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Angelo Dimitre Gomes Guedes PDF
Angelo Dimitre Gomes Guedes PDF
São Paulo
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São Paulo
2011
G924w Guedes, Ângelo Dimitre Gomes.
Wassily Kandinsky: “Do espiritual na arte” e a proposta
da sonoridade interior. / Ângelo Dimitre Gomes Guedes. -
88 f. : il. ; 30 cm.
CDD 750.92
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Aprovado em 18/08/2011
BANCA EXAMINADORA
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AGRADECIMENTOS
Ao meu pai Prof. Roberto Guedes dos Santos, pelo maior exemplo do que é ser um professor,
por toda a ajuda e conselhos, por todo o carinho, amor e educação investidos em seu filho.
À minha mãe Edeli Gomes Guedes, por toda a sabedoria, amor, carinho e paciência durante o
caminho percorrido.
Ao Prof. Dr. Wilton Luiz de Azevedo, meus agradecimentos especiais pela orientação do
trabalho, pelo constante acompanhamento e incentivo, pela confiança, exemplo e amizade.
À Profª. Drª. Elcie Aparecida Fortes Salzano Masini, minha gratidão, pelo exemplo de amor à
educação e pelo incentivo à minha carreira como pesquisador.
Aos amigos docentes do Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura, por estimularem
a minha aprendizagem e iluminarem caminhos em busca de novos conhecimentos.
Aos amigos discentes do Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura, pela amizade
sincera, por participarem desse momento único em minha vida e contribuírem para o meu
crescimento profissional e pessoal.
Ao meu irmão Átila Diogo, por todo apoio, carinho e confiança na realização deste trabalho.
À minha amiga e namorada Natália Aggio, pelo constante incentivo e apoio, por toda a
paciência, pelo “foco” e pelos bons momentos ao seu lado.
A todos os meus grandes amigos e primos, verdadeiros irmãos, que fazem parte da minha
história e de todas as minhas conquistas, em especial ao Guilherme Pilz, mesmo sabendo que
os outros ficarão com ciúmes.
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RESUMO
A relação entre os códigos visual, sonoro e verbal é um tema que sempre fascinou diversos
artistas e pesquisadores. Wassily Kandinsky (1866-1944) foi responsável por um dos mais
conceituados trabalhos nesse campo. Poesia, sinestesia e sensibilidade são características
marcantes desde a sua infância. No final do século XIX e início do século XX, a arte
apresentava sinais de ruptura com o modelo de representação do mundo exterior. Em meio a
esse cenário, Kandinsky buscou o conteúdo interior/espiritual de uma obra de arte: a
sonoridade interior. Por meio dela, formas exteriores distintas podem atingir a mesma
ressonância na alma do espectador. Em seu livro “Do Espiritual na Arte”, publicado em 1914,
Kandinsky expôs os principais conceitos concernentes à sonoridade interior. O autor parecia
profetizar novos rumos à Arte, nos quais os valores externos seriam reduzidos e a sonoridade
interior amplificada. Esta dissertação apresenta uma reflexão sobre todo esse cenário. Aponta
o trajeto percorrido por Kandinsky no desenvolvimento de sua linguagem, concentrando-se
em assuntos concernentes a relações intercódigos. Expõe os principais conceitos apresentados
no livro “Do Espiritual na Arte”. Apresenta a Arte Monumental, conceito criado por
Kandinsky, no qual diversos códigos são relacionados. Analisa recortes da composição cênica
“A sonoridade amarela”, exemplo de Arte Monumental. Apresenta um ensaio artístico criado
pelo autor da presente dissertação, no qual são relacionados elementos dos códigos visual,
sonoro e verbal, por meio da sonoridade interior.
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ABSTRACT
The relationship between the visual, sonorous and verbal codes is a subject that has
fascinated many artists and researchers. Wassily Kandinsky (1866-1944) has been responsible
for one of the most respected works in this field. Poetry, synesthesia and sensitivity
are hallmarks since his childhood. In the late nineteenth and early twentieth centuries,
art showed signs of breaking with the representation of the outside world model. In this
scenario, Kandinsky sought the inner/spiritual content of the art work: the inner
sonority. Through inner sonority, different outward forms can achieve the same resonance in
the soul of the viewer. In his book "Concerning the Spiritual in Art", published in 1914,
Kandinsky set out the main concepts related to inner sonority. The author seemed
to predict new directions for art, in which external values would be reduced and inner sonority
amplified. This dissertation presents a reflection on this scenario. It points out the path
traveled by Kandinsky in the development of his language, focusing on
issues concerning relations between codes. It also sets out the main concepts presented in his
book , presents the Monumental Art, concept created by Kandinsky, in which several codes
are related, brings an analysis of parts of the scenic composition "The Yellow sound", that is
an example of the Monumental Art. And finally, it presents an art essay written by the
author of this dissertation, in which elements of visual, sonorous and verbal codes are related
through inner sonority.
Keywords: Kandinsky. Inner sonority. Concerning the Spiritual in Art. Visual, sonorous and
verbal codes. Color, sounds and words. Synesthesia.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
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SUMÁRIO
1 Introdução................................................................................................... 11
2 Kandinsky e a busca pela sonoridade interior............................................. 14
6 CONCLUSÃO............................................................................................ 84
REFERÊNCIAS.......................................................................................... 87
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1 Introdução
A relação entre elementos visuais, sonoros e verbais tornou-se cada vez mais evidente
no decorrer da sua vida e de sua produção artística. Ele acreditava que os sons produziam, no
espectador, um efeito livre da ligação referencial com a realidade como objeto. Não havia
uma representação figurativa e ele visualizava esse mesmo efeito a partir de elementos
provenientes de outros códigos.
A relação intercódigos presente em sua obra está evidente também em seu discurso,
sempre repleto de poesia e de riqueza de detalhes:
“O sol derrete Moscou inteira numa mancha que, como uma tuba exaltada, faz entrar
em vibração todo o ser interior, a alma inteira. Não, não é a hora do vermelho
uniforme, a mais bela de todas! Só o acorde final da sinfonia leva cada cor ao
paroxismo da vida e subjuga Moscou inteira, fazendo-a ressoar, como o fortíssimo
final de uma orquestra gigante. O rosa, o lilás, o amarelo, o branco, o azul, o verde-
pistache, o amarelo chamejante das colheitas, das igrejas – cada qual com sua
melodia própria -, a relva de um verde exaltado, as árvores de uma sonoridade mais
grave ou a neve de mil vozes canoras, ou ainda o allegretto dos galhos descarnados,
o anel vermelho, rígido e silencioso dos muros de Kremlim, e por cima, dominando
tudo como um grito de triunfo, como um aleluia esquecido de si mesmo, o longo
traço branco, graciosamente severo, alongado, estendido para o Céu em eterna
nostalgia, a cabeça de ouro da cúpula, que entre as estrelas douradas e variegadas
das outras cúpulas é o sol de Moscou. (KANDINSKY, 1991, p. 73)
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O conceito de sonoridade interior será apresentado no decorrer da presente pesquisa.
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importância que Kandinsky atribuía a seus textos era uma maneira de sua arte não se perder
no tempo, a partir da possibilidade de outros artistas aprenderem com seus escritos.
A presente pesquisa teve como objetivos principais analisar a relação intercódigos que
Kandinsky explorava por meio, principalmente, da sonoridade interior dos Elementos
Artísticos, assunto explorado em seu Livro “Do Espiritual na Arte” e realizar um trabalho
prático, na forma de um ensaio artístico, baseado nos conceitos analisados.
“Do Espiritual na Arte” é conhecido por muitos pela relevante abordagem ao universo
cromático. Nesse livro, ele apresenta sua pesquisa sobre as cores (características, simbolismo,
percepção e analogia com a música). Esse estudo evidencia muitos dos conceitos explorados
no decorrer do livro. No final dele, Kandinsky aponta uma nova forma de expressão artística,
que é capaz de relacionar artes de diferentes meios, a partir da sonoridade interior como
elemento primordial de composição. Kandinsky a denomina como Arte Monumental. Esse é o
principal exemplo da relação intercódigos que Kandinsky explorava.
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A irmã mais velha de minha mãe, Elizaveta Ivanova Tikheeva, teve sobre todo o
meu desenvolvimento uma influência considerável, indelével. Uma criatura
iluminada, de quem jamais se hão de esquecer quantos estiveram em contato com
ela ao longo de sua vida profundamente altruísta. Devo-lhe o nascimento de meu
amor pela música, pelo conto e, mais tarde, pela literatura russa e pela natureza
profunda do povo russo. Uma das mais luminosas recordações da minha infância
ligadas a Elizaveta Ivanovna é um cavalinho de chumbo pertencente a um jogo de
cavalinhos, pigarço, com amarelo-ocre no corpo e uma crina amarelo-clara. Nos
primeiros dias de minha chegada a Munique, para onde fui aos trinta anos,
abandonando o longo trabalho dos anos anteriores para aprender pintura, encontrei
um cavalo pigaço que era a réplica exata daquele. Ele aparece invariavelmente todos
os anos na época de regar as ruas. No inverno, desaparece misteriosamente, mas na
primavera faz sua aparição tal qual era um ano antes, sem ter envelhecido ou
mudado: parece imortal. (KANDINSKY, 1991, p. 71)
As cores estão sempre presentes nas recordações de sua infância. A maneira rica como
ele as retrata é dotada de uma poesia única que, quase sempre, o autor mistura com sensações
provenientes de todos os sentidos para descrevê-las, fato que demonstra a sonoridade interior
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em comum nos sentidos para o autor. Em seu livro “Rückblicke” (Recordações – Olhar no
passado), o autor comenta sobre sua paixão por andar a cavalo. A riqueza de detalhes e a
sensibilidade com o elemento cor, relacionado ou acompanhado de sensações provenientes de
outros sentidos, aparecem em trechos nos quais o autor comenta sobre sua infância:
Nesse mesmo livro, o autor comenta sobre as primeiras cores presentes em sua
memória: verde-claro e “cheio de seiva”, o branco, o vermelho-carmim, o preto e o amarelo-
ocre. Essas lembranças de seus três anos de idade remetem-no a diferentes objetos, os quais
ele não conseguia visualizar tão bem quanto as cores.
A maneira como o autor descreve a sensação, ao ver a cor saindo do tubo de tinta a
óleo que havia comprado por volta de seus 13 anos, revela a sinestesia e a poesia presentes na
percepção e na linguagem de Kandinsky:
Por volta de 1874, Kandinsky teve suas primeiras lições de música, piano e,
posteriormente, violoncelo. Seu estilo musical apresentava influências orientais e ocidentais..
O próprio violoncelo é um exemplo dessa influência. Apesar de ser tipicamente ocidental, é
um instrumento não temperado (que não possui trastes), o que torna o seu instrumentista
capaz de executar maiores nuances entre os tons. A música ocidental é formada pela escala
cromática de 12 tons2, já a oriental possui mais divisões e a diferença entre os tons são muito
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No sistema anglo-saxão, tem-se a notação literal: C, C# (ou dB), D, D# (ou Eb), E, F, F# (ou Gb), G, G# (ou
Ab), A, A# (Bb), B. Em países latinos, tem-se a notação silábica, criada pelo monge italiano Guido d’Arezzo.
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Durante muito tempo, a estrutura escalar árabe ofereceu problemas aos musicólogos
europeus que não conseguiam descrevê-la, nem concluir sequer sobre o número de
intervalos de que ela se compunha. Diferentes pesquisas afirmavam que o sistema
comportava dezesseis, dezoito, dezenove [e] [vinte e quatro] intervalos, sem falar na
dificuldade de determinar o tamanho desses intervalos, que mostravam desnorteantes
unidades desiguais (em posição aos semitons uniformes que compõem a escala
ocidental moderna). Pesquisas posteriores, baseadas em gravações de canto e
oscilogramas (registro de freqüência), chegaram mais recentemente a tabular esse
sistema escalar (identificando vinte e quatro intervalos desiguais no interior da oitava)
[...] A variada palheta dos intervalos mínimos que permitem o desenvolvimento dessa
combinatória é constituída muitas vezes de nuances menores do que o semitom (a
menor unidade de distinção melódica no teclado de um piano), sem que sejam, no
entanto, necessariamente, quartos de tom, isto é, metades exatas de um semitom. É
que a construção da escala, em seu colorido microtonalismo, não obedece a
necessidades aritméticas de racionalização do campo sonoro, mas a necessidades
acústicas, ligadas a critérios de potência expressiva. (WISNIK, 1989, p.p. 81, 82)
Foi atraído por diversos assuntos e temas durante essa época. O direito romano
fascinava-o, porém, sua estrutura era oposta à que ele, um típico eslavo, estava acostumado;
era austera e possuía uma lógica demasiadamente insensível. O direito criminal,
Nessa notação, foram retiradas as primeiras sílabas dos versos de um hino a São João Baptista. Ut quent laxis,
Resonare fibris, Mira Gestorum, Famuli tuorum, Solve polluti, Labii reatum, Saancte Iohannes. (Para quem
possam ressoar as maravilhas dos teus feitos, com largos cantos, apaga os erros dos lábios manchados, ó São
João. Posteriormente, a nota “Ut” passou a chamar-se Dó, embora “Ut” ainda hoje seja utilizada na França. A
notação silábica é utilizada em países de origem latina. Na Alemanha, Noruega, Suécia e países do leste europeu,
o B (Si) é utilizado para representar o Si (b) e a letra H é utilizada para a nota Si natural. Esses sistemas de
notação musical representam verbalmente e graficamente a altura das notas musicais determinadas no sistema
ocidental. Altura é a propriedade física do som “que nos permite distinguir sons graves, intermediários ou
agudos, dependendo do número de vibrações por segundo produzido pelo objeto sonoro”. (BIAGIONI et al.,
2005).
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Após essa experiência, Kandinsky percebeu que tinha a mesma sensação ao entrar nas
Igrejas de Moscou e nas capelas de Baviera e Tirol. Nas visitas seguintes a esses lugares, tal
percepção ficou ainda mais clara.
O autor, em seu ensaio autobiográfico, afirma que, apesar dos diversos compromissos
acadêmicos, continuava aprimorando seus talentos artísticos durante esse período. Procurava
fixar o “coração das cores”, como ele mesmo denominava. Buscava expressar toda a força
que esse coração exercia sobre si mesmo, porém, não obtinha sucesso satisfatório.
(KANDINSKY, 1991). Mesmo não se dedicando ao âmbito artístico como poderia, esse
período voltado aos estudos acadêmicos em muito contribuiu para a evolução de Kandinsky
como autor (produção geral, como pinturas, livros e aulas), enriquecendo todo o seu sistema
cognitivo, aprimorando sua linguagem, desenvolvendo o pensamento abstrato e o
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Cesare Lombroso (1835-1909) era professor de medicina legal e de psiquiatria na Universidade de Turin, Suas
teorias deslocavam o julgamento de um criminoso de um estudo do sistema das leis para os da motivação
interior, exercendo um papel oposto a criminologia clássica. Fator que chamava a atenção do Kandinsky durante
seus estudos sobre direito. (KANDINSKY, 1991, notas)
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O trabalho acadêmico desenvolvido pelo autor era reconhecido por todos e começava
a trazer resultados para a sua vida profissional. Após a investigação requisitada pela
Sociedade de Ciências Naturais, Etnografia e Antropologia, ele foi convidado a integrá-la.
Obteve sucesso também nos exames jurídicos e consagrou-se assistente na Universidade de
Moscou. Em 1892, estabeleceu uma relação conjugal com sua prima, Anya Chimiakin, que
também apreciava assuntos intelectuais.
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como leis de perspectivas e outras. Ele visualizava a natureza segundo três formas
fundamentais: a esfera, o cilindro e o cone. No livro “Do Espiritual na Arte”, Kandinsky
comenta sobre o pintor:
Tratou os objetos como tratou o homem, pois tinha o dom de descobrir a vida interior
em tudo. Captura-os e entrega-os à cor. Recebem dela a vida – uma vida interior – e
uma nota essencialmente pictórica. Impõe-lhes uma forma redutível a fórmulas
abstratas, freqüentemente matemáticas, das quais emana uma radiante harmonia. Não
é nem um homem, nem uma maçã, nem uma árvore, que Cézanne quer representar;
ele serve-se de tudo isso para criar uma coisa pintada que proporciona um som bem
interior e se chama imagem. (KANDINSKY, 1990, p. 50)
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/ensino-medio/cezanne-sentimento-vence-forma-530391.shtml
Acesso em :16.jun.2011
Além do impacto causado pela não percepção do objeto no quadro de Monet, das
rupturas e inovações do cenário das artes visuais na época, outras ocorrências específicas
ajudaram a impulsionar a decisão do autor. A ópera “Lohengrin”, de Richard Wagner (1813-
1883), promoveu um efeito sinestésico em Kandinsky. A disposição dos sons dessa obra o
inspirou ainda mais a relacionar cores e sons, o que era uma das grandes chaves de todo o seu
processo de criação.
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Os contos alemães, que eu ouvira tantas vezes em criança, ganharam vida. Os tetos
estreitos e altos, hoje desaparecidos, da Promenadeplatz e da Maximillianplatz, o
velho Schwabing e, sobretudo, o Au, que descobri certa vez por acaso,
metamorfosearam tais contos em realidade. O bonde azul sulcava as ruas como
uma atmosfera de conto de fadas corporificado, tornando a respiração leve e
agradável. As caixas de correio amarelas lançavam das esquinas seu canto
vibrante de canário. Eu saudava a inscrição “Moinho das Artes” e sentia-me numa
cidade artística, o que era para mim como uma cidade de conto de fadas.
(KANDINSKY, 1991, p. 71, grifo nosso)
Kandinsky continuava a estudar desenho de anatomia com um certo desânimo até que
passou a perceber uma beleza subjetiva nessa tarefa:
Muitos colegas de Kandinsky, após verem suas obras, chamavam-no de colorista. Não
havia como negar que Kandinsky explorava muito melhor esse elemento do que a forma e
seus traços.
Para tornar-se mais completo, Kandinsky resolveu procurar Franz Stuck (1863-1928),
um dos melhores desenhistas da época. Somente na segunda tentativa, o desenhista o admitiu
em sua escola. A relação de Franz com Kandinsky colaborou muito para o seu
desenvolvimento como artista. Segundo o próprio Kandinsky, Franz discursava “com um
amor surpreendente pela arte, pelo jogo das formas e pela fusão das formas entre si”
(KANDINSKY, 1991, p. 98), característica que cativou o autor. Sua contribuição para a
evolução de Kandinsky não foi apenas com o desenho, mas com o processo de criação e de
produção da obra também. Seu discurso pouco didático obrigava Kandinsky a refletir
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longamente, o que o deixava muito impaciente. Contudo, quase sempre percebia as críticas do
professor como muito pertinentes e isso otimizava a significação do conteúdo dessas aulas.
Foi também na escola de Franz que conheceu o artista Paul Klee (1879-1940), cuja
amizade resultaria, anos após, em uma parceira muito significativa para a evolução da arte
não figurativa: o expressionismo abstrato.
Após esse período significativo para a sua evolução como artista, Kandinsky saiu da
escola e optou por continuar seu caminho de maneira autônoma. Sua produção tornava-se
maior a cada ano. Paralelo a esse desenvolvimento técnico, Kandinsky colhia observações e
experiências que o distanciavam cada vez mais da arte figurativa:
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[...] não é em função do real, mas em função do irreal, que a mão do pintor escolhe,
arbitra, cria, atinge objeto material que, às vezes, é resistente... Então, o papel, a fibra,
a pedra, a madeira, a tela são provocações para a mão sonhadora se autodeterminar e
impor sua vontade ao corpo do mundo[...] O pintor toca o mundo em sua concretude,
sem reduzí-lo a um panorama de totalidade ou unidade definitivas[sic]. (RAPOSO,
1998, p. 48)
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Os conceitos de ícone, índice e símbolo, foram aqui citados, de acordo com a Teoria da Semiótica de Charles
Sanders Peirce (1839-1914). Os signos são divisíveis conforme três tricotomias e subdivididos em dez classes.
Os conceitos de ícone, índice e símbolo referem-se à denominação do signo de acordo com a segunda tricotomia,
a qual é a principal divisão dos signos (PEIRCE, 2008). “Qualquer coisa, seja uma qualidade, um existente
individual ou uma lei, é ícone de qualquer coisa, na medida em que for semelhante a essa coisa e utilizado como
um seu signo” (PEIRCE, 2008, p. 52). Essa relação ícone/objeto é caracterizada por uma relação de similaridade.
Exemplo: Pintura Figurativa. Já o índice é “um signo, ou representação, que se refere a seu objeto [...] por estar
numa conexão dinâmica (espacial inclusive) tanto com o objeto individual, por um lado, quanto, por outro lado,
com os sentidos ou a memória da pessoa a quem serve o signo (PEIRCE, 2008, p.74). Indica uma relação
existencial ou referencial. Por exemplo: "uma batida na porta é índice [...] um violento relâmpago indica que
algo considerável ocorreu, embora não saibamos exatamente qual foi o evento. Espera-se, no entanto, que ele se
ligue com alguma outra experiência (PEIRCE, 2008, p. 67). O símbolo se caracteriza como “um signo que se
refere ao objeto que denota em virtude de uma lei, normalmente uma associação de idéias gerais que opera no
sentido de fazer com que o símbolo seja interpretado como se referindo aquele objeto” (PEIRCE, 2008, p. 52).
Sinteticamente, a relação do signo com o seu objeto pode ser: iconográfica (similaridade com as características
do objeto), indicial (conexão dinâmica existencial ou referencial) e simbólica (representação do objeto).
Kandinsky, após a experiência de ver seu quadro de “ponta-cabeça” com uma sonoridade interior muito mais
forte devido à ausência do objeto figurativo, percebeu que o objeto da arte não poderia ser a realidade. A
presença desse objeto figurativo prejudicava a amplificação da sonoridade interior e sua vibração na alma do
espectador. No decorrer do trabalho, mais detalhes sobre a sonoridade interior serão abordados.
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companheira e muito o incentivaria em suas pesquisas, após o seu divórcio com Anya
Chymiaki e a sétima exposição da Phalanx, realizada em 1903, que contou com quadros de
Claude Monet.
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Nesse período, Kandinsky estudou intensamente teorias sobre as cores, elementos com
os quais já apresentava muita familiaridade e perícia, porém de maneira empírica. Sua
principal referência foi a Doutrina das Cores de Johann Wolfang Von Goethe (1749-1832).
Ao contrário de Newton (1643-1727), autor que desenvolveu a mais completa teoria sobre as
cores, visualizando-as, principalmente, como fenômeno físico, Goethe estava mais
interessado na interação do espectador com o elemento cor. Nessa teoria, além do fenômeno
físico, foram também abordados a fisiologia e o fenômeno psíquico. A teoria de Goethe
apresenta alguns equívocos como, por exemplo, a oposição à afirmação de Newton de que a
luz branca era “formada pelas diferentes luzes coloridas do espectro” (PEDROSA, 2003, p.
55). Goethe dedicou-se a analisar a questão de como a cor se apresentava no ambiente e na
percepção humana. Sua postura caminhava de encontro ao pensamento dogmático de seu
tempo, o qual limitava a liberdade para que o pensamento se desenvolvesse. Esse ponto de
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vista, que aborda os fenômenos físico, fisiológico e psíquico, voltado principalmente para o
espectador, mesmo equivocado em alguns pontos, estimulou muitas outras pesquisas, em
diversas áreas do conhecimento e, além de Kandinsky, muitos outros pintores e autores o
utilizaram.
[...]Já que ocupa um lugar tão elevado na série de fenômenos naturais originários,
preenchendo com uma diversidade bem definida o círculo simples que lhe foi
designado, não devemos nos surpreender ao percebermos que a cor, em suas
manifestações gerais e elementares na superfície de um material, sem nenhuma
relação com a qualidade ou forma dele, produz sobre o sentido que lhe é mais
adequado, a visão, e, por meio deste, sobre a alma, um efeito que, isoladamente, é
específico e, em combinação, é em parte harmônico, em parte característico, mas
também desarmônico, embora sempre definido e significativo, que se vincula
imediatamente à moralidade. É por isso que as cores, consideradas como um
elemento da arte, podem ser utilizadas para os mais altos fins estéticos. As pessoas
sentem grande prazer com a cor. O olho necessita dela tanto quanto da luz. Vale
lembrar o rejuvenescimento que se sente, num dia nublado, ao ver o sol iluminar uma
parte isolada da paisagem, tornando as cores visíveis. (GOETHE, 1993, p. 139, grifo
nosso)
No capítulo em que Goethe descreve o efeito sensível moral da cor, ele afirma que o
amarelo está mais para o claro e o azul mais para o escuro. No decorrer do trabalho, pode-se
observar que Kandinsky apresenta muitos pontos em comum com os conceitos abordados pela
teoria de Goethe.
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vanguardista. A mostra contou com a obra “Composição II” de Kandinsky. Em seu estudo
(Figura 6), ainda se notam aspectos iconográficos e figurativos como, por exemplo,
cavaleiros, casas e paisagens, porém, a dinâmica das linhas, o desequilíbrio e as cores
gritantes parecem refletir o espírito de Kandinsky pouco antes do salto para a abstração.
Os críticos foram agressivos e afirmaram que o autor de uma obra como essa só
poderia estar utilizando substâncias alucinógenas. Um dos poucos artistas que defenderam
Kandinsky foi Franz Marc (1880-1916), nessa época, ainda desconhecido do público
muniquense. Seu trabalho também procurava romper com o mimetismo. A partir desse
episódio, iniciou-se uma amizade entre os dois autores. Franz Marc caminhou ao lado de
Kandinsky para a abstração. Desde o início, é notório que havia tensões na NKVM, devido ao
fato de que o grupo como um todo não acompanhava a evolução da pintura de Kandinsky e a
crítica tornava-se cada vez mais intensa.
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Por volta desse período, o autor fez suas primeiras improvisações e começou a compor
a obra “A sonoridade amarela”. Nela, Kandinsky propõe signos que prejudicam a significação
do espectador por meio da relação com o seu objeto. Essa relação torna-se confusa devido à
maneira como os elementos são apresentados. Os signos propostos pelo autor na peça pouco
significam caso o espectador deseje relacioná-los entre si, com seus referentes (do signo) e
com o seu próprio sistema cognitivo. A música não é uma simples trilha sonora em função
das imagens, as quais não são lineares. Parece não haver um roteiro, não existir uma história
figurativa. O que Kandinsky propõe nessa peça são signos visuais, sonoros e verbais que se
entrelaçam, porém, nenhum está em função do outro; o que importa para o autor é a
expressão, a sonoridade interior de cada elemento (separados e juntos), a vibração dessa
sonoridade interior na alma do espectador e a percepção dessa tempestade de signos. O
significado, nesse caso, é extremamente subjetivo. A experiência vivida por meio da
percepção desse som pode significar de diferentes maneiras para cada indivíduo. Kandinsky
destaca a sonoridade de sua expressão e dos elementos presentes na composição, a qual
atingirá certa ressonância no interior no espectador. Essa obra demonstra a ruptura da relação
mimética na arte, expõe a relação sinestésica presente em sua linguagem e em seu processo de
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criação e evidencia o princípio da necessidade interior, apontado em seu livro “Do Espiritual
na Arte”.
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http://www.centrepompidou.fr/education/ressources/ENS-kandinsky-mono-EN/ENS-kandinsky-
monographie-EN.html
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Por meio das composições, Kandinsky buscava uma pintura mais semelhante à
música. O autor apresentava um enorme fascínio pelo tema:
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Para o autor, cada arte possui suas próprias forças e não se pode substituir uma pela
outra, mas sim uni-las e potencializar ainda mais a sonoridade interior da obra de arte
impressa no espectador.
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Figura 12: Vista sobre Murnau com Comboio e Castelo, 1909 – W. Kandinsky
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A partir do primeiro encontro, iniciou-se uma amizade que muito contribuiu para o
desenvolvimento artístico de ambos e para a evolução da arte abstrata. Kandinsky afirma, em
seu livro “Do Espiritual na Arte”, que o compositor caminhava sozinho na contramão do
senso-comum, que estava a caminho do materialismo e de motivos exteriores. Para o autor, o
trabalho de Schöenberg explora, de maneira única, a necessidade interior e representa o início
da música futura:
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começaram a trabalhar no primeiro almanaque do Der Blaue Reiter antes mesmo da decisão
final de retirarem-se da NKVM.
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segundo o autor, apresenta o máximo da sua sonoridade interior quando está livre desse
figurativismo ou de qualquer ligação referencial com a realidade como objeto.
O grupo Der Blaue Reiter potencializava o caminho que Kandinsky vinha traçando
com a arte abstrata e o distanciamento do cerne materialista da sociedade. O nome do grupo,
apesar de despretensioso, simbolizava muitos dos conceitos explorados pelo autor:
[...] para Kandinsky, a cor azul continuava a ser, por um lado, a cor celeste por
excelência, portanto, a cor espiritual, tal como para Marc, por outro, o tema do
cavaleiro [...] estava já presente sob diversas variantes na obra de Kandinsky e definia
a transformação do príncipe-encantado no cavaleiro, combatendo por uma nova
estética. São Jorge, que aparecia frequentemente no almanaque, retoma este motivo
no sentido cristão, como provam as inúmeras pinturas sobre vidro de Kandinsky. O
combate contra o dragão é uma imagem da vitória do espírito sobre a visão
materialista do mundo, uma esperança expressa em diversas formas no almanaque.
(DÜCHTING, 2007, p. 42)
Figura 16: Esboço definitivo para a capa do almanaque Der Blaue Reiter, 1911
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[...] Meu livro Do Espiritual na arte, a exemplo de O cavaleiro Azul, tinha por
finalidade, sobretudo, despertar essa capacidade, que será absolutamente necessária
no futuro e possibilitará experiências infinitas de viver o Espiritual nas coisas
materiais e abstratas. O desejo de fazer surgir essa capacidade, fonte de tal felicidade,
entre os homens que ainda não a possuíam era o objetivo essencial das duas
publicações. (KANDINSKY, 1991, p. 104)
... Os dois livros foram e são freqüentemente mal compreendidos. Tomam-nos por
“manifestos” e seus autores são catalogados entre os artistas [“acidentados”] que se
extraviaram no trabalho cerebral e na teoria. Nada estava mais longe de mim do que
apelar para a razão, para o cérebro. Essa tarefa teria sido, hoje, ainda prematura, e
representará para os artistas o objetivo (=não) próximo, importante e inelutável, na
evolução ulterior da arte. Para o espírito que se fortaleceu e se enraizou solidamente,
nada pode ou poderá ser mais perigoso, portanto, nem mesmo o trabalho cerebral, tão
temido na arte. (KANDINSKY, 1991, p. 104)
39
Quanto mais cultivado é o espírito sobre o qual ela se exerce, mais profunda é a
emoção que essa ação elementar provoca na alma. Ela é reforçada, nesse caso, por
uma segunda ação psíquica. A cor provoca, portanto, uma vibração psíquica. E seu
efeito físico superficial é apenas, em suma, o caminho que lhe serve para atingir a
alma. Se essa segunda é realmente uma ação direta, conforme é licito supor pelo que
se acaba de expor, ou se, pelo contrário, só é obtida por associação, é difícil decidir.
Estando a alma estreitamente ligada ao corpo, uma emoção qualquer sempre pode,
por associação, provocar nele outra que lhe corresponda. Por exemplo, como a chama
é vermelha, o vermelho pode desencadear uma vibração interior semelhante à da
chama. O vermelho quente tem uma ação excitante. Sem dúvida, porque se assemelha
ao sangue, a impressão que ele produz pode penosa, até dolorosa. A cor, neste caso,
desperta a lembrança de outro agente físico que exerce sobre a alma uma ação penosa.
(KANDINSKY, 1990, p. 64)
40
científicos da época. No livro “Do Espiritual na Arte”, Kandinsky descreve o caminho a ser
percorrido pela "Nova Arte”, discursa sobre o cenário contemporâneo ao livro, a mudança
para o Rumo Espiritual, o Conceito da Pirâmide, o Príncipio da Necessidade Interior e sobre
elementos imagéticos, sonoros e verbais, como cores, formas, sons e palavras; cuja
sonoridade interior vibra a alma do espectador. “A cor [forma/som/palavra] é a tecla5. O olho
é o martelo. A alma é o piano de inúmeras cordas. Quanto ao artista é a mão que, com a ajuda
desta ou daquela tecla, obtém da alma a vibração certa”. (KANDINSKY, 1990, p. 66). No
decorrer da pesquisa, o princípio da necessidade interior será melhor abordado.
5
No livro “Do Espiritual na Arte”, a primeira explicação sobre o princípio da necessidade interior define a cor
como tecla. (KANDINSKY, 1990, p. 66). Porém, essa analogia pode ser feita com todos os elementos citados
acima (cor, forma, som e palavra).
41
Por sua vez, na ponta extrema, não há mais do que um homem sozinho. Sua visão
iguala sua infinita tristeza. E os que estão perto dele não o compreendem. Em sua
indignação, tratam-no de impostor, de semilouco. Toda a sua vida, solitário, muito
longe e acima dos outros, Beethoven também foi alvo dos ultrajes destes
(KANDINSKY, 1990, p. 36, grifo nosso)
Então sempre surge um homem, um de nós, em tudo nosso semelhante, mas que
possui uma força de “visão” misteriosamente infudida nele... Com frequência, já
nada do seu “eu” corporal subsiste na terra. Tenta-se, então, reproduzir por todos os
meios e em tamanho maior que o natural, no mármore, no bronze, na pedra, essa
forma corporal, como se ela pudesse ter importância em tais mártires, divinos
servidores dos homens, que sempre desprezaram a matéria e serviram apenas ao
espírito. Mas esse “mármore” é o testemunho visível de que homens cada vez mais
numerosos chegaram ao ponto atingido pelo primeiro deles, aquele que agora se
glorifica. (KANDINSKY, 1990, p. 31)
Kandinsky faz algumas reflexões sobre o cenário religioso, científico e moral dessa
época e demonstra que os “apoios exteriores” da sociedade tornaram-se cada vez mais frágeis,
estimulando o momento de mudança rumo ao espiritual. Os primeiros campos afetados foram
a literatura, a música e a pintura. Kandinsky cita o exemplo de Maurice Polydore Marie
Bernard Maeterlinck (1862-1949) na literatura. “Talvez Maeterlinck, esse vidente, seja um
dos primeiros profetas, um dos primeiros araustos desse desmoronamento” (KANDINSKY,
1990, p. 46). A arte de Maeterlinck, segundo Kandinsky, é extremamente simbólica e
43
Maurice Maeterlinck também mantinha uma forte ligação com o espiritual. Era
filósofo, escritor e poeta e escreveu obras sobre a vida social, o destino da humanidade, o
mistério da natureza, entre outras.
Nesta análise sumaríssima de seu teatro, ter-se-á reconhecido que a estética de seu
teatro, ter-se-á reconhecido que a estética de Maeterlinck não deixava de ter
prolongamentos metafísicos e morais: sua intenção não era distrair o espectador, nem
comovê-lo ou instruí-lo, mas elevá-lo àquelas alturas vertiginosas onde a alma pode
expandir-se livremente. Em seu próprio teatro – e a evolução da obra haveria sempre
de confirmá-lo – Maeterlinck era antes de tudo um moralista e, com tôda solenidade
antiga desta palavra, um Sábio. (BUISSON, 1962, vida e obra, p. 41)
Em sua obra “O pássaro azul” (L’Oiseau Bleu), por exemplo, Maurice Maeterlinck
explorou a mágica do universo infantil, contrapondo a característica de puerilidade a
reflexões sobre a vida e o homem em um cenário repleto de quimeras, filosofia e “sabedoria
nimbada de poesia” (BUISSON, 1962, p. 39). Maeterlinck explorava os dois sentidos (literal
e interior) por meio de todos os recursos simbólicos presentes em seu texto.
Ai de nós: o pássaro azul da felicidade só existe para lá dos limites dêste mundo
perecível, mas aqueles que têm coração puro, jamais hão de procurá-lo inutilmente,
pois nêles a vida sentimental e a imaginativa se enriquecerão e se purificarão na
viagem através das províncias do país dos sonhos. (WIRSÉN, 1962, p. 31)
Alguns recortes da peça que ilustram esse universo de poesia e fantasia são descritos
abaixo:
Fada: A alma do açúcar não é mais interessante do que a alma da pimenta. Aqui têm
vocês o que eu trouxe para ajudá-los na busca do Pássaro Azul. Sei perfeitamente que
o Anel-que-torna-a-gente-invisível ou o tapête-mágico seriam mais úteis. Mas perdi a
chave do armário onde estão guardados. Ah, ia-me esquecendo. (Mostra o Diamante.)
Se você pegar nêle assim, está vendo? E der outra voltinha, tornará a ver o passado.
Mais outra voltinha, e verá o Futuro. É curioso, prático, e não faz barulho.
(MAETERLINCK, 1962, p. 74)
44
a sala ponta a ponta, e chegam ao primeiro plano, à direita, onde a Gata os reúne sob
o pórtico. (MAETERLINCK, 1962, p. 87)
No campo da pintura, o autor cita Cézanne, Picasso (Figura 19) e Matisse (Figura 20).
Paul Cézanne foi o primeiro desses visionários;, rompeu com a relação mimética com a
natureza. A partir dele, o objeto não era mais o protagonista, mas sim a sonoridade interior da
arte. Mesmo que o objeto estivesse representado na tela, as formas e as cores apenas serviam
45
de recurso para a vibração da sonoridade interior. Matisse utilizava-se do objeto apenas como
ponto de partida; seu principal elemento de linguagem era a cor. Picasso, por sua vez, também
rompeu com essa relação da realidade como objeto e explorou a sonoridade interior
fragmentando a forma, porém, mantendo a aparência material (KANDINSKY, 1990). Em
comum, os três artistas distanciavam-se do objeto figurativo como protagonista e, cada um, à
sua maneira, explorava a sonoridade interior e impulsionava o movimento da Pirâmide
Espiritual.
Fonte: http://www.niteroiartes.com.br/cursos/la_e_ca/trecho2.html
46
Fonte: http://www.niteroiartes.com.br/cursos/la_e_ca/trecho1.html
6
A palavra sonoro, entre aspas, aplica-se, aqui, com o objetivo de enfatizar a importância e a complexidade
desse elemento de linguagem, evidenciar a analogia entre as cores e as propriedades inerentes ao universo
musical e destacar a questão da sonoridade interior.
47
A significação das cores, muitas vezes, é feita por associação. O vermelho nos oferece
a sensação de calor por ser a cor das chamas do fogo. Esse calor atrai e excita, mas também
alerta, pois provoca tensão, associa-se à dor, à destruição, ao vermelho do sangue e remete ao
perigo. O azul traz calma, profundidade semelhante ao mar e céu infinitos e paz, entretanto,
pode provocar um perigoso distanciamento, uma tristeza intensa. O verde é o equilíbrio das
cores e da natureza; é uma paz mais ativa do que a paz transmitida pelo azul, pois recebe
influências do amarelo proveniente do sol e também representa o calor do amarelo afastado e
neutralizado pela calma do azul (KANDINSKY, 1990). Kandinsky concorda que o
simbolismo das cores, com as experiências provenientes da natureza, é notável e estabelece
um primeiro contato com o espectador, entretanto, argumenta que não é possível significar
todas as cores por meio apenas de associações e afirma que isso não explica seu alcance à
alma do espectador, todos os seus efeitos e sensações.
Um argumento utilizado pelo autor é o fato de ser possível ver o efeito da terapia de
luzes vermelhas, por meio da tonificação, e das luzes azuis, por meio da diminuição do ritmo
vital em animais e plantas (KANDINSKY, 1990). Para o autor, isso evidencia que não é
apenas uma associação com experiências vividas, retidas no sistema cognitivo de cada
indivíduo que explicaria o significado, as diversas sensações e os efeitos das cores no ser
humano.
Sobre uma sensibilidade grosseira, a cor tem apenas efeitos superficiais que,
desaparecida a excitação, logo deixam de existir. Por mais elementares que sejam
esses efeitos, são variados [...] Quanto mais cultivado é o espírito sobre o qual ela se
exerce, mais profunda é a emoção que essa ação elementar provoca na alma. Ela é
reforçada, nesse caso, por uma segunda ação psíquica. A cor provoca, portanto, uma
vibração psíquica. E seu efeito físico superficial é apenas, em suma, o caminho que
lhe serve para atingir a alma [...] Um homem cuja sensibilidade seja tão apurada é
como esses bons violinos em que já se tocou muito e que, ao menor toque, vibram
com todas as suas fibras (KANDINSKY, 1990, p.p. 64, 65)
Para o autor, o cerne da discussão encontra-se na reação que a cor exerce na alma e
não somente nas associações com experiências naturais. Não há como definir esse elemento
capaz de “tocar” a alma do espectador apenas com tais explicações.
Kandinsky e serviram de apoio para suas próprias reflexões, mais voltadas à vibração sonora
na alma.
Em seu livro “A Doutrina das Cores”, Goethe critica a comparação da cor e do som,
embora afirme que “ambos remetam a uma fórmula superior”:
Cor e som de maneira alguma podem ser comparados, embora ambos remetam a
uma fórmula superior, a partir da qual é possível deduzir cada um deles. Ambos são
como dois rios que nascem na mesma montanha, mas devido a circunstâncias diversas
correm sobre regiões opostas, de modo que em todo o percurso não há nenhum ponto
em que possam ser comparados (GOETHE, 1993, p. 134)
Devido à forte ligação espiritual com a arte, para Goethe, a fórmula superior a que se
refere, poderia apresentar semelhanças com o princípio da necessidade interior desenvolvido
por Kandinsky, pois ambos os elementos dos códigos pictórico e musical, a cor e o som,
entram em contato com a alma do espectador. Entretanto, Goethe aborda o tema cor de uma
maneira mais naturalista e separa completamente a percepção e a utilização das cores e dos
sons quando afirma que eles percorrem regiões opostas e não há nenhuma semelhança no viés
da percepção de ambos. O que permite uma outra leitura: que essa fórmula superior, talvez se
refira apenas à tentativa de representação desses objetos por meio da linguagem, já que
nenhum dos dois é tangível e aproximam-se apenas por experiências.
... será preciso admitir que o olho está em estreita relação não só com o paladar mas
também com os outros sentidos, o que, de resto acha-se confirmado pela experiência.
Há cores que parecem rugosas e ferem a vista. Outras, pelo contrario, dão a impressão
de lisas, de aveludadas. Sente-se vontade de acariciá-las [...] Fala-se correntemente do
“perfurme das cores” ou de sua sonoridade. E não há quem possa descortinar uma
semelhança entre o amarelo-vivo e as notas baixas do piano ou entre a voz do soprano
e a laca vermelho escura, tanto essa sonoridade é evidente (KANDINSKY, 1990, p.
65)
No livro “Do Espiritual na Arte”, Kandinsky (1990) afirma que Goethe aproximou a
música e a pintura, quando escreveu que a pintura precisava buscar um “baixo contínuo”
49
(GOETHE apud KANDINSKY, 1990). Para Kandinsky, essa afirmação ilustrava bem o
futuro da pintura, onde seus próprios meios deveriam ser desenvolvidos a ponto de se tornar
uma arte no sentido abstrato, capaz de realizar composições pictóricas puras.
7
Expressão criada pelo autor da presente dissertação para designar esse processo de propagação do “som” na
alma do espectador; “som” esse proveniente de elementos do código visual, sonoro e verbal.
50
O autor traz um exemplo bem significativo, no qual mistura visual, sonoro e verbal.
Kandinsky comenta sobre a sonoridade interior de um elemento verbal (palavra), por meio
oral, que simboliza a cor vermelha.
[...] O vermelho que não vemos, mas que concebemos da maneira mais abstrata,
desperta, não obstante, uma representação íntima, ao mesmo tempo precisa e
imprecisa, de uma sonoridade interior. Esse vermelho que ressoa em nós quando
ouvimos a palavra vermelho mantém-se vago e com o que indeciso entre o quente e o
frio. O pensamento concebe-o como produto de imperceptíveis graduações do tom
vermelho. É por isso que essa visão totalmente interior pode ser qualificada de
imprecisa. Mas ela é, ao mesmo tempo, precisa, porque o som interior permanece
puro, despojado, sem tendências acidentais nem para o quente, nem para o frio,
tendências que culminariam na percepção de detalhes. (KANDINSKY, 1990, p. 70)
Para o autor, essa sonoridade interior é própria de cada elemento. O artista pode
potencializar ou abafar essa sonoridade, de acordo com a sua criação, composição e mistura
com outros elementos. Para Kandinsky, cada elemento de uma composição é um ser
espiritual, distinto dos outros e tem suas próprias características, as quais podem ou não ser
sublinhadas quando associadas a outros elementos. (KANDINSKY, 1990)
51
Verbal: Palavras transmitidas por meio sonoro (oral) ou visual (texto). A Literatura,
por exemplo, utiliza-se do código verbal, transmitido por meio sonoro ou visual.
Visual: Elementos visuais como cores, formas geométricas e abstratas (ponto, linhas e
planos). A pintura, a exemplo da música em relação aos elementos sonoros, ordena os
elementos do código visual.
8
Esse quadro, proposto pelo autor dessa dissertação, tem por objetivo apresentar o contexto intercódigo, de
acordo com a forma exterior de seus elementos e o meio que lhe são próprios. Nessa figura, foram incluídos os
termos apresentados com maior frequência no decorrer do presente texto. Entretanto, outras formas de
linguagem podem ser incluídas como, por exemplo, a Fotografia e até mesmo linguagens multimídiaticas como
o Teatro e o Cinema.
52
A palavra forma, em seu caráter exterior, significa “delimitação de uma superfície por
outra superfície” (KANDINSKY, 1990, p. 71). Kandinsky afirma que “toda coisa exterior
também encerra, necessariamente, um elemento interior” (KANDINSKY, 1990, p. 71). Para o
autor, “cada forma também possui um conteúdo interior. A forma é a manifestação exterior
desse conteúdo” (KANDINSKY, 1990, p.p. 71, 72), ou seja, da sonoridade interior.
O autor procura relacionar esse sentido interior da música, não tangível, com outras
artes e seus meios. Por exemplo, a sonoridade de um triângulo bem agudo pode ser muito
semelhante a de um amarelo claro e intenso, do timbre de um “trompete agudo” ou até de uma
“fanfarra estridente”:
53
[...] O amarelo tormenta o homem, espicaça-o e excita-o, impõe a ele como uma
coerção, importuna-o com uma espécie de insolência insuportável. Essa propriedade
do amarelo, que tende sempre para os tons mais claros, pode alcançar uma
intensidade insustentável para os olhos e para a alma. Nesse grau de potência, soa
como um trompete agudo, que fosse tocado cada vez mais forte, ou como uma
fanfarra estridente. (KANDINSKY, 1910, p. 86)
Para Kandinsky, a arte não tem regras inquebráveis, ela está bem distante de qualquer
discurso imperativo (KANDINSKY, 1990). Entretanto, com a vibração causada pelo
elemento abstrato, sem o aspecto figurativo (relação iconográfica, indicial ou simbólica da
realidade como objeto), o espectador é menos influenciado por aspectos cognitivos como, por
exemplo, as associações; supostamente, o som interior do próprio elemento mantém-se mais
forte nesse caso.
Qualquer forma abstrata faz ouvir uma nota particular na estrutura do quadro, e as
relações mútuas das formas criam tensões internas que são a origem do efeito
estético. No entanto, a obra de arte abstrata não se distingue radicalmente da obra de
arte figurativa. Nesta, também, não se trata de uma imitação servil, mas de uma
transposição. E a história mostra que a transposição estética não cessou de adquirir
maior importância, de modo que devia levar à pintura abstrata. Os impressionistas
também ressaltaram, inconscientemente, os valores absolutos da pintura, e os neo-
impressionistas deram um passo a mais estudando teoricamente as relações íntimas
que as cores mantém entre si. Em seguida, os cubistas se interessaram pelas formas e
54
Para Kandinsky, a arte figurativa, quando é uma transposição e não somente uma
cópia da realidade, possui uma sonoridade maior, entretanto, com a ruptura total da relação
mimética, a sonoridade pura da composição é amplificada ainda mais, pois está livre de
influências do objeto. No trecho acima, ele descreve a transposição estética que outros
movimentos artísticos fizeram, o que contribuiu para que a obra de arte se emancipasse do
objeto figurativo, por meio da arte abstrata.
Para que seja possível identificar todos os intervalos, cada um deles ainda possui
algumas variações. Por exemplo, os intervalos simples de 2ª, 3ª, 6ª e 7ª podem ser ampliados
ou reduzidos, da seguinte maneira: diminuto (1 tom abaixo do maior), menor (1/2 tom abaixo
55
do maior), maior aumentado (1/2 tom acima do maior) e mais que aumentado (1 tom acima
do maior). Já os intervalos simples de 4ª, 5ª e 8ª podem ser ampliados ou reduzidos de
maneira distinta: diminuto (1/2 tom abaixo do justo), justo aumentado (1/2 tom acima do
justo) e mais que aumentado (1 tom acima do justo) (BIAGIONI et al., 2005). Os intervalos
musicais podem ser melódicos ou harmônicos e podem receber subclassificações como:
consonância perfeita, imperfeita, dissonância absoluta e condicional, utilizando regras de
enarmonia9 e de inversão de intervalos. O assunto “intervalos musicais” possui muito
conteúdo para ser aqui detalhado e, portanto, pretende-se apenas exemplificar ao leitor as
sensações dissonante e consonante, baseadas na percepção de intervalos musicais e que
Kandinsky aplicava na arte em geral. Eis algumas considerações sobre dissonância e
assonância, feitas pelo autor José Wisnik, onde ele aponta a relatividade desses termos:
Quando se escuta um intervalo de oitava justa – a mesma nota musical, porém uma
oitava acima (frequência mais alta) – tem-se uma relação harmônica estável, o que resulta em
um intervalo consonante. Por exemplo, esse intervalo de oitava justa pode ser encontrado nas
duas primeiras notas da música “Over the rainbow” (Figura 5), de Harold Arlen (1905-1986),
Some - where (DÓ - DÓ). Um exemplo significativo de intervalo dissonante ocorre nas
primeiras notas da música “Fly me to the moon” (Figura 6), do compositor Bart Howard
(1915-2004) – Fly – me – to – the – moon (DÓ – SI – LÁ – SOL – FÁ). As duas primeiras
notas representam um intervalo melódico de 2ª menor; provocam uma sensação de
instabilidade que carece de equilíbrio. As notas seguintes surgem em uma escala descendente,
com intervalos melódicos de 2ª maior, que encontrarão repouso momentâneo depois da
sensação de instabilidade iniciada pelo primeiro intervalo melódico de 2ª menor, quando a
nota FÁ é prolongada e a relação com a tônica do acorde desse compasso (RÉ) se torna mais
evidente, como uma 3ª menor (RÉ – FÁ).
9
“Intervalos enarmônicos são aqueles que têm o mesmo som, mas são escritos de forma diferente.” (BIAGIONI
et al., 2005, p. 61). Exemplo: Lá – Mi = Sol x (dobrado sustenido) – Ré x (dobrado sustenido). Ambos são
intervalos de 5˚ justa e possuem exatamente o mesmo som (mesma freqüência).
56
57
O termo assonância é utilizado na poesia para caracterizar a relação entre as rimas. Ela
ocorre quando há correspondência apenas entre as vogais tônicas – “satírico/espírito;
olhos/demora; tarde/arde” (SACCONI, 1994, p. 493) – já quando há correspondência perfeita
entre vogais e consoantes “fino/menino; lavada/caçada” (SACCONI, 1994, p. 493) tem-se a
rima chamada de consoante ou soante.
Cada arte possui os meios e os elementos que lhe são próprios. Objetos, formas, cores,
palavras e notas musicais são exemplos de elementos utilizados nas diversas artes. Em todas
elas, há a possibilidade do contato eficaz com a alma humana. Esses elementos artísticos,
segundo Kandinsky, são seres espirituais e possuem uma sonoridade interior que pode ser
amplificada ou atenuada de acordo com a maneira que são empregados no processo de
criação. O artista deve expressar o conteúdo interior do elemento utilizado e da sua própria
alma. A sonoridade interior da obra é composta por um conjunto de sonoridades. Essa
composição pode ou não conter o elemento objetivo (figurativo). Também contém a
10
A relação proposta entre os conceitos de assonância poética e dissonância musical e assonância e dissonância
em relação ao conteúdo interior e à forma exterior é uma possível hipótese de analogia, na tentativa de
proporcionar a compreensão do que significavam esses conceitos para Kandinsky. Os exemplos provenientes da
música representam, de maneira didática, a sensação dissonante e consonante que ocorre na percepção dos
intervalos musicais.
58
A soma de todas as artes, uma vez realizada, constituirá a Arte Monumental. Essa
repetição tem ainda mais força porque cada individualidade reage de modo diverso às
diferentes artes. Uns são sensíveis à forma musical (à qual se pode dizer – as
exceções são desprezíveis – que todos o são), outros à pintura, outros ainda à forma
literária. Por outro lado, as forças ocultas das artes são, em sua essência, diferentes.
De tal sorte que elas provocam nos mesmos indivíduos o efeito que delas se espera,
mesmo que cada arte se sirva tão somente dos meios que lhe são próprios, com a
exclusão de todos os outros. (KANDINSKY, 1990, p. 96)
59
Kandinsky afirma que essas representações verbais não são tão efetivas. “As vibrações
que despertam na alma são mais tênues e mais delicadas, e as palavras são incapazes de
descrevê-las”. (KANDINSKY, 1990, p. 93)
60
Deve-se evitar que os elementos que formam a obra de arte mantenham relações
referenciais iconográficas, indiciais e simbólicas com a realidade como objeto. Para o autor,
quanto mais esse conjunto se distanciar de motivos e efeitos exteriores que possam ser
descritos em uma narração (verbalmente), “mais o efeito será puro, profundo e interior”
(KANDINSKY, 1990, p. 107).
[...] concordância de sons de dois ou, enfim, dos três elementos em sua total
independência (exterior é claro), etc. Foi esse último procedimento que Arnold
Schoënberg empregou em seus quartetos. Aí se vê como as sonoridades interiores
61
[...] As cordas sensíveis são semelhantes, mas os condutos são diferentes = cinco
sentidos. O órgão mais sensível é o ouvido (menos, porém do que entre os asiáticos),
depois vem a vista e somente, então, menos desenvolvidos, de uma sensibilidade
quase idêntica, o tato, o paladar e o olfato. O sentido tátil na ponta dos dedos, o
paladar na língua e no palato, o olfato pelo nariz. Mas pessoas sensitivas vêem com as
pontas dos dedos, cheiram com a língua, sentem cores degustando. Pensamento
temerário: que cada órgão desperte todos os cinco sentidos e que cada sensação
separada provoque um acorde de cinco sonoridades. Pelo menos! (KANDINSKY,
1996, p. 22)
O estudo sobre cores desenvolvido no livro “Do Espiritual na Arte” é considerado por
muitos um dos mais ricos já realizados sobre esse tema que desperta enorme interesse de
artistas visuais (pintores, escultores, fotógrafos, designers, arquitetos e etc.), educadores,
psicólogos, médicos e até profissionais que utilizam outras formas de linguagem como, por
62
Desde a sua infância, era notável a capacidade que Kandinsky possuía em relacionar
percepções multisensoriais. Elementos visuais e sonoros misturavam-se com sensações
provenientes do olfato, do paladar e do tato; Kandinsky verbalizava essa trama perceptiva de
uma maneira repleta de poesia e detalhes. As cores, sempre presentes em sua vida, foram os
primeiros elementos explorados de maneira mais intensa pelo artista. Kandinsky se sentia
muito à vontade no reino das cores e, talvez devido a isso, tenha utilizado esse elemento como
principal exemplo da sonoridade interior e do princípio da necessidade interior em seu livro
“Do Espiritual na Arte”.
Pode-se resumir alguns conceitos básicos sobre as cores, provenientes dos principais
estudos sobre o tema. “A cor não tem existência material: é apenas sensação produzida por
certas organizações nervosas sob a ação da luz”. (PEDROSA, 2003, p. 17) A existência
“física” das cores está relacionada à luz que age como estímulo e ao olho que é o canal de
recepção desse sinal. Ao resultado do estímulo da luz ao olho humano, dá-se o nome de matiz
63
(em francês “teinte” e em inglês “colour vision”). (PEDROSA, 2003) Esses estímulos estão
divididos em dois grupos - Cores-luz e Cores-pigmento. A cor-luz é “a radiação luminosa
visível que tem como síntese aditiva a luz branca” (PEDROSA, 2003, p. 17). Seus matizes
são: vermelho, verde e azul. Já a cor pigmento é “a substância material que, conforme sua
natureza, absorve, refrata e reflete os raios luminosos componentes da luz que se difunde
sobre ela”. (PEDROSA, 2003, p. 17) Nesse caso, a cor branca não é feita pela síntese aditiva,
pois trata-se da ausência de pigmentos (material).
64
O segundo grande contraste refere-se a tendência para o branco (cores claras) ou para
o preto (cores escuras). O claro e o escuro, também apresentam movimentação semelhante ao
amarelo e ao azul, porém, segundo Kandinsky, de maneira mais rígida. Assim como o
amarelo e o azul, a mistura do branco e do preto altera o movimento dessas cores. Essa ação
também anula a força característica desses dois tons, o que resulta no cinza neutro. A
diferença entre o verde e o cinza é que as cores que compõem o verde (amarelo e azul)
possuem uma movimentação mais dinâmica. Portanto, o verde é uma cor que, mesmo neutra,
apresenta “uma possibilidade de vida que falta totalmente no cinzento” (KANDINSKY, 1990,
p. 85).
Existe uma forte relação entre os dois primeiros pares de contraste. A Figura 25
apresenta uma ilustração readaptada do livro do “Do Espiritual na Arte”, na qual Kandinsky
expõe essas características.
65
66
Essa propriedade do amarelo, que tende sempre para os tons mais claros, pode
alcançar uma intensidade insustentável para os olhos e para a alma. Nesse grau de
potência, soa como um trompete agudo, que fosse tocado cada vez mais forte, ou
como uma fanfarra estridente. (KANDINSKY, 1910, p.p. 85, 86)
A Figura 26 demonstra a proximidade das cores que formam os dois primeiros grandes
contrastes e as suas respectivas misturas (verde e cinza). O azul está mais próximo do preto; o
amarelo do branco e o verde do cinza.
67
O doente acusa os homens, derruba tudo, joga tudo no chão e dispersa suas forças por
todos os lados, dissipa-as sem razão nem propósito, até o esgotamento total. Isso faz
pensar no extravagante desperdício das últimas forças do verão, no fascínio berrante
da folhagem do outono, privada de azul, desse azul apaziguador que então só se
encontra no céu. Tudo o que resta é um desencadear furioso de cores sem
profundidade. (KANDINSKY, 1990, p. 86)
68
69
Kandinsky compara a sonoridade interior do verde absoluto com a dos “sons amplos e
calmos, de uma gravidade média, do violino” (KANDINSKY, 1990, p. 89). Aqui, novamente,
aparece a questão da compatibilidade com frequências sonoras. Se o amarelo é mais
compatível com notas agudas e o azul com notas graves, o verde apresenta maior similaridade
com as notas médias.
O vermelho possui uma sonoridade interior bem versátil. Essencialmente quente, mas
com capacidade de parecer frio também. Segundo Kandinsky, todas as cores apresentam essa
70
propriedade, entretanto, o vermelho é a cor que pode transitar melhor entre o quente e o frio.
Ele exerce uma força tão intensa quanto o amarelo, mas não expande e se propaga como este.
Ao contrário, resume-se nele mesmo. Essa força parece uma “efervescência, voltada
sobretudo para si mesma e para qual o exterior conta muito pouco”(KANDINSKY, 1990, p.
91).
Kandinsky aponta características de alguns vermelhos, dos mais claros aos mais
escuros. Ele compara o vermelho-saturno (vermelho-claro-quente) ao amarelo médio e atribui
“força, impetuosidade, energia, decisão, alegria, triunfo” (KANDINSKY, 1990, p. 91).
Kandinsky compara a sonoridade interior desse tom de vermelho ao de “uma fanfarra, onde
domina o som forte, obstinado, importuno da trombeta” (KANDINSKY, 1990, p. 91), ao
invés do trompete, como é o caso do amarelo.
A laca vermelha, uma tonalidade mais fria de vermelho obtida pela adição do azul
ultramarino, perde a força ativa do vermelho, toda a energia característica dessa tonalidade
cromática desaparece, porém não por completo; essa força parece apenas aguardar o momento
de reacender. Simboliza a “veemência da paixão” (KANDINSKY, 1990, p. 92). Kandinsky
compara sua sonoridade interior com a de sons médios e graves do violoncelo. Se o vermelho
frio for mais claro, “explode em acentos de jovem e pura alegria, de um virginal frescor”
(KANDINSKY, 1990, p. 92). Sua sonoridade interior, segundo Kandinsky, pode ser
comparada à de sons elevados, claros e cantantes do violino.
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Segundo Kandinsky, “as seis cores que, aos pares, formam três grandes contrastes,
apresentam-se a nós como um imenso círculo, como uma serpente que morde sua própria
cauda (símbolo do infinito e da eternidade)”, (KANDINSKY, 1990, p. 93) (Figura 28). Este
círculo é ladeado por dois silêncios, o do nascimento e o da nascimento.
72
As nuances cromáticas são tão ricas quanto na música. Kandinsky afirma que todas
essas características são apenas provisórias, tão elementares quanto os sentimentos a que
correspondem. Outras virão e, mesmo assim, não conseguirão traduzir especificamente o
conteúdo interior das cores. “As palavras não são e não podem ser senão alusões a cores,
sinais visíveis e inteiramente exteriores” (KANDINSKY, 1990, p. 94).
A Figura 29 apresenta um resumo da teoria das cores apresentada até aqui. Nela são
apresentadas as cores que compõem os 4 contrastes e suas temperaturas, movimentos,
características/simbolismo e analogia com a música.
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... o percepto, em si, seria aquilo que, até certo ponto, independe de nossa mente.
Corresponde ao elemento não racional, que se apresenta à apreensão de nossos
sentidos. O percipuum já seria o percepto tal como ele se apresenta no julgamento de
percepção. Seria o percepto, portanto, na sutil, mas marcante, mudança de natureza
por que passa, ao ser incorporado à nossa mente, ao nosso processamento perceptivo
(SANTAELLA, 1998, p. 59).
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interior.” (KANDINSKY, 1991, p. 125) “Não é a forma (matéria) que é elemento essencial,
mas o conteúdo (espírito) (KANDINSKY, 1991, p. 120).
A explicação de Kandinsky sobre o efeito de uma letra demonstra essas duas ações
emanadas por um elemento de linguagem (ação da forma exterior e do conteúdo interior). As
duas ações podem ser distintas e, para o autor, esse é um dos recursos expressivos mais
poderosos na composição:
1. ela age enquanto signo dotado de uma finalidade; 2. Ela age primeiro enquanto
forma, depois enquanto ressonância interior dessa forma, por si mesma e de
maneira totalmente independente. Concluiremos daí que o efeito exterior pode
diferir do efeito interior, produzido pela ressonância interior, o que constitui um
dos meios de expressão mais poderosos e mais profundos de qualquer composição.
(KANDINSKY, 1991, p. 126, grifo nosso)
[...] vemos um travessão. Se ele estiver corretamente colocado – como faço aqui - ,
temos um traço que possui um significado prático e uma finalidade. Se prolongarmos
esse tracinho, deixando-o no lugar correto, ele conservará o seu sentido, porém o
caráter insólito desse prolongamento lhe conferirá uma coloração indefinível: o leitor
se perguntará porque o traço é tão comprido e se esse comprimento não possui um
76
É por isso que os meios empregados para cada arte, vistos do exterior, são
completamente diferentes: sonoridade, cor, palavra!... Em último lugar e vistos do
interior, esses meios são absolutamente semelhantes: o objetivo final suprime as
diferenças exteriores e desvenda a identidade interior. (KANDINSKY, 1991, p.p.
126, 127)
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significação por meio de valores denotativos. É claro que entra em cena a subjetividade do
espectador que, por sua vez, pode perceber, interpretar e significar a forma exterior que chega
a ele de alguma maneira, mas a ordem como Kandinsky dispõe esses signos dificulta a sua
significação. Nessa composição, não há regras exteriores; o autor leva em consideração a sua
expressão e a sonoridade interior de cada elemento. O artista utiliza recursos de linguagem
visual, sonora ou verbal para distanciar o espectador da busca pela significação. Ao levar em
consideração apenas o conteúdo interior, muitas vezes, a relação entre as formas exteriores
fica praticamente sem sentido relativo. “A aparência exterior de cada elemento dissipa-se de
repente, e seu valor interior ressoa plenamente” (KANDINSKY, 1991, p. 142). A sonoridade
interior como elemento principal de composição implica na redução do sentido relativo e na
amplificação do sentido absoluto.
Se, por conseguinte, uma linha é libertada da obrigação de designar uma coisa num
quadro... sua ressonância interior não se vê mais enfraquecida por nenhum papel
secundário e ela recebe sua plena força interior... A maior negação do objeto e sua
maior afirmação são equivalentes. E tal equivalência se justifica pela perseguição do
mesmo objetivo: a expressão da mesma ressonância interior... Vemos pois que, em
princípio, não tem importância que o artista recorra a uma forma real ou abstrata, já
que elas são interiormente equivalentes. A escolha há de ser deixada ao artista, que
deve saber melhor que ninguém por qual meio ele é capaz de materializar mais
claramente o conteúdo de sua arte. (KANDINSKY, 1991, p. 127)
Códigos verbais podem ser utilizados para criar uma “certa atmosfera, que liberta a
alma e a torna receptiva. A sonoridade da voz humana em estado puro, isso é, livre do
obscurecimento produzido pela palavra ou pelo sentido das palavras”. (KANDINSKY,1991,
p. 43)
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[...] alguns de ombros erguidos, outros de ombros abaixados, com curiosos rostos
amarelos que o espectador distingue mal. Viram a cabeça muito lentamente, uns em
direção aos outros, e fazem movimentos simples com os braços. A música torna-se
precisa. Nisso, o canto muito grave e sem palavras dos gigantes torna-se perceptível
(pp) e os gigantes aproximam-se lentamente da ribalta. Da esquerda para a direita
passam voando rapidamente seres vagos, vermelhos, que lembram um pouco
passarinhos, têm cabeças grandes e uma semelhança distante com seres humanos.
Esse vôo reflete-se na música. Os gigantes continuam a cantar, e cada vez mais piano.
Ao mesmo tempo, o espectador distingue-os cada vez menos. A colina, atrás, cresce
lentamente e ilumina-se gradualmente. No fim, está branca. O céu torna-se preto.
Atrás da cena, volta-se a ouvir o mesmo coro, com sonoridade de madeira seca. Já
não se ouvem os gigantes. A frente do palco torna-se azul e cada vez mais opaca. A
orquestra luta com o coro e sobrepuja. Um denso vapor azul mascara toda a cena.
(KANDINSKY, 1991, p. p. 146, 147)
A citação acima, que encerra o primeiro quadro da peça, demonstra o amplo repertório
intersígnico que Kandinsky explora nesse tipo de manifestação artística. A forma exterior
apresenta-se como elemento de confusão devido à relação total da composição. Os valores
denotativos, presentes sempre na forma exterior, apresentam-se como efêmeros e solúveis, na
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medida em que o espectador percebe outros signos com distintos valores denotativos e,
principalmente, com fortes ressonâncias provenientes do conteúdo interior de cada elemento.
A sonoridade interior torna-se mais amplificada devido à redução do valor relativo (forma
exterior). As mudanças de cores, os detalhes da expressão e da movimentação corporal, a
forma visual dos corpos dos personagens, os movimentos e as características da música (a
frequência das notas musicais, o andamento, os momentos de silêncio), elementos presentes
na composição, possuem o duplo efeito (sentido relativo e sentido absoluto). Todavia, a
composição dessa peça está completamente em função do sentido absoluto, emanado pela
sonoridade interior, que contribui ainda mais para o deslocamento do objeto. Kandinsky
aponta os elementos utilizados na peça e a relação interior entre eles.
Todos os detalhes e elementos visuais, sonoros e verbais, dos seis quadros da peça “A
Sonoridade Amarela” evidenciam a expressão da sonoridade interior. Múltiplas cores como o
azul-fosco, o amarelo-limão-cru, o vermelho-sujo, o cinza-chumbo, o violeta-claro e muitas
outras impulsionam o processo acústico-espiritual. A música oferece uma riqueza de nuances,
de detalhes e de movimentação; acordes confusos, uma trama entre notas graves e agudas,
diversos andamentos, composições rítmicas com sons e silêncio. Elementos cênicos como os
gigantes amarelos, que movimentam seus braços e cabeças e cochicham uns com os outros,
somem e desaparecem de cena diversas vezes; flores que recitam e trocam de cores; uma flor
atingida por convulsão; seres vagos e vermelhos semelhantes a pequenos pássaros; uma
criança de camisola branca e um homem gordíssimo vestido de preto; uma capela vermelho-
sujo, um campanário azul e um sino; pessoas de maiô colorido andando/correndo/pulando em
direções confusas e pessoas de roupas esvoaçantes; articulações verbo-sonoras sem conteúdo
literal: - KALASIMUNAFAKOLA (KANDINSKY, 1991). São muitos os detalhes que
Kandinsky reúne nessa composição, organizada em três meios exteriores que serviram para
expressar o interior: “1) O som musical e seu movimento. 2) A sonoridade do corpo e da alma
e seu movimento, que se exprimem através dos seres e das coisas. 3) A sonoridade das cores e
seu movimento.” (KANDINSKY, 1991, p. 143).
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[...] Alternando rapidamente, raios de cores cruas caem de todos os lados (o azul, o
violeta, o vermelho e o verde mudam repetidas vezes) Depois, todos esses raios
encontram-se no centro e misturam-se uns aos outros. Tudo permanece imóvel. Quase
já não se vêem os gigantes. De repente, todas as cores desaparecem. Por um
momento, fica escuro. Em seguida, uma luz amarela e fosca cai sobre a cena,
intensifica-se progressivamente até todo o palco se tornar amarelo-limão-cru.
Enquanto a luz aumenta, a música vai para os graves e torna-se cada vez mais
sombria (esse movimento lembra o de um caracol entrando na concha). Durante esses
dois movimentos, não se deve ver nada além da luz no palco – nenhum objeto. A luz
mais crua é alcançada, a música dissolveu-se para a frente. Não se vêem mais os
rochedos. Os gigantes estão sós em cena; agora mantêm-se mais afastados uns dos
outros e cresceram, do palco uma voz de tenor, gritante, cheia de angústia, que berra
com grande rapidez palavras perfeitamente distintas. (Ouve-se muitas vezes o som a,
por exemplo: kalasimunafakola!). Pausa. Fica escuro por momento. (KANDINSKY,
1991, p. 149)
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Inspirada nas investigações e nos estudos feitos sobre conceitos da sonoridade interior
e do princípio da necessidade interior (KANDINSKY, 1990), a presente pesquisa apresenta a
composição de um Ensaio Visual, Sonoro e Verbal. Essa composição buscou a expressão
desse autor por meio da sonoridade interior de elementos intercódigos.
É importante ressaltar que o ensaio não tem por objetivo reproduzir a maneira exata
como Kandinsky produzia suas obras, somente foi inspirado em suas idéias sobre a expressão
interior do artista, a sonoridade interior e o afastamento de interpretações racionais por parte
do espectador.
Figura 31: Frame do Ensaio Artístico composto pelo autor da presente pesquisa.
O ensaio é composto por luzes, cores, sons, palavras e formas. A disposição desses
elementos não mantém uma relação fundamentada na forma exterior. É semelhante à Arte
Monumental de Kandinsky, na qual o sentido relativo (presente na forma exterior) é reduzido,
pois o sentido absoluto é o principal conceito para a criação e para a expressão do artista.
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Ensaio artístico disponível no seguinte endereço eletrônico: http://www.angelodimitre.com/blog/?p=1692
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Alguns elementos propostos oferecem uma atmosfera que confunde a busca pela
significação.
Figura 32: Frame do Ensaio Artístico composto pelo autor da presente pesquisa.
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6 Conclusão
Para Kandinsky, a priori, toda arte possui dois sentidos - um sentido absoluto e um
sentido relativo. O âmago de uma obra de arte deve explorar, prioritariamente, o sentido
absoluto, ou seja, o sentido livre de relações indiciais, iconográficas e simbólicas com a
realidade como objeto. Esse sentido absoluto é proveniente da sonoridade interior dos
elementos empregados, de acordo com a expressão do artista. Já o sentido relativo (sentido
literal), presente na forma exterior de um elemento artístico, proporciona valores denotativos,
significativos ao espectador, de acordo com a comunidade na qual ele se encontra. A Arte
Monumental de Kandinsky, cuja composição cênica relaciona elementos de diferentes
códigos, sintetiza bem todo o processo acústico-espiritual, resultante da ressonância da
sonoridade interior na alma do espectador. Kandinsky sempre procurava expressar e
amplificar ainda mais essa sonoridade e potencializar a sua vibração. No período próximo à
publicação do livro “Do Espiritual na Arte”, Kandinsky não parecia estar tão interessado nos
aspectos sintáticos, semânticos ou pragmáticos da obra de arte. Para ele, esse processo de
fluidez não era uma questão racional, mas sim, espiritual.
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O livro "Do Espiritual na Arte" foi concebido em meio a esse contexto. Conforme
relatado anteriormente, esse livro aponta toda a opinião de Kandinsky sobre o cenário da
sociedade daquela época, expõe os principais conceitos para essa relação intercódigos de sua
produção artística, expõe a sua pesquisa e a teoria sobre as cores, descreve o conceito da Arte
Monumental, além de outros tópicos. No decorrer da obra, Kandinsky faz valiosas
observações sobre artistas específicos que contribuíram para o seu desenvolvimento, como
Schöenberg, Maeterlinck, Cézzane e outros. Kandinsky visualizava nesses artistas a
sonoridade interior das formas empregadas por eles e de suas respectivas expressões.
A presente pesquisa teve como principal objetivo descrever e analisar a relação entre
os códigos visual, sonoro e verbal, os quais Kandinsky explorava por meio da sonoridade
interior dos elementos artísticos, conceitos explorados em seu livro “Do Espiritual na Arte”.
Outros textos do autor como, por exemplo, sua autobiografia Rückblicke” (Recordações –
Olhar no passado) e livros Teóricos como “Curso da Bauhaus” foram utilizados para
complementar a pesquisa. Alguns recortes de outros autores relacionados a Artes, Música,
Teorias de Cores, Percepção, Semiótica e outros também contribuíram para a pesquisa.
Contudo, é importante sublinhar que a presente pesquisa tinha como proposta aprofundar-se
nos próprios textos de Kandinsky, a fim de compreender melhor todo esse processo de criação
e a relação intercódigos nesse período contemporâneo à publicação de “Do Espiritual na
Arte”. Nesse momento, Kandinsky, com um tom embrionário, parecia profetizar novos
caminhos e se estabelecia como pioneiro nessa nova direção, na qual a arte reduziria seus
valores externos, seu sentido relativo, a fim de amplificar sua sonoridade interior.
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Para Kandinsky, a condição sine qua non para a criação de uma obra de arte é a
sonoridade interior, o que permite a essa arte utilizar formas exteriores características de
diferentes meios.
Essa relação intercódigos exploradas por Kandinsky há quase uma centúria atrás é
atual e relevante no contexto contemporâneo ao presente estudo. A cultura digital nos
possibilita inúmeras maneiras de relacionar e articular códigos de diferentes meios. Ao
descrever e analisar os conceitos desenvolvidos por Kandinsky para relacionar elementos
visuais, sonoros e verbais, este trabalho pode proporcionar um valioso estudo para artistas e
pesquisadores que queiram explorar os mesmos conceitos e refletir sobre novas formas de
relacionar diferentes artes.
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REFERÊNCIAS
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2005.
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Janeiro: Editora Delta, 1962. p.p. 34-50.
GOETHE, Johann Wolfgang Von. Doutrina das Cores São Paulo: Nova Alexandria, 1993
KANDINSKY, Wassily. Der Blaue Reiter in: Olhar no Passado. São Paulo: Martins Fontes,
1991. p.p.115-152
MAETERLINCK, Maurice. O pássaro azul. Rio de Janeiro: Editora Delta, 1962. 55 p., il.
color.
PEDROSA, Israel. Da cor à cor inexistente. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial Ltda.,
2003
WIRSÉN, C.D. AF. Discurso de recepção In: O pássaro azul. Rio de Janeiro: Editora Delta,
1962. p.p. 23-31.
WISNIK, José Miguel. O som e o sentido: uma outra história das músicas. São Paulo:
Círculo do Livro, 1989
ZANCHETTA, Luciene. Impressionismo: 230 anos de luz. Revista Ciência e Cultura, v. 56,
n. 3, p.58-59, set. 2004. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-
67252004000300027&script=sci_arttext>
Acesso em: 17.jun.2011