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NOSSO MUNbO- MUTÁVEL , ,

O ENVOLVIMENTO [R/STAO E NE[ESSAR/01

NO INÍCIO DO SÉCULO 21, somos confrontados com uma enorme


gama de desafios, os quais nunca poderíamos ter imaginado há cinquenta
anos. O ritmo das mudanças tecnológicas confirmam a inteligência da
humanidade, mas a persistência da pobreza mundial continua sendo um
desafio ao nosso senso de justiça. Cada vez mais somos interdependentes
globalmente e as oportunidades de negócios são abundantes, no entan­
to ricos e pobres nunca estiveram tão distantes. Somos tratados como
consumidores e não como cidadãos, em uma sociedade materialista de
grande sofisticação, mas de pouco propósito. As consequências involun­
tárias das nossas ações causaram problemas ambientais que ameaçam
seriamente nosso futuro juntos. Apesar da ameaça de uma guerra nuclear
ter regredido, temos de lidar com o aumento do terrorismo global, com
o surgimento de homens-bomba e com o ressurgimento da violência
inspirada na religião. O colapso da família, principalmente no Ocidente,
tem colocado cargas pesadas sobre pais solteiros, ameaçado a coesão da
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24 os CRISTAos EOS OFSAFIOS CONTFMPORANFOS


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NO~~O MI JNf'JO MlJTAvFL: 0 ENVOLVIMENTO CRISTAo t NECESsARIO? 25

comunidade e, em muitos casos, levado a urn senso de alienayao entre no mais profundo de nosso intimo 0 agir do amor de Deus, que nao
pessoas jovens. Estamos confusos no que diz respeito a natureza da pode ser contido.
identidade humana e essa confusao pode ser vista tanto na destruiyao Muitos de nos evange1icos ja fomos ou ainda somos acomodados
da vida, por meio do aborto e da eutanasia, quanto em nossa intenyao irresponsaveis. A comunhao mutua na igreja e m~ito mais comoda do
de criar vida, por intermedio da genetica e da donagem. que 0 serviyo em urn ambiente indiferente e hos~lla fora. E daro que
Por que nos envolvermos em tal mundo? E extraordinario que pre- fazemos incursoes evangelisticas casuais no territorio inimigo (essa e a
cisemos fazer essa pergunta e que a controversia deva surgir na relayao nossa especialidade evangelica), mas depois nos retraimos novamente,
entre evangelismo e responsabilidade social. Todos esses assuntos e do outro lado do fosso, em nosso castelo cristao - a seguranya da nossa
muitos outros afetam tanto cristaos quanta os que nao tern fe religiosa e propria comunhao evange1ica -, puxamos nossa ponte levadiya e ate
desafiam nosso senso de identidade e proposito. Desafiam-nos a aplicar tampamos os ouvidos para os damores daqueles que batem no portao.
o raciocinio cristao a novas questoes, que nos atingem em proporyoes Quanto a atividade social, temos tendencia a dizer que e basicamente
elevadas. No proximo capitulo, observaremos como os cristaos sao cha- uma perda de tempo, em virtude da volta iminente do Senhor. Afinal de
mados a desenvolver uma mente crista, mas, neste capitulo, quero olhar contas, quando a casa esta pegando fogo, 0 que vale pendurar cortinas
para 0 chamado de se envolver neste mundo. Ainda existem pessoas que novas ou mudar a posiyao dos moveis? A unica coisa que vale a pena e
acreditam que os cristaos nao tern responsabilidade social no mundo, resgatar os que perecem. Assim nos temos tentado salvar nossa consci-
apenas a missao de evangelizar aqueles que ainda nao ouviram 0 evan- encia, com lima teologia espuria.
gelho. Porem, e evidente que em seu ministerio ptlblico Jesus "foi [... J
ensinando [.. .] pregando" (Mt 4.23; 9.35) e "fazendo 0 bern e curando"
A HERANCA DO INTERESSE SOCIAL EVANGELlC02
(At 10.38). Como consequencia, "0 evangelismo e 0 interesse social estao
intimamente relacionados por toda a historia da Igreja [... J 0 povo cristao Ainda que os evangelicos tenham uma historia notavel no que se refere
frequentemente se envolvia em ambas as atividades voluntariamente, sem ao sell envolvimento com justiya social e economica, isso aconteceu de
necessidade alguma de definir 0 que eles estavam fazendo ou 0 porque".1 forma especial na Europa e na America do seculo 18. 0 avivamento
Nosso Deus e urn Deus amoroso, que perdoa aqueles que se voltam evangelico, que agitou ambos os continentes, nao deve ser lembrado
para ele arrependidos, mas tambem e urn Deus que deseja justiya enos apenas em referencia apregayao do evangelho e aconversao de pecadores
chama, como seu povo, nao somente para vivermos de forma justa, mas a Cristo. Ele tambem levou a filantropia generalizada e afetou a sociedade
para advogarmos a causa do pobre e do fraco. profundamente, em ambos os lados do Atlantico. John Wesley continua
Por que os cristaos devem se envolver? No fim, existem apenas duas sendo 0 exemplo mais admiravel. Ele e lembrado principalmente como
atitudes possiveis que os crista os podem adotar em relayao ao mundo. evangl'iista itinerante e pregador ao ar livre, mas 0 evangelho que ele
Uma e a fuga e a outra e 0 envolvimento (voce poderia dizer que existe pregava inspirou pessoas a abrayarem as causas sociais em nome de
uma terce ira opyao, ou seja, a acomodayao. Mas, nesse caso, os cristaos se Cristo. II istoriadores tern atribuido a influencia de Wesley, mais que a
torn am indistinguiveis do mundo e por causa disso nao sao mais capazes qualqlll'r outra, 0 fato de a Gra-Bretanha ter sido poupada dos horrores
de desenvolver uma atitude distinta para com ele. Eles simplesmente se de lIllla revoluyao sangrenta como ada Franya. 3
tornam parte dele). Acomoda~do significa virar as costas para 0 mundo, A llllldanya qlle sobreveio a Gra-Bretanha durante esse periodo foi
em rejeiyao, lavando as maos (apesar de descobrirmos com Poncio Pilatos bem doclimentada no notavellivro de J. Wesley Bready England; Before
que a responsabilidade nao sai com a lavagem) e cobrindo 0 corayao com and After Wesley - the evangelical revival and social reform [Inglaterra: antes
ayo contra seus gritos agonizantes de pedido de ajuda. Em contrapartida, e dl'P( lis de Wesley - 0 avivamento evange1ico e a reforma social]. Sua
envolvimento significa voltar a face para 0 mundo, em compaixao, sujando pesqllisa 0 foryou a conduir que "0 verdadeiro sustentador do espirito
nossas maos, machucando-as e usando-as em serviyo deste, e sentindo e d( IS val ores de carater que criaram e sustentaram as instituiyoes livres
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NOSSO MUNDO MUTAVEL: 0 ENVOLVIMENTO CRIST~O ~ NECESsARIO? If
21 OS CRISTAos EOS DESAFIOS CONTEMPORANEOS

em todo 0 mundo de lingua inglesa", de fato "a linha divis6ria moral da Tei!,'11mouth), Thomas Babington, Henry Thornton e, eclaro, sua estrela-guia,
hist6ria anglo-saxonica", foi "0 tao negligenciado e muitas vezes satiri- William Wilberforce. Devido a varios deles viverem em Clapham - na epo-
zado avivamen to evangelico". 4 Bready descreveu "a profunda crueldade ca uma vila ha tres milhas do suI de Londres, pertencente a Clapham
de grande parte do seculo 18",5 que foi caracterizado da seguinte forma: Parish Church, cujo reitor, John Venn, era urn deles -, vieram a ser
conhecidos como 0 partido de Clapham, apesar de, no parlamento e na
A tortura gratuita de animais como esporte, a embriaguez irracional imprensa, serem zombados como os santos.
da multidao, 0 trafico desumano de negros africanos, 0 sequestro de
Foi 0 interesse deles pela situac;:ao dos escravos africanos que os uniu
conterraneos para exportayao e venda como escravos, a mortalidade de
pela prime ira vez. Tres dias antes de sua morte, em 1791, John Wesley
filhos de membros da igreja, a obsessao universal pelo jogo, a crueldade
do sistema penitenciario e do codigo penal, 0 monstro da imoralidade, escreveu a Wilberforce para assegura-lo de que Deus 0 havia levantado
a prostituiyao do teatro, 0 crescente predominio da ilegalidade, da su- para 0 seu empreendimento glorioso e para estimula-lo a nao se cansar de
perstiyao e da lascivia, a corrupyao e 0 suborno politico, a arrogancia e fazer 0 hem. Em grande parte, e ao partido de Clapham (sob a lideranc;:a
truculencia eclesiastica, as pretensoes superficiais do deismo, a insince- de Wilherforce) que pertence 0 credito pelo primeiro assentamento de
ridade e depravayao des en fread as na Igreja e no Estado - tais manifes- escravos libertos em Serra Leoa (1787), a abolic;:ao do trafico (1807),0
tayoes sugerem que 0 povo britanico era, na epoca, tao profundamente registro dos escravos nas colonias, que colocou urn Hm ao contrabando
degradado e pervertido quanto qualquer povo da cristandade. 6 (1820), e finalmente a emancipac;:ao dos escravos (1833). Everdade que
os santos eram aristocratas ricos, que compartilhavam algumas das obli-
Depois as coisas comec;:aram a mudar. No seculo 19 a escravidao e 0 terali1cs sociais de sua epoca, mas des eram extremamente generosos
trafico de escravos foram abolidos, 0 sistema presidiario foi humanizado, em slia filantropia e 0 alcance de seus interesses era extraordinario.
as condic;:oes nas fabricas e minas foram melhoradas, a educac;:ao se tornou Alem do assunto da escravidao, des se envolveram na reforma penal
disponivel para 0 pobre e os sindicatos trabalhistas tiveram seu inicio. e parlamentar, na educac;:ao popular (escolas dominicais, folhetos e
De onde veio, entao, essa humanidade pronunciada? Essa paixao pela jus- o jornal Christian Observer), na ohrigac;:ao da Gra-Bretanha com suas
tiya social e sensibilidade aos males humanos? Existe apenas uma res posta coll'ln ias (especialmente a india), na propagac;:ao do evangelho (eles
coerente com a imbativel verdade historica: a mudanya deriva de uma foram instrumentais na fundac;:ao tanto da Sociedade Biblica quanto
nova consciencia social. E se essa consciencia social, reconhecidamente, da Socicdade Missionaria da Igreja) e na legislac;:ao das fabricas. Eles
foi fruto de rna is de urn progenitor, ela foi gerada e alimentada pelo avi- tamhcm fizeram campanhas contra os duelos, jogatinas, embriaguez,
vamento evangelico de urn cristianismo vital e pratico - urn avivamento imoralidade e esportes crut~is com animais. Do comec;:o ao fim, eles
que iluminou os postulados centra is da etica do Novo Testamento, que
foram direcionados e motivados par sua forte fe evangelica. Ernest
tornou real a paternidade de Deus e a irmandade dos homens, que apon-
tou a primazia da personalidade sobre a propriedade e que direcionou Mnrshall Howse escreveu sobre des:
corayao, alma e mente ao estabelecimento do reino de justiya na terra. 7 ESSl' grupo de amigos de Clapham pouco a pouco foi entrelayado por uma
intimidade e solidariedade surpreendentes. Eles planejavam e trabalha-
o avivamento evangelico "fez rna is para transfigurar 0 carater moral valli como urn comite que nunca se dissolvia. Nas mansoes de Clapham,
do populacho geral do que qualquer outro movimento que a hist6ria dl'S se reuniam por urn impeto comum, a partir do qual escolheram

britanica pode recordar". 8 Pois Wesley foi pregador do evangelho e profeta chamar as reunioes de seu Conse1ho de Ministros, em que discutiam os
da justic;:a social. Ele foi "0 homem que restaurou a nac;:ao a sua alma".9 Illales e injustiyas que eram uma vergonha para 0 seu pais e as batalhas que
Os lideres evangelicos da gerac;:ao seguinte foram comprometidos, sl'fia necessario lutar para estabe1ecer a justiya. Depois, no Parlamento
l' f~)f;l dele, eles se movimentavam como urn corpo, delegando a cada
com igual entusiasmo, com 0 evangelismo e com a atuac;:ao social. Os
hI )Illem 0 trabalho que esse podia fazer melhor, para que os principios
mais famosos entre eles foram Granville Sharp, Thomas Clarkson, . . comuns, rea1-lzad os. 10
n )Illuns pud essem ser manti'dos e sells proposltos
James Stephen, Zachary Macaulay, Charles Grant, John Shore Oorde
.- -T---1)J-rnm~m~mmrMfJmmWJl~--------~~~----'r-""""IIII/I-IIIII!I"!'------;;N~OS~StiOMMjj;UNmDnoMiMU"iTTA~vfiEL~:o~EF;;NMvO;t;LvViiIM:1EE~Tmocc~RISSrTiC'AO~t~Nj8ECiE~SS;AAR~IOj??:---jI:2929-

Em sua biografia de Wilberforce, Reginald Coupland comentou que se tornaram as tropas do movimento de reforma de sua epoca". Em
oportunamente: "Foi realmente urn fen6meno singular - essa fraterni- particular, "as for<;:as antiescravidao [. .. ] vieram, em grande parte, dos
dade de politicos cristaos. Nunca mais houve qualquer coisa semelhante convertidos nos avivamentos de Finney" .15
na vida publica britanica".l1 o seculo 19 e conhecido tambem pela grande expansao das mis-
Anthony Ashley Cooper foi eleito para 0 Parlamento britanico em s6es cristas que ele testemunhou. Contudo, nao se deve imaginar
1826, aos 25 anos de idade. Primeiramente na Camara dos Comuns e que os missionarios se concentravam exclusivamente na prega<;:ao,
depois na Camara dos Lordes, como 0 setimo Conde de Shaftesbury, ou mesmo que seu interesse social se restringia a socorrer e prestar
ele se interessou sucessivamente pela condi<;:ao dos deficientes mentais, assistencia, negligenciando 0 desenvolvimento e ate mesmo a atividade
pelo trabalho infantil nas fabricas enos moinhos, pelos meninos que sociopolitica. E duvidoso ate mesmo que essas distin<;:6es tenham sido
limpavam chamines, pelas mulheres e crian<;:as nas minas e pelas crian<;:as tra~adas na pratica. Nao, eles acolheram a medicina e a educa<;:ao,
dos corti<;:os, das quais rna is de 30 mil estavam sem lar em Londres e mais a tccnica agricola e outras tecnologias como express6es de missao e
de 1 milhao estava sem escola em to do 0 pais. Sua biografa, Georgina compaixao. Eles fizeram campanhas contra a injusti<;:a e a opressao,
Battiscombe, que muitas vezes the faz criticas bern severas, conclui, en- em nome do evangelho. A missao deles nao era de palavras, mas de
tretanto, 0 registro de sua vida com este generoso tributo: "Na verdade, paIavras e obras.
nenhum homem fez tanto para diminuir a amplitude da miseria humana
ou para acrescentar asoma da felicidade humana".n Ele proprio se sentiu
apto a dizer que "a maioria dos grandes movimentos filantropicos do
A GRANDE INVERSAO
seculo se originaram dos evangelicos"Y , Entretanto, mais tarde aconteceu algo para desafiar 0 compromisso evan-
o mesmo pode ser dito dos Estados Unidos no seculo 19.0 envolvi- gclico com 0 interesse social. Isso ficou visivel especial mente durante os
. mento social foi tanto filho da religiao evangelica como irmao gemeo do primeiros 30 anos do seculo 20, sobretudo durante a decada seguinte
evangelismo. Isso e visto claramente em Charles G. Finney, que e mais :'t Primeira Guerra Mundial, quando uma mudan<;:a drastica aconteceu,
conhecido como 0 advogado que se tornou evangelista e autor de Lectures a qual 0 historiador americano Timothy L. Smith denominou a grande
on Revivals of Religion (1835) [Palestras sobre reavivamentos da religiao]. invcrsao, e que David O. Moberg investiga em seu livro com esse mesmo
Por meio de sua prega<;:ao do evangelho, varias pessoas foram trazidas a titulo. 16
fe em Cristo. 0 que nao e muito conhecido e que ele era interessado por
reformas tanto quanto 0 era por avivamentos. Ele estava convencido, como
A LUTA CONTRA 0 LlBERALISMO
Donald W. Dayton mostra em sua obra Discovering an Evangelical Heritage
[Descobrindo uma heran<;:a evangelica], de que 0 evangelho "lib era urn Primeiramente, houve a luta contra 0 liberalismo teologico, que negli-
poderoso impulso na dire<;:ao da reformasocial" e que a negligencia da gcnciava a prega<;:ao do evangelho. Os evangelicos sentiam que estavam
Igreja em rela<;:ao a reforma social entristece 0 Espirito Santo e impede contra a parede. 17 Compreensivelmente, eles se tornaram preocupados
o avivamento. E maravilhoso ler a declara<;:ao de Finney em sua 23 a com a defesa e a proclama<;:ao do evangelho, pois ninguem mais parecia
Conferencia sobre avivamento de que "0 grande trabalho da Igreja e l'star advogando 0 cristianismo biblico-historico. Esse foi 0 periodo
reformar 0 mundo [... ] A Igreja de Cristo foi organizada originalmente (1910-1915) em que uma serie de doze pequenos livros intitulada The
para ser urn grupo de reformadores. A propria profissao do cristianismo Fundamentals [Os fundamentos] foi publicada nos Estados Unidos, cujo
implica a profissao, a verdade no juramento, de fazer todo 0 possivel para IH lme deu origem ao termo fundamentalismo. Ocupados na tentativa de

a reforma universal do mundo".14 defender os fundamentos da fe, os evangelicos sentiam que nao tinham
Nao e de se surpreender, entretanto, que por intermedio do evan- tempo para quest(-leS sociais.
gelismo de Finney Deus levantou "urn exercito de jovens convertidos
10 os CRISTAoS EOS DESAFIOS OONTEMPORANEOS NORSO MlJNDO MlJTAvEL: 0 ENVQ1VIMENTO CRISTAe t NECESSARIO? 31

A REJEIQAO DO EVANGELHO SOCIAL


°
(·!lsi!)o retrata presente mundo mau como se estivesse fora do alcance
Em segundo lugar, os evangelicos reagiram contra 0 chamado evangelho dl' Illelhorias ou reden<;ao e prediz, em lugar disso, que ele se deteriorara
social, conceito desenvolvido pelos liberais teologicos da epoca, 0 qual ti- constantemente ate a volta de Jesus, que entao estabelecera seu reino
nha por objetivo produzir uma sociedade crista pela a<;ao social e politica. milenar na terra. Se 0 mundo esta ficando pior e se apenas Jesus, em sua
Teologos como Walter Rauschenbusch, que era professor de historia da vinda, 0 consertara, logo nao existe razao para ten tar reforma-Io neste in-
Igreja no Rochester Seminary, em Nova York, entre 1897 e 1917, criticavam terim. "Adotar programas politicos e como limpar os camarotes do Titanic
o capitalismo e defendiam urn tipo simples de comunismo ou socialismo ens- depois de ele ter-se chocado com 0 iceberg [... J E muito mais importante
tao. IS Primeiramente, ele errou ao identificar 0 reino de Deus com "uma simples mente pregar 0 evangelho e resgatar almas para a vida alem". 20
reconstru<;ao da sociedade, com base crista" .19 Em segundo lugar, ele inferiu
que os seres humanos podem estabelecer 0 reino divino por si mesmos, o SURGIMENTO DAS CLASSES MEDIAS
enquanto Jesus sempre falou do reino como urn dom de Deus. 0 reino de
A quinta razao da aliena<;ao evangelica do interesse social provavelmente
Deus nao e sociedade cristianizada. E 0 preceito divino na vida daqueles
foi a difusao do cristianismo entre pessoas da classe media, que tendiam
que reconhecem Cristo. Precisa ser recebido, acolhido ou herdado por uma fe
a enfraquece-Io ao adapta-Io a sua propria cultura. Precisamos admitir
humilde e penitente a Cristo. A nova sociedade de Deus e chamada para
que muitos de nos que dao grande valor a salva<;ao sao profundamente
exibir os ideais de seus estatutos no mundo e assim apresentar ao mundo
conservadores culturalmente e preferem preservar 0 status quo a envol-
uma realidade social alternativa. Esse desafio social do evangelho do reino
verem-se na desordenada atividade da atua<;ao social e politica. Essa e
e bern diferente do evangelho social. Ecompreensivel, apesar de lastimavel,
uma das raz6es pelas quais muitos estereotipam os cristaos como sendo
que, reagindo a ele, os evangelicos tenham se concentrado no evangelismo
bi.o preocupados com sua propria salva<;ao que nao se importam com a
e na filantropia pessoal e se mantido afastados da a<;ao sociopolitica.
situa<;ao do pobre e do fraco. Certamente, se formos fie is ao evangelho
cristii.o, devemos agir contra a injusti<;a onde quer que a encontremos.
o IMPACTO DA GUERRA Apesar de eu ter conseguido mencionar anteriormente alguns exemplos
A terce ira razao da negligencia evangelica a responsabilidade social foi a excelentes de atua<;ao social nos seculos 18 e 19, com certeza houve outras
ampla desilusao e 0 pessimismo que se seguiram a Prime ira Guerra Mun- situa<;oes em que a igreja cedeu a opressao e a explora<;ao e nao tomou
ll1edida alguma contra esses males, nem mesmo protestou contra eles.
dial,devido a exposi<;ao da maldade humana. Programas sociais anteriores
i A grande inversao e explicada por essas cinco raz6es. Nao culpamos nos-
haviam falhado. Seres humanos e sociedades pareciam ser irreformaveis. !

,\ sos antepassados evangelicosj se estivessemos em seu lugar, provavelmente


As tentativas de reformar eram inuteis. Na verdade, devido as doutrinas
teriall10s reagido as press6es da mesma mane ira. Nem todos os evangelicos
biblicas do pecado original e da deprava<;ao humana, os evangelicos nao
corroll1peram sua consciencia social no inicio do seculo 20 e no periodo
deveriam ter sido tornados de surpresa. Porem, entre as guerras, nao
entre guerras. Alguns continuaram lutando, profundamente envolvidos
houve nenhum lider evangelico que articulasse a providencia e a graca
tanto na sociedade como nos ministerios evangelicos, preservando as-
comum de Deus como fundamento para a esperan<;a perseverante. 0 sim esse trabalho indispensavel ao evangelho, sem 0 qual 0 cristianismo
cristianismo reformado, historico, estava em eclipse.
perde parte de sua autenticidade. Mas a maioria abandonou essa pratica.
Depois, durante a decada de 60, a decada do protesto, quando os jovens
A INFLUENCIA DO PRE-MILENISMO se rebelaram contra 0 materialismo, a superficialidade e a hipocrisia do
Em quarto lugar, houve a difusao da visao pre-milenista, especialmente mundo adulto que haviam herdado, a corrente evangelica recuperou 0
por meio do ensino de J. N. Darby, popularizado na Biblia Scofield. Esse animo e as coisas come<;aram a mudar.
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as CRISTAoS E os DESAFIOS CONTEMPORANEOS
NOSSO MUNDO MUTAVEL a ENVOLVIME; CRISTAo t NECESsARia? 33

A RECUPERACAO DO INTERESSE SOCIAL EVANGELICO


com as Escrituras, deveriamos relacionar os dois. Assim, em junho de
A primeira voz a lembrar aos evangelicos suas responsabilidades sociais 1982, sob patrocinio da Comissao de Lausanne e da Alianya Evangelica
provavelmente foi a do estudioso cristao americano Carl F. H. Henry, Mundial, foi realizada a Consulta Internacional sobre Evangelizayao
fundador e editor da revista Christianity Today, em seu livro The Uneasy e Responsabilidade Social, em Grand Rapids, Estados Unidos, a qual
Conscience of Modern Fundamentalism (1947) [A consciencia inquieta do gerou 0 relatorio intitulado EvangeUzac;:ao e Responsabilidade Social - um
fundamentalismo modernol. Parece que nao foram muitos os que ouvi- compromisso evange[ico. Apesar de, obviamente, nao vermos todos os
ram, mas, pouco a pouco, a mensagem foi entendida. Em 1966, no final
pontos sob um mesmo prisma, Deus nos levou a um consenso surpre-
da Conferencia Americana de Missoes Mundiais, os participantes aderi-
endente. A atividade social foi reconhecida como uma consequencia
ram unanimemente a Dedarac;:ao de Wheaton, que associava firmemente "a
do evangelismo e como uma ponte para 0 mesmo. Na verdade, os dois
prioridade da pregayao do evangelho a toda criatura" e "um testemunho
foram considerados parceiros e unidos pelo evangelho: "Pois 0 evan-
verbal a Jesus Cristo" com "ayao social evangelica" e incentivava "todos
gelho e a raiz da qual tanto 0 evangelismo quanto a responsabilidade
os evangelicos a defenderem aberta e firmemente a igualdade racial, a
social sao frutos". 22
liberdade humana e todas as formas de justiya social pelo mundo".
Desde entao, 0 compromisso dos evangelicos com a ayao social tem
Nos anos 60, na Gra-Bretanha, varios lideres evangelicos, cuja maioria
crescido imensamente. Muitas conferencias tem acontecido e declarayoes
era formada por leigos na vida profissional enos negocios, comeyaram a
tem sido publicadas sobre assuntos diversos, como meio ambiente, de-
abrayar as implicayoes sociais do evangelho. Entre eles estavam George
Goyder, Fred Catherwood e 0 professor Norman Anderson. Depois, no ficiencias, guerra e paz e aspectos diversos da vida econ6mica e politica.
primeiro Congresso Anglicano Evangelico Nacional, na Universidade de Novas instituiyoes tem nascido com 0 objetivo de facilitar a ayao social
Keele, em 1967, evangelicos anglicanos arrependeram-se publica mente crista e um grande numero de igrejas locais tem desenvolvido projetos
.de sua tendencia de se afastarem do mundo secular e da igreja maior, que buscam aplicar principios cristaos a ayao social. Muitas agencias
concluindo que "evangelismo e serviyo compassivo devem seguir juntos missionarias aderem, atualmente, ao conceito de missao holistica, segun-
na missao de Deus".21 do 0 qual 0 evangelismo deve atuar em conjunto com a ayao social.
o ponto decisivo para os evangelicos do mundo inteiro, sem duvida Neste livro, serao cit ados projetos, campanhas e organizayoes que sao
alguma, foi 0 Congresso Internacional de Evangelizayao Mundial, que testemunhos do interesse social evangelico. No entanto, nos ultimos
aconteceu em julho de 1974, em Lausanne, SUiya. Cerca de 2.700 par- anos, infelizmente tem havido uma reayao contraria a redescoberta da
ticipantes, de mais de 150 nayoes, reuniram-se sob 0 lema "Que a Terra nossa heranya social crista. Alguns afirmam que devemos focar so mente
ouya a voz de Deus", e, no final do congresso, estabeleceram 0 Pacto de na exposiyao das Escrituras e no evangelismo pessoal, ja que a atuayao
Lausanne. Depois de tres seyoes introdutorias sobre 0 propos ito de Deus, social e uma distrayao da pratica dessas coisas. Mas nao pode ser assim.
a autoridade da Biblia e a unicidade de Cristo, a quarta seyao do Pacto foi E justamente por termos uma boa visao das Escrituras e fazermos uma
intitulada "A natureza da evangelizayao" e a quinta, "A responsabilidade leitura cuidadosa que descobrimos que ela nao separa 0 evangelismo da
social crista". Esta de clara que "evangelizayao e envolvimento sociopoli- ayao social e que 0 exemplo supremo disso e a vida e 0 ensino de Jesus.
tico sao, ambos, parte de nosso dever cristao". Mas as duas seyoes ficam Cristo nos ens ina que nao podemos separar 0 amor da justiya, pois 0
lado a lado no pacto, sem haver pretensao de relaciona-Ias, exceto pela que 0 amor deseja, a justiya exige.
afirmayao, no paragrafo VI, de que "na missao de serviyo sacrificial da
igreja a evangelizayao e primordial".
A IGREJA E A POLfTICA
Durante os anos posteriores ao Congresso de Lausanne, houve certa
tensao entre os evangelicos, pois alguns enfatizavam 0 evangelismo e Nesse contexto, e importante olhar cuidadosamente para a relayao entre
outros, a atividade social. Todos nos perguntavamos como, de acordo cristianismo e politica, pois muitas vezes a ayao social significara algum
14 os CRISTAos E OS DESAFIOS CONTEMPORANFOS

tipo de ayao politica. Desde muito tempo os evangelicos sao extremamente


• NORSO MlJNnO MlJTAvFL: 0 FNVOI VIMf~ CRIRTAo ~ NFCFSMRIO?
/)Ulilica denota a vida da cidade (pulis) e as responsabilidades do cidad,lo
cautelosos quanto a relayao entre cristianismo e politica, crendo que ell'S (/)olites). Portanto, ela diz respeito a totalidade da nossa vida em sociedade.
nao se misturam. Claro, essa crenya nao era compartilhada pelo Partido Politica e a arte de viver junto em uma comunidade. Em uma definiyao
de Clapham! restrita, contudo, politica e a ciencia do governo. Ela remete ao desenvol-
Nos ultimos anos, alguns dos mais desconfiados da ayao politica a vimento e a adoyao de diretrizes especificas visando a criayao de novas
abracaram de todo 0 coracao. Refiro-me aos muitos evangc\icos con- leis. Diz respeito a ganhar poder para produzir mudanyas sociais.
serv~dores dos Estados Unidos que, na ultima parte do seculo 20 e no Uma vez que essa distinyao esta clara, podemos indagar se Jesus estava
inicio do seculo 21, comeyaram a fazer campanhas e a ser francos em envolvido com a politica. No sentido restrito, vemos com clareza que ele nao
relayao a questoes eticas, como aborto, homossexualidade, eutan,lsia t' estava. Ell' nunca fundou um partido politico, nunca adotou um programa
pesquisa com celulas-tronco - assuntos que eles consideravam amt'a~as politico ou organizou um protesto. Ele nao tomou medidas para influen-
de um liberalismo secular antagonico ao evangelho cristao. Ell's tkaram ciar as diretrizes politicas de Cesar, Pilatos ou Herodes. Pelo contrario, ele
popularmente conhecidos como a maioria moral e tinham um poder de Vl ltl 1 renunciou a carreira politica. Entretanto, no sentido mais amplo, todo 0
tao grande que foram considerados um fator chave na reeleiyao do presidentl' seu ministerio foi politico. Pois ele veio ao mundo para participar da vida
George W. Bush, em 2004, nao somente porque Bush era simpatico as suas em comunidade dos homens e enviou seus seguidores ao mundo para fazer
crenyas, mas tambem porque ele professava a fe crista. Outros continuaram o mesmo. Alem disso, 0 reino de Deus, que ele proclamou e inaugurou,
precavidos quanto a um envolvimento tao grande da fe crista com a ayao era uma organizayao social nova e radicalmente diferente, cujos valores e
politica, enquanto os grupos focados na justiya social tambem viam a ayao padroes desafiavam os da antiga e decadente comunidade. Nesse sentido,
politica como parte essencial de seu compromisso com as Escrituras. 21 seu ensino teve implicayoes politicas. Ele ofereceu uma alternativa para 0
E extremamente importante examinar a relayao entre cristianismo e status quo. Alem disso, seu reinado foi percebido como um desafio para 0
politica por duas razoes. Primeiro, para convencer aqueles que desconfiam de Cesar e, por isso, ele foi acusado de sediyao.
de que exista um envolvimento adequado de cristaos na politica e que Nao faz diferenya dizer que Jesus e seus ap6stolos nao eram interessados
isso faya parte de nossa vocayao crista. Segundo, para deli near os limites em politica e que eles nao exigiam nem recomendavam a ayao politica,
dessa vocayao, de tal mane ira que aqueles que se tornaram excessivamente muito menos se envolviam nela. Isso e verdade, no entanto, apesar de
envolvidos na politica possam perceber os limites desse envolvimento e politica se referir a neg6cios do estado, tambem se refere a obtenyao e
os perigos de dar ao evangelho um carater politico. ao exercicio do poder. 0 fato de Jesus ter tido um ponto de vista muito
Varias questoes estao envolvidas nesse tema controverso e a discussao diferente sobre 0 poder foi uma das razoes pelas quais ele foi temido pelos
se torna mais aguerrida devido a dificuldade de distingui-las. A primeira politicos de sua epoca e por que eles 0 viam como alguem que atacava seus
e a definiyao da palavra politica. A segunda diz respeito a relayao entre governos. Nao foi sem razao que Maria, em seu Magnificat, disse: "Derrubou
o social e 0 politico e por que eles nao podem ser mantidos separados. governantes dos seus tronos, mas exaltou os humildes" (Lc 1.52). Apesar
Em terceiro lugar, precisamos considerar as razoes pelas quais algumas de 0 ensino de Jesus nao ser claramente politico, ele destruia estruturas
pessoas se opoem ao envolvimento da igreja na politica e 0 que e que politicas injustas, desafiava a opressao e prometia ao povo um novo reino,
elas tentam proteger. Por fim, em quarto lugar, precisamos examinar a caracterizado pela justiya, no qual a verdade, e nao as pro mess as politicas,
relayao entre principios e programas. libertava-os. 0 impacto disso na vida social e politica foi tao profundo que
e bastante legitimo falar em politica de Jesus. 24
A DEFINI<;AO DE POLITICA Os resultados desse ensinamento levaram algum tempo para causar
impacto. Devemos nos lembrar que os seguidores de Cristo eram uma
Em primeiro lugar, devemos definir nossos termos. As palavras politica e minoria insignificante sob 0 regime totalitario de Roma. As legioes
politico podem ter uma definiyao ampla ou especifica. Em termos gerais, romanas estavam por todos os lados e tinham ordens para reprimir as
----- --~---------
==::;:"
18 os CRISTAoS EOS DESAFIOS CONTEMPORANtoS

dissidencias, esmagar a oposi<;ao e preservar 0 status quo. A pergunta e:


1
I
NOSSO MIJNOO MllTAvFI. 0 FNVOlVIMFNTO CRISTAo ~ NECESsARIO?

condi<;oes das fabricas, a garantia de urn papel mais participativo para


37

l
eles teriam sido politicamente ativos se tivessem tido a oportunidade e os trabalhadoresj alem de cuidar dos pobres, a melhoria - e, quando
a probabilidade de conseguir mudan<;as? Acredito que sim. Pois, sem necessaria, a transforma<;ao - do sistema economico, qualquer que seja
a a<;ao politica adequada, algumas necessidades sociais simples mente ele, e do sistema politico, novamente, qualquer que seja, ate que se facilite
nao poderiam ser satisfeitas. Os apostolos nao exigiram a aboli<;ao da a liberta<;ao da pobreza e da opressao". 27
escravatura. Mas nao estamos alegres e orgulhosos de que cristaos do
seculo 19 0 tenham feito? A campanha deles era fundamentada no
ensino biblico da dignidade humana e era urn emprego legitimo de sse
( Parece claro, entao, que 0 interesse cristao genuino adotara tanto 0
servi<;o quanto a a<;ao social. Nao seria algo natural divorcia-Ios. Algu-
mas necessidades nao podem ser satisfeitas a nao ser pela a<;ao politica,

I
ensino. Os apostolos tambem nao construiram hospitais, nem exigi- como 0 cruel tratamento de escravos, que poderia ter sido melhorado
ram que fossem construidos, mas criar hospitais cristaos e uma pr<itica pela a<;ao social, mas isso nao resolveria 0 problema da escravidao em si,
legitima do interesse compassivo de Jesus pelos doentes. Do mesmo ela precisava ser abolida. Continuar aliviando as necessidades imediatas,
modo, a a<;ao politica, que e 0 amor buscando justi<;a para 0 oprimido, apesar de necessario, pode se tornar uma desculpa para nao resolver a
e uma aplica<;ao legitima do ensino e do ministerio de Jesus. Como situa<;ao que as causa. Se os viajantes da estrada entre Jerusalem e Jerico
comentou 0 arcebispo Desmond Tutu, de seu modo particularmente fossem frequentemente espancados e sempre cuidados pelo born sama-
vivido, "nao entendo que Biblia as pessoas estao lendo quando sugerem ritano, a necessidade de leis melhores para eliminar os roubos a mao
que religiao e politica nao se misturam". 25 armada poderia ser negligenciada. Se acidentes de trftnsito acontecem
regularmente em urn determinado cruzamento, a necessidade nao e de
SERVIQO SOCIAL E AQAO SOCIAL mais ambulftncias, mas de semaforos, para bus car prevenir os acidentes.
Sempre e born alimentar os famintos, mas melhor e, se possivel, erradi-
Em segundo lugar, precis amos considerar a rela<;ao entre 0 social e 0 politico, car as causas da fome. Assim, se realmente amamos nossos proximos e
usando agora esta palavra em seu sentido rna is restrito. Em seu capitulo queremos servi-Ios, 0 servi<;o pode nos compelir a tomar, ou a solicitar,
final, 0 relatorio de Grand Rapids Evangelismo e Responsabilidade Social- um medidas politic as em favor deles.
Compromisso Evangelico fez-se essa pergunta. Ele distinguiu servifo social de
afao social e, de forma muito util, esquematizou 0 seguinte quadro:
A POLITIZAQAO DO CRISTIANISMO

Servic;o social Ac;ao social Em terceiro lugar, precis amos entender aqueles que sao hostis ao envol-
vimento politico da igreja. Eclaro que existe urn grande perigo na politi-
Remoc;:ao das causas da
Assistencia a necessidade humana necessidade humana za<;ao do evangelho, que e a identifica<;ao da fe crista com urn programa
politico. Isso e errado por duas raz6es. A prime ira e que a politiza<;ao
Atividade filantropica Atividade politica e econ6mica
ignora 0 interesse principal da fe crista, que e amar a Deus - 0 primeiro
Procura transformar as estruturas
Procura ministrar a individuos e familias e grande mandamento. Amar 0 nosso proximo como a nos mesmos
da sociedade
tambem e importante e ambos os mandamentos caminham juntos. A
Atos de misericordia A busca pela justic;:a26
segunda razao e que, em urn mundo caido, nenhum program a politico
pode declarar ser a expressao da vontade de Deus.
o relatorio continua, definindo a a<;ao sociopolitica nos seguintes termos: Como afirma William Temple, provavelmente 0 arcebispo de
"Ela considera, alem das pessoas, as estruturasj alem da reabilita<;ao Canterbury mais socialmente engajado do seculo 20, "a assevera<;ao da
dos prisioneiros, a reforma do sistema carcer<irioj alem da melhoria das igreja quanto ao pecado original deveria faze-Ia intensamente realista
- OS-CR-IS-TA-OS-E-O-S-D-ES-A-FI-OS-C-O-NT-E-MP-O-RA-N-Eo-s--------~--~!·Ji-I""""" -1 ==:::::'"
NOSSO MI INDO MIITIIVrI • (1 FNVOI VIMFNTO enlsTAn ( NrerssllnlO'1 39

I
e visivelmente livre do utopismo". 28 Os cnstaos evangelicos que se como integridade - a igreja carece da pericia necess,'tria, apesar de alguns
juntaram em Lausanne, no grande Congresso Internacional de Evan- de seus membros possui-Ia -, prudencia - ela pode provar estar errada,
geliza<;:ao Mundial (1974), declararam sem rodeios em seu pacto: "N6s
[.•. J rejeitamos, como urn sonho orgulhoso e confiante em si mesmo, a
no<;:ao de que 0 homem possa construir uma utopia na Terra".29
f com 0 tempo, e assim ficar desacreditada - e justi~a - entre os cristaos ha
diferentes opinioes e a igreja nao deve defender urn lado, mesmo que seja
a maioria de seus membros contra uma minoria, que e igualmente leal.
Tambem nao devemos esquecer que nosso chamado para 0 envolvi-
mento social deve ser integrado anossa vida espiritual. N6s nao podemos,
(' Assim, a igreja provavelmente sera atacada de ambos os lados se cumprir
por exemplo, separar a a<;:ao social ou 0 servi<;:o social da ora<;:ao. Urn born o seu dever. Dido a ela que se tornou politica quando, na verdade, ela
foi cuidadosa para declarar apenas principios e apontar brechas neles,

I
exemplo disso vern do trabalho de Madre Teresa de Calcuta.
e defensores de determinadas diretrizes the dirao que ela e futil, porque
Muitos que visitam Madre Teresa e seus missionarios de caridade ficam nao os apoia. Se ela for fiel a sua missao, ignorara ambas as queixas e
surpresos ao notar que, nos horarios de almoyo, eles encerram seu tra- continuara, tanto quanto puder, a influenciar todos os orgaos governa-
balho de sustento das vidas que estao morrendo nos ambulat6rios enos mentais e agencias e a permear todos os partidos. 14
lares. Por que sair tao cedo? Para orar. Eles aprenderam que trabalhar
sem orayao e conseguir apenas 0 que e humanamente possivel, e 0 desejo E claro que precisamos reconhecer que cristaos, como individuos,
deles e conseguirem possibilidades divinas. 10 e ate mesmo organiza<;:oes cristas especializadas terao 0 conhecimento
necessario sobre questoes de orienta<;:ao politica e se manifestarao, farao
A igreja, portanto, nao deve se esquecer de seu chamado principal de campanhas e conduzirao pesquisas sobre esses assuntos. Pode acontecer
orar, cultuar, evangelizar e convidar outros para seguir a Cristo. Politica- tambem que urn grande numero de cristaos esteja de acordo sobre uma
mente, ela precisa tambem estar consciente de que, mesmo procurando
determinada diretriz e se una para apoiar ou protestar contra ela, depen-
o que e melhor para a sociedade humana e estudando a Palavra de Deus
dendo do caso. Entretanto, isso e diferente de comprometer a igreja com
em busca de uma mente crista, ela nao pode entronizar 0 pensamento
uma diretriz em particular. Mesmo se concordarmos com essa definiyao
cristao em urn programa politico particular. Como veremos, uma das
de papeis e reconhecermos que nem todos os cristaos sao responsaveis por
virtu des da democracia e que ela nos leva a humildade e a necessidade
elaborar as diretrizes politicas, ainda teremos de lutar com os principios,
de nos ouvir mutuamente, especialmente quando discordamos urn do
outro e tentamos achar urn caminho a seguir. { e esses costumam nao ser faceis de formular.

I TRES OPCOES POLITICAS


A RELAQAO ENTRE PRINCiPIOS E PROGRAMAS
Agora e necessario considerar as tres formas possiveis de se alcan<;:ar a mu-
Em 1942, William Temple enfatizou a importante distin<;:ao entre prin-
dan<;:a social que temos concebido e dar a elas urn vies politico, observando,
cipios e programas em seu famoso livro Christianity and the Social Order
ao mesmo tempo, qual defini<;:ao de ser humano cad a uma delas pressupoe.
[0 cristianismo e a ordem socialJ. 31 "A igreja e comprometida com 0
evangelho eterno [... J ela nunca deve se comprometer com urn programa
efemero de a<;:ao detalhada". 32 Leitores de Temple saberao que ele estava AUTORITARISMO
muito longe de dizer que religiao e politica nao se misturam. Seu ponto Os governos autoritarios impoem sua visao de mundo sobre as pes-
de vista era diferente, era de que "a igreja esta envolvida com principios soas. Eles nao tern a limita<;:ao e 0 contrapeso de uma constituiyao,
e nao com medidas politicas". 33 As razoes pelas quais ele acreditava que de uma declara<;:3.o de direitos ou de elei<;:oes livres e justas. Os
a igreja como urn todo devia se refrear de a~do politica direta, ou seja, de governos autoritarios sao obcecados pelo controle e tern uma visao
desenvolver e defender program as especificos, poderiam ser resumidas pessimista sobre a natureza humana. Eles nao acreditam que a verdade
-uta ==::::::::"
os CRISTMs E OS DESAFIOS CONTEMPORANEOS

1 NOSSO MUNDO MUTAVEl : 0 FNVOLVIMENTO CRISTAe t NFCESsARIO? 41

,
I
seja 0 cerne da sociedade civil; antes, sao desconfiados quanto as outras instituic;:oes cairem por meio da violencia e, na imaginac;:ao popular,
consequencias da liberdade humana e da escolha pessoal. Na historia anarquia e mais associada ao caos do que a uma ordem social. Assim, 0
humana, os governos autoritarios, sejam eles fascistas, comunistas ou problema e que, enquanto 0 autoritarismo tern uma visao pessimista da
uma ditadura, como se pode encontrar em alguns paises, nao creem condi~ao humana e nega ao povo liberdade e dignidade, a anarquia tern

(
no discurso social, como nao creem que se possa aprender alguma uma percep~ao otimista demais da natureza humana, aparentemente
coisa com as pessoas. Ja que as pessoas desejam ter direitos humanos ignorando 0 fato de que a ra~a humana e decaida e capaz de grande de-
e ser livres para escolher como viver suas vidas, 0 governo autoritario, prava~ao. Agora nos sabemos que nenhuma opiniao crista da sociedade
geralmente, nao so impoe sua visao de sociedade ao povo, mas 0 coage civil pode ser expressa como urn sonho utopico, pois as pessoas nao sao

I
a aceitar essa visao. Isso tern levado, em muitas sociedades, a violencia e apenas criadas a imagem de Deus, mas sao tambem decaidas, de forma
a supressao dos direitos humanos nao so dos que resistem em nome da que qualquer sociedade deve concordar com esses elementos da natureza
liberdade, mas tambem dos grupos que nao sao tolerados pelo regime humana. Epor essa razao que nos voltamos agora para a democracia.
autoritario. No seculo 20 isso levou, em sua forma mais extrema, aos
campos de concentra~ao nazistas e ao arquipelago Gulag, da antiga
DEMOCRACIA
Uniao Sovietica. Mesmo que uma autocracia fosse genuinamente
benevolente, ela desprezaria seus cidadaos, pois nao confiaria neles A democracia e a terce ira op~ao. Ela e a expressao politica da persuasao
para ter participa~ao alguma na tomada de decisoes. pelo argumento. Se 0 autoritarismo, por ser pessimista, impoe a lei arb i-

,
trariamente e a anarquia, por ser otimista, tern uma visao inadequada de
ANARQUIA autoridade, entao a democracia, por ser realista e considerar os homens
seres criados e tambem decaidos, envolve os cidadaos na estrutura de
Do outro lado do espectro esta a anarquia. Nessa filosofia existe tanto suas proprias leis. Pelo menos essa e a teoria. Na pratica, e facil para a
otimismo acerca do individuo, que a lei, 0 governo, na verdade qualquer
autoridade e vista nao somente como superflua, mas como uma amea~a
a liberdade humana. 0 filosofo russo Bakunin era contra qualquer dis-
tribui~ao desigual de poder. Ele comentou: "Voce quer tornar impossivel
I
1
midia manipular as pessoas e, para a corrup~ao, interferir no processo
politico. E em toda democracia existe 0 constante perigo de se esmagar
as minorias.
Varias filosofias politicas sao compativeis com a democracia. Muitas

I
uma pessoa oprimir seu companheiro? Entao fa~a tudo 0 que for possivel formas de socialismo veem a democracia como 6 centro da sociedade
para que ninguem possua poder". 35 0 escritor Brian Morris comentou: civil, como a social-democracia, que considera a provisao do bem-estar
o termo anarquia vem do grego e significa, essencialmente, "sem sobe- como necessaria para uma sociedade justa. Na social-democracia 0 alvo
rano". Anarquistas sao pessoas que rejeitam todas as formas de governo e que a sociedade seja conduzida para 0 bern de todos. Na democracia
ou autoridade coerciva, todas as formas de hierarquia e dominio. Eles liberal 0 foco esta na liberdade e no individuo e nao na igualdade e na
sao, portanto, opostos ao que 0 anarquista mexicano Flores Magon cha- comunidade. Os mercados econ6micos estao no centro da sociedade e a
maya de trindade sombria: Estado, capital e igreja. Anarquistas sao, entao,
fun~ao do Estado e vista como secundaria a escolha individual. A demo-
opostos tanto ao capitalismo quanto ao Estado, bem como a todas as
cracia social e a liberal sao, talvez, os do is modelos rna is familiares que
formas de autoridade religiosa. Mas os anarquistas tambem procuram
estabelecer ou realizar, por diferentes meios, uma condiyao de anarquia,
vemos na prarica hoje. Apesar disso, vale a pena mencionar do is outros
isto e, uma sociedade descentralizada, sem instituiyoes, uma sociedade modelos. 0 libertarismo focaliza total mente as escolhas dos individuos
organizada por intermedio de uma federayao de associayoes voluntarias. 36 e confina 0 Estado a proteger os individuos da coer~ao. Nesse ponto
de vista, proporcionar ajuda para aqueles que estao em desvantagem e
Apesar de tal defini~ao parecer inocua, a anarquia tambem tern sido interferir contra a liberdade. De certo modo, e uma forma mais extre-
associada a violencia. Alguns anarquistas tentam fazer 0 Estado ou ma de liberalismo. No comunitarismo a enfase esta na comunidade e
$QiQ ==::::::;"
2 OS CRISTAos Eas DESAFIOS CONTEMPORANEOS

na tradiciio, nao no individuo. E uma alternativa ao liberalismo e ao


1 I
NOSSO MtJNnn MtJTAVFI ' n ENVOI VIMFNTO r.RISrAn I- NFCESsARIO?

Uniao Sovietica e 0 extraordinario vislumbre de elei<;:oes no lraque,


43

libertarismo e aponta para a necessidade de reter os valores morais e as


institui<;:oes que compartilhamos, como a familia, por meio dos quais
descobrimos nossa identidade.
( anteriormente sob ditadura de Saddam Hussein, apesar de 0 pais ainda
estar fnigil e ca6tico.
o que e tao atraente na democracia? Afinal de contas, e uma maneira
"A palavra democracia e seus derivados se aplicam a procedimentos de fragil de organizar uma sociedade. Ela pode ser sequestrada, corrompida
decisao", como afirma John R. Lucas em seu livro Democracia e Partici-
par,:ao. A palavra descreve tres aspectos do processo de tomar decisao. 0
primeiro diz respeito a quem a toma.
( e abusada pelos poderosos. Porem, qualquer que seja a cor politica, os
cristaos tendem a defender a democracia, que foi popularmente definida
por Abraham Lincoln como governo do povo, pdo povo, para 0 povo. Nao
Uma decisao e tom ada democraticamente se a resposta a pergunta "quem que seja "perfeito ou completamente sensato", como admitiu Winston
a toma?" for "mais ou menos todos", em contraste com decisoes tomadas Churchill na Camara dos Comuns em 11 de novembro de 1947. "Na
somente por aqueles melhores qualificados para toma-Ias, como em uma
meritocracia, ou com decisoes tomadas por apenas urn homem, como
f verdade" - continuou ele - "tem-se dito que a democracia e a pior forma
de governo - com exce<;:ao de todas as outras formas que tern sido testadas
em uma autocracia ou monarquia. de tempo em tempo".

Em segundo lugar, a democracia descreve como se chega a uma de-


cisao. "Uma decisao e tomada democraticamente quando e alcan<;:ada
pela discussao, analise e compromisso". Em terceiro lugar, a democracia
t
,
o fato e que e a mais sensata e segura forma de governo ja inventada,
porque ela reflete 0 paradoxo de nossa humanidade. Ela leva a serio
a cria<;:ao, isto e, a dignidade humana, porque se recusa a governar os
seres humanos sem seu consentimento. Em vez disso, insiste em dar
descreve a motiva<;:ao pela qual uma decisao e tomada, ou seja, "estar a eles uma parte responsavel no processo de tomar decisoes. Ela leva
preocupado com os interesses de todos, nao somente com os de uma a serio tambem a queda, is to e, a deprava<;:ao humana, porque se re-
fac<;:ao ou partido"Y cusa a concentrar 0 poder nas maos de uma ou de poucas pessoaSj ao
Assim, a democracia moderna tern maior probabilidade de refletir a contnhio, insiste em distribui-Io, protegendo assim 0 homem de seu
visao biblica equilibrada sobre 0 homem, como poderiamos esperar, em pr6prio orgulho e insensatez. Reinhold Niebuhr pontua isso de forma
vista de suas raizes na Europa crista p6s-Reforma. Ela tambem da aos sucinta: "A capacidade do homem de agir com justi<;:a faz a democracia
cristaos a oportunidade de oferecer uma contribui<;:ao construtiva em uma ser possivel j mas a inclina<;:ao do homem para a injusti<;:a faz a demo-
sociedade pluralista, por meio da atua<;:ao no debate publico - seja sobre cracia ser necessaria". 38
desarmamento, div6rcio, aborto ou fertiliza<;:ao in vitro - e por meio da Falando sobre a importancia da democracia, 0 te610go cat6lico
influencia da opiniao publica, ate que haja uma necessidade comum de se Richard Neuhaus diz:
criar uma legisla<;:ao, 0 que seria mais agradavel a Deus. Pois a democracia
A democracia e a forma adequada de governo em uma cria<;ao decaida,
eo governo do consentimento, 0 qual depende de consenso - pelo menos na qual nenhuma pessoa ou institui<;ao, inclusive a igreja, pode falar
quando os procedimentos eleitorais sao verdadeiramente democraticos -, e infalivelmente por Deus. A democracia e necessariamente uma expres-
o consenso surge de uma argumenta<;:ao, na qual os assuntos controversos sao de humildade, po is todas as pessoas, bern como as institui<;oes, sao
se tornam esclarecidos. consideradas responsaveis por alcan<;ar objetivos comuns, os quais nem
Durante 0 seculo 20, as ideologias do fascismo e do comunismo sempre sao compreendidos [... J e claro que a democracia e insatisfat6-
eram impostas pela for<;:a. Ambos declaravam ser capazes de alcan<;:ar ria. Todas as estruturas aquem das qualifica<;oes do reino de Deus sao
urn Estado ideal, no qual a humanidade poderia transcender suas insatisfat6rias. Os dissabores da democracia - seu carater provis6rio e
sua imperfei<;ao - sao os sinais de saude politica. A fome por uma forma
dificuldades hist6ricas. 0 resultado foi a miseria, a injusti<;:a e 0 pavor
verdadeiramente satisfat6ria de colocar 0 mundo em ordem e louvavel.
para milhoes de pessoas. No inicio do seculo 21, temos visto, com 0
Mas essa fome e pelo reino de Deus e e perigosamente mal empregada
colapso do comunismo, uma onda de democratiza<;:ao varrer a antiga quando investida na arena politica. 39
• os CRISTAos EOS DESAFIOS CONTEMPORANEOS

Os cristaos devem ser cuidadosos em nao "batizar" qualquer ideologia


jj &

,
~
==::::::"
Nossn MlJNDO MUTAVEI : 0 ENVOLVIMENTO CRISTAo t NECESsARIO?

como razoes de a situa<;:ao estar incorrigivel, as disc6rdias entre cristaos,


45

politica, seja de direita, de esquerda ou de centro, como se Fosse um uma Biblia antiquada e assuntos que s6 podem ser compreendidos por
monop6lio de verdade e bondade. Na melhor das hip6teses, uma ideo- especialistas. Eles nao creem que Deus fala conosco por meio das Es-
logia politica e seu program a sao apenas uma aproxima<;:ao da vontade e f crituras e nos leva a verdade. Em segundo lugar, podem ser ingenuos e
do prop6sito de Deus. Aqueles partidos que se rotulam explicitamente simplistas. Essas pessoas querem solu<;:oes rapidas e frequentemente veem
como cristaos tambem precisam estar cientes disso. 0 fato e que sao
encontrados cristaos na maioria dos partidos politicos e eles sao capazes
de defender sua participa<;:ao a partir de fundamentos cristaos sensatos.
( os assuntos em preto e branco, em vez de refletir sabiamente sobre eles a
luz das Escrituras. Elas negam os problemas, citam textos justificativos,
critic am aqueles que discordam e fazem qualquer coisa, exceto lutar
Assim, me deixando levar por uma grande simplifica<;:ao, ouso afirmar com os assuntos que nos confrontam, a luz das Escrituras. Assim, 0 que
que ambas as principais ideologias politicas ocidentais atraem os cristaos, e necessario, como discutirei no pr6ximo capitulo, e desenvolver uma
por diferentes razoes. 0 capitalismo atrai porque incentiva 0 empreendi-
mento e a iniciativa humana, mas tambem causa aversao, po is parece nao
f mente crista e isso significa analisar as questoes, ler as Escrituras, ouvir
outras pessoas e agir.
se importar com 0 fato de 0 fraco sucumbir a competi<;:ao selvagem que
ele produz. Por outro lado, 0 socialismo atrai porque demonstra grande
compaixao pelo pobre e pelo fraco, mas tambem repele porque parece
( Entretanto, mesmo se ja fizemos nosso dever de casa e discutimos,
debatemos e oramos juntos, precis amos nos perguntar: "Nos ombros
de quem esta a responsabilidade politica?". Nao fazer e responder a essa
nao se importar com 0 fato de a iniciativa e 0 empreendimento individual pergunta e uma das principais razoes da atual confusao sobre 0 envolvi-
serem sufocados pelo grande sistema politico que ele produz. Cada um mento cristao na politica. Precis amos distinguir entre individuos, grupos
atrai porque enfatiza uma verdade a respeito dos seres humanos: a neces-
e igrejas. Todos os cristaos, como individuos, deveriam ser politicamente
sidade de conceder liberdade a execu<;:ao de suas habilidades criativas ou
ativos, no sentido de, como cidadaos conscientes, votarem nas elei<;:oes,
.a necessidade de protege-los da injusti<;:a. Cada um cria aversao porque
informarem-se sobre assuntos contemporaneos, participarem de debates
deixa de considerar, com a mesma seriedade, a verdade complementar.
publicos e talvez escreverem para um jornal, argumentarem com seus
Ambos podem ser libertadores. Ambos tambem podem ser opressivos.
candidatos eleitos ou participarem de manifesta<;:ao. Alem disso, alguns
Como afirma 0 economista e estadista J. K. Galbraith, "no capitalismo,
individuos sao chamados por Deus para dar suas vidas ao servi<;:o politico,
o homem explora 0 homem. No comunismo, e apenas 0 contrario". E
tanto no governo local quanta no nacional. Os cristaos que compartilham
compreensivel que muitos cristaos sonhem com uma terceira op<;:ao, que
de preocupa<;:oes morais e sociais especificas deveriam ser encorajados a
supere as atuais e incorpore as melhores caracteristicas de ambas.
formar ou a se unir a grupos que estudarao mais profundamente 0 assunto
Na democracia somos convidados a ouvir humildemente uns aos
e poderao tomar as atitudes adequadas. Em alguns casos, esses grupos
outros e constatar que nao temos um monop6lio da verdade, enquanto
serao exclusivamente cristaos; em outros, os cristaos desejarao contribuir
continuamos perseguindo os prop6sitos de Deus para a nossa sociedade.
com grupos mistos - seja um partido politico, um sindicato operario ou
Devido ao homem ser caido, certamente existe uma lacuna entre 0 ideal
uma associa<;:ao profissional -, oferecendo sua perspectiva biblica.
divino e a realidade humana, entre 0 que Deus revelou e 0 que e possivel
a humanidade. Adequados 0 pensamento e a a<;:ao politica de individuos e grupos
cristaos, a igreja, como um todo, deve se envolver em politic a? Certamen-
te a igreja deve ensinar 0 evangelho e a lei de Deus. Esse e 0 dever dos
NOSSA RESPONSABILIDADE POLITICO-CRISTA pastores, professores e outros lideres da igreja. E "quando a igreja condui
Quando confrontados com a complexidade da vida moderna, os cristaos que a fe ou a integridade biblica requerem que ela tome uma posi<;:ao
podem ser tentados a se dirigir a do is extremos. Primeiramente, eles po- publica a respeito de algum assunto, entao ela deve obedecer a Palavra de
dem sucumbir ao desespero e ate mesmo ao cinismo. Eles mencionam, Deus e confiar a ele as consequencias" .40 Pensar que a igreja deve ir alem
;------~~-C-,R-IRT-Ao-S-E-O-S-DE-R-AF-IO-S-C-ON-T-EM-P-O-RA-N-m-R---------~---~---1 - - - ==::::::"
NORSO MIJNDO MIJTAvn : 0 rNVOI VIMFN 10 cnlSTAO t Nf cr ~;sAf11()? 47

I
do ensino e tomar atitudes politicas corporativas em rela<;:ao ao Estado se suplementam. Se uma oportunidade eventual e dada a eles para
e como se aderissemos a tradi<;:ao luterana, reformada ou anabatista em
rela<;:ao a igreja. Pelo menos devemos concordar que a igreja nao deve
entrar nesse campo sem a habilidade necessaria. Porem, se os lideres fazem
sua tarefa de casa com esmero, dedicam tempo e se esfor<;:am estudando
I apresentarem relatorios aos membros da igreja, a natureza representativa
de seu trabalho sera afirmada e eles poderao receber urn valoroso apoio
da igreja, por meio de conselhos, incentivo, ora<;:ao e sustento financeiro.
Nenhum cristao poderia, ou deveria, tentar se envolver em todos os
urn assunto juntos, a fim de alcan<;:ar urn pensamento cristao comum e
recomendar uma a<;:ao crista comum, a postura informada e unida deles
passar a ser extremamente influente.
(
~
tipos de ministerio. Mas cada igreja, independente do tamanho, pode e
deve se envolver em tantas areas quanta possivel, por meio de seus grupos.
Os grupos tornam possivel a igreja diversificar bastante seu interesse e
Observe primeiro 0 cristao de forma individual. Em termos gerais, a<;:ao. 41 Como veremos no proximo capitulo, os cristaos precisam ter urn
todo cristao e chamado para ser testemunha e servo. Assim, cada urn de conhecimento completo das Escrituras, que lhes proporcione fundamento
nos e urn seguidor do Senhor Jesus que testemunhou uma boa confissao
e disse: "Eu estou com voces como urn servo". Assim, diakonia (servico) e
I teologico para 0 envolvimento cristao. A reflexao e a a<;:ao cristas nao
podem ser separadas.
martyria (testemunho) sao gemeos inseparaveis. Apesar disso, diferentes
cristaos sao chamados para diferentes ministerios, especificos, assim
I Finalizo este capitulo com 0 que pode ser uma referencia ate surpre-
endente a missa catolica romana. Diz-se que a palavra missa e derivada da
como os doze foram chamados para 0 ministerio da palavra e da ora<;:ao, declara<;:ao final usada na antiga cerim6nia em latim: !te, missa est. Num
enquanto os sete foram chamados para se incumbirem da distribui<;:ao portugues educado pode significar: "Voces estao dispensados". Numa
diaria para as viuvas (At 6). A metafora da Igreja como corpo de Cristo linguagem mais aspera e direta, poderia ser apenas "Saia!" - sair para 0
refor<;:a a mesma li<;:ao. Assim como cad a membro do corpo humano tern mundo que Deus fez e onde os seres a sua imagem habitam, 0 mundo
uma fun<;:ao diferente, assim tambem cada membro do corpo de Cristo para 0 qual Cristo veio e ao qual ele agora nos envia. Pois e a esse mundo
tern urn dom diferente, portanto, urn ministerio diferente. Ao mesmo que pertencemos. 0 mundo e a arena na qual devemos viver e amar,
tempo, qualquer que seja 0 nosso chamado especifico, emergencias 0 testemunhar e servir, sofrer e morrer por Cristo.
ultrapassarao. Na parabola do Born Samaritano, 0 sacerdote e 0 levita
nao puderam desculpar sua vergonhosa negligencia com 0 homem que
havia sido assaltado ao dizer que seu chamado era trabalhar no templo.
Se somos chamados para urn ministerio predominantemente social,
ainda temos a obriga<;:ao de testemunhar. Se somos chamados para urn
ministerio predominantemente evangelistico, nao podemos dizer que
nao temos responsabilidades sociais.
Quanto a igreja local, a versatilidade de seu alcance pode ser grande-
mente aumentada se todos os seus membros fizerem uso completo dos
seus diferentes dons e chamados. E muito saudavel para a lideran<;:a da
igreja incentivar as pessoas que tern interesses semelhantes a se unirem
em grupos de interesses especiais ou de estudo e a<;:ao. Alguns terao urn
objetivo evangelistico - visita de cas a em casa, grupos de musica, missoes
mundiais etc. Outros grupos terao interesse social - visita a enfermos ou
de assistencia social, associa<;:ao de abrigo, rela<;:oes comunitarias ou de
ra<;:as, cuidado com 0 meio ambiente, defesa da vida, campanhas contra
o aborto, defesa das necessidades de uma minoria etnica etc. Tais grupos
9
A Política elo Poder

A democracia americana surgiu de urna tradição intelectual e espiritual de


longa data. Seu equilíbrio entre direitos individuais e governo da maioria. e sua
herança de liberdade econômica e ideológica colocam-na entre as grandes rea­
lizações da civilil;ação ocidental. /\ pergunta é: Será que a democracia americana
conseguirá sobreviver numa sociedade pós-n,odema'?
O que irá acontecer com as liberdades ela América no dia em que as verda­
des "evidentes por si mesmas'' sobre as quais elas foram fundadas não forem
mais evidentes por si mesmas? Atualmente, quase todos os pressupostos que
deram surgimento à democracia estão sendo atacados, desde a liberdade do
indivíduo à existência ele um Deus transcendente cuja Lei está acima ele todas as
culturas e que dota os seres humanos de direitos inalienúveís. Não é apenas que
as teorias pós-modernistas abalam a noção de uma sociedade livre, independen­
te: é que também a prática na política contemporânea parece estar seguindo a
orientação dessas teorias, movendo as estruturas governan1entais numa direção
sinistra, antidemocrática.
Por outro lado, se o evento que realmente define a era pós-moderna é a
queda elo Muro ele Berlim, talvez a democracia possa rejuvenescer. Enquanto as
velhas democracias elo Ocidente parecem estar lançando fora os princípios de­
mocráticos, o resto do mundo está apenas descobrindo-os. Se as liberdades que
a América tem desfrutado durante gerações vão florescer em todo o mundo pós­
moderno, ou se essas liberdades vão se desconstruir e ser substituídas por estru­
tura-;; totalitárias de poder absoluto ainda está para ser visto.

As Implicações Políticas do Pós-Modernismo


Recordemos os princípios da ideologia pós-modernista, conforme os temos vis­
to aparecer nos capítulos anteriores:
1·,'
l 1 1.11·, ,·. I', ,·, [Vl, 11,1-1: ~11 ,:: 1··, \

1) <J ( 'onsfr ulivi.1 mo Social. Srgnificado, moralidade eliminada, para SL~r subslituída por uma nova modalidad
e wrdi1dL' não exis- e de cxistC·11ci:1
tem objetivamente: ao contrário, são conslruidos pela comunitária, que por enquanto ainda não está clarament
sociedade. e delinida.
2) Dete rmin ismo Cultural. Os indivíduos são totalm
ente moldados por Quais são as implicações políticas dessas idéias?
forças culturais. A linguagem cm particular determina A crenç a de que a realidade seja socialmente construída
o que podemos , como jáapon(<lll
pensar, prendendo-nos numa "prisão da lin,guagem". David Horowitz, só pode ser uma fórmula para o totali
3) A Rejeição da Identidade Individual. As pessoas exist tarismo. A democraci;1
1

em em prim eiro presume que os indivíduos sejam livres e auto-orientados


lugar como membros de grupos. O fenômeno do indí vi duali . Sabem governar a sí
smo america- mesmos. O pós-modernismo sustenta que os indivíduos
no em si já é uma construção da cultura americana, com não são livres e que si'i( l
seus valores de dirigidos pela sociedade. Se os membros da sociedade
classe média de independência e introspecção; mas esse são passivos e intcír.i·
individualísmo mente controlados por forças sociais, então a independên
permanece uma ilusão. A identidade é antes de tudo coleti cia é impossível. Se :i
va. realidade é socialmente construída, então o poder da socie
4) A Rejeiçâo do Humcmisrno. Valores que enfatizam dade e daqueles que
a criatividade, a au- a dirigem é ilimitado. Em contraste com o Crrstianis
tonom ia e a prioridade do ser humano são mal coloc mo que ensina que Deus
ados. Não existe constrói a realidade, enxergar a sociedade corno criadora
h11111anidade universal, visto q uc cada cultura constitui da realidade é diviniz,1r
sua própria reali- a cultura. Com essas pressuposições, todo problema preci
dade. Os valores humanistas tradicionais são cânones de sará ter uma solU(JH 1
exclusão, opres- socictúria, e nada irú escapar do alcnm:c daqueles que
são e crimes contra o meio ambiente natural. Os grupo di rigcm a socie dalk
s precisam capa- "TotalitCirio" significa que o Estado controla todas as esfçr
citar-se para sustentar seus próprios valores e assumir as da vida, que é o:: 1
seu lugar com as tamente o posicionamento do pós-rnoclcrnismo.
outras espécies do planeta. O pós-rno(krnismu minimi1/.a o imlívíduo crn fovor do
5) A Negaç:âo do 1hms cend enfe. Nilo existem absolutos. grupo. Isso só putk
Mesmo se exis- resultar numa mcntalidaüe coletivista na qual as rcivin
tissem, não teríamos acesso a eles porque estamos l dicac/ícs do indivíduo ,: 1
imilados ú nossa perdem nas dcmumbs do grnpo. Dil'icilim:nte se pode
cultura e confinados ~l nossa Iinguagem. cspcrnr ck uma ideoh \ Í:. 1

qHc cré que a Iilx:rdadc pessoal é illlS,lil que ela


6) Rcduc:íonismu do I'oder. Todas as instituições, todo: tkkn da ou permita a liberdad, ·
; os relacionamen- individual.
tos humanos, todos os valores morais e todas as criaç 'fornbérn ,,', lüto uuc C}~cl uir val< )!·e:, trn11'.~ccnc.knt~:s coloc
ões hum anas -~ a as snci,:dacles ak·',
desde as obras de arte até as ideologias relig iosas ~- cio cmlx~rgo cl(1'., \imite~: murai~; /\ srn.:i,.:d;1dc n:Jo fica
são cxprL'.SSÕcs e suj1. :ila :'l h:: moral: eh fa;~; ·
máscaras da sede de poder primordial. ki ;nmal. nfü, ,::, 1stcm :1 1,solu1üs . pn.:~,\1n1v .. :,;~ CiUL~ u sociclialtC 11u:,sa
7) A Rejeiçiio da Razc1o. A razão e o impulso a ccmsisu; 1
objetivar a verda de são nu, 1isquc r vr1101·'.~:; (Jlh.: qul'.ita. e c1m' cL1 nwsn n
nüo se sujeite rt nenhum. 'foi:·
múscaras ilusórias para o poder cultural. A autenticida assunto:: s[tn luclPs nlcT,lnJ:,·nlc C! ucslCks dv pock:r. '.'>,.'.ili
de e satisfacão :li ,soluio'.': morais, o JY,
vêm de se submergir o cu num grupo maior, soltando os (.k'I" torm .. ,c.;,:: :tr!1itr{;i·i,1. ~ :1:11;1 rdo c:i:;tc D,1:-;c p:m:
impulsos n:.:ltu;·ais ,1 pcr:-;u:1.<"t:J tnora i ot: arg
tais como as emoções honestas e a sexualidade, cultivando m: ·nh rncLrn:ü . ei :.t\un uu~: ,J \\'.I" nw i:,; pucí,.:T ir:1.
a subjetivida- ~',miiar. (J guv::r:10 í.orna-sc nada
de e desenvolvendo uma abertura radical ú existência 111aL:- U-Ul.' o rnirn c:~cr~~H_:.lt1 eh~ n()Ú(:·~-
pela recusa de i.lirnitajv, . ~;(~n; a~: !\>:;t..rH,'.J)~:r. d~l
impor ordem à própria vida.
8) A Crític;a Revolucionária da Ordem Existenfe. A razão. No nivel pessoal, a rejeição de todos os absolutos externos em favor da subjetividade
sociedade moderna podera significar o triunfo do irracionalismo, a deflagração da loucura e a imposição do
com seu racionalismo, sua ordem e sua visão unitária da terror.
verdade precisa
ser substituída poru ma nova ordem mundial. O conhecim É verdade que a maioria dos pós-modernistas não defendem esplicitamente o
ento científico totalitarismo nos dias de hoje. Pelo contrário, eles pretendem que suas posições sejam
reflete um modernismo superado, embora a nova tecno
logia eletrônica liberalizadoras, libertando grupos oprimidos da " verdade unica" proclamada por forças
prometa muito. A segmentação da sociedade cm seus grupo culurais opressoras. Contudo, é dificil ver suas premissa como
s constituin-
tes permitirá um verclndciro plurnlismo cultural. A velha
ordem deve ser
1 ,1

deve preceder o socialismo. Hoje a ala da esquerda, ao contrúrio dos nwrxisl:1~


111 Hk.'1Hl~11k<tlgurna maneira sustentar uma sociedade livre.(: cLmi que a dcmu-
da geração passada, mostra pouco interesse no movimento trabalhista e na teo-
n:1c1,1 l 1r111a-sc sobre o oposto dos princípios pós-modernistas- sobre a liber-
ria econômica. Em vez disso, a esquerda dá ênfase à mudança cultural. Mmbr
dade e a dignidade elo indivíduo, sobre valores humanitários, sobre a validade ela
os valores ela América é visto como o melhor meio de introduzir a utopia socia-
razão, _sobre Deus em lugar do Estado como fonte de todos os valores, sobre
lista. É por isso que a Esquerda atual patrocina qualquer causa que tire a força <..k
uma lei moral transcendente que restringe tanto a tirania cio Estado como a tirania
valores morais e culturais tradicionais, e é o motivo pelo qual os esquerdistas são
das paixões individuais.
atraídos às instituições que moldam a cultura a educação, as artes e a mídia.'1
Significativamente, os pós-modernistas ponderados estão reconhecendo eles
O radicalismo pós-marxista substitui a preocupação ele Marx pela oprimida
próprios, as implicações políticas perigosas da sua ideologia. Steven Co~nor
classe operária, por outros grupos oprimidos (afro-americanos, mulheres, gays)
reconhece que rejeitar valores universais leva ou
quando constrói as novas ideologias revolucionárias. Status e legitimidade moral
à _ad?ção por negligência du princípio universrrl de qtie n força faz 0 resultam de se ser ''excluído cio poder". A vítima tem o papel preferido. 5 Por
direito; ou à complacência Ccliz do pragmatismo, no qual se presume causa do "romance do marginal", mesmo professores universitários que estão
que nunca podemos basear as nossas atividades cm princípios éticos bem de viela se lançam no papel de vítima do poder opressivo. Trabalhos erudi-
que t,c11han1 mais força do que apenas cfü:::cr que '·esse é o 1ipo de coisa tos trepidam de indignação, autopiedade e "extremismo teórico". Ser negro,
que Jazemos porque nos convém". (No fim. de fato, a opçfío prrrgimíti- mulher ou gay é desfrutar de um tipo de santidade secular. Mas até mesmo essas
ca sempre se tornarú agonística, visto que só ii_111clon:tr21 satisfoturia- categorias estão se segmentando em cada vez menores seitas de vítimas.
mcntc até que alguém se recuse a concordar com você, ou recuse dei- John Leo descreve um congresso acadêmico sobre "Ira!'' de uma universi-
xar que você discorde dele ou dela.)" dade da Califórnia. 6 Conta de um trabalho intitulado "A Política de Ensinar a
Posição ele Vítima na Literatura Ásio-americana a Leste da Califórnia", sobre a
Por ''agonística·' ele quer dizer /11/(/. A única alternativa aos valores trans- frustração de um professor ásio-americano porque os estudantes da costa leste
cendentes, absulutos, é uma luta pclu poder na qual a força foz O direito. Muitos dos Estados Unidos são insensíveis à situação dificil dos asiáticos na Califórnia.
pós-modernistas afirmam, sim, que suo pragmáticos - -- trabalham para resolver Outra professora agonizava sobre o fato de ser oriundrr de um meio operário -
p'.·oblen:a~ cspccíllcos e se i\Í ustm ú ·vida de maneira [kxívcl, scn1 qu:ilqucr espé- contando como ela se torna vítima dos colegas de classe média- e sobre seu
cie Je cocl1gu moral abrangente. Connor percebe que o pragmatismo sozinho irú reconhecimento de que ensinar Shakespeare "institucionaliza a subordinação''
se transfo:-mar em luta pur poder sempre que enfrentar oposição. (Note bem por causa do racismo e classismo dele. A controvérsia irrompeu quando um
como as lacções pró-aborto e 11ró-auv scmixc SL' J,'S\"I.'t11
_ e • l"-, •' ~Sa -1 ,J- 1 ,11·g 1.11.,1 c 11 L(l'
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estudante apresentou um trabalho sobre a ira expressa em filmes dirigidos por
0

obi_cüv~ so hr~ st'.:1s posi~·ôcs,._iustificando suas açôcs simplesmente com um ,,;or negros. Que um acadêmico branco se atrevesse a falar pelos negros violava o
qw.: nos
~onvem . E c~n seguida empregam a força política e j uríclica esmagadora princípio pós-modernista de que uma pessoa de uma cultura (especialmente a do
na tentativa de desLnnr seus adversários.) opressor) nunca pode entender ou se colocar totalmente no mundo de outra
C~n.nor observa também "a herança apocalíptica de Nietzsche ... que sugere
cultura.
q~e a urnca fo1:ma ele val~r está na aceitação cio extremismo teórico" . ., Isso, para Um transexmll (um homem que se submeteu a wna cirnrgia para mudança de
dizer q uc os pos-modcrn1stas tendem a ser extremistas. sexo) apresentou um trabalho sobre sua ira por não ser aceito pelas lésbicas
,. -~nquanto ~esac_rcdita~lo nos países ex-comunistas, o mm-xismo clássico ainda como mulher. Ela (ou ele) prosseguiu analisando a "trnnsfobia" que infeta a cultu-
mrm mtelcctuais ocidentais, cm parte, sem dúvida, por purn rebeldia contra suas ra americana. Outro acadêmico apresentou um trabalho com o título "Por que Eu
próprias sociedades. Mas seu marxismo é um pouco diferente do rnarxismo de Apóio o Ataque aos Gays". O trabalho expressa sua ira contra homossexuais
Engels e Lenin. O marxismo clássico acredita gue a mudança econômica. culmi- que querem entrar na corrente principal da sociedade americana, seja casando-
nan_do no socialismo, irá transformar a cultura. Os novos marxistas, scg1;indo os se ou entrando para o exército. Ele ataca "os gays brancos egocêntricos ou as
ensmos do comunista italiano Antonio Gramsci, ensinam que a mudarn;'l cultural
1 '/

1, ·,;hic;1.•; lir: 111c;1s p1·L·su1H? isas" (chamar ulguém de "lxanc( 1" (· l 1111;1 ;1 li·( mta p('ls~ 1( llllc pm excclêncü1 d,1q11i lu q uc chamamos de '·védurL·:, ". 1.:m VL'I'. lk·
111o(krnista irrebatível), acusando-os de estarem endossando "n pluralismo libe- :q1elar para uma autoridade fr)ra de nós mesmos, só jl( idcmos procurnr
ral, a Iiberdadc de expressão, o sonho americano e outros tais". (As implicações ativar nossas capacidades retóricas pma travm as batalhas políticas ne-
:111tidernocrálicas elo pós-modernismo ficam evidentes na rejeição explícita da cessárias à defesa ele nossas próprias preferências e proibir expressões
··1 iherdade ele expressão" e presumivelmente de outros direitos humanos.) Ades- de prcforências que nos ameaçam ou initam. Fish é sincero sobre a falta
peito da hostilidade geral dos participantes, não só em rebção à sociecbde. mas de base de suas próprias crenças e sobre sua disposição de travar ba-
cm relação aos colegas vítimas, eles ti"veram muito cm comum. "Havia acordo talhas políticas para silenciar aqueles a quem desaprova. 8
geral'', registra Leo, "cm que a América é inerentemente opressiva e que a única
resposta correta é a organização em volta da vitímização grupal e da ira." "Alguém sempre vai ser restringido cm seguida", diz Fish, ''e sua tarcL, l'
Ce1iarnente, os participantes da conferência "Ira!" não parecem ser grande certificar-se de que esse alguém não seja você." 9
ameaça política. Sua histeria e a trivialidade de seus agravos não provocam tm1a Arthm Pontynen faz um resumo da ligação entre o pós-modernismo L' :1:;
reação séria. Tal exlrcmisrno, cstímulado pela sua indignaçfío hipócrita que não regras de "correção política" no campus tmiversitário:
reconhece nenhuma restrição mural ,tlc;rn dos interesses dos seus próprios gru- Porque não existe sabedoria, dizem-nos, não existe isso de livre ex-
pos, poderia quanto muito resultar cm terrorismo (a modalidnde pós-moderna pressão (e as políticas ou regras seio colocadas par::i limitar a livre ex-
de revolu~'.ãü). Já vemos isso na ação de espetar {irvores e colocar bombas nos pressão nos campus). Dizem-nos que não existe isso de responsabilid~1-
laboratórios dos ativistas pelos Direitos dos Animais (um movimento pós-mo- de individual e dignidade (e políticas são propostas para promoverem o
dernista cxcmplrn} J\ilas com certeza lais grupos hiperscgrncnladus. por sua pró- tratamento das pessoas nilo com base no merecimento individual, mas
pria natureza, s:."ío pequcn()s dcm~lis ptll'~l ler impacto politico. com base cm categorias tão rçstritivas corno raça, sexo e classe ... ).
>::::-:o('. V(;nladc e nos dú c~pcrançc1. íVL1s él dL:spl·ito de pruk:;larc1n tanto de
Dizem-nos até que não existe ciência, só iic~:Cics significativas; que não
q1,e lhes falta puder. esses grupos e especialn1entc a mentalidade que rcprcsen- existe cultura, só paradigmas de opressão. iu
tm1 tên1 poder, sim. Sua prcsrnça e ,luloridadc morní no mundu ac.ad('.micu 6
C mundo acadêmico n;fo é a [urre de marlim que ús VLJ.cs 1x1rL·ec, despren- Scrú que rcstt·içucs corno essas ü liberdade individuaJ não poderiam lrans
dida do "mundo real". Essa lorre de rnarlirn doutrina os proh.'.ssoi-cs, advogados, bordar dos carnpi para a sociedade corno um todo?
jornalist:1s e a liderança do governo. /\.s burncraci~1s, as legislaturas e os tribunais est:'ío C,'(ihimlo semelhank
A liberdade de expressão (co11cknadu cumu '·B.S." pelo ativista gov na ''sensitividade" no seu zelo de lutar contrn "rnokstmnento" r_' na sua aplicaçfíu
confr:ri:ncia da lra) jú está sendo rcstri ngicla nns Gm1pi, t,rnto pela prcss[Hi inJ or- cada vc·z mais ampb ck lei:-; de direi lo civil.. Se chegarmos ao ponlu de haver ''lei::
mal como por n:gulamcnto, cm num e da scnsilividade para com grupos melin- de a~:ão afimwtiva" que forcem a:; igrejas a ordenar mulheres contra os ensino,.
ciradus. :;1anky Fish,. teórico litcr(1rio ,~ adrniníslradur da Universidade DuKc. da igreja, ou leis '\mtidiscrim inalórias" que exijam que organizações cristãs co11
que se encontra no centro das controvérsias ''politicamente corretas··,, escreveu tratem homossexuais, ou "leis de lohhies políticos" que forcem as igrejas ao
urn artigo intitulado "Thcrc's rfo Such Thing as Frce Spccch and H's a Good silêncio sobre questões sociais como aborto, então a iibcrdadc religiosa terá sid11
Thing, Too' . lNão Existe Liberdade de Expressão e Ainda Bem!] 7 Ele argumenta extinta. Jú algumas sei tas pós-modernistas defendem tais rnccliclas; só lhes foi [;1
que as universidades devem censurar a fala ofensiva. Fish admite que ele não poder. Fernínbtas 1nilítantesjá têm suficiente poder para instituir o aborto quand( •
possui padrões objetivos pelos quais julgar. Rogcr Lundin resume o pc11samcnto requisitado, o que leva à matança ele mi ]hões de seres humanos; o próximo itet 11
dele: da sua agenda 1': silendar e prender os que protestam.
Connor reconhece "urna dialética estranha que pressiona à renúncia da au-
Visto que todos os princípios são preferências•·-·- e aocnas mcfen:ncias
J, ' toridade e da forma unificada até o ponto da absoluta impotência, a qual poder:'!
- eles nada mais são do que máscaras pela sede elo poder, que é a
então completar um circuito voltando a uma afirmação renovada de poder
1 ·,Lj
l 11-.11·, ,·. I'.,-, f\l,.1•11-·1111-. ;\ I '1 1i l 1 11 ,.,\ 1 H' l 1( ll 11 I\

11iilisl~1". 11 As revoluções tendem a percorrer umaordcrn prcdi,-íVt·l. ;\ princípio, lilrn1: 1s do povo. OI ~sl,tdl, 111')',;111ic1l, concebido como fónlc ck todus (lS v:111 lll'i,
l' dL'. todo o bem, estaria adquirindo um status místico, assumindo o papel lk-
os revolucionários renunciam a toda a autoridade e a todas as estruturas
estabelecidas. Uma vez derrubadas as autoridades e demolidas as estruturas, a 1)cus e recebendo a devoção de todos seus membros. Como nas antigas S(lC.Íl'
revolução entra em nova fase. Novas autoridades e novas estruturas são impos- d ades pagãs, antes ela alienação trazida ao Ocidente pela Bíblia, a cultura SLT1:1
tas. A maioria das revoluções, entretanto, teve alguns critérios para suas novas inteiramente integrada com a natureza e com os deuses.
sociedades - o racionalismo iluminista da revolução francesa, a economia mar- Muitas pessoas da época viam a ideologia fascista corno libertadora. M.is
xista para a revolução rnssa, o comprometimento com o Islã da revol uçâo ira- seu construtivismo social e seu determinismo cultmaL postos em prática, signi li-
niana. Uma revolução pós-modernista, rejeitando todos os absolutos desse tipo, caram a opressão totalitária. Sua rejeição do indivíduo significou a extinção (_Li
seria arbitrária, conscientemente construindo uma sociedade governada só pelo liberdade. Sua rejeição ele valores morais objetivos significou a impossibilidade
niilismo do seu poder. de restrições aos atos do Estado, resultando em programas de eugenia, terroris
"O extremismo teórico", "ira", "poder niilista" - tais temas recorrentes elo mo de polícia secreta e cut:másiados deficientes e "indesejados". Suahostilid,1-
pós-modernismo não são auspiciosos para a manutenção de uma sociedade li- clc ideológica à tradição judeu-cristã levou a uma apropriação, por pmie d,1
vre, democrática. A maioria das pessoas não percebe que os princípios do pós- igreja, das teologias sincrctistas, à supressão do Cristianismo confessional e ao
modernismo já foram experimentados num sistema político. O construtivismo extermínio ern massa dos judeus.
social, o determinismo cultural, a rejeição da identidade individual, a rejeição do Reaccir contra o moderno é em vários sentidos reverter ao primitivo, ao b{n-
humanismo, a negação do transcendente, o reducionismo do poder, a rejeição baro. O fuscismo dos anos 30 nunca foi um movimento conservador (a despl·i 1( 1
da razão e a crítica revolucionária da ordem existente são princípios não só do da propaganda marxista), e sim urna reação contra a objetividade, o rncionalis111( 1
pós-modernismo, mas também do fáscismo. e a alienação elo "mundo moderno", uma re::ição estrutmalmente paralela àqul'L1
Como já foi mencionado e como demonstro cm outro livro, Afodcrn Fascis1n: elos pós-modernistas. O fascismo, assim como o pós-modernismo, teve su,1,,;
Liquidating the .ludeo-Christian PVorldview" 12 [O Fascismo Moderno: Liqui- origens 110 romantismo, com seu primitivismo e subjetivismo, e no existcncia
dando a Visão de Mundo Judeu-Cristã], muitas elas idéias qlle se uniram no lis1~10 , com sua rcjeiçüo de absolutos e seu "triunfó da vontade". Talvez Hitler
fascismo da década de 30 sobreviveram à ScgunclaGuerraTVlunclial e continua- tenha fracassado por ser avançado para a época.
ram a ser desenvolvidas no pensamento pós-modernista. Os fascistas ensinaram
que a realidade é uma construção social, que a cultura determina todos os valo-
A Democracia Contemporânea
res. Cada cultma individual e os grupos étnicos específicos, port:mto, constituem
seus próprios mundos auto-suficientes, que devem ser conservados incon- As idéias pós-modernistas poderão ter implicações políticas perturbadoras, mas
taminados, embora esses grupos muitas vezes venham a competir uns com os certamente essas idéias são mantidas principalmente por acadêmicos isolados e
outros. A individualidade é um mito; seres humanos particubn_:s s<i se realizarão pelos lunáticos. Poucas pessoas comuns crêem na "construção social da realida-
quando se perderem num grupo maior. "Valores htm1anistas" são um mito; não há de" e outras ideologias pós-modernistas esotéricas. Parece pouco provável qm:
leis morais absolutas transcendentes pelas quais a cultura possa scrj ulgada. Es- a América se desfaça de suas liberdades democráticas em troca de algum total i-
sas são idéias 'judaicas" - ou seja, bíblicas-idéias que sãD n:spon:,:'1vcts pela tarismo marxista, pós-marxista ou fascista.
alienação, pelo sentimento de culpa e pela instabilidade da cultura ocich:ntal. A para dizer a verdade, tenho grande confiança nas instituições americanas e
força, e não o amor e a misericórdia, precisa ser a verdadeira cxpn:ssão do na força constrangedora ela democracia e da economia de livre mercado. Não
desejo de poder de uma cultura. A emoção coletiva, não a razüo abstrata (outra obstante, há razões que levam à preocupação pelo estado ele saúde da demo-
contribuição 'judaica"), deve ser cultivada como fonte de energia da cultura. cracia americana.
"O Socialismo Nacional" instituiria mna economia controlada, dirigida pelo Como vimos, Q relativismo do mundo acadêmico é compartilhado hoje por
Estado, que funcionaria pelo bem da nação. O Estado resolveria todos os pro- tí6 por cento dos americanos (o que inclui 72 por cento da "próxima geração" e
li>il

51jHll'C'lll
. e. o ! · ,,,<lngc
(use\ ,·-1·, ,·I"('
1cos-'J . l.\(_'j.,· ldl sun Sea1·,1enta as
cs ,o1,, · ll1tpl
· ·1c: ,,·oL:s
"·• pnlít!rns
· extrapolar novos direi los 11unca mencionados na constituic;üo parn 1·c1m·ln :'t,;
d;i rda!1v1smo:
necessidades da sociedade. Seguindo esse raciocínio, o Supremo ·1 'ri huna! 1cg, 1··
lizou o abmio, denubando todas as leis que restringiam o ab01to em nome de lllll
1{111 nenhuma área é a existência de um padrão absoluto mais vital do
rccém-ínterido "direito à privacidade".
que na política e no governo, No Ocidente as nações edificaram sólidas
Tradicionalmente, o sistema judicial era responsável pela interpretação das
estruturas políticas, crendo que cm última análise as leis do homem de-
leis. Mas os novos ativistas judiciais, sem o impedimento ele legisladores ou de
veriam ser apenas um reflexo das leis morais imutáveis de Deus .... J\fas
diretrizes absolutos, estão fazendo leis. As questões mais divisivas das "guerras
se não e~iste a verdade- se não existem padrões objetivos elo que é
culturais" atuais vêm sendo precipitadas por esse ativismo judiciário. Alóm cll-
bom OU Justo, e, portanto, nenhum padrão do qLte é injusto-, então 0
tcrem legalizado o aborto, os tribunais já permitiram que vigore a pomografia,j:1
padrão social está sempre ameaçado pelo capricho do momento. E a
deram direitos especiais aos homossexuais, mantiveram a agenda feminista e lrn i-
~ira~ia, quer das paixões desenfreadas da nrnioria, quer de um ditador
çaram fora das escolas a oração e a leitura bíblica,
1mp1cdoso, há de se seguir inevitavclrnentc. 14
Como reconheceu o Juiz Alcx Kozinski: "Os juízes que adquirem o húhiln
. ~:omo Colso11 mostra, a tirania não vem só de ditadores; tambi:rn poderá ele brincar de legislador ficam tentados a começar a tratar todas as leis-inclui11
existir urna tirania "da maioria". do a Cons1ituiçflo-mcramente como um trampolim para implemcntai;ilu ti,·
. Uma ti_rania democn\tica, opcr,mdo sem rcstriL,:c"\cs morais, poder([ dcsenca- seu próprio senso do certo e do errado". 15 Opiniões pessoais substituem abst i 111
uear as "paixões'' da mainria e assim perpclrar toda espécie de maL Alualmcntc tos. As opiniões elo juiz, entretanto, tornam-se lei para todos, Como membro:;
as c~ues~ões mnr'.iis sJn 111uit1s VC/'.es resolvidas por pesquisa de opinifiu, que bem-instruídos do sistema intelectual, o sentimento de certo e errado deles p111
e1?tao sao traduz1dc1s pura mna pulílica pí1blica. /\s sarn,:ôcs que vêm vindo ele vavclmcnte serú o sentimento de seus pares pós-modernistas.
s,:culos contra (1 ahorlo <l;!ílnt :,;l· de~:1 nuronaram cm fovor du ·'direito de escolha Esse ativismo i udieial, LJUe pode cancelar leis passadas por legislaturas ,k
mãe, .. /\ qucst:io cLt moralidade cb c'ula11:·1sia c·stú .•;cndo cnl1 icada ao voto cm moera1icamcnte eleitas, concentra imenso poder nas m5os de uma mino ri a í11-
escrutínios c~;tadu;11s. C}mmdu umu suciccbde nJo aceita nrnlrnm absoluto fima e não dei la. "t sinal dos tempos'', observa John Lco, "que os rcformadorL·s
mor;_1;, n(io hú rnais alto lriixm;t] d,1 que u ()11i11ii1cs su1,·1,.t 1·\1• 1,, Stit,1•,· '. 1, .. 11 .•l-J~l.,
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l ,1, 1. - .._ 1. Ll- .(_.
hoje já omitem rotineiramente o processo legislativo e passarn a levar suas ques-
cminic\,) ))l!Dlic:: - !11llll:1:-: H'>'.:.:s i111p1.:11s:1das, mutÚVCI:•: •,· Vllllli.T~lvc;,, tões diretamente ao tribunal." i<i Ali os "reformadores" são bem capazes ele con-
1c1c; s,1, 1 n1·u111u1g:1cb: .. 1\!n; IL'Í.'3 uivorc1;ie1as J:1 moralidall, seguir o que querem sem ler de primeiro persuadir o Congresso ou o público
1n 1 n~1n1-s•· c••"t('ll11' 'l]l,' · 'llll' 1•· ]l l' 1·1· • 1'l , l
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(jlll'. :,,to: llllléí ,[1l1J)OSÍ1,;(Ü amencano.
d\) no(::: -- A tirania da burocracia constitui outra ameaça em potencial ú clemocraci:1
americana. Neil Postmanjá descreveu como as emergentes tecnologias da infor-
•E que :_i cscr:.·v,·nm l: 1,i1,x:1r:11r; ,li, um mcGtllÍ;-:mc1 nar:i c1ssc.u.ur:r mação vêm formando uma nova ordem social, a que dá o nome ele ''tccnopolia''.
;~ue'. ~!~ icis lX1SS:Kim: plcla rn,liori:_; Ú}'.iSl'm dh;'.'.a(laS pnr um c:ódigo,k:gal obi~tivc;. Ele prevê um conflito ideológico entre os valores da democracia, com suas colu-
que as leis ,fr·
:--· -~:ui.~:~ç~s passadas 1jt>d\.1r,~;:., pela
1, ' ~ ''. maioria fossem
~.;ttH.Et checadas por
;n/i{~n~~rr~i.\nic:;:-: um 1código
u:.-~s~~;. legal
l1r;:1rinrr.~ objetivo.
c-~·\K~ r,::·.~nhu_;E 1juizes
1~) f nas de base moral transcendentes, e a nova ordem tecnológica, que não as tem.
objetivos, eruditos e independentes assegurariam que nenhuma lei conflitasse com
aqueles absolutos propostos na constituição.
Aqueles que controlam a informação, ele nota, exercitam poder polítíco. Tendo
~-Ji 1~i,~t:·?1·!1~-1-it:.r: em vista que as informações são controladas por meios tecnológicos, o poder
O sistema judiciario, culminando no supremo tribunal, julga as lesi de acordo com
os absolutos
: ;.-;,, '.: .-. 1 :_·;:,_:; i:,'.da leii \.icontitucional.
, . :~-;:_; ~-' °:';) Mas esse sistema só podera fiuncionar se a sociedade e político estará nas mãos dos técnicos. 17
os tribunais crerem em absolutos. Hoje a teoria juridica pós-modernista ensina que a
Já hoje esses "especialistas" entrincheirados nas burocracias do país fixam
constituição não é um documneto que apresenta principios absolutos, e sim organismo
que deve ser continuamente reinterpretado à medida que a socidade evolui. Ativistas políticas com força de lei, à parte de qualquer espécie de processo democrático.
judiciarios assumem o poder de Postman descreve a nova casta de especialistas como sendo tão especializados
que acabam ignorantes sobre tudo que esteja fora da sua especialidade. Os es-
1,, \
A I', 11 1 lll 'e\ 1ll I l't li 11 lc

p,·._·í:il Í.c;l:1s se arrogm11 m1toridadc exclusiva cm áreas que anil':, furam


:;cI11pre c·ialistas em imagem pessoal-corrói ainda mais a democracia. l 1111 apolo1,.ís1;1
\ i,;t;1s COlll() de interesse humano universal- criação de filhos, l'L'.Solução de do pós-modernismo, \,Valter Truett Anderson, descreve todo satisJcito o c;i1;1kr
pn ihlc1rn,s pessoais, tomada ele decisões éticas. Envoltos no manto das ciências falsificado da política hodierna:
sociais (a "rainha das ciências'' segundo o pós-modernismo) e armados pelo 1~'lmbém podemos ver a teatralidade cada vez mD.ior ela política, na qu:11
maquinúrio técnico elo tipo testes padronizados, estatísticas e pesquisas ele opi- os textos e a direção cios eventos são preparados para o consumo cm
11iJo, os especialistas são acatados nos tribunais, nos comitês legislativos e na
massa, e na qual indivíduos e grupos lutam pelo papel principal (ou pelo
mídia. 18 menos de coaclj uvantc) nos dramas da vida. Essa teatra~idade é urna
O ctmículo escolar não é deten11ínado, pelos conselhos aclmínis1rativos dos característica natural- e inevitável-do nosso tempo. E o que acon-
L·ducandários locais, nem mesmo pelos professores, mas pela burocracia das tece quando muitas pessoas começam a entender que a realidade é uma
juntas estaduais de instrução pública. As burocracias da educação não contro- construção social. Os mais empreendedores entre nós vemos que h:1
lam somente o que os professores ensinam. Controlam t.1.mbérn o que é ensinado muito a ser ganho quando se constrói - e se vende ao público - uma
:tos professores (por meio de exigências rigoros,,1s para a licenciatura e requisitos certa realidade, e assim, portanto, fabricar a realidade torna-se uma
detalhados para programas de treinmncnto de professores). O eleito é assegurar nova arte e negócio. Um negócio imenso, quando se considera qlmnto
que todas as escolas sigam as teorias educacionais mais recentes, incluindo aquelas dinheiro é gasto (e ganho) em áreas tais como a propagD.ncla, relaçÕL'S
que já se provaram ineficazes. Tentutivas de rcJórmar as escolas acabam dando · ' 19
públicas e campan1rns e1c1tora1s.
ainda mais poder às burocracias educacionais, que determinam ainda mais cur-
sos de instrução para professores, impôcm mais controles asfixiantes nos distri- Fazer campanha para ser eleito a um cargo torna-se indistinguível de p11 lil 1
tos escolares locais e insistem em ainda mais mdodulogia experimental. cidade, rclaçôes públicas e comércio em grande escala. A persuasão polític:1 \'
Assim, 111ui1as das dccisôes mais imporlan1cs da sociccbdc nQo s5o lumadas questão ele '·vender" uma certa construção ela realidade. Os políticos pós-11H,
por cidadãos comuns. mas por uma e! i te não eleita. Os hospitais contratam co- clernistas desempenham um papel, apresentam uma imagem e fabricam cvc11l( 1:1
mitês de especialistas pD.ra deliberar sobre questões de ética médica. Decisões teatrais. Essa trívialização da democracia é inevitável, disse Anclcrson, "quamlu
jmídicas dependem dos depoimentos de "testemunhas especialistas" (que geral- muitas pessoas começam a entender que a realidade é uma construção social''.
mente podem ser vistas representando as duas partes ele uma causa). Comissões O fato de a visão de mundo pós-modernista permear a política atual rll':1
do Congresso ouvem o testemunho de "especialistas" na preparação de leis evidente também de outras maneiras. A vis5o pós-modernista de que dad\l;;
projetadas para resolver os problenrns da sociedade. Na maioria das vezes, os objetivos podem ser organizados e interpretados para se adequar a quase q u~d
especialistas são trazidos para responder a perguntas que pcssoD.s comuns sem- quer ''paradignrn" deu-nos o especialista em imagem pessoal. Um político cor 1.
pre tiveram competência para responder: Isso é justo? Isso é certo ou errado? trata esse "perito" para interpretar qualquer coisa que aconteça de forma a col()
Vai funcionar? Qmndo esses peritos ficam permanentemente alojados nas buro- caro candidato sob o prisma mais favorável possível. As promessas polític:1õ;
cracias governamentais e são autorizados a fixar pol.íticas com poder de lei, o não são feitas mais para ser cumpridas-esse ponto de vista antiquado prcssl1·
processo democrático torna-se cada vez mais irrelevante. põe que a verdade seja algum tipo de absoluto. Ao contrário, as promcss:1~;
Desiludidos pela corrupção e ineficácia de seus legisladores, os americm1os, políticas são uma forma de "desempenho", visando conseguir um resultado mo-
tragicamente, estão se acomodando à sua perda de autonomia. Os americanos, mentâneo para persuadir um auditório ou "fazer um pronunciamento". Uma VCI'.
que já foram zelosos de seus direitos e corajosos na defesa de suas liberdades, passado o momento e o resultado já tendo sido obtido, o político enfre~ta "n()-
agora se contentam, na maioria dos casos, cm deixar os especialistas e os tribu- vas realidades" e abandona a promessa abertamente. Aqueles que acreditam na
nais tomarem as decisões por eles. construção social da realidade podem justificar com facilidade total essa fabrica-
A política cada vez mais trivial-quando eleições são decididas por técni- ção de testemunho e mentiras programadas.
cas de marketing, tecnologia de massa e manipulação da imagem pelos espe- O cinismo e a falsidade transparente da política pós-modernista têm desi 1u-
did() pro!imdarnc11(c os amc'.ricanos comuns, conoendo ainda m~1is a dcmocra- provarão ter sido, não uma alternativa ao modernismo, e sim, seus úlli1110::
ci;1. ! lujé só uma fração dos eleitores registrados se dá ao trabalho de votaT. O estertores. 21 Enquanto isso, podemos esperar que entrarão em conl1ito a vis:10
acesso ü mídia, tão necessário para o êxito político, custa tão caro que só os que de mundo que nos deu urna sociedade livre (ou seja, a da Bíblia) e a vis:'to d(·
j(1 se firmaram nos cargos e as pessoas que têm muito dinheiro conseguem se immdo pós-modernista, competindo um com o outro pela alma do novo mi lê·11 Íí 1
c~mdidatar a posições políticas. A fragmentação ela sociedade c01Toeu o impac- Mesmo hoje as alternativas pós-modernistas desafiam o triunfi.1 ela hbcrd:1dl"
to dos partidos políticos, que tradicionalmente proporcionavam um ponto de nos países ex-comunistas. Enquanto as nações recém-libertas elo império sovi(·
penetração em nível local para cidadãos que quisessem se envolver na política. tico lutam para tornar operantes a democracia e a livre economia, as forc;as p\·1,;
[ Ioje os partidos políticos majorit{u-ios devem satisfazer a diversos e muitas ve- modernistas do tribalismo as ameaçam com a anarquia ou o fascismo. M;is :1
zes incompatíveis "grupos de interesse" para dirigir uma eleiçüo nacional, o que possibilidade da democracia não deve ser descartada. Provou sua força L' s11;1
resulta em distorção ideológica e paralisia política. O resultado é que poucos validade. Para que a democracia seja bem-sucedi ela, no entanto, ela prcc is; 1 ( 1( ·
americanos pai1icipam ativamente do autogoverno. Se a democracia deixasse de uma infra-estrutura ---uma visão de mundo baseada na Bíblia. Enquanto 111t1ih ,::
existir, muitas pessoas nem notariam. nas democracias cio Ocidente alxmdonarn essa visão de mundo, muitos no 1.l"::1,·
Será que a perspectiva é realmente tão desoladora? Certamente é verdade estão agora descobrindo-a.
que o colapso do comunismo, o fim da Guerra Fria, Joi uma grande vitória pma
a democracia. Os ideais de liberdade enviarnm ús ruas milhões de cidadãos co-
Os Pós-Modernistas se Encontram com os Russos
muns, que desafiavam os tanques e a KCB. ,:\pesar de toda sua pretensão de
estar "construindo a realidade'', os regimes totalitários não puderam controlar os Em 1988, um congresso sobre "A Literatura e os Valores Sociais: Ponto:; d(
homens e as mul hcres cuja fé e demandas pela ·'verdade" deflagraram uma revo- Vista Soviético e Americano" reuniu críticos e teóricos americanos e seus p:1n·;
lução democrática. Enquanto a democracia americana definha, a democracia soviéticos. Escritores e professores universitários russos füram à Califürni;i p, 11:,
den11ba ex-diiaclorcs na América Latina e na África. Os princípios ela economia se encontrar com alguns dos críticos americanos pós-modernistas mais conhcl' i
de livre empresa são ainda mais bem-sucedidos, o que melhora a situação de dos. Em 1990 os pós-modernistas visitaram a então já extinta União Soviét ic:t
nações pobres, recompensa a iniciativa individual e torna obsoleto o socialismo, Sua troca de idéias assombrou os dois lados.
desde a Suécia até a China. Os pós-modernistas americanos ficaram pasmados diante elo fato de que 11::
A democracia e a livre economia podem bem representar a verdadeira so- russos realmente acreditavam em conceitos como "valores absolutos", "vcrd;i ·
ciedade pós-moderna, cm oposição ú sociedade pós-modernis/ct. De fr1to, os ele" e "humanismo". Ainda mais admirável para os pós-modernistas american, 1~;
marxistas clássicos criticam o mundo pós-moderno -com sua liberdade, diver- foi ver que os russos insistiam cm basear esses absolutos na religi{fo:
sidade e prosperidade- como sendo nada mais que um estágio avançado elo
Os soviéticos aGnmwarn repetidamente sua crença cm valores absolu-
capitalismo. 20 Viam Ronald Rcag,m como o arquétipo do presidente pós-mo-
tos na literatura .... [Isso] acompanhava um apelo a um absoluto espiri-
derno, com seu domínio da mídia (do ator que tinha sido), seus sentimentos
tual e a rnna tradição de espiritualismo religioso na Rússia que garante o
nostálgicos, sua política de laissezfaire e suas sanções à prosperidade (que para
alto valor de certas obras. Para mim, pelo menos, este traço superou
eles tinha o nome de "cobiça"). Para eles a economia pós-moderna, com seu
em mui to a tudo mais que surpreendeu naquilo que os soviéticos tinham
consumismo, marketing e ênfase no dinheiro em lugar do trabalho social (o
a dizer. Nem foi essa impressão contradita pelos trabalhos que um gru-
signo em lugar do significado), representa o capitalismo no seu aspecto mais
po bem diferente de acadêmicos soviéticos apresentou na conferência
ameaçador.
que se seguiu em Moscou dois anos depois. Um grande número de
Talvez esses marxistas impenitentes estejam certos, e nesse caso a demo-
trabalhos que ouvimos lá foram escritos de um ponto de vista profunda-
cracia e a livre empresa representarão as condições verdadeiras do pós-moder-
mente religioso. 22
nismo. Sendo assim, o coletivismo e o radicalismo da ideologia pós-modernista
. 1 ,. ; , ·L'ii11·,.,) \··tl,it· (lt\ ·icrencadc c1ue os valores ;1bsolulPS tr:111:;
( l toin ,ksscs corncnlúrios de l l lillis !'Vlilkr, Ll11l dos mais cminl'l 1ksc, lnllucn- v\c.TCL"tupoucc,, ~ , · . , , . , •.,. . . . . . ,
lL"s críticos dcsconstrutivistas, é especialmente revelador. Mostrou-se incrédulo ,·,.'mkm a sociedade e são os meios pelos quais a sociedade e seu podei ll'.:dc1_ 11
de que hoje alguém pudesse pensar nesses termos. Certamente, ninguém na ,. , . · l ,,1c·! ·ls'7) 'l',.11nbém um tanto descaradamente, essa idéia nega a expem:1 \l·1:1
.,ct JU t,• l, . , , . , . . . . , ' .
América pensa nessa linha~pelo menos, nin 6:ri1ém de peso: daqueles que realmente sofreram as carmsas de torça e os gulags com~mst.is.
Enquanto Milan Kunclera, autor ele The Unbearuble L1ght~1ess o/ Berng 1~/
Diante desse conjunto de posicionamentos tão seguramente mantido !tisustentâvel Leveza do Ser], fugiu do comunismo para o Ocidente (?or que,
mesmo que não com completa coerência fiquei grandemente surpre- se O Ocidente é tão opressivo?), outro escritor checo, Václa,'. ~avel, Jlcou cm
so,. .. Nada parecido com os pontos de vista soviéticos sobre a literatu- casa. A KGB mais tarc1e prendeu-o por escrever peças que cnt1cavam o c?mu-
ra existe hoje entre os entendidos nos Estados Unidos a não ser entre nLsrno. (Se a literatura é apenas uma expressão das estruturas d~ poder existen-
certos críticos extremamente conservadores-por exemplo, membros tes, como ele pôde protestar')) Um agente da KGB~· não um cnt1co -.- 111ten~1-
daNaüonal J\ssociation ofScholars ou outros que apelam para a "tra- oou-o, e puseram-no numa prisão objetivamente real de c?ncrcto e aço,,Nau
dição ocidental" em oposição ao estudo multicultural, estudos femininos :ra wna prisão da linguagem. A linguagem, em lugar de prendc-~o, era par~: aclav
e o estudo de literaturas minoritárias. Tvias essa analogia não seria exata, llavcl expressão de li herdade, e ele a usou para atacar 1:1e11tnas e testlhcar d,:
visto que a ótica conservadora americana cm geral não apela tão aber- verdade. (Se não existe verdade, não podc baver mentiras, ou mc~hor, tudo L
tamente para a religião como mediador de valores absolutos. 23 uma rnen t·ira.
. () (.llle cx·iste·
. -'- ' c1u·ü se 11ossa ser preso? l fovcl ckvcna ter mud.a-·
. [)'']') e e . . '

do conforme as circunstfü1cias, abraçando a ''leveza do ser'',.vagm1d~ com os


Nem é preciso que se diga que os russos, tão recentemente libertados da
ventos como fizeram os colaboradores? Por que devemos aclnmar alguem como
tirania comunista, ficaram ainda mais atônitos com o que os americanos estavam
Ravel por ter ficado ffrrne pela verdade se de fato não existe verdade?) ~
dizendo. "Depois de ouvi-los", disse Fcliks Kuznetsov, secretário da União de
Escritores Soviéticos, ''levarei comigo a impressão de que viemos a um país
Aqueles que foram interrogados, enviados~ campos con~entraça~, :)~l de
executados não foram perseguidos porque mantiveram crenças p:1s-moder~1s~
profundamente ateu." 1 ''
tas . mas porque se apoiaram em absolutos. Insistiram nos pr!.~J)l'IOS Cül~ce~tos
Parece estranho que os acadêmicos americanos não enxerguem a ligação
que agora estão sendo atacados no Ocidente-- a verdade,. a l_iberdade md1v1-
entre o sofrimento dos russos sob o comunismo e sua accítat;ão grata de valores
dual, uma lcí moral acima da sociedade que assegurn os direitos humanos --
espirituais absolutos. Cc1tamentc, os americanos souberam que os artistas rus-
todos eles baseados de maneira objetiva e absoluta na pessoa de Deus.
sos tinham sido perseguidos. TV1as "os americanos ficaram boquiabe1tos", disse
Outro autor cruelmente perseguido, Alcx:ander Solzhenitsyn, comentou que
ív!iller, "quando um colega soviético disse que um escritor supostamente. 'anti-
aquilo que foi ton,ado do Leste à i'ón;a está sendo rejeitado pelo Oeste por sua
revolucion{ffio' pode ter 'sido morto a tiro, um CITO trágico', assim como nós nos
emocionamos incrédulos, dois anos mais tarde, quando num museu nos mostra- livre c espontânea vontadeY
ram um quadro pelo qual o artista foi executado." A resposta de Miller a essas
atrocidades foi fazer uma piadinha: "Pelo menos isso demonstra que a arte é
levada a sério na União Soviética!" 25 É sim. A arte certamente não é levada tão
a sério nos Estados Unidos, nem pelo governo nem pelos artistas ou críticos pós-
modcrnistas. Arte tão perigosa à tirania que provoca prisão, arte levada a sério o
suficiente para que se morra por ela, é arte que testifica de absolutos.
Miller expressa a preocupação de que a insistência russa na verdade objeti-
va possa levar a wn ressurgimento do autoritarismo. 26 Os pós-modernistas gos-
tam de associar a fé em absolutos com a tirania, mas uma associação dessa
natureza desafia a lógica. (Qual é mais favorável a tiranos- a crença de que
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222 INTRODUÇÃO A COSMOVISÃO CRISTÃ VIDA NA INTERSECÇÃO: PERSPECTIVAS SOl1Hl: 1\1,GlJMAS AREAS DA VIDA PÚBLICA 223

A narrativa bíblica apresenta, assim, princípios importantes com os quais em menos de vinte minutos, um estudioso pode levar a vida inteira para
podemos desenvolver uma sólida abordagem cristã acerca do governo e da fazê-lo. 9 Relacionar �rativa bíblica à política de hoje é tarefa complexa, e
política: (1) o governo foi instituído por Deus para o nosso bem e precisa não ajudamos pessoa alguma quando formulamos ideias simplistas apoiadas
estar em conformidade com o desígnio de Deus; (2) o papel do governo é em alguns poucos textos-prova.
assegurar a justiça pública na sociedade e tem o direito de usar a força para Em segundo lugar, precisamos nos familiarizar com a longa tradição cristã
fazê-lo; (3) no entanto, governos podem ser corrompidos por diversas idola­ de reflexão política. Oliver O'Donovan e Joan Lockwood O'Donovan lamen­
trias; 7 (4) os cristãos devem ser cidadãos exemplares e devem honrar e respei­ tam, com toda razão, nossa ignorância, por exemplo, da abundante reflexão no
tar o governo; no entanto (5), não podem jamais prestar obediência irrefletida pensamento cristão sobre o que vem a ser uma guerra justa. 10 Os cristãos pre­
a governo humano algum, pois a lealdade primordial deles é para com Jesus, cisam realmente conhecer essa tradição, para que os recursos que ela fornece se
o Filho do Homem. tornem parte de nossa própria reflexão crítica quando participamos das decisões
Como essas constatações se aplicam ao contexto atual? Outra vez, con­ de nosso país de quando ir e quando não ir à guerra.
forme salientamos repetidas vezes neste livro, ao desenvolvermos uma cosmo­ Em terceiro lugar, precisamos conhecer algo da história da política, de como
visão cristã, é importante não somente viver a narrativa bíblica, mas também ela se desenvolveu ao longo dos séculos e de como herdamos as instituições
relacioná-la com a nossa situação atual. Aqui, um exemplo óbvio é que hoje a existentes hoje. Isso as colocará em contexto histórico e cultural e nos capacitará
forma predominante de governo é a democracia, um modelo completamente a reagir a elas com discernimento.
desconhecido no mundo bíblico. Os cristãos de hoje vivem em sociedades plu­ Em quarto lugar, cristãos talentosos precisam entrar na política, sendo
ralistas em que várias cosmovisões competem entre si e, como consequência, políticos, acadêmicos e líderes na sociedade que exercem influência direta no
não podemos simplesmente aplicar as leis veterotestamentárias à cultura con­ governo, mas também instruem outros cristãos sobre como levar em considera­
temporânea. Veja, por exemplo, ª- pena de morte. Mesmo que possamos confi_r­ ção de maneira cuidadosa problemas políticos contemporâneos a partir de uma
mar sua legitimidade, não está nada claro como aqueles crimes que mereciam\ perspectiva cristã. Um bom exemplo disso é o trabalho liderado por Jim Skillen
pena de morte no Antigo Testamento (p. ex., adultério, idolatria, homossexua­ que o relativamente pequeno Center for Public Justice [Centro Pró-Justiça
lidade) estão relacionados com a legislação de nossa própria cultura pluralista. Pública] (CPJ) tem feito ao longo dos últimos anos pela reforma dos serviços
Assim, desenvolver uma cosmovisão cristã em relação à política de nos­ sociais. A lei conhecida como "Charitable Choice" [Lei da opção por entidades
sos dias não é tarefa fácil. Sugerimos que as considerações a seguir sejam filantrópicas] (promovida pelo CPJ) escancarou oportunidades para grupos cris­
elementos-chave de uma tal abordagem. Em primeiro lugar, as orientações tãos e de outras religiões receber financiamento do governo para serviços sociais
bíblicas precisam ser levadas a sério. 8 Conforme Oliver O'Donovan assinala, e ao mesmo tempo manter sua integridade religiosa - um grande passo para
se as Escrituras são a Palavra de Deus, precisamos iniciar a caminhada com o eliminar o abismo secularizado e prejudicial entre igreja e Estado. 11
que Deus comunicou a Abraão até a maneira como lidar com o Iraque hoje Em nossas confortáveis comunidades de classe média é difícil ter uma ideia
(observando que Abraão viveu na região que hoje é o Iraque). O'Donovan de tudo aquilo que está em jogo na política salutar. Mas, se tivéssemos de viver
continua observando que, embora um pregador talvez percorra esse caminho em Ruanda durante o período de genocídio ou no Iraque ou em Darfur nos dias

7Para um livro excelente que faz um levantamento de várias ideologias que estão moldando -----
"Oliwr O'I )onovan, 1he desire ef tjlfnations.�discovering the roots ef political theology
a vida política atual, veja David T. Koyzis, Po!itica! vi.,io111 ,111d 1ll111iom: t1 survey and Christian (Camh1id�r ( '.1111!>11dw llnivcrsity Press/ 1996), p. ix.
critique ef contemporary ideologies (Downers Grow· 11111·1 V,11 �i, }, .IOO l) 1 t'diçf10 cm português: "'Vr 1,1 ( >li vt ,. (r l l,1111 ,v.111, Joan T,oc�1od O'Donovan, From Trenaeus to Grotius: a sourcebook.
Visões e ilusões poHtiras: uma and!ise 1• cr(tim rri.1l11 rl,11 1rltolr•.•; ,.�,, ,,,11,•11p111,/11t//1, t I adll\'ilO dt• l ,11rns 'illrtil tho11ghl (< ;, .111d Rapids Et·nl111:1ns, 199')). Vt·ja th. Oliver O'Donovan, 1he
G. Freire (S:to Paulo: Vida Nova, 2014) 1 ,,r,!irid p_,; < ',11nhridgc· 1 h11vc.-11y 1'11·�s, 100 l)
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