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Psicologia Transpessoal
Psicologia Transpessoal
Jung não acreditava que o ser humano fosse uma mera máquina
biológica. O conceito de máquina é extremamente antropomórfico para
ser um conceito natural. Além disso, ele reconhecia que o processo de
maturação psíquica pode, em certos casos, transcender e muito os estreitos
limites do ego e do inconsciente individual. Por isso ele é considerado o
primeiro representante da orientação transpessoal em psicologia.
Pela sutil e cuidadosa análise de seus próprios sonhos, tal como antes fizera
Freud, bem como dos sonhos de seus pacientes e dos delírios de pacientes
psicóticos, Jung descobriu que os sonhos têm, algumas vezes, imagens e
motivos que se repetem e que podem ser encontrados não só nas diversas
partes do mundo, como também em dirferentes períodos da história. Assim,
ele chegou à conclusão de que, além do inconsciente individual, há um
inconsciente coletivo ou racial, comum a toda a humanidade, manisfestação
da criatividade universal. As únicas fontes de informação sobre os aspectos
coletivos do incosnciente seriam o estudo das religiões comparadas e da
mitologia universal. Para Freud, os mitos podem ser interpretados em
termos de problemas e conflitos caracterísiticos da infância e sua
universalidade reflete o conjunto da experiência humana compartilhada
culturalmente. Jung rejeitou tal explicação reducionista. Ele havia
observado que os enredos mitológicos universais ocorriam em indivíduos
que não tinham, de maneira alguma, qualquer conhecimento deles. Isso lhe
sugeriu que haveria elementos estruturais formadores de mitos na psique
inconsciente. Tais elementos originariam tanto a fantasia viva e os sonhos
pessoais quanto a mitologia dos povos. Assim, os sonhos podem ser
encarados como mitos individuais e os mitos, como sonhos coletivos. De
qualquer modo, estas matrizes primárias são como a expressão instintual
do potencial psíquico que cada indivíduo terá de, em seu crescimento,
desenvolver.
O que faz de Jung um gênio na psicologia moderna é sua ampla visão, que
vai bem além de sua época, e o seu método científico. O enfoque de Freud
era estritamente histórico e determinísitco, bem ao gosto do paradigma
cartesiano-newtonino; ele se interessava em encontrar explicações lineares-
racionais para todos os fenômenos psíquicos, seguindo uma gênese
histórico-biográfica. Jung estava convencido de que a causalidade linear não
era o único princípio mandatório na natureza. Ele criou um termo,
sincronicidade, para designar um princípio de ligação entre eventos de
forma NÃO-causal, o que explicaraia as chamamdas coincidências
significativas de ventos separados no tempo e/ou no espaço. Também se
interessava intensamente pelo desenvolvimento da Física Moderna e
mantinha estreito contato com seus representantes mais proeminentes. Foi
Einstein que, durante um encontro pessoal, encorajou Jung a perseguir o
conceito de sincronicidade, e Wolfgang Pauli, um dos fundadores da teoria
quântica, publicou um ensaio conjunto com Jung sobre sincronicidade, bem
como escreveu um estudo sobre os arquétipos na obra do físico Johannes
Kepler. Não deixa de ser tremendamente irônico o fato de que, embora
Freud se orgulhasse de a Psicanálise ser atrelada ao mecanicismo
newtoniano e de que os psicanalistas serem "mecanicistas incorrigíveis", ter
sido a psicologia "esotérica" de Jung a que tenha exercido maior impacto
entre os gênios da ciência moderna.
Mas o que tem a ver Física e Psicologia? Bem, os Físicos modernos têm
muito a dizer sobre a importância da consciência na definição do que seja
realidade. Eles, juntamente com os místicos genuínos, parecem estar cada
vez mais próximos uns dos outros em suas tentativas para descrever o que
seja o universo (ver os excelentes livros de Fritjof Capra e de Lawrence
LeShan). Os reseultados das experiências transpessoais sugerem que a
natureza da gênese da consciência podem ser mais realisticamente
descritas por mísiticos e físicos modernos do que pela mais estável e aceita
linha psicológica acadêmica.
Muitos autores (Abraham Maslow, Pierre Weil, Stanislav Grof, Ken Wilber,
Walsh, Vaughan entre outros) oferecem a evidência de que os assim
chamados "estados alterados" são não só naturais, como também são
necessários para o bem-estar e a saúde do indivíduo, após atingir um certo
grau de desenvolvimento cognitivo e ter atendido as necessidades básicas
mais urgentes. Maslow acredita que, a menos que tenhamos oportunidade
de mudarmos nosso estado de consciência, podem se desenvolver sintomas
emocionais graves se imperdirmos o afloramente dos níves transcendentes
da personalidade. Da mesma forma como existe uma pulsão para a
experiência sexual, também parece haver uma pulsão para o
desenvolvimento de níveis de percepção.
Roberto Assagioli
Outro autor de importância para o desenvolvimento da Psicologia
Transpessoal é Roberto Assagioli. Ele é o criador da psicossíntese, que é um
tipo de resposta ao método fragmentar da psicanálise, onde está claro a
responsabilidade do indivíduo no processo do próprio crescimento, que é um
impulso constante em todos as pessoas, apesar de relativamente tênue,
embora poucas se dêem a chance de se desenvolverem plenamente.
A cartografia de Assagioli sobre a personalidade humana tem muito em
comum com o modelo junguiano da psique, uma vez que inclui os campos
espirituais e os elementos coletivos da psique. Ele se consitui de sete
consituintes dinâmicos: o insconsciente inferior orienta as atividades
psicológicas básicas, como as pulsões sexuais e os complexos emocionais. O
inconsciente médio seria algo como o subconsciente. O campo
superconsciente é o local dos sentimentos e aptidões superiores, onde se
localizam a intuição e a inspiração. O campo da consciência inclui os
pensamentos e sentimentos analisáveis. O ponto central da psique é o self.
Todos esses componentes são anexados ao inconsciente coletivo.
O processo terapêutico fundamental da psicossíntese envolve quatro
estágios consecutivos. Primeiro, o cliente toma conhecimento dos vários
elementos (didaticamente falando) de sua personalidade, o que inclui seu
ego ideal e o seu ego real, com todos os defeitos que a pessoa gostaria de
suprimir. Depois que estiver bem familiarizado com eles, ele terá que
começar a se desidentificar com esses elementos (conhecer-se a si mesmo
e perceber que suas várias características são apenas características, não o
fundamento do ser, ou self). Depois que a pessoa descobre seu centro
psicológico unificador, é possível a realização total da psicossíntese,
caracterizada pela culminância do processo de auto-realização pela
integração dos componentes da personalidade à volta do novo centro, o
self.
Abraham Maslow
Foi AbrahamMaslow quem primeiro formulou, explicitamente, os princípios
da psicologia transpessoal como uma abordagem diferenciada. Uma de
suas mais importantes contribuições é seu estudo sobre pessoas que
vivenciaram, espontaneamente, as chamadas experiências místicas de
"pico". Na psicoterapia tradicional, experiências místicas de qualquer tipo
são sempre taxadas como sérias psicopatologias. Em seu muito bem-feito
estudo, Maslow desmonstrou que as pessoas que tiveram experieencias
espontâneas de "pico" benceficiavam-se delas e mostravam um claríssima
tendência para a auto-realização, que é o objetivo da psicoterapia
humanística. Ele julgou estas experiências como supernormais em vez de
subnormais. A partir desse fato, ele erigiu os fundamentos da nova
psicologia.
Um outro aspecto importante do trabalho de Maslow é a análise das
necessidades humanas e sua revisão geral da teoria dos instintos. Ele
descobriu que as maiores necessidades representam um aspecto importante
e autêntico das estrutura da personalidade humana e não pode ser reduzido
a uma mera derivação de instintos básicos (a idéia de instinto sugere uma
busca da ligação do comportamento humano dentro das diretrizes da
ciência mecanicista convencional). Segundo ele, as maiores necessidades
têm um papel importante na doença e na saúde mental. Valores superiores
(metavalores) e os impulsos para alcança-los (metamotivações) são
intrínsecos à natureza humana, possuindo uma fundamentação tão
biológica quanto a pulsão sexual, por exemplo.
Eis as palavras de Maslow anunciando o desenvolvimento da Psicologia
Transpessoal (Maslow, 1968, página 12):
"Devo também dizer que considero a Psicologia Humanística, ou Terceira
Força em Psicologia, apenas transitória, uma preparação para uma Quarta
Força ainda "mais elevada", transpessoal, transumana, centrada mais na
ecologia universal do que nas necessidades interesses restritos ao ego,
indo além da identidade, da individuação e congêneres... Necessitamos de
algo "maior do que somos", que seja respeitado por nós mesmos e a que
nos entreguemos num novo sentido, naturalista, empírico, não-eclesiástico,
talvez como Thoreau e Whitman, William James e John Dewey fizeram".
Carl Rogers
Apesar de não ser incluído, pela maioria dos autores, como um psicólogo
transpessoal, mas como um dos mais significativos psicólogos humanistas,
não escapou à Carl Rogers as chamadas dimensões transcendentes ou
espirituais que frequentemente emergiam no contexto terapêutico,
especialmente em termos de Terapia de Grupo, na qual Rogers foi grande
pioneiro. E foi exatamente a partir do revolucionário trabalho com Grandes
Grupos e em Workshorps, na última fase de sua formulação teórica, que a
temática transpessoal começa a se delinear nos escritos do criador da
Abordagem Centrada na Pessoa, e nos escritos de seus principais
colaboradores. John K. Wood, por exemplo, escreveu o seguinte comentário
(Rogers, 1983b) sobre as ocorrências transpessoais que costumam ocorrer
em Grandes Grupos:
Freqüentemente as pessoas compartilham e falam de sonhos sem
interpretação ou comentário. Sonhos comuns muitas vezes ocorrem.
Algumas pessoas reportam "experiências místicas" (...). As mesmas idéias e
mitos [imagens arquetípicas] frequentemente emergem de várias pessoas
ao mesmo tempo. (Rogers, 1983b, p. 34)
O próprio Rogers se refere muitas vezes em suas últimas obras às
percepções transpessoais e fenômenos congêneres de estados sutis de
consciência, e estabelece que estes são eventos observáveis e inerentes ao
trabalho bem sucedido com Grandes Grupos e Workshops:
O outro aspecto importante do processo de formação de [Grandes Grupos]
com que tenho tido contato é a sua transcendência e espiritualidade. Há
alguns anos eu jamais empregaria estas palavras. Mas a estrema sabedoria
do grupo, a presença de uma comunicação profunda quase telepática, a
sensação de que existe "algo mais", parecem exigir tais termos (Rogers,
1983a, p. 62).
Tenho a certeza de que este tipo de fenômeno transcendente às vezes é
vivido em alguns grupos com que tenho trabalhado, provocando mudanças
na vida de alguns participantes. Um deles colocou de forma eloqüente:
"Acho que vivi uma experiência espiritual profunda, senti que havia uma
comunhão espiritual no grupo. Respiramos juntos, sentimos juntos, e até
falamos uns pelos outros. Senti o poder de força vital que anima cada um
de nós, não importa o que isso seja. Senti sua presença sem as barreiras
usuais do 'eu' e do 'você' - foi como uma experiência de meditação, quando
me sinto como um centro de consciência, como parte de uma consciência
mais ampla, universal. (Rogers, 1983a, pp. 47-48)
De certa forma, Rogers parecia estar indicando que a ACP por ele
elaborada, junto com seus colaboradores, estaria se desenvolvendo ao
ponto de incluir as dimensões transpessoais em seu arcabouço teórico, mas
a sua morte o impediu de levar adiante seus insights:
Tenho a certeza de que nossas experiências terapêuticas e grupais lidam
com o transcendente, o indescritível, o espiritual. Sou levado a crer que eu,
como muitos outros, tenho subestimado a importância da dimensão
espiritual ou mística (Rogers, 1983a, p. 53).
O Espectro da Consciência
Um dos sistemas didáticos, em psicologia, que procura integrar os
diferentes insights das várias escolas psicoterapêuticas do ocidente entre si,
e estas com as várias abordagens orientais, é a Psicologia do Espectro,
proposta por Ken Wilber, como um modelo da compreensão transpessoal
das diferenças entre psicoterapias. Nele, cada uma das diferentes escolas é
vista como uma faixa que se dedica a um aspecto específico do total a que
se pode apresentar a consciência humana. Cada uma dessas escolas aponta
para um estado de consciência que se caracteriza por possuir um diferente
senso de identidade, indo da pequena identidade restrita ao ego até à
suprema identidade com todo o universo, que é o nível extremo da
consciência transpessoal. Este espectro pode ser entendido a partir de qutro
níveis: o do ego, o biossocial, o existencial e o transpessal.