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Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Docente: Prof. Doutor Luís Afonso

Iconografia

“O SIGNIFICADO NAS ARTES VISUAIS”


“Iconografia e Iconologia”
de
Erwin Panofsky

Aluna: Tânia Patrícia Faria Gonçalves Dias da Silva


Segundo Panofsky, para que a Iconografia seja entendida como uma análise de uma
obra de arte, primeiro remete-nos para a compreensão do mundo que nos rodeia, mais
especificamente sobre a sociedade em que vivemos, quer seja no passado ou na
actualidade. Ainda, segundo Panofsky, a sociedade reage a símbolos que existem
intrinsecamente no nosso subconsciente e através deles reconhecemos uma atitude ou
uma determinada acção. Cada acção será interpretada conforme a cultura onde se
vive, de forma inteligível, segundo padrões da mesma e da história colectiva desta
sociedade.
E assim, conforme um esquema de Panofsky, através dos resultados da análise da
vida quotidiana, relacionou-a à obra de arte, em que se distinguem o assunto e o
significado que nela estão incluídos. Segundo esse esquema, existem três extractos:

Significado primário ou natural, subdividido em factual e expressional, em que as


formas são reconhecidas, nas suas configurações de linha e de cor. São representações
de pessoas, animais, objectos dos mais variados. Depois a sua ligação com um lugar e
um ambiente familiar. O mundo que engloba puras formas, com significados
primários ou naturais, que Panofsky designou de mundo dos motivos artísticos e
que a enumeração destes motivos seria uma descrição pré-iconográfica de uma obra
de arte.

Significado secundário ou convencional. Onde, entre outros exemplos, podemos


referir o caso da Última Ceia, de Leonardo Da Vinci, em que a nossa atenção é
apreendida por um grupo de figuras sentadas à volta de uma mesa, segundo uma certa
disposição, e que graças à nossa dedução e conhecimento da obra em questão, bem
como da história deste episódio bíblico, sabemos o que essa representação significa.

Segundo Panofsky, ao fazermos este exercício conectamos motivos artísticos e


combinações de motivos artísticos – composições – com temas e conceitos. São
motivos portadores de um significado secundário e convencional, que podem ser
chamados de imagens e combinações de imagens, a que os historiadores de arte
designaram de histórias e alegorias. Assim surge a Iconografia.

Significado intrínseco ou conteúdo. Este significado intrínseco é apreendido, segundo


Panofsky, pela verificação do mesmo tipo de significado que revela a condição
normal de uma nação, período histórico, classe social ou convicções religiosas ou
filosóficas. Para se fazer uma interpretação exaustiva do significado intrínseco ou
conteúdo teria de se recorrer a procedimentos técnicos de um artista e de um
determinado tempo e País.
Ao conceber as puras formas, motivos, imagens, histórias e alegorias como
manifestações de princípios subjacentes, interpreta-se todos estes elementos à luz do
que Ernst Cassirer chamou de “simbólicos”. A diferença entre Iconografia e
Iconologia reside na intenção do artista na composição do quadro, mesmo que
manifestada de forma não intencional. É essa intenção do subconsciente,
transcendendo o mundo simbólico, que nos permite, por vezes, identificar o artista
que pintou o quadro.
Iconografia deriva da palavra grega, ou da junção de duas palavras, e o sufixo grafia
vem do verbo grego graphein: escrever. E é um método puramente descritivo na
análise da obra de arte.
Ao analisar a composição de uma obra de arte, a Iconografia é uma ajuda
imprescindível para a datação, proveniência e autenticidade da mesma, fornecendo
bases para a investigação posterior.
O que a Iconografia não pode fazer pode a Iconologia: na interpretação, na
investigação da origem e significação de testemunhos, na influência de ideias
teológicas, filosóficas políticas; objectivos de artistas nas obras. Assim, Iconologia,
no sufixo logia, significa pensamento ou razão: logos. O que implica um processo
interpretativo e intelectual.
Panofsky diz-nos que concebe Iconologia como uma Iconografia tornada
interpretativa em que se transforma em parte integral do estudo da arte. A Iconologia
faz a síntese da obra, em que a Iconografia já fez a análise.
Existem, portanto, três níveis de interpretação da obra de arte: descrição Pré-
Iconográfica, análise Iconográfica e interpretação Iconológica.

Descrição Pré-Iconográfica: Situa-se na experiência prática. Facilmente se distinguem


os objectos e formas por nos serem familiares. Mas é insuficiente quando nos
deparamos com um qualquer objecto estranho que não nos seja familiar, por pertencer
a uma outra cultura ou por simplesmente não termos conhecimentos suficientes para o
reconhecer. E para tal temos de recorrer a alguma bibliografia. O que pode também
acontecer é encontrarmos esses mesmos objectos estranhos por intenção maliciosa do
artista ou devido a algum engano na aplicação desses objectos na obra.
A análise Iconográfica: Segundo Panofsky, este nível trata com imagens, histórias e
alegorias, pressupõe muito mais do que o reconhecimento dos objectos e eventos que
se adquirem numa determinada sociedade. Pressupõe uma leitura intencionalmente
dirigida quanto por tradição oral, com temas e conceitos conforme transmitidos
através de fontes literárias. Só que, também neste nível, podem-se encontrar
dificuldades, já que os autores dos quadros podem colocar intencionalmente
determinados objectos e composições, não seguindo padrões específicos de cada
época. E assim se exige uma procura exaustiva por parte do historiador de arte desses
momentos que se foram estabelecendo na evolução da arte, para não se cair em erro
na leitura final da obra.

A interpretação Iconológica: É um resumo de todo o trabalho anterior e ultrapassa-o


no método do âmbito da investigação da obra de arte.
Segundo Panofsky, “O historiador de arte terá de confrontar aquilo que ele pensa ser
o significado intrínseco da obra, ou conjunto de obras a que dedica a sua atenção,
com aquilo que ele pensa ser o significado intrínseco de outros tantos documentos
civilizacionais historicamente relacionados com aquela obra ou grupo de obras:
documentos que testemunham acerca das tendências políticas, poéticas, religiosas,
filosóficas e sociais da personalidade, época ou país investigado.” Existe um
interligação de várias áreas específicas para a análise da obra: história política,
ciência (relativamente à datação por carbono), à teologia e literatura, entre outras.

A aplicação da Iconografia e Iconologia no Renascimento.

O Renascimento é o ressurgimento da Antiguidade Clássica. Alguns escritores


italianos, tais como Battista Alberti e Giorgio Vasari, sustentavam que a arte clássica
tinha desaparecido com a era cristã, só voltando a reaparecer muitos séculos mais
tarde na chamada Renascença.
Segundo Panofsky, não houve uma quebra completa da tradição durante a Idade
Média. As concepções literárias, filosóficas, científicas e artísticas clássicas
sobreviveram ao longo dos séculos, devendo-se, isso sim, ao Renascimento, o
ressurgimento das bases da arte clássica em todo o seu esplendor.
A Idade Média não subestimava a arte clássica, mas à arte cristã impuseram-se como
prioritários alguns valores característicos da sociedade medieval. Não eram utilizados
motivos clássicos para a representação de temas clássicos e, inversamente, temas
clássicos não eram expressos por motivos clássicos.
Reproduziam-se temas clássicos, mas a grande maioria não tinha qualidade nas
representações, utilizavam-se também motivos clássicos para temas religiosos.
Segundo alguns exemplos, houve algumas transformações de determinados objectos
clássicos para aludir à religião cristã, apesar da composição permanecer intacta, ou
seja, houve um reaproveitamento da composição, alterando contudo alguns símbolos
clássicos substituindo-os por outros com significado cristão. Tal como Panofsky nos
diz: “[...] Mas ainda mais frequentes do que estas cópias directas, são os exemplos de
uma contínua e tradicional sobrevivência de motivos clássicos, alguns deles usados
sucessivamente para as mais variadas imagens cristãs.” Segundo um exemplo de
Panofsky, entre outros, - “quando a figura de Orfeu era usada para a representação de
David ou quando o tipo de Hércules a arrastar Cérbero para fora do Hades era usado
para figurar Cristo a expulsar Adão do Limbo. Mas há casos em que a relação entre o
protótipo clássico e a sua adaptação cristã é puramente composicional.”
Para melhor explicar o seu postulado, Panofsky recorre a uma pergunta de retórica:
“Quando perguntamos pela razão desta curiosa separação entre motivos clássicos
investidos com um significado não clássico, e temas não clássicos expresso por
figuras não clássicas representadas de modo não clássico, a resposta mais óbvia
parece residir na diferença entre as tradições representacional e textual. Os artistas
que usaram o motivo de Cristo, agiram sob influência de modelos visuais que tinham
à sua frente, quer copiassem directamente um monumento clássico quer imitassem
uma obra mais recente derivada de um protótipo clássico através de uma série de
transformações intermediárias, […] traduziram em imagens uma simples descrição
encontrada em fontes literárias.”
A história clássica, mais exactamente a mitologia clássica, era transmitida à Idade
Média.
Para além de muitos outros estudiosos da Antiguidade Clássica, um dele – Boccaccio
– destacou-se num tratado chamado Genealogia Deorum. É reconhecido tratar-se de
um documento da maior importância, que veio oferecer não só uma nova projecção
do material, como também tentou conscientemente retornar às fontes genuínas da
Antiguidade Clássica e cuidadosamente compará-las. O seu tratado marcou o início
de uma atitude crítica em relação à acima referida Antiguidade Clássica e foi
considerado o precursor dos tratados renascentistas verdadeiramente eruditos.
Com o passar dos séculos, as imagens clássicas genuínas caíram no esquecimento e
foram substituídas por outras imagens, ou completamente inventadas ou com
influências orientais, em que nenhum observador moderno comum iria reconhecer
como divindades clássicas. A separação entre motivos e temas clássicos aconteceu
devido a um esquecimento da tradição representacional. A verdadeira imagem
clássica no seu conteúdo, no seu todo, ou seja, um tema clássico com motivos
clássicos foi abandonada no auge da Idade Média, para depois reaparecer no
Quattrocento italiano, que com a Renascença veio a provocar um ponto zero da arte
clássica.

“Por outro lado, é por si evidente que esta reintegração não podia ser um simples
retornar ao passado clássico, o período imediatamente anterior (Idade Média) que se
interpunha tinha modificado o espírito dos homens, que não podiam voltar a ser
pagãos novamente; e tinha alterado os seus gostos e tendências produtivas, de modo
que a arte não podia simplesmente restabelecer a arte dos gregos e dos romanos.
Tinham de buscar uma nova forma de expressão diferente, estilística e
iconograficamente, tanto da expressão clássica quanto da medieval e, no entanto,
relacionada e influenciada por ambas.” Erwin Panofsky
Conclusão

A arte necessita de ser profundamente estudada recorrendo a métodos no âmbito da


Icnografia e Iconologia. O historiador de Arte precisa de estudar as fontes que tem
disponíveis e ser meticuloso na sua procura e no enquadramento da obra.
Não pode correr o risco de fazer deduções erradas, partindo de um conhecimento
parcelar, ou de uma experiência prática do quotidiano, já que o artista e as obras que
está a estudar sofreram influências sociais, económicas, políticas e históricas. Precisa
de relacionar as obras a muitas outras contemporâneas ou anteriores para poder
definir o seu significado e a intenção do artista, num conjunto de conceitos que lhe
são inerentes. Em relação ao artista, é necessário investigar que oficinas percorreu na
sua carreira artística e que influências sofreu na sua época. Tem, assim, de ter em
conta a fortuna histórica e a fortuna crítica da obra que está a analisar.

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