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RODRIGO

KTARSE
INFLAMANDO
PENSAMENTOS
INSURGENTES
NO GUETO
LITERATURA
INCENDIÁRIA
COMBATIVA

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RODRIGO
KTARSE
INFLAMANDO
PENSAMENTOS
INSURGENTES
NO GUETO
LITERATURA
INCENDIÁRIA
COMBATIVA

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EXPEDIENTE
RODRIGO
KTARSE
INFLAMANDO
PENSAMENTOS
INSURGENTES Prefácio:
NO GUETO José Poeta e Palhaço
Projeto Gráfico/Capa/
diagramação:
Sergio Rossi

“Esta obra pode e DEVE ser copiada e difundida


para fins não-comerciais sem autorização
prévia do Autor”

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SUMÁRIO

PENSAMENTOS INFLAMADOS QUE SE INSURGEM -7

INTRODUÇÃO - 11

1 - GUETO SUBVERSIVO - 16

2 – PELO PÃO, PELA TERRA, PELA LIBERDADE - 23

3 – REFLEXÃO - 41

4 – A ARMA DO OPRESSOR -55

5 –A GUERRA INTERMINAVEL CONTRA A VIDA


DO POVO DO GUETO - 83

6 - SABEDORIA - 85

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PENSAMENTOS
INFLAMADOS QUE SE
INSURGEM
A visão periférica de um repeiro-ativista
ampliada à máxima potência.

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N
o curso da Humanidade, toda Era de grande convul-
são social necessitou de gigantes para dar um salto
evolutivo, para firmar seu legado de aprimoramento
do ser humano; triste da Era que não possui tais mentes!
Aqui e agora, uma mente e uma voz se agigantou,
analisou o campo de batalha, as conjunturas, vislumbrou
as perspectivas e lançou de seus recursos artísticos e da
militância social e pedagógica para compartilhar conhe-
cimentos e vivências na busca de uma sociedade melhor
e possível.
Inflamando Pensamentos Insurgentes. É um
marco para desviciar o pensamento político da apoliticida-
de, num momento em que a “intelectualidade” brasileira
(senão uma tendência mundial) vive de ideologias parti-
dárias e não mais de ideias, não mais coloca seus conhe-
cimentos a serviço de todos, mas apenas de seus próprio
egoísmo ufanado e exacerbado: um cenário macabro, no
qual, até mesmo até uns que se dizem anarquistas estão
meio inclinados, ora pra um lado ora pra outro. Criou-se
um quadro que é muito semelhante ao que precedeu a as-
censão do nazismo alemão: Uma direita decidida a ferrar
todo mundo, uma esquerda pensando no próprio umbi-
go e o povo no meio, bombardeado por dois lados iguais,
sem que uma terceira alternativasurja no meio de tanto

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barulho e esvaziamento de ideias, pensamentos e ações.
Quem nos escravizou, nos agraciou com uma liberdade
por concessão (por questões econômicas, nunca humani-
tárias - por isto não nos restituiu a humanidade roubada)
e a Bíblia: passamos de “animais selvagens” a rebanho
domesticado e docilizado que aceita e, até implora, pas-
siva e pacificamente, o abate.Os poderosos, como deuses,
dão tudo que lhes é pedido. E cobram servidão em vida e
sacrifícios mortais.
Na legalidade burguesa, ou na sua anomia pré-fa-
bricada, reina o poder do dinheiro de uma classe econo-
micamente dominante, porém incapaz de tornar-se elite,
que pela sua falta de conhecimento, quer pela simples falta
de visão de mundo – uma mentalidade atrofiada de colônia
extrativista – supostamente combatida por “representação
do povo” que sonha apenas se apoderar politicamente da
máquina estatal, tornando-se o que ora diz combater.
Diante deste desastre civilizatório, Inflamando
Pensamentos Insurgentes surge como uma bomba contra
esta polarização insensata e genocida, que segue a lógica
suicida capitalista, que mata porque é suicida e envenena
porque supõe dispor de antídotos contra seus próprios ve-
nenos. É um manifesto que denuncia e conclama a todas e
todos a uma resistência pela dignidade humana de todas

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as classes, todos os gêneros, todas as culturas, todas as et-
nias, todos os povos e em todos os lugares do mundo, sub-
vertendo a ordem da literatura das intelectualidades que
não conseguem falar, senão a si mesmos, Rodrigo Ktarse
usa a sabedoria dos dialetos periféricos para falar a uma
parcela da população rebelde por natureza e necessidade
que, ao lançar mão de dialetos, já se insurge contra a ordem
imposta das padronizações aculturantes. Se hoje o que po-
demos fazer é denunciar as mazelas deste sistema imundo,
aí está a denúncia de quem sente na pele, na sua pele e
na dos seus pares, e quem tem a extraordinária capacidade
de analisar a realidade que o cerca, eis aqui o brado que
convida, ou convoca, os corações e as mentes para o des-
pertar de uma luta que mais do que uma disputa política,
econômica ou ideológica, busca assegurar a sobrevivência
da Humanidade, não apenas enquanto raça, mas enquanto
humanos, senhores e senhoras de todos os direitos, sonhos
e dignidades que este termo compreende.
Hoje a luta é garantir condições de luta, consciên-
cia de luta: mais um manifesto Ktarse para que libertemos
nossos sonhos, nossos desejos de paz, justiça e liberdade,
nossos pensamentos mais insurgentes.

JOSÉ POETA E PALHAÇO

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INTRODUÇÃO “Normalmente, quando as pessoas estão
tristes, não fazem nada. Limitam-se a chorar. Mas
quando sua tristeza se converte em indignação, elas
são capazes de fazer as coisas mudarem.”
Malcolm X.

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M
eu potencial de rapper ativista é lapidado com a
sabedoria das ruas, vivenciado cotidianamente
aqui nas quebradas de Suzano, seja através do rap
discursando com o microfone em punho em palcos impro-
visados nas quebradas, em rodas de conversa ou pales-
tras em escolas, fundações CASA, associações de bairro,
ocupações autônomas, coletivos libertários, bibliotecas
comunitárias, movimento dos Sem-Teto, Sem-Terra, mo-
vimentos de luta contra o encarceramento em massa,
movimentos contra o genocídio do povo preto pobre pe-
riférico, pelo emancipação da mulher, pelos direitos dos
povos indígenas e em todos os lugares de desobediência
contra o sistema capitalista, meu potencial de rapper
ativista é uma ferramenta de luta por um mundo justo
e igualitário, onde a solidariedade, o respeito mútuo,
a horizontalidade, a combatividade contra todo tipo de
opressão, sejam princípios morais e éticos de norteamen-
to cultural, social, político e econômico para toda huma-
nidade. Essa é a minha concepção filosófica e ideológica
de emancipação para periferia, favela, gueto, cortiço, su-
búrbio, a todxs aquelxs que sobrevivem à margem da so-
ciedade capitalista, exclusxs das condições mais básicas
de sobrevivência e inclusxs numa lógica violenta e per-
versa, criada por uma elite branca racista, eurocêntrica,

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egoísta, avarenta, sociopata, genocida e gananciosa de-
nominada burguesia. Tem sido assim a conceituação e
lapidação dos meus pensamentos, desde quando me mu-
niciei com uma das armas mais poderosa do oprimido OS
LIVROS DE CONTEÚDOS LIBERTÁRIOS ESCRITOS E DIFUN-
DIDOS POR MENTES REVOLUCIONÁRIAS. Comecei lendo
muita biografia, autobiografia, textos e artigos como
de Malcolm x, Che Guevara, Karl Marx, Nelson Mandela,
Rosa Luxemburgo, ÂngelaDavis... Depois passei a ler tudo
que estava relacionado à luta política dos trabalhadores,
muitos textos e artigos de filosofia libertaria, obras revo-
lucionarias de Bakunin, Prudhon, Leon Tolstoy,... Livros
que difundidoscom temas de luta e resistência dos povos
da América como os Zapatistas no México, o Sendero lu-
minoso no Peru, Sandino da Nicarágua,luta dos povos na-
tivos do continente americano como a incrível e ousada
resistência de Tu Pac Amaru, vários livros de historiadores
comprometidos com a história dos vencidos da América
que resistiram a opressão dos europeus, e dxs revolucio-
nárixs quilombolas que insurgiram-se contra os latifun-
diários opressores, que desde 1.500 explora de forma
predatória o território dos povos nativos, essa PODEROSA
ARMA DO OPRIMIDO - OS LIVROS - fez desse mano aqui,
que hoje é companheiro de uma preta guerreira da peri-

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feria (MARIA) e pai de três crianças lindxs e maravilhosxs
(MARIANA, MARIA EDUARDA E MALCOLM EDUARDO) que
me ensinaram a verdadeira arte de amar. Hoje esse mano
aqui, também é um eloquente rapero subversivo, que faz
de suas rimas um instrumento de luta dos oprimidxs, que
faz de suas rimas um chamado aos marginalizadxs da
sociedade, a vir fortalecer a marcha insurgente contra
opressão do Estado, que faz da suas rimas chamas subver-
sivas contra o capitalismo, que faz de suas rimas um vírus
sonoro contra as religiões que manipula o povo humilde
com promessas fantasiosas de um paraíso ilusório, que na
real não passa de uma lógica de manipulação, alienação e
dominação de líderes religiosos sociopatas gananciosos,
que por sede de bens materiais e em busca de “exorbitan-
tes lucros” estruturaram os templos de abobalhamento
cerebral, esse mano aqui, que luta e apoia junto lado a
lado xs guerreirxs das periferias, que fazem intervenções,
manifestações, piquetes, que montam barricadas a favor
da emancipação do oprimido, esse mano aqui, que luta
contra a criminalização da pobreza, que luta contra o ge-
nocídio da população preta periférica, que luta contra a
homofobia, que luta pelo direito ao aborto, que apoia in-
tegralmente a luta das feministas, que luta por reparação
social e política ao povo da periferia, que luta pela edu-

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cação de emancipação com base na pedagogia libertária,
que se articula com as quebradas, que mantém o respeito
mútuo com os coletivos que constroem a militância com
os de baixo, lado a lado e com horizontalidade.
Acordei de um pesadelo chamado alienação, agora
sou livre para caminhar pelo jardim da sabedoria... DI-
RETAMENTE DA VILA FÁTIMA - FUNDÃO E GUETO DE SUZA-
NO- RAPERO RODRIGO KTARSE, ENGAJADO NA LITERATURA
INSURGENTE DO GUETO !!!

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1 - GUETO SUBVERSIVO
“Vou que vou, rimando o caos e efeito
O vírus sonoro a insurgência do gueto
Articulado, rebelde favelado
Analisando o front, passo a passo”

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S
OMOS uma classe social desprivilegiada; VIVEMOS
limitadas e segregadas em bairros precários, sem
acesso à educação de qualidade, sem assistência de
saúde decente; SOBREVIVEMOS no subemprego ou em
empregos subalternos; SOMOS discriminados pela condi-
ção social, pela cor da pele; CARREGAMOS o estereotipo
e estigma de bandidos, delinqüentes, criminosos, vaga-
bundos, drogados e ignorantes. Assim é o GUETO, essa é a
realidade do GUETO.
O GUETO, também conhecido como FAVELA, PE-
RIFERIA e SUBÚRBIO (agora, demagogicamente, COMU-
NIDADE) são espaços geográficos segregados por razões
sociais, econômicas, étnicas e políticas. Historicamente,
a CLASSE RICA ou BURGUESIA se apropriou da riqueza
produzida pelo POVO DO GUETO, e com o poder aquisiti-
vo em mãos, elevou seu poderio através da PILHAGEM e
ESCRAVIDÃO dos POVOS DO CONTINENTE AMERICANO, DOS
POVOS DO CONTINENTE AFRICANO, CAMPONESES e OPERÁ-
RIOS EMPOBRECIDOS NOS CONTINENTES ASIÁTICO e EURO-
PEU. Com um modelo GENOCIDA de compulsão avarenta
por riqueza, os PLAYBOYS perpetuaram sua influência na
política, na mídia, no sistema jurídico e no setor econô-
mico, financiando políticos profissionais e comprando
juristas, intelectuais e formadores de opinião em geral,

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para que os mesmos produzam, justifiquem e difundam
leis e contratos de servidão e opressão, ampliando deste
modo o seu domínio ideológico para todas as esferas da
sociedade.
A BURGUESIA - empresários, industriais, banquei-
ros e latifundiários do agronegócio - compõe a classe domi-
nante do SISTEMA CAPITALISTA. O CAPITALISMO é um siste-
ma econômico que valoriza o lucro, prioriza as mercadorias
e descarta os seres humanos, deteriora o meio ambiente e
a natureza. Suas leis e regras permitem a uma classe (BUR-
GUESES) dominar e explorar a outra (POVO DO GUETO) para
obter LUCRO, ou seja, é a lei cruel, insana, atroz e injusta de
exploração do ser humano pelo ser humano. O capitalismo
mata porque é suicida e envenena porque supõe dispor do
antídoto para seus próprios males. Nas palavras do escritor
uruguaio Eduardo Galeano, “mata a uns de fome” (99%) “e
outros de indigestão” (1%).
Mas nem sempre os CAPITALISTAS PLAYBOYS BUR-
GUESES conseguiram TRIUNFAR EM SUA GANÂNCIA e SEDE
PELO LUCRO, os POVOS DO GUETO sempre LUTARAM e RE-
SISTIRAM contra o GENOCÍDIO do OPRESSOR, através da
SUBVERSÃO; essa forma natural de insubordinação dos
oprimidos contra a ordem, as normas, as leis e as institui-
ções opressivas dos sistemas de exploração.

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Especificamente aqui, no continente americano,
com a invasão dos europeus (mais de 500 anos atrás) aos
territórios dos povos originários, a RESISTÊNCIA dos OPRI-
MIDOS sempre prevaleceu de forma COMBATIVA,seja através
de ataques a territórios ocupados pelos colonizadores, pe-
las fugas dos aldeamentos ‘missionários’ e de outros tipos
de cativeiro, pela defesa das aldeias contra os Bandeiran-
tes, por ataques a vilas e fazendas, bem como pelo suicídio
quando presos; seja mantendo sua tradição alimentar, seu
cultivo da terra, sua relação respeitosa e harmoniosa com
a natureza, sua religiosidade, sua tradição comunitária, e
sua tradição oral de contar as histórias de seus antepassa-
dos, preservando e a combatendo a ACULTURAÇÃO, a mais
sutil forma de extermínio de um povo, e que produz os re-
sultados mais funestos e grotescos.
Na história dos vencidos, as LUTAS SUBVERSIVAS
que os livros e a historiografia tradicional não contam
nos espaços escolares, tem o objeto de MANTER A PERI-
FERIA NA IGNORÂNCIA, ALIENADA E OBEDIENTE. Os africa-
nos que foram sequestrados, brutalmente tirados de seu
continente e transportados de forma atroz e desumana
dentro dos porões dos navios negreiros no qual muitos
morriam de forma cruenta, amontoados em comparti-
mentos minúsculos dos navios, escuros e sem nenhum

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cuidado com a higiene, a fome, a sede, as doenças, a su-
jeira, muitos na agonia ainda vivos eram jogados ao mar,
para ser comidos pelos tubarões, esse ato insano servia de
divertimento para os perversos tripulantes brancos euro-
cêntricos.Estes Povos, oriundos das mais diversas regiões
de um rico e vasto continente, de reinos e impérios, ma-
terial e culturalmente evoluidíssimos, de extratos sociais
que continham Reis/Rainhas, Imperadores/Imperatrizes,
Guerreiros/Guerreiras, Artistas, Artesãos/Artesãs e toda
uma complexidade de organização social que até hoje os
estudiosos não conseguem assimilar por completo, muito
à frente de nosso conhecimento atual, ao chegarem ao
continente americano eram vendidos e comercializados
como mercadoria, como animais selvagens a serem do-
mesticados, separados do seu grupo linguístico e cultu-
ral africano e misturados com outros, de etnias diversas,
para que não pudessem se comunicar. Seu papel de agora
em diante seria servir de mão-de-obra para os capitalis-
tas exploradores senhores de escravo, fazendo tudo o que
lhes ordenassem, sob pena de castigos violentos. Além de
terem sido trazidos de sua terra natal, de não terem ne-
nhum direito, os escravos tinham que conviver com a vio-
lência e a humilhação em seu dia-a-dia. Porém, toda AÇÃO
GERA UMA REAÇÃO, e sempre ouve rebeliões e resistência

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dos africanos emergindo por diversas vias, seja através
dos de processos de LUTAS, FUGAS, REBELIÕES, MOTINS,
DESOBEDIÊNCIA CIVIL, RELIGIOSIDADE DE MATRIZ AFRI-
CANA, MATANDO FETOS (FRUTO DO ESTRUPO COTIDIANO
COMETIDO PELO SENHOR DE ESCRAVO), ENVENENAMEN-
TO DO SENHOR DE ESCRAVO, QUEIMA DE PLANTAÇÕES DE
CANA DE AÇUCAR, PRÁTICA DO BANZO, RESISTÊNCIA, LU-
TAS E, NAS SOCIEDADES IGUALITÁRIAS DOS QUILOMBOS
ESPALHADOS POR TODO TERRITÓRIO BRASILEIRO. Enfim,
sempre ouve luta e resistência contra a escravidão, o ra-
cismo, a opressão e a exploração.
Os SUBVERSIVOS se insurgem de forma conscien-
te contra o opressor, buscam na AÇÃO DIRETA, na COM-
BATIVIDADE, na AUTONOMIA e na HORIZONTALIDADE uma
mudança radical do sistema político, econômico e social
hierárquico, autoritário, individualista, ganancioso e
elitizado, que através de suas estruturas injustas, faz da
vida do POVO DO GUETO uma verdadeira hecatombe hu-
mana. Por isso, todo MOVIMENTO de RUPTURA é uma bus-
ca constante de PAZ, JUSTIÇA, IGUALDADE E LIBERDADE,
LUTA TOTALMENTE LEGÍTIMA, porém não devemos esque-
cer que: SÓ HAVERÁ PAZ E HARMONIA SOCIAL QUANDO
HOUVER UMA REPARAÇÃO SOCIAL, POLÍTICA E ECONÔMICA
AOS QUE, HISTORICAMENETE,HÁ QUASE 400 ANOS FORAM

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ESCRAVIZADOS E QUE ATUALMENTE SOBREVIVEM EM GUE-
TOS, FAVELAS, PERIFERIA, SUBÚRBIOS E NAS RUAS EM
CONDIÇÕES DEGRADANTES E QUE AINDA SÃO EXPLORADOS
E GENOCIDADOS PELO SISTEMA CAPITALISTA E SÓ HAVERÁ
JUSTIÇA COM AÇÃO COLETIVA!

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2 – PELO PÃO, PELA
TERRA, PELA LIBERDADE.
A luta e resistência do povo movem montanhas
Relatos da autentica revolução mexicana...
... Em 1919, mano,
Zapata deixa o legado a todos latinos americanos.

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A
credito que um povo com AUTO-ESTIMA, que COM-
PREENDE com clareza a sua REALIDADE, pode TRANS-
FORMÁ-LA, e é na busca pelo conhecimento da
HISTÓRIA DOS VENCIDOS - que politicamente as elites ga-
nanciosas e prepotentes, detentoras do poder econômico
(que controla os governos) veem omitindo e excluindo
dos livros escolares A LUTA COMBATIVA DOS VENCIDOS –
pois um povo com conhecimento histórico busca na sua
razão reflexões sobre o mundo e sobre sua própria vida,
e também passa a compreender e entender as condições
de sua realidade, tendo em vista o delineamento de sua
atuação na sociedade e assim se aproxima cada vez mais
da SABEDORIA. Na minha concepção, a sabedoria tem o
poder de despertar o POTENCIAL CRIATIVO NA PERIFERIA,
possibilitando construir uma verdadeira HARMONIA SO-
CIAL. Por isso que a nossa identidade enquanto povos do
gueto vem sendo historicamente camuflada e deturpada
pela ideologia do opressor, para que não possamos en-
xergar as engrenagens do sistema que nos domina e nos
controla. Somos um povo de legados grandiosos de LUTA
e RESISTÊNCIA, dentre as incontáveis reações do oprimi-
do contra o opressor, vou citar a REVOLUÇÃO MEXICANA, a
qual já descrevi numa letra de rap (PELO PÃO. PELA TERRA,
PELA LIBERDADE), essa letra foi escrita após a leitura do

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livro “AS VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA LATINA” DE EDUAR-
DO GALEANO. Você que é do GUETO assim como eu, que es-
tudou ou está estudando em escola pública, dificilmente
será incentivando a ler essa GENIAL OBRA LITERÁRIA. Por
isso faço dessa minha LITERATURA INCENDIÁRIA um es-
paço de reprodução de algumas partes do livro “AS VEIAS
ABERTAS DA AMERICA LATINA” .... BOA LEITURA GUERREI-
ROS E GUERREIRAS DO GUETO !!!!

‹Obediência› não pode ser o destino


dos oprimidos!

“COMO PORCOS FAMINTOS,


ANSEIAM PELO OURO”
Com tiros de arcabuz, golpes de espada e sopros
de peste, avançavam os implacáveis e escassos conquista-
dores da América. É o que contam as vozes dos vencidos.
Depois da matança de Cholula, Montezuma envia novos
emissários ao encontro de Fernão Cortez, que avança
rumo ao vale do México. Os enviados presenteiam os
espanhóis com colares de ouro e bandeiras de penas de

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quetzal. “Os espanhóis deleitavam-se. Como se fossem
macacos levantavam o ouro, como que se encantassem
gestos de prazer, como que se lhes renovasse e iluminasse
o coração. Como que certo é que isso desejam com mui-
ta sede. Se lhes incha o corpo por isto. Como uns porcos
famintos que anseiam pelo ouro.”, diz o texto náhuatl,
preservado no Códice Florentino. Mais adiante, quando
Cortez chega a Tenochtitlán, a esplêndida capital asteca
de 300 mil habitantes, os espanhóis entram na casa do
tesouro, “e logo fizeram uma grande bola de ouro, e puse-
ram fogo, incendiaram, atearam fogo a tudo que restava,
por mais valioso que fosse: com o que tudo ardeu. E em
relação ao ouro, os espanhóis o reduziram a barras...”
“Houve guerra, e finalmente Cortez, que havia per-
dido Tenochtitlán, a reconquistou em 1521. E já não tínha-
mos escudos, já não tínhamos bordunas, e nada tínhamos
de que comer, já nada comíamos.” A cidade, devastada,
incendiada e coberta de cadáveres, caiu. “Com os escudos
foi seu resguardo, mas nem com escudos pôde ser susten-
tada sua solidão.” Fernão Cortez havia-se horrorizado ante
os sacrifícios dos indígenas de Vera Cruz, que queimavam
entranhas dos meninos para oferecer a fumaça aos deuses;
todavia, não houve limites para sua própria crueldade na
cidade reconquistada. “E toda a noite choveu sobre nós”.

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Mas a força e o tormento não foram suficientes: os tesouros
arrebatados não preenchiam nunca as exigências da ima-
ginação, e durante muitos anos escavaram os espanhóis o
fundo do lago do México em busca do ouro e dos objetos
preciosos que os índios teriam escondido.
Pedro de Alvarado e seus homens atiraram-se so-
bre a Guatemala e “eram tantos os índios que mataram,
que se fez um rio de sangue, que vem a ser o Olimtepe-
que”, e também “o dia tornou-se vermelho pelo excesso
de sangue que houve naquele dia”. Antes da batalha de-
cisiva, “e visto que os índios atormentados disseram aos
espanhóis que não os atormentassem mais, que ali havia
muito ouro, prata, diamantes e esmeraldas que tinham os
capitães Nehaib Ixquín, Nehaib feito águia e leão. E logo
deram aos espanhóis e ficaram com eles ...”
Antes de Francisco Pizarro degolar o inca Atah-
ualpa e lhe cortar a cabeça, arrancou-lhe um resgate em
“pilhas de ouro e de prata que pesavam mais de vinte mil
marcos de prata fina, um milhão e trezentos e vinte e seis
mil escudos de ouro finíssimo...” Depois lançou-se sobre
Cuzco. Seus soldados acreditavam entrar na cidade dos
Césares, tão deslumbrante era a capital do império in-
caico, mas não demoraram em saquear o Templo do Sol:
“Forcejando, lutando entre si, cada qual procurando levar

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a maior parte do leão do tesouro. Os soldados, com ca-
misa de malha, pisoteavam joias e imagens, martelavam
os utensílios de ouro para reduzi-los a um formato mais
fácil e manejável... Atiravam-nos ao crisol, para conver-
tê-lo em barras, todo o tesouro do templo: as placas que
cobriam as paredes, as assombrosas árvores esculpidas,
pássaros e outros objetos de jardim.”
Hoje em dia, no Zócalo, a imensa praça nua do cen-
tro da capital do México, a catedral católica se levanta so-
bre as ruínas do templo mais importante de Tenochtitlán,
e o palácio do governo está situado sobre a residência de
Cuauhtémoc, o chefe asteca martirizado e morto por Cor-
tez. Tenochtitlán foi arrasada. Cuzco, no Peru, teve sorte
semelhante, mas os conquistadores não puderam destruir
de todo seus muros gigantescos, e hoje pode-se ver, ao pé
dos edifícios coloniais, o testemunho de pedra da colossal
arquitetura incaica.

ARTEMIO CRUZ E A SEGUNDA


MORTE DE EMILIANO ZAPATA
Exatamente um século depois do regulamento de
terras de Artigas, Emiliano Zapata pôs em prática, em sua

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comarca revolucionária do sul do México, uma profunda
reforma agrária.
Cinco anos antes, o ditador Porfirio Díaz havia
celebrado, com grandes festas, o primeiro centenário
do grito de Dolores: os cavalheiros de fraque, México
oficial, olimpicamente ignoravam o México cuja miséria
alimentava seus esplendores. Na república dos párias, as
rendas dos trabalhadores não haviam aumentado um só
centavo desde o histórico levante do cura Miguel Hidalgo.
Em 1910, pouco mais de 800 latifundiários, muitos deles
estrangeiros, possuíam quase todo o território nacional.
Eram playboys de cidade, que viviam na capital ou na
Europa e raramente visitavam as casas grandes de seus
latifúndios, onde dormiam protegidos por altas muralhas
de perra escura, sustentadas por robustos contrafortes.
Do outro lado das muralhas, os peões se amontoavam em
quartinhos de adobe. Doze milhões de pessoas depen-
diam, numa população total de 15 milhões, de salários
rurais; as diárias se pagavam quase por inteiro nos peque-
nos armazéns das fazendas, traduzidas, a preços altíssi-
mos, em feijões, farinha e cachaça. A cadeia, o quartel
e a sacristia tinham a seu cargo a luta contra os defeitos
naturais dos índios, os quais, no dizer de um membro de
uma família ilustre da época, nasciam “frouxos, bêba-

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dos e ladrões”. A escravidão, amarrando o trabalhador
por dívidas que se herdavam ou por contrato legal, era
o sistema real de trabalho nas plantações de sisal de Yu-
catán, nas de tabaco do Valle Nacional, nos bosques de
madeira e frutas de Chiapas e Tabasco e nas plantações
de seringueira, café, cana-de-açúcar, tabaco e frutas de
Veracruz, Oaxaca e Morelos. John Keneth Turner, escritor
norte-americano, denunciou, num esplêndido testemu-
nho de sua visita, que “os Estados Unidos converteram
virtualmente Porfirio Díaz num vassalo político e, em
consequência, transformou o México em uma colônia es-
crava”. Os capitais norte-americanos obtinham, direta ou
indiretamente, suculentos lucros de sua associação com
a ditadura. “A norte-americanização do México, da qual
tanto se vangloria Wall Street” - dizia Turner –“está se
executando como se fosse uma vingança.”
Em 1845, os Estados Unidos tinham anexado os
territórios mexicanos de Texas e Califórnia, onde restabe-
leceram a escravidão em nome da civilização. Na guerra,
o México também perdeu os atuais estados norte-ameri-
canos de Colorado, Arizona, Novo México, Nevada, Utah.
Mais da metade do país. O território usurpado equivale à
extensão atual da Argentina. “Coitado do México!” - di-
z-se, desde então –“Tão longe de Deus e tão perto dos

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Estados Unidos.” O resto de seu território mutilado so-
freu depois a invasão das inversões norte-americanas no
cobre, no petróleo, na borracha, no açúcar, no banco e
nos transportes. O American Cordage Trust, filial da Stan-
dard Oil, não estava em absoluto alheio ao extermínio dos
índios maias e yaquis na plantações de sisal de Yucatán,
campos de concentração onde os homens e as crianças
eram comprados e vendidos como mulas, porque esta era
a empresa que comprava mais da metade do sisal produzi-
do e convinha-lhe dispor de fibras a preço barato. Outras
vezes, a exploração da mão-de-obra escrava era direta,
como descobriu Turner. Um administrador norte-ameri-
cano lhe contou que pagava os lotes de peões emprega-
dos a cinquenta pesos por cabeça, “e os conservávamos
enquanto durem... Em menos de três meses enterramos
mais da metade”
Em 1910, chegou a hora do desquite. México le-
vantou-se em armas contra Porfirio Díaz. Um caudilho do
campo encabeçou desde então a insurreição no sul: Emi-
liano Zapata, o mais puro dos líderes da revolução, o mais
leal à causa dos pobres, o mais fervoroso em sua vontade
de redenção social.
As últimas décadas do século XIX tinham sido tem-
pos de espoliação feroz para as comunidades agrárias de

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todo o México; os povoados e as aldeias de Morelos so-
freram a febril caçada de terras, águas e braços que as
plantações de cana-de-açúcar devoravam em sua expan-
são. As fazendas açucareiras dominavam a vida do Estado
e sua prosperidade gerara engenhos modernos, grandes
destilarias e ramais ferroviários para transportar o pro-
duto. Na comunidade de Anenecuilco, onde vivia Zapata e
à qual pertencia de corpo e alma, os camponeses indíge-
nas reivindicavam sete séculos de trabalho contínuo so-
bre o solo: estavam ali desde antes da chegada de Fernão
Cortez. Os que se queixavam em voz alta marchavam para
os campos de trabalhos forçados em Yucatán. Como em
todo o Estado de Morelos, cujas terras boas estavam em
mãos de 17 proprietários, os trabalhadores viviam muito
pior do que os cavalos de polo que os latifundiários mi-
mavam em seus estábulos de luxo. Uma lei de 1909 deter-
minou que novas terras fossem arrebatadas a seus legíti-
mos donos e pôs fogo às já ardentes contradições sociais.
Emiliano Zapata, o cavaleiro de poucas palavras, famoso
porque era o melhor domador do estado e unanimemen-
te respeitado por sua honestidade e sua coragem, fez-se
guerrilheiro. “Grudados no rabo do cavalo do chefe Zapa-
ta”, os homens do sul formaram rapidamente um exército
libertador.”

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Caiu Díaz, e Francisco Madero, nas ancas da Revo-
lução, chegou ao poder. As promessas de reforma agrária
não demoraram em dissolver-se numa névoa institucio-
nalista. No dia de seu casamento, Zapata teve que in-
terromper a festa: o governo tinha enviado as tropas do
general Victoriano Huerta para esmagá-lo. O herói con-
vertera-se em “bandido”, segundo os doutores da cidade.
Em novembro de 1911, Zapata proclamou seu Plano de
Ayala, ao mesmo tempo que anunciava: “Estou disposto
a lutar contra tudo e contra todos.” O plano advertia que
a “imensa maioria das gentes e cidadãos mexicanos não
são mais donos senão do terreno que pisam” e propug-
nava pela nacionalização total dos bens dos inimigos da
Revolução, a devolução a seus legítimos proprietários das
terras usurpadas pela avalanche latifundiária e a expro-
priação da terça parte das terras dos fazendeiros restan-
tes. O plano de Ayala converteu-se num ímã irresistível
que atraía milhares e milhares de camponeses às fileiras
do caudilho reformista. Zapata denunciava “a infame pre-
tensão” de reduzir tudo a uma simples troca de pessoas no
governo: a Revolução não era feita para isso.
Cerca de dez anos durou a luta. Contra Díaz, con-
tra Madero, logo contra Huerta, o assassino, e mais tarde
contra Venustiano Carranza. O longo tempo da guerra foi

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também um período de intervenções norte-americanas
contínuas: os marines tiveram a seu cargo dois desem-
barques e vários bombardeios, os agentes diplomáticos
urdiram conjuras políticas diversas e o embaixador Henry
Lane Wilson organizou com êxito o crime do presidente
Madero e seu vice. As mudanças sucessivas no poder não
alteravam, em todo o caso, a fúria das agressões contra
Zapata e suas forças, porque elas eram a expressão não
mascarada da luta de classes no fundo da revolução na-
cional: era o perigo real. Os governos e os jornais brada-
vam contra “as hordas vandálicas” do general de Morelos.
Poderosos exércitos foram enviados, um atrás do outro,
contra Zapata.
Os incêndios, as matanças, a devastação dos po-
voados, foram, vez por outra, inúteis. Homens, mulheres
e crianças morriam fuzilados ou enforcados como “espias
zapatistas” e às carnificinas seguiam os anúncios de vi-
tória: a limpeza foi um êxito. Porém, pouco tempo depois
voltavam a se acender as fogueiras nos moveis acampa-
mentos revolucionários das montanhas do sul. Em várias
oportunidades, as forças de Zapata contra-atacavam com
êxito até os subúrbios da capital. Depois da queda do re-
gime de Huerta, Emiliano Zapata e Pancho Villa, o “Átila
do Sul” e o “Centauro do Norte”, entraram na cidade do

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México como vencedores e fugazmente compartilharam o
poder. Em fins de 1914, abriu-se um breve ciclo de paz
que permitiu a Zapata pôr em prática, em Morelos, uma
reforma agrária ainda mais radical do que a anunciada no
Plano de AyaIa. O fundador do Partido Socialista e alguns
militantes anarcosindicalistas influíram muito neste pro-
cesso: radicalizaram a ideologia do líder do movimento,
sem ferir suas raízes tradicionais, e lhe proporcionaram
uma imprescindível capacidade de organização.
A reforma agrária propunha-se a “destruir pela
raiz e para sempre o injusto monopólio da terra para rea-
lizar um estado social que garanta plenamente o direito
natural que todo homem tem sobre a extensão de terra
necessária a sua própria subsistência e à de sua família”.
Restituíam-se as torras, as comunidades e indivíduos des-
pojados a partir da lei de desamortização de 1856, fixa-
vam-se limites máximos aos terrenos segundo o clima e a
qualidade natural, e declaravam-se propriedade nacional
as fazendas dos inimigos da Revolução. Esta última dis-
posição política tinha, como na reforma agrária de Ar-
tigas, um claro sentido econômico: os inimigos eram os
latifundiários. Formaram-se escolas de técnicos, fábricas
de ferramentas e um banco de crédito rural; nacionaliza-
ram-se os engenhos e as destilarias, que se converteram

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em serviços públicos. Um sistema de democracias locais
colocava nas mãos do povo as fontes do poder e a susten-
tação econômica. Nasciam e difundiam-se escolas zapa-
tistas, organizavam-se juntas populares para a defesa e a
promoção dos princípios revolucionários, uma democra-
cia autêntica tomava forma. Os municípios eram unidades
nucleares do governo e o povo elegia as autoridades, seus
tribunais e sua polícia. Os chefes militares deviam sub-
meter-se à vontade das populações civis organizadas. Não
era a vontade dos burocratas e generais que impunha os
sistemas de produção e de vida. A Revolução enlaçava-se
com a tradição e operava “de conformidade com o costu-
me e usos de cada povoado..., ou seja, que se determi-
nado povoado pretende um sistema comunal assim será
feito, e se outro povoado deseja o fracionamento da terra
para reconhecer sua pequena propriedade, assim se fará”
Na primavera de 1915, todos os campos de Morelos
já estavam sendo cultivados, principalmente com milho e
outros alimentos. A cidade do México padecia, enquanto
isto, por falta de alimentos, a iminente ameaça de fome.
Venustiano Carranza havia conquistado a presidência e di-
tou, por sua vez, uma reforma agrária, porém seus chefes
não demoraram em apoderar-se desse benefício; em 1916,
se lançaram sobre Cuernavaca, capital de Morelos, e as

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demais comarcas zapatistas. As culturas, que voltaram a
dar frutos, os minerais, as peles e algumas maquinarias,
foram um espólio excelente para os oficiais, que avança-
vam queimado tudo por onde passavam e proclamando, ao
mesmo tempo, “uma obra de reconstrução e progresso”.
Em 1919, um estratagema e uma traição termina-
ram com a vida de Emiliano Zapata. Mil homens embosca-
dos descarregaram os fuzis sobre seu corpo. Morreu com
a mesma idade de Che Guevara. Sobreviveu-lhe a lenda: o
cavalo alazão que galopava só, rumo ao sul, pelas mon-
tanhas. Porém não só a lenda. Morelos inteira se dispôs a
“consumar a obra do reformador, vingar o sangue do már-
tir e seguir o exemplo de herói”, e o país inteiro lhe fez
eco. Passou o tempo, e com a presidência de Lázaro Cár-
denas (1934-1940), as tradições zapatistas recobravam
vida e vigor através da colocação em prática, por todo o
México, da reforma agrária. Expropriaram-se, sobretudo
sob seu período do governo, 67 milhões de hectares em
poder de empresas estrangeiras ou nacionais e os cam-
poneses receberam, além da terra, créditos, educação e
meios de organização para o trabalho. A economia e a
população do país tinham começado seu acelerado ascen-
so; multiplicou-se a produção agrícola, enquanto o país
inteiro modernizava-se e industrializava-se. Cresceram as

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cidades e ampliou-se, em extensão e em profundidade, o
mercado de consumo.
Porém, o nacionalismo mexicano não derivou para
o socialismo e, em consequência, como ocorreu em outros
países que tampouco deram o salto decisivo, não realizou
cabalmente seus objetivos de independência econômica
e justiça social. Um milhão de mortos tinha tributado seu
sangue, nos longos anos de revolução e guerra, “a um
Huitzilopoxtli mais cruel, duro e insaciável do que aque-
le adorado por nossos antepassados: o desenvolvimento
capitalista do México, nas condições impostas pela su-
bordinação ao imperialismo”. Diversos estudiosos inves-
tigaram os sinais de deteriorização das velhas bandeiras.
Edmundo Flores afirma, numa publicação oficial, que,
“atualmente, 60% da população total do México tem uma
renda menor de 120 dólares por ano e passa fome”. Oito
milhões de mexicanos não consomem outra coisa além
de feijão, tortas de milho e pimenta».O sistema não re-
vela suas profundas contradições somente quando caem
quinhentos estudantes mortos na matança de Tlatelolco.
Recolhendo cifras oficiais, Alonso Aguiar chega à conclu-
são de que há no México uns dois milhões de campone-
ses sem terra, três milhões de crianças que não recebem
educação, cerca de onze milhões de analfabetos e cinco

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milhões de pessoas descalças. A propriedade coletiva dos
ejidatários pulveriza-se continuamente, e com a multipli-
cação de minifúndios, que se autofragmentam, surgiu um
latifundismo de novo cunho e uma nova burguesia agrí-
cola dedicada à agricultura comercial em grande escala.
Os donos de terra e os intermediários nacionais que con-
quistaram uma posição dominante, driblando o texto e o
espírito das leis, são por sua vez dominados, e num livro
recente são incluídos nos termos “and company” da em-
presa Anderson Clayton. No mesmo livro, o filho de Lázaro
Cárdenas diz que “os latifúndios simulados constituíram-
-se nas terras de melhor qualidade, nas mais produtivas”.
O romancista Carlos Fuentes reconstruiu, a partir
da agonia, a vida de uma capitão do exército de Carranza
que vai abrindo caminho, a tiros e com astúcia, tanto na
guerra como na paz. Homem de origem muito humilde,
Artemio Cruz vai deixando para trás, com a passagem dos
anos, o idealismo e o heroísmo da juventude: usurpa ter-
ras, funda e multiplica empresas, faz-se deputado, sobe em
sua brilhante carreira rumo aos cumes sociais, acumulando
fortuna, poder e prestígio, com base nos negócios, subor-
nos, especulação, grandes golpes de audácia e repressão a
sangue e fogo da indiada. O processo do personagem pa-
rece o processo do partido que, grande impotência da Re-

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volução mexicana, virtualmente monopoliza a vida política
do país em nossos dias. Ambos caíram para cima.

“O medo nos governa. Essa é uma das


ferramentas de que se valem os poderosos,
a outra é a ignorância”

Cada oprimido enclausurado em guetos corre em


suas nas veias o sangue zapatista, pois no COMBATE CON-
TRA O SISTEMA e DESSE LADO DA TRINCHEIRA temos que
fortalecer a união, respeito mútuo e solidariedade entre
os oprimidos, temos que elevar a autoestima do GUETO
para que juntos, lado a lado, possamos lutar e construir
um POVO FORTE e EMANCIPADO!

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3 – REFLEXÃO
Como se fosse uma prisão do cérebro
Tipo uma epidemia que afeta o intelecto
O homem moderno é refém da competitividade
Primata movido pelo instinto selvagem

Realmente os poderosos são frios e calculistas


Causam o genocídio em prol de sua ideologia.

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C
om a mente alterada, mais não por substâncias aluci-
nógenas, o sistema conseguiu injetar o ódio de clas-
se em minhas veias. A mais cruel, insana e sarcástica
violência do sistema contra nós, do gueto, é a violência
psicologia, causadora de todas as psicoses no gueto.
Drogas, criminalidade, prostituição, desemprego, alcoo-
lismo, moradia precária, escola deteriorada, hospital em
estado de calamidade, por toda quebrada, esgoto a céu
aberto, quebrada sem quadra esportiva, sem bibliotecas,
sem centro de lazer, sem centros culturais, com violên-
cia policial a todo instante, roubo, estupro, assassinatos,
brigas por motivos banais e etc. Todo esse universo de
maldade contra nós do gueto, todo esse ódio de classe foi
sistematizado e articulado pelo opressor com o propósito
de aniquilar e destruir a esperanças de uma vida melhor
ao povo do gueto.
Lembro que uma vez, estava passando próximo a
um terreno baldio, local no qual os manos dispensavam as
paradas inúteis da fitas que faziam nas casas dos playboys,
e encontrei por acaso uma revista da Forbes Brasil, come-
cei a ler aquele MANUAL DE APOLOGIA AO CRIME e a cada
matéria que lia me deparava com a TENEBROSA, AVAREN-
TA, ATROZ MENTALIDADE PSICOPATA DOS RICOS. De forma
sarcástica os ricos ESNOBAVAM e OSTENTAVAM LUXÚRIA e

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GANÂNCIA naquela porra de revista. Ali eu vi o grau de
perversidade que os ricos fazem com nós do gueto, pois a
quantidade de dinheiro gasto com mansões, iates, carros,
viagens, restaurantes, clubes, shoppings, cinemas, seria
o suficiente para tirar o Brasil da miséria como num estra-
lar de dedos. REFLITA COMIGO E VEJA POR QUE EU OS CON-
SIDERO COMO OS VERDADEIROS APOLOGISTAS DO CRIME:
“A população de 1% mais rica do  país,  segun-
do a Oxfam Brasil, concentrava 48% da riqueza gerada em
2016. Ao se considerar os 10% mais ricos do país, o grau
de concentração da riqueza alcançava o valor de 74%. Por
outro lado, a metade da população do país detinha me-
nos de 3% dessa riqueza produzida.

“Os seis brasileiros mais ricos concentram a


mesma riqueza que os 100 milhões de
brasileiros mais pobres”.

As mansões mais caras do Brasil:


Imóveis todos localizados na maior cidade brasi-
leira, São Paulo, que ilustram a realidade das supercasas
dos milionários e Bilionários.

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Elas pertencem a empresários, banqueiros, políti-
cos e personalidades do mundo de negócios.

1º: Edemar Ferreira


Mansão avaliada em R$ 160 milhões
Terreno:8.182 m2
Área Construída: 7.888 m2
A mansão de 5 andares tem heliporto, teto
retrátil e banheiros com vidro de cristal líquido,
transparentes até que o usuário acione um
sistema que o deixe sem visibilidade externa.

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2º: Mansão do Bilionário Joseph Safra (dono do
banco safra) – Avaliada acima de R$ 100 milhões
A mansão tem mais de 100 cômodos,
9 elevadores e heliporto.
Terreno: 21.868 m2
Área construída: 10.868 m2

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3º: Mansão de Jorge Yunes (dono da IBEP) -
Avaliada em R$ 96 milhões
A mansão foi construída em 1931 e era conhecida
como Mansão da Manchete.
Terreno: 7.230 m2
Área construída: 3.511 m2

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4º: Abílio Dinis: Empresário, dono do grupo Pão
de Açúcar
Mansão avaliada em R$ 50 milhões.
Terreno: 4030 m2
O empresário comprou o terreno ao lado da sua
mansão e construiu uma piscina com raia e uma
quadra de tênis.

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5º Mansão de João Dória Jr (empresário e
jornalista) – Avaliada em R$ 50 milhões
A mansão possui uma quadra de tênis e um campo
de futebol.
Terreno: 7000 m2
Área construída: 3.511 m2

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6º: Mansão de Washington Cinel: Empresário,
presidente do grupo Cocil

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7º: Mansão de Paulo Maluf - Avaliada em
R$ 45 milhões

Temos que desnaturalizar a ideia de que toda essa


opulência é normal e natural, os ricos estão cagando e an-
dando para as mazelas sociais que há no gueto, toda essa
violência e esse contraste social foram criados e são ali-
mentados cotidianamente pela burguesia através de sua
GANÂNCIA, então, toda forma de reação do gueto contra
o sistema é legítima, seja por qualquer meio necessário,
a verdade sempre estará do nosso lado. Minha escolha na
luta e militância contra o sistema foi o RAP COMBATIVO e

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a LITERATURA INCENDIÁRIA. E, de desta forma tento con-
tribuir e incentivar o gueto a insurgir-se contra os ricos e
seu sistema CAPITALISTA, pois temos o potencial de luta
para reverter esse quadro social terrível no qual estamos
inseridos. Acabar comacumulação, a concentração de ri-
quezas, propriedades e privilégiosse faz URGENTE e NE-
CESSÁRIO! E só com AÇÃO COLETIVA DOS OPRIMIDOS SERÁ
POSSÍVEL, CONSTRUIR UMA VERDADEIRA JUSTIÇA SOCIAL.

“UM POUCO MAIS DE REFLEXÃO”!


Uma sociedade verdadeiramente humana será
uma sociedade onde não haverá miséria, ignorância e
abandono - uma vergonha do passado, então inconcebí-
vel. Qualquer um que apresente qualquer argumento ex-
plicando a inviabilidade de uma sociedade assim, apenas
me provoca um riso amargo. Não há produção suficien-
te de alimentos? Não existem conhecimentos, logística,
condições de eliminar estas excrescências da face da ter-
ra? Ora, é claro que existem!
O que acontece é que a acumulação, a concen-
tração de riquezas, propriedades e privilégios precisa
roubar direitos, mantendo populações em condições de

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barbárie; precisa de ignorância, desinformação, miséria e
abandono pra seguir explorando populações e saqueando
riquezas, moendo gente, destruindo potenciais e vidas,
sujando e envenenando, tanto o planeta quanto as almas,
as mentalidades, os comportamentos. Devemos a isso o
estado de degradação social em que vivemos.
Querer “vencer na vida” é sustentar isso. Compe-
tir é manter o modo de relacionamento social. Acreditar
nas informações e “opiniões” dos veículos de comunica-
ção é envenenar a mente e receber uma visão de mundo
completamente distorcida. Querer o que é induzido pelo
massacre publicitário em suas sutilezas sedutoras é o
alimento do sistema social. Não ligar a violência e a cri-
minalidade ao desequilíbrio social absurdo, à miséria, à
pobreza e aos valores distorcidos pela publicidade e pela
propaganda ideológica subliminar da mídia, acreditando
que repressão e encarceramento são algum tipo de solu-
ção - ou mesmo contenção - pra situação de terror coti-
diano, pros níveis de criminalidade, é ter a mente lavada,
enxaguada, teleguiada, entorpecida e estupidificada.
Pretender mudar um sistema que estimula a com-
petição, o confronto e a disputa, confrontando, dispu-
tando e competindo - ainda mais dentro das instituições,
infiltradas e dominadas pelos poderes econômicos - é de

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uma ingenuidade mais que inútil e incapaz. Acaba sendo
a “prova” apontada pelos defensores deste sistema social
criminoso de que a farsa política é realmente uma “demo-
cracia”, alegando que não se poderia falar assim se não
fosse uma democracia. Alegação mentirosa, obviamente.
Pode-se falar como esses pretensos revolucionários fa-
lam porque eles não tem nenhum poder de mobilização
popular, em seus condicionamentos de superioridade
social, em sua doutrinação estéril, em sua arrogância e
pretensão de liderar, organizar e conduzir as massas.
Pensam que estão lutando por uma sociedade igualitária,
mas estão é colaborando com essa estrutura desumana,
ajudando a construir o cenário do teatro macabro. Se al-
cançassem humildade, perceberiam. Eu percebo que há
muitos se tocando. O processo tem seu ritmo.
Em cada um de nós há raízes dos condicionamen-
tos sociais produzidos em laboratórios de pensamentos
bem pagos, contratados por um punhado de parasitas
sociais podres de ricos - que não participam do caos que
provocam, cercados em suas fortalezas com muros eletri-
ficados e exércitos bem armados de seguranças privados.
Estamos expostos a isso desde o útero materno e inge-
nuidade é pensar que nossa vontade é toda nossa, assim
como nossa visão de mundo, opiniões, sentimentos, de-

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sejos... Esta percepção, a meu ver, é a primeira de todas.
E o trabalho interno, o mais importante. A coletividade é
formada por todos e cada um. Trabalhando em si mesmo,
o trabalho se estende automaticamente ao coletivo, sem
pretensões de ensinar, liderar ou conduzir.

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4 – A ARMA DO
OPRESSOR Somos injustiçados cotidianamente
Mais o pior descaso é a prisão da mente
Não seja mais um desinteressado pelos livros
A arma do opressor é a mente do oprimido.

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R
eflita o significado de duas palavras do dicionário
Aurélio;

BRANCO; 1. Da cor da neve, do leite, do cal, alvo.


2. Diz- se das coisas que, não sendo brancas,
tem cor mais clara que outras da mesma espécie.
3. Pálido, descorado. 4. Prateado, argentado.
5. Diz-se do indivíduo de raça branca. 6. A cor
branca. 7. Homem de raça branca.
NEGRO; 1. De cor preta. 2. Diz- se do indivíduo de
raça negra; preto. 3. Sujo, encardido. 4. Sombrio.
5. Lúgubre. 6. Funesto. 7. Individuou de raça
negra. 8. Escravo.

O opressor tentar nos dominar de diversas formas,


e sua principal arma de dominação é a ideologia racista
que nos subjuga como povo inferior. Os PLAYBOYS, INI-
MIGOS HISTÓRICOS do POVO DO GUETO, com o aparato do
Estado, com ajuda de vários setores da ciência e com o
poder político e jurídico sob seu domínio, conseguem di-
fundir pelo mundo a mentalidade de que os portadores de
pele alva (os brancos) são uma raça naturalmente supe-
rior aos portadores de pele escura (os negros e os não-eu-
ropeus). O RACISMO é uma ideologia que defende a hie-

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rarquia entre grupos humanos, classificando-os em raças
inferiores e raças superiores. A ideologia racista serviu e
serve como produto de expansão e da conquista terroris-
ta, cruel e atroz dos europeus sobre o resto do mundo.
A IDEOLOGIA RACIAL serve como pseudo-justificativa
dos europeus e da elite branca (espalhada pelo mundo)
para EXPLORAR O POVO DO GUETO, SUBJUGADOS DEMA-
GOGICAMENTE COMO “POVOS DIFERENTES”, O INTUÍTO DA
IDEOLOGIA RACIAL TAMBÉM SERVE PARA MANTER ASSEGU-
RADO O FUNCIONAMENTO DAS ESTRUTURAS DO SISTEMA
CAPITALISTA. O OPRESSOR INCULCOU E CRISTALIZOUNA
MENTE DO OPRIMIDO A “NATURALIZAÇÃO DE RAÇA SUPE-
RIOR E RAÇA INFERIOR”, PARA QUE OS PRIVILÉGIOS DE
CLASSE PERMANEÇAM COMO ALGO NATURAL, POIS ASSIM,
AS DESIGUALDADES SOCIAIS, POLÍTICAS E ECONÔMICAS
NUNCA SEJAM SUPERADAS. Com base nessa ideologia, os
capitalistas asseguraram seu sistema de dominação no
qual pilharam fortunas, adquiriram lucros exorbitantes
e acumularam capital, riquezas e bens materiais na base
da COLONIZAÇÃO TERRITORIAL E CULTURAL, DOMINAÇÃO
MILITAR, EXTERMÍNIO, GENOCÍDIO, MATANÇA, MORTICÍ-
NIO e da COLONIZAÇÃO TERRITORIAL dos povos africanos,
dos povos asiáticos e dos povos americanos. A ideologia
racista deixou como legado para o continente da Europa e

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go.indd 57 03/09/18 22
para E.U.A o título ideológico de países de primeiro mun-
do, desenvolvidos, civilizados e avançados. A ideologia
racista deixou como legado para o povo do gueto o estig-
ma ideológico de países de terceiro mundo, subdesenvol-
vidos, incivilizados e atrasados.
A dependência econômica, a subordinação e sub-
serviência política, a dominação militar, a colonização
cultural e social do IMPERIALISMO EUROPEU E NORTE-A-
MERICANO sobre os PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS estádi-
retamente relacionado com a ideologia do racismo, pois
O RACISMO REFORÇA A IDEOLOGIA ESTIGMATIZADORA DE
QUE OS POVOS SUBDESENVOLVIDOS (O POVO DO GUETO)
TÊM CARACTERÍSTICAS INATAS INFERIORES e automatica-
mente são propícios a serem PREGUISOSOS, INDOLENTES,
MALANDROS, CAPRICHOSOS, SENSUAIS E INCAPAZES DE
RACIOCINAR. Enquanto as superpotências imperialistas
(países desenvolvidos) por se acharem seres superiores,
dominaram e espalharam ideologicamente pelo mundo, a
ideia de que traz na sua “GENÉTICA” O EMPREENDEDORIS-
MO, A DISCIPLINA E A INTELIGÊNCIA. E por se acharem su-
periores, os imperialistas europeus e norte-americanos,
teriam o direito natural de explorar os inferiores, e assim
vão justificando o domínio colonial, político, econômico,
cultural, militar e a exploração dos recursos naturais e

58

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a exploração da mão de obra sobre os países de terceiro
mundo. As desvantagens sociais, políticas, econômicas
ou culturais também passam a ser atribuída à desigual-
dade inata entre os seres humanos. Os termos “INATO e
NATURAL”, tão presentes no discurso dos racistas, já di-
zem tudo. Segundo eles, determinados grupos nascem
com características que os habilitam apenas para serem
dominados e explorados.
Aí quebrada e todo povo do gueto, na minha con-
cepção, temos que romper com mentalidade colonizada
pela ideologia do opressor, temos que aprofundar a refle-
xão social, política, econômica e cultural DESSA MERDA
DE SOCIEDADE RACISTA, DESIGUAL, INJUSTA, EXPLORA-
DORA E PERPETUADORA DE PRIVILÉGIOS. A reflexão SO-
CIOLÓGICA, HISTÓRICA E FILOSÓFICA APARTIR DO PONTO
DE VISTA DOS VENCIDOS é uma ferramenta que nos traz
a luz e clareza de ideias que nos possibilita entender que
as diferenças e desigualdades entre os homens não são
naturais, elas são construídas socialmente e precisam ser
contextualizadas em termos de tempo e espaço. A ideo-
logia racial, assim como as demais mazelas sociais são
construções históricas e apenas com o olhar na história é
possível compreendê-las.

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AÍ POVO DO GUETO, LEMBRE-SE SEMPRE QUE
“A ARMA MAIS PODEROSA NAS MÃOS DO
OPRESSOR É A MENTE DO OPRIMIDO”.
Os seres humanos sempre viveram em comuni-
dade, essencialmente para sobrevivência dos indivíduos
e das famílias, contra as ameaças de outros humanos e
das forças da natureza. Os restos deixados pelos nossos
ancestrais levaram os cientistas a acreditar que as co-
munidades primitivas mantinham alto grau de igualdade
social. Entretanto, depois de dezenas de milhares de anos
vivendo igualmente, algumas comunidades começaram a
apresentar diferenças sociais. Passarem a apresentar di-
ferenças de riqueza e poder. Em estágios mais primitivos
da vida humana, todos os bens eram divididos de forma
justa, comum e igualitariamente entre os todos membros
da comunidade, dando-se a todos a participação nos fru-
tos do trabalho de todos. Entretanto, com o passar do
tempo, um pequeno grupo (elite, oligarquia, dirigentes,
líderes religiosos etc.) autodenominou-se como os mais
capazes e proeminentes da comunidade, através da força
ideológica e física impuseram suas vontades sobre todo
o grupo. Quanto mais fortes, reservaram para si proprie-
dades privadas,cercando e policiando os lugares em que

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era mais fácil a obtenção de alimentos, e passaram ase
apropriar e a armazenar uma parte da riqueza produzida
pela comunidade. Dessa forma acumularam certa quanti-
dade de bens de que todos necessitavam e, chegando os
períodos de escassez, os outros não tiveram outra saída
senão subordinar-se a eles, reconhecendo-os como che-
fes e satisfazendo suas AVARENTAS e GANANCIOSAS VON-
TADES INDIVIDUALISTAS, e tornaram-se assim A CLASSE
PRIVELIGIDA E EXPLORADORA DOS DEMAIS MEMBROS DA
COMUNIDADE, CRIARAM O ESTADO E TRANSFORMARAM A
SOCIEDADE EM ESTRUTURAS E INSTITUIÇÕES HIERÁRQUI-
CAS E DIVIDIDA EM CLASES SOCIAIS. A organização do
trabalho coletivo começou a separar o trabalho intelec-
tual do trabalho manual. Com o passar dos tempos, os
playboys “especialistas intelectuais” adquiriram poderes
maiores. Aos poucos, o conhecimento deixou de ser com-
partilhado pela comunidade e passou a ser privilégio de
algumas oligárquicas famílias dos playboys cuzão. É claro
que os demais membros da comunidade (povo do gueto)
continuaram raciocinando, mas foram perdendo o direito
de decidir a vida na comunidade, foram perdendo o poder
de decisão sobre suas próprias vidas. O PODER DE PLA-
NEJAR E DECIDIR A VIDA DA COMUNIDADE COMEÇOU A SE
TORNAR UM PRIVILÉGIO E PROPRIEDADE DE UNS POUCOS,

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OU SEJA, DA ARISTOCRACIA OU NOBREZA OU, SE PREFERI-
REM, PALYBOYS CUZÃO.
Num certo momento, em algumas comunidades,
o aumento da população tinha sido a causa e o efeito de
grandes obras como construção de canais de irrigação,
açudes, portos e estradas, as grandes obras públicas
precisaram mais do que uns supostos líderes, passaram a
exigir uma organização mais complexa, capaz de convo-
car pessoas para o trabalho, organizar um exército, fazer
as porras das leis e cobrar a desgraça dos impostos. ESSA
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ARTICULADA PELOS PLAYBOYS
ARISTOCRATAS ERA O ESTADO. O Estado serviu (e serve
até hoje) como um instrumento de dominação dos ricos
sobre os pobres. As famílias aristocratas que ocupavam
os postos de comando do Estado passaram a gozar de
privilégios, tinham casas melhores, comiam melhor, não
trabalhavam no pesado. Essas famílias poderosas eram
consideradas nobres, ou seja, é como que se fossem me-
lhores que os outros.
As guerras puderam ser um instrumento de enri-
quecimento de algumas sociedades e de opressão de umas
sobre outras. O povo derrotado tinha que pagar tributos
aos vencedores. Ou seja, devia entregar parte do que pro-
duzia (comida, tecidos, objetos) e trabalhar para os seus

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novos senhores. Algumas vezes, os derrotados tinham
que trabalhar e viver integralmente em favor dos vence-
dores, ou seja, tinham se transformados emescravos.
E se as aldeias se recusassem a pagar tributos ao
Estado? E se os povos dominados desobedecessem? E se
os escravos se rebelassem? O Estado se valia das leis e da
força do exército. Os historiadores já descobriram vestí-
gios de grandes revoltas sociais há milhares de anos. Al-
gumas vezes, elas dissolveram o Estado. Outras vezes, o
exército comandado pelos nobres, esmagava os rebeldes.
Portanto, o estado tinha se tornado uma arma de domínio
de classe da aristocracia.

O legado do Estado, das sociedades de


privilégios com estruturas e instituições hierárquicas e
divididas em classes sociais.
O termo TRABALHO vem do vocabulário latino TRI-
PALLIUM, que significa INSTRUMENTO DE TORTURA, e por
muito tempo esteve associado à ideia de atividade penosa
e torturante. Na Grécia antiga, a elite aristocrática gre-
ga tinha o privilégio de usufruir das artes, da política,
do treinamento militar, das ciências e da filosofia. Outra

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parte, uma enorme legião de não-gregos, tidos como bár-
baros, suava a camisa no trabalho pesado, sendo usados
como mão-de-obra escrava. Como justificar tal sociedade
baseado na escravidão?
Dois gregos notáveis apresentaram explicações
para “justificar” um sistema essencialmente injusto.
Segundo Aristóteles, havia homens que, por natu-
reza, estavam predestinados a serem livres e a comandar,
e outros a serem escravos, a serem comandados. Para
Aristóteles, escravos, camponeses e negociantes não po-
deriam ter uma vida “feliz”, quer dizer, ao mesmo tempo
próspera e cheia de nobreza: podem-no somente aqueles
que têm os meios de organizar a própria existência e fixar
para si mesmos um objetivo ideal. Apenas esses homens
ociosos correspondem moralmente ao ideal humano e
merecem serem cidadãos por inteiro: “A perfeição do ci-
dadão não qualifica o homem livre, mas só aquele que
é isento das tarefas necessárias das quais se incumbem
servos, artesãos e operários não especializados; estes
últimos não serão cidadão se a constituição conceder os
cargos públicos à virtude e ao mérito, pois não se pode
praticar a virtude levando-se uma vida de operário ou de
trabalhados braçal”. Aristóteles não quer dizer que um
pobre não tenha meios ou oportunidades de praticar cer-

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tas virtudes, mas, sim, que a pobreza é um defeito, uma
espécie de vício.
Também Platão registrou suas impressões a respei-
to do assunto. No quinto livro de A República, ele afirmou:
“A nossos jovens mais valentes e melhores, além de outras
honras e recompensas, será permitida maior variedade de
uniões, porque pais dessa natureza deverão ter o maior nú-
mero de filhos possíveis” e uma cidade benfeita seria aquela
na qual os cidadãos fossem alimentados pelo trabalho rural
de seus escravos, deixando os ofícios para a gentalha: a vida
“virtuosa”, de um homem de qualidade, deve ser “ociosa”.
Séculos depois, essa ideia de diferenças naturais
entre os homens ressurgiu na Europa. Em 1859, o bió-
logo Charles Darwin publicou sua famosa obra A Origem
das Espécies, na qual, a partir de estudos realizados em
plantas e animais, desenvolveu a teoria da seleção natu-
ral. Segundo ela, na natureza sobrevivem e dominam as
espécies fortes. Existiriam, portanto, espécimes fortes e
espécies fracas.
Com base nos estudos darwinianos, realizados em
animais e vegetais, pensadores como o francês Joseph
Auguste de Gobineau, o alemão Richard Wagner e o inglês
Houston Stewart Chamberlain, utilizaram as teorias de
seleção natural, dentre outros argumentos, para tentar

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explicar a sociedade humana. Eles concluíram então que
alguns grupos humanos eram fortes e outros fracos. Os
fortes teriam herdado certas características que os torna-
vam superiores e os autorizavam a comandar e explorar
outros povos.
Por sua vez, os fracos teriam outras característi-
cas que os tornavam naturalmente inferiores e, portanto,
predestinados a ser comandados.
Desse modo, diferenças de tipo físico passaram a
ser utilizadas para classificar seres humanos. Passaram a
ser relacionadas a diferenças intelectuais e morais, dando
origem à ideia de raça.
É interessante notar que os próprios europeus se
subdividem em subgrupos com diversas culturas e inclu-
sive com alguns tipos de diferenças físicas, como alpinos,
os nórdicos, os eslavos, os mediterrâneos e os latinos.
Tais diferenças, contudo, não ocupam a atenção dos in-
ventores do racismo. A eles interessavam tão somente as
diferenças entre europeus brancos e não-europeus. Ba-
seado nessas ideias, em 1908, o inglês Francisco Dalton
fundou, em Londres, a Sociedade de Educação Eugênica,
visando defender a manutenção da pureza das raças, a
chamada eugenia. Para ele, impunha-se a necessidade da
raça branca manter-se pura, evitando a mistura.

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Tempos depois, dois outros homens, que se torna-
ram tristemente famosos, também defenderam teses so-
bre o assunto; Alfredo Rosenberg, que em 1930 publicou
o Mito do século XX, e Adolf Hitler, que em 1934 publicou
Minha luta (Mein Kampf). Entre os resultados práticos,
dessas ideias de raças superiores e raças inferiores está
o extermínio de 6 milhões de judeus pelos alemães nazis-
tas, alguns anos depois.
No Brasil, a elite e o governo tiveram explicita-
mente comprometidos em grande escala com a ideologia
eugenista. No velho estilo brasileiro de acreditar cega-
mente que “SE É IMPORTANTE É BOM”, as teorias raciais
chegaram da Europa ao Brasil atrasadas, mas com força e
eficácia. Assim, fizeram enorme sucesso, mesmo quando
na Europa já começavam a ser criticadas.
INTELECTUAIS, MÉDICOS, ADVOGADOS, POLÍTI-
COS BRASILEIROS SE ENTUSIASMAM COM A IDEIA DE QUE
A RAÇA BRANCA ERA SUPERIOR. No entanto, as teorias
raciais trouxeram consigo um problema sério para o Bra-
sil. A ELEITE BRASILEIRA DESEJAVA APRESENTAR O BRA-
SIL COMO UM PAÍS BRANCO, IGUALZINHO À EUROPA. Mas
como explicar que o Brasil era majoritariamente negro
(nesta época, 1872, o censo indicava que 55% da popu-
lação era negra) e que enriqueceu com o trabalho escravo

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e que ainda vive da exploração desta mesma população?
RESPOSTA: COM POLÍTICAS EUGENISTAS DE BRANQUEMEN-
TE DA NAÇÃO BARSILEIRA!
Tal resposta servia igualmente a todos os que se
preocupavam com essas questões, inclusive os deputa-
dos da então Assembleia Legislativa da Província de São
Paulo (e as de outros estados): como construir um projeto
de nação “respeitável” num país com tantos negros? Era
necessário inventar outro Brasil, um país branco. Os cien-
tistas e os políticos de então resolveram trazer muitos
imigrantes europeus para cá, estimular a miscigenação,
para a população ir branqueando, branqueando... Dali a
algumas décadas, o país seria branco. Talvez, então, a eli-
te brasileira da época dissesse justamente ao mundo que
um país poderia se desenvolver muito com uma população
diversificada.
Lília Schwarz nos mostra que, como os cientistas
brasileiros daquela época não tinham recursos intelectuais
para debater com os europeus, apenas repetiam afirma-
ções que não combinavam com a realidade do nosso país.
Ela revela em seu livro que nossos cientistas eram
muitos “criativos”, embora sua criatividade tivesse ori-
gem duvidosa. “Os intelectuais brasileiros eram imitativos
no pensamento e não tinham espírito crítico”, escreviam

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estudiosos americanos daquela época, ao observar a ma-
neira como o Brasil absorvia as teorias racistas da Europa.

Os europeus que o Brasil queria


Seja como for, a partir de 1869, nas Assembleias Le-
gislativas de todo o país, começaram a ocorrer acalorados
discursos que exaltavam a Mão - de - obra europeia como
ideal para substituir o trabalhador escravo e o liberto.
Iniciava-se, então, a campanha imigratória, que
tinha dois objetivos:
1 - Valorizar o imigrante branco;
2 - Convencer a elite do país de que o progresso só
viria se fossem importados imigrantes brancos.
Célia Azevedo, uma estudiosa desse período da
nossa história, mostra que, nos anos seguintes, a Assem-
bleia recebeu vários projetos nos quais eram avaliados
“tipos” ideais de trabalhadores. Asiáticos, chineses, afri-
canos foram considerados inferiores ou incapazes.
O deputado Bento de Paula Souza, por exemplo,
não queria nem africanos, nem chineses: ”Não são, por
exemplo, africanos novos que se quer trazer, não são coo-
lies, chineses, raça já abatida e velha que pode inocular
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vícios de uma civilização estragada, ao contrário, é uma
nação vigorosa que tem uma civilização sua, uma política
toda do país, e que era um acerto se a adotássemos”.
“Na mesma linha, o “nobre” deputado Paulo
Souza, discursava: “Nós queremos os americanos como
paulistas novos, como paulista adotivo, homens presti-
mosos, que escolham a província como sua nova pátria, e
queremos os alemães como trabalhadores, como homens
produtivos, e que venham aqui habitar. Tanto uns como
outros, os receberemos com o mesmo entusiasmo”.
Intelectuais e filhos de fazendeiros que haviam
estudado na Europa não esconderam sua simpatia pelas
ideias racistas em moda no continente europeu. A con-
clusão era cristalina: a nação teria de ser formada com o
“sangue superior” dos europeus.
Aí, mano e mina do gueto, se ligaram como se for-
mulou e se estruturou o racismo na sociedade brasileira?
Esse foi apenas um resumo que fiz de alguns livros que
li sobre esse tema e tal; porém você que é do gueto, sua
obrigação é REVOLTAR-SE, INDIGNAR-SE, INSURGIR-SE e
REBELAR-SE contra essa ideologia opressora dos playboys
cuzão. Pois se hoje a população negra são maioria no
CÁRCERE, NAS FAVELAS, MORANDO NAS RUAS, NA PROSTI-
TUIÇÃO, NO DESEMPREGO, SOFRENDO VIOLÊNCIA POLICIAL

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E SENDO EXTERMINADA E GENOCIDADA PELO ESTADO BRA-
SILEIRO, TUDO ISSO SE CHAMA RACISMO, UMA HERANÇA
DA ESCRAVIDÃO QUE SE PERPETUA ATÉ NOSSOS DIAS.
Espero que essa introdução que escrevi aí sobre o
racismo desperte em você, que é do gueto, O POTENCIAL
REVOLUCIONÁRIO QUILOMBOLA.

SEGUE ABAIXO REFLEXÃO SOBRE CONCIÊNCIA


NEGRA.

A definição da
Consciência Negra –
Por: Steve Biko
Redigido prova-
velmente em dezembro
de 1971, este escrito
destinava-se a um cur-
so de treinamento para
lideranças da SASO, incluído aqui como um exemplo do
que Steve dizia aos membros de sua própria organização,
portanto do que brotava do cerne de sua própria expe-
riência e da deles.
Escrevo o que eu quero.
A definição da Consciência Negra

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Em nosso manifesto político definimos os negros
como aqueles que, por lei ou tradição, são discriminados
política, econômica e socialmente como um grupo na so-
ciedade sul-africana e que se identificam como uma uni-
dade na luta pela realização de suas aspirações. Tal defi-
nição manifesta para nós alguns pontos:

1- Ser negro não é uma questão de pigmentação,


mas o reflexo de uma atitude mental;
2- Pela mera descrição de si mesmo como negro,
já se começa a trilhar o caminho rumo à
emancipação, já se está comprometido com a
luta contra todas as forças que procuram usar
a negritude como um rótulo que determina
subserviência.

A partir dessas observações, portanto, vemos que


a expressão negro não é  necessariamente abrangente,
ou seja, o fato de sermos todos não brancos não signi-
fica necessariamente que todos somos negros. Existem
pessoas não brancas e continuarão a  existir ainda por
muito tempo. Se alguém aspira ser branco, mas sua pig-
mentação o impede, então esse alguém é um não branco.
Qualquer pessoa que chame um homem branco de “Baas”

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(“Senhor”, na língua africâner. Tratamento que os bran-
cos exigem dos negros. N.T.), qualquer um que sirva na
força policial ou nas Forças de Segurança é, ipso facto,
um não branco. Os negros – os negros verdadeiros – são
os que conseguem manter a cabeça erguida em desafio,
em vez de entregar voluntariamente sua alma ao branco.
Assim, numa breve definição, a Consciência Negra
é, em essência, a percepção  pelo homem negro da ne-
cessidade de juntar forças com seus irmãos em torno da
causa  de sua atuação – a negritude de sua pele – e de
agir como um grupo, a fim de se libertarem das corren-
tes que os prendem em uma servidão perpétua. Procura
provar que é mentira considerar o negro uma aberração
do “normal”, que é ser branco. É a manifestação de uma
nova percepção de que, ao procurar fugir de si mesmos
e imitar o  branco, os negros estão insultando a inteli-
gência de quem os criou negros. Portanto, a Consciência
Negra toma conhecimento de que o plano de Deus delibe-
radamente criou o negro, negro. Procura infundir na co-
munidade negra um novo orgulho de si mesma, de seus
esforços, seus sistemas de valores, sua cultura, religião e
maneira de ver a vida.
A inter-relação entre a consciência do ser e o pro-
grama de emancipação é de importância primordial. Os

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negros não mais procuram reformar o sistema, porque
isso implica aceitar os pontos principais sobre os quais o
sistema foi construído. Os negros se acham mobilizados
para transformar o sistema inteiro e fazer dele o que qui-
serem. Um empreendimento dessa importância só pode
ser realizado numa atmosfera em que as pessoas estejam
convencidas da verdade inerente à sua condição. Portan-
to, a libertação tem importância básica no conceito de
consciência Negra, pois não podemos ter consciência do
que somos e ao mesmo tempo permanecermos em cativei-
ro. Queremos atingir o ser almejado, um ser livre.
O movimento em direção à Consciência Negra é um
fenômeno que vem se manifestando em todo o chamado
Terceiro Mundo. Não há dúvidas de que a discriminação
contra o negro em todo o planeta tem origem na atitude
de exploração, por parte do homem branco. Através da
História, a colonização de países brancos pelos brancos
resultou, na pior das hipóteses, numa simples fusão cul-
tural ou geográfica, ou, na melhor, no abastardamento
da linguagem. É verdade que a história das nações mais
fracas é moldada pelas nações maiores, mas em nenhum
lugar do mundo atual vemos brancos explorando brancos
numa escala ainda que remotamente semelhante ao que
ocorre na África do Sul. Por isso somos forçados a concluir

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que a exploração dos negros não é uma coincidência. Foi
um plano deliberado que culminou no fato de até mes-
mo os chamados países independentes negros não terem
atingido uma independência real.
Com esse contexto em mente, temos de acreditar
então que essa é uma questão de possuir ou não possuir,
em que os brancos foram deliberadamente determinados
como os que possuem, e os negros os que não possuem.
Entre os brancos na África do Sul, por exemplo, não existe
nenhum trabalhador no sentido clássico, pois até mesmo o
trabalhador branco mais oprimido tem muito a perder se o
sistema for mudado. No trabalho, várias leis o protegem de
uma competição por parte da maioria. Ele tem o direito de
voto e o utiliza para eleger o governo nacionalista, uma vez
que os considera os únicos que, por meio das leis de reser-
va de empregos, se esforçam em cuidar de seus interesses
contra uma competição por parte dos “nativos”.
Devemos então aceitar que uma análise de nossa
situação em termos da cor das pessoas desde logo leva em
conta o determinante único da ação política – isto é, a cor
– ao mesmo tempo que descreve, com justiça, os negros
como os únicos trabalhadores reais na África do Sul. Essa
análise elimina de imediato todas as sugestões de que al-
gum dia pode haver um relacionamento efetivo entre os

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verdadeiros trabalhadores, ou seja, os negros, e os tra-
balhadores brancos privilegiados, já que mostramos que
estes últimos são os maiores sustentáculos do sistema.
Na verdade o governo permitiu que se desenvolvesse en-
tre os brancos uma atitude antinegro tão perigosa que ser
negro é considerado quase um pecado, e por isso os bran-
cos pobres – que economicamente são os que estão mais
próximos dos negros – assumiram uma postura extrema-
mente  reacionária em relação a eles, demonstrando a
distância existente entre os dois grupos. Assim, o senti-
mento antinegro mais forte se encontra entre os brancos
muito pobres, a quem a teoria de classes convoca para se
unirem aos negros na luta pela emancipação. É esse tipo
de lógica tortuosa que a abordagem da Consciência Negra
procura erradicar.
Para a abordagem da Consciência Negra, reconhe-
cemos a existência de uma  força principal na África do
Sul. Trata-se do racismo branco. Essa é a única força con-
tra a qual todos nós temos de lutar. Ela opera com uma
abrangência enervante, manifestando-se tanto na ofen-
siva quanto em nossa defesa. Até hoje seu maior aliado
vem sendo nossa recusa em nos reunirmos em grupo,
como negros, pois nos disseram que essa atitude é racis-
ta. Desse modo, enquanto nos perdemos cada vez mais

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num mundo incolor, com uma amorfa humanidade co-
mum, os brancos encontram prazer e segurança em for-
talecer o racismo branco e explorar ainda mais a mente e
o corpo da massa de negros que não suspeitam de nada.
Os seus agentes se encontram sempre entre nós, dizendo
que é imoral nos fecharmos num casulo, que a resposta
para nosso problema é o diálogo e que a existência do ra-
cismo branco em alguns setores é uma infelicidade, mas
precisamos compreender que as coisas estão mudando.
Na realidade esses são os piores racistas, porque se recu-
sam a admitir nossa capacidade de saber o que queremos.
Suas intenções são óbvias: desejam fazer o papel do barô-
metro pelo qual o resto da sociedade branca pode medir
os sentimentos do mundo negro. Esse é o aspecto que nos
faz acreditar na abrangência do poder branco, porque ele
não só nos provoca, como também controla nossa res-
posta a essa provocação. Devemos prestar muita atenção
neste ponto, pois muitas vezes passa despercebido para
os que acreditam na existência de uns poucos brancos
bons. Certamente há uns poucos brancos bons, do mesmo
modo que há uns poucos negros maus.
Mas o que nos interessa no momento são atitudes
grupais e a política grupal. A exceção não faz com que a
regra seja mentirosa – apenas a confirma.

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Portanto, a análise global, baseada na teoria he-
geliana do materialismo dialético, é a seguinte: uma vez
que a tese é um racismo branco, só pode haver uma antí-
tese válida, isto é, uma sólida unidade negra para contra-
balançar a situação. Se a África do Sul deve se tornar um
país em que brancos e negros vivam juntos em harmonia,
sem medo da exploração por parte de um desses grupos,
esse equilíbrio só acontecerá quando os dois opositores
conseguirem interagir e produzir uma síntese viável de
ideias e um modus vivendi. Nunca podemos empreender
nenhuma luta sem oferecer uma contrapartida forte às
raças brancas que permeiam nossa sociedade de modo
tão efetivo.
Precisamos eliminar de imediato a ideia de que a
Consciência Negra é apenas uma metodologia ou um meio
para se conseguir um fim. O que a consciência Negra pro-
cura fazer é produzir, como resultado final do processo,
pessoas negras de verdade que não se considerem meros
apêndices da sociedade branca. Essa verdade não pode
ser revogada. Não precisamos pedir desculpas por isso,
porque é verdade que os  sistemas brancos vêm produ-
zindo em todo mundo grande número de indivíduos sem
consciência de que também são gente. Nossa fidelidade
aos valores que estabelecemos para nós mesmo também

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não pode ser revogada, pois sempre será mentira aceitar
que os valores brancos são necessariamente os melhores.
Chegar a uma síntese só é possível com a participação na
política de poder. Num dado momento, alguém terá que
aceitar a verdade, e aqui acreditamos que nós é que temos
a verdade.
No caso de os negros adotarem a Consciência Ne-
gra, o assunto que preocupa principalmente os iniciados
é o futuro da África do Sul. O que faremos quando atingir-
mos nossa consciência? Será que nos propomos a chutar
os brancos para fora do país? Eu pessoalmente acredito
que deveríamos procurar as respostas a essas pergun-
tas no Manifesto Político da SASO e em nossa análise da
situação da África do Sul. Já  definimos o que para nós
significa uma integração real, e a própria existência de
tal definição é um exemplo de nosso ponto de vista. De
qualquer modo, nos preocupamos mais com o que acon-
tece agora que com o que acontecerá no futuro. O futuro
sempre será resultado dos acontecimentos presentes.
Não se pode subestimar a importância da solida-
riedade dos negros com relação aos vários segmentos da
comunidade negra. No passado houve muitas insinuações
de que uma unidade entre negros não era viável porque
eles se desprezam um ao outro. Os mestiços desprezam

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os africanos porque, pela proximidade com esses últimos,
podem perder a oportunidade de serem assimilados pelo
mundo branco. Os africanos desprezam os mestiços e os
indianos por várias razões. Os indianos não só desprezam
os africanos mas, em muitos caso, também os exploram
em situações de trabalho e de comércio. Todos esses es-
tereótipos provocam uma enorme desconfiança entre os
grupos negros.
O que se deve ter sempre em mente é que:

1. S omos todos oprimidos pelo mesmo sistema;


2. Ser oprimidos em graus diferentes faz parte de
um propósito deliberado para nos dividir não
apenas socialmente, mas também com relação
às nossas aspirações;
3. Pelo motivo citado acima, é preciso que
haja uma desconfiança em relação aos
planos do inimigo e, se estamos igualmente
comprometidos com o problema da
emancipação, faz parte de nossa obrigação
chamar a atenção dos negros para esse
propósito deliberado;

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4. Devemos continuar com nosso programa,
chamando para ele somente as pessoas
comprometidas e não as que se preocupam
apenas em garantir uma distribuição equitativa
dos grupos em nossas fileiras. Esse é um jogo
comum entre os liberais. O único critério
que deve governartoda nossa ação é o
compromisso.

Outras preocupações da Consciência Negra dizem


respeito às falsas imagens que temos de nós quanto aos
aspectos culturais, educacionais, religiosos e econômicos.
Não devemos subestimar essa questão. Sempre existe uma
interação entre a história de um povo, ou seja, seu passa-
do, e a fé em si mesmo e a esperança em seu futuro. Temos
consciência do terrível papel desempenhado por nossa
educação e nossa religião, que  criaram entre nós uma
falsa compreensão de nós mesmos. Por isso precisamos
desenvolver esquemas não apenas para corrigir essa fa-
lha, como também para sermos nossas próprias autorida-
des, em vez de esperar que os outros nos interpretem. Os
brancos só podem nos enxergar a partir de fora e, por isso,
nunca conseguirão extrair e analisar o etos da comunida-
de negra. Assim, e para resumir, peço a esta assembleia

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que procure o Manifesto Político da SASO, que apresenta
os pontos principais da Consciência Negra. Quero enfati-
zar novamente que temos de saber com muita nitidez o
que queremos dizer com certas expressões e qual o nosso
entendimento quando falamos de Consciência Negra.”
A Definição da Consciência Negra”, escrto por
Bantu Steve Biko, em dezembro de 1971.

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5 – A GUERRA
INTERMINAVEL
CONTRA A VIDA
DO POVO DO GUETO
Campo de guerra...
Diretamente do front
Visão periférica.

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O gasto do governo brasileiro com armamentos e
todo aparato policial, nos coloca no ranking dos 10 países
que mais investem em equipamentos de guerra,materiais
bélicos, explosivos e munições. A polícia brasileira é a
mais violenta do mundo, a que mais mata jovens pretos
e periféricos, a que mais causa pânico e medo na popula-
ção, a que mais tortura e aterroriza a população pobre. O
INVESTIMENTO EM VIOLÊNCIA PELO ESTADO E PELOS CAPI-
TALISTAS É UMA DEMOSNTRAÇÃO EXPLÍCITA DE EXTERMÍ-
NIO E GENOCÌDIO DO POVO DO GUETO.
Abram os olhos, despertem da hipnose maquinada
pelo sistema POVO DO GUETO, pois existe uma guerra in-
terminável contra a vida dos que residem nas quebradas,e
atalORDEM e PAZ SOCIAL imposta de cima para baixo, são
elementos de dominação e controle social dos ricos sobre
os pobres.

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6 - SABEDORIA
Psicologia das ruas, hip hop alternativo.
A molecada da quebrada precisa de incentivo
Cultura, lazer, acesso a livros
Atitude e proceder é o caminho.

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A PALAVRA COMO POTÊNCIA EMANCIPADORA!

A
utoestima,Autoconhecimento, Autovalorização, Au-
todeterminação, Respeito Mutuo, Atitude, Proceder,
Revolução, Emancipação, Luta, Amizade, Solidarie-
dade, Horizontalidade, Igualdade, Pluralidade, Combati-
vidade, Insurgência, Subversão, Caos, Desordem, Desobe-
diência, Rebeldia, Consciência Crítica, Filosofia das Ruas,
Indignação, Emancipação, Autogestão, Diálogos, Mandar
Obedecendo, Responsabilidade, Compromisso, Educação
Emancipadora, Pedagogia Libertadora, Antiopressão,
Anticapitalismo, Antimachismo, Anti-racismo, Antiauto-
ritarismo, Poesia, Arte Combativa, Carinho, Abraços, Bei-
jos, Orgasmo, Inconformismo, Lazer, Cultura, Rap, Punk,
Funk, Hip Hop, Sertanejo de Raiz, Repente, Embolada,
Samba do Morro, Jazz, Blues, Reggae, Salsa, Tango, Coco
de Roda, Musica Andina, Che Guevara, Malcolm x, Ângela
Davis, Rosa Parks, Martin Luther king, Nelson Mandela,
Zumbi dos Palmares, Maria Carolina de Jesus, Dandara,
Steve Biko, Frantz Fanon, Pepetela, Jose Saramago, Paulo
freire, Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Mano Cákis, Es-
critor Sacolinha, Renan Inquérito, Ferrez, Gog, Eduardo
Taddeo, Jose Poeta e Palhaço, Atitude Feminina, Dina Di
Visão de Rua, Ktarse, Tim Maia, Raul Seixas, Renato Russo,

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Elis Regina, Belchior, Pablo Neruda, lampião e Maria bo-
nita, Rap Combativo, Estúdio Seiva, Literatura Marginal
Periférica, Sarau Combativo, Pensar o Novo, Mano Chao,
Mercedes Sousa, EZLN, Liberdade a Todxs Presxs Políticos,
Socialismo, Anarquismo, Comunismo, Povos Originários,
Povos Nativos, África, Ásia, Oriente Médio, América La-
tina. APROPRIAR-SEDAS PALAVRAS E CONCEITOS É UMA
FORMA CONTUNDENTE DE AMPLIAR NOSSA VISÃO DE MUN-
DO. CONHECIMENTO É PODER:O PODER DO CONHECIMENTO
TRANSFORMADO EM SABEDORIA, SERVE PARAPOTENCIA-
LIZAR A REVOLUÇÃO EM NOSSA FAMÍLIA, NOSSA QUEBRA-
DA, NOSSO PAÍS E NOSSO MUNDO, LUTAR POR UM MUNDO
ONDE CAIBAM MUITOS MUNDOS .... SABEDORIA !!!

“O livro é a melhor invenção do homem”


Carolina Maria de Jesus

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