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Análise Psicológica (1992), 4 o(): 431-442

Teorias da Mente na Criança e o Desen-


volvimento de Crenças Falsas: Falsas, de
Quem? (*)
ORLANDO LOURENÇO (**)

Hoje em dia, a emergência de uma teoria da dúzia de anos por Premack e Woodruff (1978)
mente na criança é talvez um dos temas mais com a pergunta «tem o chimpanzé uma teoria
estudados pelos psicólogos do desenvolvimento da mente?)), e a relevância pragmática derivada
cognitivo (ver Astington, Harris & Olson, 1988; da hipótese que sustenta que uma «teoria da
Wellman, 1990; Whiten, 1991). No dizer de mente é essencial para [se] compreender ou
Caro1 Feldman (1992), o recente interesse dos prever grande parte do comportamento huma-
psicólogos do desenvolvimento pelo conheci- no... [e] também essencial para a comunicação
mento da criança sobre os estados mentais dos normal, verbal como não-verbal» (Baron-
outros e do próprio (i.e. as suas crenças, desejos -Cohen, 1990, p. 408). Por exemplo, parece
e intenções) representa mesmo «uma mudança haver considerável evidência mostrando que as
de paradigma na investigação desenvolvimentista crianças autistas apresentam acentuados défices
pós-Piagetiana)) (107). no desenvolvimento de uma teoria da mente,
Do nosso ponto de vista, tal interesse tem em geral, e na compreensão das crenças falsas,
por base o desafio teórico lançado há uma em particular (Baron-Cohen, 1987, 1990, 1991;
Baron-Cohen, Leslie & Frith, 1985; Leslie, 1991;
(*) Expressamos o nosso agradecimento h crianças Tagen-Flusberg, 1992).
que foram sujeitos experimentais neste estudo e que O problema de saber quando se pode atribuir
tomaram possível esta investigação. Um agradecimen- a criança uma teoria da mente anda associado
to especial é devido ii Alexandra lbrçolo, Sónia Bento,
Sónia Oliveira, Ana Brandão e ieonor Maurício pela ao que os próprios teóricos entendem por teoria
colaboração prestada. Foram elas que recolheram os da mente. Para alguns (e.g., Premack e
dados reportados nesta investigação e que se respon- Woodruff, 1978), «a pessoa tem uma teoria da
sabilizaram pela construção da maquete utilizada mente [quando] atribui estados mentais a si
neste estudo. próprio e aos outros)) (p. 515). Se defendermos
A investigação reportada aqui foi apresentada no
I1 Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia, que a criança tem uma teoria da mente quando
Lisboa, 21-23 de Outubro de 1992. é capaz de atribuir a outrem ou a si própria
Correspondência referente a este artigo deve ser estados mentais, como, por exemplo, desejos,
endereçada a Orlando Lourenço, Faculdade de Psico- intenções e crenças, então tal capacidade é já
logia e de Ciências da Educação, Alameda da Univer- visível aos 2-3 anos, ou mesmo mais cedo. Esta
sidade, 1600 Lisboa.
(**) Professor Associado, Faculdade de Psicologia
posição é defendida por vários investigadores
e de Ciências da Educação da Universidade de que, no dizer de Hala, Chandler e Fritz (1991),
Lisboa. constituem o «grupo dos que apressam a emer-

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gência de uma teoria da mente na criança» (p. (e.g., Baron-Cohen, 1987, p. 146). É também
84). Esses investigadores (e.g., Wellman, 1988; por essa razão que o problema das representa-
Wolley & Wellman, 1990) baseiam-se, para o ções erróneas («misrepresentations») é um
efeito, no facto da criança ser já capaz, ainda problema central em qualquer teoria da repre-
muito antes dos 4 anos, de distinguir entidades sentação (e.g., Fodor, 1984) e que o sucesso das
físicas (cadeira, por exemplo) de entidades crianças nas chamadas tarefas de crenças falsas
mentais (pensamento sobre a cadeira, por hipó- é tido como indicador crítico de que a criança
tese); de ser já capaz de actos comunicativos,, já tem uma teoria da mente (ver Flavell, Flavell,
como troçar, por exemplo, que sugerem a com- Green & Moses, 1990; O’Neil & Gopnik, 1991;
preensão da experiência interna do outro (e.g., Perner et al., 1987; Wellman & Bartsch, 1988;
Dunn, 1988, 1991; Reddy, 1991); de ser já capaz Wimmer & Perner 1983). Na situação clássica
de distinguir verbos mentais, como pensar (e de crenças falsas (afalse beliefs task», ver
conhecer, entre outros (e.g., Bretherton fc Wimmer & Perner, 1983), as crianças ouvem
Beeghly, 1982); de ser capaz de participar em a história de um protagonista que colocou um
jogos do «faz de conta que» (e.g., Dunn, objecto (chocolate) em determinado local
Bretherthon & Munn, 1987), ou mesmo capaz (gaveta), antes de ir brincar. Na sua ausência,
de utilizar truques para enganar os seus o chocolate foi mudado para outro local
parceiros de jogo (e.g., Chandler, Fritz & Hala, (armário), não sendo esta transferência
1989). conhecida pelo protagonista. Pergunta-se então
Uma perspectiva diferente sobre o que é ter as crianças onde é que o protagonista vai
uma teoria da mente é sustentada pelos teóricos procurar o chocolate quando regressar: na
mais directamente ligados ao desenvolvimento gaveta ou no armário? Por vezes, a pergunta
das teorias da mente na criança (e.g., Forgusoii crítica não é essa, mas outra que se supõe
& Gopnik, 1988; Gopnik & Slaughter, 1991; avaliar a mesma competência: «Quando o pro-
Leslie, 1988; Moses & Flavell, 1990; Perner dt tagonista regressar pensa que o chocolate está
Astington, 1992; Perner, Leekam & Wimmer, na gaveta ou no armário?» As crianças fracas-
1987; Wimmer, Hogrefe & Sodian, 1988; sam nessa tarefa quando seguem o que nós
Wimmer & Perner, 1983). Para tais teóricos, s6 designamos por critério ontológico, ou seja,
se pode creditar a criança uma teoria da mente quando dizem que o protagonista pensa ou vai
quando ela é capaz de manifestar que compre- procurar o chocolate no local onde ele realmente
ende a mente como um sistema representacio- está. Se seguem o que nós designamos por cri-
nal, ou seja, capaz de distinguir entre aquilo tério epistemológico, ou seja, se dizem que o
que Frege (1892A960) chamou de referente protagonista pensa ou vai procurar o chocolate
(«referent») e de sentido («sense»). Tal distinção onde o deixou e acredita que está, então obtêm
é facilmente visível em caso de representações sucesso. De modo consistente, um grande núme-
erróneas ou crenças falsas, que «ocorrem ro de estudos (ver Astington et al., 1988; Perner,
quando qualquer coisa representa qualquer 1991; Wellman, 1990; Whiten, 1991) mostram
coisa (referente) não como é realmente ma,s que a maioria das crianças de 3 anos responde
como sendo diferente do que é (sentido))) de modo incorrecto a tais perguntas ou outras
(Perner & Astington, 1992, p. 145). Por exemplo, similares e que «só por volta dos 4-5 anos é
se penso que tenho o artigo que acabei de citar que a maioria das crianças responde correcta-
em minha casa, quando realmente ele está no mente nessas tarefas)) (Moses & Flavell, 1990,
meu gabinete da Faculdade, então essa minha p. 929). Por outras palavras, para tais teóricos,
convicção ou crença é falsa, embora tal repre- a criança de três anos ainda não é capaz de
sentação exista desde que seja representada compreender «que as outras pessoas mantêm
mentalmente. É por esta razão que tais teóricos crenças falsas, i.e. pensam ser verdade o que
defendem que a criança só tem uma teoria da ela própria sabe ser falso» (Perner et al., 1987,
mente quando é capaz de «metarepresentação» p. 136). Por essa razão, as crianças de 3 anos
(e.g., Leekam, & Perner, 1991, p. 203; Leslie, ainda não possuem uma teoria explícita sobre
1988, p. 33; Whiten & Perner, 1991, p. 14), ou a mente, sendo por volta dos 4-5 anos que isso
seja, de ((representações de segunda ordem)) acontece. É devido a este facto que Hala e seus

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colaboradores (1991) consideram esse grupo de a crença e parecem seguir, nas palavras de
investigadores como aqueles que «atrasam o Wellman & Bartsch (1988), a seguinte regra:
começo» de uma teoria da mente na criança «Em caso de conflito entre crença e desejo,
(P. 84). prever segundo o desejo)) (p. 273). Wellman e
Deve referir-se que esta linha de separação Bartsch apresentam dados que, embora não
entre as crianças de 3 e de 4 anos, quanto ao isentos de crítica (ver Perner, 1989), parecem
seu desempenho nas tarefas de crenças falsas, mostrar que as crianças de 3 anos, quando «não
existe também nos seus desempenhos nas tarefas há conflito entre a crença e a realidade)) (p.
de distinção entre aparênciahealidade (e.g., 273), são já capazes de utilizar as crenças nas
Flavell, 1992; Flavell, Green & Flavell, 1986), suas previsões. Por exemplo, na história «A
nas tarefas de Nível 2 da tomada de perspectiva Joana quer sugos, e há sugos no armário e no
(e.g., Flavell, Everett, Croft & Flavell, 1981) e frigorífico; ela pensa que há apenas sugos no
nas tarefas de identificação e recordação das frigorífico. Onde é que a Joana vai procurar
fontes que podem estar na origem das crenças os sugas?)), a maioria de crianças de 3 anos
(e.g., Gopnik & Graft, 1988; O’Neil & Gopnik, já faz previsões atendendo a crença do protago-
1991). nista (ver Wellman & Bartsch, 1988).
A que se devem as dificuldades das crianças Segundo a hipótese do défice conceptual
de 3 anos nas tarefas de crenças falsas? Dada (Perner et al., 1987), as crianças de 3 anos
a importância das teorias da mente para a tendem a falhar nas tarefas de crenças falsas,
compreensão e previsão do comportamento porque são incapazes de ((atribuir a uma
humano, tal pergunta merece ser escrutinada determinada afirmação valores de verdade que
com todo o cuidado. Em síntese, tem havido conflituam)) (p. 125). Por outras palavras, para
três tipos principais de resposta para essa as crianças responderem correctamente nas
pergunta. Essas respostas poderiam ser chama- tarefas de crenças falsas, elas têm de compre-
das de hipótese do conflito crença/desejo (e.g., ender que outra pessoa pode considerar como
Wellman, 1991; Wellman & Bartsch, 1988), de verdade (eg., «O chocolate está na gaveta))) algo
hipótese do défice conceptual (e.g., Perner et que para elas é realmente falso (e.g., «O choco-
al., 1987) e de hipótese da não partilha do late não está na gavetata, mas no armário))).
significado Iinguístico entre investigador e Contudo, compreender que o protagonista, na
criança na questão-teste das situações de crença história referida, «irá procurar no local errado,
falsa: «Onde é que o protagonista vai procurar não porque quer procurar mal, mas antes por-
o objecto quando regressa?)) / «Onde é que o que quer procurar bem» (p. 135), só é possível
protagonista pensa que está o objecto quando quando se é capaz de metarepresentação (Leslie,
regressa?)) (e.g., Siegal & Beattie, 1991). 1988), ou se tem um ((modelo representacional
Segundo a hipótese do conflito desejokrença da mente)) (Forguson & Gopnik, 1988, p. 235),
(Wellman & Bartsch, 1988), as crianças de 3 o que geralmente só acontece com as crianças
anos tendem a responder de modo incorrecto a partir dos quatro anos. Deve referir-se que
nas situações de crenças falsas, ou seja, tendem os teóricos da limitação ou défice conceptual
a dizer que o protagonista vai procurar o têm apresentado dados que parecem testar esta
objecto onde ele está realmente (critério hipótese contra outras hipóteses alternativas (ver
ontológico) e não onde ele próprio pensa que Perner et al., 1987). Entre estas hipóteses, devem
está (critério epistemológico), porque «as tarefas mencionar-se a que defende que a criança de
de crenças falsas apresentam um conflito entre 3 anos tende a falhar nas tarefas de falsas
o raciocínio orientado pelo desejo (o protagonis- crenças devido a sua dificuldade em reter a
ta quer o objecto que está colocado no armário informação relevante em tais tarefas (i.e., que
e é aí que o vai procurar) e o raciocínio orien- o protagonista sabe onde colocou o objecto,
tado pela crença (o protagonista sabe que colo- inicialmente, e que não viu a sua transferência
cou o objecto na gaveta e é aí que o irá para o outro local), e a que sustenta que tal
procurar))) (p. 273). Em tais situações, as fracasso é devido A dificuldade que essa criança
crianças de 3 anos dão mais peso a informação tem em assumir o que nessas situações provoca
relativa ao desejo do que a informação relativa o aparecimento da falsa crença. Na situação

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de mudança-inesperada, por exemplo, a criança esses autores puderam constatar que a maioria
só compreenderá que o protagonista adquire das crianças da primeira condição respondia de
uma crença falsa na suposição de que o objecto., modo incorrecto (i.e., seguiam o critério
uma vez colocado na gaveta, lá permanecerá. ontológico), enquanto que a maioria das crian-
Segundo a hipótese da não partilha de signi- ças da segunda condição respondia correctamen-
ficado linguístico entre investigadorkriançei te (i.e., seguiam o critério epistemológico). ’Ià1
(Siegal & Beattie, 1991), o fracasso das crianças descoberta é favorável a sua tese, já que, para
de 3 anos na pergunta-teste mais usada nas eles, as crianças de 3 anos tendem a falhar nas
situações de crenças falsas («Onde é que CI tarefas de crenças falsas porque elas não par-
protagonista vai procurar o objecto?))) não se tilham das implicações linguísticas assumidas
dwe, ao invés do defendido por alguns autores. pelo experimentador que as questiona.
ii primazia do desejo quando em conflito coml O presente trabalho insere-se na linha de
a crença (Wellman & Bartsch, 1988), ou a limi- investigação de esta última hipótese e teve dois
tações conceptuais da capacidade metarepre- objectivos fundamentais. Primeiro, analisar se
sentativa dessas crianças (Perner et al., 1987). uma amostra de crianças Portuguesas entre os
Segundo essa hipótese, tal fracasso deve-se ao três anos e meio e os quatro anos e meio apre-
facto de essas crianças serem «pouco experientes senta condutas de crenças falsas similares às de
em termos de conversação [com o adulto])), em crianças de outros países, como por exemplo,
geral (Siegal & Beattie, 1991, p. lO), e de «não1 Austríacas (Hogrefe, Wimmer & Perner, 1986,
partilharem a intenção do experimentador Wimmer & Perner, 1983), Americanas (Johnson
quando este as questiona [com a pergunta: & Maratsos, 1977), Inglesas (Baron-Cohen et
‘Onde é que o protagonista vai procurar a1 al., 1985; Perner et al., 1987) e Australianas
objecto?’])) (p. 2), em particular. De modo mais (Siegal & Beattie, 1991). Segundo, testar, na
preciso, Siegal e Beattie sustentam que o expe- nossa amostra, a validade da explicação que
rimentador, ao fazer tal pergunta A criança, Siegal e Beattie (1991) propõem para as dificul-
assume que ela vai dar-lhe o significado que dades das crianças de 3 anos na compreensão
ele próprio também lhe dá. Ou seja, assume das crenças falsas.
que a criança percebe de modo implícito o que
para ele é explícito, isto é, assume que a criança
dessa idade percebe que lhe é perguntado onde 1. METODOLOGIA
é que o protagonista vai procurar primeiro. A
criança jovem, contudo, porque é relativamente 1.1. Sujeitos
noviça em termos de conversação com a adulto,
pode não assumir tal significado do questionar Neste estudo participaram 40 crianças com
do experimentador, e interpretar a questão em idades compreendidas entre os 3 anos e 6 meses
termos de «onde vai o protagonista procurar e os 4 anos e 6 meses. Metade das crianças
o objecto de modo a encontrá-lo», ou em ter- participava na condição de questão preditiva
mos de «onde deve o protagonista procurar o implícita, e a outra metade, na condição de
objecto de modo a não se enganar)). Interpre- questão preditiva expiícita (ver procedimento),
tando (mal) a pergunta (intenção) do experimen- tendo essa distribuição sido feita de modo alea-
tador, é óbvio que a criança vai-lhe responder tório. As crianças foram seleccionadas aleato-
de modo incorrecto. Um estudo efectuado por riamente em três jardins de infância da zona
esses autores (Siegal & Beattie, 1991) parece dar- de Sintra. O número de meninos e de meninas
-lhes razão. Com efeito, tendo comparado o era aproximadamente idêntico. As crianças per-
desempenho de um grupo de crianças entre os tenciam maioritariamente a classe média.
3-4 anos, a quem se colocava a pergunta
clássica, «Onde é que o protagonista vai 1.2. Material
procurar o objecto?», com outro grupo da
mesma idade a quem se explicava as intenções Utilizou-se a maquete de uma casa, feita em
do experimentador, perguntando-lhes «Onde é madeira, que tinha os seguintes compartimen-
que o protagonista vai procurar primeiro?», tos: cozinha, quarto, sala e casa de banho. Na

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proporção da casa, havia ainda um boneco («O colocadas as seguintes perguntas, por esta
menino João))) e um gato de plástico («O ga- ordem:
tinho do João))). Onde é que o João vai procurar o
1-
Como situação de crenças falsas foi utilizada
gatinho (condição l)/Onde é que o
a seguinte história: João vai procurar primeiro o gatinho
«Este é o João e este é o gato do João. O (condição 2): Aqui (a experimentadora
João anda a procura do gato. O gato está apontava a casa de banho) ou ali (a
na casa de banho, mas o João pensa que experimentadora apontava a sala), e
está na sala. Onde é que o João vai procurar porquê?
o seu gatinho: Na casa de banho ou na sala?» 2 - És capaz de me dizer o que te
perguntei?
A utilização da maquete, do boneco e do «ga-
3 - Onde é que o gatinho está realmente?
tinho)) foi feita para dar contexto a situação
de crenças falsas e para tornar mais concreta Na pergunta 1, foi rodada a ordem de apre-
e atraente a tarefa apresentada a criança, sentação das duas alternativas envolvidas. As
sobretudo quando se lhe pergunta onde é que respostas das crianças foram anotadas integral-
o menino João iria procurar o seu gatinho. A mente para posterior codificação.
história é similar às utilizadas por Siegal e
Beattie (1991), e é de um tipo muito frequente 1.4. Codificação de variáveis
nas investigações sobre teorias da mente e
crenças falsas (e.g., Moses & Flavell, 1990; A pergunta 1 destinava-se a indagar a com-
Wellman & Bartsch, 1998). Comparada com a preensão das crenças falsas pela criança. As
situação clássica da mudança inesperada do respostas das crianças eram classificadas como
objecto («O João colocou o chocolate na gaveta correctas (i.e., a criança dizia que o João iria
e saiu para brincar; na sua ausência a mãe procurar o gatinho onde ele pensava que estava,
mudou o chocolate para o armário. Onde é que ou seja, na sala), ou como incorrectas (i.e, a
o João vai procurar o chocolate quando regres- criança dizia que o João iria procurar o gatinho
sar: na gaveta ou no armário?)); ver Wimmer onde ele estava realmente, ou seja, na casa de
e Perner, 1983), esta história transmite apenas banho).
a informação necessária para fazer dela uma A pergunta 2 destinava-se a obter informação
situação de crenças falsas, omitindo, portanto, sobre o modo como a criança interpretava a
informações que podiam sobrecarregar a memó- pergunta do experimentador e, portanto, a obter
ria da criança e dificultar o seu desempenho uma possível informação adicional sobre a sua
nessa tarefa. compreensão das crenças falsas. De referir,
contudo, que tal não foi conseguido. Com
1.3. Procedimento efeito, embora as crianças dissessem que se
lembravam do que lhes tinha sido perguntado,
As crianças foram testadas individualmente não foram capazes, de modo geral, de repetir
por duas estudantes de Psicologia, treinadas o que lhes tinha sido perguntado, quando
para o efeito. Uma delas era a experimentadora, indagadas a fazê-lo. Dada a idade das crianças,
cabendo a outra anotar as resposta das crianças. tal facto não surpreende.
As crianças foram ouvidas em salas dos jardins A pergunta 3 era uma pergunta-controlo des-
de infância que frequentavam. tinada a verificar se as crianças sabiam realmen-
Após uma curta fase de relacionamento, a te onde estava o gatinho. Foi respondida correc-
experimentadora contava a criança a história tamente por todas as crianças. Quanto às justi-
do menino João e do seu gatinho, servindo-se ficações solicitadas às crianças na pergunta 1,
também do respectivo material. A criança era constatou-se que a maioria das crianças se
submetida então a sua respectiva condição limitava a dizer «porque sim)), ou não apresen-
experimental: Condição de questão preditiva tava qualquer tipo de justificação. A idade das
implícita (condição 1) ou condição de questão crianças e a pouca experiência em indagação
preditiva explícita (condição 2). Eram-lhe então clínica das estudantes que recolheram os dados

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TABELA 1
Frequência das respostas correctas e incorrectas na tarefa de crenças falsas
em função da condição experimental

Condição experimental

Categoria de resposta Pergunta implícita Pergunta explícita

Respostas correctas 10 16
(50) (80)
Respostas incorrectas 10 4
(50) (20)

Nota: N = 20 para cada condiçáo experimental. Os números entre parêntesis representam percentagens.

podem estar na base desse facto. Sendo assim, Embora não tenha havido, como já foi referi-
não se procedeu a uma análise quantitativa das, do, um tratamento quantitativo das justificações
justificações das crianças. das crianças para a previsão do comportamento
do protagonista que lhes era solicitada, verifi-
cou-se, contudo, que, das seis justificações que
2. RESULTADOS invocavam a crença do protagonista como base
da sua acção (((0 João procura o gatinho ali
2.1. Desempenho das crianças na tarefa de porque pensa que está lá»), cinco delas foram
crenças falsas dadas pelas crianças da condição 2 (implicações
A tabela 1 apresenta a frequência das respos- explícitas), e uma apenas pelas crianças da
tas correctas e incorrectas das crianças na tarefa condição 1 (implicações implícitas). Este dado
das crenças falsas em função da condição expe- é consistente com o melhor desempenho das
rimental, isto é, a frequência das respostas que crianças na condição 2 do que na condição 1.
denotam ou não compreensão das crenças falsas De modo geral, estes resultados são semelhan-
em cada uma das condições experimentais. tes aos obtidos por Siegal e Beattie (1991), que
Como se pode ver pelo exame dos dados também encontraram uma diferença significativa
dessa tabela, na condição da questão preditiva de igual sentido entre as duas condições. Con-
implícita, houve igual número de respostas tudo, no nosso estudo, o desempenho das crian-
correctas (i.e., compreensão das crenças falsas), ças em cada uma das duas condições foi um
50%, e de respostas incorrectas (não compreen- pouco melhor que o obtido pelas crianças da
são das crenças falsas), 50%. Ao invés, na outra investigação, cujas percentagens de sucesso
condição da questão preditiva explícita, as foram de 71% na condição de pergunta explícita
respostas de sucesso na tarefa (80%) foram (SOVO no nosso estudo) e de 35% na condição
significativamente mais frequentes (pc.05, de pergunta implícita (50% na nossa investiga-
segundo um teste binomial) do que as respostas ção). Estas discrepâncias podem dever-se ao
de fracasso (20%). A utilização de um teste de facto do estudo de Siegal ter utilizado duas
chi-quadrado para comparar as respostas das situações de crenças falsas, enquanto o nosso
crianças nas condições 1 (de questão implícita) estudo utilizou apenas uma, e também ao facto
e 2 (de questão explícita) revelou valores das idades das crianças envolvidas nos dois
significativos, X2(1)= 3.95, p<.05, tendo o estudos não coincidirem exactamente.
desempenho das crianças sido melhor na condi- Os resultados obtidos pelas nossas crianças
ção de pergunta explícita do que na condição na condição da questão preditiva implícita
de pergunta implícita. (condição em que têm sido obtidos a maior

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parte dos resultados de outros estudos) mostram das situações mais usadas para o estudo do
também que o desempenho das crianças Portu- desenvolvimento das teorias da mente, em geral
guesas da presente amostra em tarefas de cren- (Astington et al., 1988; Whiten, 1991), e da
ças falsas é relativamente similar ao obtido por compreensão das crenças falsas, em particular
crianças de outros países. De facto, esses estudos (Moses & Flavell, 1990, O’Neil & Gopnik, 1991;
(ver Perner et al., 1987, p. 135) revelam que as Perner et al., 1987). Em segundo lugar, esta
crianças entre os 3 anos e os 3 anos e meio investigação pretendeu também replicar um
tendem a fracassar nas tarefas de crenças falsas, estudo de Siegal e Beattie (1991) e, de modo
e que a partir dessa idade começam a ter suces- mais específico, testar, nessa amostra de crianças
so, sucesso que é quase total por volta dos 5 Portuguesas, a hipótese avançada por esses
anos. Convém lembrar que a percentagem de autores, que têm sustentado que as dificuldades
sucesso na condição da pergunta implícita do das crianças de 3 anos, em geral, nas chamadas
presente estudo foi de 50%, e que as idades das tarefas de crenças falsas, não se devem, ao invés
crianças estavam compreendidas entre os 3 anos do defendido por alguns (e.g., Wellman &
e meio e os 4 anos e meio. Bartsch, 1988), ao facto de essas crianças darem
Os resultados do nosso estudo apoiam tam- mais peso a informação relativa ao desejo do
bém a explicação proposta por esses autores, que a informação relativa às crenças, ou a
autores que têm defendido que as dificuldades limitações da sua capacidade metarepresentativa
das crianças de 3 anos nas tarefas de crenças (e.g., Perner & Astington, 1992; Perner et al.,
falsas, ou, pelo menos, na tarefa envolvida neste 1987), devendo-se antes ao facto de essas
estudo, têm menos a ver com a supremacia do crianças não partilharem o significado das
desejo sobre a crença (Wellman & Bartsch, implicações linguísticas do experimentador e
1988), ou com limitações conceptuais (Perner interpretarem a pergunta, «Onde é que o prota-
et al., 1987), e têm mais a ver com a incompe- gonista vai procurar o objecto?)), como se ela
tência linguística da criança, em geral, e com fosse outra: «Onde é que o protagonista vai
a sua não partilha das implicações linguísticas procurar o objecto de modo a encontrá-lo?)).
assumidas pelo experimentador quando a ques- Quanto ao primeiro objectivo visado nesta
tiona, em particular. investigação, os resultados deste estudo mostram
Como também já foi referido, não apresen- que o desempenho da nossa amostra de crianças
tamos qualquer tratamento para as respostas entre os três anos e meio e os quatro anos e
da criança A pergunta 2 («És capaz de dizer meio nessa situação clássica de compreensão
o que te perguntei?))). De facto, embora as das crenças falsas é relativamente idêntico ao
crianças tendessem a dizer que eram capazes, obtido em estudos com crianças de outros países
tendiam a fracassar quando eram solicitadas a (ver Perner et al., 1987, p. 135). Por outras
repetir a pergunta que Ihes tinha sido feita palavras, mostram que, a partir dos três anos
previamente. Isto significa que não foi possível e meio, as crianças começam já a ser relativa-
obter, como era pretendido, informação adicio- mente capazes de atribuir crenças falsas a
nal quanto a compreensão das crenças falsas outrem. Com efeito, mesmo na condição predi-
pelas crianças. tiva implícita, 50% das nossas crianças foram
Em síntese, os nossos resultados fortalecem capazes de prever que o protagonista (i.e., o
a hipótese que Siegal e Beattie (1991) têm menino João) iria procurar o objecto desejado
apresentado para as dificuldades das crianças &e., o gatinho) no local onde pensava que
de 3 anos em algumas tarefas de crenças falsas. estava, e não no local onde o objecto estava
realmente.
Conclusões mais definitivas quanto A compa-
3. DISCUSSÃO ração entre o desempenho de crianças Portugue-
sas e de outros países na atribuição de crenças
Como foi afirmado, este estudo pretendeu falsas só seriam possíveis de extrair se, além de
analisar o desempenho de uma amostra (não re- outras coisas, o nosso estudo incluísse 1) um
presentativa) de crianças Portuguesa entre os grupo de crianças entre os três anos e os três
três anos e meio e os quatro anos e meio numa anos e meio, já que as investigações efectuadas

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mostram que as crianças dessa idade são geral- também obtida no estudo de Siegal e Beattie,
mente incapazes de manter crenças falsas (i.e., embora as suas percentagens de sucesso em cada
Moses & Flavell, 1990; Perner et al., 1987); 2) uma dessas condições tenham sido inferiores
outro grupo de crianças entre os quatro anos as nossas (35% versus 50%, na condição de
e meio e os cinco anos, uma vez que os estudos implicação não assumida; 71% versus 80070, na
existentes revelam que a maioria das crianças condição de implicação assumida). Como já foi
desse nível etário já é capaz de conceptualizar referido, tais diferenças podem dever-se ao facto
a existência de crenças falsas (e.g., Perner & de Siegal e Beattie terem usado resultados
Davies, 1991), ou de competências similares, tais compósitos provenientes da utilização de duas
como a distinção entre fontes (i.e., percepçãol, histórias de crenças falsas, enquanto nós
informação e inferência) que originam crenças utilizámos apenas uma história, e também ao
e conhecimentos (e.g., Gopnik & Graf, 1988) facto de não haver correspondência perfeita
e a recordação de estados mentais de um passa- entre os limites etários das amostras dos
do recente (e.g., Gopnik & Slaughter, 1991); II respectivos estudos (no nosso estudo, a variação
3) uma amostra representativa e significativa das de idades era entre 3 anos e 6 meses e 4 anos
crianças Portuguesas. Deve referir-se, contudo; e 6 meses; no outro estudo, a variação era entre
que isso não aconteceu porque o nosso objectivo 3 anos e 2 meses e 4 anos e 11 meses).
central era testar a validade da explicação Os nossos resultados parecem, pois, fortalecer
proposta por Siegal e Beattie (1991) na nossi1 a ideia que sustenta que as dificuldades das
amostra. Por tal razão, era importante que não crianças jovens na compreensão das crenças
fosse escolhido um grupo etário para o qual falsas não provêm tanto da sua maior centração
se poderia prever um efeito tecto na solução na informação relativa ao desejo do que na
da tarefa proposta, ou seja, um grupo etário informação relativa a crença, ao invés do
formado por crianças com mais de 4 anos :I defendido por alguns autores (e.g., Wellman &
meio. Talvez tivesse sido desejável incluir um Bartsch, 1888), nem tanto da sua incapacidade
grupo etário entre os três anos e os três ano8 de metarepresentação, ou seja, de compreende-
e meio. Isto não aconteceu porque a recolha rem a representação enquanto processo de repre-
de dados era feita por estudantes não graduados sentação, ao invés do defendido por outros (eg.,
de Psicologia do Desenvolvimento, por um lado, Perner & Astington, 1992; Perner et al., 1987),
e porque é relativamente difícil a indagação mas que tais dificuldades, pelo menos na respos-
verbal de crianças com esse nível de idade, por ta a pergunta clássica de muitas situações de
outro. crenças falsas utilizadas na maioria das investi-
Quanto ao segundo objectivo deste estudo, gações («Onde é que o protagonista vai procurar
os nossos resultados são, de modo global, con- o objecto desejado?))), provêm do facto de essas
sistentes com os obtidos por Siegal e por Beattie crianças «não partilharem a intenção assumida
(1991) numa amostra de crianças Australianas na pergunta do experimentador e perceberem
e apoiam, portanto, a sua hipótese da não par- que ele está perguntando mais do que aquilo
tilha, pela criança, do significado linguístico que é necessário no sentido de obter uma res-
das implicações seguidas pelo experimentado r posta satisfatória)) (Siegal & Beattie, 1991, p.
quando lhe pergunta onde é que o protagonista 8). De outro modo, em conformidade com os
vai procurar o objecto desejado. Com efeito, resultados de Siegal e de Beattie (1991), os
enquanto que na condição da pergunta clássica, nossos resultados parecem também mostrar que,
«Onde é que o menino vai procurar o gatin- quando as crianças compreendem exactamente
ho?)), apenas 50% das crianças responderem o que o experimentador lhes pergunta, são
acertadamente (k,atendendo a crença falsa capazes, mesmo numa idade em que geralmente
do protagonista), na condição da pergunta não se lhes atribui competência para a compre-
explícita, «Onde é que o menino vai procurar ensão de crenças falsas, de manter a primazia
primeiro o gatinho?)), essa percentagem subiu da crença em relação ao desejo, de se guiar por
para 80%. Esta diferença significativa entre critérios epistemológicos versus ontológicos e,
essas duas condições, com vantagem para a portanto, capazes também de metarepresentar.
condição de explicitação linguística, tinha sido São capazes, pois, e contrariamente ao que tem

438
sido geralmente sustentado (ver Astington et al., mais velhas (a partir dos 4 anos, em média)
1988; Whiten, 1991), de compreender a existên- pode ter a ver com a sua própria competência
cia de crenças falsas e ter uma teoria explícita cognitiva. Se assim fosse, a explicação de Siegal
sobre a mente. e Beattie (1991), com o seu apelo às limitações
Estes resultados, por simples que sejam, pare- linguísticas da jovem criança, não seria tão
cem mostrar que ao estudarmos as competên- diferente, quanto clamado, da explicação de
cias da criança em muitas áreas do desenvolvi- Perner e seus associados (1987), com o seu apelo
mento cognitivo, em geral, e nas tarefas das às limitações conceptuais e metarepresentativas
crenças falsas, em particular, não devemos, nós dessa mesma criança.
próprios, partir de pressupostos falsos. De facto, Seja como for, a ideia que sustenta que as
pode bem acontecer que as dificuldades da cri- dificuldades das crianças jovens na compreensão
ança jovem na compreensão das chamadas cren- das teorias da mente, em geral, e das crenças
ças falsas se devam também ao facto dos inves- falsas, em particular, andam associadas ao facto
tigadores assumirem em relação a ela crenças de tais crianças serem relativamente ((noviças
que podem ser falsas. Nas tarefas de crenças em termos de conversação [com o adulto]))
falsas e de teorias sobre a mente, parece que (Siegal & Beattie, 1991, p. 10) aporta contributos
são algumas crenças injustificadas dos investiga- importantes a essa área de investigação. O facto
dores que os têm levado a cometer erros falsos de se ter constatado que as crianças autistas
negativos (Flavell, 1977), ou seja, a não apresentam défices na compreensão das teorias
atribuirem ii criança competências que não da mente e das crenças falsas (e.g., Baron-
parece revelar, mas que tem efectivamente. Se -Cohen, 1987, 1990, 1991; Leekam & Perner,
esse for o caso, tem se concordar, ao menos 1991; Leslie, 1991; Thger-Flusberg, 1992) confere
em parte, com a afirmação de Siegal e Beattie ainda mais importância a essa ideia.
(1991) quando defendem «que em relação ao Já foram assinaladas algumas limitações deste
conhecimento de crenças falsas na criança..., trabalho. Importa, por isso, continuá-lo, tanto
devemos olhar em primeiro lugar para a sua mais que, quanto sabemos, é o primeiro estudo
compreensão do contexto conversacional e uso sobre crenças falsas realizado no nosso país.
pragmático da linguagem)) (p. 11). Contudo, Além de ser interessante dispor de mais dados
olhar para o contexto linguístico para compre- sobre o desempenho das crianças Portuguesas
ender as dificuldades da criança nas tarefas de em várias situações de crenças falsas, interessa
crenças falsas estaria mais de acordo com a também testar a validade da explicação de Siegal
teoria de Vygostky (1981) e com a sua ênfase e Beattie em outras histórias de crenças falsas.
na origem social da cognição do que com a Por exemplo, numa próxima investigação, anali-
teoria de Piaget (1983) e com a sua tónica na saremos se as condições de previsão implícita
construção individual do conhecimento (ver e explícita também provocam diferenças signifi-
Lourenço, 1992). cativas no desempenho das crianças em outras
Dizemos que tem de se concordar em parte, situações muito utilizadas no estudo do desen-
e não totalmente, com a explicação de Siegal volvimento das teorias da mente e das crenças
e Beattie, porque se pode argumentar, Piagetia- falsas, como são o paradigma da mudança ines-
namente (ver Inhelder, Sinclair & Bovet, 1974), perada de um objecto (ver Wimmer & Perner,
que a própria competência linguística da criança 1983), da informação falsa (ver Johnson &
não pode ser desligada da sua competência co- Maratsos, 1977), e do achado surpresa (ver
gnitiva. Por outras palavras, o facto da pergunta Astington & Gopnik, 1988). Interessante seria
clássica das situações de crenças falsas, «Onde também investigar as crenças falsas das crianças
é que o protagonista vai procurar o objecto de- em situações comportando diferentes graus de
sejado?)), ser geralmente entendida como «Onde certeza quanto i realidade envolvida, como, por
é que o protagonista vai procurar o objecto em exemplo, em casos em que não se sabe onde
ordem a encontrá-lo?)) pelas crianças mais está o objecto transferido no paradigma da
jovens (até aos 3-4 anos), e ser geralmente mudança inesperada (ver Wellman & Bartsch,
entendida como «Onde é que o protagonista 1988), ou ainda comparar o desempenho das
vai procurar primeiro o objecto?» pelas crianças crianças em perguntas de avaliação directa (eg.,

439
«Onde é que o protagonista pensa que está 13 Feldman, C. (1992). The new theory of theory of
objecto desejado?») e indirecta das crenças falsas mind. Human Development, 35: 107-117.
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de se ter ou não uma tal teoria, em particular Young children’s knowledge about visual
(Baron-Cohen et al., 1985), os estudos sobr’e perception: Further evidence for the Leve1 1-Leve1
as teorias da mente e crenças falsas parecem 2 distinction. Developmental Psychology, 17:
dispor de condições que permitem atenuar o 99-103.
que Bronfenbrenner (1979) chamou d e «dicoto- Flavell, J., Flavell, E., Green, F. & Moses, L. (1990).
mia entre rigor e relevância» (p. 20). O que Young children’s understanding of fact beliefs
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parece representar um convite a sua prossecuçãci. 915-928.
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RESUMO
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Cognition, 38: 1-12. amostra de crianças Portuguesas. Participaram 40
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about psychological states: Deficits in the early e meio e os 4 anos e meio. Todas as crianças foram
acquisition of a theory of mind. Child confrontadas com uma tarefa de crenças falsas, tendo
Development, 63: 161-172. metade das crianças sido submetidas a uma condição
Wellman, H. (1988). First steps in the child’s de questão preditiva implícita; e a outra metade, a
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Wellman, H. (1990). The child’s theory of mind. crianças submetidas ?I condição de explicitação
Cambridge MA: MIT Press. linguística uma maior compreensão das crenças falsas,

441
por outro. De modo global, estes resultados são mind emerges in the child still remains an open
consistentes com os obtidos por Siegal e Beattie (1991) empirical question.
e sugerem que o problema de sabermos quando e
como emerge na criança uma teoria da mente é ainda
uma questão empírica em aberto. RESUME

L’objectif principal de cette étude a été de valider,


chez un échantillon d’enfants Portugais de 3-4 ans,
ABSTRACT l’hypothèse proposée par Siegal et Beattie (1991) pour
expliquer l’échec des jeunes enfants dans les situations
The main goal of this study was to test, in a de croyances fausses. Quarante enfants, âgés de 3
Portuguese sample of three to four-year-old children, ans et 6 mois i 4 ans et 6 mois, ont été confrontés
Siegal and Beattie’s (1991) explanation for the avec une situation de croyances fausses. Dans une
frequently reported tendency for young children to condition expérimentale, la question-test critique des
fail on faise-belief tasks. Our sample consisted of situations de croyances fausses était posée d’une
40 children, ranging in age from 3 years, 6 months manière explicite. A l’autre moitié des enfants, cette
to 4 years, 6 months. A11 of the children were question était formulée dans un langage qui faisait
presented with a false-belief task. For half of them., appel i des implications linguistiques d e
the critica1 false-belief test question was presented l’expérimentateur, mais pas nécessairement de
in an explicit way; for the other half, that questioin l’enfant. Les résultats ont montré une différence
was presented in an implicit way. Results showed .a significative entre les deux conditions, avec les enfants
significant difference between the two conditions, oin d e la première condition manifestant une
the one hand, with children performing better in the compréhension plus grande des croyances fausses.
explicitly presented test-question condition, on the Ces résultats sont en accord avec l’hypothèse de Siegai
other. These results are consistent with Siegal anil et de Beattie et montrent que le problème de savoir
Beattie’s (1991) hypothesis and seem to show that quand et comment apparaft chez l’enfant une théorie
the problem of knowing when and how a theory of mentale est loin d’être résolu.

442

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