-1.98984>>.
Acesso em: Jan/2020.
101
Para o Ver-o-Peso, são usadas narrativas românticas sobre o passado enriquecido pelo
látex, onde a tradição – operante e significativa em contexto cotidiano, prático – também toma
sentidos discursivos, fazendo-se crer similar a tradicionalidade orgânica, quando essa depende
das inter-relações oriundas entre o lugar e os sujeitos, as quais são artificiais (e artificializadas)
pelas propostas coercitivas, desarticulando e designificando a qualidade sociocultural e
histórica da área.
102
O projeto vigente para requalificação da área, assim como seus anteriores – em suas
respectivas contextualizações e características – é muito similar as basilares propostas lemistas
sobre determinadas necessidades que deveriam ser atendidas. Sua configuração está pautada
em três pilares: salubridade, segurança e ordem, sendo que a última, ainda posta como
ferramenta, capacitaria a vigência das demais. Por meio de um ambiente de estrutura
padronizada, com uma ordenação controlada dos dispositivos de venda (barracas, vitrines,
ferramentas, bancos, feirantes...), a salubridade e a segurança aumentariam, primeiro pela
limpeza e segundo pelo controle de periculosidade.
Como coloca Franz Fanon na crítica ao colonialismo, o que se tem de como cidade
desenvolvida é ser limpa, organizada; diferente de uma cidade subdesenvolvida, típicas de
realidades colonizadas: “onde os homens estão uns sobre os outros, as casas umas sobre as
outras (...) faminta de pão, de carne, de sapatos, de carvão, de luz (...) é uma cidade acocorada,
uma cidade ajoelhada, uma cidade acuada” (1961:9). Diferente do que se teria por configuração
hoje de Belém.
Figura 34 Vista da Boulevard Castilhos de França, antes da reforma promovida por Edmiso Rodrigues, bem vista pela maior
parte da população da cidade. Fonte: <<https://www.edmilsonpsol.com.br/2002-edmilson-inaugura-o-novo-ver-o-peso/>>
Figura 35 Após a reforma durante o governo de Edmilson Rodrigues. Autor: Igor Mota.
105
Desde o ano de 2016, intenta-se uma nova intervenção pelo governo do desde então
prefeito Zenaldo Coutinho (figura 36). Essa, barrada de início pelo Iphan e Ministério Público
do Pará – tanto por problemas referentes a proposta da DPJ Arquitetura e Engenharia Ltda,
responsável pela obra, quanto pela falta de diálogo com os permissionários por parte da
prefeitura –, estagnou em 2016 sendo levada para análise até a sede do Iphan em Brasília, a
qual aprovou o projeto básico para execução no final de fevereiro do ano de 2019. Contudo, o
Ministério Público do estado cobrou a maior participação popular (2019), destacando a falta do
poder públicos em apresentar o projeto aos feirantes e as reclamações desses sobre ações
retaliativas da prefeitura83.
Figura 36 Imagem projetada segundo a Proposta vigente do, então, atual governo, Zenaldo Coutinho. Fonte: Belém (2019)
83
Em nota: (...) Desde 2016, o Ministério Público Federal (MPF) acompanha com preocupação um projeto de
reforma, apresentado pela prefeitura de Belém sem consulta aos feirantes, aos moradores da cidade ou aos órgãos
que cuidam do patrimônio cultural brasileiro (...) Eles também denunciam que, apesar de já ter sido feita audiência
e consulta pública em 2016, com várias recomendações do MPF e do Iphan nesse sentido, o projeto de reforma
continua sendo conduzido sem nenhuma participação dos maiores interessados, os trabalhadores do complexo (...)
Em documento enviado ao MPF em dezembro de 2018, várias associações de trabalhadores do Ver-o-Peso
denunciaram a prefeitura de Belém e a Secretaria de Economia do município por negar as salas do Mercado de
Carne para utilização pelos feirantes (...) No documento, as diversas associações que representam os feirantes
afirmaram que as recusas da prefeitura e o abandono dos espaços do Ver-O-Peso tinham o caráter de retaliação
contra o movimento deles de reivindicar participação no projeto de reforma (Ministério Público Federal 2019).
106
Tais eixos gerariam melhorias para o ambiente, promovendo uma organização “lógica
e sequencial” (Belém 2019:38) da feira, análoga a modelos hegemônicos de ordenação espacial
e arquitetônica. De maneira precavida, afirmam a conservação da singularidade local,
assegurando sobre o patrimônio cultural e imaterial do espaço uma valorização das “práticas,
expressões culturais e relações sociais entre indivíduos” (Belém 2019:54) justificando a
frugalidade da reforma, visto que a partir de apontamentos utilizados do geógrafo Milton Santos
em Por uma geografia nova, o espaço social não fica estagnado, mas configura-se dinâmico.
A gestão atual do psdbista Zenaldo Coutinho, (de dois mandatos seguidos: 2013 até
2020) justifica nesse documento que a intervenção iniciada em 1999, do então petista Edmilson
Rodrigues, já “introduziu um elemento contemporâneo e moderno no Conjunto Histórico do
Ver-o-Peso (...) Importante citar que o Memorial deste projeto não analisa ou se refere ao
impacto que seria causado por esta inserção.” (Belém 2019:50), demonstrando, por meio de
precedentes, como o antagônico governo anterior também alterou o espaço; e que foi de maneira
pouco dialógica sem atentar-se as influências que causaria. A carga política na reforma é
evidente, como afirmou de maneira reversa o próprio Zenaldo Coutinho em audiência pública:
“Um patrimônio da importância do Ver-O-Peso, nós compreendemos que enseje a preocupação
de muitas pessoas, tanto por interesses legítimos como também por interesses esdrúxulos,
partidários, ideológicos e políticos” (Ministério Público Federal:2019b)
84
Disponível em <<https://drive.google.com/drive/u/0/folders/0B2WSm9iee25FRXdVNldIQmFrZnc>>. Acesso
em: Jun/19
107
Com uma distensão temporal, a análise desses casos de relações conflituosas, seja entre
governos ou com os permissionários, permite compreende em análise situacional (Gluckman
1987) a reforma da Feira do Ver-o-Peso engendrada em um projeto de modernização,
urbanização, gentrificação e ensejos políticos que, ainda que beneficie em determinados níveis
os feirantes, pouco pertencem a esse conjunto; não sendo inesperada a conduta de
estranhamento e distância da população.
85
Pontuando os antagonismos políticos e a anterior desconsideração de interesses socioculturais na última reforma,
o governo atual apoia-se, contraditoriamente, nesse mesmo caso prévio de revitalização para legitimar o seu
projeto, demonstrando a permeabilidade de seu posicionamento com o sistema pregresso (Gluckman 1987) perante
a necessidade de consolidar sua soberania política. Representa, ao mesmo tempo, persona dupla, mas mais
soberana – essa aponta os erros de sucessores, legitimando sua excelência, mas também se apoia em tais, ainda
que afirme os aprimorar e revitalizar.
108
O comércio presente no Setor das Ervas apresenta tais questões. Sendo uma das seções
mais destacadas e tradicionais na reputação do Ver-o-Peso, seus modos e relações clássicas de
comercialização dialogam em níveis consideráveis com as transformações temporais. Os
artigos produzidos a partir de saberes tradicionais transmitidos geracionalmente e de cunho
ancestral, em consonância com a cultura da floresta e natureza regional, dinamizam-se no
ambiente urbano moderno. As(os) erveiras(os) advogam por melhorias no ambiente de trabalho,
principalmente aquelas referentes a segurança, tanto trabalhista como adequação do sistema
elétrico e expulsão/prevenção do acúmulo de águas pluviais e fluviais comuns do inverno
amazônico, como proteção física e pessoal. Apontamentos sobre a renovação de estruturas,
abertura de espaços, reelaboração do sistema de saneamento e coleta de lixo, rede elétrica,
sanitários, limpeza e outros mais percorrem a feira, referindo-se primeiramente ao desejo de
melhorias da condição de trabalho para além do crescimento econômico. Já no projeto, o Setor
das Ervas, marcado oficialmente como “Raízes”/”Roots” (figura 37) nem mesmo aparece
(figura 38), sendo remanejado de local e a área “Ervas” transferida para uma localidade próxima
ao Setor de Artesanato (que se mantém na mesma região), denotando o paralelismo com o
consumo turístico, souvenir, ao invés da localidade atual entre o Setor de Hortifrúti, pimentas
e Mercado de Ferro.
Figura 37 Placa bilíngue indicando o Setor das Ervas. Autoria: Laura Vieira, 2019
109
manifestado fortes aspectos sociais, culturais e históricos da cidade, das sociabilidades e das
redes de ligação e relação com a floresta amazônica:
Belém insere-se em uma proposta de “se juntar aos demais centros históricos, como
Ouro Preto, Olinda, Salvador, São Luís e Diamantina que já são Patrimônios da Humanidade”
(Campelo 2010:63). Como visto, as reformas na região histórica intentam o aumento do fluxo
turístico e de entretenimento, onde um novo público consumidor apareça. Transformar as
localidades em ambientes agradáveis, seguros e “autênticos” torna-se uma forma de atração de
visitantes os quais desejam experienciar formas culturais nativas. A gentrificação é um fruto
sociogeográfico dos processos de revitalização, envolvendo problemas políticos e econômicos.
O turismo, dentre esses, reforça as problemáticas socioculturais comuns a realidades
gentrificadas, uma vez que identidade e cultura ficam dependentes do mercado. Em uma
política pública, torna-se ferramenta para o consumo e divulgação dos discursos e imagéticas
selecionados pelas instituições.
Ainda que priorizados para aumento de fluxo nos projetos, os turistas são uma
constante do Ver-o-Peso, principalmente de alguns setores específicos, como o das Ervas e o
de Artesanato. As(os) erveiras(os) sempre consideraram sua variante e, comerciantes que são,
adaptam e criam estratégias para a venda de seus produtos. São relações alinhadas com o tempo
e os estímulos desse, pois devido ao contexto econômico e mercantil das cidades, novas
111
maneiras de relação dinâmica com os bens culturais são notadas, com “apropriação,
reinterpretação, reabilitação e mesmo reinvenção de tradições” (Arantes 2006:431). A
circunstância não é necessariamente uma problemática para a difusão dos saberes tradicionais,
visto que esses não são estáticos e possuem a característica de se adaptar ao contexto, já que se
tratam de noções e práticas apreendidas.
provoca e fomenta a singularidade da experiência e essa acaba sendo transplantada para outras
configurações de lazer e consumo mercantil (figuras 39, 40 e 41).
Figura 39 Estante de uma loja de souvenir no Aeroporto Val de Cans, Belém/PA. Autoria: Laura Vieira 2019
113
Figura 40 Caixa de um restaurante em área insular de Belém, Ilha do Combu. Essa, com forte atração turística. Autoria:
Laura Vieira, 2018
Figura 41 Exposição "Feiras" no Museu Municipal Atílio Rocco, em São José dos Pinhais/Paraná. Representação do
Complexo em barraca estilizada, ao estilo das origi Fonte: Luciano Chinda, 2019.
114
O turismo surge como categoria distinta nos processos de difusão e transmissão dos
saberes tradicionais de cura em meio urbano por estar voltado as formatações mercadológicas
próprias da realidade globalizada. Entender a absorção e valorização dos saberes como
construtos de outroridade, objetificados e pitorescos influem na valoração das formas regionais
e não ocidentais de vivência e cosmologia, afastando do conceito de urbanidade – por meio da
exotização – modos ímpares de vida e apreensão existencial.
Os produtos se fazem especiais tanto para moradores como para turistas por trazerem
noções como a potência e riqueza natural; os insumos mais naturais e menos químicos, a
experiência do modo de vida profundo ou antigo; as práticas geracionais próprias da identidade
local e soberania nortista. Dentro de cada embalagem, está um pouco da sociobiodiversidade
paraense, com suas experiências, percursos, composições e formatos culturais. Esse panorama
ganha tons atrativos perante uma modernidade globalizada onde a relação entre mercadoria e
consumidores está pautada em associações internacionais (Appadurai 1996), primeiro para os
moradores locais, cuja a presença e costume está em marcada em afetividades e identificação,
segundo para moradores visitantes e turistas, que podem entrar em contato com essas
formações, ainda que em uma lógica de vitrine.
115
Assim, essas ações torcem a imagética da cidade de maneira a atribuir novos sentidos
ao passado, presente e futuro, relacionando-se com uma qualidade comercial da cultural (Jayme
e Trevisan 2012) iniciando uma série de manejos e relações entre sistemas à medida que as(os)
116
erveiras(os) correlacionadas(os) interagem ou não com essas novas ações, que se mostram
despreocupadas quanto às sociabilidades, realidades, significações e atividades86. Em nome da
legitimação de uma identidade compreendida como “imagem-marca” de Belém (Leão et al.
2017), a cultura – aqui, por meio dos saberes – é utilizada como chamariz, agindo sobre
elementos próprios da realidade do Setor das Ervas: as práticas, a transmissão geracional, o
conhecimento natural, as sociabilidades entre feirantes, a diversidade de produtos e demais
aspectos socioculturais e subjetivos.
86
Assim como demais feirantes ou moradores, segundo seus contextos.
117
87
Grada Kilomba pontua como “as novas formas de racismo raramente fazem referência à ‘inferioridade racial’.
Em vez disso, falam de ‘diferença cultural’ (...) o racismo, portanto, mudou seu vocabulário. Nos movemos do
conceito de ‘biologia’ para o conceito de ‘cultura’, e da ideia de ‘hierarquia’ para a ideia de ‘diferença’.”
(2019:112)
118
Figura 42 Capa do Jornal Diário do Pará, edição 27/03/2019. Destaque para as narrativas de grandeza versus decadência; o
recorte turístico e sensorial, além da "morena paraense". Fonte: Diário do Pará.
O ethos moreno adquire nas propagandas uma qualidade “do diferente”, “do atrativo”,
assim como os fenômenos únicos da natureza e cultura local. Contudo, ao ser singular, sua
qualidade de diferença está “inseparável a valores hierárquicos”:
88
Projeção que ocorre a partir com supressão da polaridade psicológica de “sexualidade e agressão” na sociedade
branca (Kilomba 2019).
89
Como a pontuação de Kilomba:”’primitivo’, como aquele que está mais perto da natureza, que possui o que
as/os brancas/os perderam e o que, portanto, as/os excita.” (2019, p. 118)
120
3.3 A agência dos sujeitos: As(os) erveiras(os) como agentes mercantis e de domínio
sobre a vigência dos saberes medicinais tradicionais.
público consumidor até as variantes das(os) erveiras(os) em suas práticas, o Setor das Ervas
partilha e difere em elementos, significados e processos. Há uma relação plástica entre sistemas
e subsistemas, ou seja, entre as configurações e conjuntos formados; o local do sujeito-
indivíduo também cresce em interação com as demais estruturas (Velho 2013; Gluckman 1987).
As(os) erveiras(os) possuem uma posição destacada para a dinâmica social da seção, seja
comercial, discursiva e social, concorrendo com as formas hegemonias de leitura sobre os
produtos, o Setor, a cultura das ervas... A agência – legitimada na memória, afetividade e
pertencimento dos sujeitos – se torna angular para a o compartilhamento dos saberes, uma vez
que o contato pessoalizado e suas estratégias comerciais influem sobre os significados de
maneira muito mais concreta e própria, detalhando a vitalidade, vigência e atuação dos saberes
no cotidiano. Tal configuração permite a construção de projetos – condutas organizadas para
atingir finalidades específicas – aproximados aos sujeitos diretos, visto que surgem a partir
desses (Velho 2013:65).
Setor das Ervas está entre os setores mais atualizados e dinâmicos do Ver-o-Peso, com
forma de captação e adesão de consumidores mais complexa que o resto do varejo – esse mais
despessoalizado e homogêneo – intensificado pela sua elasticidade e permeabilidade de
formatações e associações sociais: entre erveiras(os) feirantes, com fregueses, com o poder
público, com a mídia. Estar adaptado aos fluxos e ondulações que surgem na rotina, sejam de
influência momentânea ou continuada, permite o estabelecimento das(os) feirantes em seu
meio, ainda que não necessariamente seja uma situação confortável, haja vista os embates
pessoais, a coerção institucional e a multiplicidade de fregueses.
dos benefícios surgiram, visto que as disposições do contrato não tiveram contato direto de
todas(os) erveiras(os), fato que agravou conflitos internos e percepções diferentes sobre o
significado da venda dos produtos, para alguns, transformados de forma exploratória em
mercadoria, onde o conjunto das(os) feirantes acabou sendo ludibriado pela hierarquia
econômica da empresa e daquelas pessoas que teriam se “aparelhado” a elas. Outros, afirmam
a dificuldade da aplicação da resolução, uma vez que não houve acessória para aplicabilidade
das disposições jurídicas.
Figura 43 Logo da Associação Ver-as-Ervas feito de modo cooperativo. Fonte: Silva e Martins, 2009.
90
A associação Ver-as-Ervas não é um exemplo de união e interelação sem conflito e homogênea. Como em A
Análise de uma Situação Social da Zuzulândia Moderna (Gluckman 1987), as “situações sociais” que levam a
relação transpassam as diferenças, segundo os interesses em comum, porém se mantém enfatizadas. Então percebe-
se situações de antagonismo entre determinadas erveiras e erveiros, mesmo quando unidos em prol de certa
situação. Assim como também são notadas aproximações e vínculos mais destacados, seja em afetividade como
quando em socialidade. Como na Zuzulândia, se mantêm hierarquias, estruturas e divisões, a exemplo a frontal
direita, onde a figura da Loura torna-se referencial para alguns e não para outros; o mesmo acontecendo com as
outras divisões do Setor e suas erveiras respectivas.
124
lógica hegemônica de mercado possível sobre esses. Dentro de um ambiente mutável, onde as
pressões exógenas podem se moldar de formas diversas, a sociação das(os) erveiras(os) por
meio da Ver-as-Ervas é uma ferramenta que possibilita estratégias de prevenção e ação, ainda
que haja conflitos internos nessa união. A sociação, conforme Simmel (2006) trabalha a união
de sujeitos para além da sociabilidade, mas uma agremiação sistemática de cooperação que visa
fins comuns, confluindo pessoas múltiplas e diversas, com perspectivas e interesses idem, para
uma mesma tomada de atitude e postura, motivada por ambições iguais. Um estado de
correlação que emerge anseios por determinadas finalidades, paralelas ou antagônicas,
iniciando o convívio e ação em referência “ao outro, com o outro e contra o outro” (Simmel
2006:60).
Essa situação pode ser perspectivada como resultado segundo necessidades, interesses
e vontades determinadas, no qual o processo de sociação criou uma valorização desse
agrupamento, justamente pelos resultados gerados a partir de tal (Simmel 2006). Assim, houve
um fortalecimento, não só social, mas político do coletivo no Setor. É um canal de operação
que sustenta o reforço de suas expressões, agindo quanto seus direitos e reivindicações.
Figura 44 Enchente em época de maré alta no inverno amazônico; afetando dia-a-dia e comércio. Autoria: Amanda Seadra,
2020.
126
Ter o domínio do território da feira como agentes diretos é assegurar com mais firmeza
a produção de elementos que constroem “sensos de lugar” (Shamai e Ilatov, 2005) vinculados
aos anseios das(os) erveiras(os), reafirmando o espaço como um construto que transfere
impressões baseadas em seus fenômenos endógenos, afetivos e cotidianos. Assim, os saberes e
práticas medicinais são, com mais segurança, difundidos de forma parelha àquelas que fazem e
comercializam os produtos.
Seus status social validam suas agências cotidianas, fazendo com que essas expandam-
se em nível de projeto (Velho 2013). Suas ações agenciais práticas envolvem dois campos: o
manejo do espaço e a divulgação de suas personas; ambos estratégicos para a angariação dos
consumidores variados. Ainda que com a possibilidade de suas territorialidades transpassadas
pela proposta de reforma pública, fortalecem-se no manejo material da estrutura do Setor das
Ervas, readequando espaços, decorando barracas, aumentando espaços de exibição dos
produtos, delimitando áreas de passagem, reaproveitando elementos físicos para a produção de
artigos, criando possibilidades de descanso, alimentação e cuidado com as crianças que por
ventura acompanham suas mães no trabalho. Como coloca Leite (2004) os espaços urbanos
podem sofrer “contra-usos” onde seus coletivos sociais associados insurgem contra as
iniciativas reguladoras e padronizadoras, quando, por exemplo, diferem na demarcação e
ordenação simbólica e socioespacial esperada. É um momento onde a territorialidade e seus
aspectos de pertencimento e direito influem nas práticas urbanas e sociabilidades, impelindo ou
moldando as ações gentrificadoras.
para a relação com os produtos, porém sem a desqualificação e superficialização dos saberes.
Estar coerente com novas demandas e situações é um valor para as(os) erveiras(os), que
reiteram seus lugares na realidade citadina dinâmica e mutável, representantes de
conhecimentos que não estão estagnados, mas fazem sentido e possuem potência em seu
contexto social coevo. O importante, entretanto, é garantir seus lugares de transmissão de
maneira desmistificada, com retornos e benefícios reais a sua atuação profissional.
91
As erveiras e erveiros foram direcionadas a terem especial cuidado com a rotulagem, as informações sobre
modos de uso e componentes, além de dados sobre a barraca determinada e meios de contato digital. Essas
orientações foram feitas por meio de workshops municipais que também estiveram voltados ao fabrico, manejo
dos insumos e meios atuais de pagamento, como cartões de crédito/débito.
130
e colabore com a abordagem comercial, além de utilizar de estéticas e modos, com o apoio das
suas representações sociais permite às(aos) feirantes um panorama de atuação propício que dê
relevância particular ao seu comércio, além de refletir no destaque do Setor perante outros
pontos turísticos, mantendo a configuração dessas e desses como agentes ativos em seus
processos, escolhas e sensos.
92
A exemplo a representação daquela(e) que pode falar com mais propriedade, responder demandas externas e
representar o Setor das Ervas de forma mais oficial, para além da Associação, como por exemplo é colocada Beth
Cherosinha.
131
Figura 45 Erveiras irmãs: “Tira uma foto nossa!”. Fonte: Laura Vieira, 2018
132
CONCLUSÕES
É dessa forma que os saberes tradicionais se renovam a partir das novas configurações
externas, sejam elas de fins higienizadores, gentrificadores, econômicos, de representatividade
local ou valorização identitária. Seus agentes, sujeitos diretos e instituições, diferem-se na
utilização de suas cargas potenciais, ainda que confluam para a noção desses como fontes
singulares de valor afetivo e identitário, operadas por meio da tradicionalidade, memória e
costume. A prática medicinal e espiritual de cura e benfeitoria por meio de insumos naturais e
saberes locais, mais do que sua ação de cura, tem hoje, em ambiente urbano, importância como
bem cultural, amarrando assim significações que se inserem em discursos de patrimônio,
propriedade e nacionalismo. São formas abstratas de catalogação identitária que nem sempre
estão contextualizadas com os sentimentos e significações daqueles que diretamente se
relacionam, produzem, experienciam e interagem com os saberes e sua carga cultural.
93
Assemelhando-se as outras relações vigentes de mercantilização de bens tradicionais em lógica urbana:
artesanato, comidas típicas, produções culturais, ritos e celebrações...
137
turística formulada sobre um véu de exotismo. Essa conjuntura está relacionada com os
processos contemporâneos de urbanização ativos em Belém. Sobre essa diversidade de
fenômenos, deve-se considerar a relação do Setor e suas expressões como próprias, mas em
diálogo reflexivo com o macro, percebendo configurações específicas do ambiente e
envolvendo os anseios mercadológicos em seus diferentes níveis e sujeitos: ora baseados nos
processos institucionais de higienização e gentrificação discutidos, ora na ação direta e
particular das(os) feirantes do Setor.
Esse panorama intrinca-se ainda mais por estar versado a questão do exotismo e
autenticidade que o consumo “da cultura” como bem estaria baseado, perspectivando a
legitimidade dos múltiplos sujeitos beneficiados com o manejo e definição dos rumos dessa.
Belém, como metrópole que valoriza políticas de atração turística para fins desenvolvimentistas
e econômicos, constitui-se uma cidade onde a diferença entre sujeitos em conjunto com a
valorização ou marginalização sociopolítica de suas existências está definida em distinções de
classe, raça e origem (urbana ou interiorana):
Dessa forma, é possível perceber novos hábitos, relações e práticas derivadas dessa
convergência, que acabam por manejar outras formas de lidar com o espaço, com os
consumidores, com colegas da feira, com as ações políticas, econômicas e mesmo com as
culturais. É uma configuração que se difere da imposição dominante e externa, ainda que se
relacione com tal; resistindo e mantendo a valorização dos produtos, do saber e das práticas de
forma afinada com o panorama citadino, considerando as suas próprias pretensões, porém em
relação. Abordar os saberes tradicionais de cura fisiológica e espiritual em contexto citadino é
139
considerar como esses adquirem, para, somando com suas qualidades afetivas e costume,
caráteres de bens culturais, dado os atravessamentos socioculturais e dinâmicas econômicas de
Belém, relacionando com o contexto urbano de consumo, sendo esse de produtos, práticas,
noções. Deve-se considerar e colocar em pauta teorias e campos que compreendam os atores,
erveiras e erveiros, como agentes em relação com natureza e também condutores dos diálogos
entre o saber tradicional e as ações urbanas hegemônicas, considerando a maneira como os dois
“modelos de ação” divergem e convergem em planos de ação de consumo.
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