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A democracia como degeneração política -

Platão

A palavra "democracia" não se impôs senão


muito dificilmente e muito recentemente.
Certamente, durante a antiguidade grega, a
palavra se tornou corrente e importante mas
desapareceu em seguida. Não ressurgiu
senão no curso do século XX e se fez objeto
de um consenso universal somente depois de
1945. A formação da palavra "demokratia" é
original. Frequentemente, os gregos
designavam um regime político em
especificando o número daqueles que
exerciam o poder. Assim, criaram a palavra
"monarquia" que significa um só (mon) à
cabeça (arche). Do mesmo modo, a
"oligarquia" significa alguns (olig) à cabeça
(arche). Logicamente, se os gregos
quisessem evocar a ideia de que todos
governam, ou "o povo exerce o poder", teriam
falado de "demarquia". Não foi, no entanto, a
palavra que escolheram e isso não poderia
ser um acidente.
É preciso portanto se questionar sobre as
razões desta associação original entre povo
(demos) e poder (kratein). De pronto, a
democracia não é o equivalente da
"demarquia" o que significa que, na
democracia, o povo não é necessariamente
governante. Em outros termos, a democracia,
não é o governo do povo posto que ele não
está à cabeça. Por conseguinte, os críticos da
democracia, entre os quais a escola de
Platão, sublinharam constantemente a
ausência real de governante neste regime.
Para eles, a democracia deixa planar uma
incerteza sobre "quem governa"; ela não
designa ninguém claramente como sendo o
governante (à cabeça); ela é portanto
denunciada como um regime que não tem
cabeça, ordem, quer dizer como uma
anarquia. Em seguida, se a democracia não é
poder do povo, ela pode em revanche
designar o poder pelo povo e mesmo o poder
para o povo. Em outros termos, o povo é a
noção ou a instância que pode legitimar a
ação do poder. Dois casos de figura se
apresentam a nós: a ação do poder é legítima
porque ela visa o interesse de todos, quer
dizer o interesse coletivo da cidade; aqui, o
povo é a finalidade ou; a ação do poder é
legítima porque o povo participa sob uma
forma ou outra no processo de decisão. Em
resumo, o povo é a condição do poder ou a
finalidade, mas em nenhum dos casos, o
poder propriamente dito.
No "Livro VIII", de A República, Platão expõe
sua teoria da degenerescência dos regimes
políticos. Se a cidade perfeita é aquela onde a
razão governa o homem e o Estado, as
cidades imperfeitas são aquelas onde a razão
é suplantada por um vício. Na hierarquia da
corrupção dos regimes, a timocracia ocupa o
lugar mais invejável pois ela não é senão o
governo da honra. A regressão prossegue
com a oligarquia, cidade do dinheiro e da
busca descabida da riqueza. A avareza aí é a
paixão dominante conduzindo à concentração
da riqueza e ao empobrecimento de uma
parte dos cidadãos. Não é senão neste
momento que aparece a democracia sob o
golpe de uma revolução conduzida pelos
decepcionados, estes "marimbondos" cujo
rancor os armou de um dardo e que
reagrupam a oligarquia empobrecida, o
político que busca fortuna pela política, o
demagogo e o filho do oligarca emancipado
da tutela de seu pai. "Considero [...]", escreve
Platão, "que a democracia aparece quando os
pobres, tendo obtido a vitória sobre os ricos,
massacram uns, e banem os outros e
partilham igualmente com aqueles que
sobram, o governo e os cargos públicos"
(557b). Em outros termos, a democracia se
caracteriza a princípio por um gosto excessivo
pela liberdade que se encontra convertida em
licenciosidade. Esta última engendra um
sucumbir do reino das leis sob os golpes de
uma tolerância excessiva generalizada. Ainda
pior, ela conduz a uma reviravolta da ordem
moral: à busca da virtude se substitui uma
demanda insaciável do prazer. Daí resulta
uma espécie de inversão da ordem social: os
mestres temem os alunos, que os gozam; os
velhos querem agradar aos jovens e mesmo
os animais, como os asnos, tomam a
liberdade de ferir os transeuntes nas ruas. Eis
porque Platão conclui que a democracia é
"um governo agradável, variegado e
desordenado, que provê uma espécie de
igualdade tanto ao que é desigual quanto ao
que é igual" (558b). Ela é o fruto da
demagogia, que é seu vício primeiro. Daí
decorre sua propensão à anarquia que a faz
desembocar na tirania, governo da vaidade e
do crime.

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