Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ARTE E DESIGN:
1
uma convergência?
Monica Tavares 2
Vera Bonnemasou 3
Luisa Paraguai Donati 4
Tomas Sniker 5
1
15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006
Para a autora (2001, p.3-4), esta subversão ocorre graças ao impulso do possível
(primeiridade) que apenas pode formular-se por meio do simbolismo (terceiridade). Se não se
formula fica condenado ao caos, à indistinção e à loucura.
Assim, a comunicação artística acontece (no nível da secundidade) quando a
primeiridade se infiltra na terceiridade. Este acontecimento se dá tanto no pólo do emissor
quanto no do receptor e nesses dois âmbitos ocorre o domínio de um simbolismo que se
rompe graças à intrusão de forças da primeiridade.
É por meio de uma rede simbólica, instituída pelo próprio artista, que caminhamos
rumo ao possível e tomamos contato com um novo real, ou seja, nossa apreensão das coisas
estará mudada, nossa visão do real terá mudado em contato com o possível, e isto é o que
Evaert-Desmedt (2001, p.5) denomina “comunicação artística”.
Por outro lado, o design como desígnio consiste em uma decisão e esta nada mais é que
a capacidade de escolha ditada pela razão. Porém, já se foi o tempo em que a razão era
considerada uma faculdade humana. Hoje ela é tida, antes, como um lugar para onde se
2
15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006
dirigem as aspirações que temos de uma certa objetividade. Assim, do mesmo modo que a
terceiridade contém a primeiridade, a objetividade está prenhe de subjetividade sendo mesmo
impossível traçarmos entre elas uma linha de demarcação. Não sabemos onde acaba o eu e
começa o objeto. Desconhecemos o grau zero da percepção.
Cabe ao designer a decisão de ser racional e isto não implica em eliminar a
subjetividade, mas apenas ter a “capacidade de identificar determinadas contradições, saber
controlá-las e refutá-las” (MALDONATO, 2005, p.81).
Portanto, considerando a dominância do terceiro, no caso do design (em razão de a
decisão desenhar o futuro), e do primeiro, no caso da arte (em razão de um novo simbolismo
se elaborar, integrando algo de possível, como afirma Everaert-Desmedt, 2001, p.4), intenta-
se apreender os papéis da arte e do design na sociedade, desde que, parafraseando Arnheim,
mantenha-se a distinção de “para que servem e sobre o que versam”. Deste modo, estaremos
tirando-os de uma região nebulosa em que se encontram e colocando-os mais próximos,
graças à comunicação. Temos assim como uma utopia concreta o trinômio Arte / design /
comunicação.
2. Diferenças e similaridades
2.1. Das noções de arte
Para compreender os usos do termo “arte”, além do texto “El diseño: ni arte ni parte” de
Norberto Chaves, recorreremos ao estudo de Harold Osborne, no livro “Estética e Teoria da
Arte”, no qual este pensador propõe três categorias básicas relacionadas à arte, não
totalmente exclusivas nem rigidamente distintas. Com relação à arte do ocidente 6 , Osborne
(1974, p.19-27) ressalta três grupos de interesse: a) o interesse pragmático, relacionado ao
grupo das teorias instrumentais da arte (a arte como manufatura; a arte como instrumento de
educação ou aprimoramento; a arte como instrumento de doutrinação religiosa ou moral; a
arte como instrumento da expressão ou da comunicação da emoção; a arte como instrumento
da vicária expansão da experiência); b) o interesse pela arte como reflexo ou cópia, vinculado
às teorias naturalistas (o realismo: a arte como reflexo do real; o idealismo: a arte como
reflexo do ideal; a ficção: a arte como reflexo da realidade imaginativa ou do ideal
6
Osborne afirma que as atitudes orientais para com a arte e as teorias que delas decorrem não se enquadram
adequadamente a este esquema. Em razão disto, em capítulo específico intitulado “A estética da arte pictórica
chinesa” (sobretudo considerando os pontos de vista da estética chinesa e a da indiana) expõe um relato
comparativo das atitudes orientais com as ocidentais.
3
15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006
inatingível); c) o interesse estético, relativo às teorias formalistas da arte (a arte como criação
autônoma; a arte como unidade orgânica). Em razão do objetivo de nosso artigo, não cabe
aqui definir todas essas teorias, mas sim destacar aquelas que nos interessam para
fundamentar a nossa argumentação acerca das relações entre arte e design.
Portanto, com base no recorte do estudo de Chaves (2003, p.129) e no contexto das
relações entre arte e design, reduzimos os usos do termo arte a dois paradigmas distintos por
ele referidos: o dos ofícios e o das práticas especificamente poéticas. Esses paradigmas se
relacionam respectivamente às teorias instrumentais e formalistas, anteriormente citadas, as
quais, por sua vez, situam-se com base em Plaza (1998, p.17-18), nas categorias de arte em
que, na devida ordem, o significado e a sintaxe são relativamente dominantes.
Os critérios pertinentes ao primeiro grupo, o qual tem sua primeira expressão nos
escritos dos filósofos gregos, são, como se refere Osborne (1974, p.20) “o valor do fim
servido, ou que se supõe servido, pela obra de arte; a eficácia da obra de arte para este fim; e
a qualidade da sua execução”. Oposto à atitude moderna da autonomia da arte, aqui, o motivo
estético não é deliberado, o que não se nega que ele pode ou tenha participado tanto do
momento da feitura do objeto quanto da apreciação do mesmo.
No que concerne ao segundo paradigma, que se liga à noção de abertura estética, a obra
de arte se dispõe como uma experiência poética auto-suficiente. Chaves (2003, p.129) refere-
se à arte como prática autônoma de toda outra utilidade 7 , sendo uma experiência de sintonia
entre autores e receptores, e destes com os padrões culturais vividos. Neste pressuposto,
... el oficio, indispensable en toda gran manifestación del arte, queda subsumido
dentro de la producción puramente poética como un simple medio: […]. Desde que
el arte se libera de su servidumbre ritual (al trabajo, a la fiesta, al culto religioso, al
protocolo político o la pompa militar), la experiencia poética adquiere sentido em sí
mesma.
7
Não esqueçamos a proposta de Pareyson (1989, p.29) de que as noções de arte como fazer, de arte como
conhecimento e de arte como expressão podem se contrapor e se excluir umas às outras, ou, pelo contrário,
podem se aliar e se combinar. A partir deste pressuposto, Tavares (2003, p.31-35) argumenta que estas três
noções de arte, quando manifestas de forma excludente e absolutizadas em si mesmas, não bastam para explicar
a idéia de abertura estética.
8
É importante não esquecer que, como diz Barbosa (1995, p.118-119), se em um dado momento a obra de arte
se desconexa com a esfera prática do real imediato, em outro momento de significação ela reenvia o seu
4
15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006
(ou melhor, para a de gratuidade) e a obra se firma como ponte, elo, mediação entre emissão e
recepção 9 .
discurso ao mundo real. Citando Maurice-Jean Lefèbve, a partir do livro “Estrutura do discurso da poesia e da
narrativa” (Coimbra: Almedina, 1975), Barbosa afirma que a “gratuidade” da arte dá-se nas esferas da ação
prática e do mundo da ciência ou da tecnologia, mas que, para além disso, o discurso estético permanece
“interessado”, pois é dirigido para uma aparição particular do mundo e de sua realidade.
9
Unindo-se estes dois paradigmas aparece o signo icônico utilitário, considerado o signo do design moderno. A
iconicidade designada ao Signo Utilitário explica seu caráter duplo, ambíguo, que reside na coexistência de seu
caráter persuasivo e de sua natureza icônica, que o caracteriza como um signo estético. Seu caráter persuasivo se
deve, não só a sua capacidade de adaptar-se à massificação, mas também à sua natureza utilitária. Por outro
lado, o seu caráter estético encontra-se em sua própria iconicidade que, segundo Ferrara, “(...) atende à
necessidade de permanecer como um desafio à capacidade perceptiva, intensificando-a e, sobretudo,
diversificando-a” (FERRARA, 1986, p.64).
10
A expressão "a secas" significa "somente", "sem mais nada". Como refere o autor (2003, p.130), trata-se de
“una pura actividad transformadora sin definición de objeto".
5
15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006
Nesta perspectiva, e pactuando com a opinião de Fontana (2003, p.83), entendemos que
“... el diseño no es arte, pero eso no implica que deba reducirse unicamente a um proceso
mecânico de planificación y de método”.
Deste modo, o que aqui não se intenciona é digressionar pelas várias definições de
design, haja visto que historicamente tal atividade se desloca entre a dominância de uma
função prática, de uma função estética e/ou de uma função simbólica, que, respectivamente,
refletem prerrogativas e paradigmas distintos. Pretende-se, sobretudo, destacar a
especificidade projetual do design, seja como a pensa Chaves ou mesmo como a admite
Ferrara (2003, p.178-181). Para a autora, com a reprodutibilidade eletrônica ocorre, sim, uma
troca de sentido da atividade de projeto, voltada, contudo, para a criação da informação,
convertendo, deste modo, o receptor em colaborador do design. Neste caso, o projeto põe em
cena outro rito que tem como centro o homem e a sua capacidade criativa. Nesta conjectura, é
importante referir, segundo a autora (2003, p.180), que:
… el diseño puede repensar los comportamientos colectivos emanados de la
rigurosa funcionalidad tipológica y sus comportamientos establecidos por el
mercado, con el fin de que sea posible la creación de una esfera social en la que, a
través del diseño, se comuniquen valores, percepciones e identidades surgidos del
sistema de significados que propone el propio diseño.
Assim, independente para qual viés se incline o design e considerando que a diferença
entre este e a arte não guarda, como comenta Chaves (2003, p.128), relação exclusiva com a
oposição subjetivo-objetivo nem com o antagonismo individual-coletivo, o que até aqui se
11
A retórica é inerente ao significado do design, pois embora a poética lhe seja imprescindível a retórica deve
precedê-la visto que o design está subordinado a “...factores que tienen que ver con la naturaleza humana, las
condiciones sociales, los mitos culturales y así sucesivamente.” (BUCHANAN, 2005, p.5 e p.9).
6
15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006
pode apreender é que o objeto de arte e o objeto de design procedem de campos distintos,
atendem prioritariamente a finalidades diferentes.
Não obstante a obra de arte e o objeto do design serem bens culturais, como afirma
Fontana (2003, p.85), de cada uma se espera coisas distintas, cada uma projeta esperanças
particulares.
12
Para este autor, o logos diz respeito à maneira como o designer manipula os materiais e processos para
solucionar problemas práticos da atividade humana. O ethos refere-se à forma que os designers elegem para
representar-se a si mesmos nos produtos, não como são, mas como desejam ser. E o pathos corresponde à
perspectiva de persuadir a audiência, no intuito de o produto ser emocionalmente desejável e valioso.
13
A arte da retórica não mais compreendida em sua relação com o verbal, mas sim, de modo mais amplo, em
relação ao pensamento, determina que as artes visuais possam ser analisadas intelectualmente, criticadas e
melhoradas de acordo com leis. Assim, a arte da retórica deve ser compreendida como “... un arte de concebir y
planear todos los tipos de productos que los seres humanos sean capaces de crear” (BUCHANAN, 2005,
p.25).
14
Tais respostas são determinadas por uma variedade de fatores. Alguns externos à pessoa, controlados pelo
designer, pelo marketing ou pela publicidade. Outros são internos, provenientes de suas próprias experiências.
Conforme Ferrara (1986, p.61), o repertório de um indivíduo é composto não só de informação programada
constituída pelo interpretante final, mas também de informação não programada constituída pelos interpretantes
imediato e dinâmico.
7
15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006
Tanto a arte quanto o design se sustentam em processos que destacam, por conseguinte:
o emissor (e o argumento retórico); a mensagem (e a funcionalidade); o receptor (e a
necessidade).
Assim, por vias das estruturas comunicacionais, são os três elementos básicos –
emissor, mensagem e receptor – (e seus respectivos contextos), que garantem à arte e ao
design se firmarem como práticas retóricas (não esquecendo que uma mensagem se refere a
algo, se veicula por um canal e se constrói com base em códigos).
Por outro lado, admitindo que na prática do design o projeto é o caminho para a
criação, podemos supor que, em alguns casos, a arte compartilha com o design identidades
em relação aos seus modos de formar. Como, por exemplo, é o caso das práticas artísticas
(cubismo, minimalismo, construtivismo, dodecafonismo, poesia concreta etc.) em que ao se
examinar a possibilidade de concretização do problema estabelece-se na mente criativa o
espelho da solução a ser materializada.
No entanto, é o estudo da trilogia forma / função / uso que nos informará como se
sustenta a construção dos significados relativos aos objetos de arte e design, em suma,
possibilitando-nos confirmar as finalidades retóricas próprias a cada uma dessas duas áreas.
Portanto, passaremos agora ao estudo de como os elementos dessa trilogia se
relacionam. Em referência à semiótica peirceana (e com base em PIGNATARI, 1989, p.99-
104), admitiremos, por conseguinte, que a forma é o signo, a função é o objeto e o uso é o
interpretante. Neste sentido, a forma é o elemento mediador entre a função e o uso, na medida
em que esta mediação (do signo em relação ao objeto) implica a construção dos significados
possíveis, a produção da cadeia de representações. Por outro lado, considerando a questão da
determinação (SANTAELLA, 1995, p.38-41), pode-se afirmar que a forma determina o uso,
contudo ela só o faz, pois, a princípio, ela é determinada pela função proposta para o produto.
Assim sendo, o uso, que pressupõe a atividade de transformação da função do produto
em novo(s) significado(s) e, que, por outro lado, visa atender as necessidades dos usuários,
implica o reconhecimento e a decodificação do argumento retórico proposto pelo artista ou
designer. O produto passa a significar para o receptor ou intérprete, em função do seu
repertório conseguir (ou não) refazer o caminho trilhado pela criação. Como processo
contínuo de descobertas de significados, esta decodificação dá a possibilidade da forma ser
interpretada como se referindo à determinada função. Os usos possíveis decorrem, portanto,
das trocas estabelecidas entre o repertório do emissor e o do receptor, sendo eles passíveis de
8
15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006
15
Não desconsiderando que haja uma dimensão econômica da obra de arte, vale referir, com base em Barbosa
(1995, p.240), que seria errado admitir a arte em oposição a tudo o que não é arte. Neste sentido, corroboramos
com o autor ao reconhecer que o campo artístico se intersecciona com outros conjuntos das práticas sócio-
culturais com as quais a arte mantém simultaneamente afinidades e oposições.
16
É importante referir que o signo de qualidade não se mostra apto a representar. Estes signos que assim se
configuram e que representam seus objetos por semelhança são chamados “hipo-ícones”. Há três formas
distintas de esse signo de possibilidade apresentar-se: a imagem, que mantém uma relação de analogia
qualitativa com o objeto que representa; o diagrama, que mantém uma analogia de relação, internamente ao
objeto; a metáfora, que decorre da justaposição entre duas ou mais palavras, pondo em interseção o significado
convencional dessas palavras (SANTAELLA, 1987, p.85-88).
17
Para Löbach (2001, p.68), a todo produto industrial é inerente uma aparência sensorialmente perceptível que
define uma dada função estética. A esta se juntam a função prática, a função simbólica, ou ambas.
Necessariamente, uma das funções terá prevalência sobre as outras. A função estética diz respeito à
configuração dos produtos de acordo com as condições perceptivas do homem. A função prática está
relacionada aos aspectos fisiológicos de uso. E a função simbólica é determinada pelos aspectos espirituais,
psíquicos e sociais do uso. Entendemos, assim, que a hierarquia das funções a serem desempenhadas pelo objeto
pode, portanto, condicionar a sua configuração e seu conseqüente uso.
9
15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006
Distinguindo a finalidade estética própria à obra de arte, vale lembrar, como diz
Barbosa (1995, p.32), que, potencialmente, ela aspira à esteticidade, mesmo quando não a
alcança 18 . Inversamente ao objeto de design, todos os outros fins a ela relativos adquirem um
estatuto suplementar. A abertura estética que a ela é inerente privilegia uma pluralidade de
significados que estão sempre a se renovar.
Assim, tanto na arte quanto no design, são as sucessivas leituras dos produtos que se
configuram como agentes articuladores da reconstrução da(s) função(ões) para eles
pressupostas. Em razão das especificidades intrínsecas a uma ou outra área, tais funções (ou
melhor, os seus fins) se efetivam (ou não) pelo deleite e/ou pelo consumo. Estes usos são
constantemente re-elaborados em razão da confrontação dos dois repertórios: o da produção e
o da recepção, viabilizando, por conseguinte, a cadeia de representações.
Portanto, essa prática dialógica recupera, a todo instante, trocas e diálogos entre
emissor, receptor e contextos. Como distingue Ferrara (1986, p.81): “Leitura, repertório e
atividade interpretante (metalingüística) são os elementos que dão existência, que descobrem
a polifonia da prática moderna da linguagem”. A cada atualização do deleite e/ou do
consumo esses três elementos se cruzam e potencializam novas e sucessivas representações.
18
Vázquez (1999, p.46) considera o estético sem limitá-lo ao artístico, ao tempo que admite o estudo do artístico
sem reduzi-lo ao estético. Assim, corroboramos com o autor, no que tange à perspectiva de se investigar como
se integra esteticamente o extra-estético no contexto da obra de arte.
10
15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006
método heurístico 19 “do projeto” que permeia, de modo geral, o desenvolvimento dos
processos inventivos que se dão no ambiente dessas novas tecnologias.
Como no design, também nesta prática artística com base no modelo, o resultado obtido
decorre do compromisso firmado entre a estrutura instrumental e o projeto previamente
proposto. Logo, a esse modo de criar são inerentes regras de organização, sistema de notação
e leis sintáticas fortes, que influenciam a execução do projeto. Os possíveis desvios e
variações ao modelo, correções e reformulações são feitos em função da objetividade dos
meios e instrumentos produtivos (PLAZA E TAVARES, 1998, p.90-91).
Nessa tendência operativa, ocorre o domínio de uma poética construtiva que se firma na
dependência da tecnologia (ou técnica) utilizada. Deste modo de formar, decorre, portanto,
uma obra burilada, polida, trabalhada, que se abre ao receptor (a depender de sua finalidade
precípua), seja pela dominância de seu funcionamento prático e/ou de seu funcionamento
estético.
Assim, trazendo a discussão para o contexto das mídias digitais e, sobretudo,
considerando que criar é superar o programa inscrito nas memórias tecnológicas, a última
etapa a que nos propomos é apreender em que medida as tecnologias digitais colocam em
suspensão as diferenças conceituais entre arte e design (antes referidas). E é esta etapa que
nos remete, afinal, à suposição embutida no título deste trabalho “arte e design: uma
convergência?”. É neste pressuposto que procuraremos, de modo ainda conjectural, perceber
até que ponto as tecnologias digitais, no caso específico dos computadores vestíveis, podem
aproximar ou mesmo distender a relação entre arte e design.
19
Os métodos heurísticos de criação são admitidos como a trajetória pela qual se chega a um determinado
resultado e são considerados a configuração do caminho percorrido para o alcance da solução do problema.
20
Hug Shirt é um acessório vestível que em conjunto com um telefone celular possibilita trocas de sensações
físicas através de redes de telecomunicação, apesar da distância entre os participantes.
11
15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006
Este corpo possui uma outra geometria que espacializa as relações e cria outras
dialéticas de “interior e exterior”, outros limites para o “dentro e fora”.
Os objetos de comunicação como o rádio, telefone, celular, internet, passaram a
elaborar e a processar formas específicas de relação com o mundo e a existência assim
mediada vem gerando conhecimento de forma indireta e inferida por dispositivos. O
computador vestível vem adicionar possibilidades específicas a esta mediação. Bass (1997)
propõe cinco características para nomear um computador vestível e diferenciá-lo de outros
dispositivos:
it may be used while the wearer is in motion; it may be used while one or both
hands are free, or occupied with other tasks; it exists within the corporeal envelope
of the user, i.e., it should be not merely attached to the body but becomes an integral
part of the person's clothing; it must allow the user to maintain control; it must
exhibit constancy, in the sense that it should be constantly available.
12
15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006
21
relação corpo/rede”. Esta autora nomeia estes dispositivos como bodynets – corpos com
comunicação constante em rede – e valida esta interface não apenas pela sua capacidade
tecnológica, mas pela sua utilização dentro de um contexto social. Em sintonia com esta
autora, Bolter e Gromala (2003, p.122) afirmam que a tecnologia digital não necessariamente
requisita uma desincorporação do usuário e admitem que:
…we are moving toward a philosophy of digital design – interaction design,
sensorial design, experience design, that acknowledges both the place of computers
in the world and the importance of the physical environment within and around the
interface itself.
21
Quem usou o termo bodynet pela primeira vez foi William Mitchell em 1996, no livro City of bits, quando
retratou uma cidade futurística com habitantes equipados com próteses e conectados em rede.
22
Tipo de conexão entre computadores, celulares, PDAs e outros dispositivos eletrônicos para transmissão de
voz e dados, sem fio, via freqüência de rádio. A distância máxima que pode haver entre os dispositivos é de 10
metros e as conexões podem ser ponto-a-ponto ou multiponto.
23
Enquanto um sensor é um dispositivo que detecta uma condição do mundo físico e a converte em um sinal
elétrico ou um dado computacional, um atuador é um dispositivo que converte um sinal elétrico em
ação/movimento no espaço físico.
13
15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006
14
15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006
Mesmo não vinculado exclusivamente ao deleite visto que “Hug shirt” não se mostra
poeticamente autosuficiente, este sistema consegue, com base na mediação entre corpo e
tecnologia (como determinante da construção dos significados possíveis), integrar
experiências emocionais às práticas de uso criativamente pressupostas, ou seja, garante o
prazer do contato entre pessoas geograficamente distantes.
Nesse acessório vestível, a convergência questionada no título do nosso artigo
explicita-se principalmente em razão das identidades relativas às práticas criativas entre arte e
design (antes referidas). Neste exemplo, o processo criativo atualiza um insight mental e o
critério seguido se sustenta no percurso que vai da estrutura ao evento. Em “Hug shirt”, a
“síntese operativa do fazer-pensar” é influenciada e determinada, como diria Plaza e Tavares
(1998, p.91), por uma infra-estrutura tecnológica, em que as potencialidades materiais (diga-
se, imateriais) possibilitam a concretização do projeto, do modelo.
Toda a parafernália tecnológica assegura, afinal, que o objeto utilitário – camiseta (de
comunicação) – se contamine com a possibilidade de irromper dele qualidades emotivas
mantenedoras de uma experiência prazerosa (mas não necessariamente de uma experiência
artística). Apesar de permitir o contato “emotivo” entre pessoas, sendo fonte de “prazer
24
através da imaginação”, “Hug shirt”, na condição de objeto de consumo (e de
comunicação), revela a função de deleite como auxiliar, não sendo esta o seu fim utilitário
imediato, mas sim uma finalidade que lhe vem por primeiro e de forma complementar. Ou
seja, como diz Barbosa (1995, p.31), o objeto de uso procura agradar, sem renunciar à sua
funcionalidade.
Todavia, esta sua condição não exime a possibilidade de que o sistema “Hug shirt”, a
depender dos contextos criativos e receptivos a ele inerentes (e para ele pressupostos),
configure-se também como instrumento para a feitura e a apreciação de uma obra arte. Neste
caso, como se refere Barbosa (1995, p.117), a perda da “pragmaticidade” do objeto é
condição imprescindível para o seu funcionamento artístico. Cabe referir que “Hug shirt” foi
escolhido como o melhor projeto artístico do Festival de Ciberarte de Bilbao, fazendo jus ao
primeiro prêmio deste concurso no ano de 2004.
Portanto, no caso do dispositivo vestível apresentado, a tecnologia aparece, portanto,
como garantia para o design de artefatos eletrônicos que, como afirmam Dunne e Raby
24
Destinado ao mercado (como intenta o grupo “CuteCircuit”), “Hug shirt” explicita correspondência ao signo
icônico utilitário, referido por Ferrara (1986,p.64). Por uma espécie de estranhamento, torna-se um desafio
perceptivo; por vincular-se ao consumo, tem a capacidade de expandir-se entre as massas.
15
15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006
Referências bibliográficas
BARBOSA, P. Metamorfoses do real: arte, imaginário e conhecimento estético. Porto: Afrontamento, 1995.
BASS, L. Conveners report of CHI ’97 Workshop on Wearable Computers, Personal Communication to
attendees. 1997. Disponível em http://www.bham.ac.uk/ManMechEng/IEG/w1.html. Acesso em julho. 2002.
BOLTER, J. D.; GROMALA, D. Windows and mirrors: interaction design, digital art, and the myth of
transparency. Cambridge, MA: The MIT Press, 2003.
BUCHANAN, Richard. Declaration by design: rhetoric, argument, and demonstration in design practice. In:
MARGOLIN, Victor (edit). Design discourse: history, theory, criticism. Chicago: The University of Chicago
Press, 1989. p.91-109.
CHAVES, N. El diseño: ni arte ni parte. In: CALVERA, Anna (ed.).Arte¿? Diseño: nuevos capítulos en una
polémica que viene de lejos. Barcelona: Editorial Gili, 2003. p.119-138.
DENIS, Rafael C. Design, cultura material e o fetichismo dos objetos. Arcos, v.1, p.14-39, 1998.
DUNNE, A.; RABY, F. Design noir: the secret life of electronic objects. London: August/Birkhauser, 2001.
FERRARA, Lucrécia D’A. A estratégia dos signos. São Paulo: Perspectiva, 1986. 197p.
16
15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006
FERRARA, Lucrécia D’A. Desenho industrial: do design ao projeto. In: ______. Design em espaços. São
Paulo: Edições Rosari, 2002. p.49-57.
FERRARA, Lucrécia D’A. El arte en el diseño: um rito de paso. In: CALVERA, Anna (ed.).Arte¿? Diseño:
nuevos capítulos en una polémica que viene de lejos. Barcelona: Editorial Gili, 2003. p.173-182.
FONTANA, R. Reflexiones sobre la compleja relación entre el arte y el diseño. In: CALVERA, Anna
(ed.).Arte¿? Diseño: nuevos capítulos en una polémica que viene de lejos. Barcelona: Editorial Gili, 2003. p.75-
85.
LÖBACH, B. Design industrial: bases para a configuração dos produtos industriais. São Paulo: Ed. Edgard
Blücher, 2001.
MALDONATO, M. Decisões que a razão desconhece. Scientific American Brasil. Ano33, n.3, p.76-82, 2005.
OSBORNE, H. Estética e teoria da arte: uma introdução histórica. 2 ed. São Paulo: Cultrix;Edusp, 1974.
PLAZA, J. Arte, ciência, pesquisa: relações. Trilhas. Revista do Instituto de Artes da Unicamp. jul./dez. 1997.
PLAZA, J. Estética e semiótica da arte: fundamentos. (Apostila de curso). Campinas: Instituto de Artes da
Unicamp, 1998.
PLAZA, Julio; TAVARES, Monica. Processos criativos com os meios eletrônicos: poéticas digitais. São
Paulo: Hucitec, 1998. 248p.
PROVIDÊNCIA, F. Algo más que una hélice. In: CALVERA, Anna (ed.).Arte¿? Diseño: nuevos capítulos en
una polémica que viene de lejos. Barcelona: Editorial Gili, 2003. p.195-213.
RICARD, A. Diseño¿el arte de hoy? In: CALVERA, Anna (ed.).Arte¿? Diseño: nuevos capítulos en una
polémica que viene de lejos. Barcelona: Editorial Gili, 2003. p.87-99.
SANTAELLA, L. A teoria geral dos signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995.
TAVARES, M. Fundamentos estéticos da arte aberta à recepção. Revista Ars, São Paulo, v.1, n. 2, p.31-43,
2003.
VISEU, A. Sociotechnical worlds: the visions and realities of bodynets.. Doctoral Thesis proposal. 2002.
ZIMMERNANN, Y. El arte es arte, el diseño es diseño. In: CALVERA, Anna (ed.).Arte¿? Diseño: nuevos
capítulos en una polémica que viene de lejos. Barcelona: Editorial Gili, 2003. p.57-73.
VÁZQUEZ, Adolfo S. Convite à estética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
17