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A COR E A FORMA NO EXPRESSIONISMO DE WASSILY KANDINSKY

Trabalho apresentado ao Programa de Pó s


Graduaçã o em Artes Visuais da Universidade
Federal do Espírito Santo como parte da
disciplina Teoria e Histó ria da Arte Moderna

Aluna: Simone Neiva Loures Gonçalves


Professor: Dr. Ricardo Mauricio Gonzaga

Vitó ria
2018
A COR E A FORMA NO EXPRESSIONISMO DE WASSILY KANDINSKY

Segundo o historiador Giulio Carlo Argan (1992), a arte alemã do início do século XX –
chamada de Expressionismo – possuía dois centros distintos: um francês, os fauves
(feras) e um alemã o, a Die Brucke (a ponte). Do primeiro tem origem o Cubismo francês
e do segundo deriva o movimento Cavalheiro azul (Blaue Reiter), alemã o. Ambos sã o
gerados no coraçã o do Impressionismo e partem da consciência do esgotamento do
cará ter sensorial da pintura produzida por artistas como Van Gogh, Lautrec e Gauguin.
Nesse contexto de exaustã o, pintores como Emil Nolde, já nã o se satisfaziam em criar
somente “imitando e dando forma à natureza” (CHIPP, 1996, p.143). Para pintores como
Nole era necessá rio a reavaliaçã o dos valores da natureza, acrescida de espiritualidade.
Somente com a introduçã o da espiritualidade seria possível a transformaçã o da arte. Na
Alemanha, esse desejo irresistível e crescente de representaçã o de uma interioridade
atinge artistas como Oskar Kokoschka, Ernest Ludwig Kirchner, Franz Marc Paul Klee e
Wassily Kandinsky, denominados de expressionistas.

Kandinsky seria o líder fundador do grupo Cavaleiro Azul, em homenagem a um de seus


quadros. Apesar de ter se dissolvido com o início da Primeira Guerra Mundial em 1914 o
grupo gerou um efeito duradouro devido a passagem de Kandinsky para a pura
abstraçã o, ao abandonar toda ou qualquer referencia à realidade reconhecível em sua
obra. Esta passagem do à abstraçã o é registrada pelo pró prio pintor em pelo menos dois
textos significativos: O Efeito da Cor (1911) e Sobre a questão da forma (1912) (CHIPP,
1996).

Em O Efeito da Cor (1911), Kandinsky afirma que o observador experimenta duas


sensaçõ es bá sicas ao passar os olhos sobre uma paleta de cores: um efeito físico e outro
psíquico. No primeiro os olhos ficam encantados com os a beleza das cores, entretanto,
logo em seguida voltam a se acalmar, pois as sensaçõ es físicas sã o de curta duraçã o. Este
efeito é superficial e nã o penetra na alma. Uma espécie de efeito compará vel ao efeito do
tocar os dedos no gelo, que logo se reaquecem ao se afastar do cubo frio. Todavia,
segundo Kandinsky, se o efeito do gelo for intenso, poderá despertar sensaçõ es mais
profundas, a partir das quais se estabelece “toda uma cadeia de vivências psíquicas”. Do
mesmo modo ocorreria com a cor que, ao penetrar profundamente a alma teria o poder
“transformar em uma vivência” (CHIPP, 1996, p.150).

Segundo Kandinsky, a experiência transformadora advém de uma surpresa, pois os


objetos familiares, em geral, nos causam uma sensibilidade mediana. Somente os
objetos visto em um primeiro encontro nos tocariam a alma, assim como acontece com
uma criança que descobre o mundo. Um exemplo desta experiência seria o rabisco
infantil. No rabisco estaria presente o que Kandinsky chama de “estrutura primá ria da
operaçã o estética” (ARGAN, 1992, p.446). Uma estrutura se desfaz quando a criança
cresce e aprende a raciocinar, mas que pode ser desenvolvida por sujeitos especiais,
como os artistas ou por homens comuns capazes de recuperar o encanto perdido por
aquilo que os cerca. Recuperado o encanto estes homens podem atingir um “está gio
avançado de evoluçã o”. Um está gio no qual objetos e seres adquiriram uma “ressonâ ncia
interna” (CHIPP, 1996, p.151). Para o pintor, um fenô meno semelhante ocorre no
contato com a cor. No homem evoluído, pelo fato de a alma estar fortemente ligada ao
corpo, o efeito nã o cessa apó s o fim do primeiro estímulo físico, mas penetra a alma.

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Para demonstrar de que modo a alma estaria fortemente ligada ao corpo deste homem
Kandinsky descreve em seu texto possíveis “associaçõ es” e afirma que a “cor desperta a
lembrança de outro agente físico que sem dú vida exerce um efeito pungente sobre a
alma” (CHIPP, 1996, p. 152). A primeira associaçã o utilizada pelo pintor é a associaçã o
entre a cor e o paladar. Por exemplo, supõ e que uma cor como o amarelo-limã o
despertaria a sensaçã o de azedo (acre) no corpo pela associaçã o com o limã o. Mas isto
só aconteceria em pessoas altamente sensíveis. Pois nelas o efeito da cor na alma seria
mais direto.

Desenvolvendo seu ponto de vista as “associaçõ es” Kandinsky chega à cromoterapia.


Uma terapia que trabalha com o efeito que a luz pode causar por todo o corpo curando,
inclusive, enfermidades de origem nervosa. Ao final Kandinsky admite que, embora tais
associaçõ es tenham uma força espantosa elas nã o sã o insuficientes para explicar o efeito
da cor sob a alma. A cor é ainda mais poderosa. Ela é um meio de exercer influência
direta sobre a alma humana e, tocar a alma humana seria, por princípio, uma
necessidade da arte.

No ano seguinte ao seu texto O Efeito da Cor, Kandinsky escreve Sobre a Questão da
Forma. Neste texto segundo texto sua busca pelo espiritual na arte torna-se ainda mais
intensa. No texto o pintor reconhece a existência daquilo que denomina de Espírito
Criativo (ou Espírito Abstrato). Algo capaz de encontra um caminho para a alma e
provocar um anseio, um impulso interior. A partir da descoberta deste Espírito Abstrato
será preciso buscar uma forma material para este novo valor. O desejo de Kandinsky o é
materializar este valor.

O texto segue numa espécie de comparaçã o maniqueísta religiosa, na qual Kandinsky


denominar de “raio branco” as forças do bem e de “mã o negra” as forças do mal, ou
aqueles que odeiam a evoluçã o da arte. Dirá que, para que o espiritual possa tomar
forma, o raio banco deve ser “positivo, criativo, o bem”. Deve agir como um o raio
fertilizante. Somente desse modo, por meio dele, o homem atingirá a evoluçã o, a
elevaçã o. Mas embora o artista faça analogias entre a arte e a religiã o admite que: “muito
veem o espirito na religiã o, mas nã o na arte” (CHIPP, 1996, p. 154). De todo modo, há no
humano algo espiritual que independe da religiã o e que pode ser despertado pelo arte.

Para Kandinsky é o Espírito Abstrato que move o espírito humano pelo caminho claro
como uma convocaçã o, uma condiçã o interna. Todavia, o “Absoluto”, diria o pintor, nã o
deve ser procurado na forma (materialismo). E embora a forma seja sempre ligada ao
seu tempo, sendo relativa, ela é a expressã o externa do conteú do interno. Ela somente o
meio de expressã o daquilo que Kandinsky chama de “ressonâ ncia interna” (CHIPP, 1996,
p. 156), ela nã o é o conteú do em si.

A forma seria apenas uma expressã o do conteú do e o conteú do é diferente em diferentes


artistas. O que deixa claro que pode haver muitas formas diferentes, ao mesmo tempo,
que sã o igualmente boas. Assim, o espírito do artista individual é espelhado na forma
(personalidade). A forma estaria também sujeita ao tempo (estilo), ou a época em que o
artista vive e à naçã o a qual pertence. Para Kandinsky, enfatizar a presença de qualquer
um destes três elementos na arte seria algo supérfluo e prejudicial pois, se o Espírito
Abstrato toma posse de um ú nico Espírito Humano, toda forma que representa um

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conteú do interno seria vá lida. Ao final, chega-se a conclusã o – a forma (Material) em
geral, nã o é a coisa mais importante, mas sim o conteú do é a coisa mais importante
(Espírito) (CHIPP, 1996, p. 156).

Consequentemente, a forma nã o deve ser aceita ou rejeitada pelas qualidades, que sã o


consideradas positivas, ou pelas qualidades, que sã o consideradas negativas. Para
Kandinsky as noçõ es “agradá vel ou desagradá vel, bonita, feia, harmoniosa
desarmoniosa, iná bil, fina, grosseira” nã o tem a menor importâ ncia quando se trata de
uma forma (CHIPP, 1996, p. 161). Pois estas sã o noçõ es relativas e mutá veis. Em ú ltima
instâ ncia nã o importa se a forma é pessoal, nacional ou tem estilo; se está ou nã o de
acordo com os principais movimentos da época mas sim se a forma surgiu ou nã o da
necessidade interna e de um esforço espiritual. Tal forma só pode se manifestar por
meio da abstraçã o, por meio de formas como linhas, superfícies ou manchas de cor.

Referências

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna, Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1992.

CHIPP, H. B. Teorias da Arte Moderna, Sã o Paulo, Martins Fontes, 1996.

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