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15º Encontro Anual da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de

Pós-Graduação em Comunicação. UNESP-Bauru, 6 a 9 de junho de 2006

ARTE E DESIGN:
1
uma convergência?

Monica Tavares 2
Vera Bonnemasou 3
Luisa Paraguai Donati 4
Tomas Sniker 5

Resumo: Este artigo pretende investigar as relações de semelhança e diferença


entre a arte e o design tendo como base a semiótica peirceana assim como o
processo comunicacional que sustenta a dialética entre criação e recepção nos
contextos dessas duas áreas de estudo. Por meio de um exemplo, visa apreender em
que medida o uso da tecnologia digital, no caso específico de computadores
vestíveis, pode aproximar ou mesmo distender a relação entre arte e design.

Palavras-Chave: arte. design. comunicação.

Arte e design constituem um modelo de interdisciplinaridade se forem analisados


dentro da teoria semiótica, respectivamente como primeiridade e terceiridade. É dessa
relação, como se sabe, que resulta “a síntese operativa do fazer-pensar” que aponta para esta
comparação entre arte e design, desde que a primeiridade privilegia a arte e a terceiridade, a
ciência. É esta relação criativa que aparece como capaz de iluminar qualquer poética, como
tão bem definiu Julio Plaza (1997, p.31) no artigo seminal: Arte, Ciência, Pesquisa: Relações.
Em primeiro lugar, cabe referir o processo de comunicação que mantém a feitura e a
leitura do objeto de arte e o de design. Um dado emissor (artista, designer, arquiteto etc)
constrói uma mensagem (estratégias de leitura) a ser percebida por um determinado sujeito
em razão da confrontação de seu repertório com o da emissão. É por este processo que se
constroem os sucessivos significados tornados efetivos em razão das interações entre o
conjunto das possibilidades intersemióticas dos distintos códigos utilizados na criação da
mensagem e o estoque de símbolos conhecidos e usados pelo receptor que determinam sua
1
Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Criação e poéticas digitais”, do XV Encontro da Compós, na
Unesp, Bauru, SP, em junho de 2006. Resultante das leituras e discussões acerca das relações entre arte, design
e comunicação, este trabalho não pretende ser conclusivo, mas sim reflete conjecturas que encaminharão a
continuidade das pesquisas que vêm sendo realizadas no contexto do Grupo de Pesquisa em Arte, Design e
Mídias Digitais, recentemente criado junto ao Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e
Artes da USP.
2
Docente do Departamento de Artes Plásticas, ECA / USP; mbstavares@uol.com.br.
3
Pós-doutora em Artes pelo IA/Unicamp; vera_sou@uol.com.br.
4
Pesquisadora do Grupo Nomads, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, EESC / USP;
luisaparaguai@terra.com.br.
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Mestrando do Programa de Pós-graduação em Artes da ECA/USP; tsniker@yahoo.com.br.

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competência e sua performance em decifrar a mensagem, seja esta de dominância icônica,


referencial ou simbólica, estabelecida para o deleite ou para o consumo.
Se há consenso que a dialética entre criação e recepção, tanto no contexto da arte
quanto no do design (mesmo com distintas hierarquias), se embasa no processo
comunicacional antes referido, para entendermos como tais práticas se manifestam
contemporaneamente, é primordial, como faz Chaves (2003, p.129), entender o entorno
semântico a partir do qual se torna possível compreender as relações entre essas duas áreas e
distinguir a efetiva polissemia de ambas as noções.

1. O trinômio, arte, design e comunicação


Visto que o acesso ao mundo ocorre por meio de uma linguagem simbólica, vale dizer,
por meio dos signos, não temos acesso imediato ao real. Para atingi-lo temos que construir
uma representação da realidade mediante uma interpretação simbólica que funciona por meio
de códigos culturais compartilhados. Estes códigos funcionam como filtros, permitindo
apenas captar o real pré-interpretado. Neste contexto, Evaert-Desmedt (2001, p.3) acrescenta:

… toda tentativa de pensar "diferente", de concebir de otra manera lo real, implica


una actividad de deconstrucción y reconstrucción de códigos. Esta actividad
caracteriza no solamente el uso poético de la lengua, sino toda creación artística, sea
cual sea el tipo de lenguaje utilizado: imágenes, gestos, espacios. Toda experiencia
artística necesita a la vez el dominio del simbolismo establecido y su subversión.

Para a autora (2001, p.3-4), esta subversão ocorre graças ao impulso do possível
(primeiridade) que apenas pode formular-se por meio do simbolismo (terceiridade). Se não se
formula fica condenado ao caos, à indistinção e à loucura.
Assim, a comunicação artística acontece (no nível da secundidade) quando a
primeiridade se infiltra na terceiridade. Este acontecimento se dá tanto no pólo do emissor
quanto no do receptor e nesses dois âmbitos ocorre o domínio de um simbolismo que se
rompe graças à intrusão de forças da primeiridade.
É por meio de uma rede simbólica, instituída pelo próprio artista, que caminhamos
rumo ao possível e tomamos contato com um novo real, ou seja, nossa apreensão das coisas
estará mudada, nossa visão do real terá mudado em contato com o possível, e isto é o que
Evaert-Desmedt (2001, p.5) denomina “comunicação artística”.
Por outro lado, o design como desígnio consiste em uma decisão e esta nada mais é que
a capacidade de escolha ditada pela razão. Porém, já se foi o tempo em que a razão era
considerada uma faculdade humana. Hoje ela é tida, antes, como um lugar para onde se

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dirigem as aspirações que temos de uma certa objetividade. Assim, do mesmo modo que a
terceiridade contém a primeiridade, a objetividade está prenhe de subjetividade sendo mesmo
impossível traçarmos entre elas uma linha de demarcação. Não sabemos onde acaba o eu e
começa o objeto. Desconhecemos o grau zero da percepção.
Cabe ao designer a decisão de ser racional e isto não implica em eliminar a
subjetividade, mas apenas ter a “capacidade de identificar determinadas contradições, saber
controlá-las e refutá-las” (MALDONATO, 2005, p.81).
Portanto, considerando a dominância do terceiro, no caso do design (em razão de a
decisão desenhar o futuro), e do primeiro, no caso da arte (em razão de um novo simbolismo
se elaborar, integrando algo de possível, como afirma Everaert-Desmedt, 2001, p.4), intenta-
se apreender os papéis da arte e do design na sociedade, desde que, parafraseando Arnheim,
mantenha-se a distinção de “para que servem e sobre o que versam”. Deste modo, estaremos
tirando-os de uma região nebulosa em que se encontram e colocando-os mais próximos,
graças à comunicação. Temos assim como uma utopia concreta o trinômio Arte / design /
comunicação.

2. Diferenças e similaridades
2.1. Das noções de arte
Para compreender os usos do termo “arte”, além do texto “El diseño: ni arte ni parte” de
Norberto Chaves, recorreremos ao estudo de Harold Osborne, no livro “Estética e Teoria da
Arte”, no qual este pensador propõe três categorias básicas relacionadas à arte, não
totalmente exclusivas nem rigidamente distintas. Com relação à arte do ocidente 6 , Osborne
(1974, p.19-27) ressalta três grupos de interesse: a) o interesse pragmático, relacionado ao
grupo das teorias instrumentais da arte (a arte como manufatura; a arte como instrumento de
educação ou aprimoramento; a arte como instrumento de doutrinação religiosa ou moral; a
arte como instrumento da expressão ou da comunicação da emoção; a arte como instrumento
da vicária expansão da experiência); b) o interesse pela arte como reflexo ou cópia, vinculado
às teorias naturalistas (o realismo: a arte como reflexo do real; o idealismo: a arte como
reflexo do ideal; a ficção: a arte como reflexo da realidade imaginativa ou do ideal

6
Osborne afirma que as atitudes orientais para com a arte e as teorias que delas decorrem não se enquadram
adequadamente a este esquema. Em razão disto, em capítulo específico intitulado “A estética da arte pictórica
chinesa” (sobretudo considerando os pontos de vista da estética chinesa e a da indiana) expõe um relato
comparativo das atitudes orientais com as ocidentais.

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inatingível); c) o interesse estético, relativo às teorias formalistas da arte (a arte como criação
autônoma; a arte como unidade orgânica). Em razão do objetivo de nosso artigo, não cabe
aqui definir todas essas teorias, mas sim destacar aquelas que nos interessam para
fundamentar a nossa argumentação acerca das relações entre arte e design.
Portanto, com base no recorte do estudo de Chaves (2003, p.129) e no contexto das
relações entre arte e design, reduzimos os usos do termo arte a dois paradigmas distintos por
ele referidos: o dos ofícios e o das práticas especificamente poéticas. Esses paradigmas se
relacionam respectivamente às teorias instrumentais e formalistas, anteriormente citadas, as
quais, por sua vez, situam-se com base em Plaza (1998, p.17-18), nas categorias de arte em
que, na devida ordem, o significado e a sintaxe são relativamente dominantes.
Os critérios pertinentes ao primeiro grupo, o qual tem sua primeira expressão nos
escritos dos filósofos gregos, são, como se refere Osborne (1974, p.20) “o valor do fim
servido, ou que se supõe servido, pela obra de arte; a eficácia da obra de arte para este fim; e
a qualidade da sua execução”. Oposto à atitude moderna da autonomia da arte, aqui, o motivo
estético não é deliberado, o que não se nega que ele pode ou tenha participado tanto do
momento da feitura do objeto quanto da apreciação do mesmo.
No que concerne ao segundo paradigma, que se liga à noção de abertura estética, a obra
de arte se dispõe como uma experiência poética auto-suficiente. Chaves (2003, p.129) refere-
se à arte como prática autônoma de toda outra utilidade 7 , sendo uma experiência de sintonia
entre autores e receptores, e destes com os padrões culturais vividos. Neste pressuposto,

... el oficio, indispensable en toda gran manifestación del arte, queda subsumido
dentro de la producción puramente poética como un simple medio: […]. Desde que
el arte se libera de su servidumbre ritual (al trabajo, a la fiesta, al culto religioso, al
protocolo político o la pompa militar), la experiencia poética adquiere sentido em sí
mesma.

Assim, no primeiro paradigma domina a noção de arte como manufatura, artesanato,


design que busca a beleza funcional, enquanto que no segundo, a atitude poética sobressai.
8
Portanto, ao longo da história, a arte se desloca da noção de utilidade para a de inutilidade

7
Não esqueçamos a proposta de Pareyson (1989, p.29) de que as noções de arte como fazer, de arte como
conhecimento e de arte como expressão podem se contrapor e se excluir umas às outras, ou, pelo contrário,
podem se aliar e se combinar. A partir deste pressuposto, Tavares (2003, p.31-35) argumenta que estas três
noções de arte, quando manifestas de forma excludente e absolutizadas em si mesmas, não bastam para explicar
a idéia de abertura estética.
8
É importante não esquecer que, como diz Barbosa (1995, p.118-119), se em um dado momento a obra de arte
se desconexa com a esfera prática do real imediato, em outro momento de significação ela reenvia o seu

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(ou melhor, para a de gratuidade) e a obra se firma como ponte, elo, mediação entre emissão e
recepção 9 .

2.2. Das noções de design


A princípio, cabe aqui reafirmar o que é por demais sabido, ou seja, que a palavra de-
sign procede da junção da preposição de e do sufixo signum supondo um significado que,
como diz Ferrara (2002, p.52), “ocorre com respeito a ou conforme um sinal, um indício, uma
representação”. Tal afirmação referencia a conhecida concepção de design como desígnio,
intenção, propósito, enfim, projeto.
Com base na argumentação de Chaves (2003, p.130-131), que assume e reforça a
acepção de design como a “... prefiguración em general independientemente del campo y
especialidad”, vale destacar a troca qualitativa de natureza contemplada no seio desta
atividade. De uma estreita associação com a produção de objetos de uso (herança do
artesanato e da arquitetura), o design passa a se configurar basicamente como uma prática
universal de planejamento do “producto-a-secas” 10 . Ao se transferir da categoria de artes
aplicadas para a de um trabalho de prefiguração de qualquer tipo de produto, o design
delimita-se, sobretudo, como ação projetual, tornando-se, basicamente, uma atividade
combinatória das variáveis que influenciam na definição do produto. Estas variam segundo
programas e áreas específicas. Neste pressuposto, o design “… abandona el paradigma de
los âmbitos de la cultura y se localiza, ‘debajo’ de todos ellos, como una fase de su proceso
productivo”. Isto se dá em conseqüência da instauração da “sociedade hiperindustrial”, um
fato macroeconômico que ao incidir sobre a atividade transforma-a substancialmente. Assim,
em conformidade às palavras do autor argentino (2003, p.132), vale referir que o design não
… constituye, por lo tanto, un ámbito específico de la cultura como puede ser el
arte, la ciencia, la religión, el deporte o la política. Se trata de un medio de

discurso ao mundo real. Citando Maurice-Jean Lefèbve, a partir do livro “Estrutura do discurso da poesia e da
narrativa” (Coimbra: Almedina, 1975), Barbosa afirma que a “gratuidade” da arte dá-se nas esferas da ação
prática e do mundo da ciência ou da tecnologia, mas que, para além disso, o discurso estético permanece
“interessado”, pois é dirigido para uma aparição particular do mundo e de sua realidade.
9
Unindo-se estes dois paradigmas aparece o signo icônico utilitário, considerado o signo do design moderno. A
iconicidade designada ao Signo Utilitário explica seu caráter duplo, ambíguo, que reside na coexistência de seu
caráter persuasivo e de sua natureza icônica, que o caracteriza como um signo estético. Seu caráter persuasivo se
deve, não só a sua capacidade de adaptar-se à massificação, mas também à sua natureza utilitária. Por outro
lado, o seu caráter estético encontra-se em sua própria iconicidade que, segundo Ferrara, “(...) atende à
necessidade de permanecer como um desafio à capacidade perceptiva, intensificando-a e, sobretudo,
diversificando-a” (FERRARA, 1986, p.64).
10
A expressão "a secas" significa "somente", "sem mais nada". Como refere o autor (2003, p.130), trata-se de
“una pura actividad transformadora sin definición de objeto".

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producción, un insumo tecnológico peculiar, una técnica de planificación del


producto, cualquiera que éste sea: una “tecnología conceptual abstracta”.

Todavia, é evidente que se o projeto é o elemento que dá sustentação à atividade do


design, este se tem alimentado, ao longo de sua existência, de variáveis diversas que
justificam historicamente o seu viés estético e retórico 11 que se modifica ao longo do tempo.
Como lembra Denis (1998, p.37):
Toda sociedade projeta (investe) na sua cultura material os seus anseios ideológicos
e/ou espirituais e se aceitamos esta premissa, logo é possível conhecer uma cultura
– pelo menos em parte – através do legado de objetos e artefatos que ela produz ou
produziu.

Nesta perspectiva, e pactuando com a opinião de Fontana (2003, p.83), entendemos que
“... el diseño no es arte, pero eso no implica que deba reducirse unicamente a um proceso
mecânico de planificación y de método”.
Deste modo, o que aqui não se intenciona é digressionar pelas várias definições de
design, haja visto que historicamente tal atividade se desloca entre a dominância de uma
função prática, de uma função estética e/ou de uma função simbólica, que, respectivamente,
refletem prerrogativas e paradigmas distintos. Pretende-se, sobretudo, destacar a
especificidade projetual do design, seja como a pensa Chaves ou mesmo como a admite
Ferrara (2003, p.178-181). Para a autora, com a reprodutibilidade eletrônica ocorre, sim, uma
troca de sentido da atividade de projeto, voltada, contudo, para a criação da informação,
convertendo, deste modo, o receptor em colaborador do design. Neste caso, o projeto põe em
cena outro rito que tem como centro o homem e a sua capacidade criativa. Nesta conjectura, é
importante referir, segundo a autora (2003, p.180), que:
… el diseño puede repensar los comportamientos colectivos emanados de la
rigurosa funcionalidad tipológica y sus comportamientos establecidos por el
mercado, con el fin de que sea posible la creación de una esfera social en la que, a
través del diseño, se comuniquen valores, percepciones e identidades surgidos del
sistema de significados que propone el propio diseño.

Assim, independente para qual viés se incline o design e considerando que a diferença
entre este e a arte não guarda, como comenta Chaves (2003, p.128), relação exclusiva com a
oposição subjetivo-objetivo nem com o antagonismo individual-coletivo, o que até aqui se

11
A retórica é inerente ao significado do design, pois embora a poética lhe seja imprescindível a retórica deve
precedê-la visto que o design está subordinado a “...factores que tienen que ver con la naturaleza humana, las
condiciones sociales, los mitos culturales y así sucesivamente.” (BUCHANAN, 2005, p.5 e p.9).

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pode apreender é que o objeto de arte e o objeto de design procedem de campos distintos,
atendem prioritariamente a finalidades diferentes.
Não obstante a obra de arte e o objeto do design serem bens culturais, como afirma
Fontana (2003, p.85), de cada uma se espera coisas distintas, cada uma projeta esperanças
particulares.

2.3. Da construção dos significados: o deleite e/ou o consumo


Torna-se cada vez premente, conforme Tavares (2005, p.8), refletir sobre a
importância que a atividade de design absorve no contexto atual, visto ser ela capaz de
fomentar a representação de símbolos que sustentam e inserem os indivíduos na sociedade.
Segundo Buchanan (1989, p.95-96), o designer é aquele indivíduo que em vez de
simplesmente criar um objeto ou coisa, na realidade, propõe um argumento persuasivo que
toma vida quando um usuário considera ou utiliza o produto como meio para certo fim.
Influenciada por três elementos que estipulam a substância e a forma da comunicação – um
logos (dado pelo argumento tecnológico), um ethos (dado pelo caráter da produção) e um
pathos (dado pela emoção) (BUCHANAN, 1989, p.96-105) 12 , a construção desse argumento
retórico sustenta a atividade projetual, e também a criativa 13 , como forma de, a quaisquer
circunstâncias, incentivar as respostas do homem às coisas do dia a dia do mundo 14 .
Portanto, ao julgarmos que a construção desse argumento retórico também pode ser
inerente à prática artística, acredita-se que, em correspondência à peculiar funcionalidade
deste tipo de enunciado, tal prática se constrói sob bases e estruturas comunicacionais
similares à prática do design, entretanto, com vistas a alcançar finalidades diferentes.

12
Para este autor, o logos diz respeito à maneira como o designer manipula os materiais e processos para
solucionar problemas práticos da atividade humana. O ethos refere-se à forma que os designers elegem para
representar-se a si mesmos nos produtos, não como são, mas como desejam ser. E o pathos corresponde à
perspectiva de persuadir a audiência, no intuito de o produto ser emocionalmente desejável e valioso.
13
A arte da retórica não mais compreendida em sua relação com o verbal, mas sim, de modo mais amplo, em
relação ao pensamento, determina que as artes visuais possam ser analisadas intelectualmente, criticadas e
melhoradas de acordo com leis. Assim, a arte da retórica deve ser compreendida como “... un arte de concebir y
planear todos los tipos de productos que los seres humanos sean capaces de crear” (BUCHANAN, 2005,
p.25).
14
Tais respostas são determinadas por uma variedade de fatores. Alguns externos à pessoa, controlados pelo
designer, pelo marketing ou pela publicidade. Outros são internos, provenientes de suas próprias experiências.
Conforme Ferrara (1986, p.61), o repertório de um indivíduo é composto não só de informação programada
constituída pelo interpretante final, mas também de informação não programada constituída pelos interpretantes
imediato e dinâmico.

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Tanto a arte quanto o design se sustentam em processos que destacam, por conseguinte:
o emissor (e o argumento retórico); a mensagem (e a funcionalidade); o receptor (e a
necessidade).
Assim, por vias das estruturas comunicacionais, são os três elementos básicos –
emissor, mensagem e receptor – (e seus respectivos contextos), que garantem à arte e ao
design se firmarem como práticas retóricas (não esquecendo que uma mensagem se refere a
algo, se veicula por um canal e se constrói com base em códigos).
Por outro lado, admitindo que na prática do design o projeto é o caminho para a
criação, podemos supor que, em alguns casos, a arte compartilha com o design identidades
em relação aos seus modos de formar. Como, por exemplo, é o caso das práticas artísticas
(cubismo, minimalismo, construtivismo, dodecafonismo, poesia concreta etc.) em que ao se
examinar a possibilidade de concretização do problema estabelece-se na mente criativa o
espelho da solução a ser materializada.
No entanto, é o estudo da trilogia forma / função / uso que nos informará como se
sustenta a construção dos significados relativos aos objetos de arte e design, em suma,
possibilitando-nos confirmar as finalidades retóricas próprias a cada uma dessas duas áreas.
Portanto, passaremos agora ao estudo de como os elementos dessa trilogia se
relacionam. Em referência à semiótica peirceana (e com base em PIGNATARI, 1989, p.99-
104), admitiremos, por conseguinte, que a forma é o signo, a função é o objeto e o uso é o
interpretante. Neste sentido, a forma é o elemento mediador entre a função e o uso, na medida
em que esta mediação (do signo em relação ao objeto) implica a construção dos significados
possíveis, a produção da cadeia de representações. Por outro lado, considerando a questão da
determinação (SANTAELLA, 1995, p.38-41), pode-se afirmar que a forma determina o uso,
contudo ela só o faz, pois, a princípio, ela é determinada pela função proposta para o produto.
Assim sendo, o uso, que pressupõe a atividade de transformação da função do produto
em novo(s) significado(s) e, que, por outro lado, visa atender as necessidades dos usuários,
implica o reconhecimento e a decodificação do argumento retórico proposto pelo artista ou
designer. O produto passa a significar para o receptor ou intérprete, em função do seu
repertório conseguir (ou não) refazer o caminho trilhado pela criação. Como processo
contínuo de descobertas de significados, esta decodificação dá a possibilidade da forma ser
interpretada como se referindo à determinada função. Os usos possíveis decorrem, portanto,
das trocas estabelecidas entre o repertório do emissor e o do receptor, sendo eles passíveis de

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serem determinados em função da forma do produto evidenciar graus diferentes de


semioticidade: a iconicidade, a indicialidade e a simbolicidade.
Admitindo que a forma determina o uso (ou a negação dele, nos casos em que domina a
primeiridade) e que ela é determinada pela função proposta para o produto, entendemos que
os diferentes contextos relativos tanto à arte quanto ao design subsumem a dialética já
referida, entre o útil e o inútil, inerente à forma de o objeto se inserir na sociedade. Tal
dialética reforça o fulcro da distinção inerente aos seus processos de recepção. Ou seja, revela
a diferenciação de dominância dos significados passíveis de serem gerados na sucessão da
cadeia de representação.
No que tange aos seus usos, enquanto a arte (de modo contraditório, mas não
15
antagônico ao consumo ), tende à primeiridade 16 , o design (pela premência dele) tende à
terceiridade 17 , enfim, à perspectiva de o produto comunicar atendendo às necessidades e
aspirações dos usuários (e às estratégias de marketing e publicidade).
Destacando a finalidade pragmática própria ao design, cabe assim referir as palavras de
Zimmernann (2003, p.70):
Un proyecto de diseño presupone siempre un encargo, lo que implica alguna forma
de briefing en él que se exponen las exigencias con las que debe cumplir un diseño:
el mercado en el que se insertará, su competencia, su precio, los materiales con que
se fabricará, etc. Otra de las exigencias es la comunicabilidad del objeto que se va
a diseñar. Debe poder comunicar determinados conceptos a través de su aspecto
(grifo nosso). Estos conceptos son expresados en palabras y tienen su sentido en el
ámbito del lenguaje. Pero estos conceptos los debe transmitir el diseño a través de
sus colores, signos, formas, materiales, texturas, etc., para que a un receptor le
evoquen los conceptos o significaciones.

15
Não desconsiderando que haja uma dimensão econômica da obra de arte, vale referir, com base em Barbosa
(1995, p.240), que seria errado admitir a arte em oposição a tudo o que não é arte. Neste sentido, corroboramos
com o autor ao reconhecer que o campo artístico se intersecciona com outros conjuntos das práticas sócio-
culturais com as quais a arte mantém simultaneamente afinidades e oposições.
16
É importante referir que o signo de qualidade não se mostra apto a representar. Estes signos que assim se
configuram e que representam seus objetos por semelhança são chamados “hipo-ícones”. Há três formas
distintas de esse signo de possibilidade apresentar-se: a imagem, que mantém uma relação de analogia
qualitativa com o objeto que representa; o diagrama, que mantém uma analogia de relação, internamente ao
objeto; a metáfora, que decorre da justaposição entre duas ou mais palavras, pondo em interseção o significado
convencional dessas palavras (SANTAELLA, 1987, p.85-88).
17
Para Löbach (2001, p.68), a todo produto industrial é inerente uma aparência sensorialmente perceptível que
define uma dada função estética. A esta se juntam a função prática, a função simbólica, ou ambas.
Necessariamente, uma das funções terá prevalência sobre as outras. A função estética diz respeito à
configuração dos produtos de acordo com as condições perceptivas do homem. A função prática está
relacionada aos aspectos fisiológicos de uso. E a função simbólica é determinada pelos aspectos espirituais,
psíquicos e sociais do uso. Entendemos, assim, que a hierarquia das funções a serem desempenhadas pelo objeto
pode, portanto, condicionar a sua configuração e seu conseqüente uso.

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Distinguindo a finalidade estética própria à obra de arte, vale lembrar, como diz
Barbosa (1995, p.32), que, potencialmente, ela aspira à esteticidade, mesmo quando não a
alcança 18 . Inversamente ao objeto de design, todos os outros fins a ela relativos adquirem um
estatuto suplementar. A abertura estética que a ela é inerente privilegia uma pluralidade de
significados que estão sempre a se renovar.
Assim, tanto na arte quanto no design, são as sucessivas leituras dos produtos que se
configuram como agentes articuladores da reconstrução da(s) função(ões) para eles
pressupostas. Em razão das especificidades intrínsecas a uma ou outra área, tais funções (ou
melhor, os seus fins) se efetivam (ou não) pelo deleite e/ou pelo consumo. Estes usos são
constantemente re-elaborados em razão da confrontação dos dois repertórios: o da produção e
o da recepção, viabilizando, por conseguinte, a cadeia de representações.
Portanto, essa prática dialógica recupera, a todo instante, trocas e diálogos entre
emissor, receptor e contextos. Como distingue Ferrara (1986, p.81): “Leitura, repertório e
atividade interpretante (metalingüística) são os elementos que dão existência, que descobrem
a polifonia da prática moderna da linguagem”. A cada atualização do deleite e/ou do
consumo esses três elementos se cruzam e potencializam novas e sucessivas representações.

3. Arte, design e tecnologia


Percebemos no decorrer da montagem deste texto que, não obstante as similaridades de
base estrutural que unem arte e design, tomadas em relação ao processo comunicacional que
as sustenta, são claras as diferenças conceituais estabelecidas em relação às suas finalidades
retóricas.
Por outro lado, depreende-se que identidades existem entre essas áreas, principalmente
ao estabelecermos um paralelo com o processo de criação artística a partir do uso das mídias
digitais e o método de criação utilizado no design, denominado como “do projeto” (ou “do
engenheiro”), cujo critério é o desenho interno.
Mesmo considerando que no contexto das poéticas digitais pode-se criar em referência
a um paradigma mental, com base em uma experimentação e/ou a partir de recriações, é o

18
Vázquez (1999, p.46) considera o estético sem limitá-lo ao artístico, ao tempo que admite o estudo do artístico
sem reduzi-lo ao estético. Assim, corroboramos com o autor, no que tange à perspectiva de se investigar como
se integra esteticamente o extra-estético no contexto da obra de arte.

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método heurístico 19 “do projeto” que permeia, de modo geral, o desenvolvimento dos
processos inventivos que se dão no ambiente dessas novas tecnologias.
Como no design, também nesta prática artística com base no modelo, o resultado obtido
decorre do compromisso firmado entre a estrutura instrumental e o projeto previamente
proposto. Logo, a esse modo de criar são inerentes regras de organização, sistema de notação
e leis sintáticas fortes, que influenciam a execução do projeto. Os possíveis desvios e
variações ao modelo, correções e reformulações são feitos em função da objetividade dos
meios e instrumentos produtivos (PLAZA E TAVARES, 1998, p.90-91).
Nessa tendência operativa, ocorre o domínio de uma poética construtiva que se firma na
dependência da tecnologia (ou técnica) utilizada. Deste modo de formar, decorre, portanto,
uma obra burilada, polida, trabalhada, que se abre ao receptor (a depender de sua finalidade
precípua), seja pela dominância de seu funcionamento prático e/ou de seu funcionamento
estético.
Assim, trazendo a discussão para o contexto das mídias digitais e, sobretudo,
considerando que criar é superar o programa inscrito nas memórias tecnológicas, a última
etapa a que nos propomos é apreender em que medida as tecnologias digitais colocam em
suspensão as diferenças conceituais entre arte e design (antes referidas). E é esta etapa que
nos remete, afinal, à suposição embutida no título deste trabalho “arte e design: uma
convergência?”. É neste pressuposto que procuraremos, de modo ainda conjectural, perceber
até que ponto as tecnologias digitais, no caso específico dos computadores vestíveis, podem
aproximar ou mesmo distender a relação entre arte e design.

3.1. “Hug shirt” 20 : experiência de deleite e de consumo


O mundo e a sociedade passaram a ser compreendidos e apreendidos de outras
maneiras a partir do advento digital. Nas últimas décadas, assistimos a (e participamos de)
uma transformação da sociedade dentro da qual a informação se instaurou como moeda de
troca e a velocidade de transmissão de dados passou a ditar os parâmetros para as relações
humanas.

19
Os métodos heurísticos de criação são admitidos como a trajetória pela qual se chega a um determinado
resultado e são considerados a configuração do caminho percorrido para o alcance da solução do problema.
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Hug Shirt é um acessório vestível que em conjunto com um telefone celular possibilita trocas de sensações
físicas através de redes de telecomunicação, apesar da distância entre os participantes.

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O Ciberespaço vem sendo discutido amplamente desde a difusão do computador


pessoal e de sua interconexão dando origem à internet, se expandindo como algo vivo sobre o
planeta. A interconexão digital de computadores e meios de comunicação possibilitou a
articulação de informações de modo inédito e lançou à humanidade novos modos de perceber
e sentir as coisas.
O código binário que possibilitou o grande boom da informática dando início a estas
mudanças faz do Ciberespaço um meio fértil para a produção de linguagens. A corporeidade
tem também sofrido transformações. No contexto tecnológico atual das redes tele-
informáticas, o homem pode ser encontrado em todo lugar, manipulado pela engenharia
genética e invadido pela nanotecnologia. O que estas tecnologias estão provocando são
modificações na espacialidade corpórea dos indivíduos. Ou melhor, como diz Bruno (apud
SANTAELLA, 2004, p.29): “o que elas transformam são as ‘fronteiras do humano’ ”. E essa
mudança se revela
[nos] limites que o habitam e o constituem (matéria/espírito) e os limites que
diferenciam a experiência imediata e suportada por sua corporeidade biológica,
natural e territorial e a experiência mediada por artefatos tecnológicos
(presença/ausência, real/simulacro, próximo/longíquo)”.

Este corpo possui uma outra geometria que espacializa as relações e cria outras
dialéticas de “interior e exterior”, outros limites para o “dentro e fora”.
Os objetos de comunicação como o rádio, telefone, celular, internet, passaram a
elaborar e a processar formas específicas de relação com o mundo e a existência assim
mediada vem gerando conhecimento de forma indireta e inferida por dispositivos. O
computador vestível vem adicionar possibilidades específicas a esta mediação. Bass (1997)
propõe cinco características para nomear um computador vestível e diferenciá-lo de outros
dispositivos:
it may be used while the wearer is in motion; it may be used while one or both
hands are free, or occupied with other tasks; it exists within the corporeal envelope
of the user, i.e., it should be not merely attached to the body but becomes an integral
part of the person's clothing; it must allow the user to maintain control; it must
exhibit constancy, in the sense that it should be constantly available.

Viseu (2002, p.6), ao enfatizar uma abordagem sócio-técnica, entende os computadores


vestíveis como o produto de vários contextos: “ubiquitous computing – a relação
ambiente/rede, wearable computing – a relação corpo/tecnologia e personal computing – a

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relação corpo/rede”. Esta autora nomeia estes dispositivos como bodynets – corpos com
comunicação constante em rede – e valida esta interface não apenas pela sua capacidade
tecnológica, mas pela sua utilização dentro de um contexto social. Em sintonia com esta
autora, Bolter e Gromala (2003, p.122) afirmam que a tecnologia digital não necessariamente
requisita uma desincorporação do usuário e admitem que:
…we are moving toward a philosophy of digital design – interaction design,
sensorial design, experience design, that acknowledges both the place of computers
in the world and the importance of the physical environment within and around the
interface itself.

Neste sentido, os sistemas vestíveis não apenas incorporam a fisicalidade do espaço


como também a do próprio corpo do usuário. Desta forma, reconhece-se a potencialidade
deste sistema vestível em estender e reprojetar as atividades e relações humanas no tempo e
espaço e de sintetizar assim algumas tendências contemporâneas como mobilidade, acesso
contínuo à informação, personalização, controle e trabalho em rede.
O trabalho “Hug shirt” do grupo “CuteCircuit” (http://www.cutecircuit.com) foi
escolhido por referenciar toda essa tecnologia invasiva dos meios de comunicação que vêm
apagando gradativamente a diferença métrica e tornando tudo igualmente perto ou longe. O
suporte escolhido pelos artistas (Francesca Rosella e Ryan Genz) para compor o computador
vestível é uma peça básica do vestuário – uma camiseta. O dispositivo possui tecnologia
22
bluetooth para conectar-se ao celular do usuário e assim, ambos configuram um sistema de
comunicação capaz de trocar sensações físicas, como um abraço, apesar da distância entre os
participantes.
A parte eletromecânica do dispositivo possui packs com sensores e atuadores 23 , que são
facilmente acoplados e podem ser reposicionados em certas áreas circulares ao longo da
camiseta (ver FIG. 1). Estes círculos não foram determinados aleatoriamente, mas
formalizam visualmente as regiões mais comuns em que as pessoas costumam tocar-se
enquanto se abraçam. Em cada pack, os sensores monitoram a força do toque, a temperatura

21
Quem usou o termo bodynet pela primeira vez foi William Mitchell em 1996, no livro City of bits, quando
retratou uma cidade futurística com habitantes equipados com próteses e conectados em rede.
22
Tipo de conexão entre computadores, celulares, PDAs e outros dispositivos eletrônicos para transmissão de
voz e dados, sem fio, via freqüência de rádio. A distância máxima que pode haver entre os dispositivos é de 10
metros e as conexões podem ser ponto-a-ponto ou multiponto.
23
Enquanto um sensor é um dispositivo que detecta uma condição do mundo físico e a converte em um sinal
elétrico ou um dado computacional, um atuador é um dispositivo que converte um sinal elétrico em
ação/movimento no espaço físico.

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da pele e o batimento cardíaco de um usuário, enquanto os atuadores são capazes de recriar


toda esta sensação física quando requisitados. As informações capturadas pelos sensores são
enviadas ao celular via bluetooth, que são decodificadas através de um programa dedicado
em tecnologia Java (denominado “Hug me”) antes de serem enviadas via sistema padrão da
telefonia móvel. O outro celular recebe estes dados como uma outra mensagem qualquer, os
decodifica e envia via bluetooth aos atuadores, que irão por sua vez recriar o “abraço
enviado”. Segundo os artistas, a programação inserida em cada celular foi realizada de forma
a considerar as diferenças culturais, sociais, afetivas diante dos vários tipos de abraço que
podem ocorrer, como um abraço de mãe, de namorado, de amigo, entre outros.

FIGURA 01 – A camiseta com os círculos demarcados para acoplamento dos packs.


FONTE - http://www.cutecircuit.com/now/projects/wearables/fr-hugs/. Acesso em: jan/2006.

Os dispositivos vestíveis, diferentemente de outras interfaces, criam a possibilidade dos


usuários acionarem as funções abstratas de lógicas matemáticas e/ou computacionais a partir
de outras características sensórias – não apenas visuais ou sonoras –, formalizando assim
outras formas de deleite e de uso. No sistema “Hug shirt”, esta possibilidade acontece
claramente, pois a camiseta e seus componentes eletromecânicos estão sobrepostos
diretamente ao corpo do usuário e atuam como mediadores entre os estímulos sensórios e o
software. A interface eletrônica atua assim como uma segunda pele, pois, a partir das leituras
dos sensores – dados de caráter fisiológico –, elementos de comunicação não-verbal são
inseridos ao processo comunicacional e evocam experiências “mais viscerais” e não apenas
visuais.

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Mesmo não vinculado exclusivamente ao deleite visto que “Hug shirt” não se mostra
poeticamente autosuficiente, este sistema consegue, com base na mediação entre corpo e
tecnologia (como determinante da construção dos significados possíveis), integrar
experiências emocionais às práticas de uso criativamente pressupostas, ou seja, garante o
prazer do contato entre pessoas geograficamente distantes.
Nesse acessório vestível, a convergência questionada no título do nosso artigo
explicita-se principalmente em razão das identidades relativas às práticas criativas entre arte e
design (antes referidas). Neste exemplo, o processo criativo atualiza um insight mental e o
critério seguido se sustenta no percurso que vai da estrutura ao evento. Em “Hug shirt”, a
“síntese operativa do fazer-pensar” é influenciada e determinada, como diria Plaza e Tavares
(1998, p.91), por uma infra-estrutura tecnológica, em que as potencialidades materiais (diga-
se, imateriais) possibilitam a concretização do projeto, do modelo.
Toda a parafernália tecnológica assegura, afinal, que o objeto utilitário – camiseta (de
comunicação) – se contamine com a possibilidade de irromper dele qualidades emotivas
mantenedoras de uma experiência prazerosa (mas não necessariamente de uma experiência
artística). Apesar de permitir o contato “emotivo” entre pessoas, sendo fonte de “prazer
24
através da imaginação”, “Hug shirt”, na condição de objeto de consumo (e de
comunicação), revela a função de deleite como auxiliar, não sendo esta o seu fim utilitário
imediato, mas sim uma finalidade que lhe vem por primeiro e de forma complementar. Ou
seja, como diz Barbosa (1995, p.31), o objeto de uso procura agradar, sem renunciar à sua
funcionalidade.
Todavia, esta sua condição não exime a possibilidade de que o sistema “Hug shirt”, a
depender dos contextos criativos e receptivos a ele inerentes (e para ele pressupostos),
configure-se também como instrumento para a feitura e a apreciação de uma obra arte. Neste
caso, como se refere Barbosa (1995, p.117), a perda da “pragmaticidade” do objeto é
condição imprescindível para o seu funcionamento artístico. Cabe referir que “Hug shirt” foi
escolhido como o melhor projeto artístico do Festival de Ciberarte de Bilbao, fazendo jus ao
primeiro prêmio deste concurso no ano de 2004.
Portanto, no caso do dispositivo vestível apresentado, a tecnologia aparece, portanto,
como garantia para o design de artefatos eletrônicos que, como afirmam Dunne e Raby

24
Destinado ao mercado (como intenta o grupo “CuteCircuit”), “Hug shirt” explicita correspondência ao signo
icônico utilitário, referido por Ferrara (1986,p.64). Por uma espécie de estranhamento, torna-se um desafio
perceptivo; por vincular-se ao consumo, tem a capacidade de expandir-se entre as massas.

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(2001), deveriam tornar-se um meio para expandir as experiências cotidianas em situações


estéticas complexas de forma a incorporarem alternativas para os valores sociais, culturais,
técnicos e econômicos correntes de um momento histórico.
Aqui, a tecnologia se põe como forma de viabilizar os paradigmas mentais propostos
pelos artistas ou designers. Neste trabalho criativo, distingue-se um tipo de mediação que
reforça o caráter emocional no uso comunicativo do artefato, por conseguinte, aproxima as
relações entre o que é da ordem do sintático com o que é da ordem do pragmático.
No entanto, ainda que em “Hug shirt” as identidades e similaridades entre arte e design
referidas neste artigo se mantenham, até então não se colocaram em total suspensão as
diferenças de função, tão peculiares a essas duas áreas de estudo. A depender do contexto em
que se insere, “Hug shirt” convive na polaridade entre ser um terceiro que tende ao primeiro e
um primeiro que tende ao terceiro.

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