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SERMÃO SOBRE AS SETE ÚLTIMAS PALAVRAS DE CRISTO

NA CRUZ (2011)

PRIMEIRA PALAVRA

Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem (Lc 23,34)

Ele está morrendo e prossegue espalhando perdão. Ironia do destino? Vocação?


Falou tanto de perdão, perdoou a tantos, e sua palavra final é um doloroso gesto de
coerência. Quem perdoou a tantos e tantas não poderia partir para o Pai sem lançar seu
último olhar de misericórdia para os que deixa, infelizmente, ainda enlameados no
pecado. Seu coração, desabitado de ira, pacifica, reconcilia, mostra a que ponto chega
Deus no seu intento de provar seu amor para conosco.

Daqui a pouco todos serão purificados, todos serão banhados por seu sangue
misericordioso. E, ironia do destino, seus algozes serão os primeiros beneficiados. Eles
estão ali, próximos. Poderiam alcançar a misericórdia com a mão. Já imaginaram, se nos
fosse permitido tocar uma microscópica fração do sangue quente de um Deus que se
imola? Quente de amor e de compaixão. Absurda contradição: parece que para haver
vida é preciso antes se derramar sangue inocente. Para haver paz será preciso haver
guerra antes. Infeliz humanidade que só aprende com o erro. Bem-aventurados os que
não querem errar e quando erram, aí encontram forças para perseverar no caminho do
amor e da paz.

De seus lábios não sai sequer uma palavra de desespero ou de condenação.


Considera inocentes aqueles que lhe tiram a vida. Será que eles não sabem realmente o
que fazem? Há os que conspiram, há os que planejam tudo e se escondem atrás dos que
apenas executam ordens. Podemos considerar aqueles que maltratam e matam Jesus
apenas como “operários da morte?” Armados de espadas, pregos e martelos, cumprem
ordens. São movidos pelo ódio ou pela obediência?

Obedecer é muito pouco. Não somos robôs metálicos. Jesus não está
representando uma farsa. Não há truques nem maquiagem no cenário da morte de Jeus.
Ele está de fato morrendo em obediência ao pai. Obediência que brota da fidelidade, do
compromisso de vida. Morreríamos para ser fiéis à nossa fé? Ah, nos vendemos tão
barato!

Pai, perdoai-nos, a nós que sabemos o que fazemos. Perdoai-nos porque rezamos
a oração do Pai Nosso, mas não a vivemos. São palavras vazias em nossos lábios. Não
aprendemos ainda a nos perdoar mutuamente. Estamos sempre esperando que os outros
nos dêem razão e nos compreendam. Mas somos tão pouco sensíveis aos motivos e
razões dos que nos cercam. Como é difícil perdoar as injúrias e ofensas que nos lançam
ao rosto. O ódio é enfermidade mortal. Vivemos num mundo onde todos querem se
vingar, com receio de serem chamados de tolos. Não queremos nos definhar em ódio e
ressentimentos.

Pela vossa primeira palavra na cruz, Jesus, pedi ao Pai por nós, agora e quando
chegar a nossa hora. Que levemos deste mundo apenas o amor que semearmos.
Pensemos na nossa dificuldade em perdoar as pessoas. Por que resisto tanto a estender a
mão ao inimigo, ao antipático, ao que falou mal de mim, ao que não gosta de mim?
SEGUNDA PALAVRA

Hoje estarás comigo no paraíso (Lc 23, 43)

Além das dores e da falta de ar, Jesus é obrigado a suportar a maledicência de


um dos malfeitores que o ladeiam: “Não és tu o Messias? Salva-te a ti mesmo.” (Lc 23,
39). Este assassino desafia Jesus messias a uma salvação espetacular, que resolva o
enigma de uma morte absurda. Há os que gostam de espetáculos de fé. Procuram todos
os dias o extraordinário. Fogem das coisas pequenas, da pobre realidade cotidiana. Não
aceitam a humanidade, o dia-a-dia. Não aceitam seu nada. Aceitam com prontidão o
Jesus dos milagres e rejeitam o Jesus que se faz servo, escravo. Não, não, Mestre, você
tem poder. Você não vai tolerar isto. Você não será preso, não será imolado. “Afasta-te
de mim, Satanás. Pensas como os homens... Teus pensamentos são humanos...” os
caminhos de Deus são outros. Nada de especial. Mandou seu Filho se encarnar na rotina
humana. Desde cedo, o Deus de Jesus Cristo convive e assume tudo que é humano. Mal
nascido, já enfrenta o ódio, a violência de Herodes que deseja matá-lo. Ainda nas
fraldas, já incomodava o poder estabelecido!

Jesus suporta tudo sem reclamar. Que o outro o provoque, que o outro blasfeme
e se sinta no direito de importuná-lo. Ele não vai trair o Pai antecipando sua glória. Vai
experimentar todo sofrimento, até o fim. Sofrerá até o osso. Não dá mais para pedir
arrego ao Pai. Poderia ter se recusado a beber o cálice. Uma vez assumido este
compromisso de beber gota a gota o vinho amargo da rejeição humana, irá bebê-lo até o
fim. Jesus não dá marcha-ré nos seus ideais de salvação. Se o meio é este, ele vai vivê-
lo plenamente. Como Filho que assume a vontade do Pai e não como o “filhinho” do
papai, todo cheio de vontades.

“Lembra-te de mim” – pediu. Apenas uma lembrança. O bom ladrão é mendigo


da memória de Cristo. Coloca-me em tua memória, Senhor. Dá-me a graça de viver na
tua lembrança misericordiosa. Deixa-me viver debruçado em teu coração. Dá-me a
honra de habitar teu coração, mesmo que eu não mereça tal glória. Não obrigou Jesus a
recebê-lo no paraíso.

Nós cremos que o paraíso existe. O paraíso não está aqui na terra, embora
muitos de nós vivamos iludidos, achando que esta nossa breve estadia na terra pode se
transformar num filme de Hollywood. Que sonhos de paraíso acalentam nossos dias?
Paraíso fiscal, paraíso dos automóveis de última linha, paraíso de roupas, comidas e
bebidas finas? Paraíso onde as pessoas estarão sempre a nosso serviço? Paraíso de todos
os nossos desejos realizados? “De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se perde
a sua vida”? De que vale ao homem construir seu paraíso aqui na terra, se não acumular
tesouros no céu?

Nosso paraíso é o céu, pelo qual tanto ansiamos. É aquela morada que o Senhor
preparou para nós, onde não mais haverá doença nem dor. Garantimos nosso lugar no
céu quando nos empenhamos em viver a vontade do Pai. Quando aceitamos que Jesus é
nosso único salvador. O céu aguarda todo aquele que crê e vive a sua fé. Seremos
julgados pela nossa capacidade de amar e de servir os irmãos, especialmente os mais
necessitados. O céu estará fechado para aqueles que não viverem o mandamento do
amor. O céu estará fechado para aqueles que não se comoverem diante do sacrifício do
Filho de Deus na cruz.

Mudai de vida, mudai. Convertei-vos de coração. Buscai as coisas do alto. Sede


perfeitos, como o Pai celestial é perfeito. Vivei o espírito das bem-aventuranças.

Por vossa segunda palavra, Jesus, abri para nós as portas do paraíso. Não nos
deixeis de fora do vosso coração amoroso. Ajudai-nos a merecê-lo, não por nossos
méritos, mas pelo vosso desejo de que ninguém se extravie dos braços do Pai. “Teu
coração sem portas, sempre aberto, que fácil é roubar-te o paraíso”!
TERCEIRA PALAVRA

Mulher, eis teu filho. Eis a tua mãe (Jo 19,26-27)

“A mãe de Jesus, a irmã da mãe dele, Maria de Cleofas e Maria Madalena


estavam junto á cruz. Jesus viu a mãe e, ao lado dela, o discípulo a quem ele amava.
Então disse à mãe: “Mulher, eis aí o teu filho”; depois, disse ao discípulo: “Eis aí a tua
mãe”. E dessa hora em diante, o discípulo a recebeu em sua casa”.

Eles, os discípulos, fugiram em massa. Elas permanecem aos pés da cruz, porque
não têm medo. Sempre colocadas à margem, tantas vezes destituídas de sua dignidade
pelo machismo e patriarcalismo que nunca se acabam, quando decidem ser fortes,
ninguém as segura. Ninguém consegue deter uma mulher que tem um sonho, um
objetivo. Estas mulheres, freqüentemente chamadas de coitadas, representantes do
chamado sexo frágil, provam que não são tão frágeis quanto as julgamos.

Jesus gosta das mulheres, jamais as discriminou, respeita-as. Burla as leis de seu
tempo para acolhê-las como dignas filhas do Pai.

Parabéns, Maria. Você é exemplo para as mães de hoje, para que saibam criar e
educar seus filhos para a sensibilidade e para a ternura. Talvez uma nova geração de
homens sensíveis, solidários e ternos, possam ajudar este mundo a sair desta maldição
de violência e agressividade que nos abate a todos. Um mundo comandado por machos
violentos e agressivos é um lugar perigoso de se viver!

Eis aí, filho, sua mãe. Não a despreze. Não a abandone. Cuide dela em nosso
nome, por nós, que tanto desejamos tê-la em nossa casa. Você representa o povo de
Deus, carente de mãe.

O que fizemos de Maria? Advogada nossa, defensora, mediadora, com tantos


títulos a revestimos. Todos eles bem merecidos. Todos nos trazem muitos benefícios.
Mas nos lembramos que, antes de tudo, ela é modelo a ser imitado? Nosso culto à Maria
não seria por acaso muito interesseiro? Um simples pensamento que dirigimos à Mãe
de Jesus poderia nos elevar de nosso abatimento. Quando a imaginamos tão forte e tão
corajosa, nos sentimos impelidos a não desistir, a não desanimar?

Quanto a vós, Jesus, pela vossa terceira palavra, perdoai-nos por não vivermos
como a comunidade fiel dos discípulos amados. Perdoai-nos porque não nos
espelhamos em vossa Mãe para viver o Sim. Perdoai-nos por sermos discípulos
omissos, que fogem diante dos primeiros percalços e não permanecemos, a exemplo de
vossa Mãe, perseverantes aos pés da cruz.
QUARTA PALAVRA

Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? (Mt 27, 46)

“Desde o meio-dia até às três horas da tarde houve escuridão sobre toda a terra.
Pelas três horas da tarde, Jesus deu um forte grito: “Eli, Eli, lamá sabactâni?”, isto é,
“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”

Na quarta palavra ecoa dos lábios do crucificado a invocação amargurada do


salmo 21,1: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”.

Nesta citação do salmista contemplamos a que solidão é jogado o homem de


quem tiram tudo, até o próprio Deus. Aquele que crê tudo suporta: angústia, doença,
afastamento das pessoas... Contanto que possua a Deus. Se o próprio Deus se esconde,
fica o puro nada. Jesus também foi atingido por essa mais dolorosa experiência
humana...

Às três horas da tarde. A ausência de Deus com hora marcada. Que aflição, meu
Deus. A quem recorrer nesta hora? Se o próprio Deus abandona Jesus é porque sabe que
ele dará conta do recado, sozinho. O corpo queima de dor e o espírito está vazio.
Nenhuma forma de amor e consolação para preenchê-lo. Na boca, o gosto amargo da
frustração. Deus, por que permitis esta desolação. Logo ele, o Filho amado, deixais
pregado na maldição desta cruz, nesta noite escura, sem nenhuma lâmpada para
mostrar-lhe a saída deste suplício? Considerai, ó Deus, se ainda podeis agir desta forma,
depois de Jesus ter provado o cálice da obediência? Se estivésseis presente, poderia
defendê-lo, poderia dizer-lhe que seu sacrifício não será inútil. Não sois mais o Pai de
misericórdia? Onde se escondeu vossa piedade e vossa compaixão?

O homem abandonado por Deus se sente um verme. Naquele rosto não há mais
nenhum brilho, nem humano nem divino. O sofrimento do servo sofredor chega a seu
auge.

Estamos acostumados a ser abandonados pelas pessoas. É duro saber que uma
mãe pode ser capaz de abandonar seu filho. Do ser humano, tudo podemos esperar. De
Deus, só esperamos consolo. De Deus só esperamos presença amorosa na hora do
desespero. Sem Deus, nada podemos. A ausência de Deus é o momento da mais
suprema prova pela qual podemos passar. Porque aí se mostra o momento da verdadeira
tentação: a de desistir dEle. A tentação de aderir plenamente ao mal, de descrer
totalmente do amor. Tentação de se fechar num poço de maldade para aí ficar
arquitetando a desgraça alheia.

Prestemos atenção à quarta palavra de Jesus. Tentemos imaginar com que


sentimentos ele a pronunciou. Não nos precipitemos. Deixemos que o próprio Deus se
defenda, se é que o Criador necessita se explicar, se justificar em nossa presença. A
verdade é esta: não merecemos que Deus se explique, porque a resposta já se encontra
dentro de nós.
Pela vossa quarta palavra, ó bom Jesus, consolai-nos em nosso abandono.
Perdoai-nos, quando nos desesperamos. Perdoai-nos quando nos sentimos abandonados
pelo Pai e nos revoltamos contra ele. Quando o vaso estiver cheio até a borda, possamos
ter a certeza de que nos amais com amor incondicional.
QUINTA PALAVRA

Tenho sede! (Jo 19,28)

Cristo não tem muito tempo mais de vida. As sombras que envolviam o
Calvário desapareceram e a luz do sol começa a brilhar novamente. De repente ouvimos
Seu lamento: "Tenho sede" e os soldados colocam um pouco de vinagre em Seus lábios.

Quando Jesus diz: "Tenho sede", está revelando Sua humanidade. Fez-Se
homem para alcançar-me. Deus se fez homem e na cruz do Calvário sentiu-Se
abandonado por Seus melhores amigos, traído pelos seres que mais amava.

Então hoje Ele pode dizer: "Filho, eu compreendo quando você é traído pelos
seres que você mais ama. Quando você se sente rejeitado, injustiçado, ou condenado
injustamente.

O clamor "Tenho sede" não foi somente o grito da necessidade humana de


Cristo, mas foi também seu grito da vitória. Um atleta que participa de uma corrida e
que está com os olhos fixos na meta, não se lembra da dor nem da sede. Somente
quando atinge seu objetivo é que as necessidades físicas passam a ter importância. Na
cruz do Calvário, Jesus tinha uma meta: salvar o ser humano. E Jesus superou a dor, a
fome e a sede. Superou tudo para conquistar a meta. O "Tenho sede" revela que Jesus
tinha completado a Sua missão. Agora é só uma questão de decidir. Olhe para
montanha e veja o Deus eterno, morrendo por você. Olhe Seu rosto cansado e
sangrando. Mas olhe o brilho de Seus olhos. Ele acredita em você. Ele o espera com os
braços abertos em forma de cruz.

Pela vossa quinta palavra, ó Jesus, perdoai-nos porque somos tão secos, porque
somos tão áridos e nossos sonhos de trabalharmos por um mundo mais justo e mais
fraterno se transformaram em vastos desertos de comodismo e alienação. Saibamos
ouvir o vosso convite, sem medo: Quem tiver sede, venha a mim e beba! Guiai-nos,
sedento pastor, para as fontes das águas puras e cristalinas do vosso amor.
SEXTA PALAVRA

Tudo está consumado! (Jo 20,30)

Ele tomou o vinagre e disse: ”Tudo está consumado!" Inclinando a cabeça,


entregou o espírito."

A Primeira Palavra foi dirigida a todos; a Segunda Palavra foi para um, a
Terceira Palavra foi para outra e outro; a Quarta Palavra foi para seu Deus; a Quinta
Palavra foi para ele mesmo, a Sexta Palavra é para tudo: Tudo está consumado!

A sexta palavra revela satisfação. Até certa sensação de triunfo pelo dever
cumprido. É quase uma prestação de contas. O último e definitivo balanço. Tudo que
estava previsto no primeiro Testamento, Jesus cumpriu perfeitamente. “Cumpri tudo!
Tudo está consumado. Que mais eu poderia ter feito?”

Nada. A vontade do Pai encontrou a vitória em vossa vida, paixão e morte, ó


Jesus. Levastes a extremo de heroísmo vossa vocação e missão. Excedestes, sim. Nada
em vossas palavras e atitudes beiraram o ridículo da mediocridade. Superastes as
expectativas a vosso respeito. Vossos compatriotas aguardavam um libertador político-
social. Isto para eles já teria significado muito. E para nós? Representaria pouco, quase
nada. Viestes como Salvador. Éramos e somos tão necessitados de salvação! “Tudo está
consumado”. O cálice transbordou. Daqui a pouco o véu do templo se rasgará de alto a
baixo. Muitos pensarão que chegou o juízo final. Sim, chegou o fim dos tempos.
Vivemos agora um novo tempo. Cada dia que nasce para nós é sinal de uma nova
esperança, graças ao vosso empenho em levar tudo à consumação.

Em cada minuto de sua vida Cristo cumpriu o programa estabelecido pelo Pai.
Submeteu-se ao Pai, nunca aos poderes deste mundo. Nunca rebelou-se ante os
desígnios do Pai. Ao aproximar-se a hora, relutou. O pânico foi tamanho que chegou a
transpirar sangue. Manifestou ao Pai sua insegurança neste momento de trevas, mas
deixou que a vontade paterna prevalecesse. “Se for possível afasta de mim este cálice.
Todavia, Pai, não se faça a minha vontade, mas a tua”. A vontade do Pai era a sua
vontade. E Ele cumpriu tudo, até a consumação. Resistiu a todas as tentações sem
vacilar. “Obediente até a morte e morte de Cruz”.

Pela vossa sexta palavra na cruz, Ó Jesus, dai-nos a graça de levar à consumação
a obra do Pai. Perdoai-nos, porque escondemos nosso rosto de vergonha. A obra do Pai
não se consuma em nós porque nos doamos pela metade. Começamos nosso processo de
conversão, mas não o completamos. Vivemos um catolicismo de fachada. Traímos a
Igreja, traímos nossos bispos, traímos nossos padres. Aqui no templo somos todos
piedosos e santos. Lá fora, criticamos nossa Igreja e ajudamos seus inimigos a agir.
Perdoai-nos, Jesus, porque nos esquecemos de que participamos do vosso corpo, que é a
Igreja. Somos membros doentes deste corpo. Curai-nos, Senhor, por vossas feridas.
SÉTIMA PALAVRA

Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito (Lc 23,46)

“Já era mais ou menos meio-dia, e uma escuridão cobriu toda a região, até as três
horas da tarde. Pois o sol parou de brilhar. A cortina do santuário do templo rasgou-se
pelo meio. Então, Jesus deu um forte grito: ´Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito´!
Dizendo isso, morreu”.

O sol parou de brilhar, por ordem do Criador. Está suspensa a luz do mundo. Os
humanos têm que se deparar com a própria treva. Não há mais sol, porque o verdadeiro
sol não brilha mais. Ele havia dito: “Eu sou a luz do mundo”. Agora diz: “Participo da
escuridão que vocês escolheram”. Morre por nós e como nós. Apaga-se. Não como uma
vela bafejada por suave brisa. Apaga-se em tormentos.

O símbolo da lei, o véu do santuário do templo, parte-se em dois. Não há mais


Lei a não ser a lei do amor. Rompem-se todas as seguranças humanas. Não se pode mais
apelar para a instituição. Para nós, se a cúpula da Basílica de São Pedro em Roma
desabasse, a sensação de pânico não seria a mesma que a dos judeus neste momento. O
Altíssimo não quer mais o antigo pacto com a humanidade. O sangue dos cordeiros não
mais interessa a Javé. O cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo, já foi
imolado e seu sangue derramado sobre as nossas cabeças. Fomos lavados da antiga
culpa.

Poder, poder, queremos poder, ainda gritamos. Vendemos nossa alma por um
instante de poder e glória. E nosso Jesus, reduzido a nada, tosquiado e sacrificado, qual
ovelha no matadouro. Entrega-se. É Deus que se entrega para a salvação de todos.
Entrega-se servindo, amando.

Jesus grita novamente. Mas agora grita como criança confiante e feliz nos braços
de Deus Pai. Mais uma vez, a última, ressoa a suavidade da palavra “Abba”. Foi sua
primeira palavra: Pai, aqui estou, e sua última palavra: Pai, retorno a ti. Sempre:
contigo estou. Sou teu.

Em tuas mãos. Este grito de Jesus é um grito de confiança absoluta. Diante das
portas da morte, aconchega-se nas mãos do Pai. É como se lançar num abismo sem
pára-quedas, sem nenhuma proteção. Sei que a morte me levará a ti. Não me espera nem
a sepultura nem a escuridão da mansão dos mortos. Tu me esperas!

Quanta segurança traz saber que debaixo de tudo há sempre as mãos de um Pai!
Nada, ninguém, nenhum acontecimento poderá nos causar dano. Sempre há mãos
protetoras, fortes e carinhosas que nos acolhem. Nada a temer. Quem pode nos retirar
das mãos do Pai?
As pessoas geralmente morrem do jeito que vivem. A vida de Cristo foi uma
vida de entrega, de dependência e de submissão. E é justamente isso que faz antes de
morrer. "Pai - ele diz - Nas Tuas mãos entrego o meu espírito".

Sua vida vitoriosa, Seus atos vitoriosos, tudo, foi um resultado de uma vida de
dependência do poder de Seu Pai. Que diferença da vida de auto-suficiência que às
vezes nós vivemos!

Com esta última palavra, Jesus nos convida ao amor e à esperança. Este grito é o
grito da humanidade diante do limite da angústia e da limitação. Tudo pode cair ao
nosso redor. Se confiamos no Senhor, não seremos confundidos em meio aos destroços.
Jesus morre tranqüilo, porque sabe que a obra do Pai não fracassará. Ao longo da
história, muitos homens e muitas mulheres acolheram sua proposta de um reino baseado
no serviço e no amor. E, apesar das contradições da história, das traições e das fraquezas
humanas, seu ensinamento será sempre novo e atual. A partir de sua cruz, ele seguirá
proclamando o amor de Deus e mostrando como se constrói o Reino, não de acordo com
o projeto do homem, mas conforme os desígnios de Deus.

Extraído de uma reflexão do padre Antonio Damásio Rego Filho

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