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Tema 2:As opressões

que pesam sobre nós, os


processos de libertação e
a fé cristã
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Conteúdo 
As opressões que pesam sobre nós, os processos de
libertação e a fé cristã

Aula 

Curso Teologias da Libertação para os nossos dias – Aula 02 – (Mar…


(Mar…

"Sentinela, em que ponto está a noite?

Sentinela, em que ponto está a noite?

O guarda noturno responde:

O amanhecer já vai chegar,

mas depois vem outra noite

e se vocês quiserem saber, é só perguntar" (Is 21, 11- 12).


Esta palavra do profeta Isaías contra os edomitas parece apropriada hoje para nos
perguntarmos sobre o mundo e principalmente o Brasil: Em que ponto está a noite, esta noite da
pandemia, esta noite do racismo estrutural e permanente assim como a noite de todas as
consequências sociais, econômicas e políticas da forma genocida e ecocida como a sociedade
atual está organizada?

Fonte: Ateliê15.

1. Um olhar rápido sobre a realidade


A Oxfam, organização internacional, que luta contra a pobreza, calcula que, no mundo atual 700
milhões de pessoas passam fome. E afirma que houve um aumento de 10 milhões só no ano
passado e que, conforme os cálculos atuais, a atual pandemia lançará mais 132 milhões de
pessoas em situação de fome e de miséria. Até o ano de 2020, devido às consequências da
pandemia de Covid 19, é possível que, diariamente, moram até 12 mil pessoas. De fome.

No Brasil, as perspectivas são muito duras. A quantidade de gente desempregada, o aumento da


fome e da miséria.

No plano internacional, nem precisamos lembrar a guerra suja do império contra a Venezuela, o
genocídio que está ocorrendo na Bolívia só para tirar um governo progressista que, mesmo com
suas contradições, como ocorreu aqui no Brasil, estava tirando o poder das mãos da elite do
país.

Nos Estados Unidos nestes dias há um recrudescimento do racismo e um endurecimento da


direita.

2 – O que tem a ver as opressões e a fé cristã


Nossa aula hoje é sobre o que todas estas opressões e sofrimentos têm a nos dizer como
desafios para a fé e como as teologias da libertação podem responder a isso.

Toda humanidade consciente, independente de fé e de religião, sabe que isso não é assim por
acaso, nem por fatalidade. Na história e até hoje, as religiões desempenharam e cumprem ainda
importante papel em apoiar e legitimar este modo do mundo ser e se organizar. Nos séculos
antigos, uma versão popular do Hinduísmo explicava que reis, príncipes e sacerdotes são a
cabeça de Bhrama, comerciantes e guerreiros eram troncos e braços da divindade, os servos
são as pernas e pés de Bhrama. Os pária ou daliths os impuros não fariam parte do corpo divino.
O Mahatma Gandhi que seguia este caminho de fé revelou ao mundo que este tipo de explicação
era cultural e não veio da revelação divina ao hinduísmo. E mostrou isso com sua vida. Optou
por morar com dalits e viver como impuro para revelar o amor de Deus aos pequeninos do
mundo. A fé judaica, baseada na aliança de Deus, pede justiça e diz claro como palavra de Deus:
"entre vocês, não deve haver pobres" (Dt 15, 4). No entanto, desde a monarquia, a religião do
templo, principalmente depois do cativeiro da Babilônia e quando o Judaísmo se tornou religião
mais institucional, dividiu as pessoas em puras e impuras perante a lei (não se trata de pureza
moral e sim de pureza legal e ritual). E criou uma espécie de teologia da prosperidade daquela
época na qual se a pessoa era pobre ou doente era porque estava de alguma forma longe de
Deus. Profetas e místicos tentam reagir a isso, o livro de Jó tenta refletir sobre o porquê do
sofrimento do justo. No entanto, ainda na época de Jesus este era o Judaísmo dominante e
agora aqui no Brasil e em vários países do mundo, grupos neopentecostais e movimentos de
tipo carismático ressuscitam este tipo de Judaísmo (o do templo e não o judaísmo profético que
Jesus viveu).

O Islã, espiritualidade da misericórdia, na história, acabou legitimando monarquias corruptas e


violentas como a da Arábia Saudita e outras. O Cristianismo católico e protestante deu suporte
às conquistas e à colonização da América, ao extermínio dos povos indígenas e à escravidão.
Hoje temos documentos que comprovam: Igrejas e ordens religiosas eram dos maiores
negociantes e proprietários de escravos em toda a América.

Penso que há certa contradição em que nós devamos explicar que a fé cristã deve ser
libertadora. Deveria ser o contrário: Como é possível que ainda hoje, de certa forma, isso esteja
acontecendo e que muitos padres e bispos estejam preocupados em reforçar as estruturas da
Igreja? Como é possível que hoje em dia padres e bispos mesmo da região amazônica na qual
os povos indígenas estão sendo massacrados e ameaçados de extinção, a preocupação de não
poucos bispos e padres seja a de quando poderão abrir as Igrejas para vê-las cheias, como
voltar a funcionar a pastoral do dízimo e em alguns lugares da Amazônia, como garantir este
ano a festa do Círio de Nazaré.

Como é possível que um cardeal que recebeu o atual presidente em seu palácio e até hoje
mostra claramente que o apoia celebra a santa ceia de Jesus e fala que Deus é amor?

Penso que não sou eu que tenho de provar que a fé tem de se expressar em termos de
preocupação com a justiça e a vida. São eles do outro lado que teriam de provar que continuam
sendo cristãos, apesar de ser de direita e contra tudo o que Jesus nos propôs. O enigma não é
como juntar fé e compromisso social. O milagre seria falar em fé cristã em meio ao
descompromisso social e político libertador.

Não é o Cristianismo de Libertação que deveria ter de se explicar. É o fato do Vaticano até hoje
ser acusado de ter se omitido diante do Nazismo e mesmo quando acabou a guerra e a França
foi libertada, a grande dificuldade da Igreja foi que a imensa maioria dos bispos católicos da
França tinham colaborado com o regime alemão. Na Argentina dos anos 80, vários bispos e
cardeais foram acusados de ter colaborado com a ditadura argentina, inclusive na perseguição e
até assassinato de padres e católicos considerados de esquerda. Nestes dias, o ex-presidente
Evo Morales publicou a denúncia de que cardeais, bispos e padres estiveram diretamente
envolvidos no golpe de Estado da Bolívia em novembro de 2019 para derrubar o presidente
eleito, contra os lavradores, os índios e o povo pobre da Bolívia que está sendo agora
massacrado.

Abrimos um livro de exegetas norte-americanos sobre o Apocalipse e no prefácio, Elizabeth Mc


Alister afirma: "Durante mais de dois séculos de vida norte-americana, o mito de uma aliança
especial entre os Estados Unidos e Deus assegurou-nos uma posição protegida, quase
permanente no mundo. O mito nos fez, nos sustentou, nos pôs no topo do mundo e, acima de
tudo, nos iludiu"(HOWARD-BROOK; GWITHER, p. 7)

Como é possível imaginar, ainda hoje, que Deus possa apoiar e estar por trás de um império que
somente no século XX invadiu países da América Latina e de outros continentes, 102 vezes e
assassinou não sabemos quantas pessoas, unicamente por dinheiro, petróleo e prestígio
militar?

3 – Desmascarar o manto religioso da opressão


Fonte: Ateliê15.

Impérios opressores e sistemas de direita têm consciência de que, para se manter, precisam de
Deus e da fé para se legitimarem e justificarem nacionalismos, racismos e intolerâncias a partir
das quais constroem a dominação. Não é de hoje que Deus e a espiritualidade têm sido
sequestrados para dar bases ideológicas a opressões que para subjugar os corpos, constroem
uma base espiritualista para aprisionar os espíritos.

A conclusão que podemos chegar é de que não há fé inocente e transcendente no sentido de ser
acima das realidades humanas e do comprometimento social com o mundo.

Percebo que existem três formas de viver a fé. Existem três estilos de Cristianismos ou de
outras religiões. A primeira e talvez ainda dominante é a que apoiou e sustentou ditaduras
militares e governos opressivos. Em todas as religiões, um dos movimentos atuais mais
florescentes são os fundamentalismos e os movimentos ligados à direita política. Quem é
católico sabe que na Igreja Católica todas as ordens e congregações religiosas e movimentos
estão em crise – crise de vocações e certa crise de sentido, menos os movimentos que na
época dos dois papas anteriores a este, o Vaticano promoveu e fortificou: Opus Dei, Comunhão e
Libertação e tantos outros espalhados pelo mundo como exércitos de uma cruzada para
restaurar a Cristandade medieval.
Frente a isso, há grupos, comunidades e pastorais sociais que ligam a fé cristã com a tarefa de
transformar social e politicamente este mundo. São movimentos proféticos e como afirmava
Dom Helder Câmara: são minorias abraâmicas.

E entre estes dois extremos há um tipo de Cristianismo aparentemente acima destas tensões
consideradas mundanas: uma religião que se pretenderia nem de direita nem de esquerda.
Como se fosse uma religião mais pura e mais espiritual. No decorrer da história, esta forma de
viver e expressar a fé tem sido provavelmente mais nociva e odiosa do que mesmo a de direita.
Porque aquela se assume claramente e você sabe com quem está lidando e esta é disfarçada
por uma fachada de santidade. Ao apresentarem um Deus e uma espiritualidade indiferente ao
mundo como está, este tipo de religião se alimenta dele, se legitima a partir da sociedade
dominante e se torna cúmplice dele. Em um Brasil no qual cinco brasileiros detêm uma renda
equivalente à metade da população brasileira não é possível falar de Deus como se isso não
fosse assim. Não há ninguém inocente deste crime contra a humanidade. Ou a fé nos leva a
lutar com todas as forças a favor da vida para todos, da justiça libertadora e da dignidade de
todos os seres vivos ou ela é cúmplice do genocídio de 70 milhões de índios na América desde o
tempo da colonização e culpada do fato de que com esta pandemia temos calculadamente 12
mil pessoas no mundo que morrem diariamente de fome enquanto os religiosos e religiosas
acertam entre si o tom certo do cântico dos salmos ou dos seus hinos de louvor. Não há
escapatória possível. Como disse Jesus: "Não chorem por mim. Chorem por vocês mesmas e
por seus próprios filhos e filhas". Como dizia o romance do Hemingway nos anos 40: "Não me
perguntem por quem os sinos dobram. Dobram por nós mesmos".

4 – Libertar a libertação
Se cremos que Deus é fonte de libertação e de vida, precisamos libertar a Libertação, isso é,
libertar Deus e a espiritualidade da cadeia na qual estão aprisionados, depois de terem sido
sequestrados.

É um processo triplo que ocorre simultaneamente:

1 – Libertar as Igrejas e religiões da sua pretensão de representar Deus e de serem donas da


espiritualidade.

2 – Libertar os movimentos sociais e políticos de um realismo experimental positivista e


fortalecê-lo com a espiritualidade libertadora.

3 - Libertar Deus do próprio Deus.

No século XIV, o Mestre Eckart dizia: "Deus me livre de Deus", isso é Deus como Mistério e fonte
de Amor me livre das imagens de Deus que a gente absolutiza.

Com todo coração, espero que este curso nos ajude a aprofundar este caminho e nos faça
compreender que não basta a Igreja fazer opção preferencial pelos pobres. Esta expressão
surgiu em Medellín e depois em Puebla e como a reação dos bispos conservadores que queriam
relativizar a decisão da Igreja latino-americana de ser Igreja, como dizia o papa João XXIII "para
os pobres, com os pobres e dos pobres". Na próxima aula, vamos aprofundar isso. O nosso tema
será este: a Igreja dos pobres.

E vamos em frente no aprofundamento da oração de Jesus ao Pai: eu te agradeço porque


escondeste estas coisas dos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos.

Grande abraço a todos/todas e Deus os/as abençoe.

Alargando horizontes 

Teologias da libertação hoje #02 - Zé Vicente | Secretaria Ecumênica

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REFERÊNCIAS

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