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FATIMA Nunca Mais Mario de Oliveira PDF
FATIMA Nunca Mais Mario de Oliveira PDF
nunca mais
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8. primeira memória
a introdução esclarece que este é "o seu (de lúcia) primeiro
escrito extenso". e diz-nos como o livro nasceu. "no dia 12 de
setembro de 1935 eram trasladados, do cemitério de vila nova de
ourém para o de fátima, os restos mortais de jacinta. nesta
ocasião, tiraram-se diversas fotografias ao cadáver; algumas
delas foram enviadas pelo sr. bispo (de leiria) à irmã lúcia
que, então, se encontrava em pontevedra". lúcia agradeceu a
lembrança, em carta de 17 de novembro do mesmo ano.
as recordações que as fotografias suscitaram em lúcia "induziram
o sr. bispo a mandar-lhe escrever tudo o que se recordasse (da
sua primita jacinta)". a introdução esclarece ainda que "o
escrito, começado na segunda semana de dezembro, estava
terminado no dia de natal de 1935".
o texto apresenta-se dirigido ao "ex." e rev." senhor bispo".
atentem no misticismo e servilismo da linguagem, logo a começar:
"depois de ter implorado a protecção dos santíssimos corações de
jesus e maria, nossa terna mãe, de ter pedido luz e graça aos
pés do sacrário, para não escrever nada que não seja única e
exclusivamente para glória de jesus e da santíssima virgem,
venho, apesar da minha repugnância, por não poder dizer quase
nada da jacinta sem directa ou indirectamente falar do meu
miserável ser. obedeço, no entanto, à vontade de v ex."a
reverência que, para mim, é a expressão da vontade de nosso bom
deus" (sic).
e acrescenta: "vou ver se dou começo à narração do que me lembro
da vida da jacinta. como não disponho de tempo livre, durante as
horas silenciosas de trabalho, num bocado de papel, com um lápis
escondido debaixo da costura, irei recordando e apontando o que
os santíssimos corações de jesus e maria quiserem fazer-me
recordar".
eis alguns extractos.
"um dia, jogávamos isto (às prendinhas), em casa dos meus pais,
e tocou-me a mim mandá-la a ela. meu irmão estava sentado a
escrever junto duma mesa. mandei-a, então, dar-lhe um abraço e
um beijo, mas ela respondeu: - isso não! manda-me outra coisa.
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por que não me mandas beijar aquele nosso senhor que está ali?
(era um crucifixo que havia na parede)... a nosso senhor dou
todos quantos quiseres."
"a jacinta gostava muito de ouvir o eco da voz no fundo dos
vales. por isso, um dos nossos entretenimentos era, no cimo dos
montes, sentados no penedo maior, pronunciar nomes em alta voz.
o nome que melhor ecoava era o de maria. a jacinta dizia, às
vezes, assim, a avé-maria inteira, repetindo a palavra seguinte
só quando a precedente tinha acabado de ecoar.
gostávamos também de entoar cânticos. entre os vários profanos
que infelizmente sabíamos bastantes, a jacinta preferia o "salve
nobre padroeira, virgem pura, anjos cantai comigo."
"tinham-nos recomendado que, depois da merenda, rezássemos o
terço; mas, como todo o tempo nos parecia pouco para brincar,
arranjámos uma boa maneira de acabar breve: passávamos as
contas, dizendo somente: avé maria, avé maria, avé maria! quando
chegávamos ao fim do mistério, dizíamos, com muita pausa, a
simples palavra: padre nosso!"
- jacinta! por que não queres brincar? - porque estou a pensar.
aquela senhora disse-nos para rezarmos o terço e fazermos
sacrifícios pela conversão dos pecadores (...). o francisco
discorreu em breve um bom sacrifício: - demos a nossa merenda às
ovelhas e fazemos o sacrifício de não merendar! em poucos
minutos, estava todo o nosso farnel distribuído pelo rebanho. e
assim passámos um dia de jejum, que nem o do mais austero
cartuxo! a jacinta continuava sentada na sua pedra, com ar de
pensativa e perguntou: -aquela senhora disse também que iam
muitas almas para o inferno. e o que é o inferno? - É uma cova
de bichos e uma fogueira muito grande (assim mo explicava minha
mãe) e vai para lá quem faz pecados e não se confessa e fica lá
sempre a arder. - e nunca mais de lá sai? - não. - depois de
muitos, muitos anos?! - não; o inferno nunca acaba. e o céu
também não. quem vai para o céu nunca mais de lá sai. e quem vai
para o inferno também não. (...)
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amor ao santo padre que sempre que oferecia os seus sacrifícios
a jesus, acrescentava: e pelo santo padre. no fim de rezar o
terço, rezava sempre três ave-marias pelo santo padre e algumas
vezes dizia: -quem me dera ver o santo padre! vem cá tanta gente
e o santo padre nunca cá vem."
"passavam assim os dias da jacinta, quando nosso senhor mandou a
pneumónica, que a prostrou na cama, com seu irmãozinho. nas
vésperas de adoecer, dizia: - dói-me tanto a cabeça e tenho
tanta sede! mas não quero beber, para sofrer pelos pecadores!
(...)
um dia, sua mãe levou-lhe uma xícara de leite e disse-lhe que o
tomasse. - não quero, minha mãe, respondeu, afastando com a
mãozinha a xícara (...) logo que ficámos sós, perguntei-lhe: -
como desobedeces assim a tua mãe e não ofereces este sacrifício
a nosso senhor? ao ouvir isto, deixou cair algumas lágrimas que
eu tive a felicidade de limpar e disse: - agora não me lembrei!
(...)
um dia, perguntei-lhe: - estás melhor? - já sabes que não
melhoro. e acrescentou: - tenho tantas dores no peito! mas não
digo nada; sofro pela conversão dos pecadores."
"de novo, a santíssima virgem se dignou visitar a jacinta, para
lhe anunciar novas cruzes e sacrifícios. deu-me a notícia e
dizia-me: - disse-me que vou para lisboa, para outro hospital;
que não te torno a ver, nem os meus pais; que depois de sofrer
muito, morro sozinha, mas que não tenha medo; que me vai lá ela
buscar para o céu."
9. segunda memória
a segunda memória começou a ser escrita no dia 7 de novembro de
1937 e terminou no dia 21. como é que esta aparece? segundo o
texto da introdução, "o sr. bispo, posto de acordo com a madre
provincial das doroteias, madre maria do carmo corte-real, dá
ordem à lúcia". ela escreve, então, 20 anos depois de 1917, com
a intenção de "deixar ver a história de fátima tal qual ela é".
talvez dissesse melhor se escrevesse: deixar ver a história de
fátima como a minha fantasia hoje
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[até parece que deus é um monstro que criou o inferno e só nos
livra dele se houver muitas vítimas inocentes que se imolem. É
um deus intrinsecamente perverso, que só se satisfaz com sangue
humano, de preferência, de crianças inocentes! que teologia está
subjacente às "aparições"? uma teologia cristã é que não é!]
"passados alguns dias, íamos com as nossas ovelhinhas, por um
caminho, no qual encontrei um bocado duma corda dum carro.
peguei nela e, brincando, atei-a a um braço. não tardei a notar
que a corda me magoava. disse então para os meus primos: -
olhem: isto faz doer. podíamos atá-la à cinta e oferecer a deus
este sacrifício. (...)
este instrumento fazia-nos por vezes sofrer horrivelmente. a
jacinta deixava às vezes cair algumas lágrimas com a força do
incómodo que lhe causava; e, dizendo-lhe eu, algumas vezes, para
a tirar, respondia: - não! quero oferecer este sacrifício a
nosso senhor, em reparação e pela conversão dos pecadores".
"assim se aproximou o dia 13 de setembro. em este dia, a
santíssima virgem, depois do que tenho narrado, disse-nos: deus
está contente com os vossos sacrifícios, mas não quer que
durmais com a corda; trazei-a só durante o dia".
da "aparição" de 13 de outubro, "as palavras que mais se me
gravaram no coração foi o pedido da nossa santíssima mãe do céu:
-não ofendam mais a deus nosso senhor, que já está muito
ofendido. (...)
tinha-se espalhado o boato que as autoridades haviam decidido
fazer explodir uma bomba junto de nós, no momento da aparição.
não concebi, com isso, medo algum; e falando disto a meus
primos, dissemos: - mas que bom, se nos for concedida a graça de
subir dali com nossa senhora para o céu! (...)
em meio desta perplexidade, tive a felicidade de falar com o
senhor vigário do olival. (...) sobretudo, ensinou-nos o modo de
dar gosto a nosso senhor em tudo e a maneira de lhe oferecer um
sem-número de pequenos sacrifícios: - se vos apetecer comer uma
coisa, meus filhinhos, deixai-a e, em seu lugar, comeis outra
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agora já não sou capaz de a ter à cinta. (...) esta corda tinha
três nós e estava algo manchada de sangue. conservei-a escondida
até saír definitivamente de casa de minha mãe. depois, não
sabendo o que lhe fazer, queimei-a, com a de seu irmãozinho."
o relato conta, finalmente, como foi a saída da adolescente
lúcia da casa dos pais.
"na verdade, quando vos vi, ex. e rev." senhor, receber-me com
tanta bondade (...) interessando-vos apenas pelo bem da minha
alma e prontificando-vos a tomar conta da pobre ovelhinha que o
senhor acabava de vos confiar, fiquei, mais do que nunca, crente
que v. ex." rev." tudo sabia; e não hesitei um momento em me
abandonar nas vossas mãos. as condições impostas por v ex."
rev." para o conseguir, para o meu natural, eram fáceis: guardar
perfeito segredo de tudo que v. ex. rev." me tinha dito e ser
boa. lá me fui guardando para mim o meu segredo, até ao dia em
que v. ex. rev. mandou pedir o consentimento da minha mãe. (...)
sem me despedir de ninguém, no dia seguinte, às duas da manhã,
acompanhada de minha mãe e dum pobre trabalhador que vinha para
leiria, chamado manuel correia, pus-me a caminho, levando
inviolável o meu segredo. (...)
chegámos a leiria, aí pelas nove horas da manhã. (...) o combóio
partia às duas da tarde."
[em nota, pode ler-se: "lúcia deixou aljustrel na madrugada de
16 de junho de 1921 e chegou a leiria algumas horas depois. de
lá continuou a viagem até ao colégio do porto, onde chegou na
manhã seguinte".]
10. terceira memória
a introdução informa que esta memória foi concluída em 31 de
agosto de 1941. como as anteriores, foi escrita em obediência a
uma ordem do bispo de leiria. escreveu-a em tui. a temática
principal que lhe sugerem volta a ser a jacinta. querem mais
pormenores. se calhar, já a pensar na sua canonização por roma.
e lúcia presta-se. recorre à sua memória. parece que quanto mais
distante está dos factos, mais se lembra dos pormenores. ou, se
não se lembra, inventa-os nos seus delírios. factos
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celebrar por ela lhe valerão de nada. mas que deus este e que
mensageira de deus esta!!!]. parece-me que devia ter de 18 a 20
anos. - quereis oferecer-vos a deus para suportar todos os
sofrimentos que ele quiser enviar-vos, em acto de reparação
pelos pecados com que foi é é ofendido e de súplica pela
conversão dos pecadores? - sim, queremos. - ides, pois, ter
muito que sofrer, mas a graça de deus será o vosso conforto.
(...) passados os primeiros momentos, nossa senhora acrescentou:
-rezem o terço todos os dias, para alcançarem a paz para o mundo
e o fim da guerra."
13 de junho
- vossemecê que me quer?, perguntei. - quero que venhais aqui no
dia 13 do mês que vem, que rezeis o terço todos os dias e que
aprendam a ler. depois direi o que quero.
pedi a cura dum doente. - se se converter, curar-se-á durante o
ano. - queria pedir-lhe para nos levar para o céu. - sim; a
jacinta e o francisco levo-os em breve. mas tu ficas cá mais
algum tempo. jesus quer servir-se de ti para me fazer conhecer e
amar; ele quer estabelecer no mundo a devoção a meu imaculado
coração".
13 de julho
- vossemecê que me quer?, perguntei. - quero que venham aqui no
dia 13 do mês que vem, que continuem a rezar o terço todos os
dias, em honra de nossa senhora do rosário. para obter a paz do
mundo e o fim da guerra, porque só ela lhes poderá valer. [mas
então não era a própria que estava ali a falar com lúcia?!]
- queria pedir-lhe para nos dizer quem é, para fazer um milagre
com que todos acreditem que vossemecê nos aparece. - continuem a
vir aqui todos os meses. em outubro direi quem sou, o que quero
e farei um milagre que todos hão-de ver, para acreditar. (...)
sacrificai-vos pelos pecadores e dizei muitas vezes, em especial
sempre que fizerdes algum sacrifício: Ó jesus é por vosso amor,
pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados
cometidos contra o imaculado coração de maria."
o relato prossegue com a "visão" do inferno, já divulgada
anteriormente. e acrescenta mais este pormenor: "quando rezais
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desaparecida nossa senhora, na imensa distância do firmamento,
vimos, ao lado do sol, s. josé com o menino e nossa senhora
vestida de branco, com um manto azul. s. josé com o menino,
parecia abençoar o mundo com uns gestos que fazia com a mão em
forma de cruz. pouco depois, desvanecida esta aparição, vi nosso
senhor e nossa senhora que me dava a ideia de ser nossa senhora
das dores. nosso senhor parecia abençoar o mundo da mesma forma
que s. josé. desvaneceu-se esta aparição e pareceu-me ver ainda
nossa senhora do carmo."
12. quinta memória
a introdução esclarece que esta memória "tem como origem um
pedido do rev. reitor do santuário de fátima, mons. luciano
guerra". em concreto, "pediu-se à irmã lúcia que completasse, na
medida do possível, as recordações da sua infância e da vida da
sua família, nomeadamente, a respeito do pai". o relato
"principia com uma carta endereçada ao reitor do santuário, à
maneira de prólogo, datada de 12 de fevereiro de 1989; segue-se
texto datado do dia 23 do mesmo mês e ano, e a concluir,
juntou-se mais uma carta do mesmo dia".
eis alguns extractos. poucos. porque é um relato manifestamente
canonizador da família, como se ela fosse uma nova sagrada
família, predestinada para nela nascer a "messias" da senhora de
fátima. tanta santidade e tanta bondade nem na família de
nazaré. lá, pelo menos, o filho saíu dos trilhos e acabou
crucificado às ordens dos chefes religiosos, a hierarquia de
então. ao contrário de lúcia, que não poderia ser mais
subserviente, do que foi e é, em relação à hierarquia católica.
"recebi a carta de v rev.", com data de 23 de novembro de 1988,
na qual me pede para eu precisar melhor a imagem de meu pai, por
a que dou nas memórias resultar muito deficiente, e querer pôr
na nossa casa um lugar de reflexão sobre a família. (...)
as respostas ao seu questionário ficarão para depois, mas, desde
já, advirto que a algumas - as que se referem às aparições - eu
não posso responder sem a autorização da santa sé, a não ser que
v. rev. queira pedir esta licença e a obtenha. (...)
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no outro lado de fátima iii ,
à procura de maria de nazaré
"olhei para si e lembrei-me de nossa senhora!" foi assim que o
jornal fraternizar fez parar, em pleno caminho, a senhora alda
alves correia, residente há 32 anos, no lugar da moita de cima,
freguesia de fátima. caminhava devagar carrego à cabeça, em
direcção a casa, num dos primeiros dias de abril passado. foi
como se, de repente, víssemos maria de nazaré, em carne e osso.
era à procura dela que andávamvs, à semelhança do sábio da
antiguidade, de quem se conta que, um dia, de lanterna na mão,
em pleno dia, dizia andar à procura de um homem.
propositadamente, não fomos por ela, nem na capelinha das
aparições, nem no santuário, erguido em sua honra. deixamo-nos
guiar pelo espírito. e ele levou-nos para a moita de cima.
quando nos cruzámos com esta mulher, primeiro, passámos adiante.
mas logo o espírito nos fez correr atrás, ao seu encontro. se
queríamos estar com maria, em fátima, ela estava ali à mão de
semear, carrego à cabeça, pobremente vestida, corpo de muito
trabalhar, mulher simplesmente.
uma barbaridade
assustou-se a senhora alda, com as palavras com que a saudámos.
e disse, naquele jeito dos pobres, "credo!". mas logo se tornou
acolhedora. atirou o carrego ao chão e falou sobre fátima e a
vida do seu povo, aquele que, como maria de nazaré, tem sabido
resistir à sedução da riqueza e continua a manter-se pobre, como
ela.
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fátima: privilégio ou responsabilidade?
É uma responsabilidade. mas nós, os portugueses em geral e a
igreja em especial, temos olhado para fátima como um privilégio.
e, levados por um impulso egoísta que, à partida pode inquinar
os melhores projectos e os melhores ideais, comportamo-nos,
perante fátima e perante aquela que, desde 1917, aprendemos,
mundialmente, a chamar "senhora de fátima", como crianças
mimadas. quase sempre pensamos nela, não para sermos como ela,
mas para nosso próprio proveito. e a prova é que a momtanha de
fátima tem sido simultaneamente uma montanha de pedidos de todo
o género, de cunhas, e comércio com o divino, de desenfreada
exploração do próximo, de discursos
eclesiásticos esvaziados de evangelho libertador, de orações sem
espírito, de promessas, as mais bizarras e exóticas, com muito
de degradação moral e espiritual, onde multidões e multídões,
enganadas e iludidas, acorrem a deixar muitas das suas parcas
economias, ou mesmo todas as suas parcas economias, na
expectativa de serem curadas, ou, ao menos, aliviadas de males
que está nas mãos de todos nós remediar, mediante uma
inteligente e aturada acção política libertadora e humanizadora
a desenvolver nas diversas áreas que fazem a nossa vida
individual e colectiva, nomeadamente, as áreas da saúde, da
educação, da habitação, do trabalho, do ambiente e, sobretudo,
da economia.
e assim, depois de 75 anos de existência de fátima, não se pode
dizer que todos tenhamos crescido mais em humanidade, que
estamos todos, hoje, mais libertos e responsáveis, que somos
mais criadores de fraternidade, que já não sabemos outra coisa
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que ser solidários, numa terra feita por nós cada vez mais à
imagem e semelhança de maria, que um dia nos "apareceu", na sua
qualidade de mãe e de discípula plenamente conseguida de jesus
de nazaré, e também na sua qualidade de única criatura em quem,
até hoje, o deus da vida e da fraternidade melhor se reviu como
pai-mãe que é, ou seja, gerador e criador de seres que, livre e
festivamente, se descobrem, uns perante os outros e uns com os
outros, como irmãos, companheiros de jornada, amigos de peito.
fátima, infelizmente, tem sido para os portugueses e para o
mundo em geral, e para a igreja católica, em particular, mais
pedra de tropeço do que graça. temos tropeçado nela e feito
muitos outros, do país e do estrangeiro, tropeçar também. a
exemplo do que historicamente aconteceu, outrora, com outro povo
que, por ter sido "visitado" pelo deus da vida e da
fraternidade, logo se pensou, levado pelo egoísmo - sempre
redutor do homem/mulher e dos povos em quem assenta arraiais -,
que era o único que o tinha sido e, por isso mesmo, também logo
se pensou "eleito" relativamente aos outros povos que o não
seriam, e a si mesmo passou, até, a chamar-se "povo de deus",
como se os restantes povos da terra o não fossem também.
É sabido como, ao fim de pouco tempo, já se sentia um povo
orgulhoso do seu grandioso templo em jerusalém (uma espécie de
fátima de então), construído por suas próprias mãos, mas à
revelia desse mesmo deus que, entretanto, quando "apareceu" a
abraão e a moisés (cada povo tem também os seus e, se calhar, a
maior parte ainda nem deu por isso, tão dominados todos temos
sido pelo que sempre se teve na conta de "eleito", judeu
primeiro, eclesiástico depois), fê-lo, não em templos levantados
por mão humana, mas nos sítios mais profanos, onde a vida está a
acontecer e, sobretudo, onde a vida corre perigo. ou ele não
fosse o deus da vida e do amor, o deus pai-mãe, gerador e
criador de fraternidade.
fátima é uma responsabilidade, mas nós apressamo-nos a fazer
dela um privilégio. apressamo-nos a pensar que, a partir da
"aparição" de maria, todos os nossos problemas estavam
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aproveitarmos dela, mas para nos tornarmos, cada vez mais,
homens e mulheres libertos como ela, subversivos como ela,
ousados como ela, intervenientes e participativos como ela,
criadores de fraternidade e de solidariedade como ela, em vez
de, idolatricamente, nos plantarmos de rastos diante dela, a
fazê-la crescer a ela, à custa de nos diminuirmos a nós.
porque a glória de deus, do deus da vida e da fraternidade, é
que o homem/mulher e os povos vivam! e não pode ser outra a
glória de maria, a "senhora de fátima".
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não será que também fátima precisa de se converter ao
evangelho de jesus?
completam-se, este mês de maio, 75 anos sobre as chamadas
aparições de fátima. com o desmantelamento da urss e a
subsequente "conversão" da rússia à nato e às multinacionais do
dinheiro que, hoje, se movimentam à vontade no seio da
comunidade europeia e noutras zonas do globo, parece que fátima
deveria encerrar as suas portas. porque, como se sabe, ela
nasceu sob o signo do anticomunismo e, durante estes 75 anos,
sempre apostou na "conversão da rússia", para que ela não
continuasse a espalhar os seus "males" pelo mundo. e
estranhamente, ou talvez não, sempre se esqueceu do capitalismo,
apesar de ele ser, à luz do evangelho de jesus, intrinsecamente
perverso e, neste momento, ser, até, o principal responsável
pela degradação da natureza e do meio ambiente, e o assassino,
pela fome e por doenças facilmente curáveis, de muitos milhões
de pessoas empobrecidas, em cada ano. mas não é isso que está
para acontecer.
pelo contrário. fátima prepara-se para prosseguir. agora, já não
com a bandeira do anticomunismo, mas com a da paz. e a prova
disso é o congresso internacional que decorrerá, entre os dias 8
e 12 deste mês, promovido pelo santuário, e cuja organização foi
confiada à faculdade de teologia da universidade católica
portuguesa. um congresso - "fátima e a paz" - que vai trazer à
serra d'aire, especialistas reconhecidos, entre os quais, o
sempre tido como "bispo vermelho" hélder câmara, o teólogo da
libertação josé comblin e o prof. jean ladrière, da universidade
de lovaina.
o jornal fraternizar não quis deixar passar em claro esta data.
e marcou encontro com o padre dominicano, frei bento domingues,
57 anos de idade, autor, entre outras obras, do livro "a
religião dos portugueses", onde o fenómeno fátima é também
dissecado. colocou-lhe algumas questões, polémicas, entre muitas
possíveis. e registou a sua reflexão.
frei bento, na conversa que, durante quase duas horas, manteve
com o jornal fraternizar, não teve a preocupação de responder às
questões, uma por uma. muito menos cuidou em esgotar o assunto.
também formulou algumas outras, que ele próprio transporta
consigo e falou, até, da existência de dois volumes, já
publicados por um confrade seu, o pe. joão de oliveira, feitos -
imagine-se! - só de perguntas, à volta do fenómeno fátima. tão
"embrulhado" ele se mantém, ao fim destes 75 anos!
as perguntas que formulámos ao frei bento aqui ficam. para que
também os leitores e leitoras se enfrentem com elas. porque,
também neste particular, se calhar, valem mais umas quantas
perguntas, do que muitas respostas.
de resto, do que é preciso é que a gente se habitue a pensar. e
perca de vez o medo de o fazer em voz alta. até porque quem vive
subjugado pelo medo, ainda não é homem/mulher. muito menos
cristão. ou não fosse verdade que foi para a liberdade que
cristo nos libertou (gálatas 5, 1). também e, sobretudo, para
nos libertar do medo!
perguntas pertinentes
1. fátima e a paz. fica a impressão de que a paz no mundo está,
desde há 75 anos, dependente, não da prática da justiça, mas da
reza de muitos terços. se rezarem, há paz. se não rezarem,
haverá guerra. são assim as coisas, à luz da revelação
bíblico-cristã?
2. ainda fátima e a paz. aconteceu a guerra do golfo, curta no
tempo, mas terrível na execução e nas consequências. foi uma
guerra total. e muitos milhões e milhões de terços se têm rezado
em fátima e por esse mundo fora. em que ficamos?
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3. aparições. será que houve aparições de verdade? os fenómenos
da parapsicologia não explicam a experiência religiosa por que
terão passado as três crianças de fátima? a pregação assustadora
e de cores dantescas que os padres faziam nas chamadas missões
populares, pelas paróquias do país, não podem ter impressionado
tanto as crianças, que elas acabaram por ver e ouvir tudo aquilo
que viam e ouviam, quando ouviam os pregadores, ou o próprio
pároco, na missa dominical e na catequese?
4. a mensagem transmitida. está conforme à boa nova libertadora
de jesus, ou tem mais a ver com a pregação de joão baptista e do
antigo testamento? e aquele "rezai pela conversão dos pecadores"
é evangélico? não é sobretudo moralista e farisaico, enquanto
pressupõe que os pecadores são sempre os outros? e o mote
"oração e penitência" tem alguma coisa a ver com o essencial do
kerigmn proclamado por jesus e pelas primeiras comunidades
cristãs? tem alguma coisa a ver por exemplo, com a proclamação
de jesus, na sinagoga de nazaré, do ano da graça do senhor, e
com a metanoia (mudança) provocada pelo feliz anúncio de que o
reino de deus já está entre nós?
5. senhora de fátima. a senhora de fátima ainda será maria de
nazaré, tal como as narrativas evangélicas nos falam dela e que,
concretamente, o evangelho de lucas nos deixa perceber, naquele
subversivo cântico do magnificct, posto nos lábios dela?
6. o deus de fátima. É o deus pai-mãe, revelado por jesus de
nazaré e cantado por maria? não andaremos todos a laborar num
grande equívoco?
7. ainda as aparições. não serão uma hábil montagem pastoral,
uma espécie de parábola pastoral da época, bem ao gosto popular,
com a finalidade de, através dela, catequizar uma população que,
de outro modo, não o chegaria a ser? não é assim uma espécie de
missão popular concreta em acção, ou, como hoje se diz, uma
dramatização?
8. fátima, hoje. não será que todo aquele negócio, toda aquela
religiosidade, todo aquele dolorismo, toda aquela febre de
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o que as crianÇas viram não foi nossa senhora
- disse ao jornal fraternizar o padre e teólogo dominicano frei
bento domingues
"o que apareceu em fátima foi uma voz. o que aquelas crianças
viram, em 1917, não foi nossa senhora, foi uma imagem. o
santeiro de braga pôde fazê-la." assim disse ao jornal
fraternizar, frei bento domingues. as palavras deste padre
católico podem parecer chocantes aos ouvidos de muitos, mas não
deixam de ser teologicamente correctas. porque "todas as
experiências religiosas do transcendente nunca são directas, mas
mediatizadas. também o que as crianças podem ter visto foi uma
representação de maria de nazaré, não maria de nazaré".
e esta representação de maria, desde então conhecida sob a
designação de "senhora de fátima", como todas as representações,
tão pouco saíu fora do imaginário religioso predominante naquela
época. "fátima, em 1917, não trouxe nada de novo. apenas edita o
que existe então. fátima foi o aproveitamento bem feito do
catolicismo popular existente nas paróquias, numa conjuntura
entre as dioceses de lisboa e leiria, dois meios industriais
anticlericais, num tempo de perseguição à igreja, mas também já
de uma certa abertura. podemos dizer que em fátima se catalisou
a resposta do catolicismo que havia. o papel das três crianças é
esse, serem as catalisadoras da catequese, dos sermões, de tudo
o que ouviam. de resto, a descrição que fazem, por exemplo, da
ida de nossa senhora para o céu é igual a qualquer procissão que
há lá na terra."
frei bento diz não ter dúvidas de que "houve uma experiência
religiosa por parte das crianças". mas, para ele, "a questão
está toda em estudar a natureza dessa experiência". o que, até
agora,
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nunca se fez. aliás, essa foi até a primeira coisa que o teólogo
dominicano começou por dizer ao jornal fraternizar: "fátima
nunca foi estudada".
portanto, "pedir àquelas crianças que elas fossem o catolicismo
evangélico, que não era o que se respirava na sua terra, seria
pedir o milagre. exigir daquelas crianças o reencontro com a boa
nova libertadora de lucas 4 seria exigir o milagre. mas as
crianças limitam-se a repetir o que ouvem e o que vêem. e
projectam isso em nossa senhora e no imaculado coração de maria,
que era, então, uma devoção muito divulgada, assim como a
devoção do rosário. conseguir que estas crianças peguem nisso
que existia e lhe dêem toda aquela força, ao dizerem que isto
que ouvimos é do céu que vem, essa foi a novidade catalisadora
de fátima. mas não é uma redescoberta da novidade libertadora do
evangelho. fátima é feita do que há no sítio e na época. e
depois, há ainda os desenvolvimentos posteriores. lúcia continua
a escrever, faz reelaborações sobre reelaborações da experiência
religiosa inicial, de acordo com quem a tem ajudado. e tudo isso
está publicado".
questão tabu?
frei bento entende que o problema maior de fátima é, pois, ela
nunca ter sido estudada a fundo. parece que ninguém tem coragem
para o fazer. nem mesmo a universidade católica. e referiu que,
há poucos meses, aqueles que são responsáveis no santuário
estiveram num programa televisivo, e a impresão que deixaram aos
telespectadores é que "aquilo, em 1917, não passou de um
fenómeno ovni". o que, em seu entender, diz muito. ou seja,
"quem é responsável por fátima, não sabe dizer nada de
convincente sobre fátima". o que leva frei bento a concluir que
"fátima é importante, como fenómeno social da igreja católica,
mas não é nada que lhe dê que pensar, só dá que fazer a situação
é grave neste ponto".
É verdade que estão já agendados congressos internacionais, como
o que vai ter lugar este mês. contudo, "deve-se observar que
nada disso estuda o pressuposto de que o que é que,aconteceu em
fátima. deixa absolutamente em branco a questão sobre as origens
do fenómeno fátima". de modo que esta mais parece uma questão
tabu.
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e, porque nunca foi estudada a sério, mas cada vez mais se impõe
ao país e ao mundo, como o templo de jerusalém se impôs aos
judeus da palestina e da diáspora, também "fátima, neste
momento, ao ser a concentração de tudo, corre o perigo de ser
também a concentração de todos os vícios religiosos e laicos. É
um risco, não digo que é um facto. por isso, a maneira como vejo
fátima é muito interrogativa. acho que, em muitos aspectos, há
um franco progresso, o centro paulo vi, por exemplo, é um bom
centro, houve já uma certa higienização da liturgia, mas os
motivos de fundo que fizeram de fátima um lugar de obscurantismo
reaccionário, estão todos de pé. em síntese, direi que fátima é
uma graça com muitas desgraças, é um conjunto de muitas
desgraças com muita graça".
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deuses contra deus
em fátima, como em qualquer outro santuário ou templo, não basta
invocar deus para se concluir que estamos perante uma
manifestação de fé. pelo menos de fé cristã. quando muito,
estamos perante uma manifestação religiosa. o que não é a mesma
coisa. de resto, o cristianismo, no início, nem sequer quis
aparecer como uma religião. os textos fundadores do novo
testamento, do que falam, não é duma nova religião, mas duma via
ou caminho. via ou caminho que nos há-de levar, não a deus, sem
mais, mas ao outro, aos outros, aos que não são da nossa carne e
sangue, e até aos que temos como "inimigos". para que entre nós
e eles, entre todos e todas, se estabeleça, progressivamente,
uma relação de fratermidade/solidarieadade. pois só quando esta
relação de fraternidade/solidariedade se toma efectiva é que o
deus de jesus é honrado e cultuado. e a fé cristã
verdadeiramente acontece.
i "nem todo o que me diz senhor, senhor, entrará no reino dos
céus, mas sim aquele que fizer a vontade de meu pai que está nos
céus" (mt 7, 21). o evangelho é assim. não admite fugas,
porventura, muito religiosas, mas também muito alienantes,
desumanizadoras e desfraternizadoras.
em fátima, como em qualquer outro santuário ou templo, é preciso
inquirir, com humildade e a toda a hora, que deus é que lá está
a ser invocado e cultuado. que deus é que atrai as pessoas e as
faz movimentar. porque, ao contrário do que habitualmente se
pensa, não há apenas um único deus. sempre houve, através dos
tempos, muitos deuses. e a dificuldade em poder discernir, entre
tantos deuses, qual o verdadeiro, aquele que progressivamente
nos humaniza e fraterniza (e só um deus que nos
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do deus de fátima, livranos senhor!
duas crianças que morrem e uma terceira que sobrevive, mas é
retirada da sua terra e para sempre impedida de levar uma vida
em tudo semelhante à das outras pessoas (primeiro,
internaram-na, secretamente, no asilo de vilar, no porto, e,
depois, mandaram-na para espanha e fizeram dela freira de
clausura para o resto da vida, situação que, 76 anos após os
acontecimentos de 1917, ainda se mantém!), eis o principal
balanço das chamadas aparições de fátima. provavelmente, nunca
ninguém da igreja católica ousou olhar as aparições sob este
ângulo. o jornal fraternizar, porém, embora corra o risco de
perder alguns dos seus assinantes, não pode deixar de o fazer,
nesta edição de maio de 93.
não pensem que o fazemos para alinhar com os chamados "inimigos"
de fátima. o que nos move é a fidelidade ao evangelho e ao deus
de jesus que maria de nazaré, melhor do que ninguém, cantou,
como libertador e salvador da humanidade, particularmente, dos
pobres e excluídos.
a leitura que fizemos do livro mais importante sobre fátima,
"memórias da irmã lúcia", a isso nos obriga. É que o deus que aí
i é anunciado e revelado não tem nada a ver com o deus revelado
em jesus de nazaré. tem tudo a ver com um deus sanguinário, que
se compraz no sofrimento de inocentes, um deus criador de
infernos para castigar aqueles que deixam de ir à missa aos
domingos, ou dizem palavras feias, um deus ainda pior do que
algumas das suas criaturas.
aos leitores e leitoras, pedimos que, em vez de se
escandalizarem, experimentem ler também o livro da irmã lúcia.
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11
há anos que ele faz incómodas perguntas sobre "fátima e, em
lugar de respostas satisfatórias , recebe insultos"
em 1917, o livro "missão abreviada" era a bíblia de toda a gente
em ourém - reconheceu ao jornal fraternizar o padre dominicano
joão oliveira faria "o livro "missão abreviada" era, em 1917, a
bíblia de toda a gente de ourém e fátima." quem o garante é o
pe. joão oliveira faria, um dominicano residente no porto, e
nascido em ourém, um ano antes das chamadas aparições de fátima.
na conversa que manteve com o jornal fraternizar, aquele
discípulo de s. domingos, que já publicou dois livros de
perguntas sobre fátima, as quais continuam ainda sem respostas
convincentes, mostra muitas reservas, relativamente ao que ele
chama, juntamente com outros estudiosos do fenómeno, fátima 2,
ou seja, o relato das aparições, feito por escrito, muitos anos
depois dos acontecimentos, pela única vidente sobrevivente, e
genericamente conhecido por "memórias da irmã lúcia".
"pode haver nestes escritos, muita imaginação da lúcia adulta,
a viver como religiosa num convento", adverte.
este testemunho do p. joão oliveira faria é precioso, porque, só
por si, ajuda a compreender e a explicar muitos pormenores
ligados às chamadas aparições de fátima, os quais só ultimamente
vieram a ser conhecidos, graças à publicação daquelas
"memórias". para ele, enquanto "fátima 1, ou seja a fátima das
três criancinhas, *é uma coisa maravilhosa+ e contém *uma
mensagem lindíssima+, o mesmo já se não poderá dizer, de fátima
2, onde há muita coisa que não concorda com o cristianismo de
jesus.
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evangelizar a senhora de fátima
evangelizar a senhora de fátima. pode ser chocante, mas é isso
que nunca foi feito, desde 1917, e que urge fazer sem mais
adiamentos. abandoná-la, pura e simplesmente, está visto que não
resulta. com bispos ou sem eles, com padres ou sem eles, as
pessoas continuarão a caminhar para fátima e a recorrer à
senhora de fátima. continuarão a fazer promessas. continuarão a
despejar lá muito do seu dinheiro e do seu oiro. continuarão a
autoflagelar-se sem dó nem piedade.
porque sim. porque têm necessidade disso. porque enquanto
continuarem a não ser acolhidas e escutadas e atendidas por
ninguém na terra, nomeadamente, pelos políticos e respectivos
governos, pelas igrejas e respectivos pastores, jamais deixarão
de procurar que alguém as acolha e escute e atenda nos céus.
e se não conseguem saír da terra e chegar aos céus, fazem-se
transportar imaginativamente até lá. e nem é assim difícil.
basta determinar, por convenção, que certas zonas da terra não
são mais terra, mas pedaços de céu na terra, zona privada da
divindade, terra sagrada, santuários ou casas de deus, basílicas
e quejandos, onde deus e os seus exércitos celestes estão à
disposição dos humanos em aflição. depois é só começar a
caminhar, mais ou menos regularmente para esses sítios. ou, pelo
menos, sempre que a necessidade aperta. e o desespero do
quotidiano começa a ser insuportável.
o curioso é que, ao proceder-se assim, fica, depois, a ilusão de
que as coisas até resultam. mas é só a ilusão. porque os
problemas de fundo mantêm-se, quando não até aumentam, de
ano para ano, de geração para geração. tanto que só são
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fia-te na virgem e não corras!
"fia-te na virgem e não corras, verás o tombo que levas." o
ditado é popular e encerra uma sabedoria teológica que faz
inveja à própria teologia (mariana) da libertação. deveria, por
isso, ser esculpido à entrada de todas as igrejas e capelas
dedicadas a nossa senhora, a começar, evidentemente, pela
chamada capelinha das aparições, em fátima, e pelo soberbo
santuário que domina todo aquele recinto, pretensamente sagrado,
mas que, se calhar, é hoje dos mais sacrílegos recintos do
mundo, onde os nomes de deus e da virgem são sistematicamente
maltratados e vilipendiados por uma religião e um culto, cujos
responsáveis maiores não só os invocam em vão, como até os
invocam de forma teologicamente desviada e enganadora.
É sem dúvida muito doloroso ter de escrever-dizer isto. e muito
mais doloroso ainda ter de o reconhecer, sobretudo, de forma
pública. mas, se pensarmos bem, à luz do evangelho e da prática
exemplar e alternativa de maria, a mãe de jesus, veremos que é,
sobretudo, em fátima que, hoje, os nomes de deus e da virgem são
mais maltratados e vilipendiados, porque são invocados por
pessoas que o fazem, sem, ao mesmo tempo, se empenharem a sério
na consciencialização-libertação das populações empobrecidas, as
quais, às centenas de milhares, todos os anos lá se dirigem com
expectativa de milagres que, afinal, pertence a todos nós, seres
humanos, realizar; milagres que essas mesmas populações
empobrecidas, na sua ingenuidade e boa-fé, continuam a pensar
que pertence a deus e à virgem realizar.
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com as coisas neste pé, é mais do que evidente que nem aquele
ditado popular esculpido à entrada das igrejas e capelas
dedicadas a nossa senhora (nunca mais o dinheiro das populações,
finalmente, consciencializadas, entrava nos mealheiros-caixas de
esmolas e nos cofres que todas elas têm dentro, em lugares de
destaque!), nem a libertadora teologia mariana que ele contém e
divulga é pregada e difundida por entre as populações católicas
que regularmente as frequentam, mormente, as de mais nomeada e
também de mais rendimento comercial. pelo contrário, esta
libertadora teologia mariana é aí sistematicamente silenciada e,
porventura, olhada até como blasfémia.
em seu lugar, os responsáveis por todos os santuários marianos
preferem cultivar e promover uma outra teologia mariana, que,
por sinal, dá milhões aos seus mais directos patrocinadores,
embora, ao mesmo tempo, represente a desgraça maior que, alguma
vez, pode ocorrer às pessoas e aos povos que continuem a
deixar-se fazer por ela.
podemos chamar a esta outra teologia a teologia do "valha-me
nossa senhora" ou, em versão mais portuguesa, "valha-me nossa
senhora de fátima". É uma teologia que, qual ópio do povo, leva
as populações mais empobrecidas a suportarem, como fatalidade
intransponível, o mundo em que vivem e que, pelo menos, para
elas, tem tudo o que é preciso para ser um tremendo "vale de
lágrimas" e um autêntico "desterro". mas não só. para cúmulo,
leva-as também a permanecer nesse mesmo mundo, geração após
geração, escandalosamente resignadas, apenas "gemendo e
chorando", em vez de tudo fazerem para lhe porem termo e o
transformarem num mundo com o máximo de condições de dignidade
para todos.
estamos, assim, perante duas teologias marianas distintas, mas
só uma delas é verdadeira. e é preciso discernimento para
acertar na verdadeira, o que nem é tão difícil assim, se, é
claro, atentarmos nos frutos que uma e outra produzem; porque,
se em vez de atentarmos nos frutos de uma e de outra, nos
deixarmos levar pela roupagem com que cada uma delas se nos
apresenta, corremos o risco de tomar por verdadeira a falsa, só
porque ela
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14.
eu, maria, mãe de jesus, não tenho nada a ver com
a senhora de fátima
o que é que maria de nazaré, a mãe de jesus, pensará de
fátima? mais concretamente, o que é que ela pensará da senhora
de fátima? e do culto que em fátima lhe é prestado? será que
também ela acha que fátima é o altar do mundo? nesse caso, de
que deus? e como é que ela vê as peregrinações que todos os dias
13, de maio a outubro, ali têm lugar, com centenas de milhares
de pessoas juntas numa esplanada, de pé ou de joelhos, ao sol ou
à chuva? e que terá ela a dizer das promessas que os pobres, em
momento de grande aflição, lhe fazem e que, depois, ainda por
cima, cumprem fielmente, com medo de que ela os castigue? que
dirá, igualmente, ao ver tantas e tantas pessoas de joelhos, até
sangrar, ou a rastejar que nem bichos, entre a cruz alta e a
chamada capelinha das aparições? e de tantas e tantas outras
pessoas que, durante 10-15 dias, vão, a pé, pelos caminhos e
estradas de portugal, até fátima? será que se sente honrada com
tudo isto? e será que vê em todos estes comportamentos
manifestações de fé cristã ou, pelo contrário, vê em tudo isso
manifestações de medo, de subdesenvolvimento, de crueldade, numa
palavra, de paganismo, que resiste à influência libertadora do
evangelho de jesus?
jornal fraternizar sentou-se, um dia destes, a reflectir estas e
outras questões semelhantes, com vistas ao destaque para este
mês de maio. tinha consciência do melindre que elas representam,
mas nem por isso as evitou. invocou, também, o espírito santo,
aquele que fez de maria de nazaré, a mãe de jesus e a mãe de
toda a humanidade, mas especialmente da mais
empobrecida. ficou depois longo tempo à escuta em silêncio,
como quem espera uma revelação.
até que escutou, com toda a nitidez, esta boa notícia que
interessa a todo o povo: eu, maria de nazaré, mãe de jesus, não
tenho nada a ver com a senhora de fátima, nem com nada do que em
fátima se realiza, a coberto do meu nome. e o deus que lá é
invocado também não tem nada a ver com o deus de jesus, meu
filho.
por isso - prosseguiu - avisada andará a igreja, em portugal,
se, em vez de continuar a promover fátima, a abandonar
definitivamente. e avisados andarão os institutos religiosos se
se desfizerem, quanto antes, das casas que construíram em fátima
e forem, com toda a simplicidade, morar entre as populações
empobrecidas do país e com elas, tanto as populações das aldeias
do interior como as populações dos bairros degradados, que
crescem nas periferias das grandes cidades.
hiperinflação de maria
há, hoje, na vida da igreja católica, uma hiperinflação de
maria, o que não é saudável. e dá origem a aberrações como as de
fátima. porque a pedra angular da humanidade nova que está em
construção na história, e da qual a igreja deverá ser o
principal sacramento, é jesus cristo, o crucificado que
ressuscitou, não é maria.
maria também é importante na chamada economia da salvação. É até
decisiva. não tanto por ser a mãe carnal de jesus, mas sim por
ser a sua primeira discípula, tornada, por isso, discípula
exemplar, modelo de todas as discípulas e de todos os
discípulos. ou, como reconhece a mais antiga das quatro
narrativas evangélicas, marcos (3, 31-35), por ter sido aquela
criatura humana que, mais e melhor do que nenhuma outra, foi
capaz de ouvir a palavra de deus e realizá-la na sua vida, sem
desvios, até ao fim.
em maria de nazaré, a palavra de deus conseguiu fazer-se carne e
habitar entre nós e connosco, para sempre. ou seja, o que deus
mais deseja realizar com todo o ser humano, mulher e homem, já
aconteceu em maria de nazaré. conhecê-la é, por isso, conhecer o
que todas e todos havemos de ser também.
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e não há em tudo isto muito daquele crime de lesa-humanidade e
de lesa-pobres que levou o profeta jeremias, primeiro, e jesus
de nazaré, depois, a classificar como "covil de ladrões" o
próprio templo de jerusalém? não há, no santuário de fátima,
muito deste crime também e, por isso, muito de "covil de
ladrões?"
entretanto, nem a senhora de fátima, nem a sua vidente ainda
viva alguma vez foram capazes de dizer uma palavra que fosse
contra o verdadeiro genocídio que era a guerra colonial, nem
sequer uma palavra de solidariedade e de verdadeira simpatia
pelos povos africanos que lutavam pelo mais que legítimo direito
à sua autonomia e independência.
pelo contrário, sempre fátima, em todo esse tempo, deixou nos
militares portugueses e seus familiares a ideia de que maria de
nazaré, a mãe de jesus, era também a mãe dos portugueses, mas,
de maneira nenhuma, era igualmente a mãe dos africanos.
e, por isso, ali estava ela em fátima, para defender e proteger
os portugueses, mas já não estava em angola, nem em moçambique,
nem na guiné-bissau, para defender e proteger os respectivos
povos, apesar de serem eles as maiores vítimas duma guerra que o
regime ditatorial e colonialista de salazar lhes impunha e nos
impunha.
muitas outras coisas típicas de fátima e que lá se promovem,
regularmente, como actos de culto, revelam à sociedade que maria
de nazaré, a mãe de jesus, não tem nada a ver com a senhora de
fátima. porém, o que fica dito basta, até ver.
resta, pois, esperar que a igreja católica que está em portugal,
em vez de continuar a enterrar a cabeça na areia, como a
avestruz, passe a ter a audácia e a humildade de aprender com
maria de nazaré a ser verdadeira discípula de jesus.
de modo que, em vez de prosseguir na exploração da ingenuidade
religiosa e da boa-fé das populações, se disponha corajosamente
e já, a esclarecê-las, a evangelizá-las/libertá-las, nem que,
nesse serviço profético, perca a vida. nunca, como então, será
tão igreja e tão fecunda.
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15
não há nenhum segredo de fátima
a vinda a portugal do cardeal ratzinger, por ocasião das
cerimónias religiosas do 13 de outubro último, em fátima, deu
pretexto à comunicação social portuguesa para voltar a falar do
chamado "terceiro segredo de fátima". mas o mais estranho é que
o próprio cardeal ratzinger, em vez de desfazer, duma assentada,
todos os equívocos que por aí proliferam, deitou mais algumas
achas para a fogueira e, assim, alimentou ainda mais esta
espécie de delírio generalizado em que alguns, pelos vistos,
insistem em fazer-nos viver.
como teólogo que também é - depois que foi para a cúria romana,
perdeu, infelizmente, a audácia profética que antes havia feito
dele uma referência esperamçosa para os pobres e suas lutas de
libertação -, ratzinger tinha obrigação de, sem papas na língua,
dizer aos jornalistas e à população em geral que não há nenhum
segredo de fátima a desvendar. e que tudo o que, a este
propósito, por aí se tem dito e escrito não passa de doentia
fantasia e de preocupante infantilismo que mais e mais
contribuem para manter as populações amedrontadas e oprimidas,
quando é imperioso e urgente libertá-las do medo em que têm
vivido, para que elas, finalmente, possam assumnir com alegria e
nas próprias mãos, os seus destinos.
na verdade, ratzinger, como teólogo que é, tem obrigação de
saber que nem deus, nosso pai e mãe, nem maria, a mãe de jesus e
nossa companheira e irmã, existem para andar por aí a brincar às
aparições e aos segredos com certas pessoas mais ou menos
neuróticas e sexualmente reprimidas.
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16
o culto a n.a s.a de fátima afasta-nos do deus que se revelou
em maria de nazaré
e se a actual devoção a nossa senhora é um tremendo desvio
teológico que nos afasta de deus, nomeadamente, do deus revelado
em jesus e maria de nazaré? e se o seu culto-hiperdolia é como
lhe chamam os especialistas marianos, para o distinguir do dos
santos, a que chamam simplesmente culto de dolia - tem muito de
idolatria? não é, realmente, um culto que fomenta a religião,
mais do que a criatividade humana? que alimenta a alienação,
mais do que a militância libertadora e solidária? que promove a
resignação, mais do que o esforço individual e colectivo? que
desenvolve o egoísmo, mais do que a entrega da própria vida pela
vida do mundo? e não é verdade que, lá, onde mais cresceu a
devoção a nossa senhora, a humanidade ficou mais atrasada e
subdesenvolvida, analfabeta e em situação de imerecida pobreza e
até miséria? não é verdade que a devoção a nossa senhora serviu,
sobretudo, para perpetuar, sem revolta popular, um mundo que tem
mais de "vale de lágrimas", do que de terra de justiça e de
fraternidade, mas onde, mesmo assim, as suas devotas e devotos
se têm limitado a "gemer e a chorar", em vez de lutarem com
todas as forças contra os males que as afligem e suas
respectivas causas? não é verdade que a devoção a nossa senhora
tem sido sobretudo freio que atrasou e até impediu o
protagonismo das mulheres, tanto na sociedade como na igreja,
especialmente na igreja? não se pode dizer de nossa senhora que
ela cresceu e as mulheres diminuíram? e não deveria ter sido o
contrário, isto é, que as mulheres crescessem e ela diminuísse?
aliás, não foi para que nós, os seres humanos, mulheres e
homens, crescêssemos em estatura e em idade, em sabedoria e em
graça,
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que deus nos deu jesus e maria de nazaré? mas ao falar tanto de
nossa senhora, em lugar de falar simplesmente de maria de
nazaré, a igreja católica não cometeu uma traição de tremendas
consequências? não criou um modelo cultural de dominação e de
resignação, nos antípodas da boa notícia libertadora de deus,
que é o evangelho de jesus, e do qual maria faz parte? mas,
afinal, maria é para ser idolatrada ou é um modelo vivo, em quem
nós, mulheres e homens, havemos de pôr os olhos? É uma
privilegiada de deus, ou a nossa irmã e companheira mais velha,
na qual vemos por antecipação, o que haveremos de ser também?
ser da família não conta
nos primeiros tempos da igreja, maria começa por aparecer
associada a jesus de nazaré, como sua mãe carnal, mas essa não
é, de modo algum, a dimensão que mais interessa às comunidades
cristãs primitivas.
aliás, o evangelho de marcos (3, 31-35), o mais antigo dos
quatro, chega a apresentar maria, juntamente com os demais
familiares de sangue de jesus, como exemplo paradigmático de
resistência activa e de não-adesão à sua via de libertação e de
misericórdia. um homem que faz o que jesus faz e ensina o que
jesus ensina, tão diametralmente oposto ao que faziam e
ensinavam os chefes religiosos e políticos do templo de
jerusalém e do sinédrio judaico, só pode ser, nos critérios
culturais e religiosos dominantes da época, um louco, um
possesso do demónio, como, aliás, passam a dizer dele todos os
seus opositores e inimigos (ver, por exemplo, mc 3, 22).
como se vê, marcos nem a mãe de jesus excluiu desta atitude
hostil, por parte da sua família de sangue. de tal modo quis
proclamar que, à luz de deus criador, não são a carne e o sangue
que contam nestas coisas da salvação da humanidade, mas apenas a
gratuidade do amor de deus, que não hesitou em dizer que até
maria, enquanto mãe carnal de jesus, esteve entre aqueles e
aquelas que não o entenderam e não o acolheram.
com isso, quer simplesmente dizer que ser ou não ser da família
carnal de jesus, ser ou não ser do seu sangue, é coisa que
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não tem qualquer valor para deus e para a salvação que deus dá
gratuitamente a todos os seres humanos. de maneira nenhuma
marcos quis dizer que maria de nazaré não aderiu a jesus, seu
filho, ou que não se fez discípula dele, que não o entendeu e
acolheu. o que ele, com este episódio, proclama aos quatro
ventos é que a carne e o sangue não contam para nada, nestas
coisas da graça e da salvação de deus.
pelo que maria e todos os demais familiares de jesus estiveram,
em relação à salvação de deus, no mesmo pé de igualdade que a
humanidade em geral. porventura até com dificuldades acrescidas,
já que a tendência natural dos familiares do profeta de deus
será sempre tentar tirar proveito dele, sem terem de fazer
qualquer esforço pessoal, sem aceitarem passar por uma
verdadeira metanóia, isto é, sem terem de passar por uma
verdadeira mudança de ser e de viver. como se, alguma vez, deus
fosse fonte de privilégios para alguém, para alguma família ou
para algum povo ou nação. ou como se, diante de deus, alguém,
alguma vez, pudesse invocar direitos adquiridos, que o
dispensasse de reconhecer, como maria reconheceu, a total
liberdade e a total gratuidade da sua iniciativa.
maria, como todas as outras mulheres e homens de todos os tempos
e lugares, teve de dar a sua adesão a jesus cristo, crer na sua
palavra e deixar-se conduzir pelo mesmo espírito que o conduziu
a ele. e isso ela fez, mais do que nenhuma outra criatura, desde
a primeira hora.
esse, e apenas esse, é o seu valor, no dizer teológico das
primitivas comunidades cristãs. não o facto histórico de ter
sido a mãe carnal de jesus, mas o ter escutado a palavra de
deus, que ele historicamente é, e tê-la posto em prática (mc 3,
35).
e maria fê-lo em grau tal, que, para sempre, ficou associada à
boa notícia de deus, lado a lado com jesus de nazaré. de tal
modo que as comunidades cristãs primitivas vêem em jesus e
maria, não tanto o filho e a mãe, simplesmente, mas o novo par
humano, o novo adão e a nova eva, em quem deus, pela vez
primeira, conseguiu realizar, integralmente, a sua criação. por
isso, jesus e maria de nazaré ficam, para todo o sempre, como o
modelo acabado do que toda a humanidade há-de chegar também
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práticas idolátricas
É preciso que se diga, duma vez por todas, que todas estas
práticas pastorais, por mais religiosas que sejam, são práticas
essencialmente idolátricas, nas quais o ídolo se apresenta
disfarçado sob o nome de nossa senhora disto e nossa senhora
daquilo, como se todas essas nossas senhoras fossem a própria
maria de nazaré, quando, bem vistas as coisas e pelos frutos que
produzem os seus cultos, não passam de antigas e míticas deusas
inventadas e imagw adas que se alimentam da vida e do dinheiro,
da saúde e do tempo das populações empobrecidas e oprimidas.
populações que, assim, cada vez mais se encontram
alienadas-desconciencializadas da força libertadora e da
capacidade criadora e transformadora que o verdadeiro deus
colocou nelas, para que elas, em comunhão com ele, mudem a face
da terra.
tem também que se dizer que toda a mariologia que está
subjacente a estes cultos marianos e que, de algum modo, os
justifica, não tem nada de teologia cristã. É fruto do paganismo
que, em lugar de ter sido evangelizado pelas igrejas, as
paganizou.
muita gente desconhece, a este propósito, que antes do
cristianismo, o império romano foi terreno fértil em mitologia
pagã, na qual eram múltiplas as deusas invocadas e adoradas, sob
os mais variados nomes.
com a transformação do cristianismo em religião, e em religião
oficial e única do império, todas essas deusas e respectivos
cultos foram banidos. e os seus santuários passaram, quase
automaticamente, a santuários marianos, agora, sob a invocação
do nome de nossa senhora disto, nossa senhora daquilo. mas, em
muitos casos, a única mudança que se operou foi mesmo só a
mudança do nome. porque tudo o mais se manteve, até as festas e
as formas rituais, assim como as imagens da deusa ou da virgem.
está provado, por exemplo, que no século v um santuário dedicado
à deusa artémis de Éfeso, já conhecida no tempo de paulo (at 19,
23-40j e contra cujo culto idolátrico ele se insurgiu, foi
simplesmente convertido num santuário dedicado a nossa senhora.
igualmente, a famosa catedral de chartres, em frança, dedicada à
virgem mãe, foi construída sobre o primitivo templo
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17
muitas conferências ,
nenhum debate
anunciou-se um congresso sobre "fenomenologia e teologia das
aparições", mas o que aconteceu, entre os dias 9 e 12 de outubro
de 97, no centro paulo vi, em fátima, foi, porventura, a maior
desonestidade intelectual católica deste século. promovido por
uma autodenominada comissão científica, presidida pelo actual
reitor da universidade católica portuguesa, e pelo santuário de
fátima - que também financiou todas as despesas e é o mais
beneficiado com o tipo de metodologia nele adoptada -, o
encontro reuniu um significativo número de intelectuais
católicos portugueses, na sua maioria, professores na respectiva
universidade e por ela financiados, mais alguns intelectuais
católicos estrangeiros, uns e outros, expressamente, convidados
com antecedência, para nele intervir, cada qual com uma
comunicação previamente escrita, sem que, entretanto, nenhum
deles pudesse, naturalmente, saber o que iriam dizer os demais.
depois, ao longo dos quatro dias que durou o evento, todos estes
senhores - apenas dois temas foram confiados a outras tantas
professoras universitárias, uma da faculdade de letras de
lisboa, outra da faculdade de teologia da universidade católica
proferiram um total de 45 conferências para um público
proveniente de vários países, composto por mulheres e homens
fanaticamente entusiastas de fátima e da sua senhora, por sinal,
em número bastante reduzido, não muito mais de seis centenas, no
total. mas debate aberto e livre foi coisa proibida neste
congresso, pelo menos, não desejada, já que nunca se lhe dedicou
um minuto que fosse.
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críticos ausentes
por outro lado, intelectuais católicos ou não, mas
publicamente assumidos como críticos de fátima e do típico
cristianismo à portuguesa que fátima promove, a tempo e fora de
tempo, e que é um cristianismo praticamente nos antípodas do
evangelho de jesus e de maria de nazaré, nenhum deles foi
visto por lá.
mas o pior ainda foi verificar que, no decorrer da
última sessão plenária do congresso, um dos conferencistas de
mais responsabilidade na sua condução, o prof. josé jacinto
farias, em comunicação não distribuída aos jornalistas
presentes, permitiu-se nomear explicitamente alguns desses
críticos portugueses mais conhecidos, mas como quem pareceu
querer insinuar que, devido a essas suas posições, eles não
passam de notórios inimigos de fátima, e pessoas de craveira
intelectual pouco relevante.
claro que, entre as várias dezenas de convidados que
intervieram no congresso, alguns deles serão, porventura,
críticos de fátima, mas a verdade é que, se o são, ninguém
chegou a saber.
É o caso, por exemplo, do dominicano português
francolino gonçalves, biblista famoso em jerusalém e companheiro
do célebre crítico de fátima, pe. oliveira faria, cujos dois
livros "perguntas sobre fátima" e "pergunta, sobre fátima ii"
continuam, desde há bastantes anos e mesmo depois deste
congresso, ainda sem convincente resposta.
frei francolino limitou-se, habilmente, a dissertar
sobre o tema que lhe propuseram - "os videntes e os visionários
no profetismo do antigo testamento" - sem, contudo, dizer uma
única palavra sobre fátima, os seus videntes e suas aparições.
o mesmo sucedeu com Émile puech, também professor da
escola bíblica e arqueológica francesa de jerusalém, que
dissertou sobre "as aparições na literatura peritestamentária" e
igualmente não disse uma única palavra sobre fátima, nem as suas
aparições, nem a sua literatura. (ou seja, dois silêncios de
outros tantos especialistas, tremendamente eloquentes que, é
claro, urge saber interpretar.)
za
lve nenhum confronto
também deveras espantoso foi verificar que os próprios
conferencistas convidados a intervir directamente com uma
comunicação, em momento algum do congresso foram chamados a
confrontar uns com os outros os respectivos pontos de vista
sobre o fenómeno de fátima.
terá sido, até, esta ausência de debate entre os diferentes
conferencistas que impossibilitou a formulação de um documento
de conclusões, aprovadas pelo congresso. assim, simplesmente,
não houve conclusões!
qualquer tentativa nesse sentido seria, naturalmente, foco de
tensões e de divisões, e lá se ia por água abaixo tanto
unanimismo e tanta harmonia. o "milagre" da construção e
manutenção desta opressiva torre de babel portuguesa que é,
hoje, fátima e o seu santuário, ter-se-ia convertido então num
verdadeiro pentecostes, com todas as línguas soltas a falar
livremente. só que, neste caso, é quase certo que, do empório
religioso e comercial que fátima materializa não ficaria pedra
sobre pedra. e isto é o que querem evitar a todo o custo todos
aqueles que, actualmente, tiram proveito de fátima, desde os
comerciantes ao turismo, desde a hierarquia eclesiástica às
ordens religiosas lá estabelecidas também com os seus negócios,
isentos de impostos.
pecado contra o espírito santo
perante tudo isto e porque, como por aí se diz, e bem, mesmo
fora das universidades, é da discussão que nasce a luz, pode
concluir-se, com toda a propriedade, que a comissão científica e
o santuário de fátima não quiseram, com a promoção deste
congresso, que se fizesse luz sobre as chamadas "aparições de
fátima".
apenas terão querido canonizar definitivamente fátima e o tipo
de cristianismo à portuguesa que aí se realiza, e dar-lhes um ar
de autenticidade indiscutível, numa cega e interesseira
tentativa de que uma e outro possam prosseguir, terceiro milénio
além, sem percalços de maior, pois assim também os privilégios
deles estão automaticamente salvaguardados.
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já são paulo, na carta aos romanos (1, 18), advertiu para este
grau de impiedade máxima em que podemos caír, só para garantir,
até inconscientemente, privilégios adquiridos. essa
impiedade traduz-se, segundo o apóstolo, em reter a verdade
cativa na injustiça. quando o imperioso e urgente é acabarmos
com a injustiça para, assim, resgatarmos e libertarmos a
verdade, de modo que esta, por sua vez, nos resgate e liberte
também a nós e a humanidade inteira, única maneira, aliás, de
fazermos teologia cristã e de darmos glória a deus.
ora, é por aqui que procuramos ir, conscientes dos riscos que
esta postura acarreta. mas não queremos saber outro jornalismo,
pois não estamos na disposição de ser caixa de ressonância da
voz dominante, por mais que ela se vista de democrática, na
política, e de hierárquica, nas igrejas.
a verdade salta quase sempre das vítimas silenciadas da
história, as quais, século após século, continuam aí sem voz e
sem vez, condenadas a ter de ouvir e a ter de obedecer à voz
dominante, seja do poder de turno, seja das hierarquias
eclesiásticas ou religiosas - as vítimas das novas seitas que o
digam -, cujos membros, enquanto tais, nunca são capazes de se
fazer próximos do seu próximo, muito menos irmãos dos outros
homens e mulheres; apenas pretendem ser reconhecidos como
superiores a todos e todas.
mas não tenham pena de não saberem por nós o que disseram os
oradores do congresso. todas as conferências serão publicadas em
volume nas chamadas "actas do congresso". e valerá a pena
adquiri-lo, para logo se concluir, como nós concluímos, que tudo
aquilo não passou duma floresta de palavras mais ou menos
eruditas, com as quais nos tentam impedir de ver a árvore que
dá pelo nome de fátima e que é uma árvore, cujos frutos são
cílllsm de grave alienação no país e no mundo católico, de modo
especial, nas pessoas que lá se dirigem com regularidade.
aparições? impossível!
nenhum dos teólogos que intervieram no congresso teve a lucidez
e a coragem de dizer que, pelo menos, para a teologia cristã, é
absolutamente impossível, alguma vez, haver aparições
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nossa senhora vinha assim vestida e que deixou este ou aquele
recado, a igreja de jesus que vive neste tempo de
desenvolvimento científico tem a obrigação pastoral de,
imediatamente, dizer que tais aparições e visões não passam de
pura reprodução do mesmo, isto é, são reprodução, mais ou menos
fiel e adaptada a cada circunstância, de relatos ancestrais que
a própria bíblia conserva e que, sem disso termos consciência,
continuam gravados, como em cassete, no inconsciente dos povos e
dos indivíduos, apenas à espera duma oportunidade para saltarem
cá para fora, o que pode acontecer em momentos de graves crises
na marcha, quer da humanidade, quer de um país concreto, e que,
porventura,
nos afectem, individual ou colectivamente.
fantasmas
não pode ter sido outra coisa o que aconteceu, no ano de 1917,
em fátima, com as três crianças assustadas, quer por catequeses
terroristas que os pregadores da missão abreviada se fartavam de
produzir nos púlpitos das igrejas paroquiais do país, quer pelas
terríveis notícias que chegavam da primeira guerra mundial, e na
qual o nosso país, precisamente nesse ano, acabou por entrar
também.
essas catequeses terroristas mais não eram do que uma
obscurantista e moralista reacção contra o que os pregadores da
missão chamavam de laicismo e secularismo da república
recém-implantada, a qual, aos olhos deles, representava não a
mão de deus a intervir na história, como certamente foi, mas -
pasme-se! - a encarnação do próprio diabo. e isto, só porque a
república havia desapropriado a igreja católica dos privilégios
que ela, indevidamente, usufruía, nos tempos da monarquia
(clero, nobreza e povo, lembram-se?!).
neste contexto, as crianças da aldeia de fátima viram e ouviram,
sim senhor, mas apenas os fantasmas que o seu inconsciente e o
inconsciente das populações católicas e não católicas
portuguesas carregavam. mais tarde, chamaram senhora de fátima a
esses fantasmas. e nunca mais as peregrinações deixaram de
acontecer, desde então para cá. não porque deus ou a virgem
maria, mãe de jesus, aí tivessem aparecido - é
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18
o milagre da jacintinha
quem lê as "memórias da irmã lúcia", nomeadamente, a primeira, a
terceira e a quarta, nas quais ela nos faz o retrato da
pequenina jacinta e do pequenino francisco, seus primos e
companheiros nas chamadas aparições de fátima, não pode deixar
de ficar horrorizado. os testemunhos foram escritos, bastantes
anos depois da morte das duas crianças, respectivamente, em 1935
e 1941, e em obediência ao bispo de leiria de então.
(há certos homens e certas mulheres que têm destas coisas:
mandam na consciência dos outros, como se fossem ainda mais do
que deus, já que mandar na consciência de alguém é coisa que nem
o próprio deus faz. mas é preciso que se diga, sem hesitações,
que comportamentos destes têm mais a ver com fascismo religioso
do que com espiritualidade cristã. por isso, nunca será de mais
denunciá-los e prevenir as pessoas, para que estejam em guarda.
porque, quando alguém manda na nossa consciência, pode fazer de
nós gato-sapato e ir-nos ao bolso ou à conta bancária com a
maior das facilidades. até em nome de deus! mas não há coisa que
mais ofenda a nossa dignidade humana e cristã, e que também mais
ofenda o santo nome de deus.)
de tudo quanto escreve lúcia sobre jacinta e francisco (quem
ainda não leu o livro não deveria deixar de o fazer, porque ele
é, provavelmente, o mais vigoroso testemunho contra a veracidade
das chamadas aparições de fátima, embora ela, ao escrevê-lo, o
fizesse, evidentemente, com a manifesta intenção de lhes dar
completa autenticidade e fundamento!), uma conclusão salta de
imediato à vista: as duas crianças terão morrido de terror, de
fome e de sede. não porque a família não tivesse os recursos
materiais
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19
aparições e visões: quem nos livra delas?
mais do que fazer aqui, na universidade nova de lisboa, uma
comunicação de fundo, optei por lançar umas quantas provocações,
para um inevitável debate, sobre o tema que me foi proposto:
"aparições e visões: quem nos livra delas?". eis.
1. se alguma vez virem deus, matem-no de imediato! porque ,
se o não matarem, depressa estão a adorar o fantasma que viram e
que tomaram por deus, e isso é pura idolatria.
se, depois, esse culto se torna público, estão a enganar as
populações teologicamente menos esclarecidas e a torná-las
idólatras e alienadas. o que é uma indignidade de todo o tamanho.
mesmo que, mais tarde, os jornais e as tv apareçam e digam, em
parangonas, que se trata de grandiosas manifestações de fé
(cristã), não acreditem. são grandes manifestações religiosas e,
como tal, manifestações mais ou menos idolátricas. aliás, todas
as religiões, com os seus cultos, têm muito de idolatria.
2. os jornais e as tv que temos em portugal e no mundo em geral,
padecem de enorme défice de teologia cristã. percebem bastante
de futebol e um pouco menos de certo tipo de economia - a
neoliberal - mas de teologia cristã, nada. há honrosas
excepções, evidentemente.
mais parecem cassetes que reproduzem o mesmo, ou seja, o
discurso oficial dos governantes, dos partidos, das
multinacionais ganhadoras e das hierarquias religiosas e
eclesiásticas, nomeadamente, as hierarquias das igrejas que têm
muitos adeptos.
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chocante para ouvidos pios, "meu deus, meu deus, por que me
abandonaste?".
gostemos ou não, é esta a nossa condição humana.
a deus podemos chegar apenas pela fé. por sinais. por pegadas na
areia. que nunca são ele. por isso, quem disser que viu a deus é
mentiroso. ou está a delirar. em vez de ser tratado como vidente
(há sempre organizações religiosas que se aproveitam, senão a
igreja católica romana, a igreja ortodoxa, como no caso da
ladeira do pinheiro, ou, agora, as novas igrejas, mais
conhecidas por seitas), deve ser tratado no psiquiatra. ou, se é
inofensivo, deve ser tratado com tolerância e muita compreensão.
mas nunca é para ser levado a sério.
(vejam, a este propósito, a vergonha que os nossos bispos têm
feito com a lúcia de fátima. desde que perdeu os primitos,
jacinta e francisco - é caso para dizer que nem a senhora de
fátima lhes valeu! -, foi sequestrada e nunca mais pôde fazer
uma vida vulgar e comum. não é de estranhar por isso, que ainda
hoje ela viva em delírios quase permanentes. o mais espantoso é
que até o papa em roma, cardeais e quase todos os bispos da
nossa igreja católica a tomam a sério. sinal de que há grandes
interesses em jogo, interesses ideológicos, moralistas, de
influência religiosa e, sobretudo, interesses financeiros).
nem jesus vê deus. e, quando um dos doze, filipe, lhe pede
"mostra-nos o pai" (jo 14, 8), ele não lho mostra, porque não
podia. dá-lhe então a volta e aponta-lhe o caminho correcto:
"filipe, quem me vê, vê o pai". isto é, não há outra maneira de
ver a deus, senão no corpo, no rosto do outro, mulher ou homem.
e podemos até dizer que, quando no rosto do outro, cigano que
seja, e nomeadamente no rosto desfigurado das vítimas humanas,
vemos uma irmã, um irmão, deus está aí presente, como sarça
ardente; mas a ele nunca o vemos.
da visão de deus, temos de dizer o que joão, discípulo de jesus,
diz do amor a deus. "se alguém disser que ama a deus, a quem não
vê, e não ama o irmão a quem vê, é mentiroso e a verdade não
está nele" (ljo 4, 20). igualmente, se alguém diz que vê a deus,
que jamais pode ser visto com estes nossos olhos humanos (1jo 4,
20), e não vê o irmão que tem diante dos olhos, é mentiroso. ou
está a delirar.
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20
manifestação de fé ou de paganismo?
com a chegada do mês de maio, volta às estradas portuguesas o
triste e vergonhoso espectáculo dos chamados peregrinos de
fátima. das mais diversas aldeias do país, com destaque para as
aldeias que integram paróquias das dioceses de coimbra, aveiro,
porto, braga e viana do castelo, ei-los, aos grupos, de todas as
idades e de ambos os sexos, a percorrer, a pé, os muitos
quilómetros que os separam de fátima.
se se cumprìr o ritual dos anos anteriores, lá teremos, pelas
proximidades do dia 13, algumas e alguns destes muitos
peregrinos a testemunhar, nos telejornais, os motivos que os
levaram a meter pés a caminho até fátima. e voltaremos a ouvir
da boca de jornalistas sem qualquer formação teológica
ilustrada, que todas estas mulheres e todos estes homens, nossos
conterrâneos, vão ali movidos pela fé.
entretanto, da parte das igrejas locais a que tais peregrinos
pertencem, nomeadamente, da parte dos respectivos bispos e
párocos, ninguém costuma aparecer a dar a cara, para dizer
desassombradamente que este fenómeno pode ter muito a ver com
rituais de velhas e novas religiões do paganismo, que incitavam
e incitam os seus fiéis a práticas sacrificiais em honra de
míticas deusas e deuses, mas que não tem nada a ver com a fé
cristã, nem sequer com a fé simplesmente humana.
É um fenómeno que envolve apenas mulheres e homens,
universitários que sejam, cujo inconsciente continua possesso ou
prisioneiro de ancestrais medos, os quais, enquanto não forem
radicalmente expulsos pela verdade que liberta - "eu sou a
verdade", diz jesus, no evangelho de joão (14, 6) -, continuarão
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fátima: a glória da nossa terra ou a nossa vergonha?
fátima, com a sua cruz alta, a convidar simbolicamente o povo ao
sofrimento e à sua aceitação resignada; com o seu espaçoso
recinto, por onde continuamente rastejam penitentes-pagadores de
promessas; com as suas bocas de mealheiro-cofre, disfarçadas de
caixas de esmolas, por onde entram rios de dinheiro oferecido
por milhares de peregrinos, cultural e teologicamente,
subdesenvolvidos; com o seu grandioso e esmagador santuário,
servido, no exterior, por uma soberba escadaria e um enorme
altar, onde, todos os dias 13, de maio a outubro, pontifica a
hierarquia eclesiástica católica, constituída exclusivamente por
homens celibatários; com a sua capelinha das aparições,
ferozmente anticomunista, antiprotestante e antifestiva; e,
sobretudo, com a sua senhora toda branca, sempre de mãos postas,
vestida até ao chão, e que não ouve, não fala, não come, não ri,
não chora, não se comove, não caminha, não acena a ninguém, não
tem coração nem entranhas de misericórdia, e que até para saír
da capela exige que alguns seres humanos se metam por debaixo do
seu andor e a carreguem aos ombros, numa postura que,
simbolicamente, tem tudo de indignidade e de escravidão-é um
local de graça, ou pedra de tropeço? É epifania de deus, ou uma
bem concebida e bem montada multinacional de religião que,
habilmente, sabe tirar partido, sobretudo, financeiro, da
situação de pessoas e populações carregadas de aflições e
problemas sem solução à vista? É ocasião de encontro com deus e
com os outros ou ocasião de alienação individual e colectiva? É
centro de espiritualidade libertadora e geradora de fraternidade
solidária ou uma espécie de grande superfície de
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teologicamente, um vómito .
os dois textos que o jornal fraternizar apresenta a seguir são
não só eventualmente chocantes, mas sobretudo, eventualmente
repugnantes, asquerosos, repelentes. e, do ponto de vista da
teologia cristã, são um vómito. um escarro.
apesar disso, nunca foram denunciados pela nossa igreja
católica. nem pela respectiva universidade. tão-pouco pela sua
faculdade de teologia. pelo contrário, sempre contaram com o
canónico aval da hierarquia da nossa igreja. e, ainda hoje, são
apresentados por ela, como se fossem a melhor actualização do
próprio evangelho de deus que a humanidade, um dia, pôde
conhecer, de forma plena e definitiva, em jesus de nazaré, o
cristo. quando, afinal, bem vistas as coisas, tanto um como
outro são a sua negação pura e simples.
urge, por isso, denunciá-los. combatê-los. desautorizá-los. e
ter a audácia de apresentar, em seu lugar, o autêntico evangelho
de deus que ajude a libertar de raíz o inconsciente colectivo
das populações do mundo, nomeadamente, das populações
portuguesas e ocidentais que, durante gerações e gerações, foram
sistematicamente massacradas por uma catequese clérical
terrorista, como a que estes dois textos veiculam, e da qual
muitas e muitos de nós continuamos, ainda hoje, infelizmente,
mais ou menos prisioneiros. pior tolhidos. vítimas, por isso, de
ancestrais medos que nos levam a comportamentos
religiosos/sacrificiais, os mais aberrantes em santuários e
recintos, como os da senhora de fátima, por exemplo, que temos
como casas de oração, mas que não passam de covis de ladrões,
onde, em nome de deus, as populações mais oprimidas e assustadas
são, descaradamente,
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falam por si
os textos que se seguem falam por si. ninguém deixe de os ler
com atenção e sentido crítico. sem infantilismos.nem
ingenuidades. facilmente concluiremos que o deus que neles é
apresentado não tem nada a ver com a boa notícia que jesus de
nazaré nos deu dele e a propósito de quem maria, sua mãe e
discípula, tão entusiasticamente cantou.
como veremos, o deus da "missão abreviada" não passa dum
terrorista, dos piores, e dum sádico. parece que nos criou só
para nos torturar nesta vida e, não satisfeito com isso, também
para nos torturar por toda a eternidade sem fim. nem sequer se
limita, como os outros terroristas da história, a torturar-nos
até ao limite de nos tirar a vida; faz-nos viver para lá da
morte, só para ter o sádico prazer de poder continuar a
torturar-nos para sempre!
igualmente, o deus da senhora de fátima e das "memórias da irmã
lúcia" não fica nada atrás do deus da "missão abreviada". dá-se
ao luxo de aterrorizar três crianças-era nitidamente um caso
policial -duas das quais, precisamente, as mais novinhas e
também as mais fragilizadas, não conseguiram resistir a tão
terrível pedagogia e, por isso, morreram antes do tempo, na
ilusão de que as suas vidas, assim precocemente interrompidas,
valiam para a "conversão dos pecadores".
É, por isso, um deus que se alimenta de criancinhas, como os
antigos deuses do paganismo, que só se deixavam aplacar na sua
fúria contra os humanos, se estes os apaziguassem com o
sacrifício de inocentes crianças. (que mãe, que pai, podem
aceitar um deus assim?!)
mas o mais caricato da teologia subjacentes às "memórias da irmã
lúcia" é a afirmação da senhora de fátima, de que o próprio deus
está empenhado em "estabelecer no mundo a devoção ao meu
imaculado coração", para, com isso, garantir a salvação "das
almas dos pobres pecadores".
do ponto de vista da teologia cristã- como é que a hierarquia da
igreja e a universidade católica não conseguem ver isso? esta
afirmação não é apenas caricata. É cretina. e, só por si,
provoca o total descrédito das "aparições", da sua "senhora" e
da sua "vidente".
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12. meditação do livro "a missão abreviada"
no inferno, os pecadores uivam como cães danados
considera, pecador, que o inferno é um lugar no centro da terra;
é uma caverna profundíssìma cheia de escuridão, de tristeza e
horror; é uma caverna cheia de labaredas de fogo e de nuvens de
espesso fumo. lá são atormentados os pecadores na companhia dos
demónios; lá estão bramindo e uivando como cães danados,
proferindo terríveis blasfémias contra deus. lá são atormentados
os pecadores com a pena de dano, isto é, por terem perdido
tantos e tão grandes bens que poderiam alcançar. oh! quanto
perderam aqueles infelizes! pois perderam a companhia
amabilíssima de jesus cristo e de sua mãe santíssima; perderam
também a companhia dos anjos e dos santos; perderam os deleites
inefáveis de todos os sentidos que no reino dos céus logram os
bem-aventurados; perderam a paz interior; perderam as virtudes
todas e dons da graça divina; perderam a honra de serem filhos e
herdeiros do mesmo deus; perderam a vista clara de deus;
perderam o seu último fim, o sumo bem, para que foram criados;
finalmente, perderam a felicidade eterna, e com ela tudo
perderam; só não perderam a vida para sentirem tantas e tão
grandes perdas por toda a eternidade!...
É possível, poderá exclamar o reprovado lá no inferno
desesperado; é possível que por minha culpa e própria vontade,
tenha perdido para sempre o meu deus, o meu sumo bem! por via de
coisas de sonho, por coisas passageiras perder o reino dos céus,
que era a minha eterna bem-aventurança, para me sepultar para
sempre, para sempre aqui. no inferno! antes escolher o tormento
eterno do que a glória eterna! antes escolher a maldição de deus
do que a sua bênção! antes a companhia dos demónios
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texto (quase) integral da terceira memória da irmã lúcia
como brasas transparentes
em obediência à ordem que v. ex. rev. me dá, na carta de 26 de
julho 1941, de pensar e apontar alguma coisa mais que da jacinta
me possa lembrar, pensei e pareceu-me que, por essa ordem, deus
falava, e era chegado o momento de responder a dois pontos de
interrogação que várias vezes me têm sido enviados e aos quais
tenho diferido a resposta.
parece-me que seria do agrado de deus e do imaculado coração de
maria que no livro "jacinta" se dedicasse um capítulo a falar do
inferno e outro do imaculado coração de maria. v ex. vai decerto
achar esquisito e fora de jeito este parecer, mas ele não é meu;
e deus fará ver a v. ex. rev. que aí vai a sua glória e o bem
das almas. terei, para isso, que falar algo do segredo e
responder ao primeiro ponto de interrogação.
1. o que é o segredo
o que é o segredo? parece-me que o posso dizer, pois que do céu
tenho já a licença. os representantes de deus na terra têm-me
autorizado a isso várias vezes e em várias cartas, uma das
quais, julgo que conserva v. ex. rev., do senhor pe. josé
bernardo gonçalves, em que me manda escrever ao santo padre. um
dos pontos que me indica é a revelação do segredo. algo disse;
mas, para não alongar mais esse escrito, que devia ser breve,
limitei-me ao indispensável, deixando a deus a oportunidade dum
momento mais favorável.
expus já, no segundo escrito, a dúvida que de 13 de junho a 13
de julho me atormentou e que nessa aparição tudo se desvaneceu.
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2. visão do inferno
bem; o segredo consta de três coisas distintas, duas das quais
vou revelar. a primeira foi, pois, a vista do inferno!
nossa senhora mostrou-nos um grande mar de fogo que parecia
estar debaixo da terra. mergulhados em esse fogo, os demónios e
as almas, como se fossem brasas transparentes e negras ou
bronzeadas, com forma humana, que flutuavam no incêndio levadas
pelas chamas que delas mesmas saíam juntamente com nuvens de
fumo, caíndo para todos os lados, semelhantes ao caír das
faúlhas em os grandes incêndios, sem peso nem equilíbrio, entre
gritos e gemidos de dor e desespero que horrorizava e fazia
estremecer de pavor. os demónios distinguiam-se por formas
horríveis e asquerosas de animais espantosos e desconhecidos,
mas transparentes e negros. esta vista foi um momento, e graças
à nossa boa mãe do céu, que antes nos tinha prevenido com a
promessa de nos levar para o céu (na primeira aparição)! se
assim não fosse, creio que teríamos morrido de susto e pavor.
em seguida, levantámos os olhos para nossa senhora que nos disse
com bondade e tristeza:
viste o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores;
para as salvar, deus quer estabelecer no mundo a devoção a meu
imaculado coração. se fizerem o que eu vos disser, salvar-se-ão
muitas almas e terão paz. a guerra vai acabar. mas, se não
deixarem de ofender a deus, no reinado de pio xi começará outra
pior. quando virdes uma noite alumiada por uma luz desconhecida,
sabei que é o grande sinal que deus vos dá de que vai a punir o
mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de
perseguições à igreja e ao santo padre. para a impedir, virei
pedir a consagração da rússia a meu imaculado coração e a
comunhão reparadora nos primeiros sábados. se atenderem a meus
pedidos, a rússia se converterá e terão paz; senão, espalhará
seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à
igreja; os bons serão martirizados, o santo padre terá muito que
sofrer, várias nações serão aniquiladas, por fim o meu imaculado
coração triunfará. o santo padre consagrar-me-á a rússia, que se
converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz.
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outras vezes, perguntava: por que é que nossa senhora não mostra
o inferno aos pecadores? se eles o vissem, já não pecavam, para
não irem para lá! hás-de dizer àquela senhora que mostre o
inferno a toda aquela gente (referia-se aos que se encontravam
na cova da iria, no momento da aparição). verás como se
convértem.
depois, meio descontente, perguntava-me: por que não disseste a
nossa senhora que mostrasse o inferno àquela gente? -
esqueci-me, respondia. - também não me lembrei!, dizia com ar
triste.
às vezes, perguntava ainda: que pecados são os que essa gente
faz, para ir para o inferno? - não sei. talvez o pecado de não
ir à missa ao domingo, de roubar, de dizer palavras feias, rogar
pragas, jurar. - e só assim por uma palavra vão para o inferno?!
- pois! É pecado! - que lhes custava estar calados e ir à
missa?! que pena eu tenho dos pecadores! se eu pudesse
mostrar-lhes o inferno!
repentinamente, às vezes, agarrava-se a mim e dizia: eu vou para
o céu; mas tu ficas cá; se nossa senhora te deixar, diz a toda a
gente como é o inferno, para que não façam mais pecados e não
vão para lá.
outras vezes, depois de estar um pouco de tempo a pensar, dizia:
não tenhas medo; tu vais para o céu. - pois vou, dizia com paz,
mas eu queria que toda aquela gente para lá fosse também.
quando ela, por mortificação, não queria comer dizia-lhe:
jacinta! anda, agora come. - não. ofereço este sacrifício pelos
pecadores que comem de mais.
quando já na doença, ia algum dia à missa, dizia-lhe: jacinta,
não venhas; tu não podes. hoje não é domingo! - não importa. vou
por os pecadores que nem ao domingo vão.
se calhava de ouvir algumas dessas palavras que alguma gente
parece fazer alarde de pronunciar, encobria a cara com as mãos e
dizia: Ó meu deus! esta gente não saberá que por dizer estas
coisas pode ir para o inferno? perdoa-lhes, meu jesus, e
converte-os. decerto não sabem que, com isto, ofendem a deus.
que pena, meu jesus! eu rezo por eles. e lá repetia a oração
ensinada por nossa senhora: Ó meu jesus, perdoai-nos...
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e a imagem da senhora de fátima chorou!...
está visto que maio continua a ser o mês propício a aparições e
a outros fenómenos de cariz religioso. depois das cada vez mais
remotas aparições da senhora de fátima - um delírio demencial
que, pelos vistos, resultou em cheio e, 81 anos depois, continua
ainda a trazer chorudos lucros financeiros e outros aos
responsáveis do santuário local e à hierarquia da igreja
católica -, eis que a moda parece ter pegado e a verdade é que,
um pouco por todo o lado, tanto no nosso país, como no
estrangeiro, múltiplas outras pessoas, geralmente mulheres pouco
escolarizadas e com ar manifestamente perturbado, têm-se
reivindicado de idênticos favores celestiais, protagonizados por
nossas senhoras qualquer coisa. por outro lado, sempre tem
havido quem deixe logo tudo e vá a correr ver para crer, sempre
na esperança de poder beneficiar de algum milagre. que a vida
dos pobres não está para folias. e um milagre faz sempre um
jeito do caraças.
desta vez, voltou a ser em portugal que ocorreu mais um
fenómeno, relacionado com a senhora de fátima. ou nós não
fôssemos um país onde a devoção à "senhora" sempre gozou de
grande aceitação, por parte das populações mais carenciadas e
oprimidas, em busca, não da indispensável e desejável
libertação, mas do ópio, com o qual, mais facilmente, possam
continuar, de geração em geração, a sobreviver no vale de
lágrimas que é a sua vida, e, durante a qual, não se cansam de
repetir, todos os dias e muitas vezes ao dia, aquela demoníaca
oração de arrepiar, que certas catequeses eclesiásticas lhe
ensinaram: "Ó meu jesus
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fátima: a grande ilusão
são ainda muitos os portugueses, mais elas do que eles, que
continuam a correr para fátima, de olhos postos na respectiva
senhora branca, surda e muda. vão na esperança de um milagre
que, felizmente, nunca aconteceu nem poderá alguma vez
acontecer, a não ser na imaginação mais ou menos delirante e
demencial das pessoas carenciadas (as carências levam as pessoas
a ver coisas e a ouvir mensagens, cuja realidade é apenas
virtual, à semelhança de quem avança pelo deserto e, a cada
passo, é atacado por miragens).
mesmo assim, tais pessoas não desistem. tão pouco dão sinais de
frustração. e a prova é que, no ano seguinte, com a chegada do
mês de maio, lá voltam de novo à estrada, muitos deles e delas a
pé, rumo ao recinto de fátima, onde desaguam, mais mortos do que
vivos, pelo menos, os que provêm de mais longe.
pode, por isso, dizer-se que fátima e a sua senhora branca ,
surda e muda, são a última grande ilusão das mulheres e dos
homens mais carenciados de portugal. (; não só. também do mundo.
uma ilusão dm:, no que nos diz respeito, tem muito a ver com um
certo messianismo português, politicamente centrado na figura do
adolescente rei d. sebastião, o desejado. o qual, segundo a
lenda, ainda há-de aparecer por aí, um dia, numa confusa manhã
de nevoeiro. para, finalmente, portugal ser o que até hoje não
foi capaz de ser. (nem será, enquanto nos mantivermos,
infantilmente, à espera de um qualquer messias. em vez de
ousarmos, cada dia, fazermo-nos a nós próprios, com muito suor,
muita inteligência, muita imaginação, muita alegria. e,
evidentemente, também com algum sofrimento.)
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