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António Alves
Teste de Avaliação
QUESTIONÁRIO
1. Indique o assunto do texto e mostre que o seu desenvolvimento em partes lógicas corresponde à
localização sucessiva de espaços diferentes.
2. «O sr. Salcede chegou agora de Bordéus?». Esta pergunta de Carlos não lhe parece ter como fim o
mudar o rumo à conversa? Em que medida é que este facto é abonatório da elegância de maneiras de
Carlos?
3. Há aqui a introdução de duas personagens de Os Maias: Maria Eduarda e Dâmaso Salcede. Segundo a
técnica do romance da época, o narrador apresenta as personagens traçando o seu retrato.
3.1. Estes dois retratos (caracterizações diretas) estão entre si numa relação de semelhança ou de
contraste. Justifique a resposta.
3.2. Mostre que a caracterização direta de Dâmaso é confirmada, ainda no texto, por muitos
pormenores de caracterização indireta.
3.3. Há também no texto a descrição sugestiva de uma paisagem. Segundo os cânones realistas, a
paisagem condicionava as personagens (para os românticos eram as personagens que condicionavam
a paisagem). A paisagem descrita surge como enquadramento condicionante de Maria Eduarda ou de
Dâmaso? Justifique a resposta.
4. Com base no texto, ponha em evidência a linguagem e os recursos estilísticos mais marcantes de Eça.
1. O assunto do texto é a entrada de Carlos e Craft no Hotel Central, observando estes a chegada dos
Castro Gomes. É traçado um pequeno retrato de Dâmaso Salcede e surge a sua apresentação por Ega a
Carlos, já no interior do hotel. É feita uma descrição da paisagem exterior observada das duas janelas do
gabinete. Segue-se, finalmente, a conversa dos três amigos com Dâmaso, que fala muito dos Castro Gomes
e mais ainda de si.
Pode o texto considerar-se dividido em quatro partes lógicas. A primeira corresponde à focalização
da entrada do hotel: quando Carlos e Craft estavam para entrar, chegam Castro Gomes e a sua linda
mulher, que é descrita em si e na sua «entourage». A segunda parte foca já outro espaço. «Em cima, no
gabinete...» e nela se dão alguns traços do personagem Dâmaso, que é apresentado por Ega aos outros
amigos. Na terceira parte, há uma bela descrição do espaço exterior descortinado das duas janelas do
gabinete. Finalmente, na quarta parte, em que se foca de novo o gabinete, desenrola-se a conversa entre
os três amigos e Dâmaso, que fala ainda mais de si do que dos Castro Gomes.
2. A pergunta referida tem realmente a finalidade de mudar o rumo à conversa. Note que ela é posta
depois de Dâmaso ter afirmado que tinha vindo com os Castro Gomes de Bordéus. Carlos desejaria que se
falasse de Dâmaso e não dos outros que não estavam presentes. Carlos revela, pois, a elegância moral de
pretender evitar mexeriquices.
3.1. Os dois retratos estão entre si numa relação de contraste. Com efeito, a senhora Castro Gomes (Maria
Eduarda) é-nos caracterizada como uma senhora de alta distinção: «alta», «loira», esplendorosa na «sua
carnação ebúrnea», «com um passo de deusa», «maravilhosamente bem feita», «deixando atrás de si
como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar», com «um casaco colante de
veludo branco» e brilhando com «o verniz das suas botinas» Há em toda esta descrição a distinção e o
aprumo harmonioso da mulher clássica. Há, ainda, toda uma «entourage» de harmonia com a elegância da
senhora: «um esplêndido preto», «um rapaz muito magro, de barba muito negra» «indolente e poseur»,
«uma deliciosa cadelinha escocesa». Toda esta distinção foi sintetizada assim por Craft (e todos
reconheciam em Craft um gosto requintado): «Très chic».
Ao contrário, Dâmaso é-nos apresentado como um homem gordo e baixo, de mau gosto, fazendo a
figura de novo rico: «um rapaz baixote (notar o diminutivo depreciativo), gordo, frisado como um noivo de
província, de camélia ao peito e plastrão azul-celeste» (apresentação ridícula) Como veremos na resposta
seguinte, estas características verificar-se-ão a seguir, na caracterização indireta. Porquê este contraste
entre a distinção de Maria Eduarda e a corriqueirice de Dâmaso? É que a primeira estava destinada a ser
personagem da tragédia (as personagens da tragédia clássica são sempre nobres) e o segundo estava
marcado pelo autor para figurante da crítica de costumes, isto é, da comédia da vida.
3.2. Como vimos, Dâmaso surge no pequeno retrato como uma personagem ridícula, quer no físico, quer
na maneira pretensiosa de vestir. É isto que se verifica na caracterização indireta. É isto que ele próprio
revela, no seu comportamento e na sua linguagem. Vejamos: Dâmaso, movido certamente por um
complexo de inferioridade, faz tudo por se elevar ao nível de Carlos, procurando atrair, a propósito e a
despropósito, a sua benevolência e admiração: «O senhor Dâmaso Salcede, que não despregava os olhos de
3.3. Aparentemente sem vir a propósito, aparece a descrição impressionista da paisagem observada das
duas janelas, ao entardecer. Mas é a seguir a esta descrição da paisagem, em que até os barcos dormiam,
cedendo ao afago do clima doce, que Craft desabafa: «Vimos agora ali em baixo uma esplêndida
mulher...» A paisagem surge portanto como enquadramento dessa linda mulher, de perfil clássico. Note-se
que a paisagem tranquila, de uma paz elísia, com várias sugestões cromáticas (cor-de-rosa, tom de violeta,
a água como uma bela chapa de aço novo) é também ela clássica, apontando mais para o locus amoenus
dos clássicos do que para o locus horrendus dos românticos.
4. A linguagem do texto é constituída por um vocabulário simples (com exceção dos estrangeirismos, como
«coupé», «griffon», «poseur», «femme de chambre», caracterizantes de uma certa mania da época), mas
enriquecida e elevada ao nível literário pela expressividade que ganha no contexto. Os adjetivos mais
usuais, os verbos mais vulgares, os advérbios mais comuns surgem-nos com as conotações mais imprevistas.
Veja-se, por exemplo, o quanto há de imprevisto nos verbos estacar («um coupé da companhia veio
estacar à porta»), despregar (Dâmaso não despregava os olhos de Carlos), esticar («o rapaz esticado num
fato de xadrezinho»), acudir («Dâmaso acudiu logo» - acudiu com o sentido de respondeu), banhar
(«Dâmaso... banhado num sorriso» - note-se o exagero caricato), pilhar («Que eu, em podendo é lá que
me pilham» - pilhar, no sentido de apanhar, caracteriza a linguagem burlesca de Dâmaso), estoirar
(«Dâmaso estoirava de gozo...» - exagero cómico). Como se vê, estes e outros verbos são admiravelmente
escolhidos por Eça para dar o burlesco, o caricato de personagens tipos, ou caricaturas. Mas a adjetivação
expressiva é o maior trunfo estilístico de Eça. Atente-se nas seguintes expressões colhidas do texto: «uma
esplêndida cadelinha, uma esplêndida mulher e um esplêndido preto» (o adjetivo esplêndido, aplicando-se
também à cadelinha e ao preto, tem a função de realçar o encanto da senhora, que se projetava na sua
entourage); «deliciosa cadelinha escocesa» (note-se o duplo adjetivo, um antes e outro depois do
substantivo, o primeiro subjetivo e o segundo objetivo); «pelos esguedelhados»; «apeando-se indolente e
poseur» (valor adverbial dos adjetivos); «uma senhora alta e loira»; «requinte literário e satânico»;
«Inverno suave e luminoso» (dupla adjetivação em que um dos adjetivos designa uma nota física e outro,
Elaborado a partir do original de BORREGANA, António Afonso - O Texto em Análise II. Setúbal: Ed. do Autor, 1987