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Nivaldo Simões UMA VIAGEM PELA HISTÓRIA DO ARQUIPÉLAGO DE ILHABELA

Devoção a São Benedito no


arquipélago de Ilhabela

Cerca de 800 pessoas vivem em 18 comu-


nidades caiçaras tradicionais, isoladas e auto-
sustentadas, que subsistem basicamente da pesca
e de pequenos cultivos agrícolas, com destaque
para o cultivo da mandioca. Na qualidade de
estância balneária, o arquipélago de Ilhabela tem
no turismo a sua principal fonte de sustentação
econômica, sem, entretanto, apagar de seu passa-
do as tradições e a cultura caiçara. Foi muito
importante a participação dos negros nessa
cultura.

Nivaldo Simões
Congueiro.

Ao lado dos Fidalgos, trajando roupas em que


predomina a cor azul, encabeçam as filas o Prín-
cipe e o Secretário, tidos como filhos do Rei. No
final de uma das filas, fica o Cacique de Cima,
que é uma personagem em ascensão na hierar-
quia dos congos, tendo já passado pelos papéis
de Congo de Baixo, Cacique do Embaixador,
sendo, agora, Cacique e Fidalgo do Rei.
Na fileira dos Congos do Embaixador, que
trajam vestes com predominância da cor verme-
lha, as figuras que se destacam são os dois iguais,
congos antigos, que sabem os cantos e as coreo-
grafias, estando capacitados para guiar os demais.
Atrás dos guias ficam os contra-guias que fa-
zem o contracanto. Entre as duas fileiras dos
Congos de Baixo está o Cacique do Embaixador,
papel representado sempre por crianças.
O texto e a música da Congada são transmi-
tidos oralmente e, por isso, houve grande alte-
ração nas palavras, principalmente naquelas de Congueiros conduzem o andor de
procedência africana bantu. São Benedito para a procissão.

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São Benedito, o santo mais venerado no ar- Outras festas


quipélago, é negro. A festividade mais arraigada,
a Congada, revela aculturação africana. Embora A Festa de São Pedro, o padroeiro dos
não seja o padroeiro de Ilhabela, Santo Benedito, pescadores, acontece no domingo mais próximo
como é chamado pelos congueiros, é o mais do dia 29 de junho. A festa conta com missa
festejado e o que tem mais força para congregar campal e quermesse, realizadas na Vila, e procis-
todos os ilhéus. são marítima ao longo do Canal de São Sebas-
São Benedito também nasceu em uma ilha: tião, reunindo embarcações de Ilhabela e São
Sicília, na Itália, no ano de 1524, filho de escra- Sebastião, todas enfeitadas com bandeirinhas.
vos etíopes, foi cozinheiro no convento de Santa Durante o percurso pelo canal são entoados
Maria, nos arredores de Palermo. Faleceu em cânticos. O barco que vai à frente da procissão
1589 e foi santificado pela Igreja em 25 de maio conduz as imagens de São Benedito e Nossa Se-
de 1807. nhora para, segundo os devotos, acalmarem os
Cognominado “o preto” ou “o mouro”, sua ventos para a passagem de São Pedro.
devoção já se fazia no Brasil no começo do sécu-
lo XVII, antes mesmo que a Igreja a autorizasse.

Martin Ramos
O andor de São Benedito, cujo altar no inte-
rior da Igreja Matriz foi inaugurado em 1959, só
é ornamentado no dia da festa, no domingo,
para sair na procissão. Todos os anos a vestimenta
do Menino Jesus que São Benedito carrega nos
braços é trocada por devotos cumprindo pro-
messa, não sendo usada em outra festa.
Na festa de São Benedito em Ilhabela, cujo
ponto culminante é a Congada, encontramos
dois aspectos característicos dessa manifestação
brasileira, o culto religioso e o profano coexis-
tindo lado a lado. São Benedito é também o
padroeiro da Congada, juntamente com Nossa
Senhora do Rosário.

“ Soberano Rei de Congo


Encontrei com São Benedito
Descendo a sua igreja
Com a sua procissão
Com a filha de Maria
Cantando a sua oração
Com seus conguinhos do lado
E com sua espada na mão
São Benedito a desejar


Reino do coração
Festa de São Pedro.

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Nossa Senhora D’Ajuda Os pasquins


e Bom Sucesso é a padroeira
de Ilhabela. Sua festa é realizada Até á década de 1960, os bailes e festas eram
no dia 2 de fevereiro. Antes o centro das atenções, não só antes como depois
mesmo de sua emancipação, o de realizados. Isso porque todo acontecimento
povo de Ilhabela venerava Nos- importante – de baile a casamento, de enterro a
sa Senhora D’Ajuda, sendo eleição, de naufrágio a marido pulando a cerca –,
erguida em sua devoção a pri- todo evento que tirava a caiçarada da rotina era
meira capela da Ilha de São minuciosamente relatado pelos pasquins.
Sebastião, no local onde hoje O pasquim é tirado. O “tirador” de pasquim
é a Vila. Os navegantes por- era chamado de pasquineiro. A maioria das vezes
tugueses tinham na santa a o pasquim era “tirado” de memória, pois pouca
sua protetora e, por isso, gente sabia ler e escrever. Constava de versos –
Nossa Senhora D’Ajuda sua imagem chegou ao Bra- bem rimados, humorados e venenosíssimos – que
e Bom Sucesso. sil com os primeiros colo- eram declamados ou cantados. Decorar o pas-
nizadores. A festa da Padro- quim, portanto, não era difícil. Muitos pasquins
eira é uma das mais bonitas daquelas realizadas faziam tamanho furor – e estragos... – que, em
no arquipélago. 1868, foram proibidos por meio do código de
posturas municipais da então Vila Bela da Prince-
A Festa de Santa Verônica acontece
sa: “É expressamente proibida a publicidade dos
todo mês de julho no bairro do Bonete. Ela nasceu
pasquins ou outros papeluchos ultrajantes e obs-
na Itália, em 1660, e faleceu em 1727. Seu ver-
cenos e que afetam a moralidade pública. Os que
dadeiro nome era Úrsula e, ao entrar para um
forem encontrados com estas publicações, ou delas
convento, passou a chamar-se Verônica, nome da
derem notícias, divulgando-as e indignando o
mulher que durante a Paixão conforta e enxuga
nome de qualquer pessoa, incorrerão em multa de
o rosto de Jesus. O dia de Santa Verônica é 9 de
6 a 8 mil réis e sofrerão dois dias de prisão”.
julho, mas as comemorações já começam no dia
Trecho de um pasquim que foi tirado contan-
1º- desse mês, quando tem início a novena, com
do sobre a disputa pela prefeitura de uma certa
direito a ladainha em latim, e é erguido o mastro
cidade vizinha de Ilhabela, realizada em outubro
diante da Igreja. A festa conta com muito fo-
de 1959:
guetório, fogueira, leilão de prendas e baile. Todas
“(...) Guimarães, vulgo mão gorda / Diz que
as atividades são organizadas por uma comissão
ganha as eleição / Pra passá na prefeitura / Um
de festeiros. A bebida típica servida na festa é a
bigue de um vassorão.
concertada, feita à base de pinga, água, açúcar,
Valdomiro lá do posto / Pescador de profis-
cravo, canela e flor de laranjeira.
são / Diz que se for eleito / Vai pescá tubarão.
A Festa de São João é comemorada em O Zico tá caladinho / Não diz que sim nem
24 de junho, no bairro do Perequê, onde fica a que não / Mas se fô pra prefeito / Vai vendê muito
igreja que tem esse santo como padroeiro. Os feijão.
principais festeiros pertencem à família da fale- Valentim, bem de mansinho / Tá cavando
cida professora Eva Esperança Silva, e a festa votação/ Pra se vice do Guimarães / E ajudá no
conta com procissão, foguetório e quermesse. vassourão.
No bairro do Portinho fica a Igreja de Santo (...) Agora dou meu parpite / Pra quem quisé
Antônio, cuja festa ocorre no dia 13 de junho, escutá
com levantamento do mastro, fogueira, quer- Do jeito que vão as coisas / O Zico que vae
messe e quadrilha. ganhá.

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O mão gorda pega mesmo / Um bom segun- ritmado ao som de instrumentos e na batida dos
do lugá / Valdomiro na rabera / Na cama que vá arcos-e-flechas, simulando combates. O Caiapó
chorá”. costumava apresentar-se em algumas das festas
Um velho caiçara do bairro do Bexiga, “seu” religiosas de Ilhabela, seguindo em cortejo pelas
João Tapioca, costumava dizer que “todo ruas das cidades. Nos últimos anos, o grupo apre-
pasquineiro é um profeta”. senta-se apenas no carnaval.
Outra manifestação importante de Ilha-
Danças e Jefferson Galdino
bela, e que ainda sobrevive, é a Cantoria
brincadeiras de Reis, também conhecida como Fo-
folclóricas lia, cujos cantos celebram o nascimen-
to de Jesus e a peregrinação dos Três
Em Ilhabela, as Reis Magos. O grupo é formado ape-
principais danças fol- nas por homens, que cantam e to-
clóricas são variações cam diversos instrumentos musicais.
do Fandango, que é Durante o ciclo natalino, os Canta-
um baile popular ge- dores de Reis percorrem casas de mo-
ralmente animado radores e turistas, tocando e cantando
por viola, sanfona, até o dia amanhecer.
cavaquinho e rabeca, no Dança do Vilão. Uma brincadeira que se transfor-
qual se executam danças de mou em dança tradicional em Ilhabela
roda ou sapateado. Esses é o Balaio
Balaio.
fandangos eram concorridos, sendo realizados
durante as festas religiosas, aniversários e casa-
mentos.
No Fandango estão incluídas a Ciranda, o Que-
bra-Chiquinha e o Tira-o-Chapéu, que constam
de uma coreografia simples, os pares e formação
em círculos concêntricos, com os homens por
fora e as mulheres por dentro. Entre os músicos

Jefferson Galdino
há sempre um versista que improvisa a letra, ge-
ralmente simples e até ingênua, com críticas, ho-
menagens, agradecimentos ou conteúdo filosófico.
Há também a dança do Pau-de-Fita, tipo de
ciranda onde participantes fazem diversas evolu-
ções em torno de um mastro, trançando as fitas Balaio.
que dele saem.
Outras danças típicas de Ilhabela são o Vilão e Disposição: dois círculos concêntricos. Ca-
o Caiapó. O Vilão é uma dança cujo principal valheiros no de fora e damas no de dentro.
escopo é realizar um jogo de agilidade, destreza Descrição: durante a introdução, na 1a- parte,
ou habilidade, saindo um perdedor que ora é que será tocada uma só vez, todos se dirigirão ao
vaiado, ora fica na obrigação de fazer uma nova centro do espaço, onde se colocarão na disposição
escolha, participar novamente do jogo. O Caiapó descrita acima. No último compasso, anterior à
é um bailado com temática indianista, calcada, segunda parte, os cavalheiros girarão as damas
sobretudo, na visão de um “índio idealizado”, dando-lhes a mão direita. Na 2-a parte da música,

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as damas farão o sarandeio (passos no lugar, ba-


lanceados, girando o tronco de um lado e do Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.
outro como no samba) e os cavalheiros sapatearão A união faz a força.
(deslizando o calcanhar, batendo a ponta e o cal- As aparências enganam.
canhar dando batidas de pés, direito, esquerdo,
A corda sempre arrebenta do lado mais fraco.
direito, esquerdo, direito, marcando o ritmo). Em
seguida, as damas farão dois passos de samba (um
para a esquerda e outro para a direita), terminan- O falar caiçara
do com um giro pela esquerda, colocando o joelho
Uma das coisas que ainda permanecem fortes na
direito no solo e levantando-se rapidamente. Re-
cultura caiçara é o linguajar, principalmente em
petirão o sarandeio e o sapateio, terminando essa
comunidades tradicionais como o Bonete, Serra-
parte com cavalheiros e damas na posição inicial
ria, Ilha dos Búzios, praia Mansa, Guanxumas,
e de frente para o centro do círculo, de mãos
Jerivá, Pitangueiras, Mãe Joana, Saco do Estácio,
dadas. Na 3a- estrofe, as damas se deslocarão para
Ilha da Vitória, Sombrio, Serraria e outras. Além
a esquerda e os cavalheiros para a direita (8 tem-
das expressões idiomáticas, o linguajar caiçara
pos para a esquerda e 8 tempos para a direita,
tem sotaque carregado, herança do português
cantando). Voltarão até os cavalheiros encontra-
arcaico, em que é comum a troca do V pelo B
rem suas respectivas damas. Repetir a dança.
e vice-versa. Palavras que terminam em ão são
pronunciadas ãum. Os caiçaras praticamente não
Eu queria sê balaio, utilizam o pronome você, pois preferem o tu e
Balaio eu queria sê o vós, que é pronunciado bóis.
Para andar dependurado Matar ao peixe é pescar. Conser tar ao peixe
Consertar
Na cintura de você. é limpar para depois cozinhar, fritar ou assar o
Eu queria sê balaio
peixe. Sãum Sebastiãum é São Sebastião.
Na colheita da mandioca
Tribuzãna é a tempestade com ventos muito
Para andar dependurado
Na cintura das chinocas. fortes e que cai de repente. Argânia é a ventania
Mandei fazer um balaio muito forte. Sudunga é o vento forte vindo do
Pra guardar meu algodão sul. Faiscar é relampejar. Bento do padr padree é o
Balaio saiu pequeno vento com fortes rajadas, que entra vindo de
Não quero balaio não leste e por cima da Ilha de São Sebastião. Em São
Balaio, meu bem, balaio Sebastião, o caiçara chama esse tipo de vento de
Sinhá terra
ral ou per
terra equeãno
equeãno. Amanhecer aíba é acordar
perequeãno
Balaio do coração doente ou indisposto. Largar picaré é arrastar na
Moça que não tem balaio, praia um tipo de rede com malha fina. Engodo
Sinhá são os restos de pescado e mariscos que o pes-
Bota costura no chão. cador joga na água para atrair o peixe. Banãna
de beiz é a banana começando a ficar madura.
Prato de caldo é quando o mar está “liso”, sem
Ditados populares
ondas e sem vento. Mar eado é quem está enjoa-
Mareado
Os ditados ou provérbios populares são, na do. Chapar o bar co significa dizer que a pescaria
barco
grande maioria das vezes, de autores desconhe- foi farta. Não car ece
carece
ece, não precisa se preocupar.
cidos. Por conterem grande sabedoria ou por Um cuizinho é pouca coisa, um pedacinho. Do
serem engraçados, o povo incumbe-se de mantê- salgado às vertentes
vertentes, é a área de terra que vai da
los vivos. praia até o alto da serra. Farinha da terra é a

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farinha feita da mandioca. Tirar farinha é fabri- ou de certo tipo de cipó) para a retirada do
car farinha-da-terra. Manta é o cardume de peixe mandiquera
veneno (mandiquera
mandiquera) da mandioca-brava utili-
nadando na superfície. Óba é o ovário dos pei- zada para o fabrico da farinha-da-terra
farinha-da-terra. Ficô na
xes. Cambeba é o cação-martelo. Machote é o chave significa que o gajo foi preso. Marisqueira
tubarão pequeno. Pachaco é o baiacu (uma es- é a enchova grande. Macaco saporém é o cacho
pécie de peixe) grande. Pau alegr
alegree é a tocha para mirrado de banana. Embar cadô é o lugar de
Embarcadô
iluminação feita com bambu, estopa e querose- embarque. MarMarrrotá é fazer pouco caso de al-
ne. Arranzé é barulho. Viração é a mudança do guém. A móde que é a fim de. Na linha de terra
tempo para pior. Mar gr osso é o mar revolto.
grosso é navegar próximo à costa. Escangalhá é fazer
Lanhar ao peixe são os cortes feitos transversal- pouco caso do que alguém disse. Fuzil é relâm-
mente para cortar a espinha e fazer penetrar pago. Bomba d’água é o tornado marinho.
melhor o sal. Sabelha é um tipo de sardinha. Ar
Arrre lá! Que-é-que-tu-qué?! Mas rapaz, muito
Faxilaite é a lanterna de pilhas. Pessoá me admira bois, biste?! e Bêde bóis! Ai, ai ai!...
compr ensive é a gente esquisita. Se pegá com o
comprensive são expressões ainda muito utilizadas. Outra
sãnto é fazer promessa. Costãum é costeira de expressão bastante empregada quando a pessoa
pedra. Mar omba é a sardinha grande. Botô pra
Maromba estava em algum local onde se sentia deslocada
pulá é alguém que tentou fugir. Egistia é existia. por não conhecer ninguém: Mas rapaz, estou
Manata é um camarada muito rico. Buraco do me sentido uma barata em fãndãngo de
inferno é o local onde é encaixada a roda d´água galinha, biste?!
do engenho. Tiniuna é o peixinho conhecido A difer ença entr
diferença entree caçãum e tubarãum? Fácil:
por paulistinha ou sargento. Pr ensa de paca é
Prensa se bocê come a ele é caçãum; se é ele que come
onde se espreme o tipiti (um cesto de taquara a bocê, é tubarãum.

Associação dos Amigos da Biblioteca de Ilhabela

A faina da pesca deu origem a inúmeras expressões típicas do linguajar caiçara.

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Trava-línguas O prato de prata não é do


padre Pedro.
São formas de divertimento.
Para que as frases funcionem, Três pratos de trigo para
a pessoa deve repetir a fra- três tigres tristes.
se por muitas vezes se-
guidas criando assim Bagre branco, branco
uma impossibilidade bagre.
de pronúncia ou co-
municação. Pia o pinto, a pipa pinga.

Glair Arruda
A aranha arranha a O padre Pedro tem um
jarra, a jarra arranha a prato de prata.
aranha.
Um tigre, dois tigres,
Porco crespo, toco preto. três tigres.

Lendas & Histórias


(Fonte: Secretaria de Turismo de Ilhabela)

Lenda da Pedra do Sino

Corria o ano de 1647 quando, certa noite, Há referências desta mesma lenda em ou-
o repicar dos sinos despertou a pacata popu- tras versões no livro de Maria Cecília França,
lação de Ilhabela. Correram todos em direção Pequenos Centros Paulistas de Função Religiosa,
aos sinos e, assombrados, viram passar de- e também em Lendas do Litoral Paulista, de
fronte à praia um caixão com quatro (seis) Hipólito do Rêgo.
velas. Sobressaltados, puseram-se de joelhos e
rezaram enquanto o caixão passava pelo ca-
nal, levado pela correnteza, em direção ao
sul. Era a imagem do Bom Jesus que foi
encontrada em Iguape e até hoje é vene-
rada lá como Bom Jesus da Cana Verde.
Esta lenda tem base histórica. Segundo
o historiador Calixto, foi o “vaso”, navio
de guerra de Segismundo Van Schkope,
que pôs a pique o navio português que
transportava a imagem destinada à igreja
de Pernambuco. Este fato se deu em fe-
Janaína Daniele

vereiro de 1647, e a imagem, levada pelas


correntezas, chegou a Iguape a 2 de de-
zembro de 1647.

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Lenda da Pedra do Sino II Lenda do Portinho

Na praia chamada Guarapocaia, encontram- Esta lenda, também conhecida como a len-
se pedras que, quando batidas, soam como sinos. da de Maria Fixi, passa-se em uma fazenda do
A lenda conta que, em tempos passados, no bairro do Portinho, ao sul da Ilha de São Se-
século XVII, ao amanhecer, surgiu uma caravela bastião.
de piratas que se dirigia à Ilha de São Sebastião, Antigamente, contam, morava nessa praia
enquanto a população ainda dormia. Estavam uma “dona de escravos” que era muito ruim,
os piratas prontos para abrir fogo contra a ilha maltratando-os e surrando-os até arrancar
quando ouviram soar sinos despertando o povo sangue.
que se preparou para receber os inimigos. Nisto Chegou a esse lugar um navio negreiro para
surge um guerreiro que tomou o comando e, vender escravos para a “dona”, que se chamava
em pouco tempo, fez o inimigo recuar. Este Maria Fixi, e lhe deram de presente uma ima-
guerreiro era São Sebastião. Voltou a calma ao gem muito milagrosa de Santo Antônio.
povoado e quiseram saber onde estavam os Certo dia, os negros fugiram da fazenda
sinos. levando tudo quanto era “louça de prata”. Ela,
Não eram os sinos da Igreja da Armação. vendo-se perdida, pediu a Santo Antônio que,
Ninguém sabia explicar, a não ser os indígenas, se eles voltassem com tudo o que tinham le-
que diziam “Guarapocaia, Guarapocaia” en- vado, prometia não mais bater neles.
quanto apontavam para as pedras dessa praia Apareceu então, na mata onde se escon-
que passaram a chamar-se “Pedras do Sino” e diam os escravos, um velhinho com um cor-
que hoje são atração turística da ilha. dão na mão, que os fez voltar para a fazenda.
Esta lenda confunde-se também com a ci- Ao chegarem lá, Maria Fixi ficou sabendo do
dade de São Sebastião. velho e nunca mais maltratou seus escravos.

Lenda da Feiticeira

Na praia da Feiticeira encontra-se a Fazenda São Mathias. Dizem os antigos moradores que a
proprietária amealhava imensa riqueza, explo-
rando uma taverna que era ponto de encon-
tro de piratas e marinheiros de navios
negreiros e mercantes que ali
aportavam em busca de provisões
e informações.
Um dia, envelhecida, alquebra-
da, temendo ser saqueada, com au-
xílio de seus escravos, enterrou seu
tesouro no local conhecido por
Tocas e matou todos eles para evitar
que revelassem o segredo.
Janaína Daniele

Conhecida como a feiticeira, en-


louqueceu e não foi mais vista.

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Lenda do Peixe Tapa

Janaína Daniele
Peixe tapa ou lambaca é o nosso linguado e,
segundo o pescador Pedro Jacinto, do bairro de
São Pedro, é um peixe que está sempre no fundo
do mar, no meio da lama, e tem o “fundo” branco
e as costas pardas. Conta ele que esse peixe, ao virar-
se para enxergar o Sol, ficou com a boca torta.
Entre outros pescadores, a versão mais co-
nhecida é a seguinte: andava S. Pedro (ou Jesus)
passeando pelas praias de Ilhabela quando, preo-
cupado com a maré, perguntou ao linguado: “A
maré enche ou vaza?” O linguado, ao invés de
responder direito, imitou S. Pedro, com voz
fanhosa e boca torta. São Pedro deu-lhe um tapa
e falou-lhe: “Com os olhos para trás hás de ficar”. da costas em um lado só”. Toninha do Perequê
É por isso que o linguado é chamado de peixe comenta: “Isso é verdade mesmo. Contado pelos
tapa, é chato, tem boca torta e os olhos “por cima pescadores”.

Cachoeira da Laje
cachoeira encantada, pois elas brilham como
Conta Manoel Leite Santana, caiçara, que pedras preciosas.
num domingo pela manhã viu duas
moças louras penteando seus
cabelos, que iam até o calcanhar,
com um pente de ouro. Dizia o
povo que era a MÃE-DE-OURO.
Ao voltar, já à noitinha, ele olhou
para o fundo do rio e viu um tacho
de ouro. Cortou um galho e ten-
tou “engatar” na alça do tacho,
mas não conseguiu, pois era um Janaína Daniele
tacho encantado. No dia seguin-
te, o encarregado do trabalho,
chamado Rafael, voltou da mata
todo apavorado dizendo que não
podia contar o que tinha visto
senão morreria logo. Este ho-
mem morreu muito velho e
não contou o que tinha visto.
No fundo da Cachoeira da
Laje existem malacachetas de mais de vinte Informações prestadas por Antônio Leite
centímetros de comprimento, daí ser uma Santana, filho de Manoel Leite Santana.

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Lenda da Toca da Serpente Toca do Estevão

Havia no bairro da Armação, ao norte da Ilha Há muitos anos, ainda no tempo da escravidão,
de São Sebastião, uma enorme serpente que atraía havia em Ilhabela, entre tantos outros engenhos, o
os pescadores para sua toca e os matava. Engenho D’Água, onde se desenrola esta história
Os moradores dessa praia, aterrorizados com que vamos contar: Estevão era um escravo traba-
os constantes ataques, pediram a um padre que lhador e servil. Era esperto, inteligente e queria
as “amaldiçoasse”. Não sabem se foram a bênção aprender a ler e escrever. Como era muito querido
do padre e suas orações, mas a serpente enraivecida pela “Sinhá”, esta, às escondidas, ensinou-o a ler.
mordeu a pedra e, deixando nela o sinal de seus O capataz, que sentia grande ciúme pelas aten-
dentes, saiu mar afora. Daí esse local passou a ser ções que eram dispensadas a Estevão pela “Sinhá”,
conhecido como “Toca da Serpente”. descobriu que o escravo sabia ler e escrever. Ime-
Esta lenda tem muita semelhança com a da diatamente contou ao “Sinhô”, que mandou apri-
praia de Guaecá, em São Sebastião, onde Anchieta sionar Estevão. A prisão e os castigos dispensados
é o padre. “Lendas do Folclore Indígena.” a um escravo alfabetizado eram torturantes, muito
mais do que os de um escravo comum. Um belo
dia, Estevão fugiu do cativeiro, ajudado pela
“Sinhá”, que tinha como ama a mãe do próprio
Estevão. Quando descobriram a fuga foram di-
reto à “Sinha” e sua ama. Estas, ao verem chegar
o capataz, o “Sinhô” e os policiais, imediatamen-
te tiveram uma idéia: ocultaram Estevão embai-
xo da longa e engomada saia da ama e negaram
até o final terem visto o escravo. Assim que os
Janaína Daniele

homens se foram, Estevão partiu ocultando-se


em uma toca que fica logo acima do Engenho
D’Água, e nunca mais o pegaram.
Ainda hoje, quando passam perto dessa toca,
os caçadores dizem ouvir os lamentos do escra-
Praia da Caveira vo. Daí o nome “Toca do Estevão”.

Um navio negreiro, ao passar atrás da ilha,


afundou; todos os seus tripulantes, escravos,
morreram, e seus corpos ficaram a boiar. Um
padre que passava de barco por aquele lugar
viu os corpos e os enterrou debaixo de uma
enorme figueira.
Os moradores da ilha afirmam que às seis
horas da tarde, ao passar perto daquela figuei-
ra, ouvem “vozes de defunto”.
Na realidade, há muitas pedras no local, e
o vento, entrando e saindo entre as pedras,
Janaína Daniele

emite um som “de teclas” como a imitar vozes


de outro mundo.

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UMA VIAGEM PELA HISTÓRIA DO ARQUIPÉLAGO DE ILHABELA

Cachoeira da Água Branca


Água da Saúde
Contam os antigos moradores de Ilhabela Esta cachoeira, localizada no bairro da Água
que, tendo morrido um senhor idoso do Bonete, Branca – na região central de Ilhabela – é muito
levaram-no pela trilha do Palhal para ser enter- bonita, principalmente no tempo das chuvas,
rado no cemitério dos Castelhanos. Como era quando suas águas se avolumam, sendo visível
costume na época, foi embrulhado em um len- até no continente.
çol. Ao longo da caminhada pararam para beber
água em um córrego e, ao voltar, encontraram
o velho sentado, pedindo água. Saíram todos
correndo, largando o coitado lá. Esse córrego
ficou conhecido como Água da Saúde.

Toca do “Come Bala”

Localizada na praia da Armação (norte da ilha


de São Sebastião), a lenda recebeu esse nome
pela história que se segue: vivia em uma toca um
velho combatente que teria sido ferido e perdido
uma perna em alguma revolução ou guerra. Sem
ter ajuda de ninguém, alojou-se em uma toca.
Como era homem muito bom, tornou-se amigo
de todos do lugar. Contava suas proezas e sonhos
Janaína Daniele

nos quais se encontrava cercado de homens es-


tranhos que o baleavam, de barulhos de canhões,
de gritos aflitos e outras façanhas apavorantes.
Quando esse homem morreu, a toca ficou conhe-
cida como “Come Bala”.
Entre dois braços da queda d’água da cacho-
eira há um buraco bem fundo, onde acreditam
morar a MÃE D’ÁGUA ou MÃE DO OURO. Foi
aí que, dizem, está enterrada uma “tacha” de
ouro.
Todas as noites de luar, a Mãe d’Água senta-
se nas pedras para pentear os longos cabelos
prateados com um pente de ouro.
Contam os antigos moradores que a Mãe
d’Água atrai para o fundo da cachoeira os que
dali se aproximam para roubar-lhe a riqueza, e
eles nunca mais voltam.
Janaína Daniele

Informações de pessoas esclarecidas dizem que


a beleza é tanta em noite de luar, que elas se vêem
atraídas pela queda d’água.

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UMA VIAGEM PELA HISTÓRIA DO ARQUIPÉLAGO DE ILHABELA

Culinária caiçara

A verdadeira cozinha
caiçara
A culinária caiçara original difere muito da- vez em quando o proprietário de um boi ou
quela que normalmente é apresentada como tal vaca saía batendo de porta em porta oferecendo
pela maioria dos restaurantes não só de Ilhabela a carne do animal ainda vivo. Este somente seria
como de todo o Litoral Norte. Devido ao iso- abatido depois que o proprietário conseguisse
lamento das comunidades caiçaras no passado fregueses que encomendassem o tanto de carne
não tão distante, a dona de casa caiçara não equivalente ao peso do bicho. Não havia cortes
dispunha de temperos, legumes e hortaliças que especiais como hoje (picanha, alcatra, acém,
hoje são comumente encontrados em qualquer contra-filé etc.), e a carne era vendida em pos-
esquina. Até o fósforo era coisa rara. tas. Nas comunidades mais afastadas pratica-
A verdadeira comida caiçara não levava, entre mente nunca se comia carne de bovinos, ovinos,
outras coisas, alho, tomate, azeite de oliva, man- caprinos ou suínos.
teiga, margarina, cenoura, pimentão, salsinha, A única opção para a carne de peixe e frutos
extrato de tomate, orégano, manjericão, ce- do mar era a caça, sobejamente praticada em
bolinha. todo o arquipélago de Ilhabela até o início da
Outros artigos extremamente raros na mesa década de 1970. As presas mais abatidas eram as
caiçara eram o arroz, o leite, o açúcar, a cebola aves encontradas próximas aos núcleos ha-
e o pão. Mesmo o sal era difícil de conseguir, bitacionais, tais como as diversas espécies de
obrigando o homem da casa a retirá-lo da água sabiás, sanhaços, periquitos e tiés, e também as
do mar. rolinhas, juritis (uma espécie de pomba selva-
Os temperos mais utilizados eram especial- gem) e tucanos.
mente o coentro e a aromática alfavaca. Outros Dentre as aves que habitam a mata densa, as
temperos eventualmente usados eram o limão preferidas eram macucos, jacus, jacutingas, urus
rosa, o louro e as pimentas vermelhas e de chei- e o paturi. Dentre os animais de pêlo, os mais
ro. A banana e a farinha de mandioca eram visados eram capivaras, cotias, caxinguelês,
indispensáveis. cururuás (um roedor endêmico da Ilha de São
Ao longo dos anos difíceis do século XX, e Sebastião), jaguatiricas, antas, preás (porquinhos-
isso até a década de 1960, o caiçara praticamen- da-índia), gambás, macacos-prego, lontras e,
te não sabia o que era comer carne de porco, especialmente, pacas, um mamífero roedor que,
animais que não existiam no arquipélago. Car- quando adulto, pesa dez quilos.
ne de vaca na mesa também era coisa rara. De Tatu moqueado era considerado um petisco.

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Peixe e farinha-da-terra – farinha-da-terra, como também é chamada a


os pilares da culinária farinha da mandioca. O caiçara é o povo que
caiçara. come farinha-da-terra, que alguém já chamou de
a Rainha do Brasil. Oriunda da Amazônia e trazida
Do café da manhã, passando pelo almoço e para o litoral brasileiro pelos tupis, a mandioca
até o jantar, o peixe e a farinha de mandioca são nasce em qualquer lugar e época e não exige
os pilares da culinária caiçara. Seguindo a tradi- tecnologia como o trigo. Só que o trigo não
ção indígena tupi, o homem caiçara sempre foi mata, mas a mandioca-brava – que é utilizada
um agricultor que complementava a mesa e a para fazer a farinha-da-terra – sim. É preciso
renda com a caça e, principalmente, a pesca. ciência para fabricar farinha-de-pau e tirar seu
Dentro do dialeto caiçara, o homem mata (pes- veneno fortíssimo.
ca) o peixe e a mulher o conserta (cozinha). Uma A farinha-da-terra acompanha tanto o peixe,
vez salgado e seco ao sol, o peixe é até hoje a como ovos fritos e o feijão. Na falta de pão,
garantia para as épocas difíceis, de mar grosso. toma-se café com farinha pura ou misturada ao
Pela manhã, os peixes pequenos – de prefe- abacate ou à carne do coco verde, ou ainda na
rência sardinhas, micholes, trilhas, carapaus ou forma de beiju. O beiju é o bolo de massa fina
palumbetas – são moqueados no fogão a lenha. de tapioca ou da mandioca assado na frigideira
Para acompanhar, café plantado, torrado e moí- ou na chapa do fogão. O caiçara chama o beiju
do em casa e adoçado com garapa, cuja cana foi pequeno de “Mata-fome”; e o grande é chamado
apanhada no quintal e espremida na “engenhoca”. de “Caco”.
Outra coisa que não falta na roça caiçara são as Existem em Ilhabela dezenas de pessoas que
diversas espécies de banana, bastante utilizada plantam diversos tipos de mandioca para o fa-
em pratos doces e salgados. Um dos pratos mais brico da farinha-da-terra, em locais chamados de
típicos da culinária caiçara é o “Azul-marinho”, tráfico ou casa-de-farinha. Fabricar farinha é, para
peixe cozido com pirão feito à base do caldo do o caiçara, “tirar farinha”. Essa fabricação segue
cozimento, farinha-da-terra e banana verde. ainda hoje padrões do século XVI. Em vários
No almoço e na janta, o peixe geralmente é o núcleos de comunidades caiçaras espalha-
prato principal. Para variar, algum tipo de fruto das pelo arquipélago de Ilhabela – e até
do mar ou caça. Os peixes mais estimados são mesmo na zona urbana da cidade – se
o xarelete, carapau, badejo, garoupa, dourado, fabrica a farinha-da-terra, em pequenos
bijupirá, robalo, namorado, cavala, pescada- tráficos. É uma atividade
amarela, pescada-cambucu, vermelho-cioba, en- quase mística e que en-
chova, pargo. volve toda a família.
A culinária caiçara não dispensa quase nada do
peixe. As guelras, o bucho e a bochecha de certos
peixes têm receitas próprias. Das ovas, as mais
apreciadas são, de longe, as da tainha. Lulas, polvos,
mexilhões, pregoaís, ostras, berbigões, camburus,
arraias, cações, caranguejos e siris complementam
a arte de cozinhar caiçara.
Mas não importa qual seja o prato do dia na
mesa caiçara, o acompanhamento sempre será a

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Receita do Azul-Marinho farinha-da-terra –, coloca-se a banana já descascada


em uma outra panela. Após espremer a banana com
Antes de tudo é preciso compreender que a comida um garfo, adiciona-se a farinha-da-terra e o caldo que
caiçara é bastante simples, praticamente sem gordura, e foi separado do cozimento do peixe. Esse tipo de pirão
só leva temperos naturais. Essa receita é para três pessoas. deve ser bem ralo, ou seja, preparado com bastante
Três são os principais ingredientes do Azul-marinho: o caldo; caso contrário ele endurecerá muito rapidamen-
peixe, a farinha-da-terra e a banana, que tem de ser te após ter sido servido no prato. Para quem aprecia
colhida verde. Os melhores peixes para o Azul-marinho pimenta, recomenda-se a malagueta, espora-de-galo,
são a garoupa, o badejo, o olho-de-boi, a cavala; e o pimenta-botão ou alguma outra pimenta-de-cheiro.
melhor de todos: o bijupirá. As melhores bananas são Acompanha uma cachacinha e arroz branco.
a naniquinha e, preferencialmente, a São Tomé; bem
escolhidas. Quanto à farinha-da-terra, existem vários tipos Receita de beiju
delas que são fabricadas no arquipélago de Ilhabela e no
Litoral Norte. As melhores são aquelas fabricadas A farinha-da-terra deve ser peneirada diretamente
artesanalmente, em pequenos tráficos localizados em sobre a frigideira quente – e que não precisa estar
diversas comunidades tradicionais caiçaras das quatro untada – até tomar o formato e a espessura da massa
cidades da região. A melhor farinha-da-terra é aquela em de panqueca. Uma opção é misturar um pouco de sal
que o “tirador de farinha” aproveita a goma proveniente à farinha-da-terra antes de peneirá-la sobre a frigideira.
da decantação do caldo resultante da prensagem da Assar dos dois lados. Depois de assado, as pontas são
mandioca ralada. Para preparar o Azul-Marinho não há dobradas. O beiju é comido quente com manteiga ou
medidas certas, pois elas variam de acordo com o tipo recheado com coco ralado.
de ingredientes, a prática e o gosto de cada um. O
procedimento, o modo de preparo, entretanto, é primor- Receita de Tainha na Brasa
dial para apurar o sabor final do prato. Para começar, o
peixe deve ser cortado em postas que não devem ser A tainha deve permanecer inteira, com as escamas,
muito finas. As bananas verdes serão cozidas com as e ser eviscerada, para, em seguida, ser aberta pelo
cascas e, por isso, devem ser pré-lavadas. São as cascas ventre – da ponta do rabo até o focinho da cabeça –,
que darão a coloração que dá o nome ao prato. Começa- até ficar completamente espalmada. A tainha deve ser
se fervendo a água em uma panela, de preferência de colocada com as escamas voltadas para a grelha. Em
ferro. Assim que a água começar ferver colocamos o sal seguida temperar com limão, sal e pimenta-do-reino
a gosto, e, logo em seguida, as bananas, os tomates em a gosto. A culinária pede que a carne do peixe seja
pedacinhos, cebolas cortadas em rodelas, o coentro, e regada com óleo de milho, mas a grande opção é o
a alfavaca, tudo cru; deixando cozinhar em fogo alto por azeite de oliva. Alguns preferem colocar também um
cerca de cinco minutos. Enquanto as bananas e os tem- pouco de extrato de tomate. Não precisa virar o peixe.
peros cozinham, cabe uma explicação importante. Exis- Quando o óleo ou azeite começar a borbulhar, a carne
tem várias espécies de coentro. O mais utilizado em está no ponto. Detalhe: a melhor tainha é aquela pescada
Ilhabela é um coentro de folhas largas, rasteiro, e que até o final de agosto; pois daí para frente ela fica com
o caiçara conhece por coentro-cachorro. Na falta da al- o sabor desagradável.
favaca – uma planta hortense cultivada nos jardins de-
vido seu aroma e pela beleza das folhas –, pode ser Receita de Xarelete na Brasa
utilizado o manjericão. Passados os cinco minutos de
cozimento, colocam-se as postas de peixe na panela. O Um dos melhores peixes para se fazer na brasa é
ponto do peixe é sentido com o toque do garfo. Estando o pequeno xarelete. O melhor tamanho é quando dois
a carne devidamente cozida, o garfo penetrará com fa- deles dão um quilo. Basta eviscerá-los (abrindo a
cilidade. Uma vez estando pronto, retira-se um pouco barriga) e temperar com sal por fora e no interior do
do caldo e a banana, que será descascada, com as cascas peixe. O segredo é fazer – com uma faca afiada – dois
sendo descartadas. A banana será utilizada para fazer o talhos ao logo do dorso do peixe, um de cada lado
pirão que acompanha o peixe. Para fazer o pirão – que do corpo. Isso facilitará – e em muito – a retirada dos
é uma papa grossa cujo ingrediente principal é a filés depois que o peixe estiver assado.

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Símbolos
municipais

Bandeira municipal Brasão


Criada por Salvador Thaumaturgo e instituí-
de armas
da por meio da lei municipal n-o 8/58, de 24 de
setembro de 1958. Criado por
Salvador Thau-
maturgo e insti-
tuído por meio
da lei municipal
n-o 8, promulga- Brasão.
da em 24 de se-
tembro de 1958. De acordo com a descrição
contida em lei, no alto do brasão está uma coral
mural de ouro, que é o símbolo mundial da
Bandeira. emancipação política municipal. O escudo prin-
cipal é azul com bordas de prata. O azul sim-
Hino boliza Ilhabela, seu céu e o clima saudável do
município. A coroa de ouro que está no interior
Autora: Celina C. Guimarães Pellizzari do escudo lembra a Princesa da Beira, em honra
da qual o município recebeu seu primeiro nome:
Minha cidade meu torrão
Meu berço amado onde nasci Vila Bela da Princesa. O antigo canhão de prata
Tens meu amor, meu coração que também está no escudo evoca os valorosos
Pertenço todo, todo a ti soldados que defendiam as entradas das barras
Com que prazer, com que alegria do Canal de São Sebastião contra a invasão de
Eu te saúdo neste dia corsários e piratas estrangeiros. No listel de ver-
Feliz me sinto ó terra amada melho estão as datas 1532 e 1805, referindo-
Por ver-te assim glorificada
se aos anos de fundação e elevação a Município,
Oh! Ilhabela tão faceira pelo capitão-general Antonio José de Franca e
Terra de sonhos tão querida Horta. A frase Ilhabela da Princesa é a própria
Tuas montanhas e palmeiras
Por todo o mundo és preferida denominação do município, evocação da Prin-
cesa da Beira e serve para identificação do es-
Oh! Ilhabela ilha gentil cudo. Os dois ramos de cana-de-açúcar
Noiva do mar de encantos mil
Glorioso adorno és do diadema representam a base de sustentação econômica
Que envolve o nome Brasil. do município no passado.

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Três poderes

Na República Federativa do Brasil, o governo é formado por três poderes: Executivo, Legislativo e
Judiciário. Eles são independentes entre si, têm papéis bem definidos pela Constituição de 1988 e formam
um tripé que é a base da de-

Nivaldo Simões
mocracia.
O Poder Executivo é
exercido pelo presidente,
pelos governadores dos
Estados e pelos prefeitos
dos municípios. Todos eles
são eleitos diretamente pelo
voto popular para um pe-
ríodo de quatro anos, com
direito a uma única reelei-
ção. Eles têm a responsabi-
lidade de administrar o País,
os Estados e os municípios, Fachada da Prefeitura de Ilhabela.
criar metas, investir em
saúde e saneamento básico e tudo mais que diz respeito ao bem-estar da população.
O Poder Legislativo é exercido, no âmbito federal, pelos senadores – eleitos por um período
de oito anos – e pelos deputados federais; deputados estaduais; e vereadores, nos municípios; sendo
todos estes eleitos para mandatos de
Nivaldo Simões

quatro anos, com direito a reeleições su-


cessivas. Senadores e deputados federais
estabelecem as leis do País e fiscalizam as
ações do presidente e dos seus ministros,
enquanto os deputados estaduais criam
leis no Estado e fiscalizam as ações do
governador. Os vereadores, por sua vez,
criam as leis das cidades e fiscalizam as
ações do prefeito.
O Poder Judiciário é exercido pelos
juízes. Compete a eles julgar e executar as
leis e zelar pela nossa Carta Magna.

Ao lado, a fachada da Câmara Municipal.

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Galeria de Prefeitos

Benedito Carlos Georgio Storace Geraldo A. Procópio Mariano Procópio


de Oliveira 1/1/1952 a 31/12/1955 da Cunha Junqueira Araújo de Carvalho
1/1/1948 a 31/12/1951 1/1/1956 a 31/12/1959 1/1/1960 a 15/9/1961
1/1/1969 a 30/6/1970

Manoel de Moura Marcus Raphael Benedito Santana Leonardo Reale


Barbosa Alves de Lima de Moraes 1/1/1964 a 31/12/1968
16/9/1961 a 13/9/1963 14/9/1963 a 16/10/1963 16/10/1963 a 31/12/1963

Eurípedes da Roberto Fazzini Gilson Tangerino Nilce Signorini


Silva Ferreira 31/1/1973 a 31/1/1977 Francisconi 1/1/1997 a 31/12/2000
1/7/1970 a 30/1/1973 1/1/1993 a 31/12/1996 1/2/1983 a 31/12/1988
1/2/1977 a 31/1/1983
1/1/1989 a 31/12/1992
Bianca Reis Verderosi

Manoel Marcos de
Jesus Ferreira
1/1/2001 a 31/12/2004
1/1/2005 a 31/12/2008

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