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11º ano

Sermão de Santo António

1. Contextualização histórico-literária
Vieira viveu num período conturbado da História de Portugal, um longo período de agonia que se iniciou com o
desaparecimento do rei D. Sebastião nos areais de Alcácer Quibir e que determinou a perda da independência nacional, com a
invasão do território português pelo exército espanhol em 1580, cujo poder militar tomou a coroa da monarquia portuguesa.
A europa vivia em tempos de crise generalizada e num clima de medo.
No brasil viviam se tempos de exploração de Índios por parte dos colonos brancos.

1.1. Objetivos da eloquência (docere, delectare, movere):


O sermão seiscentista, cujo objetivo principal é levar os fiéis a reconhecerem os seus erros e a alterarem
comportamentos, apresenta uma importante componente lúdica.
 Docere (educar/ensinar) - função pedagógica, muitas vezes conseguida através de citações bíblicas e de autores da
Igreja ou de obras clássicas.
 Delectare (agradar)- função estética, concretizada através de um discurso rico em recursos expressivos como a alegoria,
a metáfora, a comparação, antítese, gradação...
 Movere (persuadir)- função critica e moralizadora, baseada numa argumentação bem construída, recorrendo a
argumentos de autoridade.

1.2. Intenção persuasiva e exemplaridade:


No caso do Sermão de Santo António, Padre António Vieira vai censurar o comportamento dos colonos portugueses no
Maranhão e defender os direitos dos índios. Apresenta assim uma intenção persuasiva, procurando convencer o seu público a
mudar de comportamento.
A critica social será feita através da alegoria, recorrendo ao exemplo de Santo António, que, face à revolta dos
habitantes de Arimino em Itália, não queriam ver os seus pecados expostos, optou por pregar aos peixes que o escutaram.
No dia em que se festejava este santo, Vieira dirige alegoricamente o seu sermão aos peixes, servindo-se dos seus
defeitos e virtudes para denunciar pecados dos homens.

1.3. Crítica social e alegoria:


O Sermão de Santo António denuncia o comportamento dos colonos do Maranhão. Ao observar-se o seu tempo e
sentindo-se desiludido com os homens, Vieira decide voltar-se da terra para o mar e dirigir a sua pregação aos peixes. De uma
forma metafórica, diz que os pregadores são “o sal da terra”, cujo efeito deve ser impedir a corrupção. No entanto, ao ver que a
terra está corrupta, interroga-se sobre a causa desta corrupção.
Ao longo do sermão, Vieira começa por louvar as virtudes dos peixes, para depois repreender, com empenho, mas
também com ironia, os seus defeitos. Embora interpele os peixes, na verdade, é aos homens que ele se dirige , sendo os peixes
metáfora dos homens. Estabelece assim um paralelismo entre os vícios dos peixes e os vícios dos homens, neste caso para
denunciar a exploração dos colonos sobre os indígenas.

2. Visão global do Sermão e sua estrutura:


❖ Capitulo I
Exórdio – exposição do plano a desenvolver e das ideias a defender a partir do conceito predicável.
“Vos sois o sal da terra” é o conceito predicável (texto bíblico que serve de tema e de acordo com o objetivo do autor,
pretende demonstrar fé). Este elemento bíblico serve de tema/ tese ao Sermão e a partir do qual vai desenvolver a sua
argumentação: os pregadores são o sal, a terra os homens.

O sal é a metáfora dos pregadores A terra é a metáfora dos ouvintes

Os pregadores são importantes na transmissão da mensagem evangélica, na preservação da


moralidade e da integridade dos homens- a “terra”.

O sal impede que os alimentos se estraguem. → Os pregadores impedem a corrupção.


O sal que salga- evita a corrupção;
O sal que não salga- é inútil e desprezado;
O pregador é como o sal – se a palavra não chega aos ouvintes ou não produz os seus frutos é porque algo está errado.
Se a terra está corrupta/ estragada de quem é a culpa? Os pregadores não “salgam” porque:
- Ou o pregador não prega convenientemente a palavra de Deus → - não pregam a verdadeira doutrina;
- dizem uma coisa e fazem outra;
- se pregam a si e não a Cristo.
A terra não se deixa “salgar” porque:
- os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, não
querem receber;  Ou a terra não “ouve” a palavra do pregador.
-os ouvintes querem antes imitar o que os pregadores fazem do
que fazer o que dizem;
- os ouvintes, em vez de servirem a Cristo, servem a seus apetites.

O capítulo I termina com um pedido de auxilio divino, que pode ser entendido como uma invocação.

❖ Capítulo II – Louvores em geral


Exposição- referência às obrigações do sal. Indicação das virtudes dos peixes em geral. Crítica ao homem.
• As duas qualidades dos ouvintes são ouvir e não falar.
• Retoma do conceito predicável. As duas propriedades do sal são – “conservar o são e preservá-lo para que não se
corrompa”.
o As propriedades das pregações de Santo António: 1. Louvar o bem (“para o conservar”); 2. Repreender o mal (“para
preservar dele”).
O sermão será, desta forma, aos peixes (e, obviamente aos homens) e está dividido em dois pontos: louvar as qualidades e
repreender os vícios.
Qualidades e virtudes -> Defeitos dos homens
▪ A obediência -> o deslumbramento face a dar graxa para obter algo em troca.
▪ A “ordem, quietação e atenção” com que ouviram as palavras de Santo António -> a arrogância e a presunção.
▪ O respeito e a devoção ao ouvirem as palavras de Deus-> a violência e a obstinação.
▪ O seu “retiro” e afastamento relativamente aos homens -> a crueldade irracional
▪ “só eles entre todos os animais se não domam nem domesticam” -> o exibicionismo e a vaidade.

❖ Capítulo III –Louvores em particular


Confirmação- louvores a alguns peixes em particular e consequente crítica aos homens.
1. O peixe Tobias :
-As suas entranhas curavam a cegueira dos homens tendo assim um poder curativo (seu pai, que era cego, recuperaria
a visão depois de, a conselho do Anjo Rafael, lhe ter sido aplicado um pouco do fel extraído do peixe).
-O seu coração afugentava os demónios.
- Vestido de burel e atado com uma corda “este peixe parecia um retrato marítimo de Santo António”.
2. A rémora:
- peixe marinho cuja cabeça funciona como ventosa, o que lhe permite fixar-se a embarcações (procurando conduzir ao
bom caminho).
- pequena no seu tamanho mas com uma grande força, que conseguia imobilizar o leme das naus (travando o mal).
3. O torpedo:
- peixe, parecido com a raia, capaz de produzir pequenas descargas elétricas que fazem tremer o braço do pescador,
obrigando-o a lagar a cana (assim o torpedo não é pescado).
Simbologia → também na terra os homens extorquem o que não lhes pertence, sem recearem as consequências dos seus atos,
ou seja, o castigo divino; as palavras de Santo António transformaram vinte e dois homens desonestos que tomaram
consciência dos pecados, se arrependeram e confessaram, o que enaltefica a eficácia de Santo António; Tal como há homens
que não sentem as descargas elétricas do tropedo, também há homens que ouvem a verdade e continuam o seu caminho
errado; realça a importância que esses peixes poderiam desempenhar para fazer tremer o braço daqueles que se desviam do
caminho certo. Assim, a descarga simboliza as palavras de Deus.
4. O quatro-olhos:
- tem dois olhos “para se vingar das aves” e dois olhos “para se vingar dos peixes”.
- simboliza que devemos olhar ou só para cima (considerando que há Ceu) ou só para baixo (Inferno).
- este peixe simboliza o dever que os cristãos têm, isto é, olhando para o céu, mas lembrando sempre que há inferno.
Outros peixes:
▪ Servem de alimento (as sardinhas são o sustento dos pobres e o salmão dos ricos);
▪ Ajudam à abstinência nas quaresmas;
▪ Com peixes, Cristo festejou a Páscoa;
▪ Ajudam a ir ao Céu;
▪ Multiplicam-se rapidamente (apenas aqueles que são consumidos pelos pobres).
❖ Capítulo IV- Repreensões em geral
Exposição- indicação das repreensões aos peixes em geral e critica aos homens.
• Os peixes, assim como as suas qualidades em geral (ouvem e não falam), irão agora ouvir as repreensões:
1. Não só se comem uns aos outros como os grandes comem os pequenos;
2. Ignorância e a cegueira.
• Critica e repreensão aos peixes para melhor explicitar a condenação dos homens.
• Aspetos criticados: a “antropofagia social” e a “vaidade no vestuário”.

1. Não só se comem uns aos outros como os grandes comem os pequenos (critica à prepotência dos grandes que “se alimentam”
do sacrifício dos mais pequenos, tal como os peixes):
▪ Repreensões dirigidas aos peixes:
✓ “vos comeis uns aos outros” (quando são todos irmãos e vivem no mesmo elemento).
✓ “que os grandes comem os pequenos”.

▪ Repreensões aos homens: também “se comem uns aos outros”, s:


✓ antropofagia social- também os homens se “comem”, se exploram uns aos outros.

▪ Presença de um tom mais violento na referência à injustiça e às maldades causadas por :


✓ Serem os maiores a comerem os pequenos;
✓ Serem os pequenos comidos “de qualquer modo”;
✓ Serem os grandes aqueles “que têm o mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua fome de comer os pequenos um
por um, ou poucos a poucos, senão que devoram e engolem os povos inteiros”;
✓ Serem os pequenos comidos em qualquer momento.

▪ Apelo de Vieira para que os peixes não se comam uns aos outros referindo-se ao Dilúvio e à arca de Noé como exemplo de
atitudes de bondade e generosidade a serem seguidas.

2. Ignorância e cegueira: (- caracterização do homem da cidade: prepotente, vaidoso, parasita, ambicioso, hipócrita, traidor...;
- as virtudes e os feitos dos peixes surgem sempre associados por comparação aos homens do Maranhão
ora por antítese, opondo os homens aos peixes ora por semelhanças, aproximando os peixes com os
homens).

▪ O peixe - O peixe é facilmente enganado por um anzol pela ignorância porque não entende o significado do anzol e cegueira
porque se atira cegamente e fica preso.

▪ O homem - os homens não conseguem resistir à tentação e à vaidade, ficando, por isso, engasgados e presos com dívidas.

▪ Santo António – Os homens (pela vaidade) e os peixes (pela inocência e pela cegueira) eram facilmente enganados e
“perdiam a sua vida” . Santo António abandonou as vaidades e, com as suas roupas simples e as suas palavras “pescou
muitos homens” para o bom caminho.

O capítulo termina com mais uma referência a Santo António como exemplo a seguir. Esse santo preferiu a sobriedade
à ostentação, recusando galas e vaidades e, por isso, atingiu a santidade. Foi com essa postura simples e humilde que conseguiu
converter muitos homens desviados da fé.

❖ Capítulo V – repreensões em particular

Confirmação- repreensões a alguns peixes em particular; critica aos comportamentos dos homens ambiciosos, vaidosos,
hipócritas e traidores.

1. O roncador-
-embora pequenos e aparentemente vulneráveis, estes peixes emitem um som forte; esta autopromoção revela a sua
soberba e arrogância (“quem tem muita espada, tem pouca língua”);
-exemplo de Pedro, discípulo de Cristo: apesar de ter afirmado que defenderia até à morte o se Senhor, bastou-lhe uma
simples inventiva de uma mulher para negar que conhecia o seu Mestre;
-se tal aconteceu com S. Pedro, muito menos razões terão os homens para exibirem a sua arrogância;
- outros exemplos bíblicos como David e Golias reiteram o facto dos arrogantes e os soberbos pensarem que são Deus e
acabarem diminuídos e humilhados.
-Santo António, símbolo de sabedoria, nunca se exibiu as suas capacidades, confinando-se à sua condição de servo de
Deus.
2. O pegador-
-parasita que vive às custas do seu hospedeiro;
-o parasitismo foi aprendido com os português, porque não há nenhum vice-rei ou governador que parta para as
conquistas sem ir rodeado de uma larga comitiva- critica ao aparelho colonial português;
-em termos humanos, os mais preguiçosos acabam como os pegadores, que, quando o tubarão, que lhes serviu de
hospedeiro, é pescado, morrem com ele, porque nele estão pegados.
-Deus também tem os seus “pegadores”, aqueles que espalham a palavra com David e Santo António, que se pegou a
Cristo e ambos foram bem sucedidos.

3. O voador-
-morfologicamente, possui uma barbatanas maiores que a generalidade dos peixes, dai que queira imitar as aves;
-esta ambição de se querer transformar naquilo que verdadeiramente não é só lhe traz sofrimento porque está sujeito
aos perigos do mar e do ar – no mar morre enganado pelo isco e no ar morre cego pela ambição desmedida;
-simboliza a ambição, a presunção e o capricho.
-Santo António sempre se demarcou da ambição, porque reconhecia que as asas que fazem subir também fazem
descer, o que pode precipitar a destruição. Santo António preferiu remeter-se à sua humilde.
4. O polvo-
-o polvo é caracterizado através de comparações sugestivas:
> “com aquele seu capelo na cabeça parece um monge”- aparenta santidade.
> “com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela” – aparenta beleza.
> “com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão” – aparenta serenidade.
- contudo, apesar da modesta aparência, o polvo é considerado o maior traidor do mar. Esta traição consiste em
enganar os outros peixes, caçando-os mais facilmente.
> “as cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia”;
> “as figuras que em Proteu são fábula, no polvo são verdade e artifício”;
>o polvo veste-se ou pinta-se “das mesmas cores a que está pegado”.
-simboliza traição, a dissimulação, a hipocrisia e a falsidade e é, assim, pior que Judas, o paradigma do traidor no
Evangelho, porque o apóstolo planeou a entrega de Cristo às escuras, mas executou a traição às claras, enquanto o
polvo, escurecendo a água com a sua tinta, rouba a luz à presa para a apanhar.
- Santo António é considerado um exemplar de candura, da verdade e da sinceridade

O capítulo acaba com uma critica feroz aos portugueses. Vieira refere a degeneração dos valores nacionais, uma vez que,
no passado, as características exemplares de Santo António eram extensivas a todo o povo português, não sendo, por isso,
atributos dos santos.

❖ Capítulo VI – Peroração
Conclusão- ultima advertência aos peixes; retrato de Vieira como pecador; hino de louvor.

O capítulo VI é a conclusão de todo “O Sermão de Santo António aos Peixes”, e Santo António tem como objetivo a
conversão dos homens à Fé de Deus.
Santo António revela que tem inveja dos Peixes, pois estes não ofendem Deus com a sua memória e cumprem o objetivo
da sua criação, enquanto que os Homens ofendem Deus com as suas palavras, com os seus pensamentos e com a sua vontade,
não atingindo o objetivo da sua criação.
Assim, Santo António reflete sobre os Peixes e os Homens e conclui que os Peixes são melhores que os Homens, e que a
única solução para o Homem é a conversão, porque só assim é que os Homens podem dar glória a Deus.
O hino de louvor final -“louvai, peixes, a Deus”- e as razões para o louvor: Deus dê-los numerosos, belos e diversos,
porque lhes deu a água para nela viverem e se multiplicarem.

 A alegoria como recurso expressivo: representa uma realidade abstrata através de uma realidade concreta, por meio
de analogias, metáforas e imagens sucessivas, neste caso na sucessão alegórica relativa às naus, o orador consegue
concretizar os diversos vícios dos homens, simplificando a sua argumentação.

 A comparação como recurso expressivo: enquanto elogia os pregadores que espalham a doutrina divina e que,
portanto, ensinam, Vieira acusa os outros que não cumprem a sua função, sendo, por isso, votados ao desprezo.
Aludindo à função do sal, ou seja, salgar a terra com a mensagem bíblica, Vieira refere que vai dar inicio aos louvores
dos peixes, que devem ser atentamente ouvidos por estes, enquanto vivos, enquanto podem ser apreciados.

 A metáfora como recurso expressivo: o orador utiliza a metáfora da arte de pescar para desenvolver a sua crítica à
exploração do homem pelo homem e, simultaneamente recorre a uma sucessão de imagens como representação dos
diversos tipos de poder abusivo – judicial, ancestral, religioso e real.
Frei Luís de Sousa, Almeida Garrett

1. Contextualização histórico-literária
“Em 1578, o rei D. Sebastião desapareceu na Batalha de Alcácer-Quibir. Não tendo deixado herdeiros, houve uma longa
disputa pela sucessão. Entre os pretendentes estava Filipe, rei da Espanha, que anexou Portugal ao seu império em 1580. O
domínio espanhol duraria sessenta anos (1580 a 1640). Criou-se nesse período o mito popular do "Sebastianismo", segundo o
qual D. Sebastião, retornaria para reerguer o império português. Entre os nobres desaparecidos em Alcácer-Quibir estava D.
João de Portugal, marido de D. Madalena de Vilhena.

2. Drama romântica e tragédia clássica:


❖ Drama romântico (características):
▪ revela conflitos emocionais, muitas vezes em situação do quotidiano;
▪ valoriza os sentimentos humanos das personagens;
▪ apresenta acontecimentos de cariz sentimental e amoroso;
▪ recorre à prosa em substituição do verso e utiliza uma linguagem mais próxima da realidade vivida pelas
personagens.
❖ Tragédia clássica (características):
▪ Efeitos sobre o público: inspira sentimentos de terror e piedade;
▪ Personagens de alta estirpe (social ou moral);
▪ Lei das 3 unidades:
o Unidade de ação- a intriga deve ser simples, sem ações secundárias, aumentando assim a tensão
dramática;
o Unidade de espaço- toda a ação deve desenrolar-se no mesmo espaço;
o Unidade de tempo- a duração da ação dramática não deverá exceder as 24horas.
▪ Estrutura tripartida da ação:
o Exposição- apresentação das personagens; esboço do conflito que surge associado a um mistério na
origem das personagens, provocado pela força do destino.
o Progressão dramática- desenvolvimento do conflito, originado pelo desafio das personagens à sua
resolução (HYBRIS). O conflito encaminha-se progressivamente para um clímax, ponto culminante da
ação trágica, em que se desvenda o mistério ligado a uma relação oculta (ANAGNÓRISE); o sofrimento
das personagens que intensifica-se (PATHOS).
o Desenlace/catástrofe- o fim das personagens é a morte (física, social ou afetiva).

3. Estrutura externa e interna


Atos Estrutura externa Estrutura interna
Ato I Cenas I-IV Informações sobre o
passado das personagens
Cenas V-VIII Decisão de incendiar o
palácio
Cenas IX-XII Ação: incêndio do palácio
Ato II Cenas I-III Informações sobre o que se
passou depois do incêndio
Cenas IV-VIII Preparação da ação: ida de
Manuel de Sousa Coutinho
a Lisboa
Cenas IX-XV Ação: chegada do romeiro
Ato III Cena I Informações sobre a
solução adotada.
Cenas II-IX Preparação do desenlace.
Cenas X-XII Desenlace.

Toda a ação se passa nos finais do séc. XVI, após o desaparecimento de D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir. Com
ele parte D. João de Portugal, personagem vital que desaparece também desencadeando toda a ação dramática em Frei Luís de
Sousa. Todos estes acontecimentos decorrem sob domínio Filipino, 21 anos depois da Batalha de Alcácer Quibir.
Após o desaparecimento de D. João de Portugal, D. Madalena manda-o procurar durante 7 anos mas em vão. Casa
então com D. Manuel de Sousa, nobre cavaleiro, de quem tem uma filha de 14 anos. D. Madalena vive uma vida infeliz, cheia de
angústia e de tranquilidade, no receio de que o seu primeiro marido esteja vivo e acabe por voltar. Tal facto acarretaria para
Madalena uma situação de bigamia e a ilegitimidade de Maria, sua filha. Esta é tuberculosa e vive, em silêncio, o drama da sua
mãe que será o seu. Efetivamente D. João de Portugal acaba por regressar, acarretando o desenlace trágico de toda a ação.
4. Importância do espaço na obra

Ato I - Palácio de Manuel de Sousa Coutinho, em Almada:


• luxo e elegância da época; Simbologia:
- a família vive em paz e aparente harmonia.
• porcelana, charões, sedas, flores...
- o retrato de Manuel de Sousa Coutinho
• duas grandes janelas donde se avista o Tejo e Lisboa; transmite a serenidade da sua personalidade.
• retrato de Manuel de Sousa Coutinho vestido com o - o incêndio e a consequente destruição do seu
hábito da ordem de S. João de Jerusalém; retrato tornar-se-ão um prenúncio da catástrofe
• comunicação com o exterior e o interior do palácio.

Ato II- Palácio de D. João de Portugal, também em Almada: Simbologia:


- a ausência de luz prevê a catástrofe final – o circulo fechado
• salão antigo de gosto melancólico e pesado;
em que as personagens vão ficado encerradas, entregues à
• retrato da família e, em lugar de destaque, os de angústia, separadas do mundo e da luz, impedidas de fugir;
D. Sebastião, D. João de Portugal e de Camões; - os retratos, para além de carácter nacionalista que
• reposteiros que impedem a vista para o exterior e a luz; transmitem, também evocam um passado extinto mas
• comunicação com a capela da Senhora da Piedade. ameaçador, que dificulta o presente e, também o futuro.
- a comunicação com a capela da Senhora da Piedade indicia
já o final trágico e demolidor do Ato III, que aí ocorre.

Ato III- Parte baixa do palácio de D. João de Portugal:


Simbologia:
• lugar vasto e sem decoração nenhum;
- o espaço é simbolo da morte e da impossibilidade de
• comunicação com a capela da Senhora da Piedade; a superar.
• decoração com símbolos de morte (esquife) e de dor - a única saida para uma familia católica que assume as
(cruz, ornamentos característicos da Semana Santa). convicções religiosas e sociais de forma clara e rígida é
a renúncia ao mundo e à luz.

Os espaços vão-se progressivamente obscurecendo e afunilando (concentração espacial) tornando-se severos e


despejados. O círculo que se vinha fechando desde o início do ato II encerra-se definitivamente, atirando as personagens para
um abismo do qual é impossível sair. Maria morre, não suportando a vergonha de ser filha ilegítima e sabendo que a vida, sem o
amor dos pais seria insuportável. Madalena e Manuel morrem para o mundo, renunciando à paixão que os unira.
Tal como o tempo, o espaço assume logo desde início, um carácter pressagiador do desenlace final, contribuindo para a
intensificação progressiva da tensão trágica.

5. Resumo dos atos


5.1. Ato I - Palácio de Manuel de Sousa Coutinho
Exposição
Cenas 1 e 2
A peça inicia-se com D. Madalena, sozinha em cena, refletindo sobre a paixão de D. Pedro e de D. Inês de Castro
narrada no canto III de Os Lusíadas, obra predileta desta personagem. As reflexões que se seguem transmitem um presságio da
desgraça que irá acontecer, presságio esse que percorre toda a obra através da atmosfera da superstição, das apreensões e dos
pressentimentos de D.Madalena.
Telmo entra em cena e é evidente a relação de proximidade e respeito entre ambos. Telmo foi o escudeiro de D.João de
Portugal, primeiro marido de D.Madalena, desaparecido em Alcácer Quibir, daí apresentar reservas quanto ao atual marido de
D.Madalena, Manuel de Sousa Coutinho. Este casal tem uma filha, Maria, de treze anos de idade, que revela maturidade precoce
e uma saúde frágil. Madalena empreendera buscas contínuas, durante 7 anos, para encontrara D.João, acabando por casar com
Manuel, sem ter tido a confirmação da morte do primeiro marido.
Porém, Telmo nunca aceito essa segunda união, que já dura há 14 anos, pois acredita no regresso do seu amo.
Cenas 3 e 4
Nestas cenas é possível detetar:
- a convicção patriótica e sebastianista de Maria;
- a angústia de Madalena face às palavras da filha e ao seu carácter precoce.
- a intuição por parte de Maria de que existe algo misterioso que envolve a mãe e a família;
-a tristeza de Maria, porque é mulher e não homem para corresponder às expectativas do pai.
Telmo e Maria eram, assim muito próximos, revelando uma cumplicidade que afligia Madalena pela crença no mito
sebastianista.
Conflito
Cenas 5-8
Os governadores apoiantes de D.Filipe I querem instalar-se no palácio, o que inflamam o ardor patriótico de Maria.
Manuel de Sousa Coutinho decide mudar de residência para o palácio que fora de D.João de Portugal, apesar da posição
contrária de Madalena, que lhe implora que não a obrigue a voltar à sua antiga casa.
Manuel não cede ao pedido da sua mulher e decide avançar com o plano de deitar fogo ao seu palácio, para que os
governantes não se possam alojar aí.
Desenlace
Cena 9-12
As cenas finais deste ato constituem o seu ponto culminante, já que Manuel incendeia o palácio, tendo-se perdido o seu
retrato, prenúncio da tragédia final. Para além disso, Maria fica fascinada com o ato de coragem patriótica do pai, enquanto
Madalena se sente dominada por um terror imenso.

5.2. Ato II- Palácio de D.João de Portugal, também em Almada


Exposição
Cena 1
O ato começa com um longo diálogo entre Telmo e Maria, que permite saber que:
> Madalena encontra-se, desde que entrou em casa de D.João de Portugal, num estado doentio de angústia e ansiedade.
> Telmo alterou a sua opinião relativamente a Manuel de Sousa Coutinho, considerando-o agora “um português às direitas”.
> a situação política provocada pelo incêndio é delicada.
>Maria tem um pressentimento quanto à identidade da figura representada no terceiro retrato (de D.João), percebendo que
Telmo lhe estava a mentir quando ao paradeiro desse quadro.
>Madalena refere-se à figura do retrato como “o outro”.
>Maria e Telmo acreditam na crença sebastianista do regresso do rei D. Sebastião.
> a forma enigmática como a cena termina revela que Maria pressente a verdade ou parte dela relativamente à história de
D.João de Portugal.
Cena 2 e 3
Nestas cenas, Manuel revela a Maria a identidade do cavaleiro do retrato, desaparecido na batalha de Alcácer Quibir,
para além de dar a conhecer que os governadores já não o perseguem.
Manuel repreende carinhosamente Maria pela sua imaginação demasiado fértil.
Para além disso, a cena 3 é revelante, porque as palavras de Manuel pressagiam o destino funesto da filha, ao
revelarem que a existência de um D.João implicaria a inexistência de Maria.
Conflito
Cena 4-8
O momento do conflito deste ato é marcado pelo reencontro de Madalena e de Manuel, onde este lhe diz que vai com
Maria e Telmo a Lisboa (contra a vontade de Madalena) para visitar a primar Soror Joana, que, conjuntamente com o marido,
tinham abraçado a vida religiosa.
A angústia crescente de Madalena pelo facto de o seu marido e da sua filha irem a Lisboa é evidente, não só porque a
saúde de Maria é delicada e a “viração” no rio, à tarde, pode fazer-lhe mal, mas também porque é sexta-feira, dia fatídico.
Desenlace
Cena 9-15
O desenlace deste ato corresponde, igualmente, ao clímax da ação dramática, sendo de destacar:
> as revelações de Madalena a Frei Jorge relativamente ao seu passado marcado pelo pecado de ter amado Manuel, ainda em
vida do seu primeiro marido.
> a referência, por parte de Madalena, ao caracter fatídico da sexta feira;
>a chegada do Romeiro, que traz a noticia de que D.João de Portugal está vivo, o que mergulha Madalena num estado de
perfeito descontrolo emocional.
>a resposta do romeiro à questão de Frei Jorge sobre a sua identidade – “Romeiro (apontando com o bordão para o retrato de
D.João de Portugal)- Ninguém!”

5.3. Ato III- Parte baixa do palácio de D. João de Portugal:


Exposição
Cena 1
Longo diálogo entre o Frei Jorge e Manuel, que permite perceber a angústia que domina este segundo, uma vez que:
>se culpabiliza pelo fim do casamento com D.Madalena e pela situação de socio-afetividade Maria.
>se mortifica pelo estado de saúde de Maria.
>apercebe-se que ele e o irmão conhecem a verdadeira identidade do romeiro.
Conflito
Cena 2-9
O desenrolar da ação dramática nestas cenas prende-se com:
> as informações sobre o estado cada vez mais débil de Maria;
>o conflito interior de Telmo, ao aperceber-se de que ama mais Maria do que D.João de Portugal.
>a tentativa de D.João, ao saber que Madalena o procurou por sete anos, de desfazer o mal que, involuntariamente, provocou.
>o último encontro entre Madalena e Manuel, que faz ver à esposa que não lhes resta outra solução digna a não ser a entrada
no convento.
Desenlace
Cenas 10-12
As cenas finais são constituídas por uma sucessão de momentos dolorosos, em que Madalena e Manuel tomam o
hábito no momento em que Maria aparece em cena, desfigurada, dizendo que, se os pais vão morrer, ela os acompanhará.
Assim Maria morre de vergonha nos braços da mãe, ao ouvir a voz do Romeiro, que, escondido, pede a Telmo que
reverta a situação.
6. A dimensão patriótica e a sua expressão simbólica

Esta obra é caracteristicamente romântica, pela temática, pela ideologia e pelos valores que veicula:
✓ A valorização do “eu” por oposição à sociedade- o percurso das personagens nomeadamente, Madalena e Maria ilustra o
poder avassalador da sociedade face à liberdade individual;
✓ O apelo à liberdade de decisão- presente sobretudo na figura de Manuel de Sousa Coutinho, que prefere sacrificar o bem-
estar individual e familiar que entregar-se ao domínio espanhol.
✓ A obsessão da morte/destruição- Maria e Madalena ficam aterrorizadas diante da eventual destruição da família, embora
não o confessem uma à outra.
✓ O nacionalismo/patriotismo- é revelado pela fé colocada no regresso de D.Sebastião para restaurar o país dos espanhóis e
pela atitude patriotista de Manuel quando incendeia a sua casa para não ser ocupada pelos invasores. Há uma necessidade
em valorizar a nacionalidade e o orgulho português. Os retratos de D.João e de D.Manuel transmitem um final trágicos
(dois patriotas derrotados pelo destino) e o retrato de Camões e de D.Sebastião simbolizam a pátria e o orgulho nela (1º
simboliza orgulho nacional e o 2º representa esperança).
✓ A ligação amor/morte- a impossibilidade do amor, quer paternal, quer matrimonial, conduz à morte (física de Maria e
espiritual de Madalena e de Manuel).

7. O sebastianismo

O Sebastianismo tornou-se um traço da personalidade nacional, que se caracteriza por viver das glórias do passado,
acreditar numa solução que não envolva determinação na superação dos problemas e de aceitar passivamente o destino.
Deste modo, o sebastianismo constitui-se como um movimento passadista e retrógrado, que se alimentam da grandeza
passada e que espera a superação de mágoas do presente pela chegada providencial e fantástica de um herói. Sendo assi, nesta
obra, a mensagem é claramente progressista, como se pode constatar pelo elogio da ação proativa de Manuel ao incendiar o seu
palácio. Pode-se dizer que esta obra insere o sebastianismo como forma de crítica aquele sentimento passadista e preso a um
passado que já não tem lugar no presente.

8. Personagens

D. Madalena de Vilhena é uma personagem psicologicamente afetada e que vive marcada por conflitos interiores pelo
desaparecimento do primeiro marido e não consegue viver o presente devido a esse “fantasma
Os sentimentos e a sensibilidade sobrepõe-se à razão e é uma mulher em constante sofrimento. Acredita em agoiros,
superstições, dias fatais (a sexta-feira) e Deus.
Surge também como “pobre mãe” e “coitada”, que se encontra em pânico, com pressentimentos de desgraça.
É uma sofredora e tem um amor intenso e uma preocupação constante com a sua filha Maria, contudo o mais
importante para ela é a sua felicidade e amor ao lado de Manuel de Sousa pois até o seu amor à pátria é menor do que o que
sente por Manuel. É muito influenciada por Manuel de Sousa, sendo evidenciado no final da obra, pois esta aceita o convento
como solução mas fá-lo seguindo Manuel.
Esta personagem relaciona-se conjugalmente com outras duas de uma forma legal e de compromisso com D. João de
Portugal, por outro lado a sua relação com Manuel de Sousa Coutinho é amorosa e por sua vez ilegal. Tem uma relação afetiva
com Telmo e Maria, sendo Telmo um aio e Maria sua filha, mas ao contrário do que se possa pensar Maria assume um papel
adulto em relação à mãe devido ao estado mental de Madalena.

Maria de Noronha é uma personagem fisicamente frágil e fraca de 13 anos. Também apresenta um carácter puramente
inocente e angelical e sendo psicologicamente muito forte. Maria tem uma relação muito forte com Telmo devido à sua crença
no regresso de D. Sebastião.
É uma personagem nobre, de inteligência precoce, muito culta, intuitiva e perspicaz. Também é muito curiosa pois
aparenta querer saber de tudo, e uma romântica: é nacionalista, idealista, sonhadora, fantasiosa, patriota, crente em agoiros e
uma sebastianista.
É a vítima inocente de toda a situação e acaba por morrer fisicamente, tocada pela vergonha de se sentir filha ilegítima
(morre tuberculosa).

Manuel de Sousa Coutinho é um nobre e honrado fidalgo que se orienta por valores universais como a honra, a
lealdade, a liberdade, é um patriota, forte, corajoso, e decido, mas não acredita em agoiros. Contudo, esta personagem evolui
de uma atitude interior de força, de coragem e segurança para um comportamento de medo, de dor, sofrimento, insegurança e
piedosa mentira no ato III quando teme pela saúde da filha e pela sua condição social. Os seus sentimentos são muit0as vezes
sobrepostos à razão (normalmente deve-se á sua preocupação com doença da sua filha).
Manuel de Sousa é um bom pai e um bom marido, pois ao longo do texto demonstra muita preocupação para com
estas personagens. No final da obra demonstra-se decido como noutros momentos, com o facto de abandonar tudo (bens, vida)
para se refugiar no convento.
É de referir que Manuel de Sousa não sente ciúmes pelo passado de Madalena e considera-o um honrado fidalgo e um
valente cavaleiro, dizendo mesmo que considera D.João um homem honrado e que honra a sua memória.
A sua relação com Telmo é muito afastada, visto que, Telmo é um serviçal normal e não existe nenhuma intimidade,
Telmo atreve-se a dizer coisas a Madalena que não diz a Manuel de Sousa.
Telmo é um criado caracterizado como extremamente leal ao seu primeiro amo, D. João de Portugal, e acredita
piamente no seu regresso. Não consegue perdoar Madalena pelo seu segundo casamento e mostra o maior desprezo por
Manuel, apesar de ser o confidente de Madalena e Maria. Telmo é fiel, dedicado e é a ligação entre as duas famílias (os dois
maridos de Madalena) e a chama viva do passado que alimenta os terrores de Madalena.
Esta personagem é muito crítica, cria juízos de valor e é através dele que a consciência das personagens é fragmentada,
este vive num profundo conflito interior pois sente-se divido entre João e Maria, não sabendo o que fazer. Apercebe-se mais
tarde que ama mais Maria que o seu antigo amo.

O romeiro/D. João de Portugal é um nobre cavaleiro, que está ausente fisicamente durante o I e II ato da peça.
Contudo, está sempre presente na memória, palavras e nas esperanças de Telmo que paira sobre aquela família, na consciência
(sombra das angústias) de Madalena, nas palavras de Manuel e na intuição de Maria.
D. João é caracterizado direta e indiretamente, esta caracterização é tanto física como psicológica. É sempre lembrado
como patriota, digno, honrado, forte, fiel ao seu rei.
Quando regressa, na pele do Romeiro é austero e misterioso, representa um destino cruel, é implacável, destrói uma
família e a sua felicidade, mas acaba por ser, também ele, vítima desse destino. Resta-lhe então a solidão, o vazio e a certeza de
que ele já só faz parte do mundo dos mortos.
D. João é uma figura simbólica: representa o passado, a época gloriosa dos descobrimentos. Representa também o
presente, a pátria morta e sem identidade na mão dos espanhóis, e é também a imagem da pátria cativa.

Frei George é uma personagem tipo e apenas tem a função de mostrar o que a igreja deveria de assumir. Frei George é
irmão de Manuel de Sousa, representa a autoridade de Igreja. É também confidente de Madalena, pois é a ele que ela confessa
o seu “terrível” pecado: amou Manuel de Sousa ainda D. João era vivo. É uma figura moderadora, que procura harmonizar o
conflito e modera os sentimentos trágicos. Acompanha sempre a família, é conciliador, pacificador e impõe uma certa
racionalidade, procurando manter o equilíbrio no meio de uma família angustiada e desfeita.

9. A dimensão trágica

De acordo com a classificação de Frei Luís de Sousa pelo próprio autor, a peça apresenta características que a
aproximam quer do drama romântico quer da tragédia clássica.

-Principais características trágicas da obra:


◆ número reduzido de personagens;
◆ personagens de elevado estatuto social e moral;
◆ ação única e que converge para o desenlace trágico;
◆ concentração temporal (progressão temporal, até culminar na madrugada da morte ou separação da família);
◆ concentração espacial (progressão espacial, terminando na Igreja de S. Paulo dos Domínicos);
◆ vestígios do coro da tragédia clássica, nas personagens Telmo e frei Jorge;
◆ presença de momentos e indícios trágicos.

Os indícios trágicos são sinais da fatalidade que se avizinha. Os indícios ou presságios podem surgir sob a forma de
acontecimentos, comportamentos, comentários, alusões ou informações que nem sempre são entendidos pelas personagens
como sinais trágicos. Ao longo da ação de Frei Luís de Sousa, há várias situações e elementos que contribuem para a criação de
um ambiente de medo e de suspeita e que funcionam como uma espécie de preparação para o desenlace trágico.

10. Simbologia

 Os retratos – primeiro remetem para uma força espiritual e física, depois, o retrato queimado de Manuel é prenuncio
da catástrofe final que destrói a família. O retrato de Camões representa glória das letras. O retrato de D.João simboliza
o fantasma ameaçador que regressa do passado para aniquilar o presente.
 A concentração espacial – o progressivo afunilamento e obscurecimento do espaço simboliza o caminhar inexorável
para a tragédia final, deixando as personagens sem saída.
 A decoração dos espaços – a decoração dos espaços vai-se tornando mais despojada, mais melancólica,
impossibilitando o contacto com o exterior.
 Os números – 7 é o algarismo que domina quase todas as referências e simboliza a totalidade. Maria tem 13 anos,
número associado ao azar.
 O dia da semana – sexta feira, dia aziago para Madalena.
 A concentração temporal – o afunilamento progressivo do tempo simboliza a impossibilidade de fuga das personagens
ao destino já traçado.
Amor de perdição, Camilo Castelo Branco

1. A obra como crónica da mudança social


▪ Crítica ao ser vs. parecer.
▪ Critica à sociedade do séc. XIX
▪ Denúncia dos privilégios das classes superiores.
▪ Condenação dos casamentos por conveniência.
▪ Oposição a uma sociedade repressiva e retrógrada, associada ao poder de instituições como a justiça e a igreja.
▪ Defesa da liberdade individual e da valorização dos ideais nobres.

2. A estrutura da obra

Introdução
◆Apresentação da entrada de Simão Botelho na Cadeia da Relação do Porto, condenado ao degredo na Índia.
◆Referência sucinta à história triste de Simão, que se resume na frase «Amou, perdeu-se e morreu amando».
◆Reflexões do narrador sobre a história trágica de Simão.

Capitulo I
◆Apresentação da família de Simão Botelho.
◆Caracterização de Simão que aos 15 anos era rebelde e estudante em Coimbra.

Capitulo II e III
◆Simão e Teresa (filha de Tadeu Albuquerque) veem-se pela primeira vez e apaixonam-se.
◆As famílias de Simão e Teresa opõem-se ao amor dos jovens, devido ao ódio entre ambas.
◆Tadeu de Albuquerque pretende casar Teresa com o seu sobrinho Baltasar.

Capitulo IV
◆Teresa recusa o casamento e o pai decide encerrá-la num convento.
◆Escrita de uma carta a Simão, na qual Teresa explica a sua situação.
◆Simão regressa a Viseu e fica alojado em casa do ferrador João da Cruz.

Capitulo V-IX
◆Breve encontro entre Teresa e Simão.
◆Mariana, filha de João da Cruz, apaixona-se por Simão.
◆Baltasar prepara uma emboscada a Simão e este é ferido. Simão consegue fugir com a ajuda de João da Cruz que matam os
dois criados de Baltasar.
◆Tadeu decide encerrar Teresa num convento em Viseu. Simão fica em casa de João da Cruz que devia um favor ao pai de
Simão.
◆Mariana cuida de Simão em casa de João da Cruz.

Capitulo X
◆Simão vai ao encontro de Teresa, quando a jovem parte do convento de Viseu para o convento de Monchique, no Porto.
◆Simão mata Baltasar.
◆Simão é preso.

Capitulo XI-XX
◆Mariana continua ao lado de Simão, na prisão.
◆É condenado à forca.
◆Teresa chega ao convento de Monchique, no Porto, e toma conhecimento da condenação de Simão.
◆Doença de Teresa que anseia pela morte, apesar de Simão, através de Mariana, a incentiva a não desistir.
◆Decisão de Tadeu em trazer a filha de volta para Viseu quando sabe do estado frágil dela, e quando sabe que que Simão está
também na cidade do Porto.
◆Recusa de Teresa em fazer a vontade do pai.
◆Assassínio de João de Cruz.
◆Simão é condenado ao degredo por 10 anos e Mariana tem intenção em acompanhá-lo.
◆Suplica de Teresa para que Simão não aceite o degredo e que cumpra o tempo na cadeia onde já esta.
◆Partida de Simão para a Índia, na companhia de Mariana, no momento em que é informado da morte de Teresa.

Conclusão
◆Morte de Simão passados 10 dias e suicídio de Mariana, que se atira ao mar na companhia do corpo do seu amado.
3. Simão e o narrador
O autor, Camilo Castelo Branco, criou uma história onde cruza ficção e algumas notas biográficas. Simão Botelho e o
autor/narrador partilham o mesmo destino – ambos são presos pelo mesmo motivo: o amor.

❖ Titulo – Amor de Perdição → Obra de Ficção- História do amor proibido de Simão e Teresa, culminando em desfecho
trágico.
❖ Subtítulo - Memória de uma família → Sugestão de relato histórico e familiar verídico - Camilo estava preso na Cadeia
da Relação do Porto e encontrou, no livro de registos de entradas na cadeia, o registo de condenação ao degredo (para
a Índia) do seu tio, Simão Botelho.
Para acentuar o caráter verídico do seu relato, o narrador recorre:
- à transcrição de documentos
- à referência a datas.

4. Construção do herói romântico:

❖ Simão Botelho
▪ Estatuto nobre.
▪ Sentimentos fortes:
– antes de amar: rebelde, marginal e violento;
– ao amar (amor-paixão)
– apaixonado, sincero, fiel, obstinado na defesa da sua honra de amante perseguido, excessivo no amor e no ódio; veia
poética (cf. cartas escritas na prisão); morre de amor.
▪ Transformação pela paixão.

❖ Teresa de Albuquerque (heroína romântica)


▪ Estatuto nobre.
▪ Jovem, pura e frágil (mulher-anjo).
▪ Sentimentos fortes – amor-paixão (vive o amor intensamente e morre de amor); obstinação na recusa de aceitar a
autoridade paterna.

❖ Mariana (heroína romântica)


▪ Nobreza de sentimentos – sofre em silêncio por amor (amor não correspondido); abnegação, generosidade, dedicação.
▪ Indiferença em relação à sociedade.
▪ Morte por amor (suicídio).

5. Relações entre personagens:


Simão:
- apaixonado por Teresa;
- fiel aos seus princípios. Família Botelho:
- Domingos Botelho: Oponente da relação
entre o filho e Teresa, visto que o pai desta é
seu inimigo.
-D. Rita Preciosa: Maternal e preocupada com
o filho, é incapaz de se opor à decisão do
marido.
Teresa: Mariana: - Irmãos de Simão: Indiferentes ao irmão,
- apaixonada por Simão; - apaixonada por Simão; sendo que apenas Rita (tia que acolheu Camilo
- corajosa perante o seu pai. - cúmplice dos dois amantes. após a morte da mãe) se preocupa com Simão.

Família Albuquerque: Outras personagens:


- Tadeu de Albuquerque: Oponente da relação -Mariana: Apaixonada por simão, mesmo sabendo
entre a sua filha e simão, visto que o pai deste que não é correspondida, sacrifica o seu amor
é seu inimigo. próprio ao partir com ele para o degredo, anulando,
-Teresa Albuquerque: jovem de 15 anos, rica, com a morte de simão, a sua vida.
herdeira e bonita, revela uma força de -João Cruz: Protetor de Simão, por dívida de
carácter excecional para a época, quando se gratidão para com o pai dele, Domingos Botelho.
opõe às decisões do seu pai. -Mendiga: intermediária entre os amantes,
- Baltasar Coutinho: convencido, prepotente e entregando e recolhendo as cartas.
egoísta, não se conforma de a prima o ter -Corregedor: sensível à coragem de Simão, troca a
ignorado. pena para o degredo, em vez da forca.
6. Amor-paixão:
 O amor-paixão se concretiza na morte dos amantes, que enfrentam a violência repressiva das leis familiares e
religiosas;
 O amor é elevado a um patamar sagrado, em que há a redenção pelo sofrimento e o perdão dos pecados;
 O amor transpõe barreiras físicas, instituindo-se para além da morte.
 O destino domina esta personagens, incapazes de concretizarem os seus caminhos individuais.

O amor que une Simão e Teresa leva a que os dois jovens se comportem de forma violadora, desafiando os limites sociais e
familiares impostos. No entanto, é possível escapar ao Destino implacável que se abate sobre estas personagens e que, ao
mesmo tempo, eleva este amor à dimensão espiritual.

7. Linguagem e estilo
O narrador:
Como já foi visto anteriormente, o titulo e o subtítulo sugerem duas dimensões – a ficcional e a memorialista – e desta
forma destacam-se dois tipos de narrador, o narrador-autor e o narrador enquanto porta-voz da ficção.
O narrador-autor evidencia-se em dois momentos:
→ na introdução fala na primeira pessoa (“folheando […] li”)
→ nas linhas finais da conclusão, quando identifica Manuel Botelho como seu pai.

O narrador da ficção tem as suas marcas presentes quando:


→ narra com evidente comoção a história dos amores trágicos;
→ se comove com as ações das personagens ou quando as elogia;
→ tece comentários pessoais;
→ interpela o leitor com a intenção de suscitar a sua reflexão.
O narrador, ora é relator, ora observador critico. Intervém ao longo da obra através dos comentários, parando o relato
para tecer considerações pessoais.

Diálogos:
Nota-se que a preocupação de Camilo em conseguir o efeito de verdade através dos diálogos que marcam os
momentos quer de tensão, quer de paixão, quer de sofrimento amoroso.
Os diálogos são também instrumentos únicos de descodificação das características especificas de determinado grupo
social, nomeadamente nobreza/burguesia (com registo cuidado) e do povo (com a linguagem coloquial e familiar).

Concentração temporal da ação:

Introdução: • Referência a dados biográficos de Camilo.


“Amou” • Apresentação global do infortúnio de Simão
Botelho – o degredo

Desenvolvimento: • Amor de Simão e Teresa – correspondido, mas


proibido.
“perdeu-se ”
• Amor de Mariana por Simão – não correspondido.
• Assassínio de Baltazar Coutinho.
• Condenação de Simão ao degredo.
• Ida de Teresa para o convento.
• Morte de teresa

• Morte de Simão.
Conclusão:
• Suicídio de Mariana.
“morreu amando”
Os Maias, Eça de Queirós

1. Contexto histórico-cultural
➢ A Segunda metade do século XIX:
Na década de 50 assistiu-se a um grande desenvolvimento das vias de comunicação e a um progresso económico. Esta época
de estabilidade política ficou conhecida por Regeneração. Este desenvolvimento económico deu-se graças a Fontes Pereira de
Melo, tendo sido o iniciador de uma política de implementação de infra-estruturas, tais como: caminhos-de-ferro, estradas,
pontes, telégrafo, etc... designada por "fontismo".
No entanto, esta política não foi pacífica nem igual para todos, uma vez que se verificaram desequilíbrios entre o interior e o
litoral.

➢ O contexto cultural:
Enquanto o crescimento económico progredia, os padrões estético-literários vigentes na época dominados ainda pelo ultra-
romantismo e pela sua figura emblemática permaneceram iguais.
A década anterior à publicação de Os Maias foi a mais polémica da História da Literatura, foi marcada por uma série de
revoluções:

a) o idealismo cede lugar ao positivismo;


b) o romantismo é violentamente atacado pelo realismo;
c) o realismo clarifica os grandes males sociais;
d) a arte literária é entregue ao serviço da revolução de mentalidades.
Eça de Queirós terá demorado cerca 8 anos para escrever a obra Os Maias, tendo sido publicada a 2 de Junho de 1888. Isso
poderá explicar o afastamento progressivo, à medida que a ação avança, do romantismo para o naturalismo/ realismo. No inicio
da obra, Eça é fortemente influenciado pelas teses naturalistas (meio, educação, hereditariedade), assim como elege o destino
como responsável pelo desenlace trágico da família Maia. A obra foi atacada por fortes críticas quanto à sua extensão e outros
fatores, tanto por críticos como também pelo próprio Eça.

➢ A Questão Coimbrã
O "Poema da Mocidade" de Pinheiro Chagas foi fortemente elogiado por Castilho numa publicação de um prefácio, no qual
Castilho aproveitou para censurar um grupo de jovens de Coimbra que acusa de exibicionismo, obscuridade propositada e de
tratamento de temas que nada tinham a ver com a poesia. Desse grupo faziam parte Teófilo Braga e Antero de Quental.
Antero de Quental decidiu responder a Castilho com uma Carta intitulada "Bom Senso e Bom Gosto" que acabou por sair em
folheto. Formou-se assim um conflito entre Castilho e Antero de Quental. Castilho defendia a arte pela arte, enquanto para
Antero, a arte deveria estar entregue ao serviço das transformações sociais.
Esta nova conceção de arte e literatura abriu caminho à introdução do realismo em Portugal.

➢ A Geração de 70
Um grupo de jovens intelectuais da Universidade de Coimbra formado por Antero de Quental, Eça de Queirós, Teófilo Braga,
Alberto Sampaio, Oliveira Martins, entre outros, responderam às inventivas dos seus adversários e realizaram um conjunto de
atividades científicas, literárias e artísticas.
Estes jovens opunham-se contra a ordem conservadora e retrógrada, pondo assim em questão toda a cultura portuguesa.

➢ A difusão do realismo em Portugal


A difusão do "pensamento moderno" foi facilitada pela ligação ferroviária entre Coimbra e Paris assim como pela contestação
dos jovens intelectuais ao poder instituído, quer pela Universidade, quer pelos representantes das "literaturas oficiais" sediados
em Lisboa.
Para a divulgação das novas ideias e críticas sociais e políticas, foram organizadas várias conferências, "Conferências do
Casino", o programa conferia a realização de 10 conferências, mas no entanto foram interrompidas pelas autoridades não
permitindo que Eça proferisse o seu trabalho (4ª conferência) intitulada "O Realismo como Nova Expressão de Arte".

Modo Literário -------------------------------------------------------- Género

Modo Narrativo
▪ Modo em que a ação é ▪ Apresenta como marcas: a
apresentada pelo narrador; pluralidade de ações, a
▪ Apresenta elementos como: ação, complexidade do espaço, do
personagem, narrador, espaço e tempo e dos protagonistas e
tempo. extensão longa.
2. Pluralidade de ações:

❖ Ação principal → Amores de Carlos e Maria Eduarda (intriga principal)


❖ Ações secundárias → Amores de Pedro e Maria Monforte (intriga secundária); Romance de Ega e Raquel
Cohen; Romance de Carlos com a Gouvarinho.

Intriga > Os Maias (título)


→Principal- Carlos e Maria Eduarda
→Secundária – Pedro e Maria Monforte
Nivel (ou planos)
da ação Ação trágica: incesto (intriga principal), destino, peripécia, presságios, peripécia,
reconhecimento, catástrofe.

Crónica de Costumes> Episódios da Vida Romântica (subtitulo)


→Jantar nos gouvarinho; Jantar no Hotel central; Episódios dos jornais; Corridas de
Cavalos; Sarau da Trindade.

3. Complexidade do tempo

Este romance não apresenta um seguimento temporal linear, mas, pelo contrário, uma estrutura complexa
na qual se integram três tipos de tempo: tempo histórico, tempo do discurso e tempo psicológico.

Tempo histórico
Entende-se por tempo histórico aquele que se desdobra em dias, meses e anos vividos pelas personagens,
refletindo até acontecimentos cronológicos históricos do país.
N' Os Maias, o tempo histórico é dominado pelo encadeamento de três gerações de uma família, cujo último
membro - Carlos, se destaca relativamente aos outros. A fronteira cronológica situa-se entre 1820 e 1887,
aproximadamente. Assim, o tempo concreto da intriga compreende cerca de 70 anos.

Tempo psicológico
O tempo psicológico é o tempo que a personagem assume interiormente. É o tempo filtrado pelas suas vivências
subjetivas, muitas vezes carregado de densidade dramática. É o tempo que se alarga ou se encurta conforme o
estado de espírito em que se encontra.
No romance, encontram-se algumas ações onde se destaca a existência de tempo psicológico, como por
exemplo, nas horas passadas no consultório, que Carlos considerava monótonas e “estúpidas”, ou quando, no último
capítulo, em que Carlos e Ega visitam e completam o velho Ramalhete (1887) e refletem sobre o passado e o
presente, e numa das intervenções, Carlos, com emoção e nostalgia, recorda o tempo passado e comenta “É curioso!
Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!”.
O tempo psicológico introduz a subjetividade, o que põe em causa as leis do naturalismo.

Tempo do discurso
Por tempo do discurso entende-se aquele que se deteta no próprio texto organizado pelo narrador,
ordenado ou alterado logicamente, alargado ou resumido.
Na obra, o discurso inicia-se no outono de 1875, data em que Carlos, concluída a sua viagem de um ano pela
Europa, após a formatura, veio com o avô instalar-se definitivamente em Lisboa. Pelo processo de analepse, o
narrador vai, até parte do capítulo IV, referir-se aos antepassados do protagonista (juventude e exílio de Afonso da
Maia, educação, casamento e suicídio de Pedro da Maia, e à educação de Carlos da Maia e sua formatura em
Coimbra) para recuperar o presente da história que havia referido nas primeiras linhas do livro. Esta primeira parte
pode considerar-se uma novela introdutória que dura quase 60 anos. Esta analepse ocupa apenas 90 páginas,
apresentadas por meio de resumos e elipses. Assim, o tempo histórico é muito mais longo do que o tempo do
discurso. Do outono de 1875 a janeiro de 1877 - data em que Carlos abandona o Ramalhete - existe uma tentativa
para que o tempo histórico (pouco mais de um ano da vida de Carlos) seja idêntico ao tempo do discurso - cerca de
600 páginas - para tal Eça serve-se muitas vezes da cena dialogada. O último capítulo é uma elipse (salto no tempo)
onde, passados 10 anos, Ega se encontra com Carlos em Lisboa.
4. Complexidade do espaço

Na obra os Maias a Ação decorre em diferentes Espaços físicos, Sociais e Psicológicos.


a) O Espaço Físico é o local onde se desenrola a narrativa (um país, uma cidade, uma casa, etc).

Espaços interiores:
Espaço geográfico: • Ramalhete: a degradação do edificio acompanha o percurso da
• Coimbra: espaço de boémia estudantil, artística e família e a passagem de Carlos por Lisgboa, sendo considerado
literária; espaço de formação de Carlos cuja existência um marco referêncial importante. Símbolo desse percurso é a
surge ainda marcada pelo Romantismo que a sua descrição do jardim (aspecto simbólico oposto ao racionalismo
geração procura rejeitar. Ambiente propício naturalista): -1º momento: o jardim tem um aspecto de abandono
ao diletantismo e ociosidade. e degradação; corresponde ao desgosto de Afonso após a morte
• Lisboa: é o espaço com maior importância na obra, isto de Pedro; - 2º momento: é o renascimento da esperança,
é, é o local onde ocorrem os principais acontecimentos. renovação da casa por Carlos; -3ª momento: «areado e limpo,
As ruas, as praças, os hotéis, os locais de convívio, os mas sombrio e solitário», simboliza o fim de um sonho e a morte
teatros são caracterizados como personagens ao longo de uma família.
da obra. Lisboa é o símbolo da sociedade portuguesa da • O consultório: A descrição do consultório revela-nos algumas
Regeneração, incapaz de se modernizar (obras da facetas de Carlos: diletantismo, entusiasmos passageiros,
Avenida da Liberdade) e que agoniza na contemplação projectos inacabados.
de um passado glorioso. • A casa de Dâmaso: a sua excentricidade faz um contraste com a
• Sintra: A ida a Sintra de Carlos, Cruges e Alencar personalidade mesquinha e cobarde de Dâmaso e com a sua
constitui um dos momentos mais poéticos hilariantes embaraçada aflição no episódio da carta.
da obra. Sintra é o paraíso romântico perdido, é o • A Vila Balzac: A carecterização da casa remete para a própria
refúgio campestre e purificador. personalidade de Ega. Os móveis escolhidos, nomeadamente a
• Santa Olávia: É um local de extrema importância para cama, acentuam a exuberância afectiva e erótica de Ega o espelho
as personagens, sendo como refúgio aos problemas e à cabeceira insinua a extravagância, um temperamento
um local calmo que proporciona um ambiente agrdável exibicionista e narcisista.
para pensamentos. • O Hotel Central/ a casa da rua de S. Francisco/ a Toca: Carlos tenta
descobrir facetas da personalidade de Mª Eduarda através da
observação dos objectos que a rodeiam. A decoração da Toca
simboliza a excentricidade, a anormalidade e a tragédia que
caracterizarão as relações de Carlos e Mª Eduarda. Foi à entrada
desse Hotel que Carlos e Maria Eduarda se terão avistado pela
primeira vez.

b) O Espaço Psicológico está relacionado com as personagens pois traduz uma atmosfera de ordem psicológica,
que se projeta nos comportamentos destas.
Vai privilegiar o que ocorre dentro das personagens, sobretudo através do monólogo interior, manifestando-
se em momentos de maior densidade dramática. É sobretudo Carlos que desvenda os meandros da sua consciência,
ocupando também Ega lugar de relevo. O narrador como que desnuda as personagens perante o leitor, dando conta
dos estados de alma, dos personagens, dos pensamentos, da corrente da sua consciência.
A representação do espaço psicológico permite definir a composição destas personagens como personagens
modeladas. A presença do espaço psicológico implica, obviamente, a presença da subjectividade, pondo em causa a
estética naturalista.
O Espaço psicológico consegue-se através do(a) sonho, memória, imaginação e emoção.

c) O Espaço Social são os lugares e ambientes em que se proporciona a análise dos comportamentos das
personagens, pois aí elas denunciam os seus tiques e os seus vícios (ex. jantar nos Gouvarinho, a corrida de
cavalos, ...)

5. Personagens:
Caetano da Maia

Afonso da Maia Maria Eduarda Runa

Pedro da Maia Maria Monforte

Carlos da Maia Maria Eduarda


Afonso da Maia
▪ Caracterização física:
Afonso era baixo, maciço, de ombros quadrados e fortes. A sua cara larga, o nariz curvo e a pele corada. O
cabelo era branco, muito curto e a barba branca e comprida. Como dizia Carlos: "lembrava um varão esforçado das
idas heróicas, um D. Duarte Meneses ou um Afonso de Albuquerque".
▪ Caracterização psicológica:
Provavelmente a personagem mais simpática do romance e aquele que o autor mais valorizou. Não se lhe
conhecem defeitos. É um homem de carácter culto e requintado nos gostos. Enquanto jovem adere aos ideais do
Liberalismo e é obrigado, pelo seu pai, a sair de casa; instala-se em Inglaterra mas, falecido o pai, regressa a Lisboa
para casar com Maria Eduarda Runa. Dedica a sua vida ao neto Carlos. Já velho passa o tempo em conversas com os
amigos, lendo com o seu gato – Reverendo Bonifácio – aos pés, opinando sobre a necessidade de renovação do país.
É generoso para com os amigos e os necessitados. Ama a natureza e o que é pobre e fraco. Tem altos e firmes
princípios morais. Morre de desgosto, quando descobre os amores incestuosos dos seus netos. É o símbolo do velho
Portugal que contrasta com o novo Portugal – o da Regeneração – cheio de defeitos. É os sonho de um Portugal
impossível por falta de homens capazes. É o ponto de equilibrio da familia. É a ele que o filho entrega Carlos após a
fuga de Maria Eduarda.
Pedro da Maia
▪ Caracterização física
Era pequenino, face oval de "um trigueiro cálido", olhos belos – "assemelhavam-no a um belo árabe".
Valentia física.
▪ Caracterização psicológica
Pedro da Maia apresentava um temperamento nervoso, fraco e de grande instabilidade emocional. Tinha
assiduamente crises de "melancolia negra que o traziam dias e dias, murcho, amarelo, com as olheiras fundas e já
velho". O autor dá grande importância à ligação desta personagem ao ramo familiar dos Runa e à sua semelhança
psicológica com estes. Pedro é vítima do meio baixo lisboeta e de uma educação retrograda. O seu único sentimento
vivo e intenso foi a paixão que sentia pela mãe. Apesar da robustez física é de uma enorme cobardia moral (como
demonstra a reação do suicídio face à fuga da mulher). Falha no casamento e falha como homem.

Carlos da Maia
▪ Caracterização física
Carlos era um belo e magnífico rapaz. Era alto, bem constituído, de ombros largos, olhos negros, pele branca,
cabelos negros e ondulados. Tinha barba fina, castanha escura, pequena e aguçada no queixo. O bigode era curvado
aos cantos da boca. Com diz Eça, ele tinha uma fisionomia de "belo cavaleiro da Renascença".
▪ Caracterização psicológica
Carlos era culto, bem educado, de gostos requintados. Ao contrário do seu pai, é fruto de uma educação à
Inglesa. É corajoso e frontal. Amigo do seu amigo e generoso. Destaca-se na sua personalidade o cosmopolitismo, a
sensualidade, o gosto pelo luxo, e diletantismo (incapacidade de se fixar num projecto sério).
Todavia, apesar da educação, Carlos fracassou. Não foi devido a esta mas falhou, em parte, por causa do
meio onde se instalou – uma sociedade parasita, ociosa, fútil e sem estímulos e também devido a aspetos
hereditários – a fraqueza e a cobardia do pai, o egoísmo, o futilidade e o espírito boémio da mãe.

Maria Monforte
▪ Caracterização física
É extremamente bela e sensual. Tinha os cabelos loiros, "a testa curta e clássica".
▪ Caracterização psicológica
É vítima da literatura romântica e daqui deriva o seu carácter pobre, excêntrico e excessivo. Costumavam
chamar-lhe negreira porque o seu pai levara, noutros tempos, cargas de negros para o Brasil, Havana e Nova
Orleães. Apaixonou-se por Pedro e casou com ele. Desse casamento nasceram dois filhos. Mais tarde foge com o
napolitano, Tancredo, levando consigo a filha, Maria Eduarda, e abandonando o marido - Pedro da Maia - e o filho -
Carlos Eduardo. Leviana e imoral, é, em parte, a culpada de todas as desgraças da família Maia. Fê-lo por amor, não
por maldade. Após a morte de Tancredo, num duelo, leva uma vida dissipada e morre quase na miséria. Deixa um
cofre a um conhecido português - o democrata Sr. Guimarães - com documentos que poderiam identificar a filha a
quem nunca revelou as origens.
Maria Eduarda
▪ Caracterização física
Maria Eduarda era uma bela mulher: alta, loira, bem feita, sensual mas delicada, "com um passo soberano de
deusa", é "flor de uma civilização superior, faz relevo nesta multidão de mulheres miudinhas e morenas". Era
bastante simples na maneira de vestir, "divinamente bela, quase sempre de escuro, com um curto decote onde
resplandecia o incomparável esplendor do seu pescoço".
▪ Caracterização psicológica
Podemos verificar que, ao contrário das outras personagens femininas Maria Eduarda nunca é criticada, Eça
manteve sempre esta personagem à distância, a fim de possibilitar o desenrolar de um desfecho dramático (esta
personagem cumpre um papel de vítima passiva). Maria Eduarda é então delineada em poucos traços, o seu passado
é quase desconhecido o que contribui para o aumento e encanto que a envolve. A sua caracterização é feita através
do contraste entre si e as outras personagens femininas, mas e ao mesmo tempo, chega-nos através do ponto de
vista de Carlos da Maia, para quem tudo o que viesse de Maria Eduarda era perfeito, "Maria Eduarda! Era a primeira
vez que Carlos ouvia o nome dela; e pareceu-lhe perfeito, condizendo bem com a sua beleza serena." Uma vez
descoberta toda a verdade da sua origem, curiosamente, o seu comportamento mantém-se afastado da crítica de
costumes (o seu papel na intriga amorosa está cumprido), e esta personagem afasta-se discretamente de "cena".

Personagens tipo:
João da Ega

▪ Caracterização física
Ega usava "um vidro entalado no olho", tinha "nariz adunco, pescoço esganiçado, punhos tísicos, pernas de
cegonha". Era o autêntico retrato de Eça.
▪ Caracterização psicológica
João da Ega é a projeção literária de Eça de Queirós. É uma personagem contraditória. Por um lado,
romântico e sentimental, por outro, progressista e crítico, sarcástico do Portugal Constitucional. Amigo íntimo de
Carlos desde os tempos de Coimbra, onde se formara em Direito (muito lentamente). A mãe era uma rica viúva e
beata que vivia ao pé de Celorico de Bastos, com a filha. Boémio, excêntrico, exagerado, caricatural, anarquista sem
Deus e sem moral. É leal com os amigos. Concebe grandes projetos literários que nunca chega a executar. Terminado
o curso, vem viver para Lisboa e torna-se amigo inseparável de Carlos. Como Carlos, também ele teve a sua grande
paixão - Raquel Cohen. Ega, um falhado, corrompido pela sociedade, encarna a figura defensora dos valores da
escola realista por oposição à romântica. Na prática, revela-se em eterno romântico. Nos últimos capítulos ocupa um
papel de grande relevo no desenrolar da intriga. É a ele que o Sr. Guimarães entrega o cofre. É juntamente com ele,
que Carlos revela a verdade a Afonso. É ele que diz a verdade a Maria Eduarda e a acompanha quando esta parte
para Paris definitivamente.

Conde de Gouvarinho
▪ Caracterização física
Era ministro e par do Reino. Tinha um bigode encerado e uma pêra curta.
▪ Caracterização psicológica
Tinha uma mentalidade retrógada. Tem lapsos de memória e revela uma enorme falta de cultura. Não
compreende a ironia sarcástica de Ega. Representa a incompetência do poder político (principalmente dos altos
cargos). Fala de um modo depreciativo das mulheres. Revelar-se-á, mais tarde, um bruto com a sua mulher.

Condessa de Gouvarinho
▪ Caracterização física
Cabelos crespos e ruivos, nariz petulante, olhos escuros e brilhantes, bem feita, pele clara, fina e doce; é
casada com o conde de Gouvarinho e é filha de um comerciante inglês do Porto.
▪ Caracterização psicológica
É imoral e sem escrúpulos. Traí o marido, com Carlos, sem qualquer tipo de remorsos. Questões de dinheiro
e a mediocridade do conde fazem com que o casal se desentenda. Envolve-se com Carlos e revela-se apaixonada e
impetuosa. Carlos deixa-a, quando percebe que ela é uma mulher sem qualquer interesse, demasiado fútil.
Dâmaso Salcede
▪ Caracterização física
Era baixo, gordo, "frisado como um noivo de província". Era sobrinho de Guimarães. A ele e ao tio se devem,
respectivamente, o início e o fim dos amores de Carlos com Maria Eduarda.
▪ Caracterização psicológica
Dâmaso é uma símbolo de defeitos. Filho de um penhorista, é presumido, cobarde e sem dignidade. É dele a
carta anónima enviada a Castro Gomes, que revela o envolvimento de Maria Eduarda com Carlos. É dele também, a
notícia contra Carlos n' A Corneta do Diabo. Mesquinho e convencido, provinciano e tacanho, tem uma única
preocupação na vida o "chic a valer". Representa o novo riquismo e os vícios da Lisboa da segunda metade do séc.
XIX. O seu carácter é tão baixo, que se retracta, a si próprio, como um bêbado, só para evitar bater-se em duelo com
Carlos.

Sr. Guimarães
▪ Caracterização física
Usava largas barbas e um grande chapéu de abas à moda de 1830.
▪ Caracterização psicológica
Conheceu a mãe de Maria Eduarda, que lhe confiou um cofre contendo documentos que identificavam a
filha. Guimarães é, portanto, o mensageiro da trágica verdade que destruirá a felicidade de Carlos e de Maria
Eduarda.

Alencar
▪ Caracterização física
Tomás de Alencar era "muito alto, com uma face encaveirada, olhos encovados, e sob o nariz aquilino,
longos, espessos, românticos bigodes grisalhos".
▪ Caracterização psicológica
Era calvo, em toda a sua pessoa "havia alguma coisa de antiquado, de artificial e de lúgubre". Simboliza o
romantismo piegas. O paladino da moral. Era também o companheiro e amigo de Pedro da Maia. Eça serve-se desta
personagem para construir discussões de escola, entre naturalistas e românticos, numa versão caricatural da
Questão Coimbrã. Não tem defeitos e possui um coração grande e generoso. É o poeta do ultrarromantismo.

Cruges
▪ Caracterização física
"De grenha crespa que lhe ondulava até à gola do jaquetão", "olhinhos piscos" e nariz espetado.
▪ Caracterização psicológica
Maestro e pianista patético, era amigo de Carlos e íntimo do Ramalhete. Era demasiado chegado à sua velha
mãe. Segundo Eça, "um diabo adoidado, maestro, pianista com uma pontinha de génio". É desmotivado devido ao
meio lisboeta - "Se eu fizesse uma boa ópera, quem é que ma representava".

Craft
É uma personagem com pouca importância para o desenrolar da ação, mas que representa a formação
britânica, o protótipo do que deve ser um homem. Defende a arte pela arte, a arte como idealização do que há de
melhor na natureza. É culto e forte, de hábitos rígidos, "sentindo finamente, pensando com retidão". Inglês rico e
boémio, observador dos costumes lisboetas.

Eusebiozinho
Eusebiozinho representa a educação retrógrada portuguesa. Também conhecido por Silveirinha, era o
primogénito de uma das Silveiras - senhoras ricas e beatas. Amigo de infância de Carlos com quem brincava em
Santa Olávia, levando pancada continuamente, e com quem contrastava na educação. Cresceu tísico, molengão,
tristonho e corrupto. Casou-se, mas enviuvou cedo. Procurava, para se distrair, bordéis ou aventureiras de ocasião
pagas à hora.
6. Resumo dos capítulos:

Capítulo I:
A história de “Os Maias” começa no outono de 1875 quando Afonso da Maia se instala numa das casas da família, o Ramalhete.
Durante vários anos esteve desabitada e servia apenas para guardar as mobílias do palacete de Benfica, que fora vendido. Carlos, neto de
Afonso é a única família que lhe restava, tinha acabado o curso de Medicina em Coimbra nesse ano e queria abrir um consultório em Lisboa,
razão pela qual Afonso decidiu deixar Santa Olávia, a sua quinta no norte do país, e acompanhar o neto para Lisboa. Afonso da Maia, agora
velho e calmo, fora um jovem apoiante do Liberalismo, ao contrário do seu pai, um Absolutista. Por esta razão, Afonso foi expulso de casa,
mas, por influência de sua mãe, foi-lhe oferecida a Quinta de Santa Olávia. Alguns anos depois, Afonso partiu para Inglaterra, onde esteve
algum tempo, mas de onde teve que voltar devido à morte do seu pai. Foi então que conheceu a mulher com quem viria a casar, D. Maria
Eduarda Runa, de quem teve um filho e com quem partiria para o exílio, de volta a Inglaterra. Porém, D. Maria Eduarda, mulher de fraca saúde
e católica devota, não se habituou à falta do sol quente que tinha em Lisboa nem ao Protestantismo. Assim, ordenou a um bispo português
que viesse educar o seu filho, Pedro, já que não consentia que o seu filho fosse educado por um inglês, muito menos num colégio protestante.
Por isso, apesar de Afonso se tentar impor, Pedro cresceu frágil, medroso e excessivamente mimado pela mãe. Algum tempo depois, a doença
de D. Maria Eduarda agravou-se e a família voltou para Lisboa, onde ela acabou por morrer, causando um enorme desgosto no seu filho Pedro.
Um dia, Pedro, recuperado do luto, apaixonou-se por Maria Monforte, uma mulher muito bela e elegante, filha de um negreiro. Por causa
disto, Afonso da Maia opôs-se fortemente à relação do seu filho com Maria Monforte, mas, apesar disso, eles casaram-se às escondidas e
partiram para Itália, deixando Afonso sozinho e desgostoso com a atitude do seu filho, cujo nome não foi pronunciado durante muitos anos
naquela casa.

Capítulo II:
Pedro e Maria casam às escondidas, sem o consentimento de Afonso da Maia e partem para Itália. Porém, a mulher suspirava por
Paris, para onde se mudaram pouco tempo depois, até Maria aparecer grávida. Nessa altura resolveram voltar para Lisboa, mas não sem antes
escreverem a Afonso, pai de Pedro, anunciando a sua partida e o nascimento do seu primeiro neto, na esperança de que ele os perdoasse e os
recebesse como família. Contudo, quando chegaram a Lisboa, ficaram a saber que Afonso tinha voltado para Santa Olávia, a sua quinta no
norte do país, no dia anterior.
Assim, o tempo passou e Maria Eduarda, filha do casal, nasceu. Pedro não informou o seu pai do nascimento da filha, por estar ainda magoado
com a atitude dele, mas, quando o seu segundo filho nasce, põe a hipótese de se conciliar com o pai e resolve ir a Santa Olávia apresentar-lhe
os netos. Contudo, esta visita foi adiada porque Pedro, numa caçada com os amigos, feriu acidentalmente um italiano, o Tancredo, que tinha
sido condenado à morte e andava fugido. Por isso, Tancredo ficou a restabelecer-se durante muito tempo em casa de Pedro e Maria – tempo
suficiente para Maria o conhecer, e se apaixonarem sem ninguém ter conhecimento, até ao dia em que Pedro descobre que ambos fugiram,
levando com eles a sua filha, Maria Eduarda.
Pedro decide então procurar consolo junto do pai, que o acolheu, assim como ao seu neto, Carlos, na casa de Benfica, para onde se tinha
mudado entretanto. Porém, nesse mesmo dia, Pedro suicida-se ao saber que a mulher o tinha deixado para ir viver com o napolitano e Afonso
decide fechar a casa de Benfica, vende-la e muda-se com o seu neto, Carlos, para a quinta de Santa Olávia.

Capítulo III:
A infância de Carlos é passada em Santa Olávia, e é descrito um episódio onde se dá uma visita de Vilaça , o procurador dos Maias, à
quinta. Descreve-se a educação liberal de Carlos, com um professor Inglês que dá primazia ao exercício físico e as regras duras que Afonso
impõe ao neto. Também ficamos a conhecer os Silveiras: Teresinha, a primeira namorada de Carlos, a sua mãe e sua tia, e o seu irmão
Eusebiozinho, o oposto de Carlos, muito frágil, tímido, medroso e estudioso. É sobretudo um capítulo de contraste entre as educações
tradicional (Eusebiozinho) e à inglesa (Carlos). Vilaça dá notícias de Maria Monforte e de sua filha a Afonso, e segundo ele a sua neta morrera
em Londres. Vilaça morre, o seu filho substitui-o como procurador da família. Alguns anos depois Carlos faz exame triunfal de candidatura à
universidade.

Capítulo IV:
Carlos descobre a sua vocação para Medicina e matricula-se com alegria na Universidade de Coimbra. Para que os seus estudos sejam mais
sossegados, Afonso oferece ao neto uma casa em Celas, onde este, pelo contrário, exerce um tipo de vida quase boémio, sempre rodeado de
amigos com ideias filosóficas e liberais. É sobretudo chegado a João da Ega, que estudava Direito e era sobrinho de André da Ega, amigo de
infância de Afonso. Pela altura da formatura de Carlos, deu-se uma grande festa na sua casa de Celas, depois da qual este partiu para uma
viagem de um ano pela Europa. Ao fim desse tempo, Afonso esperava-o no Ramalhete, onde se iriam instalar (fim da grande analepse). Carlos
tencionava montar um consultório e um laboratório em Lisboa, vontades que depressa satisfez com a ajuda do avô: o laboratório foi montado
num velho armazém, e o consultório num primeiro andar em pleno Rossio. Carlos recebeu com alegria a visita do seu amigo Ega, que lhe
anunciou que ia publicar o livro que andava a escrever havia já alguns anos – “Memórias de um Átomo” – que todos os que tinham ouvido
falar esperavam com impaciência. Esse livro falava da história de vida de um átomo, que viveu desde o inicio da Terra até aos tempos de hoje.

Capítulo V:
Este capítulo inicia-se com uma festa no escritório de Afonso, no Ramalhete, que contava com a presença de D. Diogo, do general
Sequeira, do Cruges, do Eusébio Silveira e do Conde Steinbroken. Todos sentiam a falta de Ega, pois ninguém o via há já vários dias. Entretanto,
o negócio na clínica de Carlos já começara a ter alguma popularidade, devido ao seu sucesso com o caso da Marcelina (a mulher do padeiro
que tivera às portas da morte). Mais tarde, Carlos finalmente encontra Ega e é desvendado o mistério do seu desaparecimento: estava
apaixonado por Raquel Cohen, que era, infelizmente, casada. Durante uma conversa entre Carlos e Ega, Ega propõe a Carlos conhecer a família
Gouvarinho. Carlos aceita. Após a um encontro com estes amigos de Ega, Carlos não parava de pensar na Condessa Gouvarinho. Estava
apaixonado. Este capítulo acaba com uma ida de Carlos com a família Gouvarinho à ópera, e durante esta ocasião, a condessa mostra-se
interessada em Carlos.
Capítulo VI:
Carlos pretende fazer uma visita surpresa a Ega, na Vila Balzac, casa que este comprara, mas tem muitas dificuldades em encontrar a
sua casa. E quando finalmente chega ao local, não estava ninguém em casa para o receber. Depois ao encontrar Ega, dias mais tarde, este
mostra-se indignado com o sucedido e combinam uma visita na sua casa. Carlos foi muito bem recebido, com o pajem à porta, muito
champanhe e Ega mostra-lhe a sua casa. Muito exuberante e decorado tal e qual o temperamento do proprietário. Ega convida-se para jantar
com Carlos e quando se prepara para sair, falam sobre a Gouvarinho e sobre o súbito desinteresse de Carlos pela senhora, após uma grande
atração. Esta atitude de Carlos para com as mulheres, era frequente e os dois conversam sobre o assunto. Na ida para o jantar, cruzam-se com
Craft, amigo de Ega. Ega apresenta Carlos ao amigo. Combinam jantar no dia seguinte no Hotel Central. Ega faz questão que os dois amigos se
conheçam melhor. Após alguns contratempos, Ega consegue marcar o jantar no Hotel Central com Carlos, Craft, Alencar, Dâmaso e Cohen
(banqueiro e marido da sua amante), a quem Ega fez questão de homenagear, com um dos pratos: “Petits pois à la Cohen”. Discutiram vários
temas ao longo do jantar como a literatura e as suas críticas, as finanças, e a história da política em Portugal naquele momento. O jantar acaba
e Alencar acompanha Carlos a casa, lamentando-se da vida, do abandono por parte dos amigos e falando-lhe de seu pai, de sua mãe e do
passado. Carlos recorda como soubera a história dos seus pais: a mãe fugira com um estrangeiro levando a irmã, que morrera depois, o pai
suicidara-se. Carlos, já em casa, antes de adormecer e enquanto aguarda um chá, sonha com a mulher deslumbrante, uma deusa, com quem
se cruzou à porta do Hotel Central, enquanto aguardava com Craft os restantes amigos para o jantar.

Capítulo VII:
Depois do almoço, Afonso e Craft jogam uma partida de xadrez. Carlos tem poucos doentes e vai trabalhando no seu livro. Dâmaso à
semelhança de Craft, torna-se íntimo da casa dos Maias, seguindo Carlos para todo o lado e procurando imitá-lo. Ega anda ocupado com a
organização de um baile de mascaras na casa dos Cohen. Carlos, na companhia de Steinbroken em direção ao Aterro, vê, pela segunda vez,
Maria Eduarda acompanhada do marido. Carlos desloca-se várias vezes, durante a semana, ao Aterro na esperança de ver novamente Maria
Eduarda. A condessa Gouvarinho, com a desculpa que a filha se encontrava doente, procura Carlos no consultório. Ao serão no Ramalhete,
joga-se dominó, ouve-se música e conversa-se. Carlos convida Cruges a ir a Sintra no dia seguinte, pois tomara conhecimento, por intermédio
de Taveira, que Maria Eduarda aí se encontrava na companhia de seu marido e de Dâmaso.

Capítulo VIII:
Neste capítulo, Carlos da Maia e o seu amigo, o maestro Cruges, vão visitar Sintra. A ideia é de Carlos que obriga Cruges a ir com ele.
Cruges, que já não visitava Sintra desde os 9 anos, acaba por ficar rendido à ideia e prepara-se para desfrutar do passeio. Esta viagem tem o
propósito escondido por Carlos, de procurar um encontro fortuito coma Sra. Castro Gomes, que ele julgava em Sintra. Após algumas horas de
viagem de break, chegam a Sintra e logo se vão instalar no Hotel Nunes, por sugestão de Carlos, que temeu que ao instalarem-se no
Lawrence’s Hotel, se cruzassem de imediato com os Castro Gomes, perdendo o seu encontro aquele efeito de casualidade que ele lhe
procurava empregar. Aí encontram o amigo Eusebiozinho, acompanhado por um amigo, Palma, e duas senhoras espanholas, acompanhantes
de ambos. Após um pequeno episódio cómico, em que uma das espanholas se enfureceu, Carlos e Cruges, partem num pequeno passeio
pedestre para visitar Seteais. Pelo caminho encontram outro amigo, Alencar, o poeta, vindo justamente de Seteais, mas que fez questão de os
acompanhar lá, fazendo aquele caminho pela segunda vez nesse dia. Chegados a Seteais, Cruges, que não conhecia o local, ficou desapontado
quando verificou o estado de abandono em que se encontrava a construção. Depressa Alencar o fez pensar doutro modo, ao apontar-lhe os
pormenores do local e a beleza da vista. De volta ao casario, passaram pelo Lawrence e foram ver, por breves instantes, o Paço e o seu Palácio,
após o que voltaram ao e se sentaram a tomar um cognac. Carlos já informado sobre o destino dos Castro Gomes, que haviam deixado Sintra
na véspera, decide voltar para Lisboa. Resolveram jantar no Lawrence, para evitarem o amigo Eusebiozinho e sua trupe. No entanto, como
tiveram de ir ao Nunes para pagar a conta, lá acabaram por encontrar o amigo de quem depressa se despediram. De volta ao Lawrence, onde
Alencar os esperava para o jantar especial de bacalhau, preparado pelo próprio, mercê de especial favor da cozinheira, iniciaram-se no belo
repasto, que só acabou já passava das oito. Depois do jantar lá se sentaram no break de volta a Lisboa, dando boleia a Alencar que também
estava de partida.

Capítulo IX:
Já no Ramalhete, no final da semana, Carlos recebe uma carta a convidá-lo a jantar no Sábado seguinte nos Gouvarinhos; entretanto,
chega Ega, preocupado em arranjar uma espada conveniente para o fato que leva nessa noite ao baile dos Cohen. Dâmaso também aparece de
repente, pedindo a Carlos para ver um doente "daquela gente brasileira", os Castro Gomes - a menina Rosa. Os pais tinham partido essa
manhã para Queluz. Ao chegar ao Hotel, Carlos verifica que a pequena já estava ótima. Carlos dá uma receita a Miss Sara, a governanta.
Ega vai ao Ramalhete pedir emprestado uma espada para a sua máscara para a festa na Casa dos Cohen em honra dos anos de
Raquel. Às 10 horas da noite, ao preparar-se para o baile de máscaras, aparece Ega (mascarado de Mefistófeles), dizendo que o Cohen o
expulsara (ao que parece, descobrira o caso de Raquel e Ega), e Ega quer desafiar o Cohen num duelo, mas Carlos e Craft desmotivam-no. No
dia seguinte, nada acontece, excepto a vinda da criada de Raquel Cohen, anunciando que ela tinha sido espancada pelo seu marido e que
partiam para Inglaterra, deixando Portugal. Ega dorme nessa noite no Ramalhete e decide deixar Lisboa.
Na semana seguinte, só se ouve falar do Ega e do mau carácter que ele é. "Todos caem-lhe em cima", pois para além disto, só lhe
acontecem desgraças. Carlos vai progressivamente ficando íntimo dos condes de Gouvarinho. Visita a Gouvarinho e dá-lhe um tremendo beijo,
mesmo antes da chegada do conde Gouvarinho.
Capítulo X:
Passam-se 3 semanas. Carlos sai de um coupé, onde acabara de estar com a Gouvarinho, mas já estava farto dela e dos seus
encontros às escondidas, e quer ver-se livre da Gouvarinho. Nessa altura vê Rosa a acenar de um coupé com a sua mãe, que lhe sorri. Combina
com o Dâmaso, no Ramalhete, levar os Castro Gomes a ver o bricabraque do Craft, nos Olivais, mas isto não se concretiza, pois o Sr. Castro
Gomes partira para o Brasil em negócios. Chega o dia das corridas de cavalos e há uma grande confusão à porta do hipódromo. É descrito o
ambiente dentro do hipódromo. Depois há uma grande confusão com um dos jóqueis que perdera uma corrida. E anda tudo á briga, num
rebuliço total! Lá nas corridas, encontra a Gouvarinho, que lhe propõe irem de comboio ate Santarém, uma vez que ela ia para o Porto (pois o
seu pai estava mal), e dormiam no hotel em Santarém ( uma "rapidinha"), e daí cada um seguia para o seu lado. Depois, fazem-se apostas;
todos apostam em Minhoto, mas Carlos aposta em Vladimiro, que vence e Carlos ganha 12 libras, facto muito comentado. Encontra Dâmaso,
que lhe informa que o Castro Gomes afinal tinha ido para o Brasil e deixara a mulher só por uns 3 meses – Carlos fica todo contente. Discute
com a Gouvarinho, mas acaba por aceder ao desejo do encontro em Santarém, mas agora apenas consegue pensar na mulher de Castro
Gomes. Ao descobrir que ela vivia no prédio de Cruges, pois alugara a casa à mãe do Cruges, proprietária do prédio, Carlos vai à rua de São
Francisco com o pretexto de visitar o Cruges, mas ele não estava. Volta para o Ramalhete e lá descobre que tinha uma carta da Castro Gomes
pedindo-lhe que a visite no dia seguinte, por ter "uma pessoa de família, que se achava incomodada". Carlos fica todo contente.

Capítulo XI:
Carlos vai visitar a Sra. Castro Gomes, e descobre o seu nome, Maria Eduarda (descrição de Maria Eduarda - uma deusa). É a
governanta, Miss Sara, que estava doente - tinha uma bronquite. Carlos conversa com Maria Eduarda, passa-lhe a receita e diz-lhe quais os
cuidados que deve ter com Sara, dizendo que terá de observá-la diariamente.
Nessa noite Carlos iria ter com a Sra. Gouvarinho para a fantástica noite em Santarém, mas Carlos começava a repudiá-la, a odiá-la.
Por sorte, o Gouvarinho decidiu à última da hora ir com a mulher para o Porto, o que convém muito a Carlos, assim como a morte de um tio de
Dâmaso em Penafiel, deixando-lhes os "entraves" fora de Lisboa. Nas semanas seguintes, Carlos vai-se familiarizando com Maria Eduarda,
graças à doença de Miss Sara. Falam ambos das suas vidas e dos seus conhecidos. Dâmaso volta de Penafiel e vai visitar Maria Eduarda. Ao
chegar lá vê Carlos com "Niniche" (a cadela de Maria) ao colo, que lhe rosna e ladra - Dâmaso fica zangado e cheio de ciúmes. Os Cohen
regressam de Inglaterra e Ega está para chegar de Celorico.

Capítulo XII:
Ega chega de Celorico e instala-se no Ramalhete. Informa Carlos de que viera com a Gouvarinho, e de que o conde os convidara para
jantar na próxima 2ª feira. Depois, nesse jantar, a Gouvarinho zangada com Carlos e com ciúmes da sua proximidade com Maria Eduarda,
passa o tempo a mandar-lhe indiretas. O clima suaviza-se durante o jantar, devido aos ditos irreverentes do Ega. De seguida, a pretexto de um
mal-estar de Charlie (filho dos Gouvarinho), a Teresa beija Carlos nos aposentos interiores, como que reconciliando-se e perdoa-lhe.
Na 3ª feira, depois de um encontro escaldante com a Gouvarinho na casa da sua titi, Carlos chega atrasado à casa de Maria Eduarda.
No meio da conversa, Domingos anuncia Dâmaso e Maria Eduarda recusa-se a recebê-lo - Dâmaso fica furioso. Maria fala a Carlos sobre uma
possível mudança de casa (e ele pensa logo na casa do Craft, decidindo comprá-la para ela). Carlos deixa escapar que a "adora" depois de uma
troca de olhares, beijam-se. Na 4ª feira, Carlos conclui o negócio da casa com o Craft. Maria Eduarda fica um pouco renitente com a pressa de
tudo, mas acaba concordando, com um novo beijo.
Ega, mostra-se insultado pelo segredo que Carlos faz de tudo, mas este acaba por lhe contar que se apaixonou e envolveu com Maria
Eduarda.

Capítulo XIII
Ega informa a Carlos de que Dâmaso anda a difamá-lo a ele e a Maria Eduarda. Carlos fica furioso, querendo matá-lo e ao encontrá-lo
na rua, ameaça-o. Depois, faz os preparativos para a mudança de Maria Eduarda para os Olivais.
No sábado, Maria Eduarda visita a sua nova casa nos Olivais (descrição da casa e das suas belas colecções). Depois da visita e do almoço, Carlos
e Maria Eduarda envolvem-se.
No domingo é o aniversário de Afonso da Maia, e todos os amigos da casa estão presentes. Descobre-se que Dâmaso estava a namorar a
Cohen. Depois a Gouvarinho aparece querendo falar com Carlos - acabam por discutir sobre a ausência de Carlos e depois terminam tudo.

Capítulo XIV:
Afonso parte para Sta. Olávia e Carlos fica sozinho no Ramalhete, pois Ega parte para Sintra (e curiosamente os Cohen também).
Maria Eduarda instala-se nos Olivais, e Carlos passa a frequentar a casa todos os dias, e eles pretendem fugir até outubro para Itália e casar lá,
mas Carlos pensa no desgosto que dará ao avô (porém a sua felicidade supera). Descreve-se as idas de Carlos aos Olivais: os encontros com
Maria Eduarda e as relações que tinham no quiosque japonês e também as noites que Carlos passa com ela, às escondidas. Acaba por alugar
uma casa perto dos Olivais para ele ficar, enquanto não está com Maria na Toca (nome dado aos Olivais). Numa dessas noites, descobre Miss
Sara enrolada no jardim da casa com o jornaleiro. Sente vontade de contar tudo a Maria Eduarda mas, à medida que pensa no caso, decide não
dizer nada.
Chega setembro. Craft, regressado de Sta. Olávia para o Hotel Central, diz a Carlos que pareceu-lhe estar o avô desgostoso por Carlos não ter
aparecido por lá. Então, Carlos decide ir vistar Afonso, mas antes leva Maria a visitar o Ramalhete (e Maria Eduarda refere que às vezes Carlos
faz-lhe lembrar a sua mãe e conta-lhe a sua história - a mãe era da ilha da Madeira que casara com um austríaco e que tinha tido uma
irmãzinha, que morrera em pequena).
Uma semana depois Carlos regressa de Sta Olávia e fala com Ega que voltara de Sintra. Nessa noite, Castro Gomes aparece no Ramalhete, com
uma carta anónima que lhe tinham mandado para o Brasil, dizendo que a sua mulher tinha um amante, Carlos da Maia. Carlos fica
estupefacto, e acaba pró perceber que era a letra de Dâmaso. Depois, Castro Gomes conta-lhe que não é marido de Maria Eduarda, nem pai de
Rosa, e que apenas vivia amigado com ela. Diz-lhe também que se vai embora, e que Maria Eduarda se chama Madame Mac Gren. Furioso pela
mentira de Maria, Carlos decide ir confrontá-la. Ao entrar, sabe por Melanie, a criada, que o Castro Gomes já lá tinha estado. Maria Eduarda, a
chorar, pede perdão a Carlos de não lho ter contado, pois tinha medo que ele a abandonasse, e conta então a verdadeira história da sua vida.
Depois de uma grande cena de choro, Carlos pede-a em casamento.
Capítulo XV:
Na manhã seguinte, perguntam a Rosa se quer o Carlos como "papá", que fica toda feliz e aceita. Maria Eduarda conta toda a sua
vida detalhadamente. Dias depois, Carlos conta tudo o que se passara a Ega que lhe diz que seria melhor esperar que o avô morresse para
então se casar, pois Afonso estava velho e débil e não aguentaria o desgosto.
Carlos e Maria Eduarda começam a dar jantares de amizade dados nos Olivais, e todos os amigos de Carlos se começam a familiarizar
com ela. Mais tarde, Carlos descobre através do Ega, que um n.º da Corneta do Diabo o difama, denunciando o passado de Maria Eduarda e a
sua relação com ela. Carlos passa-se e decide matar quem escreveu o artigo; descobre depois, com a ajuda de Ega, o editor do artigo, Palma,
que o tinha feito a pedido de Dâmaso e Eusebiozinho, e Palma entrega-lhe as provas ( tendo isto um custo para Carlos claro). Carlos manda os
seus padrinhos, Ega e Cruges, pedir a honra ou a vida a Dâmaso, que acaba por escrever uma carta de desculpas a Carlos, ditada por Ega, em
que afirmava ser um bêbado. Satisfeito, Carlos entrega a carta a Ega agradece-lhe. Depois, Ega ao ver Dâmaso com Raquel e ainda o provocar
por isso, decide publicar a carta no jornal e assim humilhar Dâmaso, que envergonhado parte para a Itália. Afonso regressa de Sta. Olávia,
Carlos abandona a casa que alugara perto dos Olivais e Maria Eduarda volta para o apartamento da mãe de Cruges na Rua de S. Francisco,
deixando a Toca.

Capítulo XVI:
Carlos e Ega vão ao sarau da Trindade ouvir o Cruges e o Alencar, que nessa noite vão lá estar. Aí, ouvem o discurso de Rufino sobre a
família real e Ega conhece Mr. Guimarães, o tio de Dâmaso que vivia em Paris e trabalhava no jornal, que lhe viera pedir explicações sobre a
carta que Dâmaso escrevera, que lhe disse ter sido Ega a obrigá-lo a fazer. Ega e Guimarães acabam por resolver tudo e ficam amigos. Cruges
toca, mas é um fiasco, pois ninguém lhe liga nenhuma. Depois, Carlos vê o Eusebiozinho e vai atrás dele e dá-lhe uns "abanões" e um pontapé
devido á história da carta. Quando regressa ao sarau já Alencar começara a declamar o sue poema "Democracia" e a encantar a sala. Todos
adoraram o que Tomás dissera acerca do estado da política em Portugal, um puro exemplo de realismo, o estilo que agora predominava. Mais
tarde, quando Ega se ia embora, Guimarães aparece dizendo lhe que tem um cofre da mãe de Carlos para entregar à família, que esta lhe tinha
pedido antes de morrer. No meio da conversa, Ega descobre que Carlos tem uma irmã, e Guimarães diz tê-los visto aos três numa carruagem:
Carlos, Ega e a irmã, Maria Eduarda. Depois, Guimarães conta a Ega o passado de M.ª Monforte inclusive a mentira que ela dissera a Maria
Eduarda sobre o seu pai, e diz que Maria é filha de Pedro da Maia, pois ele era amigo da família e nessa atura já os visitava. Fala também da
fuga da Monforte com Tancredo, da filha que eles tiveram e morreu em Londres, e depois, da vida de Maria Eduarda no convento, que ele
próprio a visitara. Guimarães entrega o cofre a Ega, que chocado com a verdade, decide pedir ajuda a Vilaça para contar tudo a Carlos.

Capítulo XVII:
Ega sem coragem para contar tudo a Carlos, procura Vilaça e conta-lhe tudo. Juntos, abrem o cofre da Monforte e acham lá uma
carta dela para Maria Eduarda onde diz toda a verdade: ela é filha de Pedro da Maia. No dia seguinte, Vilaça e Ega contam a verdade a Carlos,
que não acredita no que lhe contam, e aflito, procura o avô e conta-lhe tudo, com esperança que este lhe desminta a história. Mas Afonso
acaba por confirmar, e em segredo diz a Ega que sabe que Carlos tem um caso com Maria Eduarda. Apesar de já saber a verdade, nessa noite
Carlos vai ter com Maria Eduarda; primeiro pensara em dizer-lhe tudo e depois fugir para Sta. Olávia, mas depois, incapaz, acaba por deixar-se
levar por ela e ali ficar. Continuava a ama-la, e o facto de serem irmãos não mudava o que ele sentia.
Afonso da Maia sabe que Carlos continua a encontrar-se com Maria Eduarda, e fica desolado. Ega furioso com o comportamento de
Carlos, confronta-o e ele decide partir no dia seguinte para os Olivais. No dia seguinte, Baptista (o seu criado) chama-o, dizendo a Carlos que o
avô estava desmaiado no jardim. Carlos corre para lá e vê o avô morto (suponho ser trombose, visto que tinha um fio de sangue aos cantos da
boca). Carlos fica triste, desolado, e culpa-se a si mesmo da morte do avô, pois achava que era pelo avô saber tudo que tinha morrido. Ega
escreve um bilhete a informar Maria Eduarda do facto. Vilaça toma as providências para o funeral. Os amigos da família reúnem-se no velório e
recordam Afonso e a juventude. Dá-se o enterro e Carlos parte para Sta. Olávia, pedindo a Ega para ir falar com Maria Eduarda e lhe contar
tudo e dizer-lhe que parta para Paris, levando 500 libras. Ega fala com Maria Eduarda, que parte no dia seguinte para Paris, para sempre.

Capítulo XVIII:
Passam-se semanas. Sai na "Gazeta Ilustrada" a notícia da partida de Carlos e Ega numa longa viagem pelo mundo: Londres, Nova
York, China, Japão. Um ano e meio depois Ega regressa trazendo consigo a ideia de escrever um livro, "Jornadas da Ásia"e contando que Carlos
ficara em Paris, onde alugara um apartamento, pois não queria mais lembrar a Portugal.
Dez anos depois Carlos chega a Lisboa para matar saudades e almoça no Hotel Bragança com Ega, que lhe conta as novidades: que a
sua mãe morrera, que a Sra. Gouvarinho herdara uma fortuna. Aparece o Alencar e o Cruges, que falam desse anos que passaram: Alencar
cuidava agora da sobrinha, pois a sua irmã morrera e Cruges escrevera uma ópera cómica, a “Flor de Sevilha” que lhe valera o merecido
reconhecimento; Craft mudara-se para Londres; O marquês de Souzela morrera; D. Diogo casara-se com a cozinheira; O general Sequeira fora
morto; Taveira continuava o mesmo; e Steinbroken era agora ministro em Atenas. Depois, combinam um jantar e Ega e Carlos vão visitar o
Ramalhete. Pelo caminho encontram o Dâmaso, que casara com a filha mais nova de um comerciante falido e que para além de ter de
sustentar toda a família, a mulher traia-o. Aos poucos, Carlos toma consciência do novo Portugal que existe agora, anos passados. Vêm Charlie
que passa por eles e Carlos vê que ele está um homem (Ega insinua que ele é maricas). Depois, encontram Eusébio, que fora obrigado a casar
com uma mulher forte, pois o pai dela apanhara-os a namorar.
No Ramalhete, a maior parte das decorações (tapetes, faianças, estátuas) já tinham ou estavam a ser despachadas para Paris, onde
Carlos vivia agora, e que lá se guardavam os móveis e outros objetos trazidos da Toca. Carlos relembra Maria Eduarda e conta a Ega que
recebera uma carta dela. Ia casar com um tal de Mr. de Trelain, decisão tomada ao fim de muitos anos, e que tinha comprado uma quinta em
Orleães, “ Les Rosières”. Carlos encara este casamento de Maria Eduarda como um final, uma conclusão da sua história, era como se ela
morresse, como se a Maria Eduarda deixasse de existir e passasse apenas a haver a Madame de Trelain. Passam pelo escritório de Afonso que
lhes trás tristes recordações e depois, Ega e Carlos dizem que não vale a pena viver, pois a vida é uma treta. Por mais que tentemos lutar para
mudá-la, não vale a pena o esforço, porque tudo são desilusões e poeira. Saem do Ramalhete e vêem que estavam atrasados para o jantar e ao
verem o coche ir-se embora, correm atrás dele…
7. A representação de espaços sociais e a crítica de costumes:

Ao subtítulo de “Os Mais”, Episódios da Vida Romântica, corresponde a crónica de costumes. Estes episódios,
descritos ao longo da obra, têm como objectivo fazer o relato da sociedade portuguesa na segunda metade do
século XIX. Eça utiliza um desfile de personagens (personagens tipo) que representam grupos, classes sociais ou
mentalidades por forma a mostrar aos leitores o estado de corrupção, providencialismo e parasitismo da sociedade
portuguesa, bem como, seus costumes e vícios. Ao retratae os espaços sociais da alta burguesia, através da estética
natturalista, a obra apresenta personagens como produto de fatores “naturais”- o meio, a hereditariedade ou a
educação.
A educação em Os Maias é abordada de forma a evidenciar duas mentalidades diferentes. Uma é a
portuguesa, ligada a uma visão católica, decadente e tradicionalista, recusa de inovações e “modernices”. A outra, a
britânica, defendia uma educação moderna, aberta ao futuro, apologista da cultura física, da defesa da ética e do
respeito pelos outros e pela diferença. Pedro da Maia e Eusebiozinho são simbolos da educação portuguesa,
enquanto Carlos tipifica o modelo britânico.
De crianças nervosas e frágeis a adultos fracos, abúlicos e fracassados, assim será o percurso de Pedro
(obcecado pela paixão pela mãe e depois por Maria Monforte, optaria pelo suícidio «face a uma situação de carência
afetiva) e de Eusebiozinho (protagonistas de aventuras com espanholas de porte duvidoso mas submisso à violência
da mulher). Já Carlos, formou-se em medicina, ainda inicia uma carreira de médico que logo abandona, contaminado
pelo meio lisboeta e, mais tarde, pela vivência da sua paixão por Maria Eduarda. Com efeito, embora Carlos não
realize nenhum dos seus projetos iniciais, consegue sobreviver de uma forma digna à descoberta do seu parentesco
com Maria Eduarda e à morte do avô.

Episódios representativos:
O jantar no Hotel central (VI)
Neste jantar, Ega pretende homenagear Cohen, o marido de Raquel, a quem Ega estava apaixonado e com a
qual mantinha uma relação. Em roda da mesa surgiram assuntos do foro literário e político que permitem ter uma
noção da situação de Portugal. É uma reunião da “elite portuguesa”.
Literário: Alencar defende o Ultra-Romantismo enquanto que Ega o Realismo/Naturalismo (mostra uma
sociedade dominada por valores tradicionais, que se opõe a uma nova geração, a geração de 70 representada por
Ega). Este defende exageradamente a inserção da ciência na literatura.
Político: Ega crítica a decadência do país e afirma desejar a bancarrota e a invasão espanhola. A maneira de
ser português revelada, através das visões de Carlos (começa por pensar, a propósito da mouraria, que "esse mundo
de fadistas, de faias" merecia um estudo, um romance) e de Craft, que fica impassível perante a feroz discussão
entre Alencar e Ega (a propósito de um verso "o homem da ideia nova", o paladino do Realismo), discussão que
quase termina em agressão física, reconhecendo que "a torpeza do Alencar sobre a irmã do outro fazia parte dos
costumes de crítica em Portugal", até porque sabia que "a reconciliação não tardaria, ardente e com abraços".
Provocando Sousa Neto (representante da administração pública), Ega percebe que este nada sabe do socialismo e
não é capaz de um diálogo consequente.
Carlos da Maia vai a este encontro e vê Mª Eduarda pela primeira vez.

A corrida de cavalos (X)


É uma sátira ao desejo de imitar o que se faz no estrangeiro, por um esforço de cosmopolitismo, e ao
provincianismo do acontecimento. As corridas de cavalos permitem apreciar de forma irónica e caricatural uma
sociedade que vive de aparências.
O comportamento da assistência feminina é naturalmente caricaturado. A conformidade do vestuário à
ocasião parece não ser a melhor e acaba por traduzir a falta de gosto e, sobretudo, o ridículo de uma situação que se
pretende requintada sem o ser.
As corridas servem, para Eça, criticar a mentalidade e o comportamento da alta burguesia:
→ O aborrecimento, motivado pelo facto das pessoas não revelarem qualquer interesse pelo evento.
→ A desordem que existia no espaço que pr sua vez, era desadequado ao conceito.
→Falta de desportivismo entre os participantes da corrida.
Carlos vai às corridas com o objetivo de ver Maria Eduarda, o que não se realiza.
O jantar na casa do Conde Golvarinho(XII)

Jnatar oferecido a Carlos pelo Conde. O espaço social permite através das falas, observar a gradação dos
valores sociais, o atraso intelectual do país, a mediocridade mental de algumas figuras da alta burguesia e da
aristocracia.
Desfilam perante Carlos as principais figuras e problemas da vida política, social e cultural da alta sociedade
lisboeta: a crítica literária, a literatura, a história de Portugal, as finanças nacionais, etc. Todos estes problemas
denunciam uma fragilidade moral dessa sociedade que pretendia apresentar-se como civilizada.
No jantar podemos apreciar duas concepções opostas sobre a educação das mulheres: salienta-se o facto de
ser conveniente que "uma senhora seja prendada, ainda que as suas capacidades não devam permitir que ela saiba
discutir, com um homem, assuntos de carácter intelectual" (Ega, provocador, defende que "a mulher devia ter duas
prendas: cozinhar bem e amar bem").
Sublinha-se neste episódio os seguintes aspetos:
- a “estreiteza” de pontos de vista do conde de Gouvarinho.
-a ignorância e falta de inteligência de Sousa Neto.
-a incompetência dos politicos: O conde já tinha passado por vários ministérios e Sousa Neto era oficial superior da
Instituição Pública, mas nunca tinha ouvido falar de figuras notáveis da literatura e da filosofia da época.

Os Jornais, “A Corneta do Diabo” e “A Tarde”(XV)


Critica-se, neste episódio, a decadência do jornalismo português, pois os jornalistas deixavam-se corromper,
motivados por interesse económicos (é o caso de Palma Cavalão, do Jornal A Corneta do Diabo) ou evidenciam uma
parcialidade comprometedora, originada por motivos políticos (é o caso de Neves, director do Jornal A Tarde).
A Corneta do Diabo: Carlos dirige-se, com Ega, a este jornal, que publicara uma carta, escrita por Dâmaso
Salcede, insultando e expondo, em termos degradantes, a sua relação amorosa com Maria Eduarda. Palma Cavalão
revela o nome do autor da carta e mostra aos dois amigos o original, escrito pela letra de Dâmaso Salcede, a troco de
"cem mil réis".
A Tarde: Neves, o director do jornal, acede a publicar a carta em que Dâmaso Salcede se confessa
embriagado ao redigir a carta insultuosa, mencionando a relação de Carlos e de Maria Eduarda, por concluir que,
afinal, não se tratava do seu amigo político Dâmaso Guedes, o que o teria levado a rejeitar a publicação.

O sarau do Teatro da Trindade(XVI)


Evidencia-se o gosto dos portugueses, dominados por valores caducos, enraizados num sentimentalismo
educacional e social ultrapassados. Total ausência de espírito crítico e analítico da alta burguesia e da aristocracia
nacionais e a sua falta de cultura.
Rufino, o orador “sublime”, que pregava a “caridade” e o “progresso”, representa a orientação mental
daqueles que o ouviam: a sua retórica vazia e impregnada de artificialismos barrocos e ultra-românticos traduz a
sensibilidade literária da época, o seu enaltecimento á nação e à família.
Cruges, que tocou Beethoven, representa aqueles que, em Portugal, se distinguiam pelo verdadeiro amor à
arte e que, tocando a Sonata patética, surgiu como alvo de risos mal disfarçados, depois de a marquesa dizer que se
tratava da Sonata Pateta, o que o tornaria o fiasco da noite.
Alencar declamou “A Democracia”, depois de “um maganão gordo” lamentar que nós Portugueses, não
aproveitássemos “herança dos nossos avós”, revelando um patriotismo convincente. O poeta aliava, agora, poesia, e
política, numa encenação exuberante, que traduzia a sua emoção pelo facto de ter ouvido “uma voz saída do fundo
dos séculos” e que o levava a querer a República, essa ”aurora” (e os aplausos foram numerosos) que viria com
Deus.
Carlos vai apenas para cumprir uma obrigação social (o sarau destinava-se a ajudar as vitimas das cheias do
Ribatejo). É neste cenário que o sr. Guimarães entrega a Ega o cofre que contém as revelações sobre o parentesco
entre Carlos e Maria Eduarda.
Estes episódio aponta para aspetos caricatos da socidade portuguesa:
▪ O apreço e a admiração pelo palavreado oco e inqualificável de Rufino;
▪ A ausência da familia real num espetáculo de beneficência;
▪ A total ausênsia de sensibilidade estética para apreciar talento, incarnado por Cruges;
▪ A lágrima fácil, exagerada, pelos versos de Alencar.
Passeio final de Carlos e Ega (XVIII)
Após 10 anos de ausência do país por parte de Carlos, este episódio permite constatar:
• A sensação de total imobilismo de Lisboa (está tudo igual).
• O provincianismo da sociedade lisboeta face ao elegantismo de Carlos da Maia.
• A aceitação do fracasso e desencanto por parte dos dois amigos.
• A falta de fôlego nacional para acabar os grandes empreendimentos, como a Avenida.
• A imitação acrítica do estrangeiro.
• A decandência dos valores genuínos.
• O aspeto simbólico dos espaços físicos:
✓ A estátua de Camões, cuja tristeza espalha a grandeza perdida;
✓ A Avenida, cujas obras de renocação se processão devagar, revelando esforço inglório de progresso;
✓ Os bairros antigos, cujo abandono oferece a imagem de decadência atual;
✓ O ramalhete, solitário e amortalhado, reiteirando o fim e a ruína dos Maias.

O estudo do espaço social não se esgota nestes episódios, visto que os serões no Ramalhete, o chá dos Gouvarinho e
as conversas ocasionais contribuem também para a visão crítica da sociedade portuguesa do final do século XIX.

8. Os espaços e o seu valor simbólico e emotivo:


a) O Ramalhete
Na opinião de Vilaça, as paredes do Ramalhete sempre foram fatais aos Maias. Está ligado à decadência
nacional. Aliás, o ramo de girassóis aponta para uma atitude contemplativa de submissão, associada à incapacidade
de ultrapassar esse estado rebaixado. Isto reflete não só a presença avassaladora da paixão na família Maia, mas
também o estado do próprio país. O jardim do Ramalhete também é rico em simbolismo.
Sobressaem três símbolos: o cipreste, o cedro e a Vénus Citereia. O cipreste e o cedro, unidos de forma
incorruptível pelas suas raízes que a tudo resistem, simbolizam o amor absoluto. A estátua da Vénus Citereia liga-se
à sedução e à luxuria da deusa do amor. Passa por três fases: na altura da morte de Pedro, escurecia a um canto;
após a remodelação do Ramalhete, reapareceu em todo o seu esplendor, como símbolo de vida feliz, não deixando,
no entanto, de estar ligada à desgraça futura, enquanto símbolo feminino desestabilizador; na terceira e última fase,
aparece coberta de ferrugem verde e humidade, assumindo uma simbologia negativa de destruição.
Importa referir também a cascata: a água é símbolo de regeneração e purificação, e o seu fluir representa a
passagem inexorável do tempo, associada à ideia de Destino.
O ramalhete é revelador do bom gosto e requinte de Carlos.

O Ramalhete – 10 anos depois: Passados dez anos, a casa é um espaço frio, decadente, “amortalhado” sob lençóis,
uma vez que Carlos levou para Paris parte do recheio do Ramalhete. No jardim, a Vénus enferrujada e a cascata sem
água sublinham a decadência.O Ramalhete acompanha e simboliza a glória e a decadência dos Maias.

b) A Toca (casa de Maria Eduarda nos Olivais)


Uma toca é um covil de um animal, é onde este se esconde das ameaças exteriores. Assim, o nome da casa
aponta para uma amor marginal, que se torna animalesco por ser incestuoso, desafiando as leis humanas, primeiro
de forma inconsciente, depois consumado. Na Toca multiplicam-se os elementos trágicos, sobretudo no quarto de
Maria Eduarda: a tapeçaria com os amores de Vénus e Marte; a pintura da cabeça degolada; a coruja empalhada.

c) Santa Olávia (local de infância de Carlos)


Simboliza a vida e a regeneração dos dois varões da família. É um espaço natural, conotado
positivamente. Opõe-se ao espaço citadino degradado – Lisboa – local da degeneração da família. Local de refúgio de
Afonso, após o suicidio de Pedro, é lá onde Carlos cresce. Após a instalação da familia Maias em Lisboa, Santa Olávia
é um local de férias.

d) Sintra
É um local idílico e representa a beleza paradisíaca. Cenário onde Carlos, Alencar e Cruges vão passear no
capítulo VIII. O seu aspeto paradiso romântico, será, no entanto, corrompido pela intrusão dos vícios decadentes,
representados pelas figuras de Eusebiozinho e Palma Cavalão, acompanhados de prostitutas espanholas. Também
Dâmaso Salcede transporta o seu “chique a valer” para Sintra, tornando esta sensação paradisíaca natural uma
continuação do espaço lisboeta.
e) Lisboa
Lisboa é o espaço priveligiado ao longo de toda a obra. Todas as ruas, as praças, os teatros assumem quase o
estatuto de personagens ao longo do romance. Representa Portugal inteiro: “O país está todo entre a Arcada e S.
Bento!” (cap. VI). Símbolo da decadência nacional, Lisboa é caracterizada pela degradação moral e pela ociosidade
crónica. No último capítulo da obra, destaca-se a estátua de Camões, que assiste impotente à decadência do país. O
país, estagnado e politicamente amorfo, é incapaz de se regenerar, rendendo-se à mediocridade intelectual e à
adoção de modas estrangeiras, renunciando a qualquer sentido de identidade própria.

f) Coimbra
Espaço da formação académica de Carlos, Coimbra é símbolo da boémia estudantil, artística e literária. Eça
terá escolhido Coimbra pelo facto de esta cidade ter sido o palco da Questão Coimbrã. Além disso, foi onde o próprio
Eça estudou.

g) O consultório
É revelador de certas facetas de Carlos: o seu dilentantismo (alguém que muda de ideias constantemente),
os seus entusiasmos passageiros, os projetos inacabados, cque levaram ao tédio e ao ódio.

9. Características trágicas das personagens

Afonso da Maia → Afonso da Maia é uma personagem admirável. Apesar de os princípios morais o terem
levado a desaprovar o casamento de Pedro, quando este regressa, humilhado, após a partida de Maria Monforte, o
seu amor paternal leva-o a reconciliar-se com o filho e a apoiá-lo, ao invés de o recriminar. Além disso, a sua enorme
força interior é demonstrada pela capacidade de sobreviver à morte do filho e de se dedicar com entusiasmo à
educação do neto. Finalmente, é uma personagem profundamente digna, com caráter nobre em termos sociais e
morais, que não se deixa seduzir pelo luxo que Carlos tanto aprecia, vivendo de forma simples e austera. Devido à
sobriedade acresce o facto de ser inteligente, culto e caridoso — tanto com as pessoas, como com os animais.
Marcado pelo destino pois morre na sequência do incesto dos netos.

Carlos da Maia → Caráter excecional e superior, em termos de educação e beleza. Apesar do carácter
diletante, que prejudica os seus estudos universitários e, após o regresso a Lisboa, o impede de concretizar os seus
projetos no campo da Medicina, Carlos é também uma personagem na qual ressaltam características positivas. Com
efeito, ao longo da intriga, destaca-se pela sua inteligência, cultura e sentido de humor, assumindo uma atitude
crítica e irónica em relação à sociedade portuguesa. Marcado pelo destino, aproximação predestinada a Mª Eduarda.
Têm uma atitude de herói trágico ao praticar incesto conscientemente.

Maria Eduarda →Apesar de as circunstâncias da vida a terem forçado a viver com Mac Gren sem se casar e,
posteriormente, a tornar-se amante de Castro Gomes, Maria Eduarda nunca perde a sua dignidade. À semelhança
de Carlos e de Afonso da Maia, é inteligente e culta. Além disso, herda de Afonso da Maia a capacidade de ter
compaixão com os mais fracos.

A intriga central apresenta aspetos, para além da presença do destino, que a aproximam da tragédia clássica:
 a superioridade física e intelectual das personagens- Afonso, Carlos e Maria Eduarda destacam-se no meio
pequeno e medíocre em que vivem pelas suas qaulidades físicas, morais e intelectuais;
 o papel do destino, da fatalidade, como força mortiz- a destruição consuma-se por meio de um agente
dissimulado, o destino, frequentemente referido ao longo do romance:
▪ a inevitabilidade do destino;
▪ a concordância dos nomes e do destino;
▪ o destino “irreparável”.
 Os indícios/ presságios- sinais, aflomeramentos disfarçados da força do destino, que se revestem de aparências
diversas, dificultando o seu reconhecimento por parte das personagens. (ex: semelhanças fisiológicas de Carlos
com a mãe, reconhecida por Mª Eduarda; semelhança temperamental de Mª Eduarda e de Afonso da Maia,
reconhecida por Carlos).
10. Representação do sentimento e da paixão: diversificação da intriga amorosa

Pedro da Maia/Maria Monforte

• Pedro, personagem marcadamente naturalista, é vítima da hereditariedade, da educação e do meio em que viveu.
Com efeito, além de ser «pequenino e nervoso» (Capítulo I) como a sua mãe, acaba por se tornar um ser apático,
passivo e nervoso, em consequência da educação tradicional portuguesa.
• A paixão obsessiva que nutre pela mãe — e que o leva a roçar a loucura aquando da sua morte — acaba, na idade
adulta, por ser transferida para Maria Monforte, figura feminina bela, fútil, caprichosa e manipuladora.
• Influenciado pelo Romantismo, Pedro revolta-se contra o pai, que não aprova o casamento com a filha de um
antigo traficante de escravos, e casa com Maria.
• No entanto, a leviandade de Maria Monforte leva-a a fugir com Tancredo.
• A fragilidade psicológica de Pedro torna-o incapaz de sobreviver à fuga da mulher, suicidando-se.
Ega/Raquel Cohen
• A paixão da vida de Ega acaba por ser o romance adúltero com Raquel Cohen, mulher do banqueiro Cohen.
• O carácter ilícito desta relação, bem como o facto dos amantes se encontrarem na Vila Balzac, espaço cuja
decoração — em tons de vermelho e tendo como ponto fulcral o leito — é propícia à sensualidade, mostra que, tal
como sucedera com Pedro e Maria Monforte, também a paixão entre Ega e Raquel Cohen é influenciada pelos ideais
do amor romântico.
• Esta relação termina no momento em que Cohen, descobrindo o adultério, expulsa Ega. No entanto, este episódio
— que poderia ter contornos trágicos — acaba por ser investido de um tom grotesco, uma vez que, porque tudo
sucedeu num baile de máscaras, Cohen se encontrava vestido de beduíno e Ega, de Mefistófeles. Além disso, Raquel
é espancada pelo marido, mas acaba por se reconciliar com ele.
• Deste modo, o único elemento sublime que acaba por restar desta relação amorosa são as recordações de Ega,
que este evoca junto de Carlos e Craft, mas cujo dramatismo é, mais uma vez, diluído pelo facto de aquele se
encontrar profundamente alcoolizado.
Carlos/Maria Eduarda
• Após uma relação fugaz com a condessa de Gouvarinho — que nutre por ele uma intensa paixão não
correspondida —, Carlos acaba por encontrar o grande amor da sua vida em Maria Eduarda.
• Todas as relações anteriormente referidas (Pedro/Maria Monforte, Ega/Raquel Cohen e Carlos/condessa de
Gouvarinho) contribuem para exaltar o carácter sublime desta última relação amorosa.
• Com efeito, no amor de Carlos e de Maria Eduarda, não temos uma relação marcada pela manipulação (como
sucedera com Pedro e Maria Monforte) nem pela superficialidade (como acontecia nos casos de Ega e Raquel Cohen
e de Carlos e da condessa de Gouvarinho). A paixão entre os protagonistas decorre de uma sintonia de
personalidades — já que ambos são inteligentes, cultos e requintados — que os eleva acima da sociedade
mesquinha em que vivem e lhes permite superarem todas as contrariedades — até que um destino impiedoso se
abate definitivamente sobre eles.
•Não deixa de ser curioso o facto de Carlos, aquando da descoberta do seu grau de parentesco com Maria Eduarda,
considerar que tanto ele como a sua amada eram seres profundamente racionais que conseguiriam facilmente
sufocar os seus sentimentos agora que sabiam ser irmãos. O desdém que mostra pela mentalidade romântica
rapidamente se desfaz no momento em que se revela incapaz de contar a verdade a Maria Eduarda, acabando por
ceder à tentação e cometendo incesto voluntariamente.
• Assim, podemos verificar que também a relação amorosa entre Carlos e Maria Eduarda é influenciada pelos ideais
do amor romântico — de forma mais dramática no momento do incesto, mas também pelo facto de ambos
enfrentarem as convenções sociais e decidirem ficar juntos (num primeiro momento, numa suposta relação de
adultério, num segundo momento, numa relação de amantes, que se torna mais controversa pelo passado de Maria
Eduarda).
• De facto, esta realidade é magistralmente sintetizada na fala de Ega, aquando da sua última visita ao Ramalhete:
«Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se
governam na vida pelo sentimento e não pela razão…» (Capítulo XVIII).
11. Descrição do real e o papel das sensações

Nesta obra, Eça de Queiroz faz a descrição do real recorrendo ao impessionismo literário.
O impressionismo é um movimento artístico que procura expressar o real através das impressões recebidas
pelos sentidos. Neste estilo é valorizada a cor,a luminosidade, os contornos esfomados e os efeitos provocados pela
realidade observada. O impressionismo literário foi criado mais tarde, e tornou-se uma característica própria de Eça,
sendo este um dos principais introdutores deste estilo na literatura.
Nos Maias o impressionismo literário é utilizado para:
▪ retratar a linguagem quotidiana, sendo usada uma linguagem bastante exata, baseada em pensamentos
científicos.
▪ voltada para o estado de espírito das personagens, buscava configurar a alma destas e da mesma forma o
ambiente subtil do local.
▪ novo tipo de linguagem em que o autor busca mostrar a realidade com uma linguagem imperfeita, com
metáforas e ritmos evocativos
Eça dava muita importância a que o leitor consegui-se sentir as sensações que pretendia transmitir e para
isso utilizava de forma recorrente recursos expressivos para o conseguir, como por exemplo a sinestesia.
Eça começa logo nas primeiras páginas da sua obra a demonstrar este seu estilo característico com a descrição do
Ramalhete. Mais tarde com recurso a recursos expressivos, como a sinestesia, a hipálage, a personificação, entre
outras.
Antero de Quental

1. A angústia existencial

• Na obra poética de Antero, é visível uma profunda angústia existencial. Com efeito, a par de uma face
luminosa do eu, temos uma face noturna, sendo esta dualidade geradora de uma grande inquietação interior.
• Na sua vertente grandiosa, a poesia de Antero de Quental é dominada pela racionalidade de um pensador
que exalta o papel revolucionário do poeta e que aspira à justiça social e ao Bem.
• No entanto, na obra de Antero está presente uma busca permanente da perfeição, que não combina com a
dimensão transitória e imperfeita da realidade. Desse ponto de vista, todos os ideais estarão, à partida, condenados
ao fiasco, uma vez que nunca poderão satisfazer totalmente a ânsia de Absoluto do eu.
• É por este motivo que deparamos com a vertente mais negra da obra de Antero, marcada por um profundo
desalento provocado pelo desmoronar de todos os seus sonhos.
• No intuito de se libertar deste sentimento doloroso de derrota, o eu busca desesperadamente uma forma
de evasão —quer através do desejo de refúgio no sono no seio de uma figura protetora, que tanto pode assumir
traços maternais (sendo, por vezes, identificada com Nossa Senhora) como traços paternais (destacando-se a figura
de Deus). No entanto, este desejo de proteção nem sempre é investido de contornos positivos. De facto, o sujeito
poético manifesta, ao longo de toda a obra, dúvidas em relação à existência de Deus. Deste modo, mais do que um
gesto voluntário de entrega ao divino, o comportamento do eu é, na verdade, uma atitude de desistência resultante
de um sentimento de profundo desencanto em relação a todas as esperanças.

2. Configurações do ideal

• A obra poética de Antero é marcada pela busca de um ideal, que pode assumir diferentes configurações.
• Em primeiro lugar, como foi anteriormente referido, o eu faz a apologia da necessidade de transformação
da sociedade — processo em que o poeta teria um papel fundamental. Esta vertente da poesia anteriana é
influenciada pelos ideais socialistas, que inspiraram as iniciativas políticas do poeta ao longo da vida.
• Em segundo lugar, o eu manifesta também a sua aspiração a um amor que surge, muitas vezes, com
contornos idealizados (e que é, por vezes, associado a uma figura feminina também ela ideal).
• Finalmente, é de destacar a busca da perfeição a nível ético — que está, obviamente, também associada à
aspiração à justiça social. Este processo pauta-se por uma preocupação constante com a busca do Bem e da própria
santidade.

3. Linguagem, estilo e estrutura

A. O discurso concetual:

• O discurso conceptual caracteriza-se pelo recurso a conceitos abstratos, a noções filosóficas, metafísicas e
abstratas, de maior ou menos densidade, que apresenta nos seus poemas.
B. O soneto:
• O soneto acaba por ser o intérprete perfeito da ideia anteriana, pois a apresentação e o desenvolvimento
da tese são apresentados nas duas quadras e no primeiro terceto, sendo o último a chave de ouro, isto é, a
conclusão do tema apresentado, à boa maneira de Camões.
•Os sonetos de Antero de Quental são um testemunho de um estado de alma e agonia, em simultâneo.
C. Recursos expressivos:
• Se atentarmos nos principais recursos expressivos cultivados por Antero de Quental nos seus sonetos,
constatamos que a metáfora é usada para representar de forma convincente e reveladora de conceitos, fenómenos
e situações que são centrais no desenvolvimento do raciocínio do eu poético. Nas metáforas, o eu poético ganha um
olhar novo e revelador sobre uma ideia ou um conceito.
• A imagem é um recurso expressivo que consiste numa representação (de natureza metafórica) com um
forte apelo visual. Antero usa-a, em alguns casos, associada à alegoria: observe-se como em «O palácio da Ventura»
a busca da felicidade é representada pela demanda de um cavaleiro ou como a ação da morte e do amor na vida dos
homens é figurada na imagem de um cavaleiro negro que avança na noite escura em «Mors-amor».
• Antero recorre à personificação de elementos físicos e de conceitos abstratos, que surgem como
personagens nos poemas: o meu coração, a minha alma, o vento, o sonho, mas também a Justiça, a Razão, o Amor e
a Morte. Desta forma, o eu lírico dirige-se a estas entidades, questiona-as, lamenta-se, exige-lhes explicações como
se estivesse a falar com outra pessoa. Frequentemente, estes nomes surgem com inicial maiúscula.
• Assim, em alguns sonetos, o eu poético estabelece diálogo com esses elementos e conceitos personificados
a fim de desenvolver o seu raciocínio ou de expor o seu argumento. É nesse momento que se socorre das apóstrofes
para interpelar estas entidades: «Razão, […] / Mais uma vez escuta a minha prece» («Hino à Razão»); «e tu, Morte,
bem-vinda!» («Em viagem»).
• As interrogações, as frases exclamativas e as reticências servem para conferir o tom inquiridor, mas
também coloquial, à discussão de ideias que o eu lírico está a desenvolver interiormente.
• Por fim, registe-se a presença de um vocabulário associado à escuridão, mas também um léxico relativo à
luz e à claridade: estes dois campos lexicais traduzem a dimensão luminosa e a negra dos sonetos de Antero. Como
antes vimos, se o primeiro campo lexical alude à racionalidade, à justiça ou à ideia de bem, o segundo reúne palavras
associadas ao pessimismo, ao desespero ou à morte.
Cesário Verde, O sentimento de um ocidental
1. O poema longo e a sua estrutura:
Ao longo das 44 estrofes deste poema, embrenhamo-nos numa Lisboa asfixiante e castradora da qual
Cesário não consegue fugir. Percorrendo os diversos espaços físicos, desde o final da tarde até altas horas da
madrugada, o poeta conduz o leito desde as amplas margens do rio Tejo de onde partiram as naus para um futuro
glorioso, até aos becos escuros e simbólicos do presente melancólico.
Ao longo do poema, Cesário mostra o sentimento da clausura que a cidade lhe provoca, com a
impossibilidade de escapar aos espaços fechados, quer sociais quer físicos, que o deixam sentir-se sufocado.
O poema é composto por 44 quadras, cada uma com 11 estrofes através das quais é dada a conhecer a
deambulação do poeta pelas ruas da capital, entrelaçando o real observado com a sua interpretação simbólica de
que a cidade o sufoca.
I. “Ave Marias” (questão épica crónicas navais)
A primeira parte do poema situa-se ao fim da tarde ("ao anoitecer"), à hora em que os sinos das igrejas
chamam para a oração vespertina - a ave-maria.
O sujeito poético, à medida que deambula pelas ruas junto ao Tejo, descreve vários espaços citadinos -
edifícios em construção, "boqueirões", "becos", "varandas", "arsenais", "oficinas", "hotéis da moda" -, referindo as
"personagens urbanas" que neles se movimentam - "carpinteiros", "calafates", "dentistas", "obreiras", "varinas",
"um trôpego arlequim", "os querubins do lar", "os lojistas". Em relação ao grupo de personagens descrito, é evidente
a simpatia solidária que o sujeito poético revela para com as personagens populares, com destaque especial para as
varinas que "... embalam nas canastras / Os filhos que depois naufragam nas tormentas" e que trabalham "(...) Nas
descargas do carvão, / Desde manhã à noite, (...) / E apinham-se num bairro aonde miam gatas, / E o peixe podre
gera os focos de infecção!" A impressão geral que decorre desta primeira descrição da cidade é de que se trata de
um espaço soturno e melancólico, pouco luminoso, que apresenta uma "cor monótona e londrina", despertando no
"eu" sentimentos contraditórios - "E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!"
Nesta primeira parte do poema, é também nítida a oposição entre o real e a fantasia. Na verdade, face a
uma realidade que lhe desperta "um desejo absurdo de sofrer", o sujeito poético anseia partir para outras
dimensões, e exprime o seu desejo de evasão:
• para outros espaços reais: "Levando à via-férrea os que se vão. Felizes! / Ocorrem-me em revista exposições,
países: /Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!";
• para outros tempos, outras glórias - "Evoco, então, as crónicas navais: / Mouros, baixéis, heróis, tudo
ressuscitado! / Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado! / Singram soberbas naus que eu não verei
jamais!".
Esta evocação das grandezas passadas aparece logo seguida da referência aos Lusíadas.

II. Noite Fechada


O sujeito poético continua o seu percurso, observando a realidade que o rodeia, enumerando os novos
espaços que observa:

• as cadeias • as igrejas
• o Aljube • "as íngremes subidas"
• a "velha Sé" • "o recinto público e vulgar"
• os andares • "um palácio em face de um casebre"
• as tascas • os quartéis
• os cafés • as "montras dos ourives"
• as tendas • os magasins
• os estancos • a brasserie

Destes espaços mórbidos, pouco iluminados, desprende-se uma sensação de enclausuramento, de solidão,
de pessimismo progressivo - "E eu desconfio, até, de um aneurisma / Tão mórbido me sinto, ao acender das luzes",
"Chora-me o coração que se enche e que se abisma.", "E eu sonho o Cólera, imagino a Febre", "Triste cidade! Eu temo
que me avives / Uma paixão defunta!".
Surgem, então, novas figuras citadinas, a que o sujeito poético se refere como "uma acumulação de corpos
enfezados" - presos, velhinhas, crianças, soldados, as elegantes, as costureiras, as floristas ("E muitas delas são
comparsas ou coristas") e os emigrados que jogam dominó.
O tom melancólico e disfórico presente na descrição da cidade não nasce apenas do relato dos espaços e das
personagens que neles evoluem, mas também do tipo de sensações empregues pelo sujeito poético para concretizar
essa mesma descrição:
• auditivas - "Toca-se as grades, nas cadeias. Som / Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!", "E os sinos
dum tanger monástico e devoto.", "... ao riso...";
• visuais - "... ao acender das luzes", "à crua luz";
• térmicas - "Derramam-se por toda a capital, que esfria".
Nesta segunda parte, face à desolação e à soturnidade do presente, o sujeito poético também evoca o
passado ("Assim que pela História eu me aventuro e alargo") através do "severo inquisidor", do "épico de outrora" e
da Idade Média.

III. Ao Gás (tradição católica)

O deambular progressivo do sujeito poético permite-lhe completar o quadro citadino. Novos espaços e
personagens são referidos:
Espaços:
• os "passeios de lajedo"
• os "moles hospitais"
• as "lojas tépidas"
• a "catedral de um comprimento imenso"
• o "cutileiro"
• a "padaria"
• as "casas de confecções e modas", com longos balcões de mogno
• as "longas descidas" e as esquinas

Personagens:
• "as impuras"
• as "burguesinhas do Catolicismo"
• "o forjador"
• um "ratoneiro imberbe"
• "a lúbrica pessoa"
• uma "velha, de bandós!"
• "os caixeiros"
• "um cauteleiro rouco"
• o "velho professor (...) de latim"

Esta longa enumeração, para além de pormenorizar o retrato da cidade, reitera alguns dos aspetos característicos da
poesia de Cesário Verde, como:

• a valorização do campo, presente na única nota eufórica desta parte - o "cheiro salutar e honesto a pão no
forno" que sai de uma padaria;
• a presença de uma figura feminina que subverte os cânones poéticos da época - "as impuras";
• o anticlericalismo presente na referência ao histerismo das freiras;
• a solidariedade social presente na referência ao facto de o seu "velho professor (...) de Latim" estar
transformado num pedinte.

Tal como nas duas primeiras partes, o sujeito poético descreve a cidade de modo sensorial, recorrendo a:

• sensações tácteis - "(...) A noite pesa, esmaga. (...) / Um sopro que arrepia os ombros quase nus";
• olfativas - "Um cheiro salutar e honesto a pão no forno";
• visuais - "E a vossa palidez romântica e lunar!";
• auditivas - "Da solidão regouga um cauteleiro rouco".

O sujeito poético sublinha que o real é motivo de inspiração poética - "E eu que medito um livro que
exacerbe. / Quisera que o real e a análise mo dessem".
IV. Horas Mortas

A quarta parte do poema corresponde ao momento final do percurso do sujeito poético, percurso esse que
se vai progressivamente tornando mais angustiante e fechado.
Assim, estamos no domínio total da noite, as estrelas brilham no céu - "Vêm lágrimas de luz dos astros com
olheiras" - e "os guardas, que revistam as escadas, / caminham de lanterna (...)".
Este é também o momento em que as personagens marginais dominam a cidade: as "imorais", os assassinos,
os "tristes bebedores", os "dúbios caminhantes" e até os cães, que se transformam em lobos - "E sujos, sem ladrar,
ósseos, febris, errantes, / Amareladamente, os cães parecem lobos".
É também o momento em que o espaço se torna agressivo para o sujeito poético, essa agressividade está
presente:
• no colocar dos taipais e no ranger das fechaduras;
• na consciência de que a cidade é uma prisão, uma antecâmara da morte - "Mas se vivemos, os emparedados.
/ Sem árvores, no vale escuro das muralhas!..."; "prédios sepulcrais";
• no sentir de um nojo físico pela cidade - "Nauseiam-me (...) os ventres das tabernas".

Face a esta cidade opressiva, o sujeito poético apenas pode:


• evocar a beleza e a serenidade do campo - "Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas, / As notas pastoris
de uma longínqua flauta";
• expressar desejos impossíveis ou de difícil realização - "Se eu não morresse, nunca! E eternamente / Buscasse
e conseguisse a perfeição das cousas!";
• esperar o regresso da grandeza perdida - "Nós vamos explorar todos os continentes / E pelas vastidões
aquáticas seguir!"

2. A representação da cidade e dos tipos sociais


• A cidade surge como um espaço que se opõe ao campo. O espaço urbano é visto como opressivo e
destrutivo (por exemplo, nos poemas «Num bairro moderno» e «O sentimento dum ocidental»), tanto para o sujeito
poético como para os populares que para aí se deslocam em busca de melhores condições de vida, na sequência do
enorme êxodo rural que ocorreu nesta época. Em contrapartida, o campo é perspetivado como um local de
liberdade — sendo que o espaço rural não é idealizado, mas descrito de forma realista e concreta.
• Mesmo nos poemas que se concentram no espaço citadino, são feitas referências frequentes ao campo —
como que a lembrar que a vocação do ser humano se orienta para uma vida harmoniosa e natural, que só no campo
se encontra, e que a vida na cidade o desumaniza. Deste modo, no espaço urbano há sempre um desejo de evasão
para o campo.
• A oposição cidade/campo alarga-se também ao campo amoroso: enquanto a cidade está associada à
ausência, impossibilidade ou perversão do amor, o campo representa a possibilidade de vivência plena dos afetos.
• As próprias figuras femininas da obra de Cesário se associam a esta dicotomia: o eu poético sente-se
atraído por dois tipos opostos de mulher — a mulher fatal e a mulher frágil e inocente. No primeiro caso, temos
figuras femininas que se enquadram perfeitamente no espaço citadino (e que surgem, por exemplo, no poema «O
sentimento dum ocidental»). Pertencem a um estrato social superior ao do sujeito poético e ostentam riqueza e
elegância. O desejo que estas mulheres suscitam no sujeito poético é investido de ambiguidade, na medida em que a
sua altivez, ao mesmo tempo que o seduz, provoca nele um sentimento de revolta. No segundo caso, temos
personagens simples, inocentes, frágeis e desamparadas, que, pelas suas características, não se enquadram no
espaço urbano, visto como um local de corrupção (por exemplo, o poema «A débil»). Assim, ao contrário da mulher
fatal, a vulnerabilidade desta figura feminina desperta no eu o instinto de proteção, o desejo de se redimir das suas
faltas e de levar com ela uma existência honesta e tranquila.
• No que diz respeito aos tipos sociais representados na obra de Cesário, temos claramente um sentimento
de empatia do sujeito poético em relação aos elementos das classes mais baixas (cf., por exemplo, os poemas «O
sentimento dum ocidental», «Num bairro moderno» e «Cristalizações»). Com efeito, é feita uma crítica às condições
degradantes em que os elementos do povo viviam: as varinas de «O sentimento dum ocidental» «apinham-se num
bairro aonde miam gatas / E o peixe podre gera os focos de infeção» (vv. 43-44) —, bem como à exploração a que
estavam sujeitos — os calceteiros são descritos, em «Cristalizações», como «bestas […] curvadas» que têm uma
«vida […] custosa» (vv. 61-62); quanto à vendedeira de «Num bairro moderno», é humilhada por um criado que lhe
«[a]tira um cobre ignóbil, oxidado» (v. 29) e se recusa a pagar-lhe mais pela mercadoria.
• O poema «Cristalizações» parece, num primeiro momento, contrariar este sentimento de compaixão em
relação aos elementos mais vulneráveis da sociedade. De facto, o eu mostra-se pontualmente satisfeito com a
cidade mercantil — isto é, com uma sociedade que se centra apenas no progresso a nível económico, ignorando as
necessidades das classes mais desfavorecidas: «E engelhem muito embora, os fracos, os tolhidos, / Eu tudo encontro
alegremente exato» (vv. 46-47). Contudo, esta perspetiva é posteriormente contrariada pela contemplação mais
demorada dos calceteiros e pela reflexão sobre a dureza que marca o seu percurso existencial. Assim, o sujeito
poético acaba por mostrar a sua admiração por estes trabalhadores: «Que vida tão custosa! Que diabo!» (v. 62).
• A injustiça social denunciada na poesia de Cesário torna-se mais gritante pelo contraste que nela se
estabelece entre o labor permanente dos elementos do povo, que é visto como a força ativa da sociedade, e o ócio
que caracteriza as classes dominantes. Com efeito, no poema «Num bairro moderno», a azáfama da vendedeira e
dos trabalhadores da cidade contrasta com a «vida fácil» (v. 12) dos habitantes deste luxuoso espaço, que às dez da
manhã ainda estavam a começar a despertar. Também em «O sentimento dum ocidental» este contraste é visível: a
descrição dos trabalhadores que regressam a casa ao fim da tarde e dos que se encontram ainda no local de trabalho
torna mais gritante a inatividade das classes dominantes, que jantam nos «hotéis da moda» (v. 28) ou se entregam
ao consumismo nas «casas de confeções e modas» (v. 107).

3. Deambulação e imaginação: o observador acidental


• Cesário Verde representa nos seus versos a cidade (e o campo) através do registo de perceções sensoriais:
embora predominem as referências visuais, o eu lírico caracteriza também o espaço urbano pelas constatações que
lhe chegam através do ouvido, do olfato e do tato (cf. «O sentimento dum ocidental» e «Num bairro moderno», nas
páginas 278-283 do manual). Em várias situações essas sensações cruzam-se em sinestesias.
• A caracterização da cidade é feita enquanto o eu lírico caminha pelas ruas, anotando em movimento o que
vê, ouve, cheira e sente. O facto de deambular, de se deslocar no espaço, permite-lhe uma perceção dinâmica e um
conhecimento mais completo da realidade urbana, na medida em que passa por vários lugares e encontra diferentes
personagens.
• Mas Cesário não se contenta em apresentar a realidade «como ela é», ou seja, de forma «objetiva». O
sujeito poético coloca a sua subjetividade nessa descrição e fá-la acompanhar de insinuações apreciativas e de
comentários avaliativos: «Como animais comuns, que uma picada esquente, / Eles [os trabalhadores de rua],
bovinos, másculos, ossudos,» («Cristalizações»).
• Esse olhar subjetivo sobre o real e a cidade concretiza-se em vários casos numa representação imaginativa
das figuras, dos elementos e dos espaços que são descritos. A imaginação do sujeito poético leva-o, por exemplo, a
comparar a atriz elegante e intimidada de «Cristalizações» a uma cabra fugidia («Com seus pezinhos rápidos, de
cabra!») ou a falar, no mesmo poema, das «árvores despidas» do inverno como «uma esquadra [fundeada] em fria
paz».
• Esta é uma técnica de representação do real que se propicia à análise e à crítica social: através da
comparação, da metáfora e da imagem condena-se a desumanização do trabalho quando se encontram semelhanças
entre os calceteiros e os animais de carga: «Assim as bestas vão curvadas!» («Cristalizações»), denuncia-se o
«consumismo» da mulher abastada, comparando-a a uma «grande cobra, a lúbrica pessoa», alude-se aos habitantes
da cidade, que vivem em prédios, como encarcerados («os emparedados») — ambos de «O sentimento dum
ocidental».
• Por outro lado, a imaginação criativa e a subjetividade do sujeito poético manifestam-se também na
utilização da técnica impressionista para representar a realidade. Tal sucede quando a caracterização de um lugar ou
de uma personagem é inicialmente definida por características suas (normalmente associadas à luz e à cor) que o
observador perceciona para só num segundo momento esse elemento ser identificado: «Reluz, viscoso, o rio»,
«Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero».
• Por fim, note-se que a imaginação do sujeito lírico é também responsável por trazer para o presente
alusões ao passado da cidade, seja esse passado glorioso ou sombrio: «Assim que pela História eu me aventuro e
alargo». Os grandiosos tempos idos da pátria emergem pela evocação de «Mouros, baixéis, heróis, tudo
ressuscitado» ou de Camões; os períodos de obscurantismo revelam-se quando, por exemplo, duas igrejas recordam
os tempos da Inquisição: «um ermo inquisidor severo» (exemplos de «O sentimento dum ocidental»).
• Tal significa que esta imaginação poética contribui decisivamente para dar significado (valorização, crítica,
sentido, etc.) à realidade que o sujeito poético descreve.
4. Perceção sensorial e transfiguração poética do real:
• Na poesia de Cesário, há um sujeito poético que se encontra em permanente deambulação e cujo olhar, à
semelhança de uma câmara de filmar, vai captando imagens, como instantâneos cuja rápida sucessão é por vezes
sugerida através do recurso ao assíndeto (recurso expressivo que consiste na omissão da conjunção coordenativa
entre os constituintes, que se separam apenas por vírgulas). Assim, a visão desempenha um papel fundamental
nestes poemas. O próprio sujeito poético tem consciência deste facto, afirmando, no poema «Nós»: «Pinto quadros
por letras, por sinais.»
• No entanto, o sujeito poético não se limita a descrever objetivamente a realidade que observa nas suas
deambulações. A «luneta de uma lente só» («O sentimento dum ocidental», v. 85) pode ser entendida como uma
metáfora de um olhar criador, que tem o poder de transfigurar tudo o que o rodeia. É nesta sequência que
assistimos, por exemplo, ao aparecimento de um corpo formado pelas frutas e pelos legumes da vendedeira no
poema «Num bairro moderno» — através do qual o sujeito poético como que reverte a humilhação a que esta figura
feminina é sujeita pelo criado, na medida em que substitui, por momentos, todo o espaço citadino — bem como a
exploração do campo que ele representa — por uma imagem associada à vitalidade do espaço rural. A realidade é
também transfigurada, no poema «Cristalizações», no momento em que o eu configura as camisas dos calceteiros
como uma bandeira, que se institui como um símbolo de todo o sofrimento inerente à sua vida, funcionando,
portanto, como uma forma de denúncia das injustiças sociais. Finalmente, é possível também considerar o momento
de transfiguração das lojas que o sujeito poético observa em «O sentimento dum ocidental» como um passo que
tem subjacente uma intenção crítica, dado que a sua configuração como uma imensa catedral com diversas capelas
pode ser interpretada como uma condenação da elevação do consumismo à condição de algo sagrado.

5. O imaginário épico (em «o sentimento dum ocidental»)


• O poema «O sentimento dum ocidental» foi publicado em 1880 no número especial do periódico Jornal de
Viagens, que nessa edição pretendia comemorar o terceiro centenário do falecimento do autor d’Os Lusíadas. (Já
aqui se vislumbra alguma ligação entre a composição de Cesário e a epopeia camoniana.)
• «O sentimento dum ocidental» é um poema longo que se centra na experiência de vida na Lisboa da
segunda metade do século XIX, como cidade ocidental moderna, bem como nos sentimentos de melancolia,
desânimo e até desespero que tal vivência desencadeia.
• Quanto à estrutura externa, o poema encontra-se organizado em quatro partes, cada qual com onze
quadras, formadas por um decassílabo e três alexandrinos. Na edição de O livro de Cesário Verde, as quatro partes
receberam os títulos: «Ave-Marias» (seis da tarde), «Noite fechada», «Ao gás» e «Horas mortas».
• Em termos de estrutura interna, assistimos ao percurso de um sujeito poético que percorre Lisboa à
medida que as horas passam e a noite se vai adentrando. As quatro partes correspondem, pois, a fases do fim do dia:
fim da tarde, chegada da noite, noite instalada e iluminada pelos candeeiros a gás e a noite cerrada das «Horas
mortas».
• «O sentimento dum ocidental» é predominantemente um poema lírico, na medida em que representa a
vivência de um eu (poético) numa cidade moderna do mundo ocidental. Contudo, o poema contém marcas que
recordam o estilo épico mas que acabam por o subverter (ou seja, por o contrariar). Essas características emergem
logo por se tratar de um poema longo com um forte pendor narrativo, como sucede numa epopeia: o eu poético
relata o seu percurso pela cidade. Mais ainda, esse sujeito podia estar a celebrar Lisboa e a vida dos seus habitantes;
mas, na verdade, está a criticá-la: a cidade é um lugar decadente, sem brilho nem valor.
• Há, contudo, uma dimensão épica no poema; mas essa não pertence ao presente, à Lisboa moderna. O
Tejo, a estátua de Camões e alguns outros elementos remetem para um passado em que Portugal conheceu a
grandeza e a glória. As alusões aos Descobrimentos e ao Império Marítimo são, assim, um esboço de uma epopeia do
passado, que o presente torna amarga porque já não é essa a realidade moderna.
• Como sucederia com Camões, se tivesse vivido no fim do século XIX, o sujeito poético perdeu o motivo
para celebrar a pátria decadente e a cidade sem brilho. No presente do eu poético, a viagem que se pode fazer já
não é a das Descobertas, plena de aventura, mas a fuga, a evasão para outro lugar diferente: «Levando à via-férrea
os que se vão. Felizes! / […] Madrid, Paris, Berlim, São Petersburgo, o mundo!»
• Por fim, também as personagens que povoam a cidade moderna não são já os heróis militares, cívicos,
políticos e artísticos de outrora. São agora personagens decadentes como burgueses, dentistas ou gente que
trabalha mecanicamente, que não trazem estatuto épico à cidade.
• O estilo de Cesário é prosaico e de tom coloquial, o que o situa longe do estilo elevado, retórico e
grandiloquente das epopeias. O próprio vocabulário do quotidiano da cidade («varinas», «boqueirões», «becos») em
nada se confunde com o léxico rico de um poema épico.
6. “Num Bairro Moderno”
Trata-se da reconstituição do percurso que sujeito poético habitualmente faz para o emprego, para a loja de
ferragens do pai.
Este poema de Cesário Verde pode ser considerado uma espécie de paradigma da totalidade da sua
produção poética, uma vez que, de uma forma mais ou menos desenvolvida, todos os aspetos essenciais da sua
poesia estão nele presentes.
Analisemos este poema, então, começando por fazer referência às duas realidades presentes no texto:

• a objetiva, construída através da descrição do bairro e das personagens que nele se movimentam;
• a subjetiva, a fuga imaginativa levada a cabo pela visão pessoal do "eu" que vagueia, que deambula pelo
bairro.
A coexistência destas duas realidades prefigura a poetização do real, uma vez que o sujeito poético se deixa
levar pela sua imaginação, construindo um corpo feminino (símbolo de saúde, de fertilidade, mas também de
sensualidade) a partir da giga de legumes e frutos, vendo estrelas nas gotas de água que caem do ralo de regador, ou
transformando a visão final da hortaliceira e do seu cesto à cabeça numas "grossas pernas dum gigante /Sem tronco,
mas atléticas, inteiras".
Esta poetização do real, construída pela imaginação do sujeito poético, inviabiliza algumas teorias segundo
as quais Cesário Verde seria um poeta realista. Cesário é, sim, contemporâneo do realismo, sofre influências desse
movimento, mas vai além dele. É quase um surrealista antes do tempo, pela dimensão que o imaginário e a
transformação poética assumem na sua poesia.

Relativamente à realidade objetiva, assinale-se:


a) o carácter deambulatório (o "eu" descreve o que vê à medida que passeia pelo bairro), cinético e visual da poesia
de Cesário:
• a focagem do plano geral (o bairro);
• a passagem para a cena particular (o episódio da hortaliceira).

b) a presença do quotidiano visível nas características narrativas do poema:


- tempo: "Dez horas da manhã" (estrofe 1); "ao calor de Agosto" (estrofe 16);
- espaço: "larga rua macadamizada" enquadrada por casas apalaçadas com quartos estucados, paredes de papéis
pintados, mesas com porcelanas, jardins com nascentes - bairro burguês (estrofes 1 e2);
- personagens:
• sujeito poético - frágil, doente. "Com as tonturas de uma apoplexia" (estrofe 3);
• a hortaliceira: mulher do povo, esguedelhada, magra, feia, doente. A mulher do povo apresentada de uma
forma realista, não sujeita a uma metamorfose poética, constitui uma inovação da poesia deste poeta. Esta
mulher pobre, feia, "sem quadris", esmagada pelo peso da giga, simboliza também as preocupações sociais
presentes na poesia de Cesário Verde, aspetos completamente "revolucionários" para a época;
• o criado;
• o pequerrucho;
• os padeiros;
• as ménages.
-ação:
• o deambular do sujeito poético pelo bairro, o encontro com a hortaliceira e a fuga imaginativa a partir da
giga. Esta fuga imaginativa é uma micro narrativa encaixada na narrativa de primeiro grau;
• o retomar do passeio e a visão final.
Em relação à realidade subjetiva que assume no poema o estatuto de uma narrativa de segundo grau, que
integra a fuga imaginativa:
• o carácter subjetivo e surrealista da descrição da giga;
• o simbolismo inerente a esta "fuga": a giga é "um retalho de horta" e, por isso, transmite força, vigor, saúde,
vida, poder de transformação, por oposição à cidade, representada pelo sujeito poético e pela hortaliceira,
conotada com dor, sofrimento, e, no limite, morte;
• a presença dos binómios campo/cidade, vida/morte estruturantes da poesia de Cesário Verde e associados
ao mio de Anteu. Só o contacto com o real, mas sobretudo com o campo, com a terra, confere ao homem
força e vitalidade;
• o visualismo (aspetos pictóricos) quer na descrição da rua, quer na descrição da giga, criado a partir das
referências à:
→luz - "E fere a vista, com brancuras quentes, / A larga rua macadamizada.";
→cor - "Ou entre a rama dos papéis pintados";
→forma - "Achava os tons e as formas";
→movimento - "Sobem padeiros";

• a presença dos principais aspetos do estilo poético de Cesário Verde:


→emprego de um vocabulário pragmático, preciso, concreto e corrente - "Se ela se curva, esguedelhada,
feia";
→utilização inusitada do - "Atira um cobre lívido, oxidado";
→emprego de sinestesias - "brancuras quentes";
→recurso a sensações / verbos sensitivos: visão ("matizam"); tato ("fere"); olfato ("Bóiam aromas, fumos de
cozinha"), ("hortelã que cheira"); audição ("Toca, frenética, de vez em quando"); gosto ("Como de alguém
que tudo aquilo jante");
→valor expressivo dos diminutivos - "pequenina", "bracinhos", "enfezadita";
→emprego de estrangeirismos - "rez-de-chaussée", "ménages".

7. “Cristalizações”

Cristalizações recria o quadro do trabalho dos calceteiros a que o sujeito poético assiste. O título do poema
está relacionado com o brilho da luz nos charcos, cujos reflexos parecem cristais.
Enquanto em “Num Bairro Moderno” o sujeito poético conduz-nos através de um bairro burguês com as
suas casas apalaçadas e os seus mordomos, em "Cristalizações", deambulamos por entre "Uns barracões de gente
pobrezita / E uns quintalórios velhos com parreiras" que se situam nuns "sítios suburbanos, reles!"
Porém, não é apenas este aspeto que aproxima dois poemas que retratam espaços citadinos tão opostos.
Também a oposição real / imaginação está presente nos dois textos.
Tendo em conta esta oposição, é possível delimitar em "Cristalizações" dois níveis narrativos diferentes:
• o do real;
• o da imaginação.
No domínio do real, pontuam diversas personagens - os calceteiros, as varinas e a "actrizita" -, assumindo os
calceteiros o estatuto de personagem principal.
Com efeito, todo o poema é um hino a estes trabalhadores que abandonaram as lezírias, os montados, as
planícies, as montanhas para com "os grossos maços" partirem a pedra "com que outros" fazem a calçada. Trata-se
de um trabalho duro, moroso, ininterrupto - "(...) E os rapagões morosos, duros, baços, / Cuja coluna nunca se
endireita"; "Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas! / Que vida tão custosa!") - realizado ao frio, "nesse
rude mês, que não consente as flores", nesse "Dezembro enérgico, sucinto".
De repente, cortando o ritmo de trabalho daqueles homens fortes, rudes - "bovinos, másculos, ossudos" - e
brutos - "Como animais comuns", surge uma actrizita com "pezinhos de cabra" cuja presença desassossega aqueles
trabalhadores que a encaram "sanguínea, brutamente".
No entanto, "O demonico arrisca-se, atravessa /Covas, entulhos, lamaçais depressa", continuando o seu
caminho.
O posicionamento do sujeito poético face aos calceteiros, embora lhes reconheça aspetos quase que
animalescos, é de uma empenhada solidariedade bem patente, quando na estrofe 13, transforma as nódoas de
vinho em medalhas, as camisas em bandeiras e os suspensórios numa cruz - metáfora do sofrimento de Cristo, na
cruz.
Este poema é talvez aquele em que a descrição sensorial do real se torna mais evidente, através do uso de:
• sinestesias - "Vibra uma imensa claridade crua"
• sensações visuais - "E as poças de água, como em chão vidrento, / reflectem a molhada casaria"
• sensações auditivas - "Disseminadas, gritam as peixeiras", "E o ferro e a pedra - que união sonora!"
• sensações táteis - "Faz frio"
• sensações olfativas "Cheira-me a fogo, a sílex, a ferrugem"
• sensações gustativas - "Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura"
• metáforas - "E os charcos brilham tanto, que eu diria / Ter ante mim lagoas de brilhantes!"

8. “De tarde”

Neste poema verifica-se a capacidade descritiva de Cesário Verde e o seu gosto pela natureza. É possível
verificar-se ainda uma característica muito especial do poeta, o gosto pela simplicidade. O facto de a burguesa ter
descido do burrico descontraída e sem imposturas tolas e ter ido colher papoulas deu a Cesário um significado belo.
Para o poeta o real valor das coisas estava na simplicidade.
A descrição do local onde a burguesa fora colher as pápulas “um granzoal azul de grão-de-bico” demonstra a
capacidade descritiva do real observado pelo poeta e, assim quando a sua poesia é lida logo o leitor imagina a sena
presenciada pelo poeta.
Verifica-se ainda o gosto de Cesário pela mulher simples que não se dá a luxos e que, tal como ele, gosta da
natureza e do campo.
Na segunda estrofe o poeta usa a aliteração em “granzoal azul grão de bico” e em “ramalhete rubro” para
valorizar a ideia de campo. Ao usar o gerúndio (“descendo”) faz transmitir a ideia de movimento da figura feminina
naquele momento.
De seguida o sujeito poético faz uma pequena descrição dos elementos que compõem a merenda, através de
alguns substantivos e de enumerações (“talhadas de melão, damascos”, “pão de ló molhado em malvasia”) onde
frisa o erotismo dos frutos e do resto da comida, através de sensações visuais e gustativas.
Na última quadra, Cesário Verde inicia a frase com uma conjunção coordenativa adversativa que confere a
ideia de que o poeta esqueceu o picnic por um instante e se concentra na mulher que lhe provoca vários
sentimentos e que é portadora de uma grande sensualidade «Mas, todo púrpura, a sair da renda, dos teus seios
como duas rolas», usando aqui a comparação.
O poema termina com uma frase exclamativa que pretende transpor-nos aquilo que o sujeito poético reteve
do picnic, ou seja, essencialmente a beleza daquela figura feminina que vai provocando um turbilhão de ideias na
cabeça do sujeito poético.
Nesta, os dois seios remetem para a sensualidade da mulher, destaca-se muito a cor vermelha «rubro» que
nos remete para a vida sanguínea, mas também para o calor dos seios da figura feminina, metonimicamente
deslocados para as papoulas.
Em finalização, deste poema retém-se o gosto do poeta pelo campo e a atração que aquela figura feminina
lhe provoca.
9. “De verão”
Este poema relata um passeio do sujeito poético pelo campo, acompanhado de uma prima ("lírica excursão,
de intimidade"), no qual se inclui o episódio das formigas trabalhadoras.

As personagens intervenientes são o sujeito lírico e a prima. O sujeito poético é claramente um homem
citadino (usa um traje inadequado ao campo): "Eu de jasmim na casa do casaco / E de óculo deitado a tiracolo",
apresentando-se, assim, como o perfeito "dândi" num passeio rural, que fuma cachimbo e vê o campo como um
passatempo, mas também como fonte de inspiração ("No campo; eu acho nele a musa que me anima"); considera-
se, ainda, "ocioso, inútil, fraco", em comparação com as formigas que "Arrastam bichos, uvas e sementes; / E
atulham, por instinto, previdentes, / Seus antros quase ocultos na parede"; por último, revela, talvez, pouca
sensibilidade, ao rir do cuidado da prima para não pisar as formigas. Enfim, trata-se de um proprietário rural de visita
à quinta, a quem os trabalhadores "fazem grandes barretadas!", em sinal de respeito, e que observa a sua vinda com
orgulho: "Verdeja, vicejante, a nossa vinha".
A prima é "Criança encantadora", meiga e educada ("Em quem eu noto a mais sincera estima / E a mais
completa e séria educação"); é cuidadosa, dizendo ao primo "Apaga o teu cachimbo junto às eiras", brincalhona e
vaidosa ("Colhe-me uns brincos rubros nas ginjeiras!"), querendo enfeitar-se, como qualquer criança, com as ginjas;
adora a natureza, aprecia o ritmo dos trabalhos do campo ("Quanto me alegra a calma das debulhas!") e respeita a
natureza no seu todo, desviando-se das formigas para não as pisar ("Tu não as esmagares contra o solo!"). Usa "um
chapéu de palha, desabado" e apoia-se no cabo de uma sombrinha.

O espaço físico, o campo, é caracterizado, ao longo do poema, como "a musa", detentor de "paz,
salubridade", um espaço repleto de "claridade", "robustez", "ação", desenhado através das leiras e das eiras e onde
os saloios cantam aos bois. É o espaço da "calma das debulhas", das "aldeias tão lavadas", dos "Bons ares! Boa luz!
Bons alimentos!", dos "saloios vivos, corpulentos", das "ramagens / Dos olivais escuros", dos rebanhos que
regressam das pastagens, dos "milhos, nuvens e miragens", dos lugares calmos e das vinhas verdes e vicejantes.

O sentido associado a este espaço, ao campo, é claramente positivo. O campo é o espaço da claridade, um
lugar solar, saudável, robusto, cheio de força e de viço. Este é, assim, visto como um espaço edénico, uma espécie de
paraíso, pleno de vida e transmitindo felicidade.

Na estrofe 5, encontram-se várias aliterações: no 1.º verso, em "Na ribeira abundam as ramagens" e no 3.º e
4.º versos em "Regressam os rebanhos das pastagens; / Ondeiam milhos, nuvens e miragens" do som nasal (n e m e
do som r); há ainda uma interrogação retórica ("Onde irás") e uma imagem do movimento dos campos de milho e
das nuvens no céu, fustigados pelo vento, sugerida pela forma verbal em "Ondeiam milhos, nuvens e miragens". O
conjunto destes recursos expressivos confere a esta estrofe um visualismo e um movimento que a transformam
numa espécie de quadro/fotografia do espaço referido.
Na estrofe 6, em "Numa colina azul brilha um lugar caiado", é de notar a presença de uma metáfora, na
associação da brancura do lugar com o brilho da "colina azul"; em "Belo!", de uma frase exclamativa que culmina a
descrição das belezas do campo; do diminutivo, com toda a conotação de ternura, na alusão à "sombrinha" da
prima; e, por último, em "Verdeja, vicejante, a nossa vinha", a aliteração do (v).

O episódio das formigas pode ser visto como uma espécie de alegoria: as formigas "em sociedade, espertas,
diligentes" são uma metáfora do trabalho, da dedicação em prol da comunidade e também do campo, enquanto que
o sujeito poético "ocioso, inútil, fraco / (...) de jasmim na casa do casaco / E de óculo deitado a tiracolo!" poderá ser
entendido como a metáfora de cigarra, que canta no Verão e no Inverno, quer viver à custa dos outros, chegando,
por vezes, a sucumbir... O sujeito poético, pelas características que apresenta, pode também ser o símbolo da
cidade.

O carácter visualista e o predomínio das impressões visuais estão bem patentes ao longo de todo o poema,
pois no decurso da "lírica excursão", o sujeito poético revela-se sensível às belezas do campo, que enaltece na sua
descrição: "Que aldeias tão lavadas!" (de notar o emprego do advérbio de intensidade "tão", reforçando a limpeza
das aldeias); "Bons ares! Boa luz! Bons alimentos!" (note-se a repetição do adjectivo); "Olha: os saloios vivos,
corpulentos" (apelo ao destinatário para que veja mesmo). Os segmentos textuais "Na ribeira abundam as ramagens
/ Dos olivais escuros", "Regressam os rebanhos das pastagens", "Ondeiam milhos, nuvens e miragens", "Numa colina
azul brilha um lugar caiado", "Verdeja, vicejante a nossa vinha", "No atalho enxuto, e branco das espigas (...) / Esguio
e a negrejar em um cortejo, / Destaca-se um carreiro de formigas.", "Arrastam bichos, uvas e sementes; / E atulham,
por instinto, previdentes, / Seus antros quase ocultos na parede." constituem uma sucessão de imagens visuais.
Finalmente, o sujeito poético fica silencioso - "E, silencioso, eu fico para trás" - provavelmente para registar,
guardar bem no seu íntimo, todas as impressões visuais, todas as imagens daquele paraíso e, para isso, precisa de
silêncio, de recolhimento.
10. “A débil”
Este poema põe em relevo uma figura feminina que escapa à típica mulher citadina, mas também à mulher
que surge no espaço rural.
O sujeito serve-se de um conjunto de signos que contribuem para caracterizar a mulher: "bela, frágil,
assustada, recatada, honesta, fraca, natural, dócil, recolhida", remetendo para o seu retrato moral. Já os vocábulos
"loura, de corpo alegre e brando, cintura estreita, adorável, com elegância e sem ostentação, esbelta e fina, ténue"
remetem para o seu aspeto físico.
Por outro lado, o sujeito lírico considera-se "feio, sólido, leal; sente-se prestável, bom e saudável quando a
vê, ao ponto de desejar beijá-la. Afirma ainda ser "hábil, prático e viril", ou seja, com força suficiente para a socorrer
quando ela precisar.
Para além da figura feminina, o sujeito poético refere ainda os espaços citadinos como o café, o largo, as
ruas, caracterizando-os de forma negativa, chamando ao café "devasso"; do largo destaca o pedestal e das ruas a
agitação que nelas se verifica. Nestes espaços movimentam-se figuras sórdidas, que ele caracteriza por " turba
ruidosa, negra" e por " uma chusma de padres de batina". Isto significa que o local urbano em que se encontra se
presta à movimentação mesquinha destes seres escuros que permitem destacar a fragilidade da jovem como a única
capaz de clarear estes locais, torná-los mais brilhantes e mais atrativos ao sujeito lírico.
Com o intuito de evidenciar o contraste entre o espaço e a jovem senhora, o sujeito poético faz referência ao
ajuntamento, característico dos espaços urbanos, onde a agitação e a confusão imperam. Sobressaem as diferentes
classes sociais que se podiam encontrar no espaço citadino, o que permite afirmar que a cidade era palco de vários
seres que nele se movimentam, uns por ociosidade, outros por obrigação, tal como seria normal numa cidade onde
está a chegar a industrialização e para onde acorrem os mais pobres, na expectativa de aí encontrarem melhores
condições de vida.
A luminosidade deste dia só é posta em evidência quando a figura feminina surge nos locais onde
anteriormente se moviam figuras conotadas com os aspetos negativos da cidade. Só a visão desta mulher frágil e
pura lhe possibilita uma visão mais positiva da realidade, estando aqui realçados o tempo e o espaço psicológicos, ou
seja, aqueles que se resultam do estado de espírito do sujeito poético e da sua construção.
O sujeito lírico revela o receio de perder a mulher admirada, porque, "os corvos" a poderiam arrancar
daquele local, a ela que não passava de uma "pombinha tímida e quieta". Por isso, o sujeito poético mostra-se capaz
de a salvar, mesmo que seja a custo da sua própria vida, mostrando-se protetor da fragilidade e capaz de tudo para
poder conservar aquela figura que o fazia recordar a simplicidade do campo e das mulheres que o povoam.
Apesar da oposição que Cesário Verde costuma estabelecer entre a mulher do campo e a mulher da cidade,
a figura feminina que aqui é retratada é uma espécie de mistura, uma vez que o retrato que dela traça está
associado à mulher campesina, mas o espaço em que se movimenta é-lhe estranho e, por, isso, esta sente-se
perdida, a necessitar da proteção masculina. Trata-se de uma mulher do campo que se sente desnorteada num
espaço que não está adequado à sua fragilidade.
Cesário Verde serve-se de um conjunto de processos que, também neste poema, podem ser percecionados.
É o caso do vocabulário preciso e exato e as imagens carregadas de visualismo que dão uma visão perfeita das
realidades visionadas. Além disso, percebe-se a objetividade que imprime ao conteúdo, afastando-se, deste modo,
do lirismo romântico. Para retratar fielmente a realidade ou as figuras com que depara, o autor emprega a
adjetivação e as frases preposicionais de valor adverbial. Acresce ainda referir o uso das quadras e dos versos
decassilábicos que permitem uma maior aproximação à prosa.

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