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UMA VIAGEM PELA HISTÓRIA DO ARQUIPÉLAGO DE ILHABELA

Nireuda Longobardi
Engenho.

Francisco de Escobar Ortiz, que tentara, sem


sucesso, estabelecer-se em outra ilha, a da Vitória
do Espírito Santo, construiu os dois primeiros
engenhos de açúcar da Ilha de São Sebastião, mas
sua principal atividade era o comércio de escra-
vos, trazidos de Angola em um navio de sua
propriedade. Na época, o comércio de escravos
ainda era livre.
A Ilha de São Sebastião foi integrada ao terri-
tório da Vila de São Sebastião e assim permane-
ceria até o início do século XIX. Francisco de Escobar
Ortiz foi um dos três primeiros vereadores eleitos
da Vila de São Sebastião.
Após ter alcançado a condição de município,
a Vila de São Sebastião começou a desenvolver-
se com rapidez, em virtude da riqueza oriunda
dos engenhos de açúcar, causando um expres-
sivo aumento da população. O mesmo, porém,
não ocorreu com a Ilha de São Sebastião, onde
a ocupação demográfica se deu de forma bem
Ruínas do período colonial. mais lenta do que no continente fronteiriço.

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A emancipação de
Vila Bela da Princesa

O aumento significativo da população na Ilha aproveitamento das barbatanas e do óleo, sendo


de São Sebastião viria a ocorrer somente na segun- este empregado na iluminação e na construção
da metade do século XVIII, ocasião em que um civil. Os animais capturados eram beneficiados
pequeno povoado começou a ser formado onde em um tipo de estabelecimento denominado de
hoje se localiza o centro turístico de Ilhabela. Por armação. Uma das principais armações do litoral
volta de 1785, esse povoado foi elevado à condi- paulista foi fixada no norte da Ilha de São Sebas-
ção de capela, recebendo o nome de Capela de tião, no local chamado Armação das Baleias, hoje
Nossa Senhora D´Ajuda e Bom Sucesso, santa que conhecido como bairro da Armação.
era cultuada pela comunidade local desde, pelo No final do século XVIII, com o ciclo do açúcar
menos, a virada do século XVII para o XVIII. em franca decadência, muitos engenhos foram
Nessa época, o grande ciclo econômico do simplesmente abandonados no Litoral Norte. Nes-
açúcar já começava a apresentar sinais de declínio, sa altura, a Ilha de São Sebastião contava com uma
mas a pesca da baleia estava em seu auge, com o população espalhada por todo o seu território,
estimada em três mil moradores, cuidando de
suas lavouras e engenhos de aguardente, sendo o
único núcleo de povoação urbana o da Capela de
Nossa Senhora D´Ajuda e Bom Sucesso.

Capelas, freguesias e vilas.


No Brasil colonial do final do século XVIII, à medida
que um povoado ia crescendo em termos demográficos
e econômicos, as instalações da Igreja cresciam junto.
Em seu primeiro estágio, o povoado era elevado à
condição de capela. Esta era sempre filiada a alguma
igreja paroquial (freguesia) a cujo território pertencia.
O segundo estágio era o de capela curada, quando
o povoado já tinha um capelão, mas sujeito ao vigário
da freguesia. O próximo passo era a elevação da
capela curada à condição de freguesia, recebendo um
vigário colado e, assim, constituindo uma paróquia.
Finalmente, o povoado era elevado à condição de vila,
quando se criava o município, com a eleição da Câmara
e as demais autoridades. Houve raros casos no Brasil
(como o de Vila Bela da Princesa) em que algumas
Mapa do final do século XVII do arquipélago de Ilhabela. capelas foram elevadas diretamente à condição de vilas.
As ilhas dos Búzios e da Vitória aparecem invertidas.

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Foi justamente nessa época, mais precisamen-
te em 1803, que o capitão-general (cargo equi-
valente a de governador) da Capitania de São
Paulo – Antônio José da Franca e Horta – resol-
veu visitar a Vila de São Sebastião e a grande ilha
que fazia parte de seu território, separada do
continente pelo Canal do Toque-Toque (hoje
chamado Canal de São Sebastião). Durante essa
visita, Franca e Horta recebeu dos ilhéus um
documento pleiteando que a Capela de Nossa
Senhora D’Ajuda e Bom Sucesso fosse elevada à
condição de freguesia e que fosse também Vila Bela da Princesa no início do século XX.
estabelecida uma nova vila na Ilha de São Sebas-
tião, emancipada política e administrativamente, Esse movimento – que foi liderado pelo ca-
portanto, da Vila de São Sebastião. pitão Julião de Moura Negrão, pelo alferes José
Garcia Veiga, pelo senhor de engenho Carlos
Gomes Moreira, e outros 27 proeminentes
Princesa da Beira
moradores da ilha – sensibilizou o capitão-gene-
Dona Maria Teresa Francisca ral Franca e Horta, que, em 3 de setembro de
de Assis Antonia Carlota Joana
1805, baixou uma portaria determinando a ele-
Josefa Xavier de Paula Micaela
vação da capela à condição de vila, que passaria
Rafaela Isabel Gonzaga de
Bragança foi a terceira Princesa a chamar-se Vila Bela da Princesa.
da Beira, título concedido ao her- O nome na nova vila – escolhido pelo próprio
deiro do trono português. Nasceu Franca e Horta – foi uma homenagem à Princesa
a 29 de abril de 1793, no Paço da Beira, dona Maria Teresa Francisca de Assis,
Real da Quinta de Queluz, Portugal. Ângelo Pereira filha mais velha dos reis portugueses D. João VI
descreve Maria Teresa como detentora de “rara for-
e D. Joaquina Carlota; irmã, portanto, de D. Pedro I.
mosura, sendo a mais bela e sadia” das seis filhas
Era comum este tipo de homenagem a membros
que tiveram D. João VI e D. Joaquina Carlota. O rei
tinha pela filha mais velha uma especial predileção, importantes da Coroa portuguesa.
a ponto de a escolher para os trabalhos de seu
Gabinete. “Afável, bondosa” e dona de “lindos olhos”,
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a Princesa da Beira veio com a Corte portuguesa


para o Brasil em 1808, aqui permanecendo até 1822.
Sua Alteza Real a Sereníssima Princesa da Beira
casou-se duas vezes; sendo que, em ambas, com
infantes espanhóis. Teve importante papel na história
da Espanha, durante as chamadas Guerras Carlistas.
Depois da morte de seu segundo marido, D. Maria
Teresa retirou-se para Triste; onde, rodeada de fiéis
servidores, levou uma vida de isolamento e tristeza,
até que veio a falecer em 17 de janeiro de 1874, aos
81 anos.
Rua Doutor Carvalho no início do século XX.

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Vila Bela da Sereníssima Princesa Nossa Senho-


Portaria da criação de Vila Bela da Princesa ra – como também era chamada – foi oficialmente
“Attendendo a justa representação que me fizerão os principaes instalada com solenidades em 23 de janeiro de
moradores da Ilha de São Sebastião, fronteira a villa do
1806, pelo ouvidor-geral Joaquim Procópio Picão,
mesmo nome, para que nas terras da Capella de Naossa Se-
nhora da Ajuda se edificasse huma nova Villa, não só em razão sendo que Julião de Moura Negrão foi seu primei-
de haver na mesma Ilha o número de mais de três mil pessoas, ro capitão-mor, um de seus fundadores e também
como pelo gravíssimo encomodo, e prejuízo que muitos delles juiz presidente da Câmara, como Antônio Lou-
experimentão em atravessar o Largo Canal que os separa do renço de Freitas. Uma missa de ação de graças foi
Continente para irem servirem os empregos da Republica na
Camera da Villa de São Sebastião, adonde muitas vezes pela realizada no dia seguinte, com a presença do
inconstância do mar não podem concorrer nos dias assignalados, ouvidor-geral e de autoridades e moradores da
para a Vereança, nem voltar dali para suas Cazas quando nova vila e da Vila de São Sebastião.
querem, e lhes hé necessário para tratar das suas plantações, e Em 8 de agosto de 1807, o Conselho Ultra
trafego de Engenhos de assucar em que a mayor parte delles se
empregão com notória vantagem e prosperidade deste Estado. Marino – órgão com sede em Lisboa e responsável
Tendo concideração a que os Expreçados motivos ocularmente me pela uniformização da administração das colônias
forão presentes, que a mencionada Ilha pelo seu Local, gran- ultramarinas da Coroa portuguesa – referendava
deza, e população exige que nellas existam Juizes, e officiaes de a emancipação de Vila Bela da Princesa.
Justiça, assim para fiscalizar os Contrabandos, e Reaes Direitos
de Sua Alteza como taobem para pacificar e punir as dezordens Nesse ínterim, porém, os moradores da Vila
acontecidas entre os seus habitantes; e principalmente que a Ereção de São Sebastião estavam se mobilizando na
da mesma Villa hé em tudo conforme as Regias Instruçoens de tentativa de reverter a emancipação de Vila Bela
26 de janeiro de 1765 emais Ordens posteriormente dirigidas aos da Princesa. Como naqueles tempos era grande
Governadores e Capitaens Generaes desta Capitania, com espe-
cialidade ao determinado no Aviso de 4 de novembro de 1799:
a influência da Igreja sobre o Estado, os
Hey por bem Ordenar no Real nome de S. A. O. sebastianenses apoiaram-se no vigário titular da
Príncipe Regente Nosso Senhor, epor bem do Real Serviço, paróquia da Vila de São Sebastião, à qual Vila Bela
ao Dr. Ouvidor Geral da Cidade e Comarca de São Paulo da Princesa continuava subordinada eclesiasti-
Joaquim Procópio Picão Salgado que passando em Conti-
camente mesmo depois da instalação solene em
nente a referida Ilha de São Sebastião, faça erigir no Sítio,
e terreno da mesma pertencente a Capella de N. Senhora da 23 de janeiro de 1806; e, portanto, sem ter um
Ajuda a nova Villa que se denominará – Villa Bella da vigário titular (que na época era chamado vigário
Princeza – Levantando no mesmo Lugar Pelourinho, e colado) para rezar missa para os vilabelenses.
assignalhando-lhe por termo toda a Circunferência da ditta Ilha,
A Câmara da Vila de São Sebastião chegou, em
que desanexará da Villa de São Sebastião a quem de antes
pertencia, de que mandará Lavrar Autto, o qual será remetido 17 de agosto de 1808 (após dois anos e meio da
à ditta Camera para nella ser Registrada e demarcará taobem instalação de Vila Bela da Princesa), a fazer subir
logo Lugar e terreno para os Paços do Concelho e Cadeia ao Desembargo do Paço um abaixo-assinado –
devendo servir interinamente as Cazas, que os mesmos moradores de cuja autoria era apontado o vigário
para isso tem pronptificado, procedendo a Elleição de Juizes
Vereadores, e mais Officiaes da Camera, que hão de servir por sebastianense – pedindo não só que fosse
Confirmação minha o primeiro anno, o qual terá princípio no revogada a criação do município de Vila Bela da
1º de janeiro de 1806 – Quartel General da Praça de Santos Princesa, bem como não se criasse ali uma pa-
3 de setembro de 1805 – Antônio José da Franca e Horta”. róquia. O abaixo-assinado mencionava que ape-
nas meia dúzia de cidadãos instigados por Julião
de Moura Negrão é que apoiavam a criação de
Vila Bela da Princesa.
Moura Negrão voltou a se mobilizar junto aos
Transcrição da portaria que criou Vila Bela da Princesa. órgãos oficiais da Coroa até que, finalmente, a Mesa

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Rua Principal da Vila Bela da Princesa.

de Consciência e Ordens baixou a Resolução de contrapartida, essas oito décadas de plantio exten-
Consulta no- 34, datada de 15 de agosto de 1809, sivo de café impuseram um alto índice de degra-
determinando a ereção da igreja paroquial de Nossa dação ao meio ambiente de Vila Bela da Princesa,
Senhora D’Ajuda e Bom Sucesso da Vila Bela da especialmente na Ilha de São Sebastião, onde deze-
Princesa, nomeando como vigário colado o padre nas de cafezais estendiam-se da beira-mar e subiam
David da Graça da Silva Veiga, com a côngrua (pen- as encostas até a altitude de aproximadamente 600
são) anual de cem mil réis (moeda brasileira da época). metros, com o mesmo ocorrendo nas demais ci-
A resolução da Mesa de Consciência e Ordens foi dades da região, extremamente pobre em planícies.
ratificada, finalmente, em 20 de setembro de 1809, A produção – extensiva e sem qualquer susten-
pelo o Príncipe Regente, Marquês de Angeja. tabilidade ecológica – de açúcar e de café, além
Nesse período, começava a tomar vigor de absolutamente nada deixar capitalizado para
em Vila Bela da Princesa um novo ciclo econômi- as gerações futuras, provocou não só uma gran-
co: o do café; plantado, colhido, descaroçado, de devastação da Mata Atlântica, como também
secado, torrado, ensacado e embarcado única e acarretou o desaparecimento de espécies animais
exclusivamente por mão-de-obra escrava. Nessa e vegetais de um ambiente insular único no País.
época, o comércio de escravos era realizado de

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forma clandestina, pois já fora proibido por au-
toridades internacionais. Por isso, a região de Vila
Bela da Princesa voltada para o alto-mar – prin-
cipalmente a Baía dos Castelhanos – era utilizada
para o desembarque de escravos contrabandeados.
Após sua emancipação, Vila Bela da Princesa
experimentou 80 anos de opulência e grande força
econômica graças à agricultura e, principalmente,
ao café, plantado em cerca de 30 fazendas espalha-
das pelas Ilhas de São Sebastião e dos Búzios. A
população rapidamente ultrapassou a casa de 10
mil habitantes. Os fazendeiros enriqueceram, o Milhões de toneladas de cana-de-açúcar e de café
comércio era próspero e a vida cultural intensa. Em foram transportados em carros de boi.

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Piratas e
corsários

Canhões do antigo Forte da Vila. Nivaldo Simões

Durante os primeiros três séculos de sua his- do Canal do Toque-Toque – hoje chamado de
tória colonial, as águas do Litoral Norte foram Canal de São Sebastião – para que a população
intensamente procuradas por corsários e piratas entrasse em pânico.
europeus e argentinos. Durante o século XVI, a A grande freqüência desses aventureiros nas
região era completamente desabitada e, por isso, águas abrigadas do canal deu origem a lendas
a escória do mar para cá se dirigia a fim de se envolvendo naufrágios e tesouros escondidos.
esconder, realizar reparos e abastecer as embarca- Três dos mais famosos aventureiros dos ma-
ções de água, frutas e madeira. Durante os séculos res que freqüentaram o Litoral Norte foram os
XVII e XVIII até o início do século XIX, bastava ingleses Thomas Cavendish e Anthony Knivet, e
apontar o mastro de um navio em uma das barras o francês Duguay-Trouin, cujas peripécias,

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aventuras e desventuras correram mundo e de-


Thomas Cavendish ram origem a lendas que até hoje mexem com
o imaginário de muitos aventureiros e caçadores
de tesouros.
Menos famosos, mas tão terríveis quanto Ca-
vendish e Duguay-Trouin, foram os corsários e
piratas franceses, ingleses, holandeses e argentinos;
sendo que estes últimos infestaram a costa brasileira
durante a Guerra da Cisplatina, em ações de corso.
Mais do que inspirar lendas, os ataques de
piratas e corsários foram tantos que acabaram
motivando a construção de um sistema para
defesa das vilas Bela da Princesa e de São Sebas-
tião, cuja espinha dorsal era constituída por sete
fortificações erguidas em ambas as margens do
Canal do Toque-Toque. A principal delas foi o
forte do Rabo Azedo, ao norte da Ilha de São
Sebastião; e que fica próximo da fortificação da
Ponta das Canas, cujas ruínas ainda permane-
cem em pé.
Um dos mais famosos aventureiros a atormentar
Nivaldo Simões

o litoral do Brasil foi o corsário inglês Thomas


Cavendish. Na época ele tinha apenas 31anos e a
patente de general da marinha inglesa. Foi, em 1586,
o primeiro inglês e o terceiro homem a circunavegar
o planeta, ocasião em que passou pela primeira vez
pela Ilha de São Sebastião. Deixou a Inglaterra no-
vamente em agosto de 1591, com o intuito de chegar
à China navegando pelo Estreito de Magalhães, no
comando de uma frota de cinco embarcações e
levando 350 tripulantes a bordo. Sua expedição era
oficial e, por isso, todo o fruto de seus ataques a
povoados e embarcações seria destinado à Coroa
inglesa e aos comerciantes que patrocinaram a em-
preitada. Durante essa expedição, que se mostraria
trágica, Cavendish utilizou duas vezes a Ilha de São
Sebastião como base para reabastecimento e con-
sertos. Na segunda delas foi duramente atacado
pelos portugueses, furiosos porque o inglês e seus
homens haviam saqueado e dominado por dois meses
as vilas de Santos e São Vicente, esta última deixada
completamente arrasada, em cinzas. Cavendish mor-
reu em 1592, a bordo da nau capitânia, o galeão
Leisceter, na altura da Ilha de Ascensão, quando
retornava à Inglaterra.
Ponta das Canas.

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A abolição e o fim
do ciclo do café

A Vila de São Sebastião viria a perder outra do Paraíba e interior da província de São Paulo,
significativa parcela de seu território, com a eman- fez o preço do produto despencar, desestimu-
cipação da Vila de Santo Antônio de Caraguata- lando os fazendeiros do Litoral Norte paulista.
tuba, em 20 de abril de 1857. Atendendo ao apelo das câmaras municipais
Apesar disso, ao longo do século XIX as vilas das quatro cidades do Litoral Norte, o Estado
de São Sebastião e Ubatuba ganhariam suma chegou a dar início à construção de uma ferrovia
importância como portos exportadores de café. ligando Ubatuba ao Vale do Paraíba, mas a em-
O declínio na movimentação desses dois portos preitada não foi em frente.
começaria a ser sentido a partir de 1867, com a Em Vila Bela da Princesa – assim como no
inauguração da estrada de ferro ligando a Vila de restante de nossa região –, o golpe mortal no
São Paulo e o porto da Vila de Santos. Em 1877, ciclo cafeeiro veio com a Abolição da Escravatu-
estabeleceu-se a ligação ferroviária entre as pro- ra, em 1888. O censo demográfico de 1890
víncias de São Paulo e Rio de Janeiro. Essas duas mostra que mais da metade da população –
novas ferrovias contribuíram de forma decisiva principalmente escravos – deixou a cidade.
para inviabilizar a produção cafeeira no Litoral Vila Bela da Princesa e o Litoral Norte entra-
Norte. O excesso de produção, somado à faci- riam em um longo período de estagnação eco-
lidade do escoamento do café produzido no Vale nômica, que perduraria por quase 70 anos.

Nivaldo Simões

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Barra Velha.
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Estagnação
econômica

Plácido Cali
Sítio Engenho Cocaia.

Os primeiros duzentos anos de colonização do abandonadas as mais de três dezenas de fazendas


Litoral Norte foram marcados por dois grandes ciclos cafeeiras espalhadas pela Ilha de São Sebastião.
econômicos baseados em monoculturas extensivas Os estabelecimentos comerciais foram, em sua
(cana-de-açúcar e café, pela ordem), desenvolvidas maioria, fechando as portas. Mais da metade da
sem qualquer sustentação ambiental, e que, além população, cerca de cinco mil pessoas – escravos
de nada capitalizarem para as gerações futuras, pro- em sua maioria –, abandonou a cidade em menos
duziram grande devastação da Mata Atlântica. de dois anos.
Em Vila Bela da Princesa, as cicatrizes econômi- Quem navegasse pela região no final do século
cas e ambientais foram enormes. Após a promul- XIX e início do XX encontraria uma Ilha de São
gação da Lei Áurea, que aboliu a escravatura no Sebastião com sua floresta reduzida em mais da
País, a produção cafeeira inviabilizou-se de for- metade em relação à cobertura original. A destrui-
ma inexorável e, em pouco tempo, foram sendo ção da Mata Atlântica só não foi maior graças ao

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Plácido Cali
Engenho do Siriuba.
Nivaldo Simões

relevo extremamente inóspito da Serra de Ilhabela,


cujo ponto culminante é o Pico de São Sebastião,
com 1.379 metros de altitude. Mesmo assim, a
perda em termos de biodiversidade foi enorme,
e marcas indeléveis foram deixadas na paisagem,
visíveis até os dias atuais.
À população que não abandonou Vila Bela da
Princesa restou ir tocando a vida de forma árdua,
sobrevivendo da pesca e da agricultura de subsis-
tência, desenvolvida em qualquer época do ano
graças à abundância de chuvas, porém dificultada
devido ao solo naturalmente muito pobre e exau-
rido ao longo de quase três séculos de atividades
agrícolas sem qualquer sustentação ecológica.
A partir da década final do século XIX, as
plantas mais cultivadas, em roças itinerantes, pas-
saram a ser a mandioca, o feijão, o milho, a cana-
de-açúcar, a batata-doce, a banana e, em muito
pequena escala, o arroz, o café e o fumo, todas
fornecendo elementos integrantes da subsistên-
cia caiçara, e uma delas – a cana-de-açúcar –
sendo também objeto de culturas com objetivo
Camaleão. comercial: a produção de cachaça.

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