A realidade das religiões afro-brasileiras, no que tange, em particular, ao
preconceito enfrentado pelas comunidades religiosas na atualidade, pode ser
analisada como produto de um processo histórico relacionado à questão étnica. Desde o período de escravidão no Brasil colonial e imperial, passando pela fase das teorias de eugenia e superioridade racial, qualquer manifestação de cultura africana foi tida como indesejável ou vulgar por setores da sociedade brasileira. São proferidas frases como “eles lançam pragas nas pessoas” ou “eles sacrificam animais”, se referindo às práticas religiosas afro-brasileiras. Entretanto, nesse caso não há a compreensão do aspecto da territorialidade, no qual as práticas religiosas dos grupos afro-brasileiros possuem significados diferentes daqueles estabelecidos por convenção na sociedade, ligadas à constituição das identidades e à cultura. Dessa forma, faltando a noção da questão étnica e territorialidade, o espaço em que se situam as manifestações religiosas, não necessariamente físico, mas um contexto social, no âmbito das religiões afro, se mantém o preconceito religioso e racial, praticado há séculos nas sociedades ocidentais.
Philippe Descola, em seu texto “Além de Natureza e Cultura”, aborda múltiplas
tradições de diferentes povos, entre os seres humanos, os animais, a sua territorialidade e sua espiritualidade. No texto são citadas 4 formas de sistemas ontológicos, como definidos por Descola: “sistemas de distribuição de propriedades entre objetos existentes no mundo, que em retorno fornecem pontos chave para formas sociocósmicas de associação e concepção de pessoas e não-pessoas”. São quatro os modos de identificação definidos por ele: animismo, totemismo, o analogismo e o naturalismo. Evidencia-se, nesse caso, principalmente o paralelo entre o animismo, no qual predomina o perspectivismo ameríndio, e o naturalismo, a visão comumente adotada pela cultura ocidental, uma vez que é possível traçar um paralelo entre as ontologias e as abordagens da historiografia. Um tema central no debate historiográfico moderno, como visto na obra do historiador indiano Sanjay Seth, é o estudo histórico pós colonial, a noção de que a história é um código que pode ser escrito e narrado em diferentes formas que não aquelas elaboradas pelos pensadores europeus. Como elaborado por Seth, a história é um diálogo entre diferentes tradições de raciocínio, não uma análise imperial que aplica razão ao passado. Da mesma forma que a historiografia, a ontologia de diferentes sociedades revela relações diferentes entre a pessoa e o ambiente, diferentes perspectivas, que podem levar a diferentes formas de conhecimento produzido.