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OS CINCO NA ILHA DO TESOURO

ENID BLYTON

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Índice

Capítulo 1 - UMA GRANDE SURPRESA 

Capítulo 2 - A PRIMA DESCONHECIDA 

Capítulo 3 - UMA HISTÓRIA INVULGAR E UMA NOVA AMIGA 

Capítulo 4 - UMA TARDE EMOCIONANTE 

Capítulo 5 - VISITA À ILHA 

Capítulo 6 - DESCOBERTA DEPOIS DA TEMPESTADE 

Capítulo 7 - REGRESSO AO CASAL KIRRIN 

Capítulo 8 - EXPLORANDO O NAVIO 

Capítulo 9 - A CAIXA MISTERIOSA 

Capítulo 10 - UMA OFERTA INESPERADA 

Capítulo 11 - DE NOVO NA ILHA DE KIRRIN 

Capítulo 12 - DESCOBERTAS FANTÁSTICAS 

Capítulo 13 - NOS SUBTERRÂNEOS 

Capítulo 14 - PRISIONEIROS!

Capítulo 15 - DAVID EM MISSÃO DE SOCORRO!

Capítulo 16 - UM PLANO ARRISCADO 

Capítulo 17 - O FIM DA GRANDE AVENTURA


1.

UMA GRANDE SURPRESA

- Mãe, já sabe para onde vamos nas férias grandes? - Perguntou o Júlio,
à mesa do pequeno-almoço. - Podemos ir para Polseath, como é costume?

- Creio que não, - disse a mãe. - As casas já estão todas alugadas este


ano.

Os três jovens, sentados à mesa do pequeno-almoço, entreolharam-se


com ar de grande desapontamento. Gostavam tanto da casa em Polseath! A
praia era muito bonita e os banhos de mar eram excelentes.

- Animem-se, - disse o pai. - Tenho a certeza de que encontraremos


outro lugar bom para as vossas férias. De qualquer maneira, a mãe e eu não
podemos ir com vocês este ano. A mãe não lhes disse?

- Não! - exclamou a Ana. - Oh, mãe, é verdade? Não pode realmente vir


connosco nas férias? Costuma vir sempre.

- Bem, desta vez o pai quer que eu vá com ele à Escócia, - disse a mãe.
- Só nós os dois! E como já estão bastante crescidos para cuidarem de vocês
próprios, pensámos que achariam divertido passarem umas férias só os três.
Agora, como não podem ir para Polseath, não sei para onde os hei-de mandar.

- E que tal para casa do Alberto? - Sugeriu o pai, de repente.

Alberto era seu irmão, o tio dos jovens. Eles só o tinham visto uma vez e
haviam ficado um pouco atemorizados. Era um homem alto e com ar severo,
um cientista muito inteligente, que passava grande parte do tempo a estudar.
Vivia perto do mar, mas os jovens pouco mais sabiam acerca dele!

- O Alberto? - Disse a mãe, surpreendida. - O que te levou a pensar


nele? Acho que não gostará de ter as crianças a incomodá-lo lá em casa.

- Bem, - disse o pai, - tive de me encontrar no outro dia com a mulher do


Alberto, na cidade, para tratarmos de negócios e não me parece que a vida
lhes corra muito bem. A Clara disse-me que ficaria muito satisfeita se soubesse
de uma ou duas pessoas para viverem com eles durante uns tempos,
pois assim receberiam mais algum dinheiro. A casa é à beira-mar, como sabes.
Talvez seja um bom sítio para os nossos filhos. A Clara é muito simpática e
cuidaria bem deles.

- Sim... e também têm uma filha, não é? - Disse a mãe dos jovens. -


Deixem-me ver ... como se chama ... já sei, Maria José! Que idade terá! Cerca
de onze anos, parece-me.

- É da minha idade - observou David. - Imaginem que temos uma prima


que nunca vimos! Deve sentir-se muito sozinha. Eu tenho o Júlio e a Ana, mas
a Maria José é filha única. Acho que vai gostar de nos conhecer.
- A vossa tia Clara disse-me que a Maria José gostaria de companhia -
acrescentou o pai. - Penso que o nosso problema ficaria resolvido se
telefonássemos à Clara e combinássemos a ida dos miúdos para lá. Sem
dúvida que seria uma ajuda para a Clara, e a Maria José teria alguém com
quem brincar durante as férias. E saberíamos que os nossos filhos estariam em
boas mãos.

Os jovens começaram a sentir-se entusiasmados. Seria divertido ir para


um sítio onde nunca tinham estado e passar as férias com uma prima que não
conheciam.

- Há penhascos, rochas e dunas? - Perguntou a Ana. - É um sítio bonito!

- Não me lembro muito bem, - disse o pai. - Mas tenho a certeza de que
é um sítio interessante. Vão gostar! Chama-se baía de Kirrin. A vossa tia Clara
viveu lá toda a vida e não sairia dali por nada.

- Oh, pai, telefone à tia Clara e pergunte-lhe se podemos ir! - Exclamou


o David: - Deve ser um lugar bom para as férias. Acho que vamos ter muitas
aventuras.

- Ah, dizes sempre isso, para onde quer que vás! - observou o pai, rindo.
- Está bem. Vou telefonar agora, para saber se há possibilidade de irem.

Já todos tinham acabado o pequeno-almoço. Levantaram-se e ficaram à


espera de que o pai telefonasse. Este foi para a sala da entrada, e ouviram-no
marcar o número.

- Quem me dera que fôssemos! - disse o Júlio. - Como será a Maria


José? É um nome engraçado. Parece mais um nome de rapaz do que de
rapariga. Então, ela tem onze anos ... um ano mais nova do que eu ... a mesma
idade que tu, David ... e um ano mais velha do que tu, Ana. Com certeza que
se dará bem connosco. E teremos os quatro umas férias divertidas.

O pai voltou passados cerca de dez minutos. Os jovens perceberam


logo que ficara tudo resolvido. Ele fez-lhes um grande sorriso e anunciou:

- Muito bem, está tudo combinado. A vossa tia Clara ficou encantada


com a ideia. Diz que será muito bom para a Maria José ter companhia, porque
é uma rapariga muito solitária, que anda sempre sozinha fora de casa. E terá
muito gosto em tomar conta de vocês. Só precisam de ter cuidado para não
incomodar o tio Alberto. Tem muito trabalho e fica zangado quando
o perturbam.

- Andaremos calados como ratos lá em casa, - disse o David.


- Prometemos que sim. Fantástico, fantástico ... quando vamos, pai?

- Na próxima semana, se a mãe tiver tudo preparado, - respondeu o pai.

A mãe acenou com a cabeça e disse:  

- Sim, pouco há que preparar. Só os fatos de banho, camisolas e calças


de ganga.

- Que bom usar outra vez calças de ganga, - disse a Ana, rodopiando de


alegria. - Estou farta do uniforme da escola. Quero também vestir calções, ou
fato de banho, e ir com os rapazes tomar banho e trepar pelos montes.

- Bem, não falta muito para que o faças - disse a mãe, soltando uma
gargalhada. - Não se esqueçam de escolher os jogos e os livros que querem
levar, está bem? Não muitos, por favor, porque não terão muito espaço.

- A Ana quis levar as quinze bonecas dela no ano passado, - disse o


Júlio. - Lembras-te, Ana! Foste mesmo cómica.

- Não, não fui, - respondeu a Ana, corando. - Gosto das minhas bonecas


e não conseguia escolher qual delas levar. Por isso, pensei em levar todas.
Isso não tem nada de cómico.

- E lembram-se de que no ano anterior a Ana queria levar o cavalo de


baloiço? - insistiu o David, dando uma pequena gargalhada.

A mãe interveio na conversa:

- Sabes uma coisa! Lembro-me de um rapazinho chamado David


que uma vez pôs de lado uma série de bonecos para levar para Polseath: um
urso, três cães e dois gatos.

Foi a vez de David corar. Mudou imediatamente de assunto.

- Pai, vamos de comboio ou de carro? - perguntou.

- De carro, - disse o pai. - Podemos levar tudo no porta-bagagens. Muito


bem, que tal terça-feira!

- Seria óptimo, - disse a mãe. - Podíamos levar os miúdos e voltar a


tempo de fazer as nossas malas à vontade, para depois partirmos para a
Escócia na sexta-feira.

- Sim, fica combinado para terça-feira.

Estava decidido. Os jovens esperavam ansiosamente, e a Ana


ia riscando os dias no calendário. A semana parecia que demorava mais tempo
a passar. Por fim, a terça-feira chegou. O David e o Júlio, que dormiam no
mesmo quarto, acordaram quase ao mesmo tempo e olharam pela janela.

- Está um dia fantástico! - exclamou o Júlio, saltando da cama.  - Não sei


porquê, mas acho que é muito importante que faça sol no primeiro dia de
férias. Vamos acordar a Ana.

A Ana dormia no quarto ao lado. O Júlio entrou a correr no quarto e


abanou-a.

- Acorda! É terça-feira! E está um dia de sol.


A Ana levantou-se num salto, olhou muito contente para o Júlio e disse:

- Chegou finalmente o dia! Pensei que nunca mais chegava. Oh, não é


emocionante ir para férias?

Partiram pouco depois do pequeno-almoço. O carro era grande, pelo


que todos iam confortávelmente instalados. A mãe sentada à frente, ao lado do
pai, e os três jovens no banco de trás, com os pés em cima de duas malas. No
porta-bagagens, seguiam os mais variados objectos, assim como outra mala. A
mãe estava certa de que não se tinham esquecido de nada.

Percorreram as movimentadas ruas de Londres, primeiro lentamente e,


depois, mais depressa, à medida que deixavam a cidade para trás. Cedo
chegaram à estrada em campo aberto, e o carro seguiu velozmente. Os jovens
entoavam canções, como sempre faziam quando estavam contentes.

- Vamos parar para almoçar? - perguntou a Ana, sentindo-se de repente


cheia de fome.

- Sim, - disse a mãe. - Mas ainda não. São só onze horas.


Só almoçamos por volta do meio-dia e meia, Ana.

- Oh, não! - exclamou a Ana. - De certeza que não consigo aguentar até


essa hora!

Então, a mãe deu-lhe uma tablete de chocolate, e a Ana e os irmãos


saborearam-na com ar deliciado, olhando para os montes, bosques e campos
pelos quais o carro passava com rapidez. O almoço foi esplêndido. Comeram
ao ar livre, na encosta de um monte que dava para um vale cheio de sol. A Ana
não gostou muito de uma grande vaca castanha que se aproximou e ficou ali a
olhar para ela, mas a vaca foi-se embora quando o pai a enxotou. Os jovens
comeram com todo o apetite, e a mãe disse que às quatro e meia teriam de ir a
uma pastelaria, porque além dos sanduíches do almoço tinham comido
também os do lanche!

- A que horas chegaremos a casa da tia Clara? - Perguntou o Júlio,


enquanto acabava de comer o último sanduíche, lamentando que não
houvesse mais.

- Com sorte, por volta das seis horas, - disse o pai. - Quem quer agora
esticar um pouco as pernas? Ainda temos uma longa viagem à nossa frente.

O automóvel parecia devorar quilómetros no seu percurso. Chegou a


hora do lanche, e depois os três jovens começaram a sentir-se de novo
entusiasmados.

- O mar deve estar por perto - disse o David. - Já lhe sinto o cheiro!

Tinha razão. De repente, o carro chegou ao cimo de um monte e ali


estava o mar azul, que brilhava, sereno e liso, sob o sol da tarde. Os três
jovens soltaram exclamações de prazer.
- Ali está!

- Não é maravilhoso?

- Oh, apetecia-me ir já tomar banho!

- Devem só faltar uns vinte minutos para chegarmos à baía de Kirrin, -


disse o pai. - Fizemos um bom tempo de viagem. Já verão a baía, que é
bastante grande, com uma ilha muito curiosa em frente.

Os jovens olhavam pela janela enquanto o carro seguia ao longo da


costa. A certa altura, o Júlio exclamou:

- Ali está! Aquela deve ser a baía de Kirrin! Olha, David! Não é linda, tão
azul?

- E olha para a ilhota cheia de rochas à entrada da baía, - disse o David:


- Gostava de ir lá.

- Claro que irás, - disse a mãe. - Agora, temos de procurar a casa da tia
Clara. Chama-se Casal Kirrin.

Não demoraram a chegar lá. Situava-se num penhasco que dava para a


baía e era uma casa muito antiga, bastante grande, construída em pedra
branca. Roseiras trepavam pela fachada, e o jardim estava cheio de flores.

- Eis o Casal Kirrin, - disse o pai, ao parar o carro. - Supõe-se que tem
cerca de trezentos anos! Então, onde está o Alberto? Olá, Clara!

2.

A PRIMA DESCONHECIDA

A tia dos jovens tinha estado à espera do carro. Saiu a correr pela velha
porta de madeira quando o automóvel parou em frente de casa. Os jovens
gostaram dela logo que a viram.

- Bem-vindos a Kirrin! - exclamou. - Olá a todos! Que bom vê-los. E


como os miúdos estão crescidos!

Trocaram beijos e depois entraram. Os jovens gostaram da casa. Era


antiga e tinha um ar misterioso, com mobília também antiga e muito bonita.

- Onde está a Maria José? - Perguntou a Ana, olhando em redor à


procura da prima que não conhecia.

- Oh, que rapariga desobediente! Disse-lhe para esperar por vocês no


jardim, - explicou a tia, - mas parece que saiu de casa. Tenho de dizer-lhes
uma coisa: talvez achem a Zé um pouco difícil a princípio. Sempre viveu
sozinha connosco e, nos primeiros tempos, é possível que não goste de que
estejam aqui. No entanto, não devem dar qualquer importância a isso, porque
depressa lhe passará. Fiquei muito satisfeita ao saber que podiam vir. A Zé
precisa muito da companhia de outros jovens.

- Chama-lhe "Zé"? - perguntou a Ana, surpreendida. - Pensei que o


nome dela fosse Maria José.

- Claro que é, - disse a tia. - Mas a Zé detesta ser rapariga, e temos de


chamar-lhe Zé, como se fosse um rapaz. Não responde quando lhe chamamos
Maria José.

Os jovens pensaram que a Maria José devia ser uma rapariga muito


invulgar. Desejavam que ela aparecesse. No entanto, isso não aconteceu. De
repente, em vez dela, surgiu o tio Alberto. Era um homem com ar estranho,
muito alto, muito moreno e com uma grande testa sempre enrugada.

- Olá, Alberto! - disse o pai. - Há muito tempo que não te via. Espero que
as crianças não perturbem o teu trabalho.

- O Alberto está a trabalhar num livro muito difícil, - explicou a tia Clara. -
Mas arranjei um escritório só para ele no outro lado da casa. Por isso, acho
que não se sentirá incomodado.

O tio olhou para os três jovens e cumprimentou-os com um aceno de


cabeça, continuando de sobrolho carregado. Estes sentiram-se um pouco
amedrontados, mas satisfeitos por ele trabalhar noutra parte da casa.

- Onde está a Zé? - Perguntou ele, com uma voz profunda.

- Voltou a sair, não sei para onde, - disse a tia Clara, aborrecida. - Disse-
lhe que tinha de ficar aqui para conhecer os primos.

- Ela precisa de um bom castigo, - disse o tio Alberto, sem que os jovens


percebessem se ele estava a brincar ou não. - Muito bem, meninos, espero que
passem aqui umas boas férias e que façam a Zé ter mais juízo!

Não havia quarto no Casal Kirrin para os pais passarem a noite. Por
isso, depois de um jantar rápido, saíram para pernoitar num hotel na cidade
mais próxima. Regressariam a Londres no dia seguinte, imediatamente após o
pequeno-almoço. Assim sendo, despediram-se dos filhos naquela noite. A
Maria José ainda não tinha aparecido.

- Lamento não termos visto a Maria José, - disse a mãe. - Dêem-lhe


saudades nossas e digam-lhe que esperamos que goste da companhia do
David, do Júlio e da Ana.

Então, os pais foram-se embora. Os jovens sentiram-se um pouco


sozinhos, ao verem o grande carro desaparecer na curva da estrada, mas a tia
Clara levou-os até ao andar de cima para lhes mostrar os quartos, e cedo se
esqueceram da tristeza. Os dois rapazes dormiriam num quarto do sótão. Tinha
uma vista maravilhosa para a baía. E eles estavam realmente encantados. A
Ana dormiria com a Maria José num quarto mais pequeno, cujas janelas davam
para os campos nas traseiras da casa. Mas tinha também uma janela lateral
com vista para o mar, que agradou muito à Ana. Era um quarto muito bonito,
com rosas vermelhas a aparecer do lado de fora da janela.

- Gostava tanto que a Maria José chegasse, - disse a Ana para a tia. -
Queria conhecê-la.

- Bem, ela é uma rapariguinha um pouco especial - disse a tia. - Às


vezes é malcriada e orgulhosa, mas tem um coração bondoso, é muito leal e
nunca mente. Quando se torna amiga de alguém, é amiga para sempre; no
entanto, tem muita dificuldade em fazer amigos, o que é uma pena.

De repente, a Ana bocejou. Os rapazes olharam para ela com


desagrado, porque sabiam o que aconteceria a seguir.

- Pobre Ana! Como estás cansada! Têm de ir todos já para a cama.


Depois de uma noite descansada, acordarão bem frescos amanhã de manhã, -
disse a tia Clara.

- Ana, és uma idiota, - disse o David, zangado, após a tia ter saído do


quarto. - Sabes muito bem o que os adultos pensam quando nos vêem bocejar.
Ainda queria ir hoje à praia.

- Desculpa, - disse a Ana. - Foi sem querer. E agora és tu quem está a


abrir a boca, David! E o Júlio também!

Era verdade. Estavam cheios de sono, depois da longa viagem. Embora


não o dissessem, todos ansiavam por ir para a cama e adormecer.

- Estou a pensar onde andará a Maria José, - disse a Ana, antes de dar


as boas-noites aos irmãos e ir para o seu quarto.

- É tão estranho... não esperar para nos conhecer... não vir jantar... e


ainda não ter chegado! E ela vai dormir no meu quarto... sabe-se lá a que
horas chegará!

Os três jovens já dormiam profundamente quando a Maria José chegou


e se foi deitar! Não a ouviram abrir a porta do quarto da Ana. Não a ouviram
despir-se e lavar os dentes. Não ouviram a cama ranger quando ela se deitou.
Estavam tão cansados que não ouviram nada até que o sol os acordou de
manhã.

Quando a Ana acordou, a princípio não conseguiu perceber onde 


estava. Ficou deitada na cama e olhou para o tecto inclinado, para as rosas
que apareciam na janela e, de repente, lembrou-se do sítio onde estava! "Estou
na baía de Kirrin e são férias!", disse para consigo, muito contente. Olhou
depois para a outra cama. Nela estava um vulto deitado, enrolado por baixo
dos cobertores. Só conseguia ver o cimo de uma cabeça com cabelo
encaracolado. Quando o vulto se moveu um pouco, a Ana disse:

- És tu, Maria José?


A jovem que estava na outra cama sentou-se e olhou para a Ana. Tinha
o cabelo encaracolado e bastante curto, quase tão curto como o de um rapaz.
A cara estava muito queimada pelo sol, os olhos eram tão azuis e brilhantes
que pareciam miosótis. No entanto, a boca era bastante severa, e a rapariga
franzia o sobrolho como o pai.

- Não, - respondeu ela. - Não sou a Maria José.

- Oh! - Então quem és? - Disse a Ana, surpreendida.

- Sou a Zé, - disse a rapariga. - Só te respondo quando me chamares


Zé. Odeio ser rapariga. Não quero ser. Não gosto de fazer as coisas que as
raparigas fazem. Gosto de fazer o que os rapazes fazem. Consigo trepar
melhor do que um rapaz e também sei nadar mais depressa. Sei remar tão
bem como qualquer pescador nesta costa. Tens de me chamar Zé. Assim, falo
contigo. Se não me chamares Zé, não falo contigo.

- Oh! Está bem! - exclamou a Ana, pensando que a sua prima era muito
estranha. - Chamo-te como quiseres. Acho que Zé é um nome bonito. Nem
gosto muito de Maria José. E, realmente, pareces um rapaz.

- A Sério! Pareço! - disse a Zé, deixando por um momento de franzir a


testa. - A minha mãe ficou muito zangada comigo quando cortei o cabelo tão
curto. Tinha o cabelo até aos ombros, era horrível.

As duas raparigas fitaram-se por um momento.

- Não detestas ser rapariga!? - perguntou a Zé.

- Não, claro que não - disse a Ana. - Gosto de vestidos bonitos e das


minhas bonecas e não poderia gostar se fosse rapaz.

- Que aborrecido gostar de vestidos bonitos, - disse a Zé, com voz


desdenhosa. - E bonecas! Acho que mais pareces um bebé.

A Ana sentiu-se ofendida e disse:

- Não és lá muito bem-educada. Vais ver que os meus irmãos não te dão
importância nenhuma, se pensas que sabes mais do que os outros. Eles são
rapazes a sério, não a fingir, como tu.

- Se eles forem antipáticos comigo, sou eu que não lhes dou importância


nenhuma, - disse a Zé, saltando da cama. - Além disso, eu não queria que
vocês viessem para cá. Meterem-se na minha vida! Sou muito feliz sozinha.
Agora, tenho de aturar uma rapariga tonta que gosta de vestidos e bonecas, e
dois primos estúpidos!

A Ana pensou que as coisas tinham começado bastante mal. Não disse


mais nada e vestiu-se. Pôs uns calções cinzentos e uma camisola vermelha. A
Zé vestiu também calções, e uma camisola de rapaz. Mal ficaram prontas, os
rapazes bateram à porta.
- Ainda não estão prontas! A Maria José está aí! Maria José, sai daí para
te conhecermos.

A Zé abriu a porta com força e saiu com a cabeça bem erguida. Não deu
importância alguma aos dois rapazes, que ficaram completamente
surpreendidos. Desceu as escadas sem dizer palavra. Os outros três jovens
entreolharam-se.

- Ela não responde se lhe chamarem Maria José - explicou a Ana. -


Acho que é muito estranha. Diz que não queria que nós viéssemos para cá. Diz
que nos vimos meter na vida dela.

O Júlio pôs o braço em volta dos ombros da Ana, que estava um pouco
triste.

- Não te preocupes! - disse ele. - Podes sempre contar connosco para te


defender. Vamos tomar o pequeno-almoço.

Estavam todos com fome. O cheiro dos ovos com presunto era delicioso.
Desceram as escadas a correr e deram os bons-dias à tia. Esta acabara de pôr
o pequeno-almoço na mesa. O tio estava sentado à cabeceira, a ler o jornal.
Acenou com a cabeça para os jovens. Eles sentaram-se sem uma palavra,
interrogando-se se lhes seria permitido falar durante as refeições. Em casa,
falavam sempre, mas o tio Alberto parecia tão severo! A Zé estava também à
mesa, a pôr manteiga numa torrada. Olhava para os três jovens com ar mal-
humorado.

- Deixa de fazer essa cara, Zé, - disse-lhe a mãe. - Espero que já sejam


amigos. Poderão divertir-se juntos. Tens de levar os teus primos a ver a baía
esta manhã e mostrar-lhes os melhores sítios para tomarem banho.

- Hoje vou pescar, - disse a Zé.

O pai olhou imediatamente para ela e disse:

- Não, não vais. Para variar, serás bem-educada e levarás os teus


primos à baía. Estás a ouvir?

- Sim, - respondeu a Zé, franzindo a testa exactamente como o pai.

- Nós podemos ir sozinhos à baía, se a Zé vai pescar, - disse a Ana,


pensando que seria melhor não ter a Zé por perto, já que ela estava mal-
humorada.

- A Zé fará exactamente o que eu mandei, - disse o pai. - Se não fizer,


terá de se haver comigo.

Depois do pequeno-almoço, os quatro jovens dirigiram-se para a praia.


Desceram a correr, alegremente, o caminho que conduzia à baía. Mesmo a Zé
deixou de franzir o sobrolho quando sentiu o calor do sol e viu o mar azul e
cintilante.
- Se quiseres, vai pescar, - disse a Ana, quando chegaram à praia. - Não
faremos queixa de ti. Nem queremos meter-nos na tua vida. Ficamos muito
bem sozinhos, e não tens de estar connosco se não quiseres.

- Mas gostávamos que ficasses connosco, se estiveres disposta a isso, -


acrescentou o Júlio, generosamente.

Pensava que a Zé era brusca e malcriada, mas ao mesmo tempo


gostava daquela rapariga empertigada e de cabelo curto, com olhos azuis
muito brilhantes e boca com ar amuado. A Zé olhou para ele e disse:

- Veremos. Não me torno amiga das pessoas só porque são minhas 


primas, ou qualquer coisa do género. Só faço amizades com as pessoas de
quem gosto.

- Também nós, - disse o Júlio. - E podemos não gostar de ti, é claro.

- Ah! - exclamou a Zé, como se essa possibilidade não lhe tivesse


ocorrido. - Bem, claro que podem não gostar. Vendo bem, agora que penso
nisso, há muitas pessoas que não gostam de mim.

A Ana observava a baía azul. À entrada da baía havia uma ilha rochosa,


onde se erguiam umas ruínas que pareciam de um velho castelo.

- Aquela ilha é tão estranha, - disse ela. - Como se chamará?

- É a ilha de Kirrin, - informou a Zé, com os olhos tão azuis como o mar,


quando se voltou para observar a ilha. - É um lugar maravilhoso. Se gostar de
vocês, talvez um dia vos leve até lá. Mas não prometo. A única maneira de ir à
ilha é de barco.

- De quem é essa ilha tão misteriosa? - Perguntou o Júlio.

A Zé deu uma resposta surpreendente.

- É minha, - disse ela. - Pelo menos, um dia será minha! Será a minha
ilha e será o meu castelo!

3.

UMA HISTÓRIA INVULGAR E UMA NOVA AMIGA

Os três jovens olharam para a Zé com a maior das surpresas. A Zé fitou-


os também.

- Que queres dizer? - Perguntou o David, por fim. - A ilha de Kirrin não
pode ser tua. Estás a mentir.

- Não, não estou, - disse a Zé. - Perguntem à minha mãe. Se não


acreditam em mim, não lhes direi nem mais uma palavra. Eu não digo mentiras.
Acho que é uma cobardia não dizer a verdade e eu não sou cobarde.

O Júlio lembrou-se de que a tia Clara tinha dito que a Zé nunca mentia.
Coçou a cabeça e voltou a olhar para a Zé. Como era possível que estivesse a
falar verdade?

- Bem, claro que acreditamos em ti se estás a dizer a verdade, -


observou o Júlio. - Mas essa história parece extraordinária. Os jovens não
costumam ter ilhas, nem sequer ilhazinhas esquisitas como aquela.

- Não é uma ilhazinha esquisita, - disse a Zé, furiosa. - É muito bonita.


Tem coelhos, tão mansos que nem imaginas e, do outro lado da ilha, há corvos
marinhos enormes e há muitas gaivotas. O castelo também é maravilhoso,
apesar de estar em ruínas.

- Deve ser bonita - observou o David. - Por que dizes que é tua, Maria
José?

A Zé lançou-lhe um olhar fulminante e não respondeu.

- Desculpa, - disse o David. - Foi sem querer que te chamei Maria José.


Queria dizer Zé.

- Diz lá, Zé, porque é que a ilha te pertence? - perguntou o Júlio, pondo
o braço sobre os ombros da prima mal humorada.

Ela afastou-se dele imediatamente e disse:

- Não faças isso. Ainda não sei se quero ser vossa amiga.

- Está bem, está bem, - disse o Júlio, perdendo a paciência. - Se


quiseres, seremos inimigos. Não nos interessa. Mas gostamos muito da tua
mãe e não queremos que ela pense que não desejamos ser teus amigos.

- Gostam da minha mãe? - disse a Zé, ao mesmo tempo que os seus


olhos azuis e brilhantes se suavizavam um pouco. - Sim, ela é amorosa, não é?
Está bem, eu conto-vos porque é que o castelo de Kirrin me pertence. Vamos
sentar-nos aqui neste canto, onde ninguém nos ouvirá.

Sentaram-se todos num recanto arenoso da praia. A Zé olhou para a


pequena ilha da baía e disse:

- Então, ouçam. Há muitos anos, a família da minha mãe era proprietária


de quase todas as terras aqui em volta. Depois, ficaram pobres e tiveram de
vender a maior parte das terras. Mas nunca conseguiram vender aquela ilha,
porque ninguém lhe dava valor nenhum, especialmente com o castelo
arruinado há tanto tempo.

- Que estranho ninguém querer comprar uma ilha tão bonita! - disse o
David. - Eu comprava-a logo, se tivesse dinheiro.

- Tudo o que resta das propriedades da família da minha mãe é o Casal
Kirrin, onde vivemos, e uma quinta que não fica muito longe e a ilha de Kirrin, -
explicou a Zé. - A mãe diz que a ilha será minha, quando eu for mais velha.
Também diz que nem agora a quer, por isso é como se já ma tivesse dado.
Pertence-me. É a minha ilha, e não deixo ninguém ir lá sem a minha
autorização.

Os três jovens ficaram a olhar para ela. Acreditavam em tudo o que a Zé


tinha dito, pois era evidente que estava a dizer a verdade. Era fantástico ser
dona de uma ilha! Pensaram que ela tinha muita sorte.

- Oh, Maria José... quero dizer, Zé! - exclamou o David. - Acho que tens
sorte. É uma ilha tão bonita. Espero que fiquemos amigos e que nos leves lá
um dia. Nem imaginas como gostaríamos.

- Bem, talvez, - disse a Zé, satisfeita pelo interesse que despertara. -


Veremos. Nunca levei lá ninguém, apesar dos rapazes e das raparigas daqui
me pedirem para ir. Como não gosto deles nunca os levei.

Fez-se silêncio por um momento, enquanto os quatro jovens olhavam na


direcção da baía, para o local onde a ilha se erguia à distância. A maré estava
a baixar. Quase parecia que conseguiriam atravessar o mar até à ilha. O David
perguntou se isso seria possível.

- Não, - disse a Zé. - Já lhes expliquei que só é possível ir lá de barco.


Fica muito mais longe do que parece, e o mar é muito profundo. Além disso, há
rochas por toda a parte. É preciso saber exactamente por onde levar o barco,
senão encalha. Já muitos navios aqui naufragaram.

- Navios que naufragaram! - exclamou o Júlio, com os olhos a brilhar.


Nunca vi destroços de um naufrágio. Há aqui alguns para ver?

- Agora já não há, - disse a Zé. - Foram todos removidos. Excepto os de


um navio do outro lado da ilha. Está num local muito profundo. Consegue ver-
se só o mastro partido, quando se rema por cima do navio num dia calmo e se
olha para debaixo da água. Esse navio afundado também me pertence.

Desta vez, era realmente difícil para os jovens acreditarem na Zé. No


entanto, ela acenou com a cabeça em sinal afirmativo e disse com firmeza:

- Sim, era um navio que pertencia a um dos meus tetravós. Trazia


grandes barras de ouro e naufragou perto da ilha de Kirrin.

- Oh, que aconteceu ao ouro? - Perguntou a Ana, com os olhos muito


abertos.

- Ninguém sabe, - disse a Zé. - Acho que foi roubado do navio. Claro
que andaram mergulhadores à procura, mas não encontraram ouro nenhum.

- Caramba, isso é fantástico, - disse o Júlio. - Quem me dera ver os


destroços do navio.

- Bem, talvez possamos ir esta tarde, quando a maré estiver vazia, -


disse a Zé. - A água está tão calma e límpida. Conseguiríamos ver qualquer
coisa.

- Oh, que maravilha! - exclamou a Ana. - Gostava tanto de ver um navio


naufragado a sério!

Os jovens riram perante o entusiasmo da Ana.

- Agora, Zé, vamos tomar um banho! - sugeriu o David.

- Primeiro, tenho de ir buscar o Tim - anunciou a Zé, enquanto se


levantava.

- Quem é o Tim? - Perguntou o David.

- Conseguem guardar um segredo! - disse a Zé. - Ninguém pode saber


lá em casa.

- Sim, claro. Qual é o segredo! - perguntou o Júlio. - Podes confiar em


nós. Não diremos nada a ninguém.

- O Tim é o meu maior amigo, - explicou a Zé. - Não consigo viver sem


ele. Mas os pais não gostam dele. Por isso, tenho de o manter em segredo.
Vou buscá-lo.

Subiu a correr o caminho dos penhascos. Os outros jovens viram-na


afastar-se. Pensaram que era a rapariga mais fora do comum que alguma vez
tinham conhecido.

- Quem será o Tim? - interrogou-se o Júlio. - Talvez algum rapaz


pescador de quem os pais da Zé não gostam.

Os jovens deitaram-se na areia macia e ficaram à espera.Passado


pouco tempo, ouviram a voz da Zé, que provinha de trás do penhasco.

- Anda, Tim! Anda!

Ergueram-se e sentaram-se na areia, para verem quem era o Tim. Não


viram nenhum rapaz, mas sim um grande cão rafeiro castanho, com a cauda
muito comprida e uma boca enorme que parecia sorrir! Saltava em volta da Zé,
louco de alegria. Ela correu para junto deles e disse:

- Aqui está o Tim. Não acham que é uma perfeição?

O Tim estava longe de ser um cão perfeito. Tinha uma forma estranha, a


cabeça muito grande, as orelhas demasiado espetadas, a cauda bastante
comprida, e não se conseguia perceber qual era a sua raça. Mas tratava-se de
um animal com tanta vivacidade, tão amistoso e tão engraçado, que os jovens 
logo gostaram dele.

- Oh, que amor! - disse a Ana, recebendo uma lambidela no nariz.


- É enorme! - exclamou o David, dando uma palmada amigável no Tim,
que se pôs aos saltos em volta dele.

- Quem me dera ter um cão como este, - disse o Júlio, que gostava


muito de cães e sempre desejara ter um. - Oh, Zé, ele é fantástico. Não tens
orgulho nele?

A rapariga sorriu, e o seu rosto alterou-se de imediato, tornando-se


bonito e radiante. Sentou-se na areia e o cão aninhou-se ao pé dela, dando-lhe
lambidelas.

- Gosto muito dele, - disse a Zé. - Encontrei-o nos campos quando era


ainda um cachorro, há um ano, e levei-o para casa. Ao princípio, a mãe gostou
dele, mas quando ficou mais crescido tornou-se impossível.

- Que fazia ele? - perguntou a Ana.

- Bem, estava sempre a roer tudo, - explicou a Zé. - Roeu um tapete


novo que a minha mãe comprou, o chapéu mais bonito dela, os chinelos do
meu pai, alguns dos seus papéis e outras coisas. E ladrava. Eu gostava de o
ouvir ladrar, mas o meu pai não. Dizia que o cão o punha quase doido. Uma
vez, quando bateu no Tim, fiquei zangada e fui muito malcriada.

- E ele castigou-te? - perguntou a Ana. - Eu não me atreveria a ser


malcriada para o teu pai. Ele tem um ar que me assusta.

A Zé olhou para a baía. O seu rosto adquirira de novo uma expressão de


aborrecimento.

- Bem, não importa qual o castigo que recebi, - disse ela. - O pior foi
quando o meu pai decidiu que eu não podia ficar com o Tim. A minha mãe
concordou e disse que o Tim tinha de se ir embora. Chorei durante dias; e eu
nunca choro, porque os rapazes não choram e eu gosto de ser como os
rapazes.

- Os rapazes às vezes choram, - começou a dizer a Ana, olhando para o


David, que tinha sido uma criança muito choramingas três ou quatro anos
antes. O David deu-lhe uma cotovelada, e ela nada mais acrescentou.

A Zé olhou para a Ana.

- Os rapazes não choram, - insistiu, teimosamente. - Pelo menos, nunca


vi e eu tento sempre não chorar. É tão infantil. Mas não consegui deixar de
chorar quando o Tim teve de se ir embora. Ele também chorou.

Os jovens olharam para o Tim com grande respeito. Não sabiam que um


cão podia chorar.

- Estás a dizer que ele chorou lágrimas a sério? - Perguntou a Ana.

- Não, não foi bem assim, - disse a Zé. - Ele é demasiado corajoso para
isso. Chorou com a sua voz: uivava, uivava e parecia tão infeliz que me partia o
coração. Foi então que percebi que não conseguia separar-me dele.

- Que aconteceu depois? - perguntou o Júlio.

- Fui ter com o Alf, um pescador que eu conheço, - disse a Zé, - e pedi-
lhe para tomar conta do Tim, prometendo que lhe pagaria todo o dinheiro que
conseguisse juntar. Ele disse que sim. É por isso que nunca tenho dinheiro: é
todo para o Tim. Ele come muito. Não é verdade, Tim?

O Tim ladrou, parecendo dizer que sim, rebolou na areia e ficou de patas
no ar. O Júlio fez-lhe cócegas e festas.

- Que fazes quando queres comprar doces ou gelados? - Perguntou a


Ana, que gastava a maior parte do seu dinheiro naquele género de coisas.

- Não compro, - disse a Zé. - Passo sem eles, é claro.

Isto parecia terrível para os outros jovens, que adoravam gelados,


chocolates e outras guloseimas. Ficaram a olhar para a Zé.

- Bem, deve haver miúdos na praia que às vezes dividem contigo os


doces e os gelados, não é? - perguntou o Júlio.

- Eu não deixo, - respondeu a Zé. - Se nunca posso dar-lhes nada, não é


justo que aceite o que me oferecem. Por isso, recuso sempre.

A campainha de um vendedor de gelados ouviu-se à distância. O Júlio


levou a mão ao bolso. Levantou-se de um salto e começou a correr, fazendo
tilintar as moedas. Passado pouco tempo, estava de volta, trazendo quatro
gelados de chocolate. Deu um ao David, um à Ana e depois estendeu outro à
Zé. Esta olhou para o gelado, desejosa de o comer, mas abanou a cabeça
e disse:

- Não, obrigada. Ouviram o que acabei de dizer. Não tenho dinheiro para


gelados, por isso não posso partilhar os meus com vocês e não posso aceitar
os que me oferecem. Não se deve aceitar nada das outras pessoas quando
não se pode retribuir.

- Podes aceitar o que te damos, - disse o Júlio, tentando entregar o


gelado à Zé. - Somos teus primos.

- Não, obrigada - repetiu a Zé. - Embora ache que é muito simpático da


vossa parte.

Fitou o Júlio com os seus olhos muito azuis, e o rapaz franziu a testa,
enquanto imaginava uma maneira de convencer a rapariga teimosa a aceitar o
gelado. Depois, sorriu e disse:

- Ouve, há uma coisa que gostaríamos muito que partilhasses connosco,


realmente, tens uma série de coisas que gostaríamos de partilhar, se tu
quisesses. Tu partilhas isso connosco e deixas que nós partilhemos contigo
coisas como gelados. Percebes?
- Que coisas tenho eu que vocês queiram partilhar? - Perguntou a Zé,
surpreendida.

- Tens um cão, - disse o Júlio, fazendo festas no enorme rafeiro. -


Gostávamos também de brincar com ele. É tão engraçado! E tens uma ilha
maravilhosa. Adorávamos que nos levasses lá às vezes. E tens um navio
afundado. Gostávamos de o ver. Os gelados e os doces não se comparam com
essas coisas, mas seria uma boa ideia partilharmos aquilo que temos.

A Zé fitou os olhos castanhos que a fixavam. Era-lhe impossível não


gostar do Júlio. Não tinha o hábito de partilhar nada. Era filha única, uma
rapariga solitária e incompreendida, hostil e com mau feitio. Nunca tivera
amigos. O Tim olhou para o Júlio e viu que ele estava a oferecer qualquer coisa
boa e doce à Zé. Saltou e deu uma lambidela ao rapaz.

- Vês? O Tim está de acordo, - observou o Júlio, soltando uma 


gargalhada. - Ele gostaria de ter três novos amigos.

- Sim - é verdade, - disse a Zé, - cedendo e pegando no gelado.


Obrigada, Júlio. Hei-de partilhar o que tenho com vocês. Mas prometem que
em casa não dizem a ninguém que eu ainda tenho o Tim?

- Claro que prometemos, - afirmou o Júlio. - Mas acho que os teus pais
não se importariam, desde que o Tim não vivesse lá em casa. Então, gostas do
gelado?

- Hum, nunca provei um tão bom, - disse a Zé, dando-lhe uma 


trincadela. - É tão frio. - Ainda não tinha comido nenhum este ano. É
simplesmente delicioso!

O Tim também queria provar. A Zé deu-lhe um bocadinho no fim.


Depois, voltou-se para os três jovens e sorriu.

- Vocês são simpáticos, - disse ela. - Afinal, estou contente por terem


vindo. Vamos arranjar um barco esta tarde e remar até ao outro lado da ilha
para vermos o navio afundado. De acordo?

- De acordo! - exclamaram os três ao mesmo tempo.

E até o Tim abanou a cauda, como se tivesse compreendido!

4.

UMA TARDE EMOCIONANTE

Todos foram tomar banho nessa manhã. Os rapazes viram que a Zé


nadava muito melhor do que eles. Era muito forte e muito rápida; além disso,
conseguia também nadar debaixo da água, sustendo a respiração durante
bastante tempo.
- Nadas bem, - disse o Júlio, com admiração pela rapariga. - É uma
pena que a Ana não nade melhor. Ana, tens de praticar mais, senão nunca
conseguirás nadar até tão longe como nós.

À hora do almoço, estavam todos cheios de fome. Regressaram pelo


caminho dos penhascos, desejando que houvesse uma bela refeição à sua
espera. E não ficaram desiludidos! Carne assada e salada, queijo, tarte de
ameixa e leite creme. Os jovens comeram com enorme apetite!

- Que vão fazer esta tarde! - perguntou a mãe da Zé.

- A Zé vai levar-nos de barco para vermos o navio afundado do outro


lado da ilha, - disse a Ana, para grande surpresa da tia.

- A Zé vai levá-los! - disse ela. - Então, Zé, que se passa contigo. Nunca


lá levaste ninguém, apesar de eu te ter pedido imensas vezes!

A Zé não respondeu e continuou a comer a sua tarte de ameixa. Não


tinha dito uma palavra durante toda a refeição. O pai não estava à mesa, para
alívio dos jovens.

- Bem, Zé, tenho de confessar que estou muito satisfeita por fazeres o


que o teu pai te disse, - começou a dizer a mãe da Zé, mas esta abanou a
cabeça.

- Não o faço por ser obrigada, - afirmou ela. - Só os levo porque quero.


Nunca levaria ninguém de quem não gostasse a ver o meu navio afundado,
nem que fosse a rainha de Inglaterra.

- Ainda bem que gostas dos teus primos. Espero que eles também 
gostem de ti! - disse a mãe, rindo.

- Oh, sim! - exclamou a Ana, precipitadamente, ansiosa por defender a


prima. - Gostamos da Zé, e gostamos do Ti...

Estava prestes a dizer que gostavam do Tim, mas apanhou um pontapé


na perna, com tanta força, que soltou um grito de dor e as lágrimas vieram-lhe
aos olhos. A Zé lançou-lhe um olhar furioso.

- Zé! Por que deste um pontapé na Ana, quando ela estava a dizer que
gostava de ti, - disse-lhe a mãe. - Sai já da mesa. Não admito esses modos.

A Zé levantou-se da mesa e foi para o jardim. Tinha acabado de se


servir de pão e cortara um pouco de queijo. Deixou tudo no prato. Os três
jovens entreolharam-se, desgostosos. A Ana estava muito aborrecida. Como
podia ter sido tão idiota e ter-se esquecido de que não devia falar do Tim?

- Oh, por favor, chame a Zé, - pediu a Ana. - Ela não me deu  um
pontapé de propósito. Foi sem querer.

No entanto, a tia estava muito zangada com a Zé.


- Acabem de comer - disse ela. - Acho que a Zé vai ficar amuada. Meu
Deus, é uma rapariga tão caprichosa!

Os jovens não estavam preocupados com o amuo da Zé. O que


os preocupava era que ela agora se recusasse a mostrar-lhes o navio
afundado! Acabaram a refeição em silêncio. A tia foi ver se o tio Alberto queria
mais tarte. Estava a almoçar sozinho no escritório. Logo que a tia saiu da sala,
a Ana tirou o pão e o queijo do prato da Zé e dirigiu-se para o jardim.

Os rapazes não lhe disseram nada. Sabiam que a Ana às vezes falava


demais, embora depois tentasse sempre remediar as situações. Pensaram que
era muito corajoso da parte dela ir à procura da Zé. A Zé estava deitada no
jardim por baixo de uma grande árvore. A Ana foi ter com ela.

- Desculpa, Zé, quase que ia estragando tudo, - disse ela. - Trouxe-te o


pão e o queijo que deixaste no prato. Toma. Prometo que nunca mais falarei no
Tim.

A Zé sentou-se e disse:

- Tenho uma boa razão para não te levar a ver o navio afundado. Miúda
estúpida!

A Ana ficou estarrecida. Era isto que ela temia.

- Está bem, - retorquiu, - não precisas de me levar. Mas podias levar os


meus irmãos, Zé. Eles não fizeram nada de mal. Além disso, deste-me um
grande pontapé. Olha para esta nódoa negra.

A Zé olhou para a nódoa negra e depois para a Ana.

- Não ficavas triste se eu não te levasse e fosse com o Júlio e o David? -


perguntou.

- Claro que ficava, - disse a Ana. - Mas não quero que eles percam esta
oportunidade por minha causa, mesmo que eu não possa ir.

Então, para grande surpresa da Ana, a Zé deu-lhe um abraço. No 


entanto, sentiu-se logo muito envergonhada, pois achava que nenhum rapaz
teria feito aquilo! E ela tentava sempre agir como um rapaz.

- Está bem, - disse ela, bruscamente, pegando no pão e no queijo. -


Foste muito idiota, e eu dei-te um pontapé. Estamos quites. Claro que podes vir
connosco hoje à tarde.

A Ana foi a correr dizer aos irmãos que estava tudo resolvido; e,
passados quinze minutos, os quatro jovens dirigiam-se para a praia. Junto de
um barco, encontrava-se um jovem pescador de cara morena, com cerca de
catorze anos. O Tim estava com ele.

- O barco está pronto, Zé, - disse o rapaz, sorrindo. - E o Tim também.


- Obrigada, - agradeceu a Zé.

Disse aos outros para subirem para o barco. O Tim saltou também lá


para dentro, com a sua grande cauda a abanar de contentamento. A Zé
empurrou o barco para a zona de rebentação e depois saltou, sentou-se e
pegou nos remos. Remava muito bem, e o barco começou a deslizar na baía
azul.

Estava uma tarde maravilhosa. Os jovens sentiam-se deliciados com o


movimento do barco na água. O Tim ia em pé, à proa, e ladrava sempre que
uma onda se aproximava.

- Ele é muito engraçado quando o mar está bravo, - disse a Zé, remando


com força. - Ladra como um doido para as ondas grandes e fica zangado
quando o molham. Mas nada muito bem.

- Não é formidável termos um cão connosco? - disse a Ana, desejosa de


remediar de alguma maneira a asneira que tinha feito. - Gosto tanto dele!

O Tim ladrou e voltou-se para dar uma lambidela na Ana.

- Tenho a certeza de que ele percebeu o que eu disse - observou a Ana.

- Claro que percebeu, - confirmou a Zé. - Ele percebe tudo o que


dizemos.

- Olhem! Já estamos mais perto da ilha, - disse o Júlio, entusiasmado. -


É maior do que eu pensava. E o castelo é fantástico!

Aproximaram-se da ilha. Os jovens puderam ver que havia rochas 


pontiagudas a toda a volta. A não ser que alguém conhecesse exactamente o
caminho a seguir, nenhum barco ou navio poderia chegar até à margem da
pequena ilha rochosa. No meio desta, sobre um monte pouco elevado, erguia-
se o castelo arruinado. Fora construído com grandes pedras brancas. Arcos
quebrados, torres desfeitas, paredes arruinadas, era tudo o que restava de um
castelo que outrora fora belo e grandioso. Agora, as gralhas faziam ali os
ninhos e as gaivotas pousavam nas pedras mais altas.

- Tem um ar misterioso, - disse o Júlio. - Gostaria muito de ir à ilha e de


visitar o castelo! Seria divertidíssimo passarmos lá uma ou duas noites!

A Zé parou de remar. O seu rosto iluminou-se.

- É verdade! - exclamou ela, encantada com a ideia. - Nunca tinha


pensado nisso! Como seria maravilhoso passar uma noite na minha ilha!
Ficarmos lá sozinhos, nós os quatro. Fazermos as refeições e fingirmos que
realmente vivíamos lá. Não era fantástico?

- Se era! - disse o David, olhando para a ilha. - Achas que a tua mãe nos
deixava?

- Não sei, - respondeu a Zé. - Talvez. Por que não lhe pedem?
- Podemos ir à ilha esta tarde? - perguntou o Júlio.

- Se querem ver o navio afundado, não podemos ir à ilha, disse a Zé. -


Temos de voltar para casa à hora do lanche, e levaremos muito tempo a ir até
ao outro lado da ilha de Kirrin e depois a regressar.

- Bem, gostava de ver o navio afundado, - disse o Júlio, hesitando entre


a ilha e o navio. - Olha, deixa-me remar um bocado, Zé. Não consegues fazer o
caminho todo sozinha.

- Consigo, - garantiu a Zé. - Mas também gostaria de descansar um


pouco, para variar! Olha, vou só levar o barco por esta passagem rochosa, e
depois podes remar até chegarmos a outra passagem difícil. Sinceramente, as
rochas em volta desta baía são mesmo terríveis!

A Zé e o Júlio trocaram de lugares no barco. O Júlio remava bem, mas


não com tanta força como a Zé. O barco deslizava suavemente. Deram a volta
à ilha e viram o castelo do outro lado. Parecia mais arruinado na parte virada
para o mar.

- Há ventos muito fortes que vêm do mar, - explicou a Zé. - Deste lado,
pouco resta do castelo, a não ser montes de pedras. Há um pequeno cais
numa enseadazinha, mas é preciso conhecer o caminho para lá chegar.

A Zé voltou a pegar nos remos, passado algum tempo, e fez avançar o


barco para mais perto da ilha. Depois, parou e olhou para a costa.

- Como sabes onde ficam os destroços do navio! - perguntou o Júlio,


intrigado. - Eu nunca os encontraria!

- Vês aquela torre de igreja na costa? - Perguntou a Zé. - E vês ali o


cimo daquele monte? Muito bem. Quando estiverem exactamente alinhados,
entre as duas torres do castelo da ilha, quer dizer que nos encontramos por
cima do navio afundado! Já descobri isso há muito tempo.

Os jovens viram que o cimo do monte e a torre da igreja estavam


praticamente em linha, quando os observaram por entre as duas torres do
castelo da ilha. Olharam ansiosamente para o mar, na esperança de verem os
destroços do navio. A água estava límpida e tranquila. Quase não havia
ondulação. O Tim olhou também para baixo, com a cabeça de lado, as orelhas
espetadas, como se soubesse do que estava à procura. Os jovens riram-se.

- Não estamos exactamente sobre o navio, - disse a Zé, olhando 


também para baixo. - A água está tão límpida hoje que conseguiremos ver até
grande profundidade. Esperem. Vou remar um pouco para a esquerda.

De repente, o Tim ladrou e começou a abanar a cauda. Ao mesmo 


tempo, os jovens viram qualquer coisa na profundeza das águas!

- É o navio afundado! - exclamou o Júlio, tão entusiasmado que por


pouco não caiu do barco. - Consigo ver um mastro partido. Olha, David, olha!
Os quatro jovens, e também o cão, olharam para as águas límpidas.
Passado um momento, conseguiam distinguir os contornos da carcaça escura
do navio, onde sobressaía o mastro quebrado.

- Está inclinado para um lado, - observou o Júlio. - Pobre navio! Como é


triste estar ali, a desfazer-se em pedaços! Zé, gostava de mergulhar para o ver
mais de perto.

- Então, por que não mergulhas? - disse a Zé. - Tens o fato de  banho
vestido. Eu já mergulhei muitas vezes. Posso ir contigo, se quiseres, mas o
David tem de manter o barco neste sítio. Há uma corrente que o empurra para
o mar alto. David, tens de ir remando um pouco para que o barco fique no
mesmo sítio.

A rapariga tirou a camisola e os calções, e o Júlio fez o mesmo. Traziam


ambos os fatos de banho vestidos por baixo das roupas. A Zé subiu para a
borda do barco e deu um belo mergulho de cabeça. Os outros observaram-na a
nadar vigorosamente debaixo de água, sustendo a respiração. Passado um
momento, voltou à superfície, já sem fôlego.

- Cheguei quase aos destroços do navio, - disse ela. - Está igual como


sempre, cheio de algas e coberto de lapas e outras coisas. Gostava de entrar
no navio, mas nunca tenho fôlego para lá chegar. Agora, mergulha tu, Júlio.

O Júlio mergulhou. No entanto, não estava habituado a nadar debaixo


de água como a Zé e não conseguiu descer até tão fundo. Conseguia abrir os
olhos debaixo de água e pôde ver o convés do navio afundado. Tinha um ar
muito abandonado e estranho. O Júlio não gostou muito do que viu. Aqueles 
destroços causavam-lhe um sentimento de tristeza. Foi com alívio que
regressou à superfície e inspirou profundamente, sentindo o sol quente nos
ombros. Subiu para o barco e disse:

- Fantástico! Gostava de ver melhor o navio, ir por baixo do convés,


entrar nas cabinas e observar tudo. Suponham que encontrávamos as caixas
com o ouro!

- Isso é impossível, - disse a Zé. - Já lhes disse que andaram por aqui


mergulhadores a sério e não encontraram nada. Que horas são? Acho que
vamos chegar tarde se não regressarmos já!

Voltaram o mais depressa possível e conseguiram chegar só com cinco


minutos de atraso para o lanche. Depois, foram passear pelos campos, com o
Tim atrás deles. Quando chegou a hora de irem para a cama, estavam com
tanto sono que mal conseguiam manter os olhos abertos.

- Boa noite Zé, - disse a Ana, enfiando-se na cama. - Tivemos um dia


óptimo. Obrigada!

- E eu também tive um dia óptimo, - retorquiu a Zé. - Graças a vocês.


Ainda bem que estão cá. Vamos divertir-nos. E não gostaste do meu castelo e
da minha ilha?
- Gostei muito, - respondeu a Ana, adormecendo de imediato, para
sonhar com navios afundados, castelos e ilhas sem conta.

Oh, quando os levaria a Zé àquela ilha maravilhosa?

5.

VISITA À ILHA

A tia Clara preparou um piquenique para o dia seguinte, e foram todos


para uma pequena enseada que não ficava muito longe e onde podiam tomar
banhos de mar à vontade. Passaram um dia maravilhoso, mas o Júlio, o David
e a Ana teriam preferido uma visita à ilha da Zé. No fundo, era o que mais
desejavam! A Zé não queria ir, não porque não gostasse de piqueniques, mas
porque não podia levar o seu cão. A mãe foi com os jovens, e a Zé teve de
passar o dia inteiro sem o seu querido Tim.

- Que azar! - disse o Júlio, percebendo a razão do desagrado da Zé. -


Não sei por que não contas à tua mãe o que se passa com o Tim. De certeza
que não se importa que tenhas alguém para tomar conta dele. A minha mãe
não se importaria.

- Não vou dizer a mais ninguém além de vocês, - afirmou a Zé. - Estou
sempre a arranjar sarilhos em casa. Talvez a culpa seja minha, mas já estou
farta disso. É que o meu pai não ganha muito dinheiro com os livros de ciência
que escreve, mas quer dar à minha mãe e a mim coisas que não pode
comprar. Por isso, anda sempre mal-humorado. Quer mandar-me para uma
boa escola, mas não tem dinheiro. Ainda bem, porque eu não quero ir para
uma escola longe daqui. Não aguentava separar-me do Tim.

- Havias de gostar do colégio interno, - disse a Ana. - Nós vamos todos


para lá. É divertido.

- Não, não é, - afirmou a Zé, teimosamente. - Deve ser horrível estar no


meio de tantas raparigas a rir e a gritar à nossa volta. Para mim, seria
detestável.

- Não, não seria, - disse a Ana. - É tudo muito divertido. Acho que seria
bom para ti, Zé.

- Se começas a dizer-me o que é bom para mim, passo a detestar-te


retorquiu a Zé, com um ar repentinamente muito ameaçador. Os meus pais
estão sempre a dizer que há coisas que são boas para mim, e são sempre
coisas de que eu não gosto.

- Está bem, está bem, disse o Júlio, começando a rir. Caramba, ficas


mesmo furiosa, Zé! Sinceramente, até parece que os teus olhos deitam faíscas!

Esta observação fez a Zé rir, apesar de ela não querer. Era realmente


impossível ficar de mau humor com uma pessoa tão bem disposta como o
Júlio. Foram tomar banho no mar pela quinta vez naquela tarde. Depressa
começaram a chapinhar alegremente, e a Zé teve oportunidade de ajudar a
Ana a nadar. A rapariguinha não fazia os movimentos correctos, e a Zé sentiu-
se orgulhosa depois de a ensinar.

- Oh, muito obrigada, - agradeceu a Ana, continuando a dar braçadas. -


Nunca nadarei tão bem como tu, mas gostaria de nadar pelo menos tão bem
como os meus irmãos.

Quando estavam prestes a voltar para casa, a Zé pediu ao Júlio:

- Podes dizer que vais comprar um selo ou qualquer coisa assim?


Depois, eu ia contigo, só para ver o Tim. Deve estar triste por eu não o ter
levado a passear hoje.

- Está bem! - disse o Júlio. - Não preciso de selos, mas não dizia que
não a um gelado. O David e a Ana podem ir para casa com a tua mãe e levar
as coisas. Vou dizer à tia Clara.

Foi a correr até junto da tia e perguntou:

- Posso ir comprar gelados? Hoje ainda não comemos nenhum. Eu não


demoro. A Zé pode ir comigo?

- Suponho que ela não quererá ir, - disse a tia. - No entanto, pergunta-


lhe.

- Zé, anda comigo! - gritou o Júlio, encaminhando-se para a aldeia a


grande velocidade.

A Zé fez um grande sorriso e foi a correr atrás dele. Alcançou-o


rapidamente e agradeceu-lhe:

- Obrigada. Vai comprar os gelados, enquanto eu vou ver o Tim.

Separaram-se. O Júlio comprou quatro gelados e retomou o caminho de


casa. Esperou um pouco pela Zé, que apareceu a correr passados alguns
minutos. O seu rosto resplandecia de alegria.

- Ele está bem, - disse a Zé. - E nem imaginas como ficou contente


quando me viu! Deu um salto tão grande que me ia deitando ao chão! Olha,
outro gelado para mim. És muito generoso, Júlio. Tenho de retribuir de alguma
maneira. E se fôssemos à minha ilha amanhã?

- Isso seria fantástico! - exclamou o Júlio, com os olhos a brilhar de


entusiasmo. - A sério que nos levas amanhã? Então vamos dizer aos outros!

Os quatro jovens sentaram-se, no jardim, a comer os gelados. O Júlio


contou-lhes o que a Zé tinha dito. Ficaram todos entusiasmados. A Zé também
estava contente. Julgava-se sempre muito importante quando se recusava a
levar outros miúdos à ilha de Kirrin; mas ter acedido a ir com os primos à
ilha causava-lhe uma sensação muito mais agradável.
"Eu achava que era muito melhor fazer sempre tudo sozinha” pensou,
enquanto acabava de comer o gelado. "Mas vai ser divertido ter a companhia
do Júlio e dos outros.” Os jovens foram lavar-se e vestir-se para o jantar.
Falavam  ansiosamente da visita à ilha no dia seguinte. A tia ouviu-os e sorria.

- Bem, agrada-me muito que a Zé partilhe alguma coisa com vocês, -


disse ela. - Gostariam de levar o almoço e passar o dia na ilha? Só vale a pena
remarem até tão longe para lá passarem umas horas.

- Oh, tia Clara! Seria maravilhoso levarmos o almoço! - exclamou a Ana.

A Zé ergueu o olhar e perguntou:

- A mãe também vem?

- Não me parece que queiras que eu vá, - disse a mãe, em tom 


magoado. - Já ontem ficaste aborrecida por eu ter ido com vocês. Não, amanhã
não irei; mas os teus primos devem pensar que és uma rapariga muito
estranha, por não quereres que a tua mãe te acompanhe.

A Zé não disse nada. Raramente respondia quando era censurada. Os


outros jovens também não disseram nada. Sabiam perfeitamente que não se
tratava da Zé não querer que a mãe fosse, ela queria apenas estar junto do
Tim!

- De qualquer modo, eu não posso ir, - prosseguiu a tia Clara. - Tenho


de tratar do jardim. Estarão em perfeita segurança com a Zé. Ela sabe conduzir
um barco como um homem.

No dia seguinte, quando se levantaram, os jovens foram imediatamente


ver se estava bom tempo. O Sol brilhava, e tudo parecia esplêndido.

- Não está um dia maravilhoso? - disse a Ana à Zé, enquanto se 


vestiam. - Estou ansiosa por ir para a ilha.

- Sinceramente, acho que não devíamos ir, observou a Zé, 


inesperadamente.

- Oh, mas porquê? - Perguntou a Ana, com ar desanimado.

- Penso que vai haver uma tempestade, disse a Zé, olhando para 
sudoeste.

- Mas, Zé, por que dizes isso? - disse a Ana, impaciente. Olha para o
Sol, e quase não há nuvens no céu!

- O vento não está de feição, - explicou a Zé. - E não vês a espuma


branca das ondas em volta da ilha? É mau sinal.

- Oh, Zé, será a maior decepção das nossas vidas se não formos hoje, -
disse a Ana, que não suportava decepções, nem grandes nem pequenas. - E,
além disso, acrescentou, astutamente, se ficarmos em casa, com medo da
tempestade, não poderemos estar com o Tim.

- Sim, é verdade, - disse a Zé. - Está bem, iremos. Mas, se houver uma
tempestade, lembra-te de que não podes comportar-te como uma criança.
Tens de fazer tudo para te divertires e não ficares assustada.

- Bem, não gosto muito de tempestades, - principiou a Ana, mas parou


de falar quando viu o olhar de censura da Zé.

Foram tomar o pequeno-almoço. A Zé perguntou à mãe se podiam levar


o almoço, como tinham planeado.

- Sim, - disse a mãe. - Tu e a Ana podem ajudar-me a fazer os 


sanduíches. Vocês, rapazes, podem ir ao jardim colher algumas ameixas
maduras para levarem. Júlio, depois vais à aldeia e compras garrafas de
limonada ou de laranjada, o que preferirem.

- Para mim, laranjada, obrigado! - disse o Júlio, e os outros disseram o


mesmo.

Sentiam-se muito contentes. Seria maravilhoso visitar a estranha ilhota.


A Zé também estava satisfeita, porque passaria todo o dia com o Tim. Por fim,
partiram, levando a comida em dois sacos. Em primeiro lugar, foram buscar o
Tim. Estava preso no quintal do jovem pescador. O rapaz também lá estava e
sorriu para a Zé.

- Bom dia, "menino" Zé, - disse ele. Parecia tão estranho aos outros
jovens ouvi-lo chamar "menino" Zé à Maria José! - O Tim tem estado a ladrar
como um doido. Acho que ele sabia que o vinham buscar hoje.

- Claro que sabia, comentou a Zé, desprendendo o cão, que de imediato


começou a correr velozmente em círculos à volta dos jovens.

- Corre tanto que parece um galgo, - disse o Júlio, admirado.

- Tim! Eh, Tim! Anda cá dar os bons-dias!

O Tim deu um salto e lambeu a orelha do Júlio, continuando nas suas


correrias. Depois, acalmou e seguiu ao lado da Zé, enquanto se dirigiam para a
praia. Lambia as pernas da Zé de vez em quando, e ela puxava-lhe
suavemente as orelhas. Subiram para o barco, e a Zé começou a remar. O
jovem pescador acenou-lhes e gritou:

- Não vão demorar muito, pois não? Vem aí uma tempestade.

A Zé remou durante todo o caminho até à ilha. O Tim, ora numa, ora


noutra extremidade do barco, ladrava quando as ondas se erguiam contra ele.
Os jovens viam que a ilha estava cada vez mais próxima. Parecia ainda mais
emocionante do que no outro dia.

- Zé, onde vamos desembarcar? - Perguntou o Júlio. - Nem sei como


consegues avançar entre estas rochas todas. Estou sempre com receio de que
choquemos com alguma!

- Vamos desembarcar na pequena enseada de que lhes falei no outro


dia, - disse a Zé. - Só há um caminho para lá chegar, mas conheço-o muito
bem. Fica escondido na parte leste da ilha.

A rapariga conduziu habilmente o barco por entre as rochas. De repente,


ao contornarem uma série de rochedos aguçados, os jovens viram a enseada
de que ela tinha falado. Era como um pequeno porto natural, uma baía de
águas tranquilas que chegava até uma pequena extensão de areia, abrigada
entre altas rochas.  O barco deslizou para a baía e deixou imediatamente
de balançar, pois a água era lisa como um espelho, quase sem ondulação.

- Este lugar é óptimo! - disse o Júlio, com os olhos a brilhar de


satisfação.

A Zé fitou-o, e os seus olhos também brilhavam, tão cintilantes como o


próprio mar. Era a primeira vez que levava alguém à sua ilha preciosa e sentia-
se encantada. Desembarcaram na areia amarela e macia.

- Estamos finalmente na ilha! - exclamou a Ana, começando a fazer


cabriolas, logo acompanhada pelo Tim, que parecia tão doido como ela.

Os outros riram. A Zé empurrou o barco para a areia.

- Por que trazes o barco tão para cima? - disse o Júlio, ao mesmo tempo
que a ajudava. - A maré está quase cheia, não está? De certeza que não
chega aqui ao cimo.

- Já te disse que acho que vem aí uma tempestade, - explicou a Zé. - Se


isso acontecer, as ondas invadirão esta baía. Não queremos perder o nosso
barco, pois não?

- Vamos explorar a ilha, vamos explorar a ilha! - gritou a Ana que se


encontrava agora no topo do pequeno porto natural, trepando pelas rochas. -
Vamos!

Seguiram atrás dela. Era, na verdade, um lugar admirável. Havia


coelhos por toda a parte! Quando os jovens apareceram, afastaram-se a correr,
mas não fugiram para dentro das tocas.

- Não são tão mansos? - Disse o Júlio, surpreendido.

- É que mais ninguém vem aqui senão eu, - disse a Zé, - e não os
assusto. Tim! Tim, se fores atrás dos coelhos, zango-me contigo.

O Tim olhou para a Zé com ar triste. Ele e a Zé estavam sempre de


acordo em tudo, excepto quanto aos coelhos. Para o Tim os coelhos serviam
apenas para uma coisa: ir atrás deles! Não compreendia por que razão a Zé
não o deixava fazer isso. No entanto, conteve-se e caminhou solenemente ao
lado dos jovens ao mesmo tempo que olhava para os coelhos que saltitavam
por ali, desejoso de os perseguir.
- Acho que até viriam comer à minha mão, - disse o Júlio.

No entanto, a Zé abanou a cabeça.

- Não, já tentei fazer isso, - disse ela. - Eles não vêm. Olhem para
aqueles tão pequeninos. Não são amorosos?

O Tim ladrou, como se concordasse, e deu alguns passos na direcção


dos coelhos. A Zé fez-lhe um aviso, emitindo um som com a garganta, e o Tim
voltou para trás, com a cauda caída.

- Ali está o castelo! - exclamou o Júlio. - Vamos até lá?

- Sim, vamos, - disse a Zé. - Olhem, a entrada era ali, por aquele grande
arco em ruínas.

Os jovens olharam para o enorme arco, velho e meio desmoronado.


Atrás dele, havia grandes degraus de pedra que conduziam ao centro do
castelo.

- Tinha muralhas à volta, com duas torres, - disse a Zé. - Uma torre


quase desapareceu, como podem ver, mas a outra não está em tão mau
estado. As gralhas fazem lá os ninhos todos os anos. Quase a encheram de
raminhos.

Quando se aproximaram da torre mais bem conservada, as gralhas 


voaram em círculos à volta deles, lançando gritos estridentes. O Tim começou
a dar saltos, como se pensasse que podia apanhá-las!

- É aqui o centro do castelo, - disse a Zé, enquanto entravam por uma


porta muito velha para um espaço que parecia um grande pátio, com o
pavimento de pedra coberto de ervas. - Aqui é onde as pessoas viviam. Podem
ver onde ficavam os quartos. Olhem, há um quase inteiro. Entrem por aquela
porta e poderão vê-lo.

Passaram por uma porta e entraram num compartimento escuro, com


paredes e tecto de pedra, havendo um espaço numa extremidade que deveria
servir para uma lareira. Duas janelas semelhantes a frinchas iluminavam o
quarto. Era muito estranho e misterioso.

- Que pena estar tudo destruído, - disse o Júlio, quando saiu.

- Parece ser o único quarto que está inteiro. Há mais aqui, mas uns não
têm telhado, outros estão sem paredes. Aquele quarto é o único onde se
poderia viver. O castelo tinha outro andar em cima, Zé?

- Claro, - respondeu a Zé. - Mas as escadas já não existem. Olhem!


Podem ver parte de um quarto do andar de cima, ao pé da torre das gralhas. Já
tentei subir até lá, mas é impossível. Quase ia caindo ao subir. As pedras
resvalam.

- Aqui havia subterrâneos?


- Não sei, - disse a Zé. - Acho que sim. Mas agora ninguém consegue
encontrá-los. Está tudo coberto de vegetação.

Era verdade. Grandes silvas com amoras cresciam aqui e ali. Arbustos
de tojo penetravam nas fendas e nos recantos dos muros. As ervas selvagens
espalhavam-se por toda a parte como um manto.

- Acho que é um sítio adorável, - disse a Ana.

- A sério que achas? - Disse a Zé, satisfeita. - Estou tão contente.


Olhem! Estamos agora no outro lado da ilha, que dá para o mar alto. Estão a
ver aquelas rochas, com umas aves esquisitas lá pousadas?

Os jovens olharam. Viram algumas rochas à superfície das águas, com


grandes aves negras e lustrosas pousadas em posições estranhas.

- São corvos-marinhos, - disse a Zé. - Já apanharam muito peixe para o


almoço e estão ali pousados a fazer a digestão. Olhem, estão a levantar voo.
Por que será?

Depressa ficou a saber porquê. De repente, ouviram um grande 


estrondo, vindo de sudoeste.

- Um trovão! - exclamou a Zé. - É a tempestade. Chegou mais cedo do


que eu esperava!

6.

DESCOBERTA DEPOIS DA TEMPESTADE

Os quatro jovens olharam para o mar. Tinham estado tão interessados


na exploração do velho castelo que nenhum deles reparara na súbita mudança
do tempo. Veio outro trovão. Soou como um cão enorme a rosnar no céu.
O Tim, quando o ouviu, rosnou também.

- Céus, estamos em apuros, - disse a Zé, um pouco alarmada. - De


certeza que não temos tempo de regressar a casa. O vento está a soprar com
muita força. Já tinham visto uma tempestade chegar assim tão de repente?

O céu estava azul quando tinham partido. Agora, mostrava-se 


encoberto, com nuvens que pareciam suspensas a baixa altitude. Os jovens
começaram a correr, como se alguém os perseguisse. O vento uivava de uma
maneira tão lúgubre que a Ana se sentiu bastante assustada.

- Está a começar a chover, - disse o Júlio, quando uma enorme gota de


chuva lhe caiu sobre a mão. - É melhor abrigarmo-nos, não achas, Zé? Senão
ficamos encharcados.

- Sim, vamos já procurar abrigo, - disse a Zé. - Olhem só aquelas ondas


enormes que se aproximam! Vai ser mesmo uma grande tempestade. Céus!
Que relâmpago!

As ondas tornavam-se cada vez maiores. Era fantástico ver como se


tinham transformado de repente. Erguiam-se, rebentavam mal atingiam os
rochedos e avançavam rapidamente para a praia com um enorme rugido.

- Acho que temos de empurrar o barco ainda mais para cima, - disse a
Zé. - A tempestade vai ser muito forte. Às vezes, estas tempestades repentinas
de Verão são piores do que as do Inverno.

Ela e o Júlio correram para o outro lado da ilha, onde o barco tinha


ficado. E ainda bem que foram, porque grandes ondas estavam já a avançar
rapidamente na direcção do barco. Os dois jovens puxaram o barco para junto
dos penhascos, e a Zé amarrou-o a um forte arbusto que ali crescia. Chovia
torrencialmente. A Zé e o Júlio estavam encharcados.

- Espero que os outros se tenham abrigado naquele quarto que tem


telhado e paredes, - disse a Zé.

Na verdade, tinham procurado ali abrigo, cheios de frio e assustados.


Estava muito escuro, pois a única luz provinha das duas fendas que serviam de
janelas e da pequena porta.

- Não podemos acender uma fogueira!, - disse o Júlio, olhando em volta.


- Onde haverá uns ramos secos!

Quase como se respondessem à sua pergunta, algumas gralhas 


gritaram estridentemente, voando em círculos no meio da tempestade.

- Claro! Há muitos ramos no chão da torre! - exclamou o Júlio. - No sítio


onde fazem os ninhos, as gralhas deixaram cair muitos ramos.

Saiu disparado a correr, sob a chuva, em direcção à torre.  Apanhou


uma braçada de ramos e regressou, novamente a correr.

- Óptimo, - disse a Zé. - Já podemos fazer uma boa fogueira. Alguém


tem papel e fósforos para a acender!

- Tenho fósforos, - disse o Júlio. - Mas papel não há.

- Há sim, - declarou a Ana, de repente. - Os sanduíches


estão embrulhadas em papel. Podemos usá-lo para acender a fogueira.

- Boa ideia! - disse a Zé.

Desembrulharam os sanduíches e colocaram-nas sobre uma pedra 


quebrada, depois de a terem limpo. A seguir, prepararam a fogueira,  com o
papel por baixo e os ramos entrecruzados no cimo. Lançaram fogo ao papel, e
os ramos também começaram logo a arder, pois eram muito velhos e estavam
muito secos. Passado pouco tempo, tinham uma bela fogueira que crepitava
e iluminava com as suas labaredas o pequeno quarto arruinado. Ficara muito
escuro lá fora, com as nuvens tão baixas que quase tocavam o topo da torre do
castelo! E como se deslocavam depressa! O vento empurrava-as para
nordeste, rugindo tão alto como o mar.

- Nunca tinha ouvido o mar fazer um barulho assim, - disse a Ana. -


Nunca! Parece que está a gritar com toda a força.

Com o uivar do vento e a rebentação das enormes ondas em volta da


ilhota, os jovens mal conseguiam ouvir o que diziam. Tinham de gritar uns para
os outros.

- Vamos almoçar! - berrou o David, que estava cheio de fome como era


habitual. - Não podemos fazer mais nada enquanto a tempestade não parar.

- Sim, vamos, - disse a Ana, olhando com apetite para os sanduíches de


presunto. - Será divertido fazermos um piquenique à volta da fogueira neste
quarto velho e escuro. Quando teria sido a última vez que alguém aqui comeu?
Gostava de ver essas pessoas.

- Eu não gostava, - disse o David, olhando em volta um pouco 


assustado, como se receasse que pessoas de outros tempos entrassem e
participassem no piquenique.  - O dia está já a ser bastante assustador, mesmo
sem essas coisas.

Sentiram-se melhor quando começaram a comer as sanduíches e a 


beber as laranjadas. As chamas da fogueira aumentavam à medida que mais
ramos pegavam fogo, libertando um calor agradável, pois com o vento forte o
dia tornara-se frio.

- Vai um de cada vez buscar ramos, - disse a Zé.

No entanto, a Ana não quis ir sozinha. Tentava mostrar que não tinha


medo da tempestade, mas não conseguia sair daquele lugar confortável e
enfrentar a chuva e os trovões. O Tim parecia também não gostar da
tempestade. Estava sentado junto da Zé, com as orelhas espetadas, e rosnava
sempre que rebentava um trovão. Os jovens davam-lhe pedacinhos das 
sanduíches, que ele devorava rapidamente, pois estava também com fome.
Cada um dos jovens tinha quatro biscoitos.

- Acho que vou dar os meus ao Tim, - disse a Zé. - Não trouxe nenhum
dos biscoitos dele, e parece que está cheio de fome.

- Não, não faças isso, - disse o Júlio. - Cada um de nós dá-lhe um


biscoito. Ele ficará com quatro, e nós com três cada um. Chega-nos
perfeitamente.

- Vocês são muito simpáticos, - disse a Zé. - Não achas, Tim?

O Tim concordou. Deu lambidelas a todos e fê-los rir. Depois, deitou-se


de patas para o ar e deixou que o Júlio lhe fizesse cócegas na barriga. Os
jovens iam alimentando a fogueira, enquanto acabavam de comer. Quando
chegou a sua vez de ir buscar mais ramos, o Júlio saiu do compartimento e
desapareceu no meio da tempestade. Parou e olhou em volta, com a chuva a
molhar-lhe a cabeça descoberta. A tempestade parecia estar exactamente por
cima da ilha. Quando se via o clarão de um relâmpago, o trovão ribombava
ao mesmo tempo. O Júlio não tinha medo de tempestades, mas não podia
deixar de se sentir impressionado perante aquela. Era tão grandiosa! Os
relâmpagos rasgavam o céu quase de minuto a minuto, e os trovões
rebentavam tão ruidosamente que pareciam montanhas a desmoronar-se! O
ruído do mar ouvia-se logo que os trovões se calavam e causava também uma
sensação de grandiosidade. Os salpicos das ondas subiam tão alto que
molhavam o Júlio, que se encontrava no centro do castelo em ruínas.

"Tenho de ir ver as ondas", pensou o rapaz. "Se os salpicos caem em


cima de mim, então as ondas devem ser enormes!”

Saiu do castelo e subiu para uma parte da muralha arruinada que


outrora cercara o castelo. Ficou a olhar para o mar. À sua frente, podia ver um
espectáculo extraordinário! As ondas eram como grandes muros verde
acinzentados. Precipitavam-se sobre as rochas que havia em redor da ilha, e a
espuma erguia-se, branca e cintilante, contra o céu tempestuoso. Rolavam em
direcção à ilha e lançavam-se contra ela com uma força terrível, de tal modo
que o Júlio sentia que a muralha tremia sob os seus pés.

O rapaz olhava para o mar, maravilhado com a grandiosidade daquela


vista. Durante um breve momento, pensou que o mar poderia inundar a própria
ilha! No entanto, percebeu que isso era impossível, senão já teria acontecido
antes. Observava as grandes ondas que se aproximavam e, então, viu uma
coisa muito estranha. Estava qualquer coisa no mar, junto às rochas, qualquer
coisa escura, enorme, que parecia sobressair entre as ondas e depois ficar
novamente submersa. Que seria?

"Não pode ser um navio", disse o Júlio para consigo, sentindo o coração
bater cada vez com mais força, enquanto se esforçava por ver melhor através
da chuva e dos salpicos das ondas. "No entanto, parece mesmo um navio.
Espero que não seja. Ninguém se salvaria num dia terrível como este!”
Continuou a olhar. A forma escura ficou novamente à vista e depois
desapareceu mais uma vez sob as águas. O Júlio decidiu ir contar aos outros.
Regressou a correr ao quarto iluminado pela fogueira.

- Zé! David! Está qualquer coisa estranha entre as rochas perto da ilha! -


gritou com toda a força. - Parece um navio e talvez seja. Vamos lá ver!

Os outros olharam-no, surpreendidos, e levantaram-se de um salto. A Zé


lançou à pressa mais alguns ramos na fogueira para que se mantivesse acesa.
Depois, seguiram todos atrás do Júlio sob a chuva que continuava a cair.

A tempestade parecia ter abrandado um pouco. A chuva também já não


era tão forte. Os trovões ribombavam um pouco mais longe, e os clarões dos
relâmpagos eram menos frequentes. O Júlio foi à frente até à muralha a que
subira para ver o mar. Todos subiram e ficaram a olhar. Viram uma massa
pesada e ameaçadora de água verde acinzentada, com ondas que se erguiam 
por toda a parte e cujas cristas se desfaziam contra as rochas, para depois
avançarem para a ilha como se a quisessem engolir. A Ana agarrou-se ao
braço do Júlio. Sentia-se minúscula e assustada.

- Não tenhas medo, Ana, - disse o Júlio. - Agora, olhem. Hão-de ver uma
coisa muito estranha.

Todos olharam. A princípio, não viram nada, porque as ondas se 


erguiam tão alto que escondiam tudo o que pudesse ali estar. De repente, a Zé
viu aquilo de que o Júlio falara.

- Caramba!, - gritou. - É um navio! Sim, é! Estará a afundar-se! É um


navio grande, não um barco à vela, nem um barco de pescadores!

- Estará alguém lá dentro!, - disse a Ana, atemorizada.

Os quatro jovens continuaram a olhar. O Tim começou a ladrar quando


viu a estranha forma escura que aparecia aqui e ali entre as ondas enormes. O
mar estava a trazer o navio para mais perto da margem.

- Vai despedaçar-se contra aquelas rochas, - disse o Júlio. - Olhem, lá


vai ele!

Mal acabara de falar quando se ouviu o tremendo ruído de um embate.


A silhueta escura do navio assentou sobre os dentes afiados das perigosas
rochas do lado sudoeste da ilha. Ali ficou, movendo-se apenas ligeiramente
quando as grandes ondas passavam por baixo dele e o erguiam um pouco.

- Está ali preso, - disse o Júlio. - Agora não se moverá. Quando a maré
baixar, o navio ficará seguro em cima das rochas.

De repente, um pálido raio de sol espreitou por entre as nuvens, que


estavam a tornar-se menos densas. Mas desapareceu quase imediatamente.

- Óptimo! - disse o David, olhando para cima. - O Sol não demorará a


aparecer. Poderemos aquecer-nos e secar-nos. E talvez consigamos descobrir
que navio é aquele. Oh, Júlio! Espero bem que não estivesse ninguém lá
dentro. Espero que todos tenham usado os barcos salva-vidas e chegado a
terra sãos e salvos.

As nuvens tornaram-se menos densas. O vento parou de rugir e 


transformou-se numa brisa tranquila. O Sol voltou a brilhar, e os jovens
sentiram com agrado o seu calor. Todos olharam para o navio que estava nas
rochas, iluminado pelos raios de sol.

- Há qualquer coisa estranha, - observou o Júlio, falando devagar. -


Qualquer coisa muito estranha. Nunca vi um navio como este.

A Zé fitava o navio com uma expressão intrigada. Quando se voltou para


os três jovens, estes ficaram perplexos ao verem como os olhos dela brilhavam
de contentamento. A rapariga estava tão entusiasmada que mal conseguia
falar.

- Que foi? - perguntou o Júlio.


- Júlio, é o meu navio naufragado! - gritou ela, num tom de voz
emocionado. - Não percebes o que aconteceu? A tempestade trouxe o navio
do fundo do mar e atirou-o para cima daquelas rochas. É o meu navio!

Os outros compreenderam de imediato que ela tinha razão. Era o velho


navio que estava afundado! Não admirava que parecesse estranho. Não
admirava que tivesse um ar tão velho e escuro, assim como uma forma tão
invulgar. Era o navio naufragado, erguido do fundo do mar e deixado sobre as
rochas.

- Zé! Agora já podemos remar até lá e entrar no navio! - Gritou o Júlio. -


Podemos explorá-lo de uma ponta à outra. E talvez encontrar as caixas com o
ouro!

7.

REGRESSO AO CASAL KIRRIN

Os quatro jovens estavam de tal maneira surpreendidos e


entusiasmados que não disseram uma palavra durante um ou dois minutos.
Apenas olhavam para o casco escuro do velho navio, imaginando o que lá
poderiam encontrar. Depois, o Júlio agarrou com força no braço da Zé e disse:

- Não é fantástico? Oh, Zé, não é extraordinário ter acontecido uma


coisa assim?

No entanto, a Zé continuava sem falar, limitando-se a olhar para o navio,


ao mesmo tempo que lhe ocorriam ideias de toda a espécie. Por fim, voltou-se
para o Júlio.

- Espero que o navio ainda seja meu, agora que já não está afundado! -
disse ela. - Não sei se os destroços dos navios pertencem à rainha ou a outra
pessoa qualquer, como acontece com os tesouros perdidos. A verdade é que o
navio pertencia à minha família. Ninguém lhe dava importância quando estava 
debaixo do mar. Acham que as pessoas ainda deixarão que ele seja meu,
agora que veio à superfície?

- Podemos não contar a ninguém! - disse o David.

- Não sejas idiota - retorquiu a Zé. - Qualquer pescador o verá  quando


sair de barco para o mar alto. E depois toda a gente ficará a saber.

- Bem, então o melhor é irmos nós explorá-lo antes que alguém o faça! -
sugeriu o David, ansiosamente. - Ainda ninguém sabe que o navio está ali. Só
nós. Não podemos explorá-lo logo que as ondas baixarem?

- Não podemos ir a pé até àquelas rochas, se é isso que queres dizer -


explicou a Zé. - Temos de chegar lá de barco, mas não podemos correr esse
risco agora, enquanto as ondas estiverem tão grandes. E de certeza que hoje
não diminuirão. O vento ainda está muito forte.
- E amanhã de manhã, bem cedo? - disse o Júlio. - Antes de alguém
saber de alguma coisa. Aposto que, se formos os primeiros a entrar no navio,
encontraremos alguma coisa de jeito.

- Espero que sim - disse a Zé. - Já vos disse que andaram aqui 
mergulhadores a explorar o navio; mas, claro, é difícil procurar debaixo de
água. Podemos encontrar qualquer coisa que eles não tenham visto. Oh, isto
parece um sonho! Nem consigo acreditar que o meu velho navio saiu assim de
repente do fundo do mar!

O céu já não estava encoberto, e os raios de sol secavam as roupas dos


jovens. Fumegavam ao sol, e até o pêlo do Tim desprendia nuvens de vapor.
Ele parecia não gostar nada do navio destroçado e ladrava na sua direcção.

- És muito engraçado, Tim - disse a Zé, dando-lhe umas palmadinhas. -


O navio não te faz mal! Que pensas que aquilo é?

- Talvez pense que é uma baleia - disse a Ana, soltando uma 


gargalhada. - Oh, Zé! Este é o dia mais emocionante da minha vida! Não
podemos ir buscar o barco e ver se conseguimos chegar ao navio?

- Não, não podemos - respondeu a Zé. - Quem me dera! Mas é 


impossível, Ana. Acho que o navio só ficará bem assente nas rochas quando a
maré baixar. Vejo que ainda se ergue um pouco quando chega uma onda
grande. Seria perigoso ir lá agora. Além disso, não quero que o meu barco se
esmague nas rochas e nos atire para este mar bravo! Era isso que aconteceria.
Temos de esperar até amanhã. É boa ideia virmos cedo. Acho que muita gente
quererá explorar o navio.

Os jovens ficaram a olhar para o velho navio durante mais algum tempo


e, depois, deram novamente a volta à ilha. Não era muito grande, na verdade,
mas tratava-se de um local encantador, com a sua pequena costa rochosa, a
baía tranquila onde tinham deixado o barco, o castelo em ruínas, as gralhas
a voar em círculos e os coelhos a correr alegremente.

- Adoro esta ilha - disse a Ana. - É pequena, por isso sinto que estou
realmente numa ilha. Algumas são tão grandes que nem se percebe que são
ilhas. Por exemplo, a Grã-Bretanha é uma ilha, mas as pessoas que lá vivem
só sabem isso porque lhes dizem. Aqui, sinto que é mesmo uma ilha, porque
de qualquer sítio onde esteja consigo ver a outra extremidade. Gosto muito 
desta ilha.

A Zé sentia-se muito contente. Já tinha estado várias vezes na ilha, mas


sempre sozinha, não contando com o Tim. Sempre pensara que nunca levaria
ali ninguém, porque não queria que lhe estragassem a sua bela ilha. Mas,
afinal, a presença dos seus primos não tinha estragado nada. Pelo contrário:
tornara a ilha muito mais divertida. Pela primeira vez, a Zé compreendeu que
partilhar as coisas boas da vida as torna ainda mais agradáveis.

- Vamos esperar que as ondas diminuam um pouco e depois voltamos


para casa - disse ela. - Acho que vem aí mais chuva e ainda ficamos outra vez
encharcados. Só devemos chegar a casa por volta da hora do lanche, porque
temos de remar contra a maré.

Os jovens sentiam-se um pouco cansados, depois de tantas emoções


naquela manhã. Quase não falaram enquanto remavam, no regresso a casa.
Remou um de cada vez, excepto a Ana, que não era suficientemente forte para
remar contra a maré. Olhavam para a ilha enquanto se afastavam. Não
conseguiam ver o navio naufragado, porque se encontrava do outro lado da
ilha, na parte que dava para o mar alto.

- Ainda bem que o navio ficou naquele sítio - disse o Júlio. - Ninguém o
vê daqui. Só será visto quando um barco sair para pescar. E chegaremos lá
antes de qualquer barco partir! Acho que devemos levantar-nos ao amanhecer.

- Bem, isso é muito cedo - observou a Zé. - Conseguem acordar? Eu


saio muitas vezes ao amanhecer, mas vocês não estão habituados.

- Claro que conseguimos acordar, - disse o Júlio. - Bem, cá estamos de


volta à praia. Para mim é um alívio. Já me doíam os braços de remar e estou
com tanta fome que era capaz de comer tudo o que encontrasse numa
despensa.

O Tim ladrou, como se concordasse.

- Tenho de levar o Tim ao Alf - disse a Zé, saltando do barco.

- Tu trazes o barco para terra, Júlio. Eu não demoro.

Pouco tempo depois, estavam os quatro sentados à mesa diante de um


belo lanche. A tia Clara fizera biscoitos para eles e um bolo de gengibre com
mel. Os jovens comeram com apetite e disseram que era o melhor bolo que já
tinham saboreado.

- Tiveram um dia divertido? - perguntou a tia.

- Ah, sim! - disse a Ana, precipitadamente. - A tempestade foi enorme. E


fez aparecer...

O Júlio e o David deram-lhe um pontapé cada um, por baixo da mesa. A


Zé não conseguia alcançá-la, senão de certeza que também lhe teria dado um
pontapé. A Ana olhou para os irmãos furiosa, com lágrimas nos olhos.

- Que se passa? - perguntou a tia Clara. - Alguém te deu um pontapé,


Ana? Bem, estes pontapés por baixo da mesa têm de acabar. A pobre Ana vai
ficar cheia de nódoas negras. O que é que a tempestade fez aparecer,
querida?

- Fez aparecer ondas enormes - disse a Ana, olhando para os outros


com ar desafiador.

Sabia que eles tinham pensado que ela ia dizer que a tempestade fizera
aparecer o velho navio, mas estavam enganados! Tinham-lhe dado pontapés
sem razão!

- Desculpa o pontapé, Ana - disse o Júlio. - Foi sem querer.

- O meu também foi sem querer, - disse o David. - Sim, tia Clara, foi um
espectáculo fantástico na ilha. As ondas invadiram aquela baiazinha, e tivemos
de empurrar o barco quase para cima dos penhascos.

- Não tive medo da tempestade, - disse a Ana. - Pelo menos não tive


tanto medo como o Ti...

Sabiam perfeitamente que a Ana ia falar no Tim e interromperam-na


todos ao mesmo tempo, falando muito alto. O Júlio conseguiu dar-lhe outro
pontapé.

- Ai! - fez a Ana.

- Os coelhos eram tão mansos - disse o Júlio, falando mais alto.

- Vimos corvos marinhos, - acrescentou o Júlio.

E a Zé juntou-se também à algazarra, falando todos ao mesmo tempo.

- As gralhas estavam sempre a fazer barulho, a gritar - disseram eles.

- Vocês é que parecem gralhas, a falarem todos ao mesmo tempo! -


disse a tia Clara, dando uma gargalhada. - Então, já acabaram de falar? Muito
bem. Agora, vão lavar essas mãos pegajosas. Sim, Zé, sei que estão
pegajosas, porque fui eu que fiz aquele bolo com mel, e tu comeste três fatias!
Depois, o melhor é ficarem sossegados na outra sala, porque está a chover e
não podem sair. Mas não incomodem o teu pai, Zé. Ele está muito ocupado.

Os jovens foram lavar as mãos.

- Idiota! - disse o Júlio para a Ana. - Quase que nos denunciaste duas


vezes!

- Da primeira vez não ia dizer o que vocês pensam! - Principiou a Ana,


indignada.

A Zé interrompeu-a, para dizer:

- Preferia que contasses o segredo do navio do que o meu segredo


acerca do Tim. Acho que falas sem pensar.

- Pois falo - disse a Ana, entristecida. - O melhor é nunca mais falar à


mesa. Gosto tanto do Tim que não consigo deixar de falar nele.

Foram todos para a outra sala. O Júlio virou ruidosamente uma mesa de


pernas para o ar.

- Vamos fingir que esta mesa é um navio naufragado e que nós o vamos
explorar.
A porta da sala abriu-se de repente. Uma cara zangada, de sobrolho
franzido, olhou lá para dentro. Era o pai da Zé!

- Que barulho é este? - disse ele. - Zé! Viraste esta mesa ao contrário?

- Fui eu - disse o Júlio. - Desculpe. Esqueci-me de que estava a


trabalhar.

- Se fazem mais barulho, amanhã não saem de casa! - avisou o tio


Alberto. - Maria José, vê se os teus primos ficam sossegados.

A porta fechou-se e o tio Alberto foi-se embora. Os jovens entreolharam-


se.

- O teu pai é muito severo, não é? - disse o Júlio. - Desculpa ter feito


tanto barulho. Foi sem pensar.

- É melhor estarmos sossegados - disse a Zé. - Senão, ele faz o que


disse... e amanhã ficamos em casa, logo no dia em que queremos explorar os
destroços do navio.

Essa perspectiva era terrível. A Ana foi buscar uma das suas bonecas
para brincar. Apesar de tudo, conseguira trazer várias. O Júlio pôs-se a ler um
livro. A Zé pegou num barquinho lindo que estava a esculpir num pedaço de
madeira. O David recostou-se numa cadeira e ficou a pensar no navio 
naufragado. A chuva não parava de cair, mas todos esperavam que na manhã
seguinte estivesse bom tempo.

- Temos de nos levantar cedíssimo, - disse o David, bocejando.

- E se nos deitássemos cedo esta noite? Estou cansado de remar tanto.

Em geral, nenhum dos jovens gostava de se deitar cedo. No entanto, ao


pensarem no dia emocionante que os esperava, nenhum deles se importava de
ir para a cama mais cedo nessa noite.

- Assim o tempo passa mais depressa - disse a Ana, pousando a 


boneca. - Vamo-nos deitar?

- Que achas que a minha mãe vai pensar se nos formos deitar a seguir
ao lanche? - disse a Zé. - Vai pensar que estamos doentes. Não, deitamo-nos
logo depois do jantar. Dizemos que ficámos cansados por remar muito, o que é
verdade, teremos a noite toda para dormir bem e estaremos frescos para a
nossa aventura amanhã de manhã. E é realmente uma aventura. Não há muita
gente que tenha a oportunidade de explorar um navio tão antigo e que esteve
tanto tempo no fundo do mar!

Ás oito horas, para grande surpresa da tia Clara, todos os jovens


estavam já na cama. A Ana adormeceu de imediato.  O Júlio e o David também
não demoraram muito a adormecer. No entanto, a Zé ficou acordada durante
algum tempo, a pensar na sua ilha, no seu navio e, é claro, no seu querido cão!
"Tenho de levar o Tim", pensou, quando estava prestes a adormecer.
"Não podemos deixá-lo de lado. O Tim tem de participar também nesta
aventura!”

8.

EXPLORANDO O NAVIO

O Júlio foi o primeiro a acordar na manhã seguinte. O Sol acabara de


surgir acima do horizonte e enchia o céu de reflexos dourados. Júlio olhou para
o tecto durante um momento, depois, lembrou-se de tudo o que tinha
acontecido no dia anterior. Sentou-se na cama e murmurou, o mais alto que 
pôde:

- David! Acorda! Vamos explorar o navio! Acorda!

David acordou e sorriu para o Júlio. Foi invadido por uma sensação de


alegria. Esperava-os uma aventura. Saltou da cama e correu em silêncio para o
quarto das raparigas. Abriu a porta. Ambas dormiam profundamente. O David
abanou a Zé e deu uma leve palmada nas costas da Ana. Elas acordaram e
sentaram-se na cama.

- Levantem-se! - murmurou o David. - O Sol está a nascer. Temos de


nos apressar.

Os olhos azuis da Zé brilhavam de alegria enquanto se vestia. A Ana


procurou também as suas roupas, apenas um fato de banho, calções, uma
camisola e sapatos com sola de borracha. Poucos minutos depois, estavam
prontas.

- Agora, não façam as escadas ranger! E nada de tossidelas ou risos! -


avisou o Júlio, quando se juntaram no patamar.

A Ana já muitas vezes estragara planos secretos com os seus 


repentinos ataques de riso. Mas, desta vez, a rapariguinha mostrava-se tão
séria e cuidadosa como os outros. Desceram as escadas e abriram a porta da
rua. Tudo sem fazerem um único ruído. Fecharam a porta silenciosamente e
dirigiram-se para o portão do jardim. Como o portão rangia muito, saltaram
por cima dele em vez de o abrirem.

O Sol brilhava esplendorosamente, embora ainda estivesse pouco acima


do horizonte. Já se sentia o seu calor. O céu era de um azul tão maravilhoso
que a Ana até imaginou que acabara de ser lavado!

- Parece que saiu agora da lavandaria, - disse aos outros.

Começaram todos a rir. A Ana às vezes fazia comentários um pouco


estranhos. No entanto, percebiam o que ela queria dizer. O dia causava uma
agradável sensação de frescura; as nuvens eram muito cor-de-rosa no céu azul
claro, o mar estava tão liso e brilhante! Era impossível imaginar que se
mostrara tão bravo no dia anterior.

A Zé foi buscar o Tim, enquanto os rapazes empurravam o barco para o


mar. Alf, o jovem pescador, ficou surpreendido ao ver a Zé tão cedo.
Preparava-se para sair para a pesca com o pai. Sorriu para a Zé.

- Também vão pescar? - disse o rapaz. - Que grande tempestade ontem!


Pensei que a tinham apanhado.

- E apanhámos, - respondeu a Zé. - Vamos, Tim! Vamos!

O Tim ficou muito contente por ver a Zé chegar tão cedo. Dava saltos à
sua volta, fazendo-a quase tropeçar, enquanto corriam para se juntar aos
outros. Saltou para o barco logo que o viu e pôs-se à proa, com a língua
vermelha de fora e a cauda a abanar com toda a força.

- Até admira que ele ainda tenha cauda, - disse a Ana. - De tanto a
abanares, Tim, um dia ainda te salta a cauda.

Partiram para a ilha. Agora era fácil remar, porque o mar estava muito
calmo. Chegaram à ilha e remaram até ao outro lado.

E lá estava o velho navio, assente sobre algumas rochas pontiagudas!


Ficara numa posição firme e não se movia quando as ondas passavam por
baixo do casco. Estava um pouco inclinado para um lado, com o mastro partido
sobressaindo obliquamente, mas agora ainda mais pequeno.

- Ali está - disse o Júlio, emocionado. - Pobre navio destroçado! Acho


que agora ficou ainda mais estragado. Ontem, fez tanto barulho quando bateu
nas rochas!

- Como vamos até lá? - Perguntou a Ana, olhando para a grande 


quantidade de rochas ameaçadoras que rodeavam o navio.

No entanto, a Zé não estava preocupada. Conhecia muito bem a costa


em volta da ilha. Continuou a remar, até que chegaram perto das rochas onde
o grande navio estava pousado. Os jovens olharam para o navio. Era enorme,
muito maior do que tinham imaginado ao verem-no debaixo de água. Estava
coberto de conchas e de algas verdes que pendiam do casco. Tinha um cheiro
estranho. E viam-se grandes buracos nos lados, mostrando onde batera contra
as rochas. Também havia buracos no convés. No seu conjunto, parecia um
velho navio triste e abandonado, mas, para os quatro jovens, nada no mundo
era mais emocionante. Remaram até às rochas onde o navio se encontrava. A
maré fazia as ondas passar por cima das rochas. A Zé olhou em redor.

- Vamos amarrar o nosso barco ao navio, - disse ela. - E será fácil


chegarmos ao convés subindo por um dos lados. Olha, Júlio! Atira esta corda,
que tem um laço, para aquele pedaço de madeira partido, saliente na borda do
navio.

Júlio assim fez. A corda ficou presa e, depois de apertada, o barco


permaneceu seguro na posição ideal. A Zé subiu pela corda como um macaco.
Trepava muito bem. O Júlio e o David seguiram-na, mas a Ana teve de ser
ajudada. Pouco tempo depois, estavam os quatro sobre o convés inclinado. Os
limos tornavam-no escorregadio, e o cheiro era realmente muito intenso. A Ana
achou que era desagradável.

- Bem, isto era o convés, - disse a Zé , - e ali era por onde os homens
subiam e desciam.

Apontou para uma grande abertura. Aproximaram-se e olharam para


baixo. Viram os restos de uma escada de ferro.

- Acho que a escada é ainda suficientemente forte para suportar o nosso


peso, - disse a Zé. - Eu vou primeiro. Alguém tem uma lanterna? Está muito
escuro ali em baixo.

O Júlio trouxera uma lanterna. Entregou-a à Zé. Os jovens ficaram muito


calados. Aquela escuridão no interior do grande navio era um mistério. Que
iriam encontrar? A Zé acendeu a lanterna e começou a descer pela escada. Os
outros seguiram-na.

A luz da lanterna mostrou um estranho panorama. As partes inferiores


do navio tinham tectos baixos, feitos de espessa madeira de carvalho. Os
jovens tinham de baixar a cabeça para se deslocar. Havia locais que pareciam
ter sido cabinas, embora agora fosse difícil perceber, porque tudo estava 
destroçado, carcomido pelo mar e coberto de algas. Era horrível o cheiro das
algas a secar.

Os jovens escorregavam nas algas enquanto percorriam o interior do


navio. Afinal, por dentro, não parecia muito grande. Havia um grande porão por
baixo das cabinas, que os jovens puderam ver à luz da lanterna.

- Acho que era ali que as caixas com ouro eram guardadas, - disse o
Júlio.

Mas nada havia no porão, excepto água e peixes! Os jovens não podiam


descer, porque a água era muito profunda. Um ou dois barris flutuavam na
água, mas estavam abertos e vazios.

- Deviam ser barris para água, ou carne, ou biscoitos, - disse a Zé. -


Vamos para a outra parte do navio, onde eram as cabinas. Não é estranho ver
aqueles beliches onde os marinheiros dormiam? E olhar para aquela cadeira
velha de madeira. Imaginem só, aos anos que deve estar aqui! Olhem também
para aquelas coisas nos ganchos. Já estão todas ferrugentas e cobertas de
limos, mas deviam ser as panelas e os pratos da cozinha!

Era tudo muito estranho naquela visita ao velho navio. Os jovens


andavam à procura das caixas que poderiam conter as barras de ouro, mas
parecia não haver ali caixas de espécie alguma!

Chegaram a uma cabina um pouco maior do que as outras. Tinha um


beliche num canto, no qual se encontrava um grande caranguejo. Uma peça de
mobiliário que parecia uma mesa com duas pernas, toda coberta de conchas
acinzentadas, estava encostada ao beliche. Prateleiras de madeira, tortas e 
adornadas com algas verde acinzentadas, pendiam das paredes da cabina.

- Aqui devia ser o camarote do capitão, - disse o Júlio. - É o maior.


Olhem, que é aquilo ali no canto!

- Uma chávena velha! - Disse a Ana, pegando nela. - E isto é metade de


um prato. Acho que o capitão estava aqui a tomar uma chávena de chá quando
o barco se afundou.

Esta ideia fez os jovens sentirem-se pouco à vontade. Estava escuro e


havia um cheiro desagradável na pequena cabina, cujo chão era húmido e
escorregadio. A Zé começou a pensar que o seu navio era mais divertido
quando estava afundado do que agora que viera à superfície!

- Vamos, - disse ela, sentindo um arrepio. - Não gosto muito disto. É


extraordinário, eu sei... mas é também um pouco assustador.

E deram meia volta. O Júlio deu uma última olhadela em redor da


pequena cabina à luz da lanterna. Estava prestes a apagá-la e a seguir os
outros para o convés quando viu qualquer coisa que o fez parar. Apontou a
lanterna para aquele sítio e chamou os outros.

- Esperem! Há um armário aqui na parede. Vamos ver se tem alguma


coisa dentro!

Os outros voltaram para trás e olharam. Viram algo que parecia um


armário pequeno inserido na parede do camarote. O que chamara a atenção
do Júlio fora o buraco da fechadura. No entanto, não se via nenhuma chave.

- Pode haver qualquer coisa lá dentro, - disse o Júlio, tentando abrir a


porta com os dedos; mas esta não se moveu. - Está fechada à chave. Claro
que tinha de estar!

- A fechadura já deve ter apodrecido, - disse a Zé.

Tentou também abrir o armário. Depois, tirou do bolso um grande


canivete e introduziu a lâmina entre a porta do armário e a fechadura. Fez força
com a lâmina. De repente, a fechadura do armário cedeu! Como a Zé dissera,
estava bastante apodrecida. A porta abriu-se, e os jovens viram uma prateleira 
com alguns objectos curiosos.

Havia uma caixa de madeira, inchada pela água do mar onde 


permanecera durante anos. Havia duas ou três coisas que pareciam livros
velhos. Havia uma espécie de recipiente de vidro, partido ao meio e dois ou
três objectos estranhos, tão estragados pela água do mar que se tornava
impossível dizer o que eram.

- Nada com interesse, a não ser a caixa, - disse o Júlio, enquanto lhe


pegava. - De qualquer maneira, o que houver aqui dentro deve estar estragado.
Mas podemos tentar abrir a caixa.
Ele e a Zé tentaram tudo para forçar a fechadura da velha caixa de
madeira. Na tampa, estavam gravadas as iniciais H. J. K.

- Devem ser as iniciais do capitão, - disse o David.

- Não, eram as iniciais do meu tetravô! - disse a Zé, com os olhos a


brilhar. - Ouvi muito falar dele. Chamava-se Henry John Kirrin. Este navio
pertencia-lhe. Ele devia guardar os seus papéis ou diários nesta caixa. Temos
de a abrir!

No entanto, não conseguiam abrir a tampa, nem com o canivete da Zé.


Acabaram por desistir. O Júlio pegou na caixa para a levar para o barco.

- Vamos abri-la em casa, - disse ele, num tom de voz entusiasmado. -


Talvez com um martelo. Que grande descoberta, Zé!

Todos pensavam realmente que tinham na sua posse qualquer coisa


muito misteriosa. Haveria alguma coisa dentro da caixa? Se houvesse, que
seria? Estavam ansiosos por chegar a casa e abri-la! Subiram para o convés,
trepando pela escada de ferro. Logo que lá chegaram, viram que outras
pessoas além deles tinham descoberto que o mar trouxera o navio do fundo do
mar para a superfície!

- Céus! Estão aqui quase todos os barcos de pesca da baía! - Exclamou


o Júlio, olhando para os barcos que se tinham aproximado do navio tanto
quanto conseguiam. Os pescadores olhavam maravilhados para o navio.
Quando viram os jovens a bordo, gritaram:

- Quem está aí? Que navio é esse?

- É o velho navio que estava afundado! - gritou o Júlio. - Veio à


superfície ontem com a tempestade!

- Não digas mais nada, - indicou a Zé, franzindo a testa. - O navio é


meu. Não quero curiosos aqui dentro!

Nada mais disseram. Os quatro jovens regressaram ao barco e remaram


para casa o mais velozmente possível. Já passara a hora do pequeno almoço.
Podiam levar uma boa reprimenda. Podiam até ser mandados para a cama
pelo pai da Zé. Mas que importava? Tinham explorado o navio e voltado com
uma caixa que podia conter, se não barras de ouro, talvez uma pequena barra!

Quando chegaram, foram repreendidos. Além disso, tiveram de se 


contentar com metade do pequeno-almoço, porque o tio Alberto disse que as
crianças que chegavam tão atrasadas não mereciam ovos com presunto, só
torradas com manteiga. Foi muito aborrecido. Esconderam a caixa debaixo da
cama, no quarto dos rapazes.  O Tim ficara com o jovem pescador ou, melhor
dizendo, tinham-no deixado preso no quintal do Alf, pois este fora à pesca e
estava agora no barco do pai, a olhar para o estranho navio.

- Podemos ganhar algum dinheiro trazendo aqui pessoas para verem o


navio, - disse o Alf.
Antes do fim do dia, numerosas pessoas tinham já visto o velho navio,
transportadas em barcos a motor e barcos de pesca. A Zé estava furiosa. Mas
nada podia fazer. Afinal, como o Júlio dizia, toda a gente tinha o direito de ver o
navio.

9.

A CAIXA MISTERIOSA

A primeira coisa que os jovens fizeram depois do pequeno almoço foi


pegar na preciosa caixa e levá-la para o alpendre do jardim, onde eram
guardadas as ferramentas. Estavam ansiosos por abri-la. Todos achavam que
deveria conter algum tesouro.

O Júlio olhou em redor à procura de uma ferramenta. Encontrou um


escopro e pensou que seria exactamente o ideal para arrombar a caixa.
Tentou, mas a ferramenta escorregou e magoou-lhe os dedos. Depois, tentou
com outras coisas, mas a caixa teimava em não se deixar abrir. Os jovens
olhavam-na, contrariados.

- Já sei o que havemos de fazer, - disse a Ana, por fim. - Levamo-la para
o sótão e atiramo-la cá para baixo. Acho que assim se abrirá.

Os outros pensaram se seria boa ideia.

- Talvez valha a pena tentar, - disse o Júlio. - Só que pode partir-se


qualquer coisa que esteja dentro da caixa.

Como não parecia haver outra maneira de abrir a caixa, o Júlio  levou-a
para o sótão e abriu uma janela. Os outros estavam em baixo, à espera. O
Júlio atirou a caixa pela janela com toda a força. Esta voou pelos ares e caiu
com grande estrondo nas lajes irregulares do pavimento.

De imediato, uma porta envidraçada abriu-se e o tio Alberto saiu como


uma bala disparada.

- Que estão a fazer? - Gritou ele. - Estão a atirar coisas uns aos outros
pela janela? Que é isto no chão?

Os jovens olharam para a caixa. Abrira-se e ficara por terra, vendo-se


que tinha por dentro um revestimento de estanho, à prova de água. Se
houvesse alguma coisa na caixa, não estaria estragada!

David correu a apanhá-la.

- Já perguntei o que é isso no chão? - Gritou o tio, dirigindo-se para ele.

- É... é uma coisa que nos pertence, - disse o David, corando.  - Muito
bem. Ficarei com ela, - disse o tio. - A incomodarem-me desta maneira! Dá-me
isso. Onde encontraram essa caixa?
Ninguém respondeu. O tio Alberto franziu tanto a testa que os óculos
quase lhe caíram.

- Onde a encontraram? - Gritou, olhando ameaçadoramente para a 


pobre Ana, que estava mais perto.

- No navio que estava afundado, - balbuciou a rapariguinha, assustada.

- No navio? - disse o tio, surpreendido. - O velho navio que veio ontem à


superfície? Ouvi falar nisso. Quer dizer que estiveram lá?

- Estivemos, - disse o David.

Nesse momento, o Júlio apareceu, com ar preocupado. Seria horrível


que o tio lhes tirasse a caixa, agora que a tinham aberto. Mas foi exactamente
isso que ele fez!

- Bem, esta caixa pode conter alguma coisa importante, - disse o tio
Alberto, tirando-a das mãos do David. - Não têm o direito de andar a bisbilhotar
naquele velho navio.

- O navio é meu, - disse a Zé. - Por favor, pai, deixe-nos ficar com a


caixa. Acabámos de a abrir. Pensámos que podia ter... uma barra de ouro... ou
qualquer coisa assim!

- Uma barra de ouro! - disse o pai, com ar incrédulo. - És mesmo uma


criança! Esta pequena caixa nunca poderia ter uma coisa assim! É muito mais
provável que contenha informações acerca do que aconteceu às barras!
Sempre pensei que o ouro foi entregue em qualquer parte, e que o navio, já
sem a sua carga valiosa, naufragou ao sair da baía!

- Oh, pai... por favor, deixe-nos ficar com a caixa - suplicou a Zé, quase
a chorar.

Pressentia que a caixa continha papéis que podiam indicar-lhes o que


acontecera ao ouro. No entanto, sem dizer nem mais uma palavra, o pai entrou
em casa, levando a caixa debaixo do braço.

A Ana começou a chorar e disse:

- Não se zanguem comigo por eu ter dito que encontrámos a caixa no


navio. O tio olhou para mim com uma cara tão zangada! Tive de lhe dizer.

- Está bem, - disse o Júlio, pondo o braço sobre os ombros da irmã. No


entanto, o Júlio estava furioso. Pensava que era muito injusto que o tio tivesse
levado a caixa daquela maneira.

- Ouçam. Não vou aceitar isto. Haveremos de apanhar a caixa para ver


o que está lá dentro. Zé, tenho a certeza de que o teu pai não se vai preocupar
com o assunto, começará outra vez a escrever o livro dele e nunca mais
pensará na caixa. Quando tiver oportunidade, entro no escritório e vou buscá-
la, mesmo que receba um castigo se for descoberto!
- Óptimo, - disse a Zé. - Vamos ficar de vigia para ver se o meu pai sai
de casa.

Fizeram turnos de vigia, mas o tio Alberto ficou no escritório toda a


manhã. A tia Clara estava surpreendida por ver sempre um ou dois miúdos no
jardim, em vez de irem para a praia.

- Porque é que não foram todos juntos para a praia? - Perguntou. -


Zangaram-se uns com os outros?

- Não, - disse o David. - Claro que não.

Mas não disse por que razão estavam no jardim!

- O teu pai nunca sai? - Perguntou à Zé, quando chegou a vez de ela
ficar a vigiar. - Acho que ele não tem uma vida muito saudável.

- Os cientistas são todos assim, - observou a Zé, como se soubesse


tudo acerca de cientistas. - Mas digo-te uma coisa: talvez ele durma uma sesta
esta tarde! Às vezes, dorme!

O Júlio ficou no jardim nessa tarde. Sentou-se debaixo de uma árvore e


abriu um livro. Pouco depois, ouviu um ruído que lhe chamou a atenção.
Percebeu de imediato o que era! "É o tio Alberto a ressonar", disse para
consigo. "Talvez consiga entrar no escritório para ir buscar a nossa caixa!”

Aproximou-se da porta envidraçada e olhou para dentro. Estava 


entreaberta, e o Júlio abriu-a um pouco mais. Viu o tio sentado num confortável
cadeirão, com a boca um pouco aberta, os olhos fechados, profundamente
adormecido!

"Parece que está mesmo a dormir", pensou o rapaz. "E vejo ali a caixa,
atrás dele, em cima da mesa. Vou arriscar. Aposto que receberei uma grande
descompostura se for apanhado, mas tenho de tentar!”

Entrou no escritório. O tio continuava a ressonar. Pé ante pé, avançou


para a mesa que estava atrás do cadeirão do tio. Pegou na caixa. Então, um
pedaço de madeira partida, que se desprendeu da caixa, caiu no chão fazendo
um ruído seco! O tio mexeu-se na cadeira e abriu os olhos. Rápido como um
raio, o rapaz baixou-se atrás do cadeirão do tio, quase sem respirar.

- Que foi isto! - resmungou o tio.

O Júlio não se moveu. Depois, o tio recostou-se de novo e fechou os


olhos. Depressa voltou a ressonar.

"Óptimo", pensou o Júlio. "Adormeceu outra vez." Levantou-se 


silenciosamente, segurando a caixa. Em bicos de pés, dirigiu-se para a porta
envidraçada. Esgueirou-se para o jardim e começou a correr. Nem pensou em
esconder a caixa. Só queria ir ao encontro dos outros e mostrar-lhes o que
fizera! Correu até à praia, onde eles estavam deitados ao sol.
- Olhem! Consegui! Consegui! - gritou.

Todos se ergueram de repente, espantados por verem a caixa nas mãos


do Júlio. Esqueceram-se até de que havia outras pessoas na praia. O Júlio
deixou cair a caixa na areia e sorriu.

- O teu pai estava a dormir, - disse ele à Zé. - Tim, acaba com essas
lambidelas! E eu entrei, Zé... e um pedaço da caixa caiu no chão... e ele
acordou!

- Céus! - exclamou a Zé. - Que aconteceu?

- Escondi-me atrás do cadeirão até ele adormecer outra vez, - disse o


Júlio. - Depois, saí a correr. Agora, vamos ver o que está aqui dentro. Acho que
o teu pai nem deve ter olhado!

E não tinha. O revestimento de estanho estava intacto. Enferrujara


depois de tantos anos no fundo do mar, e a tampa encontrava-se de tal
maneira encaixada que era quase impossível movê-la. No entanto, a Zé
começou a raspar a ferrugem com o seu canivete de bolso, até que a tampa
ficou um pouco mais solta e, passado cerca de um quarto de hora, acabou por
sair! Os jovens inclinaram-se ansiosamente sobre a caixa. No interior, viram
alguns papéis velhos e um livro com capa preta. Mais nada. Nenhuma barra de
ouro. Nenhum tesouro. Todos se sentiram um pouco desapontados.

- Está tudo bem seco, - disse o Júlio, surpreendido. - Nem um pouco de


humidade. O revestimento de estanho manteve isto em perfeitas condições.

Pegou no livro e abriu-o.

- É o diário de bordo do teu tetravô, - disse ele. - Mal consigo ler esta


letra. É muito miudinha e esquisita.

A Zé pegou num dos papéis. Era um pergaminho grosso, amarelecido


pelo tempo. Estendeu-o sobre a areia e olhou para ele. Os outros também
olharam, mas não conseguiram perceber do que se tratava. Parecia uma
espécie de mapa.

- Talvez seja o mapa de algum lugar onde ele tinha de ir, - disse o Júlio.

De repente, as mãos da Zé começaram a tremer enquanto segurava no


mapa, e os seus olhos brilharam intensamente quando fitou os outros jovens.
Abriu a boca, mas não falou.

- Que aconteceu? - Perguntou o Júlio, cheio de curiosidade. - Que se


passa? Perdeste a língua?

A Zé abanou a cabeça e depois começou a falar muito depressa.

- Júlio! Sabes o que é isto? É um mapa do meu velho castelo, do castelo


de Kirrin, quando ainda não estava em ruínas. E mostra que havia
subterrâneos! Olha... olha só o que está escrito neste canto dos subterrâneos!
Apontou com o dedo para um ponto do mapa. Os outros inclinaram-se
para ver o que era. Em letras de estilo antigo, estava escrita uma palavra
curiosa. LINGOTES.

- Lingotes! - disse a Ana, intrigada. - Que significa isso! Não conheço


essa palavra.

Mas os dois rapazes conheciam.

- Lingotes! - exclamou o David. - Devem ser as barras de ouro.


Chamavam-lhes lingotes.

- A maior parte das barras de metal tem o nome de lingotes, - disse o


Júlio, ficando vermelho de entusiasmo. - Mas como sabemos que havia ouro
naquele navio, então parece que os lingotes aqui significam barras de ouro.
Extraordinário! Imaginar que podem ainda estar escondidas no castelo
de Kirrin. Zé! Zé! Não achas que isto é fantástico!

A Zé acenou com a cabeça, concordando. Estava a tremer de emoção.

- Se conseguíssemos encontrar o ouro! - murmurou ela. - Se 


conseguíssemos!

- Iremos à procura, - disse o Júlio. - Vai ser muito difícil encontrá-lo,


porque o castelo está em ruínas e coberto de plantas. Mas havemos de
descobrir esses lingotes. Que palavra maravilhosa. Lingotes! Lingotes!
Lingotes!

Parecia muito mais emocionante do que a palavra "ouro". Ninguém falou


mais em ouro. Falavam só de lingotes. O Tim não conseguia perceber a razão
de tanto entusiasmo. Abanava a cauda e tentava dar lambidelas a todos, mas
desta vez ninguém lhe prestava atenção! Ele simplesmente não conseguia
perceber. Passado algum tempo, afastou-se e foi sentar-se de costas para os
jovens, de orelhas caídas.

- Oh, olhem para o pobre Tim! - disse a Zé. - Não consegue perceber o


que se passa. Tim! Querido Tim, está tudo bem, não deixámos de gostar de ti.
Oh, Tim, sabemos o segredo mais maravilhoso do mundo.

O Tim levantou-se de um salto, com a cauda a abanar, contente por lhe


prestarem atenção. Pôs uma pata em cima do mapa, e os quatro jovens
gritaram todos ao mesmo tempo.

- Não podemos rasgar isto! - disse o Júlio.

Depois, olhou para os outros e acrescentou:

- O que vamos fazer à caixa? O pai da Zé vai dar pela falta dela, não é
verdade? Temos de voltar a pô-la no escritório.

- Não podemos tirar o mapa e ficar com ele? - disse o David. - Se ele
não viu o que a caixa tinha, não sabe que há um mapa. E de certeza que não
viu. As outras coisas não importam: só um velho diário e algumas cartas.

- Para não corrermos riscos, vamos fazer uma cópia do mapa, - disse o
Júlio. Depois, podemos devolver a caixa com o mapa verdadeiro.

Todos concordaram com a ideia. Regressaram ao Casal Kirrin e 


desenharam o mapa com o maior cuidado.  Fizeram-no no alpendre do jardim,
porque não queriam que ninguém os visse. Era um estranho mapa. Tinha três
partes.

- Esta parte mostra os subterrâneos por baixo do castelo, - disse o Júlio.


- Esta mostra uma planta do rés-do-chão e esta mostra a parte de cima. Devia
ser um belo edifício, naqueles tempos! Os subterrâneos estendem-se por baixo
de todo o castelo. Aposto que têm um ar assustador. Gostava de saber onde é
a entrada.

- Temos de estudar o mapa para saber, - disse a Zé. - Agora parece-nos


tudo muito confuso, mas quando levarmos o mapa para o castelo,
conseguiremos descobrir como chegar aos subterrâneos. Oh, que aventura
fantástica!

O Júlio guardou no bolso das calças o mapa que tinham desenhado.


Não queria separar-se dele. Era demasiado precioso. Depois, colocou o mapa
verdadeiro na caixa e olhou em direcção à casa.

- Vamos lá pôr a caixa! - disse ele. - Zé, talvez o teu pai ainda esteja a
dormir.

Mas não estava. Já tinha acordado. Por sorte, não dera pela falta da
caixa! À hora do lanche, quando o tio foi para a sala de jantar, o Júlio
aproveitou a ocasião. Arranjou uma desculpa, levantou-se da mesa e foi ao
escritório pôr a caixa no sítio de onde a tirara!

Quando voltou, piscou o olho para os outros. Sentiram-se aliviados.


Tinham medo do tio Alberto e não queriam de maneira alguma que ele se
zangasse. A Ana não falou durante todo o lanche. Receava terrivelmente que
lhe escapasse alguma palavra acerca do Tim ou da caixa. Os outros falaram
também muito pouco. Estavam ainda sentados à mesa quando o telefone
tocou. A tia Clara foi atender. Quando voltou, disse:

- Parece que os destroços do navio causaram muito entusiasmo, e há


uns homens de um jornal de Londres que querem fazer-te algumas perguntas
acerca do assunto.

- Diz-lhes que os recebo às seis horas, - retorquiu o tio Alberto.

Os jovens entreolharam-se, alarmados. Esperavam que o tio não 


mostrasse a caixa aos jornalistas. Caso contrário, o segredo do ouro escondido
poderia ser revelado!

- Que sorte termos desenhado uma cópia do mapa! - Disse o Júlio,


depois do lanche. - Mas já estou arrependido de termos deixado o mapa
verdadeiro na caixa. Alguém pode descobrir o nosso segredo!

10.

UMA OFERTA INESPERADA

Na manhã seguinte, os jornais davam notícia do modo extraordinário


como o velho navio surgira do fundo do mar. Os jornalistas tinham sabido
através do tio dos jovens a história do naufrágio e do ouro perdido. Alguns
haviam mesmo conseguido desembarcar na ilha de Kirrin e tirar fotografias do
castelo em ruínas.

A Zé estava furiosa.

- É o meu castelo! - gritou para a mãe. - É a minha ilha. A  mãe disse que
era minha. Sabe bem que disse!

- Eu sei, Zé, - admitiu a mãe. - Mas tens de ser razoável. Não faz mal
nenhum que alguém desembarque na ilha ou fotografe o castelo.

- Mas eu não quero, - disse a Zé, com ar zangado. - A ilha é minha. E o


navio também é meu. A mãe disse que me pertenciam.

- Bem, não sabia que o navio voltaria à superfície, - disse a mãe. - Sê


razoável, Zé. Se as pessoas querem ver o navio, que importância tem isso?
Não podes impedi-las.

Era verdade que a Zé não podia impedi-las. No entanto, isso não a fazia


sentir-se menos zangada. Os jovens estavam surpreendidos pelo interesse que
o navio tinha despertado, tornando a ilha de Kirrin também objecto de grande
atenção.

Visitantes das redondezas vieram para ver o navio, e os pescadores


conseguiram encontrar a pequena baía, levando as pessoas até lá. A Zé
soluçava de raiva. O Júlio tentava confortá-la.

- Ouve, Zé! Ainda ninguém conhece o nosso segredo. Esperemos que


este entusiasmo acabe e depois iremos ao castelo de Kirrin procurar os
lingotes.

- Se alguém não os encontrar primeiro, - disse a Zé, limpando as


lágrimas. Estava furiosa com ela própria por chorar, mas não o conseguia
evitar.

- Como haveriam de os encontrar? - disse o Júlio. - Ninguém viu ainda o


que está dentro da caixa! Quando tiver uma oportunidade, vou buscar aquele
mapa antes que alguém o veja!

No entanto, não teve nenhuma oportunidade, porque algo terrível


aconteceu. O tio Alberto vendeu a velha caixa a um homem que comprava
objectos antigos! Um dia ou dois após ter começado aquele entusiasmo pelo
navio, o tio Alberto saiu do escritório, radiante, e contou tudo à tia Clara e aos
jovens.

- Fiz um negócio excelente com aquele homem, - disse ele para a


mulher. - Lembras-te daquela caixa do navio? Este homem colecciona
curiosidades daquele género e ofereceu-me uma boa quantia pela caixa. Muito
boa mesmo. Mais do que eu esperava ganhar com o livro que estou a escrever!
Mal viu o velho mapa e o diário, quis logo comprar tudo.

Os jovens fitaram-no horrorizados. A caixa fora vendida! Agora, alguém


examinaria o mapa e talvez percebesse o que significava ali a palavra
"lingotes". A história do ouro perdido já aparecera nos jornais. Se alguém
observasse o mapa com atenção, decerto compreenderia o que estava lá
indicado. Os jovens não ousaram contar ao tio Alberto aquilo que sabiam.

Era verdade que ele agora se mostrava muito sorridente, prometendo


comprar-lhes novos camaroeiros e até uma jangada, mas era uma pessoa que
mudava de humor com tanta facilidade! Podia ter um ataque de fúria se
soubesse que o Júlio fora buscar a caixa e a abrira quando ele estava a dormir.

Quando ficaram sozinhos, os jovens discutiram o assunto. Parecia-lhes,


na verdade, um caso muito sério. Ainda pensaram se deveriam contar o
segredo à tia Clara; mas era um segredo tão precioso, tão maravilhoso, que
decidiram que não contariam a ninguém.

- Ouçam! - disse o Júlio, por fim. - Vamos perguntar à tia Clara se


podemos ficar um ou dois dias na ilha de Kirrin, passando lá a noite também.
Assim, teremos algum tempo para as nossas buscas e para ver o que
conseguimos encontrar. Daqui a um ou dois dias com certeza que já não
haverá visitantes. Talvez cheguemos lá antes de alguém descobrir o nosso
segredo. Afinal, o homem que comprou a caixa talvez nem imagine que aquele
mapa é do castelo de Kirrin.

Sentiram-se mais animados. Era desesperante não fazerem nada. Logo


que planearam agir, sentiram-se melhor. Decidiram perguntar à tia, no dia
seguinte, se podiam ir para a ilha e passar o fim-de-semana no castelo. O
tempo estava muito bom, e seria extremamente divertido. Poderiam levar um
grande carregamento de comida. Quando foram perguntar à tia Clara se
podiam ir, o tio Alberto estava junto dela. Continuava todo sorridente e até deu
uma palmada nas costas do Júlio.

- Muito bem! - disse ele. - Que querem vocês!

- Só queríamos pedir uma coisa à tia Clara, - disse o Júlio, 


delicadamente. - Tia Clara, como o tempo está muito bom, acha que nos
deixava ir, por favor, passar o fim-de-semana no castelo de Kirrin e ficar um ou
dois dias na ilha! Gostávamos tanto de ir!

- Bem, que achas, Alberto? - perguntou a tia, voltando-se para o marido.

- Se querem assim tanto, podem ir, - disse o tio Alberto. - Tão cedo não
terão outra oportunidade de lá voltar. Fiquem sabendo que recebemos uma
oferta maravilhosa pela ilha de Kirrin! Há um homem que quer comprá-la,
reconstruir o castelo para fazer um hotel e transformar aquele sítio numa
estância de férias! Que acham disto!

Os jovens olharam para o tio Alberto, chocados e horrorizados. Alguém


ia comprar a ilha! O segredo deles teria sido descoberto? O homem quereria
comprar o castelo por ter visto o mapa e percebido que havia lá muito ouro
escondido? A Zé estava revoltada. Parecia que os seus olhos lançavam 
faíscas.

- Mãe! Não podem vender a minha ilha! Não podem vender o


meu castelo! Não deixo que vendam.

O pai franziu a testa e disse:

- Não sejas palerma, Maria José. Sabes muito bem que a ilha não é tua.
Pertence à tua mãe, e é natural que ela a queira vender agora que tem uma
oportunidade. Precisamos muito desse dinheiro. Poderás ter muitas coisas
bonitas quando vendermos a ilha.

- Não quero coisas bonitas! - gritou a Zé. - O meu castelo e a minha ilha
são as coisas mais bonitas que posso ter. Mãe! Mãe! Disse-me que eram
meus. Sabe muito bem que disse! E eu acreditei.

- Minha querida, queria dizer que podias ficar com a ilha e o castelo para
brincares lá, quando eu julgava que não valiam nada, - disse a mãe, com ar
desgostoso. - Mas as coisas agora são diferentes. Ofereceram ao teu pai
bastante dinheiro pela ilha, muito mais do que podíamos imaginar. E não
estamos em condições de nos dar ao luxo de recusar.

- Então, só me deram a ilha porque pensavam que não valia nada! -


disse a Zé, pálida de raiva. - Agora, que passou a valer algum dinheiro, tiram-
ma outra vez. Acho que é horrível. Não, não é honesto.

- Chega, Maria José, - disse o pai, zangado. - A tua mãe seguiu o meu


conselho. Tu não passas de uma criança. A tua mãe só te disse aquilo para te
agradar. Mas sabes muito bem que te daremos o que quiseres com o dinheiro
que recebermos.

- Não quero nada! - murmurou a Zé, quase sem fala. - Hão-de 


arrepender-se de a vender.

A rapariga deu meia volta e saiu da sala. Os outros sentiram pena dela.


Sabiam o que estava a sentir. Levava tudo tão a sério! O Júlio pensou que ela
não percebia muito bem os adultos. Não valia a pena discutir com os adultos.
Eles podiam fazer tudo o que queriam. Se queriam vender a ilha e o castelo da
Zé, podiam fazê-lo. Mas o que o tio Alberto não sabia era que talvez lá
houvesse um carregamento de lingotes de ouro! O Júlio olhou para o tio e
pensou se deveria avisá-lo. Decidiu que não. Ainda era possível que os quatro
jovens encontrassem o ouro!
- Quando é que vende a ilha, tio? - perguntou, tranquilamente.

- O contrato será assinado daqui a uma semana, - foi a resposta. - Por


isso, se querem passar lá um ou dois dias, é melhor apressarem-se, porque
depois os novos proprietários talvez não vos dêem autorização.

- É o homem que comprou a caixa que quer também comprar a ilha? -


perguntou o Júlio.

- Sim, - disse o tio. - Eu próprio fiquei um pouco surpreendido, porque


pensava que ele era só comprador de antiguidades. Achei espantosa aquela
ideia de comprar a ilha para restaurar o castelo e fazer um hotel. No entanto,
acho que um hotel ali dará muito dinheiro: é romântico ficar numa pequena ilha
como aquela e as pessoas hão-de gostar. Não sou um homem de negócios e
nunca me lembraria de investir o meu dinheiro num lugar como a ilha de Kirrin.
Mas creio que ele sabe o que está a fazer.  

"Claro que sabe", pensou o Júlio, enquanto saía da sala com o David e a
Ana. "Ele viu o mapa e chegou à mesma conclusão que nós: os lingotes estão
escondidos na ilha, e vai procurá-los! Não quer construir um hotel! Anda à
procura do tesouro! Imagino que ofereceu ao tio Alberto uma ninharia ridícula,
mas que o tio  pensa que é extraordinária. Que situação horrível!”

Foi à procura da Zé. Estava no alpendre do jardim, muito pálida. Disse


que se sentia enjoada.

- É porque estás aborrecida, - disse o Júlio.

Pôs o braço sobre os ombros da Zé. Desta vez, ela não o afastou.
Sentiu-se reconfortada. As lágrimas vieram-lhe aos olhos, muito contrariada,
tentou contê-las.

- Ouve, Zé - disse o Júlio. - Não devemos perder a esperança. Iremos


amanhã para a ilha de Kirrin e faremos tudo o que for possível para descermos
aos subterrâneos e encontrarmos os lingotes. Ficaremos lá até conseguirmos.
Agora, anima-te, porque queremos que nos ajudes a planear tudo. Ainda bem
que fizemos um desenho do mapa.

A Zé ficou um pouco mais animada. Ainda estava zangada com os pais,


mas a ideia de ir para a ilha de Kirrin um ou dois dias, levando o Tim, parecia-
lhe excelente.

- Acho que os meus pais são injustos, - disse ela.

- Não penses assim, - disse o Júlio, sensatamente. - Afinal, se precisam


tanto de dinheiro, seria idiota não se desfazerem de uma coisa que não vale
nada para eles. E o teu pai disse que podias ter aquilo que quisesses. No teu
lugar saberia muito bem o que pedir!

- O quê? - perguntou a Zé.

- O Tim, é claro! - disse o Júlio.


Esta ideia fez a Zé sorrir e ficar muito mais animada!

11.

DE NOVO NA ILHA DE KIRRIN

O Júlio e a Zé foram ter com o David e a Ana.  Estes encontravam-se à


espera no jardim, com um ar bastante preocupado. Ficaram satisfeitos ao
verem o Júlio e a Zé, e correram ao seu encontro.

A Ana pegou nas mãos da Zé e disse:

- Estou muito triste com o que aconteceu à tua ilha.

- Também eu, - disse o David. - Pouca sorte, rapariga, quero dizer,


rapaz.

A Zé conseguiu esboçar um sorriso.

- Tenho-me portado como uma rapariga, - disse, um pouco 


envergonhada. - Mas isto foi um grande choque para mim.

O Júlio contou aos outros o que tinham planeado.

- Partimos amanhã de manhã, - disse ele. - Vamos já fazer uma lista de


todas as coisas que precisaremos de levar.

Tirou do bolso um lápis e um bloco de notas. Os outros olhavam-no.

- Comida, - disse o David de imediato. - Muita comida, porque vamos ter


bastante fome.

- Alguma coisa para beber, - disse a Zé. - Não há água na ilha, acho que
existia um poço, há muitos anos, que descia abaixo do nível do mar e tinha
água doce. Mas nunca o encontrei.

- Comida e bebida, - escreveu o Júlio.

Olhou para os outros.

- Pás, - acrescentou com ar muito sério, escrevendo a palavra.

A Ana ficou surpreendida e perguntou:

- Para quê?

- Bem, vamos precisar de escavar para encontrar o caminho dos 


subterrâneos, - explicou o Júlio.
- Cordas, - disse o David. - Podemos também precisar de cordas.  - E
lanternas, - disse a Zé. - Os subterrâneos são escuros.

- Oh! - fez a Ana, sentindo um agradável arrepio na espinha.

Não fazia ideia de como eram os subterrâneos, mas pareciam-lhe 


emocionantes.

- Cobertores, - disse o David. - Se vamos dormir naquele velho quarto,


teremos frio à noite.

O Júlio escreveu.

- Canecas por onde possamos beber, - acrescentou. - E levaremos


também algumas ferramentas. Podemos precisar delas. Nunca se sabe.

Ao fim de meia hora, tinham uma lista bastante extensa. Todos estavam


contentes e entusiasmados. A Zé começava a recompor-se da sua fúria e do
seu desapontamento. Se estivesse sózinha, teria ficado a cismar no assunto,
sentindo-se ainda mais triste e furiosa. No entanto, os primos eram tão
sensatos e alegres que se tornava impossível permanecer de mau humor 
durante muito tempo.

"Acho que eu seria muito mais simpática se não tivesse vivido sozinha


durante tanto tempo", pensou a Zé, enquanto observava o Júlio. "Falar das
coisas com as outras pessoas é uma grande ajuda. Deixam de parecer tão
más, tornam-se mais suportáveis e normais. Gosto muito dos meus três
primos. Gosto deles porque estão sempre a falar e a rir, e são muito alegres
e simpáticos. Quem me dera ser como eles. Eu sou aborrecida, teimosa e
tenho mau feitio. Não admira que o pai não goste de mim e me repreenda
tantas vezes. A mãe é amorosa, mas compreendo agora por que razão ela diz
que eu sou difícil. Sou diferente dos meus primos, é fácil compreendê-los, toda
a gente gosta deles. Estou contente por terem vindo. Estão a tornar-me mais
parecida com aquilo que eu gostava de ser.”

Enquanto pensava em tudo isto, a Zé ficou com um ar muito sério. O


Júlio reparou que ela o fitava com os seus olhos muito azuis, sorriu e disse:

- Dava tudo para saber em que estás a pensar!

- Em nada de especial, - disse a Zé, corando. - Estava só a pensar que


vocês são muito simpáticos e que também gostava de ser assim.

- Mas tu és uma pessoa fantástica, - disse o Júlio. - Não tens culpa de


ser filha única. Os filhos únicos são sempre um pouco diferentes dos outros.
Mas acho que tu és uma pessoa muito interessante.

A Zé corou novamente, sentindo-se satisfeita.

- Vamos buscar o Tim e dar um passeio, - disse ela. - Deve estar


intrigado por ainda não termos aparecido hoje.
Lá foram os quatro juntos, e o Tim recebeu-os a ladrar muito alto, todo
contente. Contaram-lhe os planos que tinham para o dia seguinte. Ele abanava
a cauda e fitava-os com os seus olhos meigos como se compreendesse tudo o
que lhe diziam!

- Deve estar satisfeito por saber que vai estar connosco dois ou três
dias, - disse a Ana.

Na manhã seguinte, era grande o entusiasmo, na altura da partida, com


todas as coisas arrumadas numa extremidade do barco. O Júlio verificou se
não faltava nada, lendo em voz alta a lista que tinha feito. Parecia que não se
tinham esquecido de nada.

- Tens o mapa? - Perguntou o David, de repente.

Júlio acenou afirmativamente.

- Vesti uns calções lavados esta manhã, mas claro que me lembrei de
pôr o mapa no bolso. Aqui está!

Tirou-o do bolso, e o vento arrancou-lho imediatamente da mão! Foi cair


no mar e ali ficou a flutuar ao sabor do vento. Os quatro jovens deram um grito
de desespero. O precioso mapa!

- Depressa! Temos de o apanhar! - Gritou a Zé, virando o barco com os


remos.

No entanto, houve quem fosse mais rápido do que ela! O Tim tinha visto
o papel voar da mão do Júlio e ouvira e compreendera os gritos de desespero.
Deu um salto para a água e nadou corajosamente atrás do mapa. Nadava
muito bem, pois era forte e enérgico. Depressa apanhou o mapa com a boca e
nadou de regresso ao barco. Os jovens acharam que ele era simplesmente
maravilhoso! A Zé puxou-o para dentro do barco e tirou-lhe o mapa da boca.

Quase não se notava a marca dos seus dentes no mapa, porque


o trouxera com todo o cuidado! Estava molhado, e os jovens olharam
ansiosamente para verificar se o desenho ficara estragado. Mas o Júlio fizera
traços muito carregados, pelo que nada desaparecera. Colocou o mapa sobre
um dos bancos para o secar ao sol e pediu ao David para o segurar.

- Por pouco que não estragávamos tudo! - disse, e os outros 


concordaram.

A Zé voltou a pegar nos remos, e começaram novamente a dirigir-se


para a ilha, sem deixarem de receber, entretanto, um autêntico duche, quando
o Tim sacudiu o pêlo molhado. Deram-lhe como recompensa um grande
biscoito, que ele mastigou com enorme satisfação.

A Zé conduziu o barco habilmente por entre as rochas. Os outros jovens


achavam fantástica a maneira como ela passava junto daquelas rochas
perigosas sem fazer um único arranhão no barco. A Zé era realmente uma
rapariga formidável. Conduziu-os até à pequena baía, onde eles saltaram para
a praia. Puxaram o barco bastante para cima, para o proteger no caso da
maré encher  demasiado, e depois começaram a descarregar os mantimentos.

- Vamos levar as coisas todas para aquele quarto de pedra, - disse o


Júlio. - Ficarão em segurança e não se molharão se chover. Espero que
ninguém venha à ilha enquanto cá estivermos.  

- Acho que não aparecerá ninguém, - declarou a Zé. - O meu pai disse


que só daqui a uma semana assinaria o contrato da venda com aquele homem.
Até essa altura, a ilha não lhe pertence. Por isso, temos uma semana.

- Bem, então não precisamos de ficar de vigia para ver se alguém


chega, - disse o Júlio, que pensara que seria boa ideia um deles ficar de
guarda na baía, para avisar os outros no caso de alguém aparecer. - Vamos!
David, tu levas as pás. Eu levo a comida e as bebidas com a Zé. E a Ana pode
trazer as coisas mais pequenas.

A comida e as bebidas estavam numa grande caixa, pois os jovens não


tencionavam passar fome enquanto permanecessem na ilha! Haviam trazido
grande quantidade de pão, manteiga, biscoitos, presunto, latas de fruta,
ameixas maduras, garrafas de laranjada, uma chaleira para fazer chá e tudo o
resto de que se tinham lembrado! A Zé e o Júlio subiram os penhascos com
uma pesada caixa. Tiveram de a pousar de vez em quando para descansar!

Colocaram tudo dentro do quartinho de pedra. Depois voltaram ao barco


para trazer os cobertores. Dispuseram-nos nos cantos do pequeno quarto,
imaginando como seria emocionante passar ali a noite.

- As raparigas podem dormir naqueles cobertores, - disse o Júlio. - E nós


os dois ficamos com estes aqui.

A Zé parecia não querer ficar a dormir junto da Ana, nem ser classificada


como uma rapariga. Mas a Ana não queria dormir sózinha num canto e olhou
com um ar tão suplicante para a Zé que esta sorriu e não pôs qualquer
objecção. A Ana pensou que a Zé estava a tornar-se cada vez mais simpática!

- Bem, agora vamos ao que interessa, - disse o Júlio, tirando o mapa do


bolso. - Temos de examinar isto com muita atenção e descobrir onde ficam
exactamente as entradas para os subterrâneos. Vamos ver se conseguimos.
Só depende de nós: se formos inteligentes, podemos vencer aquele homem
que comprou a ilha.

Todos se inclinaram sobre o mapa. Já estava praticamente seco, e os


jovens observavam-no com atenção. Não havia dúvida de que o castelo tinha
sido, antigamente, um belo edifício.

- Olhem, - disse o Júlio, pondo o dedo sobre a planta dos subterrâneos. -


Parece que se estendem por baixo de todo o castelo... e aqui... e também
aqui... estão umas marcas que devem representar degraus ou escadas.

- Sim, - disse a Zé. - Acho que é isso. Nesse caso, parece que  há duas
maneiras de descer para os subterrâneos. Uns degraus começam perto deste
quarto, os outros ficam por baixo da torre. E que será isto aqui, Júlio?

Apontou com o dedo para um círculo que aparecia não só na planta dos
subterrâneos, mas também na do piso térreo do castelo.

- Não sei o que será, - disse o Júlio, intrigado. - Ah, sim, já calculo o que
poderá ser! Disseste que havia um poço antigo em qualquer parte, não te
lembras? Bem, pode ser isso, acho eu. Teria de ser muito profundo e descer
abaixo do mar para ter água doce, por isso, talvez atravesse também
os subterrâneos. Não é emocionante?

Todos achavam que sim. Sentiam-se felizes e excitados. Havia qualquer


coisa para descobrir, qualquer coisa que eles podiam e deviam descobrir
enquanto estivessem na ilha.

Olharam uns para os outros.

- Muito bem, - disse o David. - Por onde começamos? Tentamos 


encontrar a entrada para os subterrâneos, aquela que parece ficar perto deste
quarto? Talvez haja uma grande pedra que se levante por cima das escadas
dos subterrâneos!

Era uma boa ideia, e os jovens ergueram-se de imediato. O Júlio dobrou


o precioso mapa e guardou-o no bolso. Olhou em redor. O pavimento de pedra
do pequeno quarto estava coberto de ervas. Tinham de as retirar para ver se
conseguiam levantar alguma pedra.

- O melhor é começarmos a trabalhar, - disse o Júlio, pegando numa pá.


- Vamos tirar estas ervas com as pás. Raspá-la, olhem, assim, e examinar
cada uma das pedras!

Todos pegaram nas pás e começaram a remover as ervas. Não era 


muito difícil desprendê-las das pedras, e os jovens trabalhavam com vontade.

O Tim ficou muito excitado com tudo aquilo. Não tinha a menor ideia do
que estavam a fazer, mas colaborava à sua maneira. Arranhava o pavimento
com as quatro patas, lançando terra e ervas pelo ar!

- Eh, Tim! - exclamou o Júlio, sacudindo um pedaço de terra do cabelo. -


Estás a exagerar um bocado. Daqui a pouco ainda arrancas as próprias
pedras! Zé, não achas fantástico o Tim ajudar-nos em tudo o que fazemos?

Todos trabalhavam sem descanso, na esperança de encontrar a entrada


para os subterrâneos! Era uma aventura emocionante!

12.
DESCOBERTAS FANTÁSTICAS

As pedras do pequeno quarto cedo ficaram limpas de terra, areia e


ervas. Os jovens viram que eram todas do mesmo tamanho, grandes e
quadradas, bem ajustadas umas às outras. Inspeccionaram-nas
cuidadosamente com as lanternas, tentando  encontrar uma que se movesse.

- Talvez encontremos uma pedra com uma argola de ferro, - disse o


Júlio.

Mas não encontraram. Todas as pedras eram exactamente iguais. Que


desapontamento! O Júlio tentou introduzir a pá nas fendas entre as
pedras, para verificar se conseguia mover alguma. Mas não se moviam.
Parecia que estavam todas assentes sobre a terra. Após cerca de três horas de
trabalho intenso, os jovens sentaram-se para comer. Na verdade, estavam
cheios de fome e sentiram-se satisfeitos ao pensar que tinham trazido muitos
alimentos. Enquanto comeram, discutiram o problema que estavam a tentar
resolver.

- Afinal, parece que a entrada para os subterrâneos não fica por baixo


deste quarto, - disse o Júlio. - É decepcionante, mas, pensando bem, acho que
as escadas para os subterrâneos não podem começar aqui. Vamos medir o
mapa para ver se conseguimos perceber onde ficam exactamente as escadas.
Claro que as medidas podem não estar certas, e isso não nos ajuda nada. Mas
vale a pena tentar.

Mediram o mapa o melhor que puderam, na esperança de descobrirem


o local exacto onde começavam as escadas para os subterrâneos. No entanto,
era impossível chegar a uma conclusão, pois as plantas dos três pisos
pareciam desenhadas em escalas diferentes. O Júlio olhou para o mapa,
intrigado. Parecia não haver solução. É claro que não podiam examinar o 
pavimento do castelo em toda a sua extensão! Isso demoraria uma eternidade!

- Olhem, - disse a Zé, de repente, apontando para o círculo que deveria


representar o poço. - A entrada para os subterrâneos parece que não fica muito
longe do poço. Se conseguíssemos encontrar o poço, só teríamos depois de 
procurar as escadas ali por perto. O poço aparece nas duas plantas. Fica mais
ou menos no centro do castelo.

- Boa ideia, - disse o Júlio, satisfeito. - Vamos até ao centro do castelo.


Não é difícil imaginar onde ficava o poço, visto que está assinalado no meio do
antigo pátio.

Saíram todos para a luz do Sol. Sentiam-se muito importantes. Era


maravilhoso andar à procura de lingotes de ouro perdidos. Tinham a certeza de
que os lingotes se encontravam algures por baixo dos seus pés. Não ocorria a
nenhum dos jovens que o tesouro podia não estar ali.

Encontravam-se agora no pátio em ruínas que fora outrora o centro do


castelo. Caminharam até ao meio do pátio e pararam, olhando em redor à
procura de qualquer coisa que parecesse a abertura do velho poço. Areia
trazida pelo vento e toda a espécie de ervas e arbustos cobriam grande parte
do pátio. As pedras que antigamente constituíam o pavimento do grande
pátio estavam rachadas e já não formavam uma superfície plana.

- Olhem! Está ali um coelho! - gritou o David, quando um grande coelho


atravessou lentamente o pátio.

Outro coelho apareceu, sentou-se, olhou para eles e acabou também


por desaparecer. Os jovens estavam maravilhados. Nunca tinham visto coelhos
tão mansos. Um terceiro coelho apareceu. Era pequeno, com orelhas enormes 
e uma cauda minúscula. Nem sequer olhou para eles. Pôs-se aos saltos como
se estivesse a brincar e depois, para encanto dos jovens, sentou-se sobre as
patas traseiras e começou a lavar as grandes orelhas, puxando para baixo uma
e a seguir a outra.

Era de mais para o Tim. Vira os outros dois atravessar o pátio e


desaparecer, limitando-se a ladrar. Mas olhar para aquele coelhinho ali sentado
a lavar as orelhas mesmo por baixo do seu nariz era demasiado para qualquer
cão. Deu um latido, excitado, e correu velozmente em direcção ao coelho.

Por um momento, o bichinho não se mexeu. Nunca fora assustado ou


perseguido, e fitou com os seus olhos enormes o cão que corria para ele.
Então, deu meia volta e partiu a toda a velocidade, com a cauda a mover-se
para cima e para baixo enquanto se afastava aos saltos.

Desapareceu por baixo de um arbusto que se encontrava perto dos


jovens. O Tim foi atrás dele, desaparecendo também por baixo do grande
arbusto. O Tim queria entrar na toca para onde o coelho fugira, escavava e
esgravatava com as suas fortes patas da frente, lançando para o ar uma
enorme quantidade de areia e terra. Latia e gania de excitação, parecendo não
ouvir a voz da Zé a chamá-lo. Estava decidido a apanhar aquele coelho!
Parecia louco a escavar a entrada da toca, que se tornava cada vez maior.

- Tim! Estás a ouvir!? Sai daí! - gritou a Zé. - Aqui não podes caçar os
coelhos! Sabes que não. És muito desobediente. Sai daí!

Mas o Tim não obedecia. Continuava a escavar cada vez mais 


desvairadamente. A Zé foi buscá-lo. Quando se aproximou, do arbusto, as
escavadelas, de repente, pararam. Depois de um latido de medo, não se ouviu
mais nenhum som. A Zé, surpreendida, espreitou para baixo do arbusto. O Tim
desaparecera! Já não estava ali. Via-se a toca do coelho, que Tim tornara
enorme, mas não havia sinal do Tim.

- Olha, Júlio, O Tim desapareceu, - disse a Zé, numa voz receosa. -


Com certeza que não entrou na toca do coelho, pois não? É um cão tão
grande!

Os jovens reuniram-se em volta do enorme arbusto. Ouviram o som de


um uivo abafado vindo lá de baixo. O Júlio ficou perplexo.

- O Tim entrou na toca! - disse ele. - Que estranho! Nunca ouvi dizer que
um cão pudesse entrar numa toca de coelho. Como havemos de o tirar de lá?
- Para começar, temos de cavar para tirar o arbusto, - disse a Zé, em
tom decidido. Se fosse preciso, ela escavaria toda a ilha de Kirrin para
encontrar o Tim! - Não podemos deixar o pobre Tim ali em baixo a ganir.
Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para o salvar.

O arbusto era muito grande e espinhoso para poderem rastejar por baixo


dele. O Júlio sentiu-se satisfeito por terem trazido ferramentas de toda a
espécie. Foi buscar um pequeno machado. Serviria para cortar o tronco e os
ramos espinhosos do arbusto. Os jovens começaram a decepá-lo, e depressa
o arbusto ficou num estado lastimável.

No entanto, foi preciso bastante tempo para o destruir, pois era muito


espinhoso e forte. Quando já quase nada restava do arbusto, as mãos dos
jovens estavam cheias de arranhões. Podiam agora ver muito bem o buraco. O
Júlio acendeu a lanterna e apontou-a lá para dentro. Soltou um grito de 
surpresa.

- Já sei o que aconteceu! O velho poço é aqui! Os coelhos tinham uma


toca ao lado do poço. O Tim escavou para a tornar maior, chegou até ao poço
e caiu lá para dentro!

- Oh, não! - exclamou a Zé, em pânico. - Oh, Tim, Tim! Estás bem?

Um ganido distante chegou-lhes aos ouvidos. Era evidente que o Tim


estava ali em qualquer parte. Os jovens entreolharam-se.

- Bem, só há uma coisa a fazer, - disse o Júlio. - Vamos buscar as pás e


destapar a entrada do poço. Depois, talvez possamos lançar uma corda para ir
buscar o Tim.

Começaram a cavar com as pás. Não foi difícil descobrir a abertura do


poço, que fora bloqueada apenas pelas raízes do enorme arbusto, terra, areia
e pequenas pedras. Parecia que uma grande laje tinha caído da torre, tapando
parcialmente o  poço. O mau tempo e a vegetação tinham feito o resto.

Só com o esforço de todos foi possível mover a laje. Por baixo havia


uma tampa de madeira muito apodrecida, que servira outrora para proteger o
poço. Estava tão apodrecida que cedera ao peso do Tim, abrindo-se um buraco
por onde ele caíra.

O Júlio retirou a velha tampa de madeira. Os jovens puderam espreitar


para dentro do poço. Era muito profundo e muito escuro. Nem conseguiam ver
o fundo. O Júlio pegou numa pedra e deixou-a cair para dentro do poço.
Ficaram à escuta. Mas não ouviram nada. Talvez já não tivesse água, ou era
tão fundo que nem se ouvia a pedra a cair dentro de água!

- Acho que é muito fundo para conseguirmos ouvir alguma coisa, - disse
o Júlio. - Mas onde estará o Tim?

Apontou a lanterna para baixo e ali estava o Tim! Muitos anos antes,


uma grande laje tinha caído para dentro do poço e ficara atravessada um
pouco abaixo da abertura. E era sobre essa velha laje que estava o Tim,
olhando para cima com os seus grandes olhos assustados. Não conseguia
perceber o que lhe tinha acontecido.

Havia uma escada de ferro presa ao bordo do poço. A Zé começou 


imediatamente a descer, sem pensar sequer se a escada aguentaria, e chegou
até junto do Tim. Conseguiu pô-lo sobre o seu ombro e, segurando-o com uma
das mãos, subiu devagar. Os outros três puxaram-na para fora do poço, e o
Tim começou aos saltos em volta dela, a ladrar e a dar-lhe lambidelas!

- Então, Tim! - Disse o David -, Não devias andar atrás dos coelhos, mas
acabaste por nos fazer um grande favor, porque encontraste o poço! Agora, só
temos de procurar por aqui para encontrar a entrada dos subterrâneos!

Puseram-se novamente à procura da entrada dos subterrâneos.


Escavaram um pouco aqui e ali, por baixo de todos os arbustos. Levantaram
pedras e enfiaram as pás na terra, na esperança de descobrirem algum túnel!
Era realmente emocionante! No entanto, foi a Ana quem encontrou a entrada!
Foi por acaso.

Sentiu-se fatigada e sentou-se a descansar. Inclinou-se para a frente e


esgravatou na areia. De repente, os seus dedos tocaram numa coisa dura e
fria. Retirou a areia que a cobria e era uma argola de ferro! Deu um grito e os
outros olharam para ela.

- Há aqui uma pedra com uma argola de ferro! - exclamou a


Ana, entusiasmada.

Correram todos para junto dela. O Júlio destapou a pedra com a pá. Era
verdade que tinha uma argola e só se põem argolas em pedras que têm de ser
movidas! Sem dúvida que era aquela pedra que cobria a entrada para os
subterrâneos!

Tentaram, um de cada vez, puxar pela argola de ferro, mas a pedra não
se moveu. Então, O Júlio atou uma corda à argola, e os quatro jovens puxaram
com toda a força. A pedra deslocou-se um pouco. Os jovens sentiram
perfeitamente que se movera.

- Outra vez, todos ao mesmo tempo! - gritou o Júlio.

E puxaram todos ao mesmo tempo. A pedra moveu-se novamente e, de


repente, cedeu e soltou-se tão inesperadamente que os jovens caíram uns por
cima dos outros como uma fila de pedras de dominó subitamente derrubada! O
Tim correu para a abertura e ladrou desvairadamente lá para dentro, como se
ali estivessem todos os coelhos do mundo!

O Júlio e a Zé levantaram-se e correram para a abertura que a pedra


deixara à vista. Ficaram ali a olhar para baixo, com os rostos a brilhar de
satisfação. Tinham encontrado a entrada dos subterrâneos! Um íngreme lanço
de degraus, talhados na própria rocha, descia para a escuridão.

- Vamos!, - gritou o Júlio, pegando na lanterna. - Encontrámos o que


queríamos! Os subterrâneos!
Os degraus eram escorregadios. O Tim foi o primeiro a entrar
velozmente, mas perdeu o equilíbrio e rolou cinco ou seis degraus, latindo
assustado. O Júlio foi a seguir, depois a Zé, o David e a Ana. Estavam
tremendamente emocionados. Na verdade, esperavam ver pilhas de ouro e
toda a espécie de tesouros em redor deles! Estava escuro ali em baixo e
cheirava muito a bolor. A Ana sentia-se um pouco incomodada.

- Espero que o ar aqui seja respirável, - disse o Júlio. - Ás  vezes nestes


subterrâneos o ar não é bom para respirar. Se alguém se sentir um bocado
esquisito, o melhor é dizer, para voltarmos para o ar livre.

No entanto, mesmo que sentissem falta de ar, nenhum teria dito nada.


Era tudo demasiado emocionante para se preocuparem com isso. As escadas
prolongavam-se até grande profundidade. Depois paravam. O Júlio desceu o
último degrau de pedra e moveu a lanterna em volta. Os seus olhos depararam
com um local muito estranho.

Os subterrâneos do castelo de Kirrin encontravam-se escavados na


própria rocha. Não se percebia, contudo, se eram grutas naturais ou se tinham
sido construídos por mãos humanas. Na verdade, eram muito misteriosos,
escuros e cheios de ecos. Quando o Júlio soltou uma exclamação de surpresa,
o som percorreu as reentrâncias rochosas e ecoou por toda a parte como se
estivesse vivo. Os jovens sentiram-se bastante inquietos.

- Não é estranho? - Disse a Zé, em voz baixa.

De imediato, os ecos multiplicaram as suas palavras e tornaram-nas


mais altas e todas as partes dos subterrâneos devolveram repetidamente as
palavras da rapariga: "Não é estranho, não é estranho, não é estranho.” A Ana
deu a mão ao David. Sentia-se assustada. Não gostava nada dos ecos. Sabia
que não passavam de ecos, mas soavam como vozes de pessoas escondidas
nas grutas!

- Onde estarão os lingotes? - disse o David.

E logo as grutas devolveram as suas palavras: "Lingotes! Lingotes!


Lingotes!” O Júlio riu. E o seu riso foi reproduzido em dúzias de risos diferentes
que provinham dos subterrâneos e rodeavam os jovens. Era realmente um
fenómeno muito invulgar.

- Vamos, - disse o Júlio. - Talvez não haja tantos ecos mais para diante.

"Para diante! Para diante!", repetiram os ecos.

Afastaram-se das escadas de pedra e exploraram as zonas mais 


próximas dos subterrâneos. Eram apenas caves feitas na rocha, estendendo-
se por baixo do castelo. Muitos anos antes, talvez servissem de masmorras
para prisioneiros, mas a maioria parecia ter sido aproveitada para armazéns.

- Só gostava de saber onde guardavam os lingotes, - disse o Júlio.


Parou e tirou o mapa do bolso. Iluminou-o com a lanterna.
Embora visse claramente o local marcado com a palavra "lingotes", não
sabia qual a direcção a seguir.

- Olhem! Há aqui uma porta fechada! - gritou o Júlio. - Aposto que é o


sítio de que estamos à procura! Aposto que os lingotes estão aqui!

13.

NOS SUBTERRÂNEOS

Quatro lanternas iluminaram a porta de madeira. Era enorme e sólida,


com grandes pregos de ferro. O Júlio deu um grito de satisfação e correu para
a porta. Estava certo de que era aquele o local que procuravam.

No entanto, a porta estava bem fechada. Por muito que a empurrassem


ou puxassem, não se abria. Tinha uma grande fechadura, mas sem chave! Os
quatro jovens olhavam desesperados para a porta. Que azar! Exactamente
quando pensavam estar perto dos lingotes, aquela porta não se abria!

- Vamos buscar o machado, - disse o Júlio. - Podemos cortar a madeira


à volta da fechadura para depois a abrirmos.

- Boa ideia! - disse a Zé, entusiasmada -, Vamos buscá-lo!

Deixaram a enorme porta e tentaram voltar pelo mesmo caminho que ali


os conduzira. Mas os subterrâneos eram tão grandes e tão sinuosos que já não
sabiam como regressar. Tropeçavam em velhas barricas partidas, tábuas
apodrecidas, garrafas vazias e muitas outras coisas, enquanto tentavam
encontrar o caminho para o grande lanço de escadas escavadas na rocha.

- Isto é terrível! - disse o Júlio, por fim. - Não faço a mínima ideia onde
fica a entrada. Andamos de um compartimento para outro, de um corredor para
outro, e todos parecem exactamente iguais, escuros e misteriosos.

- Imaginem que temos de ficar aqui o resto das nossas vidas! - disse a
Ana, com ar sombrio.

- Idiota! - disse o David, pegando-lhe na mão. - Depressa encontraremos


a saída. Olhem! Que é isto!

Todos pararam. Tinham chegado junto de algo que parecia uma 


chaminé de tijolos, descendo desde o tecto do subterrâneo até ao chão. O Júlio
apontou a lanterna, observando com ar intrigado.

- Já sei o que isto é! - disse a Zé, de repente. - Claro que é  o poço!


Devem lembrar-se de que estava indicado na planta dos subterrâneos, mas
também na do rés-do-chão. Isto é a parede do poço, que continua a descer até
mais fundo. Estou a pensar se não haverá aqui uma abertura, para levar a
água tanto aos subterrâneos como ao rés-do-chão.

Foram à procura. Do outro lado da parede do poço havia uma pequena


abertura, mas com dimensões suficientes para que cada  um dos jovens
conseguisse enfiar a cabeça e os ombros e olhar para baixo. Apontaram as
lanternas para cima e para baixo. O poço era tão profundo que era impossível
ver-lhe o fim. O Júlio voltou a largar uma pedra, mas não se ouviu som algum.
Olhou para cima e conseguiu ver a ténue luminosidade que passava além da
laje de pedra atravessada no cimo do poço, a laje onde o Tim ficara sentado, à
espera de ser salvo.

- Sim, isto é o poço, - concluiu. - Não é estranho? Bem, agora que


encontrámos o poço, sabemos que a entrada dos subterrâneos não está muito
longe!

Todos ficaram muito mais animados. Deram as mãos e avançaram na


escuridão, com as lanternas projectando raios de luz aqui e ali. A Ana soltou
um grito de alegria.

- Aqui está a entrada! Deve ser, porque vejo a luz do dia!

Os jovens dobraram uma esquina e, sem dúvida, ali estavam as 


íngremes escadas de pedra que conduziam à superfície. O Júlio lançou um
rápido olhar em volta, para fixar o caminho a seguir quando regressassem. Não
tinha a certeza de conseguir encontrar a porta de madeira!

Saíram todos para o ar livre. Era maravilhoso sentir o calor do sol,


depois de terem suportado o ar frio dos subterrâneos. O Júlio olhou para o
relógio e exclamou:

- São seis e meia! Seis e meia! Não admira que esteja com fome. Não
lanchámos. Andámos horas à procura da entrada e depois lá em baixo nos
subterrâneos.

- Bem, vamos fazer uma espécie de lanche ajantarado antes de mais


nada, - disse o David. - Até parece que não como nada há mais de um ano.

- Bem, considerando que ao almoço comeste duas vezes mais do que


cada um de nós, - principiou o Júlio, indignado. Mas, depois, sorriu e disse: -
Também sinto o mesmo. Vamos preparar uma boa refeição! Zé, que achas se
puséssemos a chaleira ao lume e fizéssemos cacau? Estou com frio, depois de
tanto tempo nos subterrâneos.

Foi divertido pôr a chaleira a ferver numa fogueira de ramos secos. Foi


delicioso sentir o calor do sol poente, enquanto comiam pão com queijo, bolo e
biscoitos. O Tim também teve uma boa refeição. Não gostara muito de estar
nos subterrâneos, andara sempre de cauda caída, sem se afastar dos quatro 
jovens.  Ficara também muito assustado com os ecos. Tinha ladrado uma vez,
parecendo-lhe então que os subterrâneos  estavam cheios de outros cães,
todos a ladrarem mais alto do que ele. Depois disso, não se atrevera sequer a
ganir! No entanto, agora estava outra vez contente, a saborear os bocadinhos
de comida que os jovens lhe ofereciam e a dar lambidelas na Zé sempre que
podia. Já passava das oito horas quando acabaram de comer. O Júlio olhou
para os outros. O Sol descia no horizonte, e a tarde ia arrefecendo.

- Bem, não sei o que acham, - disse ele. - Mas a mim não me apetece
voltar hoje aos subterrâneos, nem sequer pensando que podíamos arrombar
aquela porta com o machado e abri-la! Estou cansado. Além disso, não me
agrada a ideia de nos perdermos nos subterrâneos à noite.

Os outros concordaram inteiramente, sobretudo a Ana, que já receava,


embora sem dizer nada, voltar lá abaixo outra vez, agora que a noite se
aproximava. A rapariguinha estava quase a dormir, ficara muito cansada com o
trabalho intenso e a emoção daquele dia.

- Vamos, Ana, - disse a Zé. - É altura de dormir. Ficaremos bem


aconchegadas em cobertores no chão daquele quartinho. E, de manhã, quando
acordarmos, iremos abrir aquela enorme porta de madeira.

Os quatro jovens, acompanhados de perto pelo Tim, dirigiram-se para o


pequeno quarto de pedra. Enrolaram-se em montes de cobertores, e o Tim
juntou-se à Zé e à Ana. Deitou-se por cima delas, fazendo tanto peso sobre as
pernas da Ana que esta teve de o afastar. Então, a Zé puxou-o para junto de si
e ficou a senti-lo respirar. Estava muito feliz. Era a sua noite na ilha. E não
duvidava que estavam prestes a encontrar os lingotes. O Tim encontrava-se
junto dela, a dormir nos cobertores. Afinal, talvez tudo acabasse bem.

Adormeceu. Os jovens sentiam-se em segurança com o Tim a guardá-


los. Dormiram tranquilamente até de manhã, altura em que o Tim viu um coelho
através da entrada do quarto e desatou a correr atrás dele. Ao levantar-se,
acordou a Zé, que se sentou e esfregou os olhos.

- Acordem! - gritou para os outros. - Acordem todos! Já é de manhã! E


estamos na ilha!

Todos acordaram. Era realmente emocionante acordar e recordar tudo o


que acontecera no dia anterior. O Júlio pensou logo na grande porta de
madeira. Tinha a certeza de que em breve a arrombaria com o machado. E,
então, que encontrariam?

Tomaram o pequeno-almoço com o maior dos apetites. Depois, o Júlio


pegou no machado e conduziu todos até às escadas dos subterrâneos. O Tim
foi também, a abanar a cauda, mas não muito satisfeito com a ideia de voltar
àqueles estranhos lugares onde os outros cães pareciam ladrar, mas
não apareciam. O pobre Tim nunca compreenderia o que eram os ecos!

Desceram todos aos subterrâneos novamente. E não conseguiram, é


claro, encontrar o caminho para a porta de madeira! Foi uma desilusão.

- Vamos perder-nos outra vez, - disse a Zé. - Estes subterrâneos são um


autêntico labirinto!

O Júlio teve uma ideia brilhante. Pegou num pedaço de giz branco que
trazia no bolso e voltou até junto das escadas, fazendo aí uma marca na
parede. Depois, começou a fazer marcas com giz ao longo dos corredores
escuros por onde passavam.

Chegaram ao poço. O Júlio sentia-se satisfeito.

- Sempre que chegarmos ao poço, - declarou, - pelo menos saberemos


o caminho de regresso às escadas, através das marcas de giz. O problema
agora é descobrirmos o caminho a seguir. Faremos tentativas e eu porei
marcas de giz nas paredes, mas se formos pelo caminho errado e tivermos de
voltar para trás, apagaremos as marcas e começaremos a partir do poço
noutra direcção.

Era realmente uma excelente ideia. Seguiram por um caminho errado e


tiveram de voltar para trás, apagando as marcas feitas pelo Júlio. Chegaram ao
poço e partiram na direcção oposta. E desta vez, encontraram a porta de
madeira! Ali estava, enorme e sólida, com os velhos pregos vermelhos de 
ferrugem. Os jovens fitaram-na cheios de curiosidade. O Júlio ergueu o
machado.

Aplicou um golpe na madeira, junto da fechadura. No entanto, a


madeira ainda era forte, e o machado só penetrou três ou quatro centímetros.
O Júlio deu mais um golpe. O machado tocou num dos pregos e escorregou
um pouco para o lado. Uma grande lasca de madeira voou e atingiu o David na
face! Ele deu um grito de dor. O Júlio, alarmado, voltou-se e olhou para  ele. A
face do David sangrava!

- Uma coisa saltou da porta e atingiu-me, - disse o pobre David. - Uma


lasca de madeira ou qualquer coisa parecida.

- Caramba! - exclamou o Júlio, apontando a lanterna para o David. -


Deixas que eu tire a lasca? É bastante grande e ainda está enterrada na carne.

No entanto, o próprio David a tirou. Fez uma careta de dor e ficou muito
pálido.

- É melhor ires apanhar ar - disse o Júlio. - E temos de lavar-te a ferida e


fazer com que pare de sangrar. A Ana tem um lenço limpo. Molhamos o lenço e
limpamos a ferida. Ainda bem que trouxemos água.

- Eu vou com o David - disse a Ana. - Tu ficas aqui com a Zé. Não
precisamos de ir todos.

Mas o Júlio pensou que seria preferível acompanhar o David até ao


exterior, podendo depois deixá-lo com a Ana e voltar para junto da Zé para
continuarem a arrombar a porta. Entregou o machado à Zé.

- Podes dar algumas machadadas enquanto eu vou com eles, - disse


ele. - Demorará algum tempo até conseguirmos dar cabo  dessa porta.
Continua, que eu já volto daqui a alguns minutos. Conseguiremos encontrar
facilmente o caminho da entrada, porque só teremos de seguir as minhas
marcas de giz.
- Está bem! - disse a Zé, pegando no machado. - Coitado do David,
parece que ficou mesmo abalado.

Deixando a Zé com o Tim, enquanto esta continuava a desferir golpes


na enorme porta, o Júlio levou o David e a Ana para o ar livre. A Ana molhou o
lenço na água da chaleira e limpou suavemente a face do David. Sangrava
bastante, mas a ferida não era muito profunda. O David depressa recuperou as
cores e quis voltar logo para os subterrâneos.

- Não, é melhor deitares-te durante algum tempo, - disse o Júlio. - Sei


que isso faz bem quando se sangra do nariz, e talvez seja bom também para
as feridas na cara. E se a Ana e tu fossem ali para as rochas, donde podem ver
os destroços do navio, e ficassem lá durante uma meia hora! Vamos, eu levo-
vos até lá. Rapaz, é melhor não te levantares enquanto essa ferida não parar
de sangrar.

O Júlio conduziu os dois para fora do pátio do castelo, em direcção às


rochas da parte da ilha que dava para o mar alto. O casco escuro do velho
navio ainda estava ali sobre as rochas. O David deitou-se de costas e olhou
para o céu, esperando que a sua face depressa parasse de sangrar.
Não queria perder nada da aventura!

A Ana pegou-lhe na mão. Estava muito preocupada com aquele 


pequeno acidente e, embora também não quisesse perder a aventura,
tencionava ficar junto do David até ele se sentir melhor. O Júlio sentou-se ao
lado deles durante uns momentos. Depois regressou às escadas dos
subterrâneos e desapareceu.

Seguiu as marcas de giz e chegou ao local onde a Zé estava


às machadadas à porta. Ela tinha já desfeito uma grande parte em volta da
fechadura, mas a porta não cedia. O Júlio pegou no machado e começou a dar
fortes golpes na madeira. Depois de alguns golpes, a fechadura ficou mais
solta, tombando um pouco para o lado. O Júlio pousou o machado.

- Acho que já conseguimos abrir a porta, - disse ele, num tom de voz
emocionado. - Sai da frente, Tim. Agora, Zé, empurra!

Ambos empurraram, e a porta cedeu dando um estalido.  A enorme


porta rangeu ao abrir-se. Os dois jovens entraram, com as lanternas acesas. O
compartimento parecia uma gruta escavada na rocha, mas lá dentro estava
algo muito diferente dos velhos barris e caixotes que os jovens tinham já
encontrado noutras partes dos subterrâneos. Ao fundo, amontoados
desordenadamente, encontravam-se curiosos objectos em forma de tijolo feitos
de um metal baço amarelo acastanhado. O Júlio pegou num deles e gritou:

- Zé! Os lingotes! São de ouro autêntico! Sei que não parecem de ouro,
mas são. Zé, está aqui uma pequena fortuna. E é tua! Por fim, encontrámos o
que procurávamos.

14.
PRISIONEIROS!

A Zé estava sem palavras. Ficou a olhar para o monte de lingotes,


segurando um entre as mãos. Mal conseguia acreditar que aqueles estranhos
objectos em forma de tijolo fossem realmente de ouro. Sentia o coração bater
muito depressa. Que descoberta maravilhosa! De repente, o Tim começou a
ladrar ruidosamente. Estava de costas para os jovens, com o focinho voltado
para a porta, e não parava de ladrar!

- Cala-te, Tim, - disse o Júlio. - Estás a ouvir alguma coisa? São os


outros que vêm aí? .

Dirigiu-se à porta e gritou para o corredor: "David! Ana! São vocês?


Venham depressa, porque encontramos os lingotes! Encontrámos os lingotes!
Viva! Viva!”

O Tim parou de ladrar e começou a rosnar. A Zé ficou intrigada.

- Que se passa, Tim? - perguntou. - Com certeza que ele não rosnava


se fossem o David e a Ana.

Os jovens apanharam um susto tremendo, porque a voz de um homem


veio do fundo do corredor escuro, fazendo estranhos ecos por toda a parte.

- Quem está aqui? Quem está aqui em baixo?

A Zé, assustada, agarrou o braço do Júlio. O Tim continuou a rosnar,


com o pêlo eriçado.

- Está calado, Tim, - sussurrou a Zé, apagando a lanterna.

Mas o Tim não se calava. Continuava a rosnar de tal maneira que


parecia um pequeno trovão. Os jovens viram a luz de uma potente lanterna
surgir ao fundo do corredor. Depois, os raios luminosos incidiram sobre eles e a
pessoa que trazia a lanterna parou.

- Mas que surpresa! - disse uma voz. - Vejam quem está aqui! Duas
crianças nos subterrâneos do meu castelo.

- Este castelo não é seu! - gritou a Zé.

- Ora, minha querida menina, é o meu castelo, porque vou comprá-lo, -


disse a voz.

Então, outra voz também falou, mais áspera.

- Que estão a fazer aqui em baixo? Por quem estavam a chamar quando


gritaram "David" e "Ana", e disseram que tinham  encontrado os lingotes? Que
lingotes?

- Não respondas, - segredou o Júlio à Zé.


No entanto, os ecos transportaram as suas palavras e reproduziram-nas
muito alto no corredor: "Não respondas! Não respondas!”

- Ah, não querem responder!, - disse o segundo homem, aproximando-


se dos jovens.

O Tim mostrou os dentes, mas o homem não pareceu nada assustado.


Dirigiu-se para a porta e apontou a lanterna para dentro do compartimento. Deu
um grande assobio de surpresa.

- Jake! Anda ver isto!, - disse ele. - Tinhas razão. O ouro está realmente
aqui. E vai ser muito fácil levá-lo! Todo em lingotes! Caramba, isto é fantástico!

- O ouro é meu, - disse a Zé, furiosa. - Esta ilha e este castelo


pertencem à minha mãe, assim como tudo o que se encontra aqui. Este ouro
foi trazido para aqui e guardado pelo meu tetravô, antes de o navio dele
naufragar. Não é vosso, nem nunca será. Logo que chegar a casa direi aos
meus pais que o encontrámos, depois, podem ter a certeza de que não
comprarão o castelo ou a ilha! Foram muito espertos, quando perceberam que
havia aqui ouro através do mapa daquela caixa velha. Mas não tão espertos
como nós. Nós encontrámos o ouro primeiro!

Os homens ouviram em silêncio a voz clara e furiosa da Zé. Um deles


riu-se e disse:

- Não passas de uma miúda. Pensas que nos impedes de obter o que
queremos? Vamos comprar esta ilha, assim como tudo o que nela existe, e
levaremos o ouro depois de assinarmos o contrato. E ainda que não
consigamos comprar a ilha, levaremos o ouro na mesma. É muito fácil trazer
aqui um navio e transferir os lingotes do barco para o navio. Verás que ficamos
com o ouro para nós.

- Não ficam! - disse a Zé, saindo pela porta. - Vou já para casa e


contarei ao meu pai tudo o que disseram.

- Minha querida menina, nem penses que vais para casa, - disse o
primeiro homem, empurrando a Zé para trás. - E, já agora, se não queres que
dê um tiro neste maldito cão, manda-o calar, está bem?

A Zé viu que o homem tinha um revólver na mão. Assustada agarrou na


coleira do Tim e disse:

- Está calado, Tim. Não há problema.

No entanto, o Tim sabia muito bem que havia ali um problema. Qualquer
coisa estava errada. Continuou a rosnar ameaçadoramente.

- Agora, escuta, - disse o homem, depois de ter falado rapidamente com


o seu companheiro. - Se fores razoável, nada de mal te acontecerá. Mas se
fores teimosa, vais arrepender-te. Faremos o seguinte: partiremos no nosso
barco a motor, deixando-vos aqui bem fechados, e voltaremos com um navio
para levar o ouro. Achamos que não vale a pena comprar a ilha, agora que
sabemos onde estão os lingotes.

- Além disso, vão escrever um bilhete aos vossos companheiros que


estão lá em cima, a dizer que encontraram o ouro e para eles virem aqui vê-lo,
disse o outro homem. Depois, vamos fechá-los todos neste compartimento,
com os lingotes para se entreterem, e deixar aqui comida e bebida suficiente
até nós voltarmos. Agora, aqui tens um lápis. Escreve um bilhete ao David e à
Ana, que nós nem sabemos quem são, e manda o teu cão entregá-lo. Vamos.

- Não escrevo, - disse a Zé, furiosa. - Não escrevo. Não podem obrigar-


me a fazer isso. Não vou chamar o David e a Ana para  ficarem prisioneiros. E
não deixarei que fiquem com o meu ouro, exactamente agora que acabei de o
descobrir.

- Daremos um tiro no teu cão se não fizeres o que te dizemos, -


ameaçou o primeiro homem.

A Zé sentiu um aperto no coração.

- Não, não, - disse em voz baixa, desesperada.

- Então, escreve o bilhete, - ordenou o homem, estendendo-lhe um lápis


e papel. - Vamos. Eu digo-te o que tens de escrever.

- Não posso! - disse a Zé, soluçando. - Não quero que o David e a Ana
fiquem aqui prisioneiros.

- Está bem. Então, vou matar o cão, - disse o homem, com frieza, ao


mesmo tempo que apontava o revólver para o pobre Tím.

A Zé abraçou-se ao cão e deu um grito.

- Não, não! Eu escrevo o bilhete. Não mate o Tím, não o mate!

A rapariga pegou no papel e no lápis com as mãos trémulas e olhou


para o homem.

- Escreve isto, - ordenou ele. - "David e Ana. Encontrámos o ouro.


Venham depressa vê-lo." Agora, assina o teu nome.

A Zé escreveu o que homem tinha dito. Depois assinou. No entanto, em


vez de escrever "Zé", assinou "Maria José".  Sabia que os outros perceberiam
que ela nunca assinaria daquela maneira e esperava que isso fosse um aviso
de que qualquer coisa estranha estava a acontecer. O homem pegou no bilhete
e prendeu-o na coleira do Tím. O cão não parava de rosnar, mas a Zé dizia-lhe
para não morder.

- Agora, diz-lhe para ir ter com os teus amigos, - ordenou o homem.

- Vai ter com o David e a Ana, - disse a Zé. - Vai, Tim. Entrega o bilhete
ao David e à Ana.
O Tim não queria deixar a Zé, mas havia qualquer coisa de muito
urgente na voz dela. Lançou um último olhar à dona, deu-lhe uma lambidela na
mão e começou a correr pelo corredor. Já conhecia o caminho. Depois de subir
as escadas de pedra, saiu para o ar livre. Parou no velho pátio, a farejar.
Onde estavam o David e a Ana? Descobriu-lhes o rasto e seguiu-o a correr,
com o nariz rente ao chão. Depressa encontrou os dois jovens, que estavam
nas rochas. O David já se sentia melhor. A sua face quase parara de sangrar.

- Olha! - Exclamou ele, surpreendido, quando viu o Tim. - Está aqui o


Tim! Ora, Tim, por que vieste ver-nos? Ficaste cansado de estar lá em baixo no
escuro?

- David, ele tem qualquer coisa presa na coleira, - disse a Ana, ao ver o
papel. - É um bilhete. Devem ser eles a dizer para descermos. O Tim é tão
esperto que foi capaz de o trazer.

O David tirou o papel da coleira do Tim. Desdobrou-o e leu em voz alta:

"David e Ana. Encontrámos o ouro. Venham depressa vê-lo.

Maria José.”

- Oh!, - exclamou a Ana, radiante. - Encontraram-no. Oh, David! Já te


sentes melhor? Vamos depressa!

No entanto, o David não se levantou das rochas. Ficou sentado a olhar


para o bilhete, com um ar intrigado.

- Que aconteceu? - perguntou a Ana, impaciente.

- Não achas estranho a Zé assinar "Maria José"? - disse o David. -


Sabes que ela detesta ser uma rapariga e ter nome de rapariga. Lembra-te de
que ela nunca responde quando lhe chamam Maria José. E neste bilhete
assina com o nome que ela detesta. Parece-me um bocado esquisito. Parece
quase um aviso de que qualquer coisa está a correr mal.

- Oh, não sejas idiota, David, - disse a Ana. - O que poderia  correr mal?
Vamos.

- Ana, gostava de ir à baía para ver se chegou mais alguém à ilha, -


disse o David. - Tu ficas aqui.

Mas a Ana não queria ficar sozinha. Acompanhou o David ao longo da


costa, ao mesmo tempo que continuava a dizer que ele estava a ser muito
estúpido. No entanto, quando chegaram ao pequeno porto, viram que estava lá
outro barco, além do que lhes pertencia. Era um barco a motor! Havia mais
alguém na ilha!

- Olha, - disse o David, num murmúrio. - Está mais alguém aqui. Aposto


que são os homens que querem comprar a ilha. De certeza que viram aquele
mapa velho e sabem que há ouro aqui. Devem ter encontrado a Zé e o Júlio, e
querem fechar-nos nos  subterrâneos para poderem roubar o ouro à vontade.
Foi por isso que obrigaram a Zé a mandar um bilhete, mas ela assinou com um
nome que nunca usa, para nos avisar! Agora, temos de pensar muito bem. Que
vamos fazer?

15.

DAVID EM MISSÃO DE SOCORRO!

David pegou na mão da Ana e levou-a rapidamente para longe da baía.


Receava que as pessoas que tinham chegado à ilha estivessem ali perto e
pudessem vê-los. O rapaz levou Ana para o pequeno quarto de pedra onde
guardavam as coisas e sentaram-se num canto.

- Quem quer que tenha chegado descobriu o Júlio e a Zé a arrombar


aquela porta, acho eu - disse o David, em voz baixa.

- Não sei o que fazer. Não podemos ir para os subterrâneos, senão de


certeza que seremos apanhados. Olha, para onde vai o Tim?

O cão ficara com eles por uns instantes, mas depois correu para a
entrada dos subterrâneos e desceu pelas escadas. Queria voltar para junto da
Zé, pois sabia que ela corria perigo. O David e a Ana viram-no desaparecer.
Sentiam-se protegidos quando ele estava presente e agora tinham pena de ele
se ter ido embora. Não sabiam realmente que fazer. Então, a Ana teve uma
ideia.

- Já sei! - exclamou. - Voltamos para terra no nosso barco e pedimos


ajuda.

- Tinha pensado nisso - disse o David, com ar sombrio. - Mas sabes


perfeitamente que nunca conseguiríamos passar por entre aquelas rochas
horríveis. Iríamos ao fundo com o barco. Além disso, não temos força suficiente
para remar durante tanto tempo. Oh, se ao menos soubéssemos o que fazer!

Não precisaram de dar voltas à cabeça durante muito tempo. Os dois


homens saíram dos subterrâneos e começaram à procura dos jovens! Vendo o
Tim regressar, verificaram que ele já não levava o bilhete. Por isso, sabiam que
os jovens o tinham recebido, mas não imaginavam por que razão não acediam
ao pedido, da Zé e não desciam aos subterrâneos! David ouviu as vozes deles.
Agarrou no braço da Ana para que esta não fizesse barulho. Viu, através do
arco partido da entrada, que os homens se encaminhavam na direcção oposta.

- Ana! Sei onde podemos esconder-nos! - Disse o rapaz. - Naquele poço


velho! Podemos descer alguns degraus da escada de ferro e escondermo-nos.
Tenho a certeza de que ninguém irá ali procurar!

A Ana não queria, de forma alguma, entrar para dentro do poço, nem


que fosse para descer apenas alguns degraus. Mas o David puxou-a para que
se levantasse e levou-a apressadamente para o meio do pátio. Os homens
andavam à procura deles no outro lado do castelo. Só havia tempo para saltar
para dentro do poço.

David afastou a velha tampa de madeira e ajudou a Ana a descer pela


escada. Ela estava cheia de medo. Depois, o rapaz desceu também e arrastou
novamente a tampa, o melhor que pôde, para a colocar no seu lugar. A velha
laje de pedra onde o Tim ficara sentado quando caíra no poço ainda lá estava.
David saltou para cima dela e verificou se era segura. A laje não se moveu.

- Podes sentar-te nesta pedra, Ana, - murmurou o David, - para não


ficares aí na escada.

A Ana sentou-se na laje de pedra que estava atravessada no poço, na


esperança de que não fossem descobertos. Continuavam a ouvir as vozes dos
homens, ora perto, ora mais afastadas. A certa altura, os homens começaram a
chamá-los aos gritos.

- David! Ana! Os outros estão à vossa espera! Onde se meteram?


Temos boas notícias para vos dar!

- Então, por que não deixam o Júlio e a Zé virem dar-nos as boas


notícias? - sussurrou o David. - Há qualquer coisa que não está bem, tenho a
certeza. Quem me dera que pudéssemos falar com o Júlio e a Zé para
sabermos o que aconteceu.

Os dois homens foram para o pátio. Estavam furiosos.

- Onde se terão enfiado aqueles miúdos? - disse o Jake. - O barco deles


ainda está na baía, por isso não se foram embora.

Devem estar escondidos em qualquer parte. Não podemos esperar o dia


todo por eles.

- Bem, vamos levar alguma comida e bebida para os dois que 


prendemos lá em baixo, - disse o outro homem. - Há muitos alimentos naquele
quarto de pedra. Suponho que foram os miúdos que os trouxeram. Deixamos
metade no quarto para os outros dois miúdos. E levamos connosco o barco
deles, para que não possam fugir.

- Está bem, - disse o Jake. - O que temos a fazer é levar o ouro o mais
depressa possível e garantir que os miúdos ficam presos até nos safarmos.
Depois já não teremos de nos preocupar com a compra da ilha. Afinal, foi só
para ficarmos com os lingotes que tivemos a ideia de comprar o castelo e a ilha
de Kirrin.

- Então, vamos, - disse o companheiro. - Levamos a comida para baixo


e não nos preocupamos com os outros miúdos. No entanto, podes ficar aqui e
ver se os descobres enquanto vou aos subterrâneos.

O David e a Ana mal se atreveram a respirar enquanto ouviram tudo


isto. Só esperavam que os homens não se lembrassem de espreitar para
dentro do poço! Ouviram um dos homens encaminhar-se para o pequeno
quarto de pedra. Era evidente que ia buscar comida para levar aos dois
prisioneiros que estavam nos subterrâneos. O outro homem permanecia no
pátio a assobiar baixinho. O primeiro homem regressou passado algum tempo,
que pareceu uma eternidade para os jovens escondidos. Os dois homens 
trocaram algumas palavras e depois partiram em direcção à baía, David ouviu
o ruído do barco a motor.

- Já podemos sair, Ana, - disse ele. - Não está frio aqui em baixo? Que
bom ir lá para fora apanhar sol!

Saíram do poço e ficaram a aquecer-se sob o sol quente de Verão.


Conseguiam ver o barco a motor que se dirigia para terra.

- Bem, já se foram embora, - disse o David. - E não levaram o nosso


barco, ao contrário do que tinham dito. Se pudéssemos libertar o Júlio e a Zé,
íamos buscar ajuda, porque a Zé podia levar-nos de barco.

- E o que nos impede de os libertar? - disse a Ana. - Podemos descer


aos subterrâneos e abrir a porta, não podemos?

- Não, não podemos, - disse o David. - Olha!

A Ana olhou para onde ele apontava. Viu que os homens tinham 
amontoado grandes lajes de pedra por cima da entrada para os subterrâneos.
O David e a Ana não conseguiriam tirá-las dali.

- É impossível descer pelas escadas, - disse o David. - Eles fizeram isto


para nos impedir de descer! E nós não fazemos a menor ideia onde fica a outra
entrada. Só sabemos que é perto da torre.

- Vamos procurá-la, - disse a Ana, ansiosamente.

Dirigiram-se para a torre, que ficava do lado direito do castelo. No


entanto, ainda que tivesse existido antigamente uma entrada, agora
desaparecera! O castelo desmoronara-se naquele local, havendo montes de
pedras quebradas por toda a parte, impossíveis de remover. Os jovens cedo
desistiram de procurar.

- Bolas! - Disse o David. - Detesto pensar que o Júlio e a Zé estão


prisioneiros lá em baixo e nós não podemos ajudá-los! Ana, não te lembras de
nada que possamos fazer?

- David! Acho... acho que podemos descer pelo poço, não podemos? -


perguntou ela. - Há uma abertura na parede do poço que dá para os
subterrâneos. Não te lembras de que conseguimos lá enfiar a cabeça e olhar
cá para cima? Não podemos descer para além daquela pedra que está
atravessada no poço?

David analisou essa possibilidade. Dirigiu-se para o poço e olhou para


baixo.

- Acho que tens razão, Ana, - concordou, por fim. - Talvez seja possível


passarmos pelo espaço entre a pedra e a parede do poço. Não sei até onde
chega a escada de ferro.

- David, vamos tentar, - disse a Ana. - É a nossa única oportunidade de


os salvarmos!

- Está bem, - retorquiu o David. - Eu tento, mas tu não. Não quero que


caias naquele poço. A escada pode estar partida a meio do caminho, pode
acontecer qualquer coisa. Ficas aqui em cima e eu vejo o que posso fazer.

- Tem cuidado, está bem? - disse a Ana, ansiosamente. - Leva uma


corda. Se precisares dela, não terás de subir para a vir buscar.

- Boa ideia, - disse o David.

Foi ao pequeno quarto de pedra e agarrou numa corda que tinham 


guardado. Enrolou-a à volta da cintura. Depois regressou para junto da Ana.

- Cá vou eu! - disse ele, num tom de voz alegre. - Não te preocupes.
Correrá tudo bem.

A Ana estava um bocado pálida. Tinha muito medo de que o David 


caísse para o fundo do poço. Viu-o descer pela escada de ferro até à laje de
pedra. Tentou esgueirar-se pelo espaço existente, mas era muito difícil. Por
fim, conseguiu. Depois disso, a Ana deixou de o ver. Mas conseguia ouvi-lo,
pois continuava a falar com ela.

- A escada continua firme, Ana! Estou bem. Consegues ouvir-me?

- Sim, - gritou a Ana para dentro do poço, ouvindo a sua voz ecoar


profundamente. - Tem cuidado, David. Só espero que a escada chegue até aos
subterrâneos.

- Acho que chega! - respondeu o David, gritando. Depois, exclamou: -


Bolas! Aqui está partida. Ou então termina aqui. Terei de usar a corda.

Houve um silêncio enquanto o David desenrolava a corda da cintura.


Atou-a firmemente ao penúltimo varão de ferro da escada, que parecia
bastante forte.

- Vou descer pela corda! - Gritou para a Ana. - Não te preocupes. Estou
bem. Cá vou eu!

A Ana já não conseguiu perceber o que David disse a partir de então,


porque o poço distorcia as palavras e tornava-as completamente
incompreensíveis. Mas ainda bem que continuava a ouvi-lo gritar, mesmo sem
saber o que dizia. Ela gritava também, esperando que ele conseguisse ouvi-la.

O David desceu pela corda, agarrando-se com as mãos, os joelhos e os


pés, satisfeito por ser tão bom em ginástica na escola. Pensou se estaria perto
dos subterrâneos. Parecia que tinha descido demais. Conseguiu pegar na
lanterna. Depois  de acesa, colocou-a entre os dentes, para ficar com as
mãos livres para se segurar na corda. A luz da lanterna mostrava-lhe as
paredes do poço. Mas não conseguia perceber se estava acima ou abaixo dos
subterrâneos. Não queria ir até ao fundo do poço!

Concluiu que já devia ter passado pela abertura que dava para os
subterrâneos. Voltou a subir um pouco pela corda e verificou que tinha razão. A
abertura estava mesmo por cima da sua cabeça. Subiu até ficar ao mesmo
nível e depois deu um impulso para o lado do poço onde estava a pequena
abertura. Conseguiu agarrar-se ao rebordo de tijolo e tentou enfiar-se pela
abertura para entrar nos subterrâneos.

Era difícil, mas conseguiu entrar, por fim, e pôs-se de pé com um suspiro
de alívio. Estava nos subterrâneos! Podia agora seguir as marcas de giz até ao
local onde estavam os lingotes e tinha a certeza de que era também aí que
estavam aprisionados a Zé e o Júlio! Apontou a lanterna para a parede. Sim, ali
estavam as marcas de giz. Óptimo! Enfiou a cabeça na abertura do poço e
gritou com toda a força:

- Ana! Estou nos subterrâneos! Fica de vigia para ver se os homens


voltam!

Começou a seguir as marcas brancas de giz, com o coração a bater


aceleradamente. Pouco tempo depois, chegou à porta onde o ouro estava
guardado. Como esperava, encontrava-se fechada para que a Zé e o Júlio não
pudessem sair. Os grandes ferrolhos da porta tinham sido corridos tanto em
cima como em baixo, tornando impossível abri-la pelo lado de dentro. Os 
jovens haviam tentado tudo para a arrombar, mas sem resultado. Estavam
sentados lá dentro, sentindo-se furiosos e exaustos.

O homem trouxera-lhes comida e bebida, mas eles não lhe tinham 


tocado. O Tim estava junto deles, deitado com a cabeça sobre as patas, um
pouco zangado com a Zé por esta não o ter deixado atirar-se aos homens. Mas
a Zé tinha a certeza de que eles dariam um tiro no cão se ele tentasse morder-
lhes.

- Felizmente que eles perceberam que não deviam vir cá abaixo - disse
a Zé. - Com certeza repararam que havia qualquer coisa estranha naquele
bilhete, quando viram que assinei  Maria José, em vez de Zé. Que estarão eles
a fazer? Devem ter-se escondido.

O Tim, de repente, rosnou. Pôs-se de pé e aproximou-se da porta, com


a cabeça inclinada. Ouvira qualquer coisa, disso não havia dúvida.

- Espero que não sejam aqueles homens outra vez, - disse a Zé.

Depois, à luz da lanterna, olhou para o Tim, surpreendida. Estava a


abanar a cauda! Uma grande pancada na porta fê-los dar um salto!
Depois ouviram a voz alegre do David:

- Júlio! Zé! Estão aí!

Uauf! Ladrou o Tim alegremente, arranhando a porta.


- David! Abre a porta! - gritou o Júlio. - Depressa, abre a porta!

16.

UM PLANO ARRISCADO

David puxou os ferrolhos de cima e de baixo e abriu a porta. Entrou a


correr e deu alegremente palmadas nas costas da Zé e do Júlio.

- Então, como se sentem por estarem salvos? - perguntou.  - Muito bem!


- exclamou o Júlio.

O Tim ladrava desenfreadamente em volta deles. A Zé sorriu para o


David.

- Bom trabalho! - disse ela. - Que aconteceu?

O David contou em poucas palavras tudo o que acontecera. Quando


disse como descera pelo velho poço, a Zé e o Júlio mal conseguiam acreditar
no que ouviam. O Júlio pôs o braço em cima dos ombros do seu irmão mais
novo.

- És formidável! - disse-lhe. - Realmente formidável! Agora temos de


decidir rapidamente o que vamos fazer.

- Bem, se eles nos deixaram o nosso barco, vamos para casa o mais
depressa possível, - disse a Zé. - Não quero brincadeiras com estes homens
que andam sempre de revólver na mão. Vamos! Subimos pelo poço e vamos
para o barco.

Correram para o poço e esgueiraram-se pela pequena abertura um de


cada vez. Subiram pela corda e depressa alcançaram a escada de ferro. O
Júlio decidiu que deviam subir um de cada vez, pois a escada poderia não
aguentar o peso dos três ao mesmo tempo. Não levaram muito tempo a chegar
ao ar livre. Deram abraços à Ana e ouviram-na dizer, com as lágrimas nos
olhos, como estava feliz por voltar a vê-los.

- Vamos! - disse a Zé, passado um instante. - Depressa para o barco!


Aqueles homens podem voltar a qualquer momento.

Correram para a baía. Lá estava o barco deles, exactamente onde o


tinham deixado, fora do alcance das ondas. Mas tiveram uma desagradável
surpresa!

- Levaram os remos! - disse a Zé, desalentada. - Que animais! Fizeram


isto para não usarmos o barco. Estavam com medo que o David e a Ana
fugissem. Em vez de levarem o barco, limitaram-se a tirar os remos. Agora, não
podemos sair daqui.

Era um grande desapontamento. Os jovens estavam quase a chorar.


Após a maravilhosa acção de salvamento do David, parecia que tudo corria
bem, e, de repente, a situação ficara novamente muito complicada.

- Temos de pensar como havemos de resolver isto, - disse o Júlio,


sentando-se num local donde podia ver algum barco que aparecesse. - Os
homens foram-se embora, provavelmente para arranjarem um navio onde
possam carregar os lingotes e fugir. Não voltarão tão cedo, acho eu, porque
não se pode contratar um navio de um momento para o outro, a não ser, é
claro, que tenham um que lhes pertença.

- Entretanto, não podemos sair da ilha para obter ajuda porque eles


levaram os nossos remos, - disse a Zé. - Nem sequer podemos fazer sinais
para um barco de pesca, porque agora não anda nenhum no mar. A maré não
está de feição. Parece que não podemos fazer nada senão esperar aqui
pacientemente até que os homens voltem e levem o meu ouro! E não podemos
detê-los.

- Olhem, estou a imaginar um plano que talvez dê resultado, - disse o


Júlio. - Esperem, não me interrompam. Estou a pensar.

Esperaram em silêncio, enquanto o Júlio, de testa franzida, engendrava


o seu plano. Finalmente, olhou para eles e sorriu.

- Acho que vai dar resultado, - afirmou. - Ouçam! Esperamos aqui com


paciência até que os homens voltem. Que irão eles fazer! Afastarão as pedras
da entrada dos subterrâneos e descerão pelas escadas. Seguirão para o sítio
onde nos deixaram, pensando que ainda lá estamos, e entrarão
no compartimento. E se um de nós estivesse escondido lá em baixo pronto
para os fechar no compartimento? Depois, poderíamos ir em busca de socorro
no barco a motor deles ou, se trouxessem os remos, no nosso barco.

A Ana achou que era uma ideia maravilhosa. Mas o David e a Zé não
estavam muito convencidos.

- Teríamos de descer aos subterrâneos e fechar a porta de maneira a


parecer que ainda lá estamos aprisionados, - disse a Zé. - E supõe que quem
for lá esconder-se não consegue fechar os homens no compartimento. Pode
ser muito difícil fazer isso com a rapidez necessária. Então, eles apanhariam
quem estivesse lá e viriam para cima à procura dos outros.

- É verdade, - disse o Júlio, com ar pensativo. - Bem, suponhamos que o


David, ou quem for lá para baixo, não consegue fechar a porta e fazê-los
prisioneiros, e que os homens voltam para cima. Muito bem, enquanto eles
estiverem lá em baixo, poremos grandes pedras sobre a entrada, tal como eles
fizeram. Assim, não conseguirão sair.

- E o David fica lá em baixo? - disse imediatamente a Ana.  - Eu podia


subir outra vez pelo poço, - afirmou o David. - Irei esconder-me lá em baixo.
Farei o possível para fechar os homens no compartimento. E se tiver de fugir,
subirei pelo poço.

- Os homens não conhecem essa saída. Por isso, mesmo que fiquem


prisioneiros no compartimento, ficarão prisioneiros nos subterrâneos!  Os
jovens reviram o plano e decidiram que era o melhor que conseguiam arranjar.
Então, a Zé disse que seria uma boa ideia comerem qualquer coisa. Agora que
a excitação dos últimos acontecimentos se desvanecera, sentiam-se todos
cheios de fome!

Foram buscar alguns alimentos ao pequeno quarto de pedra e comeram


junto da baía, à espera que os homens regressassem. Passadas cerca de duas
horas, viram um grande barco de pesca aparecer ao longe e ouviram também o
ruído de um barco a motor.

- Aí vêm eles! - disse o Júlio, levantando-se de um salto.

- Aquele é o barco onde tencionam carregar os lingotes, para depois


fugirem. E eles vêm no barco a motor! Depressa, David, desce pelo poço e
esconde-te até os ouvires nos subterrâneos!

David partiu a correr. O Júlio virou-se para os outros e disse:

- Temos de nos esconder. Agora que a maré está vazia, vamos 


esconder-nos ali, atrás daquelas rochas. Acho que os homens não irão à
procura do David e da Ana, mas nunca se sabe. Vamos! Depressa!

Esconderam-se atrás das rochas e ouviram o barco a motor entrar no


pequeno porto. Começaram também a ouvir homens a chamar uns pelos
outros. Parecia que desta vez eram mais do que dois. Depois, os homens
deixaram a baía e subiram pelos recifes em direcção ao castelo em ruínas.

O Júlio rastejou por trás das rochas e espreitou para ver o que os
homens estavam a fazer. Tinha a certeza de que arrastavam as lajes de pedra
que haviam amontoado sobre a entrada dos subterrâneos, para evitar que o
David e a Ana fossem salvar os companheiros.

- Zé! Vamos! - disse o Júlio em voz baixa. - Acho que os homens já


desceram para os subterrâneos. Temos de pôr aquelas pedras outra vez onde
estavam. Depressa!

A Zé, o Júlio e a Ana correram silenciosamente para o velho pátio do


castelo. Viram que as pedras tinham sido afastadas da entrada dos
subterrâneos. Os homens tinham desaparecido. Era evidente que haviam
descido pelas escadas.

Os três jovens fizeram os possíveis para arrastar as pesadas lajes e


tapar a entrada. Mas tinham menos força do que os homens e não
conseguiram mover as pedras maiores. Então deslocaram três mais pequenas.
O Júlio esperava que os homens tivessem grande dificuldade em removê-las
de baixo para cima.

- Se ao menos o David conseguir fechá-los naquele compartimento! -


disse para os outros. - Vamos outra vez para o poço. O David tem de sair por
lá, porque é impossível usar a entrada.
Todos se encaminharam para o poço. O David retirara a velha tampa de
madeira, que se encontrava no chão. Os jovens espreitaram para dentro do
poço e esperaram ansiosamente.  Que estaria o David a fazer? Não
conseguiam ouvir nada e queriam saber o que estava a acontecer.

E muitas coisas tinham acontecido lá em baixo! Os dois homens, 


acompanhados por um terceiro, haviam descido para os subterrâneos,
esperando, é claro, encontrar o Júlio, a Zé e o cão ainda fechados no
compartimento dos lingotes. Passaram pelo poço sem desconfiar que um
rapazinho estava ali escondido, pronto para saltar pela abertura.

David ouviu-os passar. Esgueirou-se pela abertura do poço e foi atrás


deles, sem fazer o mínimo ruído. Conseguia ver os clarões das potentes
lanternas dos homens. Com o coração a bater fortemente, seguiu pelos velhos
corredores, entre grutas enormes, até que os homens viraram para a
passagem onde ficava o compartimento dos lingotes.

- Chegámos, - disse um dos homens, apontando a lanterna para


a enorme porta. - O ouro está ali dentro! E os miúdos também estão!

Os homens abriram os ferrolhos da porta em cima e em baixo. Ainda


bem que o David lá voltara para os correr antes de os homens voltarem, senão
eles perceberiam que o Júlio e a Zé tinham fugido e ficariam desconfiados.

O homem abriu a porta e entrou. O segundo homem seguiu atrás dele.


David aproximou-se o mais possível, à espera que o terceiro homem entrasse.
Então, fecharia a porta e correria os ferrolhos! O primeiro homem fez incidir a
luz da lanterna em redor do  compartimento e soltou uma exclamação de
surpresa:

- Os miúdos desapareceram! Que estranho! Onde estarão?

Dois dos homens estavam dentro do compartimento, e o terceiro entrou


nesse momento. O David avançou velozmente e fechou a porta. Fez um
estrondo que ecoou por todos os subterrâneos.

Enquanto tentava correr os ferrolhos, as suas mãos tremiam. Era difícil


para o rapaz correr aqueles ferrolhos perros e enferrujados. Entretanto, os
homens não ficaram parados! Logo que ouviram a porta fechar-se, deram meia
volta. O terceiro homem encostou imediatamente o ombro à porta e empurrou
com força. O David quase conseguira correr um dos ferrolhos. Depois, os três
homens empurraram a porta ao mesmo tempo, e o ferrolho cedeu!

David ficou horrorizado. A porta estava a abrir-se! Deu meia volta e fugiu


pelo corredor escuro. Os homens apontaram as lanternas e viram-no. Foram
atrás dele a toda a velocidade. O David escapou-se para o poço. Felizmente, a
abertura era do lado oposto, e conseguiu esgueirar-se lá para dentro sem ser 
visto à luz das lanternas. Mal acabara de entrar para dentro do poço quando os
três homens apareceram a correr. Nenhum deles imaginou que o fugitivo
estava escondido no poço por onde acabavam de passar. Na verdade, os
homens nem sabiam que existia ali um poço.
A tremer da cabeça aos pés, David começou a subir pela corda que
deixara suspensa no varão da escada de ferro. Desatou a corda quando
chegou à escada, pois pensou que os homens podiam descobrir o velho poço e
tentar subir por ali mais tarde. Não o poderiam fazer sem a corda. O rapaz
trepou rapidamente pela escada e chegou à laje de pedra que se encontrava
perto do cimo. Os outros jovens estavam ali à espera dele. Perceberam logo
pela cara do David que este não conseguira fazer o que tinham planeado.
Puxaram-no rapidamente para fora do poço.

- Nada feito, - disse o David, ofegante. - Não consegui. Eles empurraram


a porta antes de eu correr os ferrolhos e vieram atrás de mim. Fugi para o poço
mesmo a tempo.

- Agora estão a tentar sair pelo sítio que tapámos com pedras! - gritou a
Ana, de repente. - Depressa! Que havemos de fazer? Vão apanhar-nos!

- Para o barco! - Gritou o Júlio, pegando na mão da Ana para a ajudar a


correr. - Vamos! É a nossa única saída. Os homens talvez consigam afastar
aquelas pedras.

Os quatro jovens desataram a correr pelo pátio. A Zé entrou 


rapidamente no pequeno quarto de pedra, quando por lá passaram, e foi
buscar o machado. O David não percebeu para que serviria o machado. O Tim
corria ao lado deles, a ladrar desenfreadamente. Chegaram à baía. O barco
deles continuava sem remos. O barco a  motor também estava ali. A Zé saltou
lá para dentro e deu um grito de satisfação.

- Os nossos remos estão aqui! - gritou a rapariga. - Leva-os Júlio. Tenho


de fazer aqui uma coisa! Ponham o barco na água depressa!

O Júlio e o David levaram os remos. Depois, arrastaram o barco para a


água, ao mesmo tempo que pensavam no que a Zé estaria a fazer. Um grande
barulho de coisas a partirem-se vinha do barco a motor.

- Zé! Zé! Despacha-te! Os homens vêm aí! - Gritou o Júlio, de repente.

Vira os três homens a correr para os rochedos que davam para a baía. A
Zé saltou do barco a motor e foi ter com os outros. Empurraram o barco para a
água, e a Zé começou imediatamente a remar com toda a energia.

Os três homens correram para o barco a motor. Mas logo se detiveram,


com o maior dos desesperos, pois a Zé destruíra o barco por completo! Dera
fortes machadadas no motor, e agora o barco não poderia funcionar! Estava
tão danificado que os homens não poderiam repará-lo com as ferramentas que
tinham.

- Malvada rapariga! - berrou o Jake, ameaçando a Zé com o punho


erguido. - Espera até eu te apanhar!

- Fico à espera, - gritou a Zé, com os seus olhos azuis a brilhar


desafiadoramente. - E vocês também podem ficar à espera! Não conseguirão
sair da minha ilha!
17.

O FIM DA GRANDE AVENTURA

Os três homens ficaram à beira-mar, vendo a Zé a remar com vigor para


a costa. Nada podiam fazer. O barco deles estava completamente inutilizado.

- O barco de pesca que eles têm ali à espera é demasiado grande para


entrar na enseada, - disse a Zé, continuando a remar com toda a força. - Terão
de esperar até que alguém chegue lá outro barco. Devem estar furiosos!

Tiveram de passar bastante perto do grande barco de pesca. Quando se


aproximaram, um homem gritou-lhes:

- Vêm da ilha de Kirrin?

- Não respondam, - disse a Zé. - Não digam nada.

Os jovens não responderam e olharam noutra direcção como se não


tivessem ouvido.

- Eh! São surdos? - voltou a gritar o homem, zangado. - Vêm da  ilha de


Kirrin?

Continuaram sem responder e a olhar para o outro lado enquanto a Zé


remava com energia. O homem do barco desistiu e olhou para a ilha com ar
preocupado. Estava certo de que os jovens tinham vindo de lá e conhecia o
suficiente acerca das aventuras dos seus companheiros para temer que
alguma coisa não tivesse corrido bem na ilha.

- Ele pode usar um bote do navio e ir ver o que aconteceu - disse a Zé. -
Bem, não poderá fazer muito, além de levar os homens e alguns lingotes! Mas
duvido que se atrevam a tocar no ouro, agora que fugimos para contar o que se
passou!

O Júlio olhou para trás em direcção ao navio. Passado algum tempo, viu


que um pequeno barco estava a ser posto na água.

- Tens razão, - disse à Zé. - Estão com medo de que tenha acontecido


alguma coisa. Vão buscar os três homens. Que pena!

O barco dos jovens chegou a terra. Saltaram para a praia e puxaram-no


para a areia. O Tim puxou também pela corda, a abanar a cauda. Gostava de
participar em tudo o que os jovens faziam.

- Vais levar o Tim ao Alf? - perguntou o David.

A Zé abanou a cabeça.

- Não, - disse ela. - Não podemos perder tempo. Temos de ir contar tudo
o que nos aconteceu. Eu prendo o Tim na cerca do jardim em frente de casa.

Dirigiram-se a toda a velocidade para o Casal Kirrin. A tia Clara estava a


cuidar do jardim. Olhou surpreendida para os jovens que acabavam de chegar
apressadamente.

- Ora, - disse ela, - pensava que só voltariam amanhã ou depois.


Aconteceu alguma coisa? David, como fizeste essa ferida na cara?

- Não tem importância, - disse o David.

Os outros começaram a falar ao mesmo tempo.

- Tia Clara, onde está o tio Alberto? Temos uma coisa importante para
lhe dizer!

- Mãe, tivemos uma aventura extraordinária!

- Tia Clara, temos muitas coisas para lhe contar!

A tia Clara olhou para os jovens com ar perplexo.

- Mas que aconteceu? - perguntou. Depois, voltou-se para a casa e


chamou: - Alberto! Alberto! Os miúdos têm qualquer coisa para nos contar!

O tio Alberto apareceu, com ar zangado, pois estava a trabalhar.

- Que se passa? - perguntou.

- Tio, é por causa da ilha de Kirrin, - disse o Júlio, ansiosamente. -


Aqueles homens ainda não a compraram, pois não?

- Bem, está praticamente vendida, - disse o tio. - Eu já assinei o contrato


de venda, e eles devem assinar amanhã. Porquê? Que tens a ver com isso?

- Tio, eles não vão assinar amanhã, - disse o Júlio. - Sabe por que razão
eles queriam comprar a ilha e o castelo? Não era para construírem um hotel,
nem nada parecido, mas sim porque sabiam que o ouro está lá escondido!

- Mas que disparate estás tu a dizer? - retorquiu o tio.

- Não são disparates, pai! - gritou a Zé, indignada. - É tudo verdade. O


mapa do castelo estava naquela caixa que vendeu. E o mapa indicava onde os
lingotes foram escondidos pelo tetravô!

O pai da Zé parecia perplexo e aborrecido. Não acreditava nada daquilo!


No entanto, a tia Clara viu pelos rostos sérios dos jovens que acontecera
alguma coisa realmente importante. E a Ana, de repente, desatou a chorar!
Passara por uma grande emoção e não suportava a ideia de que o tio não
acreditasse que era tudo verdade.

- Tia Clara, tia Clara, é tudo verdade! - Disse ela, entre soluços. - É


horrível o tio Alberto não acreditar em nós. Tia Clara, o homem tinha um
revólver... e prendeu o Júlio e a Zé nos subterrâneos. E o David teve de descer
pelo poço para os salvar. E a Zé destruiu o barco a motor dos homens para
eles não fugirem!

Os tios acharam aquela história sem pés nem cabeça. No entanto, de


repente, o tio Alberto pareceu considerar que o assunto era sério e merecia
atenção.

- Destruíram um barco a motor? - disse ele. - Para quê? Venham para


dentro. Quero ouvir essa história do princípio até ao fim. Parece-me uma coisa
inacreditável.

Entraram todos em casa. A Ana sentou-se ao colo da tia e ouviu a Zé e


o Júlio contarem a história. Contaram tudo, sem esquecer nada que fosse
importante. A tia Clara começou a ficar pálida enquanto ouvia, especialmente
quando disseram que o David tinha descido pelo poço.

- Podias ter morrido, - disse ela. - Oh, David! Que coragem!

O tio Alberto escutava com o maior dos espantos. Nunca sentira grande


simpatia ou admiração por crianças. Pensava que eram barulhentas,
cansativas e patetas. No entanto, ao ouvir a história do Júlio, mudou
imediatamente de opinião quanto àqueles quatro jovens!

- Foram muito espertos, - observou. - E também muito corajosos.


Orgulho-me de vocês. Sim, orgulho-me muito de vocês todos. Não admira que
não quisesses que eu vendesse a ilha, Zé. Já sabias que estavam lá os
lingotes! Mas por que não me disseram!

Os quatro jovens olharam para o tio Alberto sem responder. Não podiam


simplesmente dizer: "Primeiro, porque não acreditaria em nós. Segundo,
porque é muito mal-humorado e injusto, e temos medo de si. Terceiro, porque
não confiávamos que agisse da melhor maneira.”

- Por que não respondem? - perguntou o tio.

A tia Clara respondeu por eles, num tom de voz suave.

- Alberto, bem sabes que assustas os miúdos. Por isso, não iriam ter
contigo. Mas agora que já contaram tudo, poderás tomar conta do assunto.
Eles não podem fazer mais nada. Deves telefonar para a Polícia e ouvir o que
eles têm a dizer acerca de tudo isto.

- Está bem, - disse o tio Alberto, levantando-se de imediato.

Deu uma palmadinha nas costas do Júlio. - Todos agiram muito bem, -


acrescentou. Depois, fez uma festa no cabelo  encaracolado da Zé. - E também
me orgulho de ti, Zé!

- Oh, pai! - Exclamou a Zé, corando de surpresa e satisfação.

Sorriu para o pai, que lhe correspondeu com outro sorriso. Os jovens
repararam que ele tinha uma expressão muito simpática quando sorria. Ele e a
Zé eram muito parecidos. Ambos tinham um ar desagradável e franziam a testa
quando estavam zangados, mas eram ambos simpáticos quando riam ou
sorriam!

O pai da Zé foi telefonar para a Polícia e também para o seu advogado.


Os jovens sentaram-se e comeram biscoitos e ameixas, contando à tia uma
série de pormenores da aventura. Estavam muito bem ali sentados quando
ouviram ladrar no jardim.

- É o Tim, - disse a Zé, lançando à mãe um olhar ansioso. - Não tive


tempo de o levar ao Alf, que toma conta dele. Mãe, o Tim foi uma companhia
tão boa na ilha. Desculpe ele estar a ladrar mas acho que tem fome.

- Bem, vai buscá-lo, - disse a mãe, inesperadamente. - Ele também é um


herói. Temos de lhe dar um bom jantar.

A Zé sorriu, encantada. Saiu a correr e foi ter com o Tim. Desprendeu-o


e ele entrou dentro de casa a abanar a cauda. Dirigiu-se à mãe da Zé e deu-lhe
uma lambidela.

- Olá, Tim, - disse a tia Clara, fazendo-lhe uma festa. - Vou arranjar-te


um belo jantar.

O Tim foi com ela para a cozinha. O Júlio sorriu para a Zé e disse:

- Estás a ver? A tua mãe é amorosa, não é?

- É, mas não sei o que dirá o pai quando vir o Tim outra vez cá em casa,
- respondeu a Zé, com ar preocupado.

O pai voltou naquele momento, com uma expressão grave no rosto.

- A Polícia levou este assunto muito a sério, - disse ele. - E o meu
advogado também. Acharam que vocês foram muito espertos e corajosos. Zé,
o advogado diz que os lingotes nos pertencem. São muitos?

- Pai! São centenas! - Exclamou a Zé. - Estão amontoados nos 


subterrâneos. Oh, pai, vamos ficar ricos?

- Sim, vamos, - disse o pai. - Suficientemente ricos para eu te dar a ti e à


tua mãe tudo o que durante muitos anos vos quis dar mas nunca pude.
Trabalhei muito a pensar em vocês, mas com o meu trabalho não ganho muito
dinheiro, por isso tornei-me irritável e mal-humorado. Mas, agora, terão aquilo
que desejarem.

- Não quero nada que não tenha já, - disse a Zé. - Mas há uma coisa,
pai, que desejava mais que tudo no mundo, e não custa um tostão.

- Então, irás tê-la, minha querida, - garantiu o pai, pondo o braço sobre
os ombros da Zé, para grande surpresa desta. - Diz o que é. Mesmo que custe
muito dinheiro, será tua.
Nesse preciso momento, ouviu-se um ruído de patas no corredor. Uma
cabeça enorme e felpuda espreitou pela porta e olhou para as pessoas que
estavam na sala. Claro que era o Tim! O tio Alberto fitou o cão com ar de
grande surpresa.

- Não é o Tim? - perguntou. - Olá, Tim!

- Pai! O Tim é o que mais desejo no mundo, - disse a Zé. - Não imagina


como ele foi nosso amigo na ilha. Até queria atirar-se àqueles homens e lutar
com eles. Oh, pai, não quero mais nenhum presente. Só quero ficar com o Tim
aqui em  casa. Agora já podemos comprar um canil para ele dormir. E farei
tudo para que ele não o incomode, prometo.

- É claro que podes ficar com ele, - disse-lhe o pai.

O Tim entrou imediatamente na sala, a abanar a cauda, olhando para


todos como se percebesse o que tinham acabado de dizer. Chegou até a dar
uma lambidela na mão do tio Alberto! A Ana pensou que o cão era realmente
muito corajoso! No entanto, o tio Alberto mostrava-se agora muito diferente.
Parecia que um grande peso lhe saíra dos ombros. Estavam ricos. A Zé
poderia ir para uma boa escola, a tia Clara poderia ter tudo o que ele tanto
desejara oferecer-lhe, e ele poderia continuar a fazer o trabalho de que
gostava, sem a preocupação de não estar a ganhar o dinheiro suficiente
para que a sua família vivesse confortavelmente. Por isso, sorria para todos,
com o ar mais feliz do mundo!

A Zé estava radiante por ficar com o Tim. Deu um abraço ao pai, uma
coisa que há muito tempo não fazia. Ele ficou surpreendido, mas bastante
satisfeito.

- Muito bem, muito bem, - disse ele. - Isto é tudo muito agradável. -


Escutem... Será já a Polícia?

Era verdade. Os polícias entraram e trocaram algumas palavras com o


tio Alberto. Um deles ficou para escrever a história dos rapazes no seu bloco
de notas e os outros foram buscar um barco para se dirigirem à ilha. Os
homens já tinham fugido! O companheiro que estava no barco de pesca fora lá
buscá-los, e agora tinham desaparecido todos. O barco a motor continuava na
praia, praticamente inutilizado. O inspector observou-o, sorrindo.

- Não é uma valente rapariga, essa menina Maria José? - Disse ele. -


Fez um belo trabalho. Ninguém poderia sair daqui neste barco. Temos de o
rebocar para o porto.

A Polícia trouxe alguns dos lingotes de ouro para mostrar ao tio Alberto.
Tinham selado a porta do compartimento subterrâneo para que ninguém lá
entrasse até que o tio dos jovens fosse buscar o ouro. Tudo estava a ser feito
da melhor maneira, embora demasiado lentamente na opinião dos jovens!
Desejariam que os homens fossem apanhados e presos, e que a Polícia
trouxesse imediatamente todo o ouro!

Os jovens estavam muito cansados nessa noite e não se opuseram 


quando a tia disse que tinham de se deitar cedo.  Vestiram pijamas e os
rapazes foram jantar no quarto das raparigas. O Tim estava lá, pronto a
saborear qualquer migalha que caísse.

- Foi uma aventura fantástica, - disse o Júlio, ensonado. - É pena que


tenha chegado ao fim, apesar de alguns momentos de que não gostei nada,
especialmente quando eu e tu, Zé, ficámos prisioneiros naquele subterrâneo.
Isso foi horrível.

A Zé estava com um ar muito feliz, enquanto comia os seus biscoitos.


Sorriu para o Júlio.

- E pensar que detestei a ideia de vocês virem cá para casa! - Disse ela.
- Tencionava ser o mais antipática possível! Queria fazer tudo para que se
fossem embora! E agora a única coisa que me entristece é saber que irão
embora quando as férias acabarem. Depois de ter feito três amigos e de
termos passado por uma aventura como esta, ficarei outra vez sozinha.
Dantes nunca me sentia sozinha, mas agora vocês vão fazer-me muita falta.

- Tens uma maneira de nunca mais te sentires sozinha, - disse a Ana, de


repente.

- Qual é? - perguntou a Zé, surpreendida.

- Podes ir para o mesmo colégio interno que eu, - sugeriu a Ana. - Gosto
muito de lá estar. E deixam-nos levar os nossos animais de estimação. Por
isso, o Tim também pode ir!

- A sério? - Disse a Zé, radiante. - Bem, então vou. Sempre disse que


não ia, mas agora vejo que é muito melhor ter companhia do que estar sempre
sozinha. E se posso levar o Tim, então é maravilhoso!

- É melhor irem agora para o vosso quarto, meninos, - disse a tia Clara,
aparecendo à porta. - Olhem para o David, a cair de sono! Bem, acho que
todos vão ter sonhos agradáveis, pois viveram uma aventura de que se podem
orgulhar. Zé, o Tim está debaixo da tua cama?

- Ah... pois está, mãe, - disse a Zé, fingindo-se surpreendida. - Tim, o


que estás aí a fazer?

O Tim saiu de baixo da cama e aproximou-se da mãe da Zé. Deitou-se


no chão à frente dela e fitou-a com os seus olhos castanhos e meigos, como se
pedisse para ali ficar.

- Queres dormir no quarto das raparigas esta noite? - perguntou a mãe


da Zé, soltando uma gargalhada. - Está bem, mas só desta vez!

- Mãe! - gritou a Zé, muito contente. - Obrigada, obrigada, obrigada!


Como adivinhou que eu não queria separar-me do Tim esta noite? Oh, mãe!
Tim, podes dormir ali no tapete.

Os quatro jovens sentiam-se felizes quando se deitaram. Aquela 


aventura extraordinária acabara bem! Ainda tinham muito tempo de férias à sua
frente, e agora que o tio Alberto deixara de ser pobre, dar-lhes-ia aquilo que
desejavam. A Zé ia para o colégio com a Ana e ficara outra vez com o Tim. A
ilha e o castelo continuavam a pertencer à Zé. Era tudo maravilhoso!

- Zé, estou muito contente por a ilha de Kirrin não ter sido vendida, -
disse a Ana, sonolenta. - Estou muito contente por ainda ser tua.

- A ilha pertence também a outras três pessoas, - disse a Zé.

- Pertence a mim e a ti, ao Júlio e ao David. Compreendi que é muito


mais divertido partilhar o que temos. Por isso, amanhã vou fazer um contrato,
ou qualquer coisa parecida, dizendo que vos dou uma quarta parte da ilha a
cada um. A ilha e o castelo de Kirrin pertencerão a nós os quatro!

- Oh, Zé! Que bom! - Disse a Ana, encantada. - Os meus irmãos vão


ficar muito contentes! Sinto-me tão...

Mas, antes de terminar a frase, a rapariga adormeceu. E a Zé também.


No outro quarto, os rapazes já estavam a dormir sonhando com lingotes,
subterrâneos e aventuras. Só o Tim estava ainda acordado. Tinha uma orelha
levantada e escutava a respiração das raparigas. Logo que percebeu
que estavam a dormir, levantou-se do tapete sem fazer barulho e aproximou-se
da cama da Zé. Pôs as patas da frente sobre a cama, deu um salto e aninhou-
se junto das pernas da Zé. Soltou um suspiro e fechou os olhos. Os quatro
jovens podiam estar felizes mas o Tim estava mais do que eles!

- Oh, Tim, - murmurou a Zé, quase acordando quando o sentiu junto


dela. - Oh, Tim, não devias... mas é tão bom estares ao pé de mim. Tim, vamos
ter outras aventuras juntos, os cinco, não vamos?

Claro que teriam mais aventuras, mas isso é outra história!

  FIM

Data da Digitalização
Amadora, Fevereiro de 2002
Mistério e Aventura - 1
Abril Controljornal
Digitalização e Arranjo
Fátima Vieira  Agostinho Costa
Os Cinco na Ilha do Tesouro
Enid Blyton
Abril Controljornal
Edipresse – 1996

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