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“Parece que a razão não pode ultrapassar o enumerável, mas que a

crença na existência do não enumerável é um ato de fé compatível com


os limites da razão, que nos leva a apreender o significado de todo o
edifício do conhecimento matemático em cores e formas distintas do que
se nos apresenta caso recusemos este ato.”

Pedro Antonio Dourado de Rezende


Departamento de Ciência da Computação
Universidade de Brasília
http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/trabs/acrise.htm

“Existem duas formas de ver o mundo:


como se acreditássemos e como se não acreditássemos...”
Blaise Pascal

Natureza do problema
A arte encomendada
Chamo de Arte Encomendada todo objeto produzido não apenas de acordo com uma
estética específica, mas principalmente para essa estética específica. Parece uma questão
simples, mas quanto mais a olhamos, mais ela se aprofunda em si mesma.
De um lado cria uma continuidade, no sentido moral do enfoque. A obra é comunicada já
com arcabouços de fruições, o que significa um resultado esperado ou não, mas anunciado
implicitamente.
De outro lado, quanto à sua realidade, retoma uma espécie de descontinuidade temporal,
fragmentando-se como evolução cultural. Na verdade o que acontece é que repropõem
pequenas coisas disfarçadas de recomeços. E o que, de fato, se torna real é a continuidade
moralista do criador, apoiada pelo público e ovacionada pela crítica.
O artista prega uma espécie de charada de alto nível, contendando-se com sua originalidade
em pintar mesmices. De outro lado, o público se satisfaz por ser seleto e ter o dom de
decifrar as tais charadas de alto nível.
Ai surgem os conceitos. E tudo se torna conceitualista. Eu nunca entendi o que querem
dizer com isso de arte conceitual... Que carrega conceitos?!? De quem?!?... Dinâmicos,
dirão os modernos e ousados artistas contemporâneos (que, diga-se de passagem já estão
todos MORTOS...). Tais conceitos são multi relacionais, dirão outros... Ou qualquer
babaquice desse tipo, que diz não dizendo porra nenhuma.

Fruição racional

O objeto artístico, já descaracterizado o status de seu criador, agora no máximo produtor,


descaracteriza seu próprio status: limita-se a uma comunicação racional com o público. A
esfera do incompreensível, digamos assim: a beleza, a capacidade de estranhamento, fica
deveras afastada do objetivo da obra de arte. Esta preocupa-se muito mais em comunicar-se
com estruturas já incorporadas no modo de fruição, sejam elas tonais, dodecafônicas ou
serialistas, em música, ou enquadram-se entre dramas ou épicos modernos-decadentes...
Além de descaracterizar-se como modo sensível de comunicação, cria faixas frequenciais
de comunicação. Como num catálogo virtual o modo de fruição já vem incorporado no
público e no objeto artístico.

Superprodução do vazio ou quando a linguagem domina

Vazio porque cheio de si mesmo. Esvazia-se de significados recorrentes, na medida em que


se enche de significados racionais. Comunica estruturas e estereótipos de sensações.
O limite de produção encontra-se simplesmente na carga significativa que a LINGUAGEM,
que já dominou a obra de arte, vai exigir para tornar-se significação importante. O quanto
investe em si mesmo para manter-se em coerência... Consigo mesmo...
Nesse processo de ENTROPIA, existirá um momento em que equilibra o que investe e o
que recebe em troca. É o seu apogeu, quando se torna decadente.
Achou-se, há um século, que era a tonalidade a camisa de força.
Ledo engano... Éramos nós mesmos, com nossa eterna mania de criar moralismos e chamar
de conceitos...
De dar ordens ou promulgar leis, e invocar Deus como testemunha.
Na verdade a razão está circunscrita à esfera do enumerável, como bem frisou Pedro
Resende. Mas não existe lógica alguma no mundo que resolva nossos problemas espirituais,
radicalmente inumeráveis. Nem equação que nos torne felizes...
Nem nenhuma forma ou fôrma que nos faça artistas. Senão seríamos todos... E da mesma
arte.
O inumerável foi excluído arbitrariamente da obra de arte do século vinte, mudando
apenas o aprofundamento e a forma de excluir tal inumerável.
Talvez reação a uma ditadura decadente que precedeu tal forma de pensar, quem sabe
alguém que arbitrariamente colocasse tal inumerável como primeiro plano...

De qualquer forma, a grande diferença de nossa batalha estética contemporânea é


justamente isso, que se torna sua força criadora. Isso: ser uma batalha.
A necessidade de exclusão do inumerável é óbvia num sistema que indexa tudo pelo
numerável. Mormente o numerável chamado moeda. Crifras são adicionadas ou retiradas
dos objetos de arte, com a concordância e comprometimento de todos: artistas, público,
críticos, empresas e banqueiros, que se tornaram bonzinhos e cultos, e financiam salas de
espetáculos...
Mas para além dessas cifras visíveis a olho nu, existe o paradoxo visível apenas pelos olhos
do inumerável. O fato de que por estar circunscrito ao enumerável, precisar ter fé no
inumerável como fundamento de existência, compatível com seus próprios limites. A
extrapolação de tais limites estará sempre circunscrita à esfera da metafísica. A imprecisão,
ao invés de tornar-se ferramenta usual da imprecisão, torna-se critério de ontologia de
verdades inexplicáveis.
A fé se torna, paradoxalmente, legisladora, quando a linguagem domina.
E a arte um amontoado formal de moralismos...

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