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O Mundo de Ellen White

e o Fim do Mundo
Por Jonathan Butler

uando o protestantismo estender a mão através do o sábado não é realmente um assunto de preocupação. Como,

“Q abismo, a fim agarrar de um lado o poder romano


e do outro o espiritismo; quando, por influência
dessa tríplice aliança, os Estados Unidos forem
então, o sábado do sétimo dia pode se tornar a questão final do
nosso tempo, com base na qual a humanidade decide seu
destino?
induzidos a repudiar todos os princípios de sua Constituição, Grande parte da compreensão adventista do fim do mundo
que fizeram deles um governo protestante e republicano, e vem de Ellen White. O crescente interesse na análise exegética,
adotar medidas para a propagação dos erros e falsidades do histórica e teológica de seus escritos ressalta o fato de que agora
papado, podemos saber que é chegado o tempo das operações sentimos nossa distância cultural da Sra. White e de que
maravilhosas de Satanás e que o fim está próximo.”1 precisamos dessas disciplinas acadêmicas para apreciá-la
Quando eu lecionava no Union College, me pediram para plenamente. Em seus ilustres 87 anos (1827–1915), Ellen White
pregar um sábado na cidade de Marysville, Kansas. Ao pedir virtualmente personificou o período protestante da cultura
direções na cidade de 3.500 habitantes, fui enviado americana, e seus escritos oferecem uma perspectiva sobre todas
repetidamente a um Salão do Reino das Testemunhas de Jeová, as principais questões e eventos da época.
a um perplexo mórmon, e a uma Assembléia de Deus. As grandes De fato, no século XIX, era necessária pouca fé em Ellen
cidades americanas não sabem mais quem somos. Os um-em- White como profetisa para acreditar no cenário escatológico de
vinte nova-iorquinos que ouviram falar dos adventistas do O Grande Conflito. O livro foi escrito para um público não-
sétimo dia nos elogiam por nosso belo coral em Salt Lake City, adventista, e grande parte de seus argumentos eram conhecidos
Utah. Um público tão indiferente à nossa identidade aos evangélicos da época. No século XX, é preciso acreditar em
dificilmente se sente ameaçado pelos adventistas. Onde somos Ellen White como profetisa antes de poder aceitar sua
conhecidos––geralmente por nossas escolas ou hospitais–– escatologia. É preciso acreditar na palavra dela––pela fé––de
desfrutamos de relativa respeitabilidade, dificilmente nos uma maneira que não era necessário há 100 anos.
qualificando como alvos de perseguição religiosa. Às vezes, Como outros profetas, Ellen White fez principalmente
parece inacreditável que seus vizinhos os perseguiriam comentários e protesto. Profetizar para a Sra. White não
violentamente pelas colinas. E esse é apenas um aspecto da nossa significava olhar numa bola de cristal. Sua mensagem se mostrou
escatologia que nos faz pensar. convincente para tantas pessoas porque ela se dirigiu às questões
Como o americanismo da escatologia adventista funciona fora e eventos de sua época e pronunciou um juízo profético sobre
da América? O mundo, é claro, agora inclui muito mais do que elas. Ela pregou o fim iminente do seu mundo. O protestantismo
a “cristandade” da época de Ellen White. Ele inclui tanto o não- americano, quando semeado, daria luz ao Apocalipse. O fim de
ocidental como o o não-cristão. Será que esperamos, por sua era traria o fim do mundo.2 Ellen White, então, continua
exemplo, que o “mundo inteiro” que se maravilha após a besta sendo uma figura “de outro mundo” para nós, não apenas por
papal inclui a chineses maoístas ou aos soviéticos? Como os causa de sua intensidade espiritual, mas também porque ela era
adventistas, equipados com relatórios de observação de uma parte integrante daquele outro mundo––a América protestante
besta do século XIX, identificarão inimigos do século XX com vitoriana.3
seu armamento moderno e sofisticado? O que os vitorianos acharam distintivo sobre seu tempo foi a
Na sociedade americana contemporânea, o sabatismo mudança. Todas as épocas experimentam mudança, mas os
simplesmente não é uma questão nacional que polariza os vitorianos foram a primeira geração a perceber isso, a descrever
principais partidos políticos, como era no século XIX. Para a sua época como uma era de transição. As “trevas” da Idade Média
maioria dos americanos, sem falar nas pessoas de outras culturas, tinham-se dissipado. A besta do catolicismo romano havia

Jonathan Butler, doutor em história pela Universidade de Chicago, é professor associado de História da Igreja na Universidade Loma Linda. (Artigo
originalmente publicado como “Ellen White’s World and the End of the World,” Spectrum Magazine, vol. 10, n. 2 (August 1979): 2–13. Tradução de André Reis, PhD).
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recebido a “ferida mortal” na época da No século XX, é preciso presbiteriano––agora opera como uma
Revolução Francesa. Os instituição pós-protestante. Como
desenvolvimentos intelectuais e acreditar em Ellen White profetisa do século XIX, Ellen White
tecnológicos modernos tiveram um pressupunha a América protestante e
impacto profundo em todos. Esses como profetisa antes de sacra de seu tempo. Em O Grande
avanços surpreendentes foram Conflito Entre Cristo e Satanás, a Sra.
considerados como “sinais dos poder aceitar sua White descreveu o papel da América
tempos,” indicando uma transição não protestante em uma “dispensação
apenas do passado para o futuro mas escatologia. É preciso cristã.”6
também deste mundo para outro. O deslocamento da religião e a
Assim, o milenarismo floresceu. Ao acreditar na palavra dela separação entre igreja e estado levaram os
contrário da atitude do século XX até protestantes (na era evangélica do século
certo ponto indiferente em relação a ––pela fé––de uma XIX) a cristianizar a América através da
mudanças, os protestantes vitorianos, persuasão e não da coerção. O período
como Ellen White, interpretaram seus maneira que não era pós-Guerra Civil não foi apenas um
tempos de transição em termos período de defensiva e reagrupamento
escatológicos. Os imensos necessário há 100 anos. para os evangélicos diante do
desenvolvimentos em seu mundo evolucionismo e do criticismo bíblico,
sinalizaram que o mundo estava prestes a terminar. mudanças sociais e industriais. Os evangélicos também partiram
Tal era da transição produziu dúvida e incerteza entre os para a ofensiva na forma das notáveis cruzadas por um descanso
vitorianos. Dogmas antigos foram questionados. A própria idéia dominincal e a abstinência como o início de sua tentativa de
de credos mostrou-se impopular para muitos. No entanto, os cristianizar a civilização americana. Questões de moralidade como
vitorianos continuavam confiantes de que “a verdade” desonestidade, palavrões, jogos, dança e fumo, também
continuava sendo imutável. Ciência e religião eram vistas como preocupavam as igrejas protestantes.
um todo harmonioso, especialmente no início do período O notável êxito dessa iniciativa de cristianizar––em realidade
vitoriano. A verdadeira religião poderia suportar qualquer Protestantinizar––a vida americana não foi recebida com
investigação, incluindo o escrutínio da ciência. Mesmo que os entusiasmo por todos. Como os protestantes se comprometeram
vitorianos descartassem os velhos dogmas como superstição, eles com o princípio da liberdade religiosa e com o método voluntário,
ainda acreditavam no absoluto. O forte viés racionalista eles não conseguiram ver quão coercivo seu impulso de tornar a
encontrado em Ellen White e outros pioneiros adventistas, a América cristã parecia àqueles que, como os imigrantes católicos,
garantia de que a verdade–– a Verdade––poderia ser buscada e não compartilhavam inteiramente de suas opiniões. De fato, os
encontrada, provou ser tipicamente vitoriana e continua sendo católicos da época, e não os adventistas, é que eram os verdadeiros
um legado vitoriano entre os adventistas até hoje. Na sociedade objetos da intolerância protestante.
em geral, no entanto, o surgimento de ciências como
antropologia, sociologia e história minou a certeza vitoriana de llen White via o adventismo como um remanescente
possuir “a Verdade.”
O que tornava a América do século XIX tão diferente, em termos
religiosos, de nosso tempo é o fato de que a nação ainda poderia ser
E verdadeiro e inalterado do protestantismo. Para ela, longe
de ser não-protestantes, os adventistas eram super-
protestantes. A história era um veículo popular para a transmissão
descrita como uma “América protestante.” Em seu livro, A de idéias teológicas nos séculos XVIII e XIX, e O Grande Conflito
Christian America: Protestant Hopes and Historical Realities (Uma serve como um exemplo desse gênero literário. O livro celebrava a
América Cristã: Esperanças protestantes e Realidades Históricas), conquista da separação entre igreja e estado na América como um
Robert Handy registra o esforço dos evangélicos em tornar os legado do protestantismo e exibia uma predisposição protestante
Estados Unidos em uma “nação cristã,” o que para eles significava pela estrita observância do Sábado, temperança, lei, ordem e
uma “América protestante.”4 Em geral, Handy argumenta que os moralidade. A profetisa adventista divergia dos evangélicos do
protestantes realmente alcançaram seu objetivo, e a Suprema Corte século XIX em relação a qual sábado deveria ser guardado apenas
em 1892 poderia falar da América como uma “nação porque ela procurava levar às últimas consequências a lógica de um
cristã.” Handy ainda sugere que os Estados Unidos da década de protestantismo bíblico. Além disso, ela protestou contra as medidas
1930 entraram na era pós-protestante. coercivas para impor a observância do domingo como sendo um
Sob um prisma diferente, William Clebsch chega à mesma afastamento da liberdade religiosa. Por essa razão, a escatologia da
conclusão.5 Ele mostra como a política, a educação, a moralidade e Sra. White previa que o sonho evangélico de uma América
a nacionalidade americanas haviam sido todos impulsos religiosos protestante seria alcançado de maneira opressiva na forma de um
de uma “América sacra,” enquanto também se expressavam “fora suposto “Sábado cristão.” Essa conquista protestante americana em
do templo” no âmbito de uma “América profana.” Por exemplo, o realidade extinguiria o espírito do protestantismo neste país e
que costumava ser um sistema de escola pública “protestante”–– desencadearia o Apocalipse.
onde os McGuffey Readers eram uma espécie de catecismo

2
No século XX, no entanto, mudanças na situação religiosa ensinamentos das religiões que eles reconhecem ‘oficialmente’
fizeram a protestantização da América parecer cada vez mais como suas próprias. Os americanos têm orgulho de sua tolerância
improvável. Na década de 1930, o esforço voluntário para manter em questões religiosas: espera-se que você ‘acredite em Deus’, mas,
a América protestante fracassou, ilustrado pelo fracasso da Proibição ao mesmo tempo, a religião não deveria ser motivo de
[proibição nacional da produção e consumo de bebida alcóolica]. O ‘discriminação’.”9 Em nossa época, é a ideologia política––em vez
estabelecimento protestante do século XIX, que na melhor das da ortodoxia religiosa tradicional––que está suscetível de envolver
hipóteses apenas tolerava a grupos minoritários, passou por uma os “valores individuais.” Os “hereges” de hoje não são tanto grupos
“segunda desestabilização.” O que resultou foi o pluralismo religiosos, mas comunistas, pacifistas, etnicistas e homossexuais.
religioso de uma América protestante-católica-judaica, ou um setor Grupos religiosos, como tais, não são perseguidos como bodes
ainda mais variado que incluía até secularistas. expiatórios, mesmo em tempos de crise nacional. Preocupações
Restam ainda os Don Quixotes protestantes, que lutam contra religiosas, como a observância do sábado, não são vistas como vitais
inimigos imaginários, esperançosos de reintroduzir os ditames de para o destino da nação.
uma época passada. Muitos dos problemas contemporâneos Muito diferente foi o caso em uma América protestante do século
tratados sob a égide “igreja vs. estado” são na verdade resquícios da XIX. Josiah Strong, um conhecido integracionista contemporâneo
pregressa América protestante. As leis relacionadas ao fechamento da Sra. White, fornece uma janela para o pensamento da época. Ele
do comércio aos domingos, por exemplo, são em grande parte uma escreveu um best-seller intitulado Our Country: Its Possible Future
herança das fases puritana e evangélica da história americana. A and Present Crisis [Nosso País: Seu Possível Futuro e Crise Atual]
oração e a leitura da Bíblia nas escolas públicas, a aptidão de para arrecadar fundos para apoiar a Sociedade Missionária do Lar
candidatos a cargos públicos baseados em sua filiação religiosa, e Americano, na qual serviu como presidente.10 No livro, ele descreve
inúmeras outras questões são realmente remanescentes anacrônicos a crise pela qual passava a América em meados de 1800. A maioria
de uma era protestante. Handy escreve: dos perigos que preocupavam a Strong ameaçava, de uma maneira
ou de outra, o protestantismo anglo-saxão no qual, segundo ele,
Desde 1935, o debate sobre a relação entre igreja e estado tem dependia não apenas a esperança dos americanos, mas também a do
sido freqüentemente obscurecido pela falta de reconhecimento mundo todo. A nova imigração era o maior perigo, pois varria o
de que a era protestante da história americana realmente país de católicos e comprometia tanto religiosa quanto etnicamente
chegou ao fim. Se alguns protestantes continuarem pensando e os fundamentos da civilização Americana. Strong temia que o Papa
operando como se a identificação de sua religião com a viesse a se apoderar da América e a tornasse católica. O fluxo de
civilização americana ainda seja viável, ou que, com um pouco imigrantes católicos abriu as porteiras da intemperança, da
mais de esforço, os Estados Unidos se tornará uma nação cristã observância frouxa do domingo, do crescimento urbano e, entre ex-
como eles querem, serão seriamente impedidos de católicos, do socialismo e anarquia. Strong acreditava que a vasta
desempenhar um papel para o bem.7 acumulação de riqueza e as tensões trabalhistas causavam um
problema adicional. O esgotamento de terras públicas e o
Na medida em que as realidades históricas exigem uma revisão desparecimento da América rural o preocupavam, assim como o
das aspirações protestantes, elas também afetam preocupações expansionismo mórmon. Strong viu essa crise americana em termos
adventistas. Se é verdade que os protestantes não podem mais escatológicos. Vinculando o destino americano ao futuro da
esperar protestantizar a América pluralista, se a legislação dominical civilização, ele disse: “Meu pedido não é, salve a América pelo bem
dos protestantes anglo-saxônicos em escala nacional não é mais da América, mas, salve a América pelo bem do mundo.”
provável do que, por exemplo, o retorno da Proibição, os
adventistas precisam entender sua escatologia à luz da realidade llen White descreveu a crise americana da mesma forma
atual.
Nossa América pluralista e secular simplesmente não se envolve
nas questões teológicas da América protestante passada. “Toda
E que Strong. Segundo a Sra. White, os americanos estavam
sendo polarizados pelas próprias forças que Strong havia
identificado em seu livro: temperantes vs. intemperantes,
sociedade,” ressalta Robin M. Williams Jr., “tem em um grau proletariado vs. burguesia, rural vs. urbano, republicano vs.
importante uma religião comum. A posse de um conjunto comum anarquista, católico vs. protestante. Enquanto a Sra. White era mais
de idéias, rituais e símbolos pode fornecer um senso abrangente de pessimista do que Strong––para ela, a crise nos Estados Unidos
unidade, mesmo em uma sociedade repleta de conflitos.”8 Williams pressagiava um Apocalipse iminente––tanto a profetisa como o
comenta ainda que “os homens têm sempre probabilidade de ser clérigo concordaram em identificar o destino americano com o
intolerantes à oposição aos seus valores centrais.” Na América do destino da civilização como um todo. Na década de 1880, a Sra.
século XIX, o sábado e o domingo, juntamente com a temperança, White esperava salvar a América, ainda que por pouco tempo, para
a moralidade e várias outras preocupações protestantes, o bem do mundo. Para ambos, perder o protestantismo ou o
correspondiam à “religião comum” dos Estados Unidos. E era aqui republicanismo levaria à destruição da América e, por sua vez, a do
que os protestantes “provavelmente eram intolerantes à oposição.” mundo inteiro.
No século XX, por outro lado, Will Herberg nos diz: “Ninguém No mundo de Ellen White e Josiah Strong, a própria civilização
que conheça a situação religiosa deste país sugeriria que as coisas às parecia ameaçada. Para ambos, problemas como a anarquia e
quais os americanos são ‘intolerantes’ são crenças, padrões ou manifestações sociais despertavam apreensão. Em 1877, o primeiro

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terremoto de desordens trabalhistas levou jovens ambiciosos e aspirantes,” diz
à violência e derramamento de sangue As predições de Ellen Gusfield. “Ela foi uma das maneiras pelas
com o bloqueio de ferrovias em todo o quais a sociedade conseguia diferenciar o
país. Revoluções trabalhistas ocorreram White sobre o futuro trabalhador do canalha; o empregado
logo após a publicação dos livros de responsável do vagabundo; o bom
White e Strong. Após as lutas de 1886 apareciam como pagador do mal negócio; o americano
com Jay Gould, ocorreu o tumulto de nativo do imigrante.” No final do século
Haymarket e uma série de outros
projeções em uma tela XIX, no entanto, a adesão à temperança
distúrbios no início da década de 1890. era uma das formas pelas quais a classe
Imigrantes, cidades, monopólios,
que apenas ampliavam, média da América protestante via o
pobreza, alcoolismo e anarquia eram crescimento de um número maior de
responsabilizados pelas mazelas da
dramatizavam e trabalhadores católicos desprivilegiados,
civilização americana.11 Ellen White de baixa renda ou desempregados na
acreditava que os Dez Mandamentos
intensificavam as cenas sociedade. “A Décima Oitava Emenda,”
tinham um efeito civilizador no mundo. escreve Gusfield, “foi o ponto alto da luta
Com a lei de Deus em descrédito, a
de seu mundo para afirmar o domínio público de
civilização mostrava sinais
deterioração. A Bíblia sustentava a
de
contemporâneo. antigos valores da classe média. Ela
estabeleceu a vitória de protestantes sobre
América como nação protestante e
republicana, mas com a Bíblia sendo
A escatologia da Sra. os católicos, dos rurais sobre urbanos, da
tradição sobre a modernidade, da
criticada pela alta crítica literária, a
própria nação estava enfraquecida, assim
White previa o fim do hegemonia da classe média sobre as
camadas inferiores e superiores da
como a França havia negado a Bíblia e a
Deus durante a Revolução Francesa.
seu mundo. sociedade.”13
Ao apoiar agressivamente as forças de
Tanto Ellen White como Josiah Strong temperança, os adventistas do sétimo dia,
identificaram os problemas da civilização americana como e Ellen White em particular, demonstraram um forte compromisso
problemas espirituais e, nesse caso, ambos ainda operavam no com a América protestante. De fato, os adventistas mostraram sua
contexto de uma América sacra. capacidade de superar os protestantes em questões de temperança.
A solução protestante para os problemas americanos surgiu por Enquanto os adventistas esperavam que o fracasso da América
meio de uma espécie de política pietista. Através da legislação protestante fosse desencadear o Armagedom, eles fizeram o possível
política, os protestantes esperavam eliminar os pecados da para adiar o inevitável––outro exemplo do gênio adventista de
intemperança e da profanação do domingo e, através das escolas misturar preocupações deste mundo com as de outro.
públicas, socializar os filhos dos “pecadores” em um sistema de Para Ellen White, como defensora da causa da temperança, a
valores “retos.”12 questão era vital para o futuro de uma América protestante. Ela
Para os protestantes, os católicos ameaçavam a civilização escreveu: “A honra de Deus, a estabilidade da nação, o bem-estar da
americana em dois pontos: a temperança e observância do comunidade, do lar e do indivíduo exigem que sejam feitos todos
domingo. Operários católicos beberrões estavam subitamente os esforços possíveis para despertar o povo para o mal da
invadindo as cidades americanas e juntamente com sua permissiva intemperança. . . . Que a voz da nação exija de seus legisladores que
“observância sabática” (dominical) européia incomodavam aos parem com esse tráfico infame.”14 E com o êxito nas urnas em favor
protestantes criados no ideal americano da guarda do domingo. A da Proibição em 1918, C. S. Longacre, editor da Liberty Magazine,
cruzada protestante em favor de uma observância mais rigorosa do exclamou: “Que a democracia triunfe em todos os lugares e em
domingo foi um esforço para manter o viés puritano do todas as coisas pertencentes a relações civis, deveres e obrigações.”15
protestantismo, enquanto a nova questão da Proibição (do álcool)
revelava o viés pietista do protestantismo do século XIX. o século XIX, os protestantes evangélicos acreditavam
A temperança foi proposta pela civilização protestante americana
como uma resposta aos desafios que enfrentava no final do século
XIX. “O nativo americano protestante e rural do século XIX
N que o domingo era um fator ainda mais importante do
que a temperança para o futuro da democracia
americana. Escrevendo sobre o “sábado cristão” [= domingo] em
respeitava os ideais de temperança,” escreve James Gusfield. “Ele 1834, um professor universitário fez da guarda do domingo um ato
aderiu a uma cultura em que o autocontrole, a diligência e a de patriotismo. “Que todo homem que reivindica o patriotismo e
renúncia ao impulsos carnais eram ambos elogiados e até mesmo que se considera um bom membro da sociedade civil, evite manchar
necessários. Qualquer lapso era uma ameaça séria ao seu sistema de o domingo,” escreveu John Agnew. É claro “que o violador do
respeito. A sobriedade era virtuosa e, em uma comunidade domingo ataca a raiz de tudo o que é pacífico e ordeiro e abre o
dominada por protestantes da classe média, necessária à aceitação caminho para a propagação da irreligião, infidelidade e morte
social e à auto-estima.” Na década de 1830 e 1840, a abstinência moral.” Agnew identificou a violação do domingo como uma forma
tornou-se “um símbolo de pertencer à classe média e necessária a de anarquia quando escreveu: “O homem que, por seu exemplo,

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debilita o senso de obrigação para com uma minoria adventista contribuiu
Deus, e lança por terra a autoridade de Enquanto os adventistas para a derrota da legislação dominical
uma instituição divina, faz muito pela de Blair para impedir a apostasia
ruína de seu país e é um dos seus piores esperavam que o fracasso protestante e a ruína nacional. Como
inimigos.” Agnew acrescenta: “Ele povo profético, os adventistas usaram
pode não se sentir assim, mas é.” A da América protestante sua voz para sustentar a república o
transgressão do domingo está maior tempo possível, emprestando
“minando as fundações do governo fosse desencadear o tempo para pregar o adventismo em
republicano” e põe “o machado à raiz todo o mundo. Paradoxalmente, eles
das mais brilhantes aspirações do país.” Armagedom, eles fizeram o queriam adiar o fim para pregar que o
Em resumo .” . o governo republicano fim viria em breve.
não pode existir sem a difusão do possível para adiar o Olhando para trás, então, ao
princípio moral garantido pelo sabatismo do século XIX, vemos
domingo.”16 inevitável––outro exemplo apoiadores protestantes de uma
Na década de 1860, o grande América sacra identificando um
historiador da igreja, Phillip Schaff, do gênio adventista de problema spiritual––ou seja, a
comentou a importância do domingo transgressão do sábado––como o
em termos religiosos e civis. A grosso misturar preocupações albatroz da civilização americana.
modo, as leis dominicais no sul Nesse contexto, não era tão exagerado
americano eram mantidas em bases deste com as de outro para a Sra. White prever que os
religiosas, enquanto no norte, elas eram guardadores do sábado do sétimo dia
apoiadas em termos civis ou seculares. mundo. seriam “denunciados como inimigos
Na opinião de Schaff, o domingo era da lei e da ordem, como se estivessem
essencial para a moral pública e a autopreservação do estado. Era transgredindo as restrições morais da sociedade, causando anarquia
comum na época dizer que o declínio da observância do domingo e corrupção, e trazendo os juízos de Deus sobre a terra.”18 Refletindo
havia sido responsável pela Guerra Civil. o pensamento de seus contemporâneos evangélicos, White escreveu
Os evangélicos vislumbravam uma civilização cristã composta por sobre a controvérsia sábado vs. domingo:
uma população religiosa livre, bem educada, industriosa, honesta e
cumpridora da lei. Um domingo inviolável, onde os clérigos Será declarado que os homens estão ofendendo a Deus pela
protestantes podiam manter cativa uma platéia americana, onde transgressão do domingo; que esse pecado trouxe calamidades
eram promovidas pregações e programas evangélicos, parecia vital que não cessarão até que a observância do domingo seja
como um meio de cumprir essa visão cristã da sociedade. Em 1888– rigorosamente imposta; e que aqueles que apresentam as
–o ano em que O Grande Conflito foi publicado––o senador H. W. demandas do quarto mandamento, destruindo assim a reverência
Blair apresentou sua vigorosa legislação nacional do domingo pelo domingo, são perturbadores do povo, impedindo sua
perante o Congresso americano, e retornou em 1889. Por volta de restauração ao favor divino e à prosperidade.19
1900, um clérigo episcopal falou em favor da “santidade do
domingo americano” como “o paladino de nossas liberdades, nosso A Sra. White ofereceu mais evidências de que fazia parte de uma
governo, nossa civilização inglesa.”17 Enquanto muitos evangélicos América sacra que poderia culpar uma minoria religiosa mesmo por
estavam dispostos a confiar em esforços voluntários para fundar catástrofes naturais. “Há calamidades no mar e na terra,” escreveu a
uma comunidade cristã que adorava no “sábado cristão,” outros Sra. White, “e essas calamidades aumentarão, um desastre se
buscavam garantir o caráter cristão da nação através de uma emenda sucedendo a outro; e o pequeno grupo de fiéis guardadores do
Constitucional. A Associação Nacional de Reforma, formada em sábado serão apontados como aqueles que estão trazendo a ira de
1864, liderou essa iniciativa, e foi esse movimento de direita que Deus ao mundo pelo desrespeito ao domingo.”20
perturbou particularmente a Sra. White e outros adventistas.
Ellen White compartilhava da ideia evangélica de que o descanso llen White forneceu inúmeras evidências para o fato de
sabático era crucial para o futuro da civilização. Só que ela virou o
conceito de pernas para o ar ao declarar que a imposição do
domingo destruiria a América e a civilização em geral, em vez de
E que ela estava testemunhando em seus dias o colapso da
América protestante. A imitação do catolicismo por parte
do protestantismo americano, o abandono protestante de sua
melhorá-las. Como outros evangélicos, ela atribuiu significado atitude anti-católica, incomodava a Sra. White.21 Em 1870, um
cósmico ao domingo, mas em um sentido negativo. O verdadeiro marco da história ecumênica foi alcançado com a publicação do
confronto entre ela e os evangélicos sobre a questão sabática livro The Church Idea (A Ideia de Igreja) de William Reed
envolveu a questão de proteger a república americana e a civilização Huntington, um episcopal, estabelecendo uma base possível para a
anglo-americana com um sábado nacional ou sem ele. Novamente, unidade cristã. Enquanto os primeiros fundamentos americanos de
a Sra. White e outros adventistas esperavam preservar uma América ecumenismo em geral excluía católicos, na década de 1880,
protestante, impedindo a legislação dominical. Em 1888 e 1889, católicos como o cardeal Gibbons apoiavam os protestantes em

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relação à legislação dominical. Este Crenças e atitudes gestos ecumênicos católicos-
apoio favorecia os trabalhadores protestantes. Em meados da década de
católicos e mostrava aos protestantes adventistas do sétimo dia 1870, os espíritas haviam fracassado
que os católicos podiam se americanizar claramente em conquistar o apoio da
tão bem quanto qualquer outra pessoa.22 sobre a Segunda Vinda, o comunidade científica, tão necessário
Escrevendo para seus em sua tentativa de tornar sua religião
contemporâneos, então, no tempo sábado, saúde, educação, em uma ciência empírica. Clérigos
presente, a profetisa disse: “Nos liberais ainda apoiavam o espiritismo
movimentos agora em andamento nos bem-estar social, igreja e no 1890s. Grupos espíritas não
Estados Unidos para garantir às reduziram seus números
instituições e usos da igreja o apoio do estado, questões necessariamente. A oposição
estado, os protestantes estão seguindo os eclesiástica ao espiritismo continuou a
passos dos papistas. Mais ainda, eles trabalhistas, mostram que levá-lo seriamente ao final do século. R.
estão abrindo a porta para o papado Laurence Moore, o mais recente
recuperar na América protestante a o adventismo é uma historiador do espiritismo, concluiu
supremacia que ela perdeu no Velho que “a filosofia espírita deixou de ter
Mundo.”23 E mais: “Desde meados do subcultura protestante uma influência significativa no
século XIX, estudantes de profecia nos pensamento religioso americano por
Estados Unidos apresentaram esse vitoriana que se sustenta volta de 1875.”29 O ecumenismo do
testemunho ao mundo. Nos eventos que século XX certamente não incluiu o
estão ocorrendo agora, é visto um rápido muito tempo após o sucessor do espiritismo vitoriano: a
avanço em direção ao cumprimento da parapsicologia. O fenômeno ocultista
profecia.”24 De maneira mais geral, ela desaparecimento da da nossa época, bastante diferente do
escreveu: “O romanismo é agora espiritismo ou da parapsicologia (em
considerado pelos protestantes muito sociedade hospedeira. sua posição anticientífica e não
mais favoravelmente do que em anos meramente pseudocientífica), deve ser
anteriores.”25 Aqui, o movimento de Oxford––anglo-católicos que rotulado de pós-cristão e raramente, ou talvez nunca, de
enfatizavam os rituais do anglicanismo––servia de ilustração. Ela “cristianismo nominal.”
continuou: “Há anos tem havido nas igrejas da fé protestante um Na década de 1880, no entanto, ainda era plausível para Ellen
sentimento forte e crescente em favor de uma união baseada em White prever que “quando o protestantismo estender a mão
pontos de doutrina comuns” para que, eventualmente, “a América através do abismo, a fim agarrar de um lado o poder romano e do
protestante forme uma imagem da hierarquia romana, e a outro o espiritismo; quando, por influência dessa tríplice aliança,
imposição de sanções civis aos dissidentes será o inevitável os Estados Unidos forem induzidos a repudiar todos os princípios de
resultado.”26 sua Constituição, que fizeram deles um governo protestante e
Não apenas católicos e protestantes estavam se unindo às custas republicano, e adotar medidas para a propagação dos erros e
da minoria adventista, mas também outra força também apareceu falsidades do papado, podemos saber que é chegado o tempo das
em cena––o espiritismo. Desde o momento em que as irmãs Fox operações maravilhosas de Satanás e que o fim está próximo.”30
chegaram à cidade de Nova York em 1850, o espiritismo desfrutou Certamente, esse testemunho era “verdade presente” para qualquer
de fama fenomenal na América. Em 1870, atingira seu auge e adventista na década de 1880, pois o fim parecia próximo, mesmo
certamente poderia ter sido considerado uma terceira força no às portas. Com certeza, a escatologia da Sra. White incluía o futuro
cristianismo.27 Os espíritas afirmavam em muitos casos serem e o tempo presente, mas esse futuro estava próximo. Suas predições
cristãos, como a Sra. White indicara em sua referência ao do futuro apareciam como projeções em uma tela que apenas
“cristianismo nominal.” Mas a profetisa criticou o espiritismo ampliavam, dramatizavam e intensificavam as cenas de seu mundo
porque era anti-protestante e anti-bíblico. Seu uso da crença na contemporâneo.
imortalidade da alma contribuía para a conspiração escatológica A Sra. White era ela própria uma americana protestante cuja
final. biografia oferecia um resumo da era protestante americana. Desde
A suposta conspiração entre católicos, protestantes e espíritas que os seus primórdios como metodista da Nova Inglaterra (estado do
Ellen White acompanhara no século XIX logo se dissipou. Em Maine), ela investiu consideráveis energias nas preocupações
1895, o Papa proibiu a participação de católicos americanos em protestantes do século XIX sobre o milênio, sábado, anti-
conflitos religiosos e, depois de 1900, ele se manifestou contra esse catolicismo, anti-escravidão, temperança e educação. Quando esse
tipo de atividade como “modernismo.” Nas próximas décadas, o mundo protestante começou a desaparecer, a Sra. White ficou
catolicismo se expressaria em termos de uma ortodoxia tradicional, horrorizada. Ela viu a América protestante vitoriana declinando
e os “americanizadores” e as figuras ecumênicas abster-se-iam das
atividades que tanto haviam alarmado a Sra. White antes de 1895.28
O espiritismo, por sua vez, experimentou um declínio anterior aos

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diante das mudanças religiosas e étnicas, escatologicamente, ao mesmo tempo
intelectuais e sociais. A escatologia da Ao insistir apenas nos em que fixava os olhos nos jornais da
Sra. White previa o fim de seu mundo. época. Ela inspirava um senso de
“sinais dos tempos” de um relevância ou “verdade presente.”
om a América protestante Como outros profetas antes dela, a Sra.

C vitoriana em declínio, a Sra.


White preservou na igreja
adventista muitos aspectos de seu
adventismo passado,
realmente se enfraquece a
White sugeriu a natureza condicional
da profecia, fazendo aplicações mais
atuais. Essa contínua reaplicação do
mundo. Anthony C. Wallace definiu adventismo a novos tempos e lugares
grupos milenialistas como o nosso como crença em um fim era vital para seu ministério profético e
“um esforço deliberado, organizado e permanece absolutamente essencial
consciente por membros de uma iminente em nosso tempo. para a vida do movimento. É assim que
sociedade para construir uma cultura o “Espírito de Profecia” opera em todas
superior.”31 Crenças e atitudes Se uma mensagem as épocas.
adventistas do sétimo dia sobre a Espera-se que a polêmica análise de
Segunda Vinda, o sábado, saúde, destinada a inspirar David Stannard sobre o declínio do
educação, bem-estar social, igreja e puritanismo não se aplique ao
estado, questões trabalhistas, mostram urgência agora realmente adventismo do sétimo dia: .”.. se em
que o adventismo é uma subcultura uma determinada situação a estrutura
protestante vitoriana que se sustenta encoraja a letargia, o social continua a mudar sem mudanças
muito tempo após o desaparecimento complementares na vida cultural de um
da sociedade que a originou. No século
ingrediente essencial do grupo em particular, esse grupo torna-
XX, portanto, os adventistas do sétimo se anacrônico, suas instituições
dia formam uma “minoria cognitiva”
apocalíptico foi perdido. culturais perdem sua potência, e uma
que se apega a uma cosmovisão religiosa sensação de profunda perda pode
primordial em um mundo novo, mais secular e pluralista.32 Nada muito bem se manifestar.”34 Deve haver uma interação contínua
explica a identidade distintiva adventista nesta nova era tão bem entre a comunidade adventista e a mutante ordem social para que o
quanto a contínua influência de Ellen White sobre os adventistas. adventismo se mantenha viável. A profetisa estimulou esse processo
Portanto, se a América protestante vitoriana deixou de existir, os interativo em sua época tempo. Seria tristemente irônico se os
adventistas continuam a ilustrar a notável vitalidade e o significado escritos dela agora fossem usados para ocultar o processo criativo
humano dela. E, embora a Segunda Vinda ainda não tenha se que uma vez estimularam. Isso seria reter a “letra” enquanto se perde
materializado, a cultura adventista fornece um exemplo de um tipo o “Espírito” da profecia.”
de “escatologia realizada,” da qual o mundo pode se beneficiar em
nossos dias. m nossa pesquisa sobre a escatologia de Ellen White em seu
O que os adventistas do sétimo dia devem reconhecer aqui, no
entanto, é o elemento de desconfirmação profética. A profetisa
previu que a América protestante terminaria com a aprovação da
E contexto cultural, vemos o principal impulso de sua
mensagem. Fica claro que a Sra. White via o mundo de uma
perspectiva apocalíptica. Nos eventos de seu tempo, ela viu o rápido
legislação dominical, o repúdio ao governo constitucional, a cumprimento da profecia. O fim estava às portas. A profetisa
perseguição à minoria que guarda o sábado, resultando finalmente adventista não esperava que se passaria uma década mais antes do
na Segunda Vinda. E, em certo sentido, Ellen White estava certa. A fim. Sua própria década continha todos os ingredientes do
América protestante terminou, devido ao fato de que nenhuma lei Apocalipse. Ela esperava o retorno iminente do Senhor. Sem um
dominical comparável à de Blair reapareceu no Congresso desde a conhecimento do cenário cultural na década de 1880, o
década de 1880 (graças, em parte, à eficácia do lobby adventista) e imediatismo de suas expectativas apocalípticas não pode ser
pelo fato de a Proibição ter sido revogada em 1932. O declínio da devidamente apreciado.
América protestante, no entanto, não acabou com a democracia Em nossos dias, os adventistas incorporam o espírito da
americana, nem precipitou um massacre de adventistas. E mensagem de Ellen White, preservando seu senso de urgência. O
claramente, este declínio não levou à Segunda Vinda. coração de sua mensagem continua sendo “o fim está próximo.”
Durante sua vida, a Sra. White deu margem para a natureza Aqui, os adventistas levam em conta o novo contexto e pregam que
condicional da profecia. Cristo poderia ter voltado “há muito Cristo poderia retornar hoje. Um povo apocalíptico––para
tempo,” observou ela. Ele poderia ter voltado durante a Guerra permanecer adventista––deve profetizar o fim do mundo atual, não
Civil, quando a escravidão era o sinal de uma democracia em para uma era passada, ou mesmo futura. De uma geração para
colapso e da iminente Segunda Vinda.33 Ele poderia ter voltado por outra, profecias específicas podem falhar ou provar-se condicionais,
volta de 1888 quando uma minoria adventista no estado do mas o apocalipticismo não fracassará se continuar a fornecer uma
Tennessee jazia em prisões indicando o fim dos Estados Unidos e cosmovisão para novas gerações. O que sugerimos aqui em nível
também do mundo. Nos dois casos, a profetisa falou teórico, muitos evangelistas adventistas praticam de maneira

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espontânea, enquanto reescrevem Ellen White interpretou os perigos que
continuamente seus sermões para os Quando a Sra. White ameaçavam a democracia em termos
“últimos dias.” anti-católicos. Em uma área do
Perder o senso de imediatismo de anunciou o fim do mundo, Terceiro Mundo como a América
Ellen White é perder a essência da Latina, os adventistas agora leem O
mensagem adventista. Ouve-se o ela falou do fim do seu Grande Conflito como se fosse um
argumento de que uma América jornal. A revolta cultural e a mudança
protestante mais ameaçadora não paira mundo. Assim como Ellen nessas nações em desenvolvimento, a
sobre nós como na década de 1880, nem presença dominante da igreja católica,
que os adventistas estão ameaçados White apresentou uma recorda a experiência americana do
como minoria religiosa como foram há século XIX, à qual Ellen White se
um século, mas em algum momento no perspectiva escatológica dirigiu. No entanto, os inimigos mais
futuro isso poderia acontecer. Com isso, ferozes da democracia são os
parece-me, abandona-se a condição sine para o seu tempo, nos totalitarismos na direita e na esquerda
qua non do apocalipticismo––a sensação políticas. Quão trágico é que os
do agora. Ao insistir apenas nos “sinais cabe apresentar uma para adventistas do sétimo dia na Alemanha
dos tempos” de um adventismo da década de 1930 identificaram
passado, realmente se enfraquece a o nosso tempo. apenas o catolicismo como uma fera e
crença em um fim iminente em nosso ignoraram, ou até apoiaram o
tempo. (Pense nos ex-adventistas que nazismo.36 A história da interpretação
planejam retornar à igreja quando alguma lei dominical chegar ao profética evangélica mudou de uma estrutura anti-católica no século
Congresso.) Se uma mensagem destinada a inspirar urgência agora XIX para uma anti-comunista no século XX e, como resultado, Hal
acaba levando à letargia, o ingrediente apocalíptico essencial foi Lindsay inspira seu público contemporâneo. De fato, George
perdido. McCready Price, em seu último livro intitulado O Tempo do Fim,
A perseguição sabática dos adventistas do sul americano e o seguiu nessa direção para um público adventista.37 Nessa
projeto de lei de Blair perante o Congresso na década de 1880 não perspectiva, a fera da perseguição pode não ser o prostestantismo
servem mais como sinal para nós. No entanto, o sábado como um anglo-saxônico americano, mas Rússia soviética ou Moçambique
símbolo da dignidade humana deve continuar a ser relevante, pois marxista, ou talvez possa incluir os três.
onde quer que a dignidade humana sofra, o significado do sábado é Concluindo, então, O Grande Conflito interpretou a história em
transgredido. Onde quer que a liberdade religiosa tenha sido termos de uma batalha cósmica entre Deus e Satanás, o bem e o
negada, o sábado tem sido apagado da existência humana semanal. mal, que acabaria por revelar as “boas novas” divinas. Ellen White
Nesse sentido, o destino espiritual da humanidade permanece se preocupou apenas com a história, pois esta iluminava o drama
ligado à democracia, pois sem dignidade humana, sem liberdade, espiritual da “meta-história” (expressão de Berdyaev). Em todas as
em outras palavras, sem o significado do sábado, o homem enfrenta épocas da história, “o grande conflito” tomou forma à sua maneira
o mais Orwelliano dos futuros. particular. De uma época para a outra, há continuidades na luta
Após a entrevista de Solzhenitsyn com a BBC em março de 1976, histórica e divergências. No tempo da Sra. White, a polarização do
sobre o totalitarismo e um oeste vulnerável e enfraquecido, William bem e do mal ocorreu com sua própria singularidade, e a profetisa
F. Buckley, Jr. colocou a questão de que .”.. se de fato você projeta apontou com grande especificidade a natureza desta luta. O que
a tecnologia do totalitarismo no mesmo gráfico que ela seguiu importa agora é que o Evangelho de Jesus Cristo seja comunicado
durante o século passado, não seria previsível que mesmo daqui a com um grau de aplicabilidade semelhante ao nosso tempo.
10 ou 15 anos, um fenômeno como Solzhenitsyn não pudesse Somente se este tempo for abordado com a mensagem, Cristo
existir?” Malcolm Muggeridge discordou e disse que o fato de existir fornecerá uma resposta para nossos problemas. O comunismo, as
agora mostra “que a tecnologia nunca pode conquistar totalmente armas nucleares, a falta de energia ou os distúrbios ecológicos
o homem.” Muggeridge acrescentou então que .”.. se você podem estar entre as “bestas” e os “sinais” não preditos pela Sra.
envolvesse a terra em concreto, ainda haveria uma rachadura White e outros pioneiros adventistas. Uma mensagem profética
naquele concreto, e através dessa rachadura algo iria crescer.”35 Aqui para aqueles que vivem perto do fim do mundo deve envolver
se pode acrescentar que o talitarismo é o “concreto” que o exatamente isso––o mundo––não apenas os Estados Unidos ou o
apocaliptistas protestaram desde o apóstolo João até Ellen White. ocidente. E questões como o ecumenismo ou o sábado devem ser
Esse “algo” que cresce da rachadura é o significado do sábado. vistas à luz desses tempos pós-protestantes e pós-cristãos. O título
de nossa discussão se presta a um duplo sentido: quando a Sra.
White anunciou o fim do mundo, ela falou do fim de seu mundo.
m nosso tempo, as democracias do mundo certamente Assim como Ellen White apresentou uma perspectiva escatológica

E podem ser descritas como uma espécie ameaçada. E é o


fim da democracia, no sentido mais verdadeiro, que
perturba––e enche de expectativas––o adventista do sétimo dia.
para o seu tempo, nos cabe fornecer uma para o nosso. •

8
em 1864 e o dogma da infalibilidade papal em 1870 há muito a
Referências perturbavam. Veja seu capítulo o papado no Grande Conflito, pp.
563–81.
22. Francis P. Weisenourger, Ordeal of Faith: The Walter E.
1. Testemunhos para a Igreja, 5:451. Houghton, The Victorian Frame of Mind, Crisis of Church-Going
2. Veja uma discussão mais completa sobre esse ponto em America, 1865-1900 (New York: Philosophical Library, 1959).
Jonathan Butler, “When Profecy Fails: the Validity of 23. O Grande Conflito, p. 573. 24. Ibid., p. 579.
Apocalipticism,” Spectrum, vol. 8, n. 1, p. 7–14. A esse respeito, 25. Ibid., p. 563.
discordo do folheto publicado pelo White Estate intitulado 26. Ibid., pp. 444–445.
“Previsão e Cumprimento: Profecias de Ellen G. White se 27. Laurance Moore, “Spiritualism,” em Edwin S. Gaustad, ed.,
Cumprindo na Década de 1970.” Na maioria dos casos, as citações The Rise of Adventism: Religion and Soci- ety in Mid-Nineteenth
citadas pela Sra. White não tinham a intenção de prever, mas eram Century America (NY: Harper & Row, Publishers, 1974), pp. 79-
comentários culturais contemporâneos, freqüentemente no tempo 103; Also see Moore’s In Search of White Crows: Spiritualism,
presente. Certamente, existem paralelos entre a situação dela e a Parapsychology and American Culture (N.Y.: Oxford University
nossa, mas apontar esses paralelos não ilustra previsões proféticas “se Press, 1977).
cumprindo na década de 1970.” 28. Weisenberger, Ordeal of Faith, p. 209.
3. Para ler um retrato clássico do vitorianismo, veja Walter E. 29. The Rise of Adventism, p. 100.
Houghton, The Victorian Frame of Mind 1830-1870 (New Haven: 30. Testemunhos para a Igreja, 5:451.
Yale University Press, 1957). Para ler um estudo mais recente, veja 31. “Revitalization Movements,” American An- thropologist, 58
Ann Douglas, The Feminization of American Culture (New York: (1956), 265.
Alfred A. Knopf, 1977). 32. Para eles o desenvolviment desse conceito, veja Peter L.
4. Handy, A Christian America (London: Oxford University Berger, The Sacred Canopy: Elements of a Sociological Theory of
Press, 1971). Religion, Anchor Books edition, 1969 (Garden City, N.Y.:
5. From Sacred to Profane America: The Role of Religion in Doubleday & Company, Inc., 1967).
American History (New York: Harper and Row, 1968). 33. Veja Jonathan Butler, “Adventism and the Ameri- can
6. O Grande Conflito. Experience,” in Gaustad, ed., The Rise of Adventism, pp. 184, 193ff.
7. A Christian America, p. 5. 34. The Puritan Way of Death: A Study in Religion, Culture, and
8 Quoted in Will Herberg, Protestant-Catholic-Jew: An Essay in Social Change (N.Y.: Oxford University Press, 1977), p. 137.
American Religious Sociology, A n c h o r Books, rev. ed., 1960 35. “Firing Line,” Cópia do programa de 27 de março de 1976
(Garden City, N.Y.: Double- day, 1955), p. 74. (Southern Educational Communictions Associations), p. 10.
9. Ibid. 36. Veja Erwin Sicher, “Seventh-day Adventist Publications and
10. Strong, Our Country (New York: Baker and Taylor, 1885). the Nazi Temptation,” Spectrum Magazine, vol. 8, no. 3, pp. 11-
11. See Henry F. May, Protestant Churches and Industrial America 24.
(New York: Harper, 1949). 37. The Time of the End (Nashville, Tenn.: Southern Publishing
12. De acordo com histórias quantitativas recentes, fatores Association, 1967). As implicações de escatológicas de Price me
étnicos e religiosos foram importantes na política americana do perturbam.
século XIX, cruzando clãs e linhas ocupacionais. Veja o seguinte:
Ronald P. Formisano, The Birth of Mass Political Parties: Michigan,
1827–1861 (Princeton: Princeton University Press, 1971); Michael
Fitzgibbon Holt, Forging a Majority: The Formation of the
Republican Party in Pittsburgh, 1848-1860 (New Haven: Yale
University Press, 1969); Richard Jensen, The Winning of the
Midwest: Social and Political Conflict, 1888-1896 (Chicago: The
University of Chicago Press, 1871); Paul Kleppner, The Cross of
Culture: A Social Analysis of Midwestern Politics 1850-1900 (New
York: The Free Press, 1970).
13. Symbolic Crusade: Status Politics and the American Temperance
Movement, paperback edition, 1972 (Urbana: University of Illinois
Press, 1963), pp. 4, 5, 7.
14. Ciência do Bom Viver, p. 305.
15. Liberty, 13 (First Quarter, 1918), p. 23.
16. A Manual on the Christian Sabbath, Embracing a
Consideration of Its Perpetual Obligation, Change of Day, Utility, and
Duties (Philadelphia: Key & Biddle, 1834), pp. 134-137. 17.
Quoted in A Christian America, p. 147.
18. O Grande Conflito, p. 592.
19. Ibid., p. 590.
20. Advent Review and Sabbath Herald, 61 (18 de março 1884),
177.
21. A própria Ellen White concentrou-se mais nos erros do Papa
do que no catolicismo em geral. O “Programa de Erros do Papa”
9

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