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Hartley Dean, Alberto Cimadamore, Jorge Siquiera, Anete Brito Leal Ivo,
Paulo Henrique Martins, Virgilio Álvarez Aragón, Nelson Arteaga Botello,
José Graziano da Silva, Walter Belik, Maya Takagi, Tarcisio Patricio de
Araújo, Roberto Alves de Lima, Mayra Paula, Espina Prieto, Hulya
Dagdeviren, Rowan Ireland, John-AndrewMcNeish, Einar Braathen
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cia desse documento continua a ser tão relevante quanto ao ser escrito
pela primeira vez, e está reproduzida como parte inicial deste capítulo
introdutório. Em resposta, muitos trabalhos foram enviados. Incluímos
neste livro uma seleção cuidadosamente revisada e editada daqueles que
foram aceitos, apresentados e discutidos durante o evento. Na segunda
seção, fazemos um esboço de sua estrutura e conteúdo. Finalmente, na
seção conclusiva, identificamos, discutimos e resumimos alguns temas
e questões levantadas durante o workshop original e que estão presentes
nas diversas contribuições a este livro.
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O nível nacional
O antiestatismo torna-se mais evidente no discurso político baseado na
idéia de que a globalização cria pressões insuportáveis, que demandam
uma nova ortodoxia econômica pós-keynesiana e uma transição do
bem-estar protecionista “passivo” para o “ativo”, possibilitando formas
de bem-estar. Essa ortodoxia repousa, de fato, numa suposição ampla-
mente desacreditada. A soberania dos Estados-nação foi reconstituída,
e não reduzida (Hirst e Thompson, 1996). Particularmente, o poder do
Estado nos países capitalistas desenvolvidos – tanto em relação ao con-
trole dos seus próprios sujeitos quanto no que se refere aos Estados
das nações em desenvolvimento – provavelmente é maior do que ja-
mais foi (Mann, 1997). Apesar disso, o pensamento neoliberal ou Novo
Direito deixou de lado o Estado-nação em favor da provisão privada
do bem-estar, enquanto o pensamento comunitário ou “Terceira Via”
– como veremos mais adiante – tem procurado promover iniciativas de
bem-estar subnacionais, descentralizadas, de base comunitária ou de
micronível, baseadas em noções de parceria e participação nitidamen-
te gerencialistas, em vez de coletivas. Faltam evidências de que essas
estratégias participativas, da “sociedade civil” e de “parceria público-
privada” melhorem realmente o desempenho antipobreza em nível na-
cional. Ao mesmo tempo, também tem sido dada considerável ênfase ao
nível nacional através da promoção de formas de democracia eleitoral
que têm falhado na concessão de poder à comunidades oprimidas ou
em conceder voz direta aos menos privilegiados. Na falta da clara evi-
dência de que as democracias liberais contam com governos melhores
para os pobres do que as não-democracias, o UNDP (2000) continua
a promover democracias eleitorais multipartidárias como bases para
assegurar a legitimidade da governança nacional. A democracia é, sem
dúvida, essencial para a erradicação da pobreza, mas há muitos tipos
de participação democrática e de administrações estatais “esvaziadas”,
efetivadas através de um processo democrático puramente procedi-
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A estrutura do livro
Os textos que contribuíram para a composição deste livro abordam os
tópicos destacados acima, em diferentes níveis de análise, utilizando
métodos e perspectivas teóricas distintos. Os capítulos que o compõem
estão distribuídos em três seções: a primeira está relacionada a proble-
mas em nível global ou a debates teóricos sobre o papel do Estado-na-
ção no contexto global prevalecente. A segunda seção trata mais especi-
ficamente das questões de políticas sociais em nível nacional. A terceira
diz respeito a problemas de nível local e às complicações causadas pela
recente adoção de iniciativas de desenvolvimento social. No entanto,
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rica do Norte. Contudo, reconhece-se que algum poder deverá ser, neces-
sariamente, conferido ao Estado, apesar de que isso, viabilizado através
de novas formas sociais e o desafio identificado, não é, de forma alguma,
diferente daquele que foi destacado nos capítulos precedentes.
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Temática e questões
Muito, mas não tudo, do contexto voltado para uma discussão subs-
tantiva e uma narrativa ilustrada propiciadas por este livro vem, pelo
menos em parte, da América Latina. Com isso em mente, retornare-
mos, nesta parte final do capítulo, a analisar o significado especial, bem
como a importância geral do contexto latino-americano. A partir daí,
inverteremos o padrão até agora adotado. Em vez de partirmos das con-
siderações globais para as nacionais e locais, procederemos ao contrá-
rio. Primeiramente procuraremos trazer à tona as lições que pensamos
devem ser aprendidas no que diz respeito às experiências locais com
os mecanismos de planejamento participativo como uma forma de go-
vernança; segundo, em relação ao impacto da hegemônica teoria do
capital humano sobre as políticas sociais que estão sendo largamente
adotadas, em nível nacional; terceiro, no que diz respeito à possibilida-
de de reconceituar o papel do Estado na luta contra a pobreza.
O contexto latino-americano
A história econômica e social da América Latina teve seus altos e baixos
ao longo do século passado. Em 1900, 70 milhões de pessoas habitavam
essa parte do mundo. Em 2000, esse número multiplicou-se sete vezes,
chegando em torno de 500 milhões. Três quartos da população viviam no
campo em 1900, mas atualmente, dois terços vivem nas cidades. No início
do século XX, três quartos da população eram analfabetos, porém, agora,
7 entre 8 adultos lêem e escrevem. A expectativa média de vida aumen-
tou de 40 para 70 anos. Conforme foi esclarecido por Thorp (1998), ao
longo de quatro gerações, a vida mudou dramaticamente para as pessoas
comuns. Apesar dessas conquistas, a distribuição de renda piorou: prova-
velmente era a pior no mundo por volta dos anos 1960, e deteriorou mais
ainda durante o ajuste econômico na década de 1980 (Thorp, 1998: 1-3).
No alvorecer do século XXI, a América Latina assiste a mais de
43% de seus cidadãos vivendo na pobreza, e quase 19% em condições
de extrema pobreza. Esses números alarmantes permaneceram, em
2002, quase imutáveis nos últimos cinco anos e acompanharam um
período de estagnação econômica (CEPAL, 2003: 2-3).
A América Latina atingiu esses índices dramáticos de pobreza e
desigualdade apesar das declarações de intenções e de mudanças políti-
cas. A política social recebeu um lugar destacado na agenda política de
diversos países da região. Entre 1990 e 2000, nove países reformaram seu
sistema de saúde; quatorze realizaram mudanças substantivas em seu sis-
tema educacional, e onze reestruturaram seus sistemas de aposentadoria
e pensões. Ao mesmo tempo, muitos países adotaram programas de de-
senvolvimento social para reduzir, tanto a pobreza crônica quanto a espe-
cífica (causada pelas crises econômicas e desastres naturais); e a política
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Reconceituando o Estado
É possível reconceituar o Estado? De nossa parte, tendemos a aderir à
abordagem teórica crítica da teoria no que diz respeito às formas his-
tóricas do Estado, mencionadas no início deste capítulo introdutório.
Vários capítulos neste livro servem para lembrar que a teoria conven-
cional do regime do bem-estar não nos ajuda, necessariamente, a en-
tender os processos que estão ocorrendo nos países em desenvolvimen-
to. Enquanto muitos países latino-americanos lograram alguns bons
resultados ao substituir o regime conservador pelo regime liberal do
bem-estar (Barrientos, 2004), no capítulo Quatro, por exemplo, afirma
–se que em outros, como a Guatemala, onde a luta armada, em pas-
sado recente, resultou, no que se poderia definir como um regime de
“insegurança” (Bevan, 2004). Contudo, no momento, nossa tarefa não é
necessariamente a de recorrer a análises taxonômicas do passado, e sim
debater sobre o que seria possível para o futuro.
Apesar de Richard Titmuss não gostar da expressão “Estado do
bem-estar”, defendeu o conceito segundo o qual o termo tem sido apli-
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2 Para cumprir o objetivo deste capítulo, adotarei a convenção que caracteriza “regimes ao
estilo ocidental”/“nações desenvolvidas”/“Primeiro Mundo” em referência ao Hemisfério
Norte ou “o Norte”, e “nações em desenvolvimento”/“Terceiro Mundo” em referência ao
Hemisfério Sul ou “o Sul”.
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reitos lhes impõem. Essa, contudo, não é bem a leitura que o PNUD
parece adotar no restante do seu Relatório, no qual a concepção de
Sen sobre as capacidades humanas é sutilmente apropriada como
um conceito maleável mais próximo do de capital humano ou social
(Coleman, 1988; Putnam, 2000). Sen (1999: 296) declarou que o con-
ceito de “capital humano” tem limitações “porque os seres humanos
não são simplesmente meio de produção mas também o elemento-
fim dessa prática”.
Segundo o discurso prevalecente dos organismos internacio-
nais, o desenvolvimento requer, incontestavelmente, o crescimento
econômico, e o direito de exigir a democracia liberal. Ambos exigem
um contexto social pluralista e ostensivamente não ideológico no qual
as ONGs e as diversas categorias da sociedade civil possam desem-
penhar um papel tão relevante quanto o do governo, embora, com-
preensivelmente, os sindicatos nunca sejam mencionados, apesar do
papel que podem desempenhar no desenvolvimento dos direitos. O
fortalecimento dos direitos, entende-se, exige mecanismos semelhan-
tes àqueles por meio dos quais o mercado global é dirigido. E aqui, ao
identificar as desigualdades existentes na ordem mundial, o PNUD co-
meça a fazer uso de expressões gerencialistas: refere-se à necessidade
de estruturas de incentivo, de jurisdição reguladora e de participação
adequada. O PNUD fala, ainda, sobre a necessidade de os países po-
bres se credenciarem para as oportunidades que a globalização oferece
(PNUD, 2000: 9), porém não reconhece que, enquanto os poderosos
podem interpretar os riscos de uma economia capitalista globalizada
em termos de oportunidade, os vulneráveis podem concebê-las em ter-
mos de insegurança (Vail, 1999).
Nada se pode fazer além de dar as boas-vindas à demanda do
PNUD no sentido de que – em busca do desenvolvimento humano
– dever-se-ia dar tanta atenção aos direitos econômicos, sociais e cul-
turais quanto aos civis e políticos (2000: 13). No entanto, o documen-
to contém muitos indicativos do que, em vários outros lugares, já se
caracterizou uma nova doutrina gerencialista (Hood, 1991; Clarke e
Newman, 1997 e capítulo Doze deste livro): sua exigência de um me-
lhor uso da informação reside na linguagem despolitizada, baseada
em evidências, da formulação de políticas. E os processos pelos quais
a conquista dos direitos humanos pode ser gerenciada invocam as téc-
nicas reconhecíveis da autodeterminação, padronização e mudança
cultural, extraídas do repertório do novo gerencialismo. Em certo sen-
tido, os direitos humanos foram colonizados em nome de uma abor-
dagem gerencial do desenvolvimento humano. Existe o perigo de que
a causa dos direitos ao bem-estar seja eclipsada pelo individualismo
liberal que dá origem aos fundamentos ideológicos não declarados da
ortodoxia gerencial global.
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do século passado, mas ela tem sido alimentada por diversas influências
culturais e intelectuais. Roche (1992), por exemplo, argumenta que des-
de a crise global do Estado do bem-estar, na década de 1970, o “paradig-
ma dominante” da cidadania social tem sofrido ataques, no marco de
todo o espectro político, como um “discurso do dever”, ao mesmo tem-
po em que os direitos emergiram. Esse discurso tem assumido distintas
formas, indo do Novo Direito e das reivindicações neoconservadoras de
que os direitos ao bem-estar solapam as “tradicionais” obrigações das
pessoas de sustentarem-se com o trabalho, provendo o sustento uns dos
outros através da família, até os desafios ao poder administrativo dos
Estados do bem-estar, postos pelos novos movimentos sociais. O emer-
gente consenso exigiu que se ignorasse a prioridade antes concedida
aos direitos sociais e se reconsiderassem “as demandas morais e ideoló-
gicas da responsabilidade individual” (Ibid: 246). A poderosa ortodoxia
que começou a surgir é aquela que considera que os direitos e respon-
sabilidades existem como parte de um cálculo recíproco (Jordan,1998).
Desde que os direitos humanos possam incluir os direitos à proteção
social, dar-se-ia a impressão de que eles são tidos como condicionados
à aceitação de responsabilidades.
O Artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos ha-
via proclamado um direito à “seguridade social”, porém, como Goodin
(2001), Townsend (2002) e outros autores destacam, a expressão “se-
guridade social” desapareceu completamente do discurso político con-
temporâneo. Os direitos sociais foram reduzidos às oportunidades no
mercado de trabalho, em troca das quais os cidadãos têm que eliminar
as liberdades irresponsáveis – equiparadas à dependência ao bem-estar.
É essa percepção – ou algo bastante próximo a ela – que parece estar
contida no emergente paradigma dos direitos humanos.
É claro que uma concepção mais solidária desses direitos acei-
taria que essa dependência e essa responsabilidade não são, de modo
algum, incompatíveis. Turner (1993: 507), por exemplo, recorrendo à
antropologia filosófica, argumenta que “é do reconhecimento coletiva-
mente incorporado da fragilidade individual que os direitos, como sis-
tema de proteção mútuo, extraem sua força emotiva”. Esse é um outro
argumento ao qual retornarei mais adiante.
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Conclusão
No meu entender, isso envolve as lutas contra o condicionamento e a
modificação da natureza dos serviços essenciais. O condicionamento
à proteção social relaciona-se, de um lado, à ampla aplicação de redes
seguras, e, de outro, ao uso de “testes de trabalho”, o que transforma o
desenvolvimento daquilo que os economistas agora chamam de “capital
humano” num processo compulsório, mais do que emancipador. A tri-
lha da mudança de natureza dos serviços públicos será ampliada como
conseqüência do Acordo Multilateral de Investimentos, da Organização
Mundial do Comércio (OMC), cuja implicação final é a de que os ser-
viços sociais e de saúde fornecidos pela autoridade governamental dei-
xarão de ser isentos das exigências do livre comércio e da competição
sob a égide do Acordo Geral sobre Comércio e Serviços (Deacon, 2000;
Yeates, 2001). É justamente essa implicação, entre outras, que tem mo-
tivado os protestos maciços contra a OMC e outras entidades governa-
mentais internacionais, sob a orientação do movimento “antiglobaliza-
ção”, citado linhas acima. Trata-se de um movimento que tem unificado
um extraordinário leque de interesses. A diversidade dos manifestantes
de rua tem sido caracterizada pelos meios de comunicação em termos
de um contraste entre os “fofos” (macios, suaves) e “pontiagudos” (es-
pinhosos, grossos): entre libertários pacíficos e anarquistas agressivos
(Yeates, 2002: 14). A questão que levanto à guisa de conclusão é: qual é
o significado que esses temas podem ter para os promotores de campa-
nhas e ativistas que não são nem “macios” nem “pontiagudos”, mas que
procuram lutar contra a realidade da pobreza, de um Estado fracassado
ou de regimes informais de bem-estar.
O desafio para os teóricos é articular uma nova concepção socio-
lógica dos direitos sociais e a emergente agenda internacional dos di-
reitos humanos. Tal como a Declaração de Bangalore e o Plano de Ação
de 1995 (Hunt, 1996, Apêndice 4) exigia que os defensores dos direitos
3 Não há espaço neste breve capítulo para discutir os limites ecológicos do crescimento ou
para tratar do conteúdo do “desenvolvimento sustentável” (Meadows et al., 1972; WCED,
1987; Cahill, 2002).
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sociais os levassem mais seriamente, nós também temos que exigir que
a comunidade internacional das ciências sociais faça o mesmo. No pas-
sado, os direitos sociais foram descartados como uma ficção perigosa
- da direita do espectro ideológico, porque eles infringem os direitos
baseados na propriedade; e da esquerda, porque mascaram a natureza
exploradora das relações de classe. Embora recentemente o Escritório
do Alto Comissionado para os Direitos Humanos (EADH, 2002) tenha
formulado diretrizes para uma abordagem dos direitos humanos que
leve a estratégias de redução da pobreza, sua essência e status perma-
necem ambíguos. Certamente a linguagem do documento está mais
associada ao relatório do PNUD, de 2000, que discutimos acima: sua
premissa básica parece ser a de que a pobreza se equipara ao fracasso
do desenvolvimento econômico; e isso clama, não pelo fortalecimen-
to imediato dos direitos sociais, mas pela “instalação progressiva” de
redes seguras e boa governança dependente de um estilo gerencial de
monitoramento de desempenho.
Não deveríamos descartar o significado potencial daquelas di-
retrizes, assim como não deveríamos ignorar o significado considerá-
vel das ambiciosas Metas do Desenvolvimento do Milênio fixadas pelo
PNUD (UNDP, 2003). Contudo, na era da globalização, o perigo reside
em que os direitos sociais podem tornar-se um anacronismo inútil no
discurso dos direitos humanos ou um conceito que talvez possa, efe-
tivamente, desafiar as tendências globalizantes do capitalismo ao for-
necer a forma pela qual as necessidades podem ser articuladas, e as
demandas, concebidas no nível local. Acredito que esse projeto teórico
seria criticado pela nossa concepção da ética, de um lado, e pelo papel
do Estado, de outro.
Por sua vez, o desafio para os movimentos sociais e os ativistas
em favor dos pobres é repensar o papel do Estado e explorar uma série
de estratégias alternativas antipobreza pressupostas na negociação es-
tratégica dos direitos sociais. Podemos imaginar, dentro dos parâmetros
institucionais existentes, como seria possível modificar radicalmente as
políticas e a dependência dos procedimentos do Banco Mundial; invocar
os Novos Mapas sociais internacionais, regionais ou nacionais; expandir
o funcionamento das Comissões dos Direitos Humanos existentes; insti-
tuir Conselhos dos Direitos Sociais que funcionem conforme princípios
dialógicos (algumas dessas idéias são exploradas em Hunt, 1996, cap. 5).
Mas, acima de tudo, faz-se necessária uma mudança conceitual.
Ao reconhecer especificamente o vigor dos movimentos sociais
da América Latina, Escobar (1995) postulou a existência de três tipos
de discurso mediante os quais seria possível articular formas de luta:
o discurso do “imaginário democrático”, o discurso da diferença e o
discurso antidesenvolvimento. A noção do Estado ético que elaborei
acima dirige-se aos três:
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2 Sem desconhecer alguns efeitos de caráter temporário e mitigador que esses programas
focalizados possam ter sobre grupos de pessoas em estado de pobreza, a exemplo dos
benefícios da ajuda monetária que favorece o consumo de comunidades carentes. Tam-
bém não desconheço os esforços bem intencionados dos diferentes atores envolvidos no
enfrentamento da pobreza. A minha análise apenas alerta para os mecanismos de captura
e reconversão (involuntários) dos sentidos da ação pública, num contexto de hegemonia
da agenda neoliberal.
3 A palavra “modernidade” nas ciências sociais tem uma imprecisão conceitual, cobrindo
uma diversidade de fenômenos e processos. Ela pode significar, a um só tempo, a substitui-
ção da tradição pela razão e a secularização (Martucceli, 1999), como também modos de
vida ou de organização social que apareceram na Europa em torno do séc. XVII; e tiveram
influência planetária (Giddens, 1994). Neste capítulo, utilizamos a noção dessa perspecti-
va, destacando as mudanças relativas à construção do Estado social ao final do séc. XIX,
que exerceram influência importante sobre a formação de várias instituições dos Estados
nacionais na América Latina, na forma dos Estados nacional-desenvolvimentistas.
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4 Este Estado foi apenas parcialmente implantado no Brasil, nos anos do pós-guerra, mais
particularmente a partir do final da década de 1950, acompanhando o projeto nacional-
desenvolvimentista de substituição das importações e implantação de um processo de in-
dustrialização de bens de consumo duráveis. Os direitos sociais restringiam-se à camada
de trabalhadores assalariados vinculados ao mercado de trabalho formal. A Constituição
de 1988 universalizou o direito à assistência.
5 Não discutirei aqui as questões polêmicas que envolvem os objetivos, os recortes e os
alcances da Reforma da Previdência, que fogem aos objetivos deste artigo.
6 Especialmente os regimes especiais do funcionalismo público.
7 Esta reconversão, por exemplo, transforma o combate ao desemprego em ações de as-
sistência e não num projeto de desenvolvimento sustentado para o país, que possibilite a
geração de novas atividades e emprego.
8 A questão da pobreza foi um tema especialmente tratado nas décadas de 1960/70, a res-
peito das teorias de desenvolvimento capitalista periférico, da América Latina, através das
teorias da massa marginal (Nun, 1969), das teses sobre a marginalidade (Quijano, 1978) e
das teorias da modernização da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe). Essas foram objeto de críticas da “teoria da dependência”, de Fernando Henrique
Cardoso e Enzo Faletto (1970), e do livro de Francisco de Oliveira “A Economia brasileira:
Crítica à razão dualista” (1973), entre outros. A partir das lutas sociais dos anos 1970/80,
a questão passa a ser considerada, na América Latina, em termos da temática de acesso à
cidadania, com ênfase também em recortes socioculturais (já que os direitos sociais res-
tringiam-se aos trabalhadores assalariados). A Constituição Brasileira de 1988 apresentou
avanços significativos na extensão da cidadania, mas as reformas do Estado, de caráter
neoliberal, da década de 1990, têm atuado no desmonte dos direitos sociais (Reforma da
Previdência, políticas focalizadas, desregulação das Leis trabalhistas etc.). É nesse contex-
to que a questão da pobreza é re-introduzida na agenda de instituições multilaterais e dos
governos nacionais e subnacionais (World Bank, 1997 e 2001; PNUD, 1997) .
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9 Este ciclo de mudanças aconteceu em toda a América Latina: a eclosão dos movimentos
sociais das décadas de 1970/80; abertura democrática e a posterior implantação de refor-
mas liberais que evoluíram, neste período, segundo ritmos mais ou menos distintos em
cada um dos países da região.
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14 Trato de exclusão social e não apenas da pobreza para referir-me às novas condições
sociais do final do séc. XX. Neste sentido, “exclusão social” ressalta o processo de desi-
gualdades, e, portanto, das dificuldades de atender a um ideal igualitário das sociedades
democráticas. Assim, a exclusão é mais que uma categorização a partir da situação socioe-
conômica de um grupo de pessoas e diz respeito ao processo de expulsar ou deixar de fora
grupos de pessoas dos valores e benefícios institucionais da sociedade. Ainda que tenha
relação com a pobreza, nem todo excluído é pobre.
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15 Trata-se dos efeitos produzidos pela crise cambial ocorrida no México, em 1994. No
Brasil, o efeito desta crise se expressou na fuga das reservas internacionais do País, que
caíram 25,8% em nove meses, passando de US$ 43 bilhões (julho de 1994) para US$ 31,9
bilhões (abril 1995), de acordo com Filgueiras, 2000.
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17 A linha de pobreza resulta do cálculo do custo de uma determinada cesta básica de bens
e serviços, empregando o método do “custo das necessidades básicas”. Uma pessoa é con-
siderada pobre se a renda familiar per capita for inferior ao valor desta linha de pobreza,
ou seja, ao montante mínimo necessário para satisfazer suas necessidades essenciais. A
linha de indigência refere-se ao custo de uma determinada cesta básica de alimentos que
cobre as necessidades nutricionais da população, tomando-se em consideração os hábitos
de consumo e a disponibilidade de alimentos (CEPAL, 2003). O PNUD 1997 usa uma linha
de pobreza para a região da América Latina e Caribe de 2 dólares/dia.
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A refilantropia da pobreza
Apesar da pobreza ter sempre constituído uma realidade preexistente à
mudança de paradigmas dos anos 1980, atualmente é percebida como um
fenômeno que a crise dessa década ampliou e agudizou, e a atenção a ela,
no marco de uma distribuição mais justa dos recursos, é condição de de-
senvolvimento humanitário. Por outro lado, acompanhando o processo de
democratização da sociedade brasileira e os compromissos internacionais
no combate à pobreza, firma-se cada vez mais o compromisso de toda a
sociedade no enfrentamento dessa questão, através do apoio de uma ampla
rede de sociabilidade comunitária, a partir de práticas solidárias – algumas
de caráter filantrópico –, muitas vezes alternativas à ausência do Estado.
Ou seja, as mudanças e diagnósticos críticos quanto à ação restritiva do
Estado no âmbito das políticas sociais, assim como o capital social preexis-
tente, de algumas ONGs e entidades filantrópicas, têm solidificado o caráter
emergencial e estratégico da ação humanitária em favor das camadas mais
pobres da sociedade. Isto implica também o deslocamento da responsabi-
lidade social do Estado, como proteção contra riscos, para uma responsa-
bilidade da sociedade civil. Ainda que os esforços solidários da sociedade
civil sejam fundamentais no encaminhamento da questão da pobreza e da
inclusão social, em países cuja herança das desigualdades sociais atinge o
patamar demonstrado, como o Brasil, a erradicação da pobreza não pode
prescindir de uma ação deliberada e eficiente do Estado no âmbito social.
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seja como resultado de suas lutas e resistências, seja pela crença na po-
tencialidade mobilizadora das classes populares no provimento de sua
reprodução no cotidiano e no plano das lutas e resistências no provi-
mento de serviços públicos em geral. Isso supõe entender que a questão
da pobreza envolve, também, o desenvolvimento de capacidades19 pre-
existentes dos próprios pobres no provimento das condições de supera-
ção da pobreza. Essa percepção, mais recente, implica a compreensão
de que as questões do desenvolvimento supõem sujeitos participativos
e engajados, ou seja, o desenvolvimento do senso cívico.
Os sentidos dessa mobilização dos pobres têm, no entanto, sig-
nificados e formas operativas diversas, segundo os atores e a ordem de
concepções e valores que os mobilizam.
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2 O termo MAUSS possui, na verdade, dois sentidos. Por um lado, significa Movimento
Antiutilitarista, nas Ciências Sociais; por outro lado, contém uma homenagem a Marcel
Mauss, um dos fundadores da Sociologia francesa que é tido como uma das referências à
crítica do utilitarismo econômico, já nos anos vinte do século XX. Tal crítica está presente
na sua obra mais célebre, Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades ar-
caicas (Essay sur le don. Forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques).
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5 A idéia de desconstrução é cara a Jacques Derrida (1967) visto que a mesma permite o lu-
gar da diferença (différence) na constituição das unidades discursivas possíveis. Essa idéia
aparece, particularmente, creio, como um recurso teórico importante para desfazer o mito
da modernização, permitindo compreender, pelo processo desconstrucionista, que exis-
tem relações estreitas entre desenvolvimento nacional, pós-colonialismo e globalização.
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reforça o fetiche da mercadoria. Por outro lado, concluo que, por trás
dos sinais de uma cultura de massa uniforme, vem emergindo um pro-
cesso ambivalente de recomposição de antigas referências simbólicas
e culturais (nacional, regional e local), as quais se revelam através de
experiências autonomizantes tanto do ponto de vista sócio-psíquico
como político.
Do meu ponto de vista, essa leitura da globalização como fenô-
meno ambivalente tem relevância para a crítica teórica por permitir um
melhor entendimento sobre o fato de que a realidade social não se sub-
mete passivamente às estratégias do poder econômico hegemônico. Na
realidade social, existe, potencialmente, a chama sempre viva de uma
poderosa resistência prática e teórica. Além do mais, continuo a crer que
a saída para o desafio enfrentado pelas sociedades nacionais comprome-
tidas com a idéia de modernização democrática encontra-se justamente
na tentativa de criação de uma política antiutilitarista que seria constitu-
ída por duas linhas de pensamento: uma delas se identifica com a crítica
feita pelos teóricos do pós-desenvolvimento, os quais associam a globa-
lização ao projeto neocolonial; a outra busca resgatar o papel da política
e do Estado no questionamento prático dos rumos da atual globalização
– essa segunda linha é contestada pelos signatários do Manifesto.
Uma crítica antiutilitarista coerente deve ser suficientemente bem
embasada em termos de seus usos e conseqüências políticas. Para ser ca-
paz de inibir os efeitos perversos do imaginário utilitarista e econômico.
Também deve favorecer novas experiências de associação e solidariedade
em vários planos de organização da vida coletiva, especialmente aqueles
planos da democracia direta e da democracia representativa, como tam-
bém aquele das associações espontâneas. Na esfera da vida cotidiana, as
trocas econômicas mercantis voltadas para o lucro – que os ideólogos
neoliberais buscam vender como sendo os fundamentos da única econo-
mia verdadeira, a do “mercado” –, deveriam conviver de igual para igual,
sob as mesmas regras de funcionamento, com economias não-mercantis
e não-monetárias. Exemplo de tais economias plurais é oferecido pela
Economia Pública, formada a partir de um fundo público gerido pelo
Estado. Ela tem um formato monetário, pois se constitui a partir dos
impostos e taxas públicas, mas não é mercantil por não estar sujeita ao
jogo do mercado. Um outro exemplo é o que chamamos de economia
doméstica, na qual circula o dinheiro, mas que não visa ao lucro, ou,
então, a economia solidária que é baseada em trocas de serviços e ações
coletivas solidárias, não mercantis (Laville, 2002).
Essa idéia de pluralidade é também compartilhada por Alain
Caillé e Ahme Insel, mas numa perspectiva diferente daquela dos sim-
patizantes do Manifesto. Para esses autores, o principal efeito da globa-
lização foi sabotar os mecanismos de regulamentação e de solidarieda-
de nacionais, abrindo caminho para a perda de visibilidade pública dos
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A Estratégia de Redução da
Pobreza e a Abertura Educacional
na Guatemala do Pós-Guerra
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mente, não chegasse a consolidar-se, uma vez que, como havia sucedi-
do em outras oportunidades ao longo da história nacional, logo seria
abortado, dessa vez, mediante um processo produzido e negociado nos
escritórios do Departamento de Estado norte-americano.
O governo de Jacobo Árbenz (1951-1954) (Velázquez, 1994) cons
tituiu uma proposta modernizadora nunca vista antes no país, que
pretendia não só pôr-se em dia com as exigências das relações pro-
dutivas, mas também buscar uma distribuição de riqueza mais justa
e adequada. A derrota desse projeto originou, como expressa Torres-
Rivas (1998: 12), “uma reação violenta e prolongada da sociedade gua-
temalteca”, conduzindo ao que ele chama de a “crise conjuntural do
poder reacionário”. O esforço para alcançar o desenvolvimento capi-
talista numa sociedade dominada por poderes oligárquicos e grupos
foi simplesmente anulado.
Mas, os avanços alcançados fizeram com que as tentativas de re-
tornar ao passado não se convertessem em realidade, vindo a produzir
o que, em palavras desse mesmo autor, seria uma “crise política conjun-
tural” (Idid), construída, fundamentalmente, nas dificuldades de repro-
dução, tanto do sistema econômico como político. Como afirma aquele
autor, foi notória, nos anos seguintes, a dificuldade que os grupos mili-
tares/civis “enfrentaram para restabelecer a ordem política estável que
exigia a Guerra Fria”.
É diante dessas dificuldades que os militares, convencidos de sua
missão salvadora e controladora do poder público, chegam ao poder
amparados em justificativas ideológicas e culturais que competiam
com as visões e condições da Guerra Fria. O medo da democracia, a in-
capacidade política para entender as exigências do mundo atual condu-
ziram os grupos militares e seus aliados, a oligarquia nacional e o poder
político norte-americano, a dificultarem todo e qualquer esforço libe-
ralizador, ainda que em detrimento da modernização do processo eco-
nômico. Enquanto os primeiros mantinham a ordem a sangue e fogo,
as oligarquias continuavam extraindo da terra e de seus trabalhadores
toda a riqueza possível sem maiores esforços. Logo os militares desco-
briram que podiam, também, controlar o poder econômico, razão por
que, de aliados da oligarquia, passaram a fazer parte dela, convertendo
o jogo político em simples processo de alternância de grupos militares
aliados, marginalizando e perseguindo todo aquele que defendesse al-
guma proposta minimamente democrática.
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2 Para maior clareza da suposta distribuição da população indígena, ver Anexo 1, Quadro
Guatemala, Proporção de população indígena segundo censo de 1994. Além disso, existem
outros dois grupos afro-americanos, os Garífunas e os Xincas, de peso populacional muito
menor.
3 Os dados do Censo de 1994 situam em 42% o número de pessoas que se identificam como
indígenas. Não obstante, a Pesquisa Nacional de Rendas e Despesas Familiares 1998/99
eleva esse percentual para 48% (SNUG, 1999: 129). As cifras anteriores fazem supor um
crescimento de 6% da população indígena em apenas quatro anos, mostrando a dificulda-
de tanto no tratamento comparativo entre censos e pesquisas, como na tentativa de iden-
tificar cidadãos como membros de um grupo étnico determinado. Tanto questões estatís-
ticas como as propriamente orientadas para a assunção da identidade indígena poderiam
estar por trás dessas diferenças, mas também pode-se supor certa irresponsabilidade no
levantamento dos dados.
4 32,8% da população do país constituem-se de quatro etnias diferentes, sendo a K’iche a
majoritária, com 12,7%. A isto deve-se adicionar que, enquanto esses quatro grupos estão
próximos a centros urbanos, onde representam a maioria da população, isso não ocorre
no caso dos demais. Cidades como Quetzaltenango, Santa Cruz del Quiché e Totonicapán,
com categoria de capitais departamentais, são centros de alta representação K’iche’; San
Marcos é dos Mam; Cobán, dos Q’echi’ e Chinaltenango, dos Kaqchiqueles, grupo este que,
além disso, é o que geograficamente fica mais próximo da capital do país.
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74% do total dos indígenas nessa situação, afetando 75% dos habitantes
das áreas rurais. Isso significa que a pobreza, na Guatemala, como tem
sido desde a chegada dos conquistadores, é indígena-rural.
Dois anos depois, em 2000, segundo dados da Pesquisa Nacional
de Condições de Vida (INE/ENCOVI, 2000), 56% da população viviam
em condições de pobreza. Embora, conforme documentos recentes, a
pobreza tenha sido reduzida em aproximadamente 6% em onze anos, a
diminuição é mínima, considerando a taxa de crescimento nesse mes-
mo período. Além do que, apesar dos ajustes que possam ser feitos nos
dados obtidos, as informações prévias para o ano 2000 foram constru-
ídas de maneira distinta.
Embora seja possível aceitar certa diminuição percentual do
número de guatemaltecos pobres, esses mesmos dados oferecem uma
informação alarmante: quase 80% deles são pobres crônicos, estando,
além disso, outros 10% da população total em condições de vulnerabi-
lidade com relação à pobreza, o que, em outras palavras, significa que
estão em processo de empobrecimento. Tudo parece indicar que as pos-
sibilidades dos pobres deixarem de sê-lo estão cada vez mais longe.
O estudo de López (1999) permite acrescentar que a pobreza é
cada vez maior naqueles lares onde o pai não é o provedor da famí-
lia, o que indica a marginalização e segregação que as mães sofrem
no mercado de trabalho. Se acrescentarmos que a ruralidade é parte
inerente do fenômeno da pobreza guatemalteca, pois mais de 81%
dos pobres e 93% dos extremamente pobres vivem no campo, é válido
concluir, neste sentido, que as mães solteiras da área rural e indígenas
são as que mais diretamente compõem, junto com suas famílias, os
bolsões de pobreza deste país.
Para tornar mais complexo o quadro, conclui-se que a maneira
pela qual os diversos contingentes sociais assumem a pobreza pode ser
bem diferente. Diante de condições semelhantes de falta de renda, grupos
distintos podem considerar satisfeitas ou insatisfeitas determinadas ne-
cessidades. E mais: o que, para alguns, é uma necessidade básica, como,
por exemplo, escolaridade ou saúde, para outros, não o será tanto. Assim,
os fatores subjetivos na interpretação grupal da pobreza poderão tornar
mais aguda e dramática a vulnerabilidade de determinados setores sociais,
pois os mecanismos que os diferentes grupos possam utilizar para mitigar
sua pobreza podem não estar resolvendo suas necessidades básicas.
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Quadro 1
Número de escolas e alunos conforme tipo e área
Tipo de escola Total Escolas % Escolas Total Alunos % Alunos
Rural Bilíngüe 3.519 25,0 10.102 0,59
Rural Monolíngüe 9.201 65,5 433.566 25,71
Urbana Bilíngüe 41 0,3 256.380 14,91
Urbana Monolíngüe 1.297 9,2 1.019.679 59,29
Total 14.058 100 1.719.727 100
5 A proposta da educação bilíngüe ainda é muito rudimentar, e mais do que promover a in-
terculturalidade, o que se pretende é ensinar leitura e escrita em língua materna, sem que
exista um investimento significativo na produção de textos, revistas e livros nos idiomas
indígenas. Os livros de texto apenas existem em duas das quatro línguas predominantes.
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6 O modelo, chamado de PRONADE, tem sido estimulado na área rural e, embora tenha
logrado ampliar a cobertura, não tem sido avaliado no que diz respeito à sua eficiência
referente à qualidade da aprendizagem
7 Das quatro etnias mais numerosas, a Q’eqchi’ é a que possui menor cobertura escolar,.
59%, o que a identifica como a menos atendida e mais marginalizada.
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muito a ver com o indígena, pois a cobertura total da zona rural era de
75%, isto é, menor que o total do país – 79% – e a mesma proporção que
a da população indígena8.
Embora os dados de cobertura devam ser tomados com cautela,
pois podem incluir distorções, a cifra mais significativa refere-se à re-
petência, que, como é de esperar, é muito mais alta nos dois primeiros
anos da educação primária: da ordem de 22% no primeiro ano e de 14%
no segundo, sendo que neste nível a grande maioria das crianças indí-
genas e rurais é obrigada a abandonar a escola dada sua desvantagem
cultural e lingüística.
8 INE/ENCOVI 2000. Deve-se considerar que esses dados de cobertura não se referem
diretamente ao grupo de idade, o que torna mais do que provável que um amplo número
dos matriculados seja de maiores de 12 anos.
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mais para encorajar do que para lutar, utilizando todo o discurso contra-
insurgente como simples justificativa do autoritarismo e corrupção que
se impunham (Schirmer, 1999).
Enquanto os anos de 1970 podem ser vistos como o período em
que as forças armadas se preparam, se consolidam no poder e eliminam
qualquer oposição. É, também, aquela mesma década a fase durante a
qual aquela força torna-se muito mais visível e beligerante, estabelecen-
do o “jogo da democracia”, processo através do qual as distintas facções
que foram se formando no exército reinstalam-se no poder.
No que diz respeito à insurreição, o processo foi mais lento. En-
quanto a década de 1960 pode ser considerada como a época da pré-
história do movimento armado, carregada de romantismo e esponta-
neidade, o decênio seguinte qualifica-se como o período durante o qual
as forças guerrilheiras se consolidam e profissionalizam-se em um pro-
cesso que, embora aparentemente liderado pelo movimento revolucio-
nário, na prática, foi simplesmente reativo às ações contra-insurgentes.
Os guerrilheiros foram avançando em suas formas de luta e defesa de
acordo com os golpes e pressões recebidos9.
Assim, não é falso afirmar que a guerra, afinal de contas, foi sen-
do imposta à sociedade guatemalteca como a única saída para o con-
flito social e político. Foram fechadas as portas da negociação política,
do império da lei e de uma solução adequada e de longo prazo para
suas grandes dificuldades econômicas. Os seqüestros, cada vez maiores
e mais violentos, a estratégia de “terra arrasada”, a repressão e os as-
sassinatos em via pública foram os pilares sobre os quais o projeto con-
tra-insurgente consolidou-se, evitando, com essas práticas, qualquer
movimento democrático e que os problemas socioeconômicos fossem
claramente discutidos e enfrentados.
A cada quatro anos, desde os meados de 1960 até 1982, os milita-
res se dedicaram a usufruir o poder, sem permitir que as forças civis se
perfilassem como alternativa, impedindo, além disso, que o incipiente
processo industrializador, iniciado na década de 1970, chegasse a bom
termo. De igual brutalidade, e crueldade, foram os quase quatro anos
de regimes militares de fato, durante os quais, embora se tentasse de-
volver o governo aos civis, o projeto contra-insurgente e seus principais
pilares ideológicos não sofreram maior variação.
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15 O atual presidente guatemalteco construiu toda a sua proposta eleitoral com promessas
de soluções rápidas para os problemas do país; já no exercício do poder, suas ações foram
não só desordenadas, mas também sem impacto no modelo econômico vigente. Entrevis-
tado em uma rádio, afirmou que “todo político tem que mentir para chegar ao poder”.
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Exclusão
A exclusão é um conceito fortemente ligado às literaturas política e aca-
dêmica francesas; vem à luz no ano de 1974, em um documento assi-
nado por René Lenoir. Nele, enumera-se um amplo leque de pessoas
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Underclass
O termo underclass tem uma história de mais de trinta anos nos Estados
Unidos e, semelhante ao conceito de exclusão, possui origem política e
jornalística mais que acadêmica. Geralmente, atribui-se a Myrdal (1944)
a criação do termo underclass, com o objetivo de designar uma classe
desprivilegiada de desempregados, sem perspectiva de emprego e su-
bempregados, vítimas da própria dinâmica do sistema econômico (Gans,
1996). A palavra, contudo, tornou-se popular quando surgiu um relatório
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Marginalização
O termo marginalização é, teoricamente, alimentado por duas vertentes:
por um lado, as reflexões de Marx e, por outro, as da escola de Chica-
go (Fassin, 1996). Cada uma delas permitirá constituir, com maior ou
menor intensidade, três dimensões de estudo: econômica, urbana e cul-
tural. Dos trabalhos realizados por Marx, o conceito de marginalidade
retomará as análises realizadas por ele em torno do desenvolvimento do
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Conclusões
Contudo, as políticas de “luta contra” a pobreza, em termos da gestão
territorial e do ciclo de vida, são inadequadas. O problema é que não
resultam efetivas sem uma perspectiva distinta que aponte as causas da
pobreza e uma visão que inclua a definição precisa do papel que o Estado
tem que desempenhar como mecanismo de articulação do desenvolvi-
mento social. Isto implica pensar na própria definição do Estado que
se deseja. É inegável que as condições que deram espaço ao Estado de-
senvolvimentista mexicano são impossíveis de reproduzir e, certamente,
pouco desejáveis, na medida em que, está baseado em um profundo espí-
rito antidemocrático e autoritário. O atual governo federal tem divulgado
que sua política está fundamentada na mudança das velhas formas de
dirigir a res pública. Ao menos no que trata de desenvolvimento social,
isto parece não ser tão certo. A falta de uma crítica ao modelo de desen-
volvimento econômico é uma realidade como o foi nos últimos governos
pós-revolucionários que o antecederam. A crença de que a pobreza é o
resultado da incapacidade dos indivíduos de enfrentar os processos de
inserção econômica e social permanece, mesmo que se faça mais com-
plexo o modelo de interpretação da pobreza. A transferência do que se
poderia chamar as políticas do Estado social para meras ações de ges-
tão pública consolidou-se com o atual governo federal, pelo que se deve
esperar pouco no que se refere ao combate à pobreza, a menos que os
sinais de uma eminente catástrofe social ou uma revolta social se façam
presentes, como já ocorre em alguns estados da República.
Entretanto, as políticas de assistência social poderão tornar-se
redundantes se a discussão sobre o tema da pobreza continuar a ser
conduzida em termos de políticas públicas sem considerar a necessida-
de de incluir a questão do Estado como seu eixo principal. Sem dúvida,
isto está relacionado à rearticulação da estrutura de poder da socieda-
de mexicana que tende a transformar o caráter social dos problemas
– como o da pobreza –, em assuntos individuais, rompendo, assim, com
os laços de sociabilidade que tendem a gerar os problemas coletivos. A
partir desta perspectiva, o Estado permanece restrito a um elemento
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Nelson Arteaga Botello
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5 Note que na versão do programa de renda mínima associada ao bolsa-escola há, pelo
menos, uma tentativa de modificar esses parâmetros da mobilidade social através da edu-
cação dos pobres, o que, se bem sucedido, poderia levar, a longo prazo, a uma alteração
(pequena) na matriz de transição social, uma vez que a ajuda se restringe à educação
formal primária, que tende a ser universal nos dias de hoje. Ou seja, estaria, pelo menos,
igualando as condições iniciais de partida dessa criança pobre em relação ao quesito edu-
cação primária, mantidos constantes os demais elementos da matriz de transição.
6 Através do Projeto do Deputado Nelson Marchezan, de 1995, aprovado pela Câmara dos
Deputados.
7 O Auxílio às Famílias com Crianças Dependentes (AFDC) foi criado em 1935 pelo Social
Security Act.
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9 Apesar desse nome, o programa nada tem a ver com a proposta homônima feita recente-
mente pelo Senador Eduardo Suplicy, que estipula o pagamento de uma renda monetária
a todos os brasileiros, independentemente da renda.
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a) O cheque cidadão
Um exemplo de como a sociedade civil pode colaborar para reduzir o
problema da fome através de doações é o do cheque cidadão. Embora
não haja nenhum incentivo fiscal que beneficie os doadores, diversas
redes de supermercados do Rio de Janeiro estão distribuindo um vale-
compras no valor de R$ 100,00 para famílias carentes previamente ca-
dastradas. O vale-compras permite que esse público beneficiário tenha
acesso a alimentos e produtos de higiene e limpeza, sendo proibida a
compra de cigarros ou bebidas alcoólicas. A única exigência é a de que
o chefe de família selecionado deva ter seus filhos na escola e a carteira
de vacinações em dia.
O programa foi iniciado em 1999 pelo governo do estado do
Rio de Janeiro em conjunto com a Associação dos Supermercados do
Rio de Janeiro (Asserg), tendo sido distribuídos naquele ano cerca de
10 mil cheques. Embora o programa não tenha benefício tributário
algum, já foi possível detectar um crescimento de vendas nos super-
mercados participantes do programa. O Supermercado Sendas, por
exemplo, relata um crescimento nas vendas de 1% a 2% decorrente de
uma maior compra por parte dos beneficiados ou de um maior fluxo
nas suas lojas.
Avaliações feitas por Lobato (2000) indicam que, em meados
de 2000, o programa atendia a 27.500 famílias, sendo que a meta era
atingir 40.000 até o final do ano. Vários problemas têm sido apontados
na implantação desse programa, sendo o principal deles o seu caráter
clientelista. As famílias devem ser cadastradas junto às lideranças lo-
cais, inclusive as religiosas, sem qualquer controle ou cruzamento de
informações, permitindo que o direito a receber os cheques seja atri-
buto exclusivo de correligionários ou freqüentadores de determina-
dos templos religiosos ou partidos políticos. Outra crítica é a de que o
programa tem servido exclusivamente para os supermercados de áreas
mais carentes deterem saques ou mesmo manifestações de violência
que vinham ocorrendo nesses estabelecimentos ao final dos de um pro-
grama social de combate à fome.
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Conclusão
Este artigo buscou analisar a diferença entre as propostas de distribuir
apenas uma pequena renda em efetivo e as propostas alimentares espe-
cíficas, como os cartões-alimentação utilizados no Projeto Fome Zero.
Na primeira alternativa, nenhuma alteração ocorre, necessariamente,
nos elementos da matriz de transição, ou seja, os determinantes da mo-
bilidade social e da estrutura econômica e política que geraram aquela
condição de desigualdade permanecem como tal. Na transferência de
renda vinculada, ao contrário, estaria sendo reativada uma dinâmica
de geração de emprego e renda na agricultura familiar. Ou seja, uma
política de combate à fome estaria servindo de alavanca para reduzir
a pobreza dentro de um dos grupos mais precários do país, que estão
sendo excluídos socialmente, justamente porque se dedicam a produzir
aquilo que pobre come, ou seja, os alimentos básicos.
Na nossa opinião, os programas do tipo renda mínima são mais
apropriados às famílias de renda nula ou muito pobres e que se encon-
trem nessa situação de pobreza, em condições não transitórias - famí-
lias monoparentais chefiadas por mulheres, idosos, desempregados ou
trabalhadores temporários, sem casa própria, etc.
Defendemos, para as demais famílias pobres, um programa espe-
cífico de combate à fome no Brasil, baseado no sistema de transferência
de renda vinculada à alimentação, em razão de:
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1 O Plano Real foi o programa de estabilização brasileiro, iniciado em 1993-94, cuja im-
plementação envolveu três estágios: a) o estabelecimento de um equilíbrio fiscal com o
objetivo de eliminar o que seria a principal causa da inflação brasileira; b) criação de um
indexador único (URV – Unidade Real de Valor), cuja função era incorporar a alta inflação
associada à velha moeda (cruzeiro real); c) instituição da nova moeda (Real), a partir de 1º
de julho de 1994, quando a URV valia Cr$ 2.750,00 (dois mil, setecentos e cinqüenta cruzei-
ros reais) – ou seja, indexação global para, depois de algum tempo, fazer desindexação.
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Nesta seção final do capítulo, faz-se uma análise crítica dos programas
de emprego, sendo retomadas algumas proposições feitas ao longo do
texto e adicionadas outras, no que diz respeito aos limites e possibilida-
des de políticas públicas direcionadas ao mercado de trabalho.
Ficou evidente, a partir da descrição dos programas de empre-
go, a existência de um núcleo comum que pode ser identificado como
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8 Consultar <http://www.planejamento.gov.br/orcamento/conteudo/orcamento_2002/
orcamento_2002.htm>.
9 Estimativa recente de Ramos e Vieira (2000) situa em 30% a contribuição das diferenças
educacionais para a desigualdade.
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Polarização da renda
As desigualdades econômicas podem ser definidas como as diferenças
na distribuição de renda, no acesso ao bem-estar material e espiritual e
no consumo (Heller, 1999), e expressam o grau diferente de disponibili-
dade de recursos e dotação de meios para a satisfação de necessidades
que caracteriza distintos grupos sociais. Nesta trilogia (renda-acesso
ao bem-estar-consumo) as rendas monetárias individuais e familiares
– operacionalmente entendidas como a quantia em dinheiro que um
indivíduo ou família recebe de diferentes fontes (salários, pensões, lu-
cros, fontes informais e ações ilegais, etc.) em períodos determinados
constituem o indicador primário (não o único) para medir desigual-
dades, pobreza e inferioridade social, porque reflete a capacidade de
satisfazer necessidades que deve realizar-se através do mercado e para
medir quantitativamente as distâncias sociais.
No caso de Cuba, pode-se afirmar que as transformações socio-
econômicas de caráter socialista tiveram como efeito, nas três primei-
ras décadas de revolução, uma redução relevante das assimetrias veri-
ficadas na distribuição da renda da população e suas fontes, a tendên-
cia à desconcentração e a frágil presença de processos de polarização,
pela eliminação dos extremos mais agudos e marcados (excluindo-se
elites exploradoras, desempregados e os extremamente pobres) da es-
tratificação social.
Os 10% mais ricos da população recebiam 38% da renda total
em 1953, enquanto os 20% mais pobres percebiam 2,1%. Em 1978, a
apenas duas décadas de revolução, esta relação havia variado substan-
cialmente: 20% de nível econômico mais baixo participavam de 11% da
renda total e 20% das camadas superiores, 27% (Martinez et al., 1997).
É que as mudanças socioestruturais próprias da transição socia-
lista focalizaram, sobretudo, a expansão e o amplo predomínio do setor
público da economia nacional. Desta maneira, esse processo de descon-
centração da renda deve-se à estatização e salarização da maior parte
da renda individual e familiar. A proporção de trabalhadores estatais,
em relação ao total da população ocupada, variou de 8,8% em 1953, a
86% em 1970 e 94% em 1988 (Comitê Estatal de Estadísticas 1981 e
Oficina Nacional de Estadísticas, 1998).
A nacionalização do emprego foi acompanhada da formulação
e aplicação de um sistema salarial uniforme e centralizado, que dava
ao Estado participação máxima na fixação das retribuições, separando
a problemática salarial da área de atuação do mercado de trabalho,
que praticamente foi abolido, e que criou as condições para uma maior
igualdade na retribuição pelo trabalho, ao mesmo tempo em que pro-
punha-se garantir igual pagamento por trabalho igual (Nerey e Bris-
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Conclusões
A experiência cubana na luta contra a pobreza sugere aos países em de-
senvolvimento a idéia de que esta só poderá ser conduzida com eficácia
se for inserida numa perspectiva que a desvincule de políticas assisten-
cialistas e corretivas, e colocando-as na dialética relacional entre pobreza
–desigualdade–desenvolvimento, entendendo que a pobreza não é uma
situação social mas que, fundamentalmente, constitui uma relação so-
cial, e erradicá-la supõe eliminar as condições de sua reprodução, aque-
las que geram exclusão e, mais propriamente, expropriação. Essa tarefa
não parece factível na falta de um poder político que construa e leve a
efeito uma agenda social a partir dos interesses dos setores populares.
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Panorama
A redução da pobreza no mundo em desenvolvimento, até os anos 80
do século XX, esteve, freqüentemente de forma implícita, vinculada à
estratégia de desenvolvimento econômico mais abrangente. O cresci-
mento industrial mais alto e mais rápido, através da substituição de
importações, constituiu um aspecto destacado dessa estratégia em que
o Estado liderava o processo. A existência e a expansão das empresas
estatais (EEs) no seio dessas economias eram justificadas com base
em diversos objetivos, incluindo a eliminação das falhas do mercado,
o suporte ao desenvolvimento econômico, em que o setor privado era
bastante frágil, e a redistribuição da renda como meios para reduzir a
pobreza e as desigualdades.
As privatizações em larga escala, no mundo não industrializado,
tornaram-se parte do processo de liberalização que marcou a mudança
no paradigma de desenvolvimento a partir do início da década de 1980.
1 A pesquisa que deu origem a este texto foi realizada durante minha estada em Dhaka,
no verão de 2002, como parte de um programa mais amplo de Macroeconomics of Poverty
Reduction in Asia-Pacífic, encomendado e em parte financiado pelo Fundo das Nações
Unidas para o Desenvolvimento.
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2 Esta afirmação deveria ser não-controversa, uma vez que a relação da pobreza com
crescimento e distribuição é bem apresentada na literatura. Discussões extensas sobre isso
podem ser encontradas em Chenery et al. (1974), Ravallion (2001) e Dagdeviren, Hoeven
e Weeks (2002).
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O caso de Bangladesh
Bangladesh é um dos países mais pobres da Ásia. Embora, ao longo
dos anos, tenha havido algum progresso quanto à redução dos níveis
de pobreza, o quadro atual de bem-estar está longe de ser satisfatório.
As estimativas mais recentes mostram que o índice de pobreza naquele
país aproxima-se dos 45%, e seu nível na zona rural é ainda mais eleva-
do do que a média nacional (v. Tabela 10.1., abaixo)3.
Tabela 10.1.
A Abrangência de Pobreza em Bangladesh (índices proporcionais)
3 Note-se que o Interim Poverty Reduction Strategy Paper for Bangladesh (MOF, 2003) cons-
tata uma incidência de pobreza mais alta, em nível nacional (49,8%) e uma mais baixa em
áreas urbanas (36,6%).
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Tabela 10.2.
Demissões Resultantes da Privatização na Ásia Meridional
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7 Os quais não privam os trabalhadores com longo tempo de serviço dos seus benefícios
não relacionados ao trabalho.
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Tabela 10.3.
Recursos Gerados pelas Privatizações na Ásia Meridional (até 1999)
Bangladesh 60 502(*) 0
Índia 8.983 78 1.547
Nepal 13 10 1
Paquistão 1.993 106 939
Siri Lanka 807 75 408
8 De modo geral, sabe-se que a geração de renda através da desnacionalização de EEs com
características naturais de monopólio (como as de fornecimento de serviços públicos) é
muito mais elevada, o que não ocorreu em Bangladesh.
9 Estimativa feita a partir das cifras relativas aos Gastos do Governo no(s) Anuário (s)
Estatístico(s) de Bangladesh pelo BBS. As rendas da privatização para 1983 e 1984 são en-
contradas Humphrey (1990), as de 1989 a 1998 foram colhidas da Base de Dados on-line do
Banco Mundial, as quais podem ser acessadas através de http://www.privatizationlink.com
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Tabela 10.4.
Empresas a serem desnacionalizadas no Ano Fiscal de 2002-2003
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Tabela 10.5.
A proporção dos lucros líquidos das EEs (perdas) nos gastos do governo
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
(6,38) (5,34) 8,24 (2,79) 0,18 (2,18) (0,16) (4,87) (1,07) (1,34) (5,78)
219
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Tabela 10.6.
Subsídio total sobre a uréia e desempenho da CIQB/BCIC (milhões de Taka)
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Subsídio total uréia 5 6,1 4,8 5 12,8 13,9 11,7 4,9 2,7 3,7
Lucro/perda líq. CIQB/BCIC -0,34 -0,55 0,21 0,25 -0,75 -1,21 -2,38 -0,67 -1,42 -1,50
Lucros sem subsídio (*) 4,66 5,55 5,01 5,25 12,05 12,69 9,32 4,23 1,28 2,20
Uma vez que esses subsídios são levados em conta, as perdas líquidas
da CIQB/BCIC são convertidas em montantes substanciais de lucros
líquidos. As vendas subsidiadas das EEs a diversos setores não só afe-
tam seu desempenho financeiro, mas também têm implicações sobre
o crescimento econômico geral e a distribuição, na medida em que
representam efetivamente uma transferência do setor público para o
privado. A privatização de unidades como as BCICs pode pôr fim aos
investimentos de baixo custo.
De que forma esses subsídios afetariam os pobres? Bangladesh
é um país em que, no ano 2000, cerca de 63% dos trabalhadores ativos
estavam engajados na produção agrícola e, aproximadamente 75% da
população viviam no meio rural. Segundo a Pesquisa de Renda e Gas-
to Familiar (2000), a proporção de pobres no campo era de 52,5% em
2000. Se associarmos a propriedade da terra com a produção e o uso de
uréia, a presença de subsídio para esse produto tende a beneficiar uma
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10 Akram (2000) sugeriu que o levantamento de Sen indicaria um índice de 28% de fe-
chamento/saída se o termo “fechamento” for modificado no sentido de levar em conta
as diferentes formas que assume (por exemplo, “inatividade”). Em todo caso, o índice de
fechamento é muito mais do que marginal.
11 Os cortes no emprego sempre foram considerados como fator principal para gerar lu-
cros após a desestatização. Ver, por exemplo, La Porta e Lopez-de-Silanes (1999) e Kikeri
(1998) sobre isto.
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Conclusões
A experiência de Bangladesh, no que se refere à privatização e suas im-
plicações para o bem-estar social, contém muitas lições para os países
em desenvolvimento, sobretudo aqueles cujo status classifica-se como
de baixa renda. Este estudo traz à luz algumas dimensões da privatiza-
ção em razão de suas conseqüências para a redução da pobreza. Antes
de tudo, o custo do emprego, associado à reestruturação da força de
trabalho, no processo de privatização pode ser maior do que seus be-
nefícios imediatos, se é que estes existem. A demissão é a pior forma
de reestruturar a força de trabalho em países como Bangladesh, nos
quais a seguridade social e os serviços de saúde estão, em sua maio-
ria, relacionados ao trabalho ativo, e não universalmente destinados ao
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226
Hulya Dagdeviren
227
A pobreza do estado
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Hulya Dagdeviren
229
Rowan Ireland*
Introdução
O Jardim Oratório é uma favela com cerca de 15.000 habitantes, si-
tuada na cidade de Mauá, na periferia sudeste da Grande São Paulo.
Tenho acompanhado as vicissitudes de sua Comissão da Terra desde
1988, quando passei os primeiros quatro meses como residente naquela
comunidade, realizando a primeira de várias etapas de um trabalho de
campo que continuou nos anos 1991, 1992, 1996 e 2001. O acompanha-
mento da atividade dessa Comissão foi o mais intensivo de uma série
de estudos de caso acerca de associações locais cujos membros con-
sideravam-se parte do movimento popular brasileiro como um todo,
muito aludido na década de 1980, porém tendendo a sair de cena neste
novo século1. O objetivo desses estudos de caso longitudinais foi de-
233
A pobreza do estado
2 Daniel Levine define ‘sujeitos populares’ como um “conjunto de homens e mulheres con-
fiáveis, articulados e capazes, pertencentes a populações até agora silenciosas, desorgani-
zadas e passivas” (Levine, 1993: 171).
3 Talvez de forma não tão marcante quanto Evans, por exemplo, contribuiu para esse novo
corpo teórico com base em estudos de caso, inclusive o de Tendler, no Ceará.
234
Rowan Irelan
235
A pobreza do estado
Entrevista 1
com Mancha, assessor técnico da Comissão/1984-88, professor de ar-
quitetura e planejamento urbano na Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC) (Entrevista, novembro/1988).
O futuro
Mancha via sua participação regular na Comissão, nos fins de semana,
como o envolvimento numa manifestação local de um movimento po-
pular pela transformação da sociedade brasileira. Nesse Brasil melhor,
os pobres e os até agora excluídos serão cidadãos plenos, críticos, ati-
vamente envolvidos no planejamento urbano e na consecução de to-
dos os tipos de direitos humanos. Nas cidades melhores do futuro, das
quais terão sido co-construtores, eles poderão desenvolver seus, desde
já, ricos padrões de sociabilidade e mostrar a outros brasileiros como
compartilhá-los.
Adversários
Aqui estão incluídos, antes de quaisquer outros, as agências e os indiví-
duos, nos diversos níveis do poder público, que não somente insistem
em que a prerrogativa do planejamento tem que continuar exclusiva-
mente em suas mãos, mas que planejam as áreas urbanas com vista a
maximizar o controle sobre os pobres das cidades, e enfatizam mais o
intercâmbio do que os valores de uso do espaço urbano, centrados no
humano. A Sociedade de Amigos do Bairro (SAB) da localidade, que se
tornou um instrumento de clientelismo político local, também é um ad-
versário, na medida em que mobiliza os moradores com vista ao apoio
aos políticos locais, sem estimulá-los a articular as próprias demandas
e a desenhar os próprios projetos4.
4 Existem muitas SABs em SãoPaulo. Nem todas têm o caráter clientelista que Mancha e
outros membros da Comissão geralmente atribuem à SAB local. Tampouco se pode pre-
sumir que quando uma SAB é rotulada de clientelista, isso é tudo o que pode ser dito dela
no que tange às políticas de pobreza e desenvolvimento. No entanto, isso é verdade com
relação às SABs nascidas sob os governos municipais populistas em São Paulo, nos anos
40 e 50 do século XX; e ocorreu uma consolidação desse caráter clientelista em muitas
dessas entidades durante a década de 1950.
236
Rowan Irelan
Vulnerabilidades e forças
Mancha vê o perigo de que ONGs externas, que estão alocando recursos
essenciais para certos projetos da Comissão, aceitem as perspectivas das
agências governamentais quanto à regularização e à urbanização. Do
mesmo modo, existe o risco de que os moradores locais aceitem tais pers-
pectivas, uma vez que os títulos de propriedade tenham sido concedidos,
e os serviços básicos, fornecidos. Eis o perigo do sucesso: que o modo de
urbanização acabe com as relações locais de cooperação, subverta a cul-
tura popular e a formação da identidade local, esvaziando o movimento.
Outros perigos incluem o fechar-se em políticas de reivindicação a ponto
de tornarem-se demasiadamente voltados para a política partidária e as
lutas eleitorais locais. De modo mais geral, a negociação de qualquer
237
A pobreza do estado
uma das interfaces com o Estado, as ONGs, a Igreja, etc., todas essen-
ciais para a vida da associação e da comunidade local, também implicará
o perigo da cooptação. Paralelamente aos riscos, existem certas forças.
As cooperativas prometeram contra-atacar a tendência do movimento de
se desmobilizar uma vez conseguido um mínimo de urbanização. Os re-
cursos de ONGs internacionais reduzem a dependência do Estado, bem
como o risco, a ela associado, de se ficar preso à política da demanda. O
desenvolvimento, estreitamente vinculado, porém autônomo, da comu-
nidade da Igreja traz benefícios mútuos.
Entrevista 2
Com João André (JA), várias vezes presidente da Comissão e morador
da favela há 20 anos. JA nasceu na zona rural do Ceará, migrou, aos 13
anos, para o campo, no Paraná, e chegou a Mauá, em São Paulo aos 30
anos de idade. Atualmente, é contratado como conselheiro e assessor
em projetos de urbanização junto à administração do Partido dos Tra-
balhadores (PT)5, em Mauá, apesar de ter apenas o primeiro grau in-
completo. (Resumo das entrevistas feitas em 1988, 1992, 1996 e 2001).
O futuro
A visão de JA sobre um Brasil mudado é muito mais politicamente em-
basada do que a de Mancha. Desde o início da década de 1980, ele
milita no Partido dos Trabalhadores (PT), em nível local, e, em 1992,
teve sua candidatura apoiada para a Câmara Municipal, de modo que
não surpreende que o futuro pelo qual ele luta inclua o PT no poder em
todos os níveis de governo, aplicando seus programas voltados para a
eqüidade e os direitos humanos. Porém, a visão de JA sobre o próprio
PT permanece a mesma do início dos anos 80 do século passado: o
centro de gravidade do Partido deve estar nos seus núcleos locais, e sua
vitória política sinalizará e promoverá imediatamente uma cidadania
ativa e crítica nas bases populares. A governança no novo Brasil envol-
verá os “movimentos organizados” em nível local, ligados à Igreja e às
agências estatais, porém autônomos e internamente democráticos.
Adversários
Para além do Jardim Oratório, entre os adversários incluem-se elemen-
tos do governo local e agências como o Banco Nacional da Habitação,
que, segundo JA, procura “desfavelizar” e controlar as populações das
238
Rowan Irelan
Vulnerabilidades e desafios
As características da população do Jardim Oratório impõem desafios à
Comissão, que tenta maximizar a participação. A população é cultural-
mente diversificada. A falta de oportunidades de trabalho e, em épocas
de elevado desemprego, a luta pela sobrevivência redundam em pouco
239
A pobreza do estado
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Rowan Irelan
241
A pobreza do estado
mas também lei e ordem), e esses bens facilitam o trabalho das cooperati-
vas locais, então, sim, pode-se falar em “complementaridade”.
Nem Mancha nem JA recorrem às noções de incrustação ou com-
plementaridade. Mas, quando expõem suas metas, suas estratégias de ação
coletiva e suas vulnerabilidades, eles mostram que consideram a conquista
de sinergias como parte integrante da urbanização, seja como meio, seja
como fim. Eles percebem as limitações e os perigos de se atuar sozinho: a
falta de recursos e de competência técnica os aprisionaria nas malhas da
política reivindicatória reativa. E o comunitarismo introspectivo removeria
as múltiplas conexões externas, necessárias se se pretende que a transfor-
mação do Jardim Oratório constitua um capítulo local da transformação
nacional. E eles reconhecem, e buscam, os benefícios da interação com o
Estado e com as ONGs, sempre sob a condição de que a integridade das
partes envolvidas seja preservada: tal como a noção de sinergia deveria ser.
Em certo sentido, talvez, eles acrescentem uma crítica à noção
de sinergia. Ambos insistem na manutenção dos limites entre as par-
tes envolvidas nas sinergias e refletem sobre as vulnerabilidades dos
movimentos locais quando essas fronteiras são violadas. Eles estão,
na verdade, argumentando que nenhum valor é acrescentado se os
“de fora” que se integraram à comunidade calarem a voz e infringi-
rem a autonomia dos “de dentro”; e que não existe complementari-
dade se uma das partes simplesmente usa a outra para seus próprios
fins, os quais não foram negociados. Essa insistência é plenamente
consistente com a noção de Sen sobre a escolha social como meta de
desenvolvimento, e traz à tona a suspeita de que falar de sinergia é,
necessariamente, endossar o novo gerencialismo de muitas ONGs de-
dicadas ao desenvolvimento, assim como os Estados e as instituições
de governança mundial (Petras, 1999).
No marco da nova teoria do desenvolvimento, a cadeia de efei-
tos definida como “escalada” (do micro ao macro, das práticas locais
às instituições nacionais) é contingente no processo de sinergia assim
entendido. Esse é um importante ponto de partida da teoria de Put-
nam e outros, que vincula as associações locais à geração de capital
social e à ampliação da sociedade civil através da manutenção de uma
democracia institucional em nível nacional (Putnam, 2000). Segundo
a nova teoria do desenvolvimento, as associações locais não produ-
zem, por si sós, capital social passível de intercâmbio societal, assim
como tampouco a simples soma de associações amplia a sociedade
civil. A “escalada” só ocorrerá quando determinados tipos de associa-
ção local produzirem bens coletivos que agreguem valor às sinergias
descritas no Diagrama 1.
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Rowan Irelan
Diagrama 1
As ONGs, os movimentos sociais e o Estado nos processos de desenvolvimento
SINERGIAS
Movimentos sociais ONGs locais e
atuando localmente transnacionais
“inserção” “complementaridade”
Estado – Administradores
de Projetos
Desenvolvimento
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A pobreza do estado
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Rowan Irelan
Instantânea 2, 1992
Em torno do ano de 1992, a Comissão ficou impossibilitada de manter
os níveis de mobilização presentes em 1988. Vários fatores contribuíram
para esse declínio. Bandos de homens jovens, desempregados, porém
desejosos de tornarem-se consumidores da cultura global da juventude,
aterrorizavam a vizinhança. O medo impedia que moradores, sobretu-
do mulheres, se aventurassem a sair para reuniões e festas, religiosas e
sociais, que nutriam as raízes da Comissão em diversas partes da favela.
A violência também enfraqueceu o interesse na ação coletiva destina-
da a fazer do Jardim Oratório um lugar melhor para viver. As únicas
opções seriam aumentar a segurança da família ou, melhor, mudar-se
para uma área mais segura, se fosse possível encontrá-la e estivesse nos
limites de renda familiar. Foi o que ouvi ao entrevistar uma amostra de
245
A pobreza do estado
Instantânea 3, 1996
Em 1992, a Comissão mostrava-se impotente diante de um conjunto de
fatores, tanto em nível local quanto globalmente, que parecia subvertê-
la. Por isso, foi surpreendente descobrir, em 1996, que ela não apenas
havia sobrevivido, como também anotado conquistas em sua agenda
de urbanização, além de ter-se adaptado a algumas das circunstâncias
que, em 1992, pareciam subjugá-la. A Comissão liderou uma vitoriosa
campanha para enfrentar o seríssimo problema do destino do lixo na
favela. Nesse empenho, a Comissão trabalhou conjuntamente com ou-
tras associações antes consideradas rivais ou que subvertiam a esperan-
ça de uma comunidade unida e autônoma no Jardim Oratório. Entre
aquelas se inclui uma congregação pentecostal que permitiu o uso de
sua rádio comunitária no intuito de mobilizar os moradores para que
instalassem e mantivessem locais de coleta de lixo na vizinhança, e a
Sociedade de Amigos do Bairro (SAB), antes tida como uma entidade
clientelista, mas reconhecida, então, como dona de um potencial pró-
prio de mobilização em certas partes da favela. O projeto da destinação
246
Rowan Irelan
Instantânea 4, 2001
Muitas mudanças ocorreram em Mauá e no Jardim Oratório. Inclusive
o nome da Comissão, agora denominada Associação Comunitária em
Defesa da Cidadania – Comissão da Terra. Os vínculos com a comuni-
dade do Redentor foram atenuados porque os padres e seminaristas
fecharam sua casa. O PT está em seu segundo mandato em Mauá, e
diversos líderes da Comissão, inclusive JA, que é assessor técnico do Se-
cretário da Habitação, galgaram posições na administração. O Jardim
Oratório é muito menos uma favela, e muito mais um bairro popular.
Atualmente, existe uma rua semicircular pavimentada que corta o Jar-
dim Oratório, e um ônibus circular que vai até Mauá. O fornecimento
de água, as linhas de esgoto e a eletricidade já cobrem toda a área. As
“demandas” da Comissão, feitas ao longo de duas décadas, foram aten-
didas. A coleta e a separação do lixo, feitas em diversos pontos, funcio-
247
A pobreza do estado
Discussão
Essas instantâneas atestam a perspicácia de Mancha e JA quanto ao que
consideram as vulnerabilidades da Comissão e os desafios que deveriam
ser superados para que essa visão comum de um futuro melhor se tor-
nasse realidade. Na linguagem da Nova Teoria do Desenvolvimento, as
instantâneas sugerem que as sinergias acontecem apenas momentanea-
mente, e nunca de maneira sustentável; e que a “escalada” pára quando
as sinergias fracassam ou quando se impede que o movimento dê um
passo à frente.
As instantâneas revelam muito claramente a dificuldade de man-
ter o ritmo da demanda e dos projetos de cidadania tidos pela Comissão
como integralmente relacionados. Apesar de uma certa independência
dos projetos ter sido mostrada na Instantânea 2, na medida em que a
participação cidadã enfraquece devido ao fracasso das campanhas rei-
vindicatórias, a limitação de recursos e fatores atinentes ao ambiente
político parecem descartar o objetivo conjunto dos dois projetos. Ade-
mais, as sinergias desejadas pela Comissão, essenciais na Nova Teoria
do Desenvolvimento, mostram-se, em todo o período, impossíveis de
se alcançar. As alternativas prováveis, sugeridas nas Instantâneas 2 e 4,
aparecem como fracasso da sinergia, na medida em que nem o Estado
exclui a associação local nem a conquista. As fronteiras entre as partes
são, provavelmente, demasiadamente altas ou por demais permeáveis
248
Rowan Irelan
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A pobreza do estado
250
Rowan Irelan
neas não existem elementos que nos levem à conclusão de que quanto
mais extensa for a globalização, mais razão haverá para descartar asso-
ciações como a Comissão, bem como os movimentos de que são parte,
como parceiros nas sinergias locais pelo desenvolvimento.
A compreensão atual e mais sofisticada das ambigüidades das
distintas formas de globalização ajuda-nos a entender de que forma
os fluxos globais de recursos materiais e discursivos, além de pessoal,
enriqueceu e manteve a Comissão (Ireland, 2002). Mancha assinala que
o financiamento da Alemanha ajudou, certa vez, a Comissão a reduzir
a dependência do governo local e a concluir projetos que serviram a
dois propósitos: fazer previsões sobre o modelo da nova cidade do Bra-
sil desenvolvido do amanhã, e assegurar o futuro da Comissão após a
exaustão da política de reivindicações. Indiscutivelmente, o atual declí-
nio da Comissão somente poderá ser superado se as conexões e os flu-
xos globais permitirem uma retomada dos projetos da década de 1980.
O projeto da Comissão de promover a prática ativa da cidadania no
Jardim Oratório pode depender do desenvolvimento da sociedade civil
global (Waterman, 2001).
Contudo, a ressurreição dos projetos cooperativos não parece
provável, e se a visão e as energias da Comissão tiverem que ser no-
vamente mobilizadas e apoiadas financeiramente, o Jardim Oratório
pode não ser o local apropriado para implementar os antigos projetos.
Essa consideração, combinada ao contexto político apresentado na Ins-
tantânea 4, sugere que a Comissão já não desempenha seu pequeno
papel, em nível local, nos processos desenvolvimentistas no marco da
Nova Teoria do Desenvolvimento. A Instantânea 4 nos mostra o gover-
no local, mesmo nas mãos do Partido, dos movimentos, cooptando e
domando os líderes da Comissão, subvertendo seus projetos de criação
e participação, mesmo quando isso atende a demandas permanentes.
A partir das Instantâneas 2 e 4 tende-se à tentação de generalizar a
idéia de que a sinergia entre o governo local e as associações de igual
âmbito é quase impossível, uma vez que o Estado, impelido pela lógica
da maximização do controle e da minimização da incerteza, ou exclui
o movimento local ou o coopta. Se considerarmos as Instantâneas à
luz dos tipos de dicotomias discursivas antes assinalados, poderíamos
concluir que a Comissão nunca teve nada a ver com os processos de
desenvolvimento, representados no Diagrama 1.
De minha parte, argumento que essa não é uma conclusão neces
sária e que a própria história da Comissão, vista no contexto da rede de
movimentos de que ela faz parte e interpretada à luz de uma perspecti-
va mais dialética e histórica, ajudará a entender o notável e verdadeiro,
embora falho e descontínuo, processo de desenvolvimento que ocorreu
– e continua ocorrendo – no Brasil. Desenvolvimento, esse – tal como
concebido pela Nova Teoria do Desenvolvimento –, idealizado pela
251
A pobreza do estado
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A pobreza do estado
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A pobreza do estado
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John-Andrew McNeish
1 A Bolívia tem uma população indígena de pouco mais de 50%, e nesses termos, é somen-
te comparável à Guatemala.
2 O General Hugo Banzer era chefe do regime militar entre 1971 e 1978.
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Retórica e Realidade
Como resultado dessa importante ação em prol dos pobres, a Bolívia foi
elogiada, por personalidades influentes no Banco Mundial e pela comu-
nidade internacional como um exemplo da “boa prática” do desenvol-
vimento e reforma governamental4. Entretanto, apesar do entusiasmo
com o modelo boliviano de democratização e redução da pobreza, de-
monstrado pela comunidade internacional, existe um crescente reco-
nhecimento, no âmbito de pesquisadores e especialistas em desenvolvi-
mento, de que os impactos dessas medidas foram exagerados.
A Bolívia continua sendo um dos países mais pobres da Améri-
ca do Sul. Embora o PNUD declare que uma infra-estrutura melhor
para lidar com a pobreza tenha sido criada naquele país como resulta-
do do recente aumento dos investimentos sociais, e admite que pouco
se progrediu em termos de bem-estar se se comparar a renda com os
níveis de consumo (UNDP, 2002). De fato, a UDAPESE relata que,
entre 1999 e 2002, mais de 382.000 pessoas viviam abaixo da linha de
pobreza (em termos simples, renda inferior a 2 dólares por dia). Con-
seqüentemente, a pobreza cresceu de 62% para 65%, e em algumas
áreas rurais, no Altiplano do país, estima-se que o percentual atinge os
82% (Landa, 2002; Hernani, 2002). De 1999 a 2002, a distância entre
o rico e o pobre também aumentou. A renda média de 90% da popu-
lação é, agora, 15 vezes maior que a dos 10% mais pobres5. Embora
a economia boliviana continue a crescer em torno de 2,8%, porque
grande parte desse crescimento econômico ocorreu em áreas de alta
produtividade (principalmente o setor financeiro), absorveu apenas
10% da força de trabalho. Estima-se, agora, que 67% da mão-de-obra
boliviana estão empregados no setor informal.
Parece ter havido também pouco avanço em termos de expansão
democrática. Apesar da insistente retórica política sobre participação
e abertura democrática, são muitas as vozes insatisfeitas ou ocupando
seu lugar nas estruturas redesenhadas dos governos locais da Bolívia.
Nos últimos anos, as greves em diversos setores da força de trabalho,
urbana e rural, continuam freqüentes, as estradas permanecem bloque-
adas; e as grandes marchas, e manifestações de povos indígenas, vindas
do Altiplano e da parte baixa da capital, continuam a ocorrer com fre-
qüência cada vez maior. O presidente da república, Gonzalo Sánchez
4 Comentários do Dr. Deepa Narayan, editor de “Vozes dos Pobres”, do Banco Mundial.
Conferência da NORAD. Oslo, Noruega: outubro 2002. Comentários similares foram repe-
tidos em resultados de uma pesquisa recente sobre reformas de governo e econômicas no
país, e.g. “Descentralização e governo local na Bolívia: um panorama de baixo para cima”,
por Jean-Paul Faguet, Faculdade de Economia de Londres, Crisis States Programme, série
Working papers No. 1, maio 2003.
5 Índice coeficiente Gini de 0,56.
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Esperança e Decepção
Apesar da retórica da democracia e da bem sucedida reforma imple-
mentada pelo governo boliviano, uma pesquisa de abrangência local,
desenvolvida por analistas independentes no Altiplano da Bolívia, re-
vela a decepção das pessoas com os resultados das Leis da Participação
Popular e da Descentralização Administrativa. A pesquisa mostra que,
apesar de que as medidas estivessem bem apresentadas no papel – o
povo votando em eleições locais, assistindo às reuniões, registrando
suas organizações, elaborando planos de desenvolvimento, etc. –, as
próprias pessoas não obtiveram qualquer retorno de suas ações. Na ver-
dade, havia muito poucos sinais concretos de que houvesse melhorias,
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John-Andrew McNeish
Avançando?
Seria errado simplesmente colocar num mesmo cesto todas as políti-
cas e processos de democratização e de redução da pobreza, qualifi-
cando-os como um fracasso e uma dificuldade tão-somente da Bolívia.
Na realidade, isso seria tanto metodologicamente impróprio quanto
logisticamente impossível para caracterizar de maneira abrangente o
que estava ocorrendo em contextos tão imensamente diferenciados
dos pontos de vista histórico, político, social e econômico. Mesmo
dentro da própria Bolívia, existe certa variação entre regiões e áreas
culturais no sentido de que distintas políticas têm sido vivenciadas e
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7 Segundo entrevistas que fiz a Alcides Valdillo, Diretor de Fortalecimento Municipal jun-
to à SNPP, e David Teuchsnieder, do Banco Mundial, áreas como Santa Cruz e Tarija, na
planície boliviana, foram descritas como muito mais promissoras e livres de problemas
do que o Altiplano. As municipalidades são maiores, razão pelas quais, em termos de per
capita, recebem recursos financeiros mais substanciais para investir em administração e
desenvolvimento. As estruturas de poder indígenas nessas áreas foram consideradas mais
facilmente identificáveis, e suas lideranças locais mais dispostas a comprometer-se e ouvir
o que o Estado oferecia.
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Quadro 2.
Tabela Comparativa sobre Participação Popular e Descentralização
em países latino-americanos (baseado em Martínez, 1996:114)
Países Latino-Americanos
Objetivos Des. Reg. Desenv. Desenv. Planej. Plan. Des. Des. local
Descentr. Treinam. Descentr Des. Soc Probl. Urb. Descentr.
Bem-estar Saúde,
social Educação
Recursos Rec. Munic. 2% PIB 50% PIB Inv. em Transf. Rec. Finanças
% PIB Planos p/ Municip. Munic.
20% PIB
Localiz. Municip Min. Trab., Munic. Munic. Munic. Municip.
AME Empr.
CONADE Públicas
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John-Andrew McNeish
vremente. Segundo Stiefel e Wolfe (1998: 226), “os poucos projetos nos
quais a participação do povo foi buscada e adotada com sucesso são,
quase sem exceções, ‘acidentes’ [...], normalmente devido aos ingentes
esforços de um ou alguns poucos indivíduos engajados na organização
do ‘grupo alvo’, não sendo, portanto, resultado de nenhuma diretriz pla-
nejada pela organização”.
Escudando-se no medo do “desperdício”, do “mau gerencia-
mento” e da “corrupção” como motivos para intervir, os processos de
descentralização e de participação popular são freqüentemente usa-
dos como instrumentos para o restabelecimento do controle centrali-
zado. No interesse da soberania e da governabilidade, normas rígidas
e numerosas formas de controle mútuo entre órgãos governamentais
são postas em prática e reforçadas com vista a garantir que a parti-
cipação popular aconteça num ambiente controlado e permanente-
mente monitorado. Nesse processo, os sistemas informais locais de
pensamento, organização e autoridade são redesenhados de maneira
a adequá-los aos ditames oficiais – todos são localmente manipula-
dos e/ou resistentes. Na realidade, embora a linguagem política usada
para implantar os programas de descentralização e participação po-
pular possa referir-se ao respeito à cultura e à organização local, a ne-
cessidade, que o governo geralmente sente, de definir um sistema pa-
dronizado para toda a população dificulta, quando não impede, essa
sensibilidade8. Conforme Juan González (2000: 3) escreveu sobre a
Colômbia, “apesar da retórica política muitas vezes usada por trás do
discurso sobre democracia participativa e desenvolvimento no país,
foi a abordagem administrativa que se tornou dominante”. Ou seja, o
ideal da lógica formalizada e formalizante do governo – “a submissão
da oportunidade” – pouco difere do que tem sido aplicado por gover-
nos “modernos”, desde meados do século XIX (Scott, 1998; Hacking,
1990; Foucault,1991).
Em muitos sentidos, a lógica e a prática do governo, ou, melhor
dito, do poder, não foram mudadas pelos processos de descentralização
e participação popular implantados ao longo da última década. De fato,
mesmo que mudanças legais ensejem futuras aberturas políticas reais,
ter-se-ia a impressão de que isso não seria suficiente, no presente clima
internacional de política neoliberal e globalização, para respaldar a le-
gitimação duradoura do status quo. A Bolívia oferece muitas evidências
que sugerem que a descentralização e a participação popular se difun-
diram devido ao apoio de que são alvo, tanto do sistema político mun-
dial (ONU, ONGs internacionais) quanto das instituições financeiras do
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Conclusões
Em termos de política de mudança, as aparências podem realmente ser
decepcionantes. A maior parte da literatura sobre o desenvolvimento,
do mesmo modo que os programas que ela legitima, parte de uma con-
cepção específica de participação política que levaria ao poder emanci-
pador de comunidades e pessoas no processo de desenvolvimento. Isso
implica que as populações pobres marginalizadas são capazes de, por
si sós, alcançá-lo. Para tanto, precisam apenas de um financiamento
inicial e assistência técnica para caminhar com os próprios pés. “Aju-
de-os a se ajudarem”. No entanto, essa não é a trilha percorrida pelas
reformas. Na prática, os governos que buscam o desenvolvimento e
legislam sobre o assunto questionam o conhecimento e a capacidade
do povo de se auto-ajudar. As populações locais desenvolveram com-
plexas formas de organização, e têm sobrevivido apesar dos percalços
naturais, enquanto ignoram os governos. Devido a que as populações
locais são consideradas pelos governantes como carentes de capacidade
e de suficiente nível de consciência para promover, por si mesmas, as
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A crítica de Tendler
Tendler (2000: 114) cotejou essas conclusões num artigo ironicamente
intitulado Why are Social Funds so popular? (“Por que os Fundos So-
ciais são tão populares?”): “Diz-se que que eles [os FSs] reduzem a po-
breza e o desemprego, e criam serviços e pequenos trabalhos para uma
miríade de comunidades pobres de maneira descentralizada, orientada
pela demanda, participativa, de baixo custo e despesas fixas”.
1 A pesquisa de campo sobre os FSs durou cerca de uma semana em cada país. Entretan-
to, esse trabalho está incluído em projetos de pesquisa maiores sobre desenvolvimento
rural (Zâmbia, 1998-2002) e sobre reforma governamental (Tanzânia 2002-2005), respec-
tivamente. Ambos os projetos foram financiados pela Agência Norueguesa de Cooperação
para o Desenvolvimento.
2 Notas básicas para a apresentação da Avaliação do Impacto dos Fundos Sociais do Banco
Mundial em NORAD/MFA, Oslo, 15 de junho de 2001. Ver, também, Chase e Sherburne-
Benz, 2001.
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A abordagem tecnocratas-em-ação
Embora a crítica de Tendler seja bem-vinda, uma vez que estimula o
debate e novas pesquisas, padece do defeito da parcialidade. Sua abor-
dagem é basicamente economicista e incorpora uma racionalidade a
priori e unitária com relação aos atores principais: os tecnocratas e os
políticos. Acredita-se que basta alguém ter um interesse direto em de-
terminado arranjo social, esse arranjo torna-se realidade e, por conse-
guinte, faz-se o possível para que tal empresa tenha sucesso. Contudo,
os interesses desse grupo pode ter sido socialmente construído ao mes-
mo tempo ou a posteriori. Conseqüentemente, é provável que tal prática
dê origem a uma multiplicidade de experiências, postulados e interes-
ses claramente percebidos entre os diversos atores.
O desafio reside em captar essa multiplicidade nas práticas e ra-
cionalidades. São elas estáticas ou dinâmicas, sólidas ou contestáveis,
convergentes ou divergentes? Em que medida um tipo de prática tor-
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tada, escolas, centros de saúde). Isso vem à luz através dos seus docu-
mentos relativos ao planejamento e de outras fontes. Então, recorrem
ao conselheiro da área e pedem ajuda. O que resta às comunidades
selecionadas é eleger um Comitê de Projeto, no qual deve haver equilí-
brio de gênero. Leva-se um ano, mais ou menos, para concluir o proje-
to, e sua missão principal é garantir as contribuições locais para a sua
concretização em termos de “trabalho voluntário”. Esse trabalho não
remunerado deve ser quantificado no orçamento em aproximadamente
15% do custo total.
Entretanto, existe um acordo entre o ZAMSIF, as equipes de ad-
ministração do distrito e os conselheiros ou membros dos distritos, de
que é necessário construir estruturas subdistritais representativas, para
garantir um planejamento participativo de baixo para cima. Assim, em
um dos distritos visitados o Conselho criou Comitês de Desenvolvimen-
to de Área (CDAs) em quatro das quinze bases eleitorais. Os membros
do CDA são eleitos em Assembléias Públicas Regionais. Uma zona cor-
responde a, aproximadamente, 1000 habitantes, e um mínimo de 100
pessoas deve comparecer às assembléias. O CPD solicitará a verba ao
ZAMSIF com o propósito de aplicá-la em capacitação. A ação local para
criação de contratantes parecia uma conseqüência visível, porém me-
nor, da intervenção do ZAMSIF no distrito. Apenas 30% dos fundos do
projeto do ZAMSIF no distrito foram pagos aos contratantes locais. Em
termos de ganho de “poder”, essa medida pode, também, ter contribu-
ído para elevar o status e a capacidade de administrar do Comitê do
Projeto eleito.
Resumindo: os funcionários do ZAMSIF e as comissões fiscais
interagem com a administração do distrito conferindo-lhe, ostensiva-
mente, poder e apoio. Os planejadores distritais, em particular, são
fortalecidos no sistema político-administrativo local. Existem elemen-
tos de poder na comunidade, porém a ausência ou fragilidade das
estruturas democráticas subdistritais estáveis reduz o escopo e a sus-
tentabilidade desse poder. Os contratantes locais também parecem be-
neficiar-se, embora modestamente. Essa falta de estruturas democrá-
ticas subdistritais concorre para que os políticos locais (conselheiros)
recorram a manobras para influenciar na escolha das comunidades
beneficiárias, porém, investidos de poder, os funcionários de planeja-
mento podem limitar este tipo de clientelismo político-local. Todavia,
uma vez que o ZAMSIF libere 60-70% do montante líquido dos re-
cursos para as comunidades do distrito visitado, no período de cinco
anos, esses distritos podem envolver-se numa relação de dependência
do ZAMSIF. O ZAMSIF é, definitivamente, popular entre os distritos,
embora os programas que patrocina não sejam, necessariamente, con-
trolados pela população.
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5 TANU era a sigla da Tanzanian African National Union, o principal movimento de liberta-
ção do país. Em 1975, mudou para Partido de Revolução Popular ou Chama Cha Mapindusi
(CCM), em Swahili (idioma oficial do país).
6 IDA é a sigla da International Development Association, que é o setor do Banco Mundial
responsável por empréstimos/doações concessionais.
7 Fonte: entrevista com um administrador nacional do FASTA em 14 de fevereiro de 2003,
e FASTA, 2002.
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Considerações finais
Tanto na Tanzânia quanto em Zâmbia, os Fundos Sociais, criados e
apoiados pelo Banco Mundial, são genuinamente populares. Desse
modo, tendem a aliviar a resistência popular à influência de Bretton
Woods nos países e, conseqüentemente, contribuem para legitimar a
relação clientelista entre o Banco Mundial/FMI e essas nações. Nesse
nível, acreditamos que os FSs realmente apóiam o clientelismo tecno-
crático. Embora não haja provas convincentes de que os FSs ajudem
a reduzir a pobreza de forma sustentável, uma análise sobre os tec-
nocratas-em-ação revela que esse programa do Banco Mundial causa
impactos importantes nas relações central-local e Estado-sociedade nos
respectivos países.
Todavia, os impactos político-administrativos provocados por
um dado programa (FSs) estão longe da uniformidade nos dois países.
A esse respeito, os relatores do Banco Mundial tinham razão – os FSs
“assumem perfis e objetivos distintos dependendo de onde estão im-
plementados”; e Judith Tendler estava equivocada. Entretanto, o caso
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Impresso no mês de agosto de 2006
na Cromosete Gráfica e Editora Ltda.
Rua Uhland, 307 – Vila Ema
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Primeira impressão, 1.000 exemplares
Impresso no Brasil