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PRAISE FOR THE GABRIEL’S INFERNO SERIES
“I found myself enraptured by Sylvain Reynard’s lawless writing.”
—The Autumn Review
“We don’t see many loves like this, so it makes it all the more special
when we pick up a novel of this stature with such a unique writing
style.”
—Star-Crossed Book Blog
“An unforgettable and riveting love story that will sweep readers off
their feet.”
—Nina’s Literary Escape
1313
Verona, Itália
O poeta pausou, sua pena pairando como um pá ssaro ansioso sobre o
pergaminho.
As palavras que ele colocou na boca da sua amada eram
convincentes. Até mesmo a tinta o condenou.
Ao escrever Purgató rio, ele foi forçado a reexaminar sua vida apó s a
morte dela. Seu tributo a Beatrice foi ao mesmo tempo uma
homenagem e penitê ncia. Mas este nã o foi o im.
Nã o, a morte de Beatrice nã o era o im do seu amor. Ele ainda amava
e, ao amá -la, seria transformado.
O pá ssaro na pena retornou ao pergaminho, dando voz à sua perda.
Ele nã o havia sido digno dela nesta vida. Mas talvez na pró xima…
“Volta, Beatrice, Oh volta com os seus olhos sagrados”, Esse
era cântico deles, “para o teu iel, que tem que te ver dar
tantos passos...
Em graça nos faça a graça que tu revelas, Teu rosto para ele,
para que ele possa discernir, A segunda beleza que escondes.”
Aqui estava sua amada agora, linda e resplandecente. O amor deles
permaneceu, mas teve que mudar. E na mudança, aprofundou-se e se
tornou substâ ncia da eternidade.
O poeta olhou para a cidade de seu exı́lio e lamentou por seu lar. Ele
lamentou por Beatrice e o que nã o haviam tido.
Ele esperava o que estava por vir. O amor dela o apontava alé m
de si mesma, alé m do amor terreno, para algo transcendente, perfeito e
eterno. Ele jurou, mesmo ao expurgar sua alma, que as palavras que
escrevera seriam profé ticas e que todas as promessas que ele izera a
ela seriam cumpridas...
Capítulo Um
Setembro de 2012
Mount Auburn Hospital
Cambridge, Massachusetts
O professor Gabriel O. Emerson levou a ilha recé m-nascida ao
peito. Ele estava reclinado em uma cadeira ao lado da cama de hospital
de sua esposa, onde ela estava dormindo. Apesar dos protestos dos
enfermeiros, ele se recusou a colocar o bebê no berço pró ximo. Ela
estava mais segura em seus braços, descansando sobre o seu coraçã o.
Clare Grace Hope Emerson era um milagre. Ele orou por ela na cripta
de St. Francis de Assisi, depois de se casar com sua amada Julianne. Na
é poca, ele nã o conseguia ter um ilho, resultado de seu ó dio por si
mesmo. Mas com Julianne ao seu lado, como sua Beatrice e sua esposa,
ele orou. E Deus respondeu sua oraçã o.
O bebê se mexeu e moveu a cabeça.
Gabriel a segurou com segurança, sua mã o larga cobrindo suas
costas para que pudesse sentir o ritmo da respiraçã o dela.
— Nó s amamos você mesmo antes de você nascer —, ele sussurrou.
—Está vamos tã o animados com a sua chegada.
Nesse momento - esse momento calmo e terno - Gabriel tinha tudo o
que sempre desejara. Se ele era Dante, nã o era mais Dante, pois Dante
nunca conheceu o prazer de se casar com Beatrice ou de acolher uma
criança nascida de seu amor.
O poeta dentro dele re letiu sobre o curso estranho dos
acontecimentos que o levaram das profundezas do desespero à s alturas
da bem-aventurança.
— Apparuit iam beatitudo vestra — ele citou com sinceridade,
agradecendo a Deus por nã o ter perdido a esposa e a ilha, apesar das
complicaçõ es durante o parto.
O fantasma de seu pai interferiu em sua felicidade, provocando uma
promessa espontâ nea.
— Eu nunca irei abandonar você s. Eu estarei aqui com você s duas,
minhas meninas queridas, enquanto eu viver.
Na escuridã o do quarto do hospital, Gabriel prometeu proteger, amar
e cuidar de sua esposa e de sua ilha, nã o importasse o custo.
Capítulo Dois
O que ela está fazendo? - O professor olhou pelo retrovisor para sua
esposa, que estava sentada atrá s dele, ao lado de Clare.
Seu belo rosto tinha uma expressã o infantil e seus olhos azuis
brilhavam. Ele inalmente estava trazendo sua famı́lia para casa. Ele
teve di iculdade em conter sua emoçã o.
— Ela ainda está dormindo. — Julia se inclinou sobre a cadeirinha de
bebê e acariciou levemente a bochecha da criança.
A boca do bebê fez um beicinho semelhante a um botã o de rosa
enquanto dormia. Fios de cabelos escuros apareciam debaixo do
chapé u de malha roxo que ela recebeu de presente do auxiliar do
hospital. Ela era um bebê lindo, com nariz de botã o e bochechas
rechonchudas. Seus olhos eram grandes e azul ı́ndigo quando ela se
dignou a abri-los.
O coraçã o de Julia estava pleno. Seu bebê era saudá vel e seu marido
era ainda mais solidá rio do que ela imaginara. Era quase muita
felicidade para uma ú nica pessoa.
— Se ela izer algo fofo, me avise. — O tom de Gabriel estava ansioso.
Julia riu. — Tudo bem, Professor.
— Eu gosto de vê -la dormir —, pensou Gabriel. Ele continuou
dirigindo o Volvo SUV lentamente pelas ruas de Cambridge. — Ela é
fascinante.
— Você precisa manter os olhos na estrada, papai. — Gabriel piscou
Julia lançou-lhe um olhar.
— Desde quando você dirige tã o devagar? — ela zombou.
— Desde quando tudo que eu amo está neste carro. — A expressã o
de Gabriel se suavizou quando ele fez contato visual com ela atravé s do
espelho.
O coraçã o de Julia deu um salto.
O entusiasmo dele pela paternidade superou suas expectativas.
Lembrou-se da primeira noite que passaram no hospital, depois que
Clare nasceu. Gabriel segurou Clare a noite toda e nã o se separou dela.
Gabriel havia dito uma vez que quando ele fosse velho ele se
lembraria de como Julianne era na noite em que izeram amor pela
primeira vez. Ela se lembraria da visã o do marido segurando a ilha
deles em seu peito pelo resto da vida.
Lá grimas encheram seus olhos e ameaçaram transbordar. Ela se
inclinou sobre o bebê para esconder sua reaçã o.
Gabriel virou o SUV na rua deles — lentamente, muito lentamente.
— Que diabos...? - Sua felicidade chegou a um im abrupto, como um
navio atingindo um iceberg.
— Veja como fala —, Julia murmurou. — Nã o vamos ensinar palavras
maldosas para o bebê .
— Se ela estivesse acordada, ela també m gostaria de saber o que
diabos está acontecendo. Olhe para o nosso gramado. — Gabriel pilotou
o carro em direçã o à entrada da garagem, com os olhos ixos na frente
da propriedade.
Julia seguiu seu olhar.
— Meu assistente enviou uma có pia do seu prontuá rio e nó s
apressamos o seu exame de sangue, entã o també m tenho esses
resultados. — Dra. Rubio, obstetra de Julia, entrou apressada na sala de
exames.
— Fico feliz que você tenha sido a obstetra de plantã o. — Julia
sentou-se nervosamente na mesa de exame, vestida com uma camisola
de hospital, enquanto Gabriel embalava uma plá cida Clare nos braços.
A Dra. Rubio era uma obstetra de grande estatura, com cabelos
escuros e riscados com olhos acinzentados e escuros e vivos. Ela era
originá ria de Porto Rico e era muito mais dura do que sua pequena
igura a fazia aparecer. Na verdade, ela havia entrado em con lito com o
professor Emerson durante a gravidez de Julia, principalmente por
causa da instruçã o mé dica de que ele nã o deveria praticar sexo oral em
sua esposa. (Ele a acusara de frequentar uma faculdade de anti-sexo
oral. Ela o amaldiçoara em espanhol.)
— Entã o, o que está acontecendo? — O tom de Gabriel era
sombrio.
Dra. Rubio sentou em uma cadeira disponı́vel e encarou Julia,
segurando sua icha.
— Seus pontos estã o cicatrizando muito bem e a descarga dos
ló quios é normal. Eu sei que você costuma a desmaiar ao ver sangue, e
isso pode ter desempenhado um papel nesta manhã .
“Você tem ibró ides, como você já sabe, e um deles foi cortado
durante a sua cesariana. Como tivemos que fazer uma transfusã o,
apressei seu exame de sangue, caso você tivesse uma reaçã o. Mas o
funcionamento do seu sangue parece bem.”
Julia respirou fundo. — E os ibró ides?
—Continuaremos a monitorá -los, mas como eu disse, nã o estamos
dispostos a removê -los, a menos que eles se tornem um problema. No
entanto, estou preocupada com o seu peso.
Julia tocou seu abdô men levemente arredondado. — Meu peso?
Dra. Rubio folheou o quadro. — Revi seu ganho de peso durante a
gravidez. Você perdeu muito peso desde o parto, muito mais do que o
normal. A amamentaçã o consome um nú mero extraordiná rio de
calorias. Você está se alimentando direito?
— Ela está com fome o tempo todo —, interrompeu Gabriel. — Ela
parecia com fome extra esta manhã depois de desmaiar.
A mé dica ignorou Gabriel e focou em Julia. — Você está tentando
perder peso?
Julia negou com a cabeça. — Quando eu estava no hospital, comi o
que eles me deram. E eu tenho comido em casa. Eu testei meu jeans
ontem e eles se encaixam, entã o estou de volta ao meu peso normal.
— Algumas mulheres sã o assim, mas é raro. — Dra. Rubio
retirou uma caneta do jaleco e começou a escrever em um receituá rio.
— Vou encaminhá -la para a nutricionista do hospital. Acho que você
nã o está comendo o su iciente ou nã o está comendo o tipo certo de
comida, e a amamentaçã o está causando estragos no açú car no seu
sangue.
Ela assinou o encaminhamento com um loreio e entregou a
Julia. “ Se a nutricionista nã o conseguir encaixar você hoje, ela marcará
uma consulta. Enquanto isso, certi ique-se de seguir uma dieta saudá vel
e equilibrada. Nã o pule refeiçõ es. Nã o economize nas proteı́nas ou
carboidratos, mas nã o coma muitos alimentos ou bebidas açucaradas.
Tente fazer um lanche regularmente para que o açú car no sangue nã o
caia. Se você desmaiar de novo, vá para o pronto-socorro
imediatamente.”
— Ok. — Julia suspirou com alı́vio.
A Dra. Rubio estudou a paciente por um momento. — Como
você está se sentindo emocionalmente?
Julia pegou o papel que cobria a mesa de exame. — Tenho me
sentido um pouco sobrecarregada.
A mé dica assentiu.
— Isso pode acontecer. Mas lembre-se de veri icar consigo mesma e,
se você estiver triste ou ansiosa por alguns dias, volte. Se você estiver
pensando coisas que te assustam, vá imediatamente à emergê ncia.
A mé dica deu a Gabriel um olhar signi icativo.
Um mú sculo se contraiu em sua mandı́bula. Ele olhou para
Julianne protetoramente.
— Foi bom vê -la novamente. — Dra. Rubio sorriu e fechou o
prontuá rio de Julia.
— Minha secretá ria agendará um acompanhamento com você
em algumas semanas. Estou muito feliz em ver que seu bebê está bem.
Você agendou um check-up com seu pediatra?
— Sim — disse Julia. — Em um mê s.
— Excelente. Vejo você em algumas semanas, mas nã o hesite em
entrar em contato imediatamente se algo nã o estiver errado. Até lá ,
cuide-se. — A mé dica a deixou e saiu da sala.
— Ela nã o gosta de mim. — Gabriel praticamente rosnou.
— Como algué m pode nã o gostar do bonito e famoso professor
Emerson? —Brincou Julia, sorrindo.
— Você icaria surpresa —, ele resmungou. Ele transferiu Clare para
o bebê -conforto, ajustando cuidadosamente o chapé u dela. — Eu nã o
sabia sobre o exame do bebê .
— Está no calendá rio do meu celular. — Julia começou a se vestir.
Gabriel estendeu a mã o e colocou na bochecha dela. Ela levantou o
rosto.
— Leve-me em todas as consultas — tanto suas quanto das do bebê .
— Seus olhos azuis eram intensos.
— Claro. — Ela roçou a ponta da palma da mã o com os lá bios. — Eu
simplesmente nã o tinha pensado nisso ainda. Eu ainda nã o chequei
meu e-mail esta semana.
Gabriel começou, pois, esse comentá rio o lembrou de algo. Algo
contido em um email.
Ele pigarreou. — Julianne, preciso lhe dizer que...
Um gemido alto o interrompeu.
Julia se inclinou sobre o bebê chorando. Ela colocou a mã o sobre o
bebê -conforto e começou a balançá -lo para frente e para trá s.
Clare abriu os olhos.
— Deixe-me fazer isso. — Gabriel balançou o bebê -conforto
enquanto Julia se vestia.
Ela checou o telefone. — E hora de eu alimentá -la novamente. Talvez
possamos encontrar um canto quieto em algum lugar.
— Claro. — Gabriel levantou o bebê -conforto e acompanhou sua
esposa até o corredor.
Desta vez, ele nã o esqueceu que tinha algo importante que
precisava dizer a ela.
Desta vez, ele simplesmente escolheu contar a ela mais tarde.
Capítulo Dez
Gabriel retribuiu o sorriso dela, agradecido por ter uma parceira, uma
esposa, enquanto embarcava na jornada que era paternidade. E que
parceira.
Julianne sempre teve uma igura atraente, mas ela era ainda mais
bonita agora. Suas bochechas estavam levemente coradas, e seus
cabelos castanhos eram macios e caı́am em ondas suaves nos ombros.
Suas curvas eram mais pronunciadas em seu corpo esbelto. O
vestido azul-ı́ndigo acentuava seu decote. Gabriel tentou desviar os
olhos, mas falhou. Ela realmente era magnı́ ica.
Gabriel re letiu sobre sua fome — uma fome nã o apenas pelo corpo
dela, mas por ela. Quando ele foi tentado a sentir vergonha pela
maneira como a desejava, notou que Deus a havia tornado bela. Deus os
juntou. Um livro inteiro das Escrituras sagradas foi dedicado aos
prazeres do amor fı́sico.
“Eis que és justo, meu amor; eis que és justo. E nunca verei nada deste
lado do céu mais bonito do que você.”
Julianne estava obviamente cansada. Ele viu que ela estava
favorecendo o pé direito. Mas antes que ele pudesse considerar a causa,
ele se distraiu com seus sapatos baixo. Ela tinha um armá rio inteiro
cheio de saltos altos extravagantes, muitos dos quais eram, na opiniã o
de Gabriel, obras de arte. Mas ela nã o os usará . Gabriel balançou a
cabeça com a oportunidade podoló gica perdida. Talvez seus pé s ainda
estivessem inchados.
Enquanto o batismo prosseguia, o bebê franziu a testa e ergueu os
punhos, mas nã o chorou. Logo o padre estava ungindo sua cabeça e os
aspectos inais do ritual foram concluı́dos.
Havia muitos misté rios na fé e na vida. Casamento e famı́lia sempre
foram misteriosos para Gabriel. Sim, os laços entre as pessoas existiam
e eles eram, talvez, os laços mais fortes do universo conhecido. Mas
como eles emergiram e persistiram, ele nã o sabia dizer exatamente. Ele
nã o conseguiu descrever seu amor por Julianne, apesar de ter tentado.
Ele nã o conseguia descrever a alegria e o prazer que sentia por Clare,
embora se esforçasse por fazê -lo. Metá foras como luz, riquezas e
risadas vieram à mente.
A mã o de Julianne encontrou a de Gabriel e a apertou. Os dois se
juntaram à congregaçã o recitando a Oraçã o do Senhor, agradecendo por
sua famı́lia e Katherine, mas principalmente por Clare.
Muitos pensamentos e emoçõ es passaram pela mente de Gabriel,
juntamente com a resoluçã o de icar perto de sua esposa e ilha.
Capítulo Dezenove
Mais tarde naquele dia, Gabriel telefonou para o tio de Julianne, Jack.
Jack Mitchell era um investigador particular que havia ajudado
Gabriel em mais de uma ocasiã o, principalmente quando a ex-colega de
quarto de Julianne ameaçou postar vı́deos comprometedores sobre ela
na Internet.
Gabriel descreveu o carro preto que ele viu no bairro e pediu a Jack
para examiná -lo. Jack resmungou e concordou, reclamando que a
descriçã o de Gabriel nã o era muito para continuar.
Agora Gabriel se aproximou da soleira do quarto, segurando um par
de taças de champanhe. Da porta, ele ouviu Julianne cantando baixinho.
Ele olhou para dentro e a encontrou segurando Clare contra o ombro
e dançando.
Julianne estava cantando uma cançã o de ninar para Clare, que
parecia estar cochilando. A cabeça do bebê estava descoberta e seu
cabelo estava molhado do banho.
Gabriel icou surpreso com o quã o encaracolado o cabelo do bebê
era.
Os movimentos de sua mã e diminuı́ram quando ela chegou ao inal
da mú sica. Ela beijou a bochecha de Clare e a colocou de costas no
cercadinho.
Gabriel viu Julianne pegar um cordeiro empalhado de uma cadeira
pró xima e apertar um botã o nas costas. O som abafado de um
batimento cardı́aco humano saiu do brinquedo.
Gabriel esticou o pescoço e a viu colocar o brinquedo em um canto
do cercadinho.
Ele entrou no quarto e colocou as taças de champanhe em uma mesa
pró xima antes de fechar a porta. Julia levantou a cabeça e sorriu. — Oi.
— Como foi o banho? — Gabriel entregou—lhe um pouco de
ginger ale.
Julia pegou o copo ansiosamente. — Bom. Me deixa surpresa como o
cabelo dela se enrola quando está molhado. Você e eu realmente nã o
temos cabelos encaracolados.
Gabriel riu e bateu o copo de ginger ale contra o dela. — A Clare
Grace Hope Rachel Emerson.
— A Clare Grace Hope Rachel Emerson.
Julia tomou um gole de bebida e suspirou feliz.
Ele pegou a mã o dela e a levou a uma grande poltrona de couro
que icava perto da janela. Ela colocou as bebidas na mesa lateral e
sentou no colo dele.
— Foi um dia longo. — Ele a posicionou para que o lado dela se
aninhasse em seu ombro.
Julia estremeceu quando sua perna direita doeu.
— Alguma coisa errada? — Os olhos azuis de Gabriel a examinaram.
— Apenas me sinto dura — ela mentiu. Pegou os ó culos deles.
Ele a abraçou. —Como estã o seus pé s?
Ela mexeu o pé esquerdo. — Eles estã o bem. Eu sabia que icarı́amos
muito em pé hoje, entã o nã o usei saltos.
— Ah. — Gabriel resistiu à vontade de reclamar. Ele abriu a boca
para sugerir um exame particular, mas Julia falou primeiro.
— Rachel está muito feliz por termos adicionado o nome dela ao de
Clare.
— Sim. — Gabriel franziu a testa, pensando em sua irmã e em seus
problemas. — Tentei falar com ela hoje, mas ela nã o quis se envolver.
— Ela provavelmente estava preocupada em estragar a festa.
— Hummm. — Gabriel nã o parecia convencido.
— Todo mundo ao seu redor tem um bebê , quando ela quem
realmente queria ser mã e. Ela precisa de tempo para se lamentar sobre
isso.
— Humph. — Ele tomou um gole de bebida.
Julia bateu no ligeiro furo em seu queixo. — Nã o me venha com
humph, professor. O luto é um processo.
— Você nã o está errada. — Gabriel beijou o nariz dela. — Mas eu
estava tentando ajudar falando com ela hoje e ela me excluiu.
— Ela precisa de tempo para processar o que aconteceu.
— Suponho que sim. — Gabriel mudou de assunto. — Vamos falar
sobre a abominaçã o que agora está no nosso jardim da frente.
— Eu nã o tenho ideia do que você quer dizer. — Julia escondeu o
rosto atrá s da taça de champanhe.
— Você sabe exatamente o que eu quero dizer, senhora Emerson.
Nã o podemos ter nada muito kitsch no jardim da frente.
— Eu acho engraçado.
Gabriel balançou a cabeça para ela. — Eu tenho que admitir, os
ó culos de sol foram um toque agradá vel.
— Obrigada. — Julia curvou-se um pouco. — O presente de
Katherine para Clare é incrı́vel. E interessante que ela foi ao Cassirers
para pesquisar o manuscrito.
— Sim. Nã o falo com Nicholas desde que lhe disse que
emprestarı́amos as ilustraçõ es de Botticelli aos Uf izi. Ele brincou sobre
um mito da famı́lia que dizia que as ilustraçõ es deveriam ser mantidas
em segredo. — Gabriel tomou um gole de sua bebida novamente. — O
que me lembra, o Dottor Vitali ligou anteontem. Ele queria saber se
considerarı́amos estender a exposiçã o.
— O que você disse? — Julia terminou seu ginger ale.
— Eu disse que tinha que falar com você . Estou inclinado a recusar.
— Querido. — Ela colocou o copo de lado. — O que sã o mais alguns
meses?
— Eles o tiverem por tempo demais. Sã o preciosos para mim.
— Tudo bem, Gollum. — Julia beijou-o para suavizar suas crı́ticas.
Gabriel a encarou, seus olhos azuis nı́tidos. — E se eles forem
dani icados? Perdidos?
— Na Uf izi? — Julia riu. — Eles sã o vigiados dia e noite. Eles sã o
mais seguros na Uf izi do que no seu escritó rio.
Gabriel esfregou o queixo. — Vitali disse que a exposiçã o estava
gerando uma grande receita. Está ajudando a galeria a inanciar a
restauraçã o do Primavera.
— Está vendo? E um grande benefı́cio. Você sabe como me sinto
sobre essa pintura. Talvez possamos ver a restauraçã o enquanto ela
estiver em andamento.
— Vitali nã o vai recusar você . Gabriel suspirou. — Tudo bem. Vou
dizer a ele que estenderemos o empré stimo até o pró ximo verã o.
— O im do verã o — alterou Julia. — Você sabe que o verã o é a
temporada mais movimentada.
— Tudo bem — ele resmungou. — Humph.
Julia riu e beijou sua carranca. — Obrigada.
— O presidente da Universidade de Boston escreveu para mim,
parabenizando—me pelas Sage Lectures. Ele está agendando uma
recepçã o apó s a gala em Edimburgo.
— Isso é ó timo, querido.
— Edimburgo me disse que eu devo dizer algumas palavras depois
que eles me anunciarem em outubro. — Os olhos de Gabriel se ixaram
nos dela. — Você vem à minha palestra?
— Mas é claro. Se Rebecca concordar em cuidar Clare.
Os ombros de Gabriel relaxaram. — Bom. Partimos para Edimburgo
na terceira semana de outubro, mas será uma viagem curta.
— Precisamos estar em casa no Halloween.
Gabriel parecia intrigado. — O que há de tã o importante no
Halloween?
— Precisamos levar Clare para as gostosuras ou travessuras.
Os olhos de Gabriel se contraı́ram. — Podemos levar um bebê
para um doce ou travessura?
— Claro que podemos. Por que nã o?
Gabriel assentiu lentamente, como se as rodas de sua mente
estivessem girando. — Precisamos escolher uma roupa apropriada.
— Para ela ou você ?
— Muito engraçado. Embora eu esteja mais interessado em vê -la em
uma fantasia. — Ele lambeu os lá bios.
Julia sorriu. — Tudo bem, professor. Vou ver o que posso fazer.
— Bom. — Ele pigarreou. — Edimburgo paga aos seus Sage
Lecturers uma grande quantia em dinheiro. O presidente do meu
departamento, juntamente com o reitor, me concedeu uma licença de
pesquisa para o pró ximo ano, para que eu possa me mudar para a
Escó cia. Mas eles ainda pagariam meu salá rio. Nã o preciso de dois
salá rios. Vivemos muito confortavelmente, entã o eu estava pensando…
— Ele fez uma pausa e procurou os olhos de Julianne.
— O orfanato em Florença. — Seus olhos castanhos se iluminaram.
— Eles fazem muito com tã o pouco. Imagine o que eles poderiam fazer
com um ano de seu salá rio. ”
— Confesso que tinha pensado a mesma coisa. Eu poderia continuar
com meu salá rio da BU e doar o dinheiro da Sage. Isso permitiria que o
orfanato ajudasse mais crianças.
— O governo italiano nã o nos permitirá adotar um ilho até que
estejamos casados há trê s anos. Sei que falamos em adotar Maria. —
Julia pareceu triste.
— Espero que, pelo bem dela, uma famı́lia a encontre antes disso." O
braço de Gabriel apertou a cintura de Julia. — Mas se concordarmos, eu
gostaria de doar para o orfanato.
— Mas em silê ncio. — Julia descansou a cabeça no ombro dele. —
Pre iro que ningué m saiba alé m do orfanato e de nó s.
— Claro. Elena e sua equipe fazem um bom trabalho lá . Estou feliz
que podemos apoiá -los.
Julia bocejou.
— Devo anunciar o assunto das Sage Lectures na gala de Edimburgo
—continuou Gabriel. — Meu livro sobre os sete pecados capitais está
quase terminado. Mas eu decidi escrever outra coisa para as palestras.
Pensei em escrever uma comparaçã o em tamanho livro da relaçã o entre
Abelard e Hé loı̈se com a de Dante e Beatrice. Mas, novamente, acho que
vou salvar isso. Nas Sage Lectures, quero focar em A Divina Comé dia,
trazendo trechos de La Vita Nuova. O que você acha? — Ele voltou ainda
mais sua atençã o para a esposa.
Julia fez um barulho que só poderia ser descrito como um ronco.
— Querida? — Gabriel tocou seu rosto, mas ela estava dormindo
profundamente.
Ele sorriu, olhando de uma mulher adormecida em seus braços para
a outra, que estava dormindo profundamente no cercadinho. Nesta
casa, ele estava cercado por mulheres. E ele nunca esteve tã o feliz.
— Tudo bem, mã ezinha. Hora de dormir. — Ele a pegou nos braços e
a carregou com cuidado pelo quarto. Ele a colocou sob os lençó is e
cuidadosamente a embalou com eles.
Ele tirou os cabelos da testa e acariciou sua bochecha com as costas
dos dedos.
— Estou feliz que você vem comigo para a Escó cia. — Ele a beijou
ternamente e apagou a luz.
Capítulo Vinte
Outubro de 2012
Edimburgo, Escócia
O professor Emerson era impaciente com mediocridade. Julia estava
bem ciente disso. Mas a divertia ver o professor lutando contra sua
necessidade de excelê ncia em todas as coisas, enquanto levava um bebê
de seis semanas para a Europa.
A Universidade de Edimburgo, de acordo com as polı́ticas o iciais de
viagem, reservou um assento na econô mica para Emerson. O professor
impacientemente fez um upgrade para a primeira classe e reservou um
assento adjacente para Julia e um assento em frente a eles para
Rebecca.
A universidade arranjou um tá xi para transportar o professor
Emerson e sua famı́lia para o hotel. O professor dispensou o tá xi (quase
com raiva) e contratou um motorista particular e uma Range Rover
para estar à sua disposiçã o durante a visita.
A universidade reservou uma suı́te real graciosamente decorada no
Waldorf Astoria Caledonian hotel para os Emersons. O professor
prontamente colocou Rebeca na suı́te real, e para ele e sua famı́lia,
reservou a suı́te Alexander Graham Bell, que forneceu uma vista do
Castelo de Edimburgo.
— Eles vã o pensar que você é uma diva — Julia sussurrou, enquanto
os mensageiros entregavam bagagem, carrinho e acessó rios de bebê
para sua suı́te.
— Bobagem — disse Gabriel, impaciente. — Estou cobrindo as
despesas adicionais. O que é isso para eles?
Julia mordeu o lá bio, imaginando como explicar. Mas quando ela viu
a vista do castelo atravé s das enormes janelas, ela decidiu deixar para
lá . Edimburgo era lindo. A suı́te era linda. E ela estava muito, muito
cansada.
Gabriel inspecionou o trabalho dos carregadores de malas e aprovou-
os generosamente, dando uma boa gorjeta. Entã o ele foi até onde Julia
estava parada perto da janela.
— Vá se deitar. — Ele acariciou sua bochecha carinhosamente.
— Eu pensei que deverı́amos icar acordados, por causa do jet lag. —
Contrariamente, Julia bocejou. — E hora de alimentar Clare.
— Alimente-a e depois se deite. Vou levá -la para passear de carrinho.
— Sé rio? Nã o acho que você tenha dormido no aviã o.
— Uma caminhada me fará bem, embora eu possa tirar uma soneca
esta tarde. Fomos convidados para jantar com o conselho da
universidade hoje à noite. A gala e a recepçã o sã o amanhã .
— Ok. — Julia bocejou novamente. Ela pegou Clare de seu carrinho
de bebê e a beijou antes de se acomodar em uma poltrona ao lado da
lareira. Os funcioná rios tinham acendido a lareira, o que a alegrava. — E
Rebecca?
— Ela decidiu explorar a cidade. — Os olhos de Gabriel brilharam. —
Eu acho que ela foi em busca de um Highlander.
— Boa sorte, Rebecca. — Julia cruzou os dedos para desejar sorte.
Capítulo Vinte e Dois
Estava chovendo.
O professor Emerson chegou à conclusã o de que os moradores de
Edimburgo precisavam de uma arca. Nã o tinha acontecido nada alé m de
chover desde que ele e Julianne chegaram ao castelo para o jantar.
Ele levantou a gola da capa de chuva Burberry e ajeitou o gorro de
tweed, trocando o guarda-chuva para a mã o esquerda. Depois que ele e
Julia chegaram ao hotel, Julia percebeu que eles estavam sem pomada
contra assaduras. E, como ela prontamente o lembrou, pomada contra
assaduras era essencial para a saú de do bebê .
Gabriel desceu as escadas para o lobby em busca do porteiro, mas
icou consternado ao descobrir que ele nã o estava lá .
— Isso nunca aconteceria no Plaza, — ele resmungou consigo
mesmo enquanto perguntava aos funcioná rios da recepçã o. De fato, o
Plaza Hotel em Nova York nunca deixou ele ou Julianne na mã o, nã o
importa a hora.
O professor icou ainda mais consternado ao saber que nã o havia
farmá cia 24h ou supermercado perto do hotel. Até o Marks & Spencer
na estaçã o Waverley estava fechado. E foi assim que ele se viu na
traseira do seu carro alugado, sendo guiado sob a chuva, até um grande
supermercado 24h em Leith, cerca de vinte minutos de distâ ncia.
Chegar ao supermercado era uma coisa; encontrar a pomada era
outra, especialmente porque o supermercado nã o parecia ter nenhuma
das marcas que eles usavam nos Estados Unidos. Gabriel ligou para
Julianne trê s vezes enquanto caminhava pelos corredores tentando em
vã o achar o item correto. Depois de ser informado pela esposa de que
ela estava indo dormir e que ela falaria com ele quando acordasse para
a pró xima amamentaçã o de Clare, ele comprou quatro produtos
diferentes, esperando que pelo menos um deles fosse su iciente.
Quando ele inalmente voltou ao Caledonian, estava de muito mau
humor. Ele fez uma careta para o iluminado Castelo de Edimburgo ao
sair do carro alugado. O porteiro o recebeu com um guarda-chuva
aberto e o acompanhou até o hotel.
Foi nesse momento que Gabriel recebeu uma mensagem de Jack
Mitchell.
Ele sacudiu a chuva do casaco e do gorro e foi direto ao Caley Bar
para poder ler o texto em particular. Ele pediu um café expresso duplo
ao barman, resmungando internamente sobre nã o poder pedir uı́sque.
É um crime contra a hospitalidade, ele pensou. Todo aquele lindo
uísque, apenas esperando pelo paladar certo para apreciá-lo. Com essa
chuva, provavelmente vou pegar pneumonia e morrer. Todos os
convidados da Sage Lectures deveriam receber antibióticos ao chegar.
Talvez como parte da acolhedora cesta de frutas.
Enquanto o garçom preparava o café , o professor retirou o celular do
bolso e leu o texto.
Nada do Nissan.
Se você o vir novamente, tire uma foto.
Irei veri icar a colega de quarto de J e o ilho do senador.
Na tarde seguinte
Old College
Universidade de Edimburgo
Isso é tudo muito grandioso, pensou Julia ao entrar a pé no pá tio do
Old College. A universidade em si era muito sé ria e feita de pedra,
erguendo-se na frente dela com altas janelas em arco e pilares
elegantes.
Já que Gabriel teve que chegar cedo, Graham concordou em
encontrar Julia no pá tio. Ele a cumprimentou com um sorriso amigá vel
e acompanhou-a até a entrada, tomando cuidado para evitar a grama
imaculadamente bem cuidada.
Julia icou agradecida por sua escolta universitá ria, pois nã o foi fá cil
encontrar a Playfair Library Hall. O salã o era iluminado e tinha um
grande teto de madeira. Pilares brancos cobriam o espaço, juntamente
com um uma sé rie de bustos de má rmore empoleirados no alto dos
rodapé s.
Julia encarou as estantes de livros e seu conteú do com inveja,
desejando ter tempo para explorar a coleçã o.
Quase todos os duzentos e cinquenta assentos no salã o estavam
ocupados. E houve uma grande sessã o de mı́dia reunida no fundo da
sala, atrá s da ú ltima ila de cadeiras. Julia notou que a BBC News estava
presente, juntamente com vá rias outras organizaçõ es de imprensa.
Graham acompanhou Julia até a primeira ila. Ela teve cuidado ao
andar de salto alto, determinada a nã o tropeçar na frente da multidã o
de pessoas.
Gabriel nã o estava em lugar nenhum.
— Eu vou te encontrar depois. — Ele a beijou em sua suı́te há mais
de uma hora atrá s e abaixou a voz para um sussurro. — Me encontre no
meu escritó rio depois da aula.
Julia tremeu com as palavras dele, que a izera lembrar da ordem que
ele lhe dera na primeira aula dele que ela assistiu.
Ele deve estar brincando, ela pensou, enquanto caminhava em direçã o
à primeira ila. Ele não tem escritório. Pelo menos ainda não.
Mas Gabriel nunca brinca sobre sexo. Nã o, sobre as artes eró ticas ele
sempre era sé rio.
O que signi ica que nós...
Julia nã o terminou o pensamento. Sentados na primeira ila havia
duas iguras que ela reconheceu.
Ela fez uma pausa, confusa.
— Aı́ está ela. — Katherine Picton levantou-se e foi até Julia. As duas
mulheres se abraçaram.
— Eu nã o sabia que você estava vindo, — Julia vacilou.
— Ouvi um boato de que o anú ncio deste ano do Sage Lecturer
valeria a pena.
Os olhos de Katherine brilhavam maliciosamente. — Eu nã o estou
sozinha. Eu acredito que você s dois já se conhecem?
Katherine recuou e gesticulou entre Julia e um homem idoso que
usava uma jaqueta tweed e calças de veludo escuro.
— Don Wodehouse. — O homem tirou os ó culos e estendeu a mã o
para Julia.
— Professor Wodehouse, é bom vê -lo novamente. — A voz de Julia
estava fraca, pois ela estava choque. Ela deu um sorriso.
— Graham. — O professor Wodehouse apertou a mã o de seu ex-
aluno, mas mesmo assim a saudaçã o foi incrivelmente legal.
Graham apareceu imperturbá vel com o comportamento do professor
e sorriu. — Julia tem contado sobre o trabalho dela sobre Guido da
Montefeltro.
Julia icou tensa.
— Sim, eu estou familiarizado com esse trabalho. — O professor
Wodehouse recolocou os ó culos no nariz. — Estou interessado em
ouvir o que a Sra. Emerson tem a dizer do tratamento de Dante sobre
Ulisses.
Julia se sentiu quase tonta. — Nã o me foquei nesse texto, mas estou
ansiosa para discutir isso com todos no workshop que você organizou
para abril.
Graham riu ao lado dela.
— Sim, haverá tempo de sobra para discutir Ulisses. — Katherine
cutucou o professor Wodehouse. — Nó s precisamos nos sentar. Vejo
que o convidado de honra chegou.
Naquele momento, Gabriel entrou no salã o com um grupo de
docentes da universidade, como se fossem da realeza.
Julia se viu sentada entre Graham e Katherine enquanto o professor
Wodehouse sentou em uma cadeira do outro lado de Katherine.
Gabriel e os outros se reuniram na plataforma elevada. Julia
reconheceu a maioria dos dignitá rios da recepçã o na noite anterior.
Tendo acabado de sobreviver a um breve desa io do professor
Wodehouse, que em todos os aspectos era intimidador, o coraçã o de
Julia batia rapidamente. Ela foi lembrada de como, mais de trê s anos
atrá s, ela se sentou no seminá rio de Gabriel na Universidade de Toronto
– uma jovem estudante de mestrado de verde que escondeu um amor
secreto por seu professor em seu coraçã o. O quã o longe eles chegariam.
Ela havia sobrevivido a Toronto e à separaçã o deles. Ela havia
sobrevivido à Christa Peterson e Paulina Gruscheva. Apesar de sua
timidez inerente, ela ganhou um lugar em Harvard. Só o que faltava era
ela terminar o programa e entã o ela, como Gabriel, teria a liberdade
acadê mica de estudar e escrever o que quisesse.
O professor Emerson parecia muito bonito, vestido com o sı́mbolo
vermelho da Harvard sobre um terno cinza. Sua camisa azul clara e
gravata azul escura faziam seus olhos de sa ira parecerem ainda mais
azuis.
Ela queria combinar com seu terno cinza, mas sucumbiu ao pedido
de ú ltima hora de vestir algo mais brilhante.
— Eu preciso ser capaz de encontrar você , — implorara Gabriel
durante o café da manhã . O som da sua voz era estranhamente
vulnerá vel.
Julia nã o pô de recusar. Vulnerabilidade era algo que ele evitava como
mediocridade. No entanto, ele poderia ser vulnerá vel com ela, em
particular. Ela valorizava e protegia aqueles momentos.
Entã o ela descartou o vestido cinza que queria usar e o substituiu
por um verde sem mangas. O vestido era modesto e caı́a em seus
joelhos, mas a cor era ousada e a gola larga expunha suas clavı́culas.
Gabriel havia previsto que a maioria da plateia estaria vestida com
cores escuras. Ele estava certo. Em um mar de preto, cinza e azul
marinho, seu vestido verde a tornava altamente visı́vel, que era
exatamente o que ele queria.
E ela usava saltos de sola vermelha. De alguma forma, sua perna
direita parecia melhor naquela manhã e entã o ela pensou que poderia
tentar. Ela esperava que Gabriel apreciasse a escolha dela.
Quando seus olhos inalmente encontraram os dela, ele icou muito
quieto. O diretor da universidade foi falando em seu ouvido, mas a
atençã o de Gabriel estava ixada em sua esposa. Seus lá bios se
curvaram em meio sorriso e ele deu a ela um olhar intenso e marcante
antes de voltar sua atençã o para o rosto do diretor.
Agora Julia podia respirar. Gabriel havia chegado e a encontrada. Ela
nunca esteve mais ansiosa para ser encontrada.
Julia se perguntou como Clare estava se adaptando a uma tarde com
Rebecca no hotel. Os ú ltimos dois dias foram as primeiras excursõ es
dos Emerson sem o bebê e Julia se sentiu curiosamente despojada. Para
resistir ao desejo de mandar uma mensagem para Rebecca, ela se
concentrou no vestido, percebendo a maneira como o material emitia
um brilho sutil sob as luzes. Entã o ela afagou seus cabelos. Ela usou-o
em um coque francê s, preso na parte de trá s da cabeça.
— Quando Gabriel terminar as Sage Lectures, ele estará no McEwan
Hall, que é muito maior. — Graham se inclinou para mais perto de seu
assento.
Ela olhou ao redor da sala. — Quanto maior?
— Esta sala acomoda apenas duzentas e cinquenta pessoas. McEwan
Hall tem capacidade para mil pessoas.
Julia engoliu em seco. Ela realmente nã o havia entendido a pompa
em torno das palestras, embora tenha icado impressionada com a
hospitalidade calorosa e generosa da universidade. Graham tem sido
muito gentil, assim como seus colegas. Parecia ser uma comunidade
maravilhosa.
O diretor da Escola de Literaturas, Idiomas e Culturas fez alguns
comentá rios e apresentou o diretor do Escritó rio de Pesquisa, que
passou muito tempo destacando o excelente per il de pesquisa da
universidade antes de descrever a importâ ncia das Sage Lectures no
campo das humanidades.
Julia percebeu que a linguagem corporal de Gabriel nunca mudava,
mesmo quando o diretor o apresentava e começava a catalogar a longa
lista de realizaçõ es de Gabriel. Os penetrantes olhos azuis de Gabriel
moviam-se sem pressa do diretor para Katherine Picton, com quem ele
trocou um sorriso caloroso e voltou.
Ele chamou a atençã o de Julia e piscou. Julia piscou de volta, sentindo
calor por todo o lado. Ela olhou em volta para o pú blico, observando a
presença do que parecia ser estudantes de graduaçã o e pó s-graduaçã o,
bem como membros do corpo docente e outros funcioná rios. Foi
quando algo clicou nela.
Gabriel nã o tinha alunos de pó s-graduaçã o. Sim, a Universidade de
Boston esperava que ele fosse capaz de atraı́-los, mas como os estudos
italianos nã o tinham um programa de pó s-graduaçã o, os estudantes
interessados em estudar Dante no nı́vel de mestrado ou doutorado
tinham que se matricular no Departamento de Religiã o, ao qual Gabriel
havia sido nomeado, mas um doutorado em religiã o nã o precisava de
um verdadeiro especialista em Dante, especialmente se ele ou ela
desejava ensinar em um departamento de italiano ou Estudos de
romance.
A Universidade de Edimburgo possui um programa de doutorado em
italiano.
Na verdade, ela estava sentada na frente de vá rios dos professores
desse programa, enquanto Professor Todd sentava-se ao lado dela.
O coraçã o de Julia perdeu uma batida. Gabriel havia aceitado o
emprego na Universidade de Boston para poder estar perto dela
enquanto ela estudava em Harvard. Mas pro issionalmente, o trabalho
nã o era o mais adequado. E Katherine Picton havia dito isso na
conversa em que sugerira que Julia passasse um semestre na Escó cia.
A Universidade de Edimburgo reconheceu as realizaçõ es de Gabriel.
As Sage Lectures estavam atraindo uma enorme atençã o, incluindo a da
mı́dia. Outras universidades e institutos de pesquisa notariam. Talvez
Edimburgo o convide para icar...
O diretor terminou sua apresentaçã o e Gabriel se juntou a ele no
pú lpito. Os homens apertaram as mã os.
Gabriel ajustou o microfone para acomodar sua altura de um metro e
oitenta e retirou os ó culos de aro preto de dentro do paletó . Um silê ncio
caiu sobre a plateia enquanto ele ajustava suas anotaçõ es em cima do
pú lpito.
— Senhor diretor, membros do Tribunal Universitá rio, colegas,
senhoras e senhores, você s me honram com a sua presença. Gostaria de
agradecer à Universidade de Edimburgo por seu convite generoso, o
qual eu aceitei com prazer.
— Agradeço també m à minha instituiçã o de origem da Universidade
de Boston pelo apoio à s minhas pesquisas. També m quero agradecer a
minha adorá vel esposa, Julianne. — Gabriel fez um gesto para ela. —
Por causa de seu apoio e do apoio da Universidade de Boston, poderei
me mudar para Edimburgo para o ano acadê mico de 2013-2014 e
ministrar as Sage Lectures.
— Fui convidado pela diretora a dizer algumas palavras sobre a sé rie
de palestras que pretendo apresentar no pró ximo ano, aqui na
incompará vel Universidade de Edimburgo. Permita-me dar inı́cio.
Ele limpou a garganta. — ‘Voi non dovreste mai, se non per morte, la
vostra donna, ch'è morta, obliare’. Dante fala em La Vita Nuova: ‘Nã o
devemos nos esquecer, a nã o ser quando morrermos, da nossa amada
de que nos foi tirada.
— Neste trabalho, Dante nos dá poesia de seu coraçã o, descrevendo
a constâ ncia de sua devoçã o a Beatrice. — Gabriel fez contato visual
com Julia, olhando-a por cima dos aros de seus ó culos.
— Dante Alighieri nasceu em Florença, Itá lia, em 1265. Ele é
conhecido por sua poesia e escritos polı́ticos, bem como por seu
ativismo na polı́tica Florentina. Mas ele també m é conhecido por seu
amor e pela paixã o nã o consumada por Beatrice.
— Dante conheceu Beatrice Portinari quando ambos tinham nove
anos. ‘Apparuit iam beatitudo vestra’, ele escreve. ‘Agora sua bem-
aventurança apareceu’.
— Dante e Beatrice se cruzaram novamente em 1283 e a saudaçã o
de Beatrice foi tã o emocionante, que Dante escreve que naquele
momento viu o ponto culminante da bem-aventurança. Esse momento é
imortalizado na pintura de Henry Holiday, Dante and Beatrice. – Gabriel
acenou com a cabeça em direçã o ao fundo da sala e uma projeçã o da
pintura apareceu em uma tela atrá s dele.
Julia prendeu a respiraçã o. A pintura era pessoal para ela e Gabriel e
por mais de uma razã o. Ele comprou uma có pia dela anos atrá s e a
manteve com ele desde entã o. E no momento, estava pendurado na
parede do quarto deles, em Cambridge.
— A vida de Dante é abalada por este segundo encontro com a
virtuosa e bela Beatrice. Ele a ama. Ele a adora. Ele dedica muito tempo
e atençã o para elogiá -la em pensamentos e na poesia, mas Beatrice se
casa com Simone dei Bardi em 1287. — Gabriel fez uma pausa, fazendo
contato com o pú blico. – Dante també m é casado. Mas ele nã o escreve
poesia em louvor à esposa dele. De fato, La Vita Nuova pinta a imagem
de um homem apaixonado e decidido que adora a esposa de outro
homem de longe.
— Isso é amor? E luxú ria? — Gabriel fez uma pausa. — E certamente
paixã o. Embora Dante e Beatrice tenham se tornado um modelo de
amor cortê s, a verdade é que nã o sabemos o que teria acontecido se ela
nã o tivesse morrido repentinamente aos 24 anos.
— Dante descreve uma conversa entre ele e a amante adú ltera
Francesca da Rimini em Inferno, canto cinco. Isso é uma pré via para o
que poderia ter acontecido, se Beatrice nã o tivesse morrido? Ou existe
um contexto diferente na conversa de Dante com Francesca? Vou
explorar minhas respostas à essas perguntas nas palestras.
Gabriel mudou as pá ginas de suas anotaçõ es.
— La Vita Nuova é o relato em primeira pessoa de Dante, de seus
encontros com Beatrice e seu amor por ela. Ele termina o poema com
uma promessa solene de estudar e mostrar-se digno, para que ele possa
escrever algo em homenagem a ela. Ele espera que sua alma esteja com
ela no Paraı́so depois que ele morrer.
Gabriel assentiu mais uma vez e uma nova imagem apareceu na tela
atrá s dele. — Isto é uma das ilustraçõ es de Sandro Botticelli da Divina
Comé dia. Nesta imagem, vemos Dante se declarando para Beatrice e
Beatrice revelando seu rosto. A conversa é gravada em Purgatorio,
canto trinta e um.
Gabriel olhou para suas anotaçõ es. Ele ajeitou os ó culos.
— Em La Vita Nuova, Dante nos fornece um relato da devoçã o
obsessiva de um homem à sua musa virtuosa. Muitos de você s
conhecem o resto da histó ria — como Dante lamentou a morte
prematura de Beatrice pelo resto de sua vida e como ele escreveu A
Divina Comé dia, pelo menos em parte como uma homenagem a ela. O
Inferno começa com a con issã o de Dante de que no meio de sua vida
ele perdeu o caminho certo e se desviou para as sombras.
— O poeta Virgil vem ao auxı́lio de Dante e explica que ele está lá a
pedido de Beatrice. Na conversa com Virgil, Beatrice identi ica Dante
como seu amigo e declara que está preocupado que ele esteja alé m do
resgate. Segundo ela, Dante foi desviado pelo medo.
— Mas é a abençoada Virgem Maria que vê a angú stia de Dante
primeiro. Maria diz à Santa Lú cia, e é Santa Lú cia que procura Beatrice,
se perguntando por que ela nã o ajudou o homem que a amava tanto
que deixou para trá s a multidã o vulgar. Ao ouvir isso, agraciada por seu
amor por ele, Beatrice se apressa em procurar Virgil.
— Avançando para o Purgatorio, canto trinta e um, temos um relato
muito diferente de Dante e seus problemas. Beatrice acusa Dante de
abandonar sua devoçã o por ela e deixar ser enganado por mulheres
jovens, a quem ela se refere como sereias.
Um murmú rio levantou-se da plateia. Ao lado de Julia, Katherine e
Professor Wodehouse trocaram um olhar.
— Dante responde à acusaçã o dela com vergonha. — Gabriel
pigarreou. — Mas entã o, algumas linhas depois, as trê s virtudes
teoló gicas imploram a Beatrice que volte seus olhos sagrados para ‘seu
iel nú mero um’, Dante. — Os olhos de Gabriel encontraram os de Julia e
ali permanecem.
— O que devemos fazer com a reversã o no Purgatorio? Beatrice
condena Dante por falta de fé e ele reage com vergonha. Entã o as
virtudes teoló gicas — fé , esperança e caridade — declaram que Dante
é , de fato, iel a Beatrice.
— Dante cumpriu sua promessa a Beatrice? Ou ele falhou? Por um
lado, temos um registro escrito da devoçã o de Dante a Beatrice, e esse
registro inclui A Divina Comé dia. Por outro lado, temos as palavras
duras de Beatrice – palavras que o pró prio Dante escreve – e a
subsequente eliminaçã o dos pecados de Dante no purgató rio.
— Nas Sage Lectures contraponho a troca de Dante com Francesca
com sua conversa com Beatrice. Vou lançar luz sobre o quebra-cabeça
literá rio da condenaçã o de Beatrice e o compromisso de Dante,
examinando o Purgatorio à luz de La Vita Nuova e A Divina Comé dia
como um todo.
— Dante é o autor dos trabalhos em questã o, mas ele també m é
um personagem da histó ria. Eu vou oferecer uma leitura à risca dos
textos que contrastarã o Dante, o autor, e Dante, o personagem. —
Gabriel sorriu maliciosamente, seus olhos azuis brilhando atrá s dos
ó culos. — Possivelmente o verdadeiro purgató rio de Dante consiste em
escrever o pró prio Purgatorio.
A plateia riu.
— Entã o convido você s, colegas e amigos, a se juntarem a mim em
uma jornada de redençã o. Nosso caminho seguirá atravé s do inferno e
do purgató rio e, eventualmente, chegará ao paraı́so. Ao longo do
caminho, conheceremos vilõ es e covardes, alé m de grandes homens e
mulheres de renome.
— Vamos explorar o que Dante pode nos ensinar sobre a natureza
humana e a humanidade da melhor e pior maneira possı́vel. E
aprenderemos mais sobre a extraordiná ria histó ria de amor de Dante e
Beatrice. Obrigado.
A plateia explodiu em aplausos.
Gabriel agradeceu a plateia com um aceno de cabeça, seu olhar
encontrando Julia. Ela sorriu enquanto aplauda e instantaneamente, os
ombros de Gabriel relaxaram.
Ela nã o havia percebido a tensã o que ele estava carregando, pois ele
a escondia bem.
O diretor do Escritó rio de Pesquisa apertou a mã o de Gabriel quando
ele voltava para seu assento. E o diretor fez algumas consideraçõ es
inais antes de convidar todos para uma recepçã o em um salã o vizinho.
Gabriel fez um movimento na direçã o de Julia, mas foi interceptado
pelo diretor, que o bateu no ombro.
Enquanto o pú blico saı́a e o diretor continuava a envolver Gabriel,
Julia se juntou à Katherine, Graham e o professor Wodehouse na
recepçã o.
— Onde você está no seu programa de pó s-graduaçã o? — Perguntou
o professor Wodehouse à Julia, enquanto seguravam seus copos de
vinho.
Julia provou o vinho à s pressas antes de responder. — Eu já concluı́
dois anos. No pró ximo outono, eu retomarei meus cursos inais e depois
faço minhas provas no inverno.
O professor Wodehouse franziu o cenho, o que realmente foi
bastante assustador. — Você disse no pró ximo outono? O que você está
fazendo agora?
— Estou de licença maternidade. — As bochechas de Julia icaram
vermelhas.
A carranca de Wodehouse se aprofundou. — Meu Deus. — Ele olhou
ao redor da sala. — Onde está o bebê ?
— Ela está com uma amiga no momento.
— E quantos anos tem sua ilha?
— Apenas seis semanas.
— Deus do cé u! — Ele exclamou, as sobrancelhas levantadas para a
linha do cabelo. Ele mediu Julia rapidamente. — Minha esposa nã o teria
viajado para Londres seis semanas apó s o parto, muito menos teria
pegado um aviã o e atravessado o Atlâ ntico. Agora eu entendo o que
Katherine quis dizer. — Ele bebeu de seu copo de vinho.
Julia olhou para Katherine, que estava conversando profundamente
com Graham a alguns passos de distâ ncia deles. Ela icou tentada a
perguntar o que, precisamente, Katherine havia dito. E ela achou a
tentaçã o grande demais para resistir. — Katherine?
— Katherine disse que você era mais tenaz que seu marido. Você o
conhece, obviamente, entã o você pode imaginar minha reaçã o ao
pronunciamento dela. — O professor Wodehouse olhou para Julia com
aprovaçã o. — Estou começando a pensar que Katherine está certa.
— Obrigada. — A voz de Julia estava um pouco fraca, parcialmente
porque ela estava tentando descobrir se o professor a estava elogiando
ou censurando.
— Entã o você está de licença este ano e seu marido estará em
Edimburgo no pró ximo ano. Presumo que você estará indo e voltando?
— Eu nã o sei. — Julia foi cuidadosamente nã o se comprometeu. Ela
queria mencionar seu plano de fazer o curso em Edimburgo e, em
seguida, retornar a Harvard para fazer as provas apó s as palestras
serem completadas, mas ela lembrou que nã o havia conversado com
Cecilia sobre isso. Cecilia e o Professor Wodehouse eram amigos, o que
signi icava que ela nã o podia mencionar seu plano. Pelo menos ainda
nã o.
— Tenho certeza de que você é tenaz o su iciente para resolver isso.
— A expressã o do professor Wodehouse mudou para o que poderia ter
sido um sorriso. Foi difı́cil dizer.
— Tenaz o su iciente para resolver o que? — A voz rá pida de
Katherine interrompeu.
Ela e Graham se aproximaram de Julia para participar da conversa.
— Viajar diariamente atravé s da lagoa. A senhora Emerson estará em
Harvard, enquanto o marido estará Edimburgo no ano que vem, —
explicou Wodehouse.
Graham e Katherine olharam para Julia.
Antes que ela pudesse responder, Gabriel apareceu, tendo se livrado
do sı́mbolo vermelho de Harvard. — Boa tarde a todos. Obrigado por
ter vindo.
Ele beijou Katherine na bochecha e apertou a mã o dos outros.
— Julianne — murmurou Gabriel. Seus olhos azuis irradiavam calor
e preocupaçã o, alı́vio e desejo.
Julia queria abraçá -lo, abraçá -lo com força e encontrar segurança em
seus braços. Mas haviam muitos olhos espiando.
Gabriel se moveu, pegando a mã o dela e acariciando o polegar entre
os nó s dos dedos.
Ele levou a mã o dela aos lá bios e deu um beijo prolongado na pele
dela, os olhos ixos nela.
— Logo, — seus lá bios sussurraram.
Julia sentiu o calor da pele.
Ele soltou a mã o dela e colocou a sua pró pria de forma protetora na
parte inferior das costas dela, depois virou-se para o Professor
Wodehouse. Eles trocaram alguns comentá rios antes que ele e Graham
se afastassem.
Julia segurou o cotovelo de Gabriel, ansiosa para contar o que
acabara de acontecer, mas eles foram interrompidos por um grupo de
professores.
Gabriel apresentou Julia e Katherine e eles trocaram gentilezas.
Como acolhimento, Katherine começou a conversar com um velho
amigo e Gabriel apresentou Julia a mais pessoas do que ela poderia
contar.
Finalmente, eles icaram sozinhos em um canto.
Gabriel se inclinou para frente, os lá bios pairando perto da orelha
dela. – Srta. Mitchell?
– Sim?
A respiraçã o de Gabriel sussurrou contra o pescoço dela. – E hora do
nosso encontro.
Capítulo Vinte e Cinco
Na tarde seguinte
Clube de Esgrima de Boston
Brighton, Massachusetts
Gabriel estava frustrado. Ele recebeu outro texto de Jack Mitchell.
De olho no colega de quarto e no ilho do senador.
Nada ainda.
Como sempre, Jack era a alma da brevidade. Gabriel teria que ligar
para ele para descobrir a interpretaçã o completa de sua mensagem.
Ao pensar nisso, Gabriel empurrou o sabre, se aquecendo antes de
enfrentar o oponente.
Ele nã o havia contado a Julianne sobre a mais recente missã o do
Nissan preto ou de seu tio Jack. Desde que nã o havia tido nada a relatar,
pelo menos até o momento, sua decisã o foi justi icada. Mas havia outras
preocupaçõ es mais profundas que pesavam sobre ele.
Julianne tinha sido in lexı́vel de que ele nã o interferisse com Cecilia.
Embora ele pudesse ter ignorado os desejos de Julianne, ele nã o faria
isso. O que signi icava que ele estava se sentindo impotente, alé m de
estar com raiva. A impotê ncia nã o era um estado com o qual ele estava
familiarizado, razã o pela qual ele estava no seu clube de esgrima,
trabalhando suas mú ltiplas frustraçõ es.
Seu treinador e parceiro de esgrima era Michel, um cavalheiro quieto
e mais velho que vinha de Montreal. Michel era um ex-atleta olı́mpico e
um oponente formidá vel. Gabriel o admirava.
Gabriel preferiu o sabre ao lorete e à espada, porque era o mais
rá pido dos trê s eventos de esgrima. Ele recompensou a agressã o pelo
direito de passagem e usou uma arma mais pesada. A capacidade de
cortar o sabre foi enormemente satisfató ria.
Gabriel queria desa iar os inimigos de Julianne para um duelo, um
por um. Mas ele teria que contentar-se em cercar seu treinador. Os
homens vestiram seus capacetes e se saudaram.
Um dos outros membros do clube, que estava atuando como á rbitro,
gritou: — En garde. Prê ts? Allez!
E a luta começou. Michel atacou imediatamente e Gabriel se afastou,
continuando em uma resposta. Michel rapidamente desviou e fez
contato com o ombro direito de Gabriel, marcando um ponto.
Quando os esgrimistas recuaram para as linhas de garde, Gabriel
ajustou o capacete.
O á rbitro gritou e a luta recomeçou.
Gabriel e Michel usavam uniformes condutores que eram conectados
atravé s de cabos longos até uma caixa eletrô nica. Os cabos em si eram
retrá teis, para nã o restringir o movimento. Quando uma parte vá lida do
corpo era atingida, a caixa registrava um ponto. No entanto, foi o
trabalho do á rbitro para determinar o direito de passagem; apenas
esgrimistas com direito de passagem poderiam marcar um ponto.
Gabriel sabia que poderia ter resolvido sua agressã o batendo no saco
de pancada na academia. Mas a esgrima canalizou sua raiva e a
amorteceu. Para praticar esgrima, ele teve que forçar manter a calma e
se concentrar.
Michel aproveitou toda e qualquer fraqueza e foi especialmente
talentoso em desvios circulares e ripostes. Gabriel era mais jovem e
mais rá pido. Ele desviou uma agressã o e lançou um contra-ataque,
acertando o capacete de Michel, que era um alvo vá lido.
Os esgrimistas lutavam, para frente e para trá s e para frente e para
trá s, em breves ataques controlados. A pontuaçã o de Michel começou a
subir e Gabriel lutou para alcançá -lo.
Ele estava suando sob o uniforme. Ambos os esgrimistas começaram
a remover seus capacetes para secar seus rostos entre os pontos.
Finalmente, Michel alcançou quinze pontos e a luta terminou. Gabriel
tirou o capacete, apertou a mã o do treinador e apertou a mã o do á rbitro
em exercı́cio.
— Sua mente está em outro lugar. — Michel repreendeu Gabriel em
francê s.
Gabriel apertou os lá bios. Nã o havia por que negar.
— Um pequeno intervalo, entã o novamente. — Michel apontou para
uma ila pró xima de cadeiras e caminhou para falar com outro
esgrimista.
Obediente, Gabriel sentou-se e bebeu da garrafa de á gua.
Julianne era seu sol e sua lua. Algué m a tratara injustamente,
levando-a à s lá grimas.
Ele esfregou o rosto com uma toalha e apoiou os braços nos joelhos.
Ele nã o queria ir para Edimburgo sozinho.
Mudar a mente de Cecilia seria difı́cil, se nã o impossı́vel,
principalmente porque ela parecia ter tomado o sucesso recente de
Gabriel como uma acusaçã o de sua carreira. Gabriel queria que Julianne
a enfrentasse - blefasse. Mas Julia queria esperar e se reagrupar.
Gabriel nã o era um homem de espera. Ele nunca foi assim, mesmo
depois de sua experiê ncia na Cripta de Sã o Francisco. Gabriel era um
lutador. Ele estaria condenado se passasse uma semana longe de sua
esposa e ilha, e muito menos um ano inteiro. E especialmente nã o por
causa do orgulho ferido de alguma professora.
Michel apareceu na frente dele e chutou seu pé . — Vamos. E desta
vez, você precisa focar. Minha avó poderia te superar hoje. E ela morreu
trinta anos atrá s.
Gabriel levantou a cabeça e lançou ao treinador um olhar que teria
congelado á gua. Michel pareceu estar se divertindo. — Boa tarde,
Gabriel. Eu estava esperando você aparecer.
Com uma risada, Michel recuperou o á rbitro.
Gabriel o seguiu, exalando fogo.
Capítulo Trinta
Halloween
31 de Outubro de 2012
Cambridge, Massachusetts
O celular de Julianne vibrou com uma mensagem de texto.
Ela e Gabriel saı́ram para pedir doces com Clare, enquanto Rebecca
icou em casa para distribuir doces. Clare, que ainda nã o tinha dois
meses, estava vestida de abó bora. Ela usava um macacã o debaixo de um
colete laranja com os olhos, o nariz e a boca do personagem ‘’Jack O’
Lantern’’. E ela usava um boné laranja com um caule preso a ele.
Gabriel tirou uma in inidade de fotogra ias da referida abó bora antes
mesmo de deixarem a casa.
Ele havia se recusado a levar Clare a pedir doces ou travessuras, dada
a tenra idade dela, mas uma vez que Julia a vestiu com o traje, ele
mudou de ideia. O papai orgulhoso segurou Clare em seus braços,
apresentando-a aos vizinhos, alguns dos quais comentaram a
extravagâ ncia de lamingos que apareceram no gramado dos Emersons
em setembro. E o ú nico lamingo de ó culos escuros que ainda estava no
jardim da frente, para a vergonha de Gabriel e alegria de Julia.
O texto no telefone de Julia dizia:
Ei, Rach.
Sinto muito.
Nó s estamos pedindo doces.
Me liga.
Bjs, J.
— Nã o tenho notı́cias dela desde antes de irmos para a Escó cia. —
Gabriel ajustou o gorro de Clare, pois o tronco dela tinha caı́do. Ela
procurou a mã e por cima do ombro dele.
— Eu mandei uma mensagem para ela sobre o que aconteceu com
Cecilia. — Com isso, Gabriel olhou com raiva. — Temos mantido contato
por telefone.
Um momento depois, o telefone de Julia tocou. Ela icou na calçada
enquanto Gabriel carregava Clare na porta da vizinha da frente, Leslie.
— Jules! O que Clare está vestindo? — A voz de Rachel era
exuberante, o que fez Julia relaxar. Na ú ltima vez em que se viram,
Rachel estava muito infeliz.
— Ela está vestida como uma abó bora. Tiramos muitas fotos. Vou
enviar por e-mail para você . — Julia assistiu Leslie abrir a porta e reagir
com prazer ao ver Gabriel e seu bebê . Julia colocou Rachel no viva-voz
para poder tirar fotos de sua famı́lia discretamente.
— Bom — disse Rachel. — Ouça, me desculpe por nã o ter ligado
quando você me contou o que aconteceu com sua supervisora. Como
você está se sentindo?
Julia calculou suas palavras cuidadosamente. Ela explicou sobre a
palestra de Gabriel e sua diferença de opiniã o sobre o que fazer com
Cecilia.
Rachel icou horrorizada. — Sinto muito, mas eu nã o deixaria essa
mulher ditar o meu futuro. Alunos estudam no exterior o tempo todo.
— Infelizmente, quando você é um estudante de graduaçã o, está sob
o comando de sua supervisora. Se ela me deixar, e pode, sem ter que
justi icar sua decisã o para ningué m, entã o estou ferrada. Nã o terei um
supervisor e isso me atrasará por meses, se nã o um ano.
Rachel xingou alto. — O que Katherine disse?
— Eu nã o disse a ela.
— Você nã o contou a ela? — Rachel praticamente gritou. — Você é
louca? Katherine é como a mulher maravilha em um terninho
apropriado para a idade. Ela pode consertar qualquer coisa.
Julia abafou uma risada. — Ela está em Oxford este ano. Nã o há nada
que ela possa fazer.
— Eu pensei que ela estava mudando para Harvard.
— Nã o até o pró ximo ano.
— Entã o trabalhe com ela, em vez disso.
— Nã o é tã o simples assim. Nã o posso trabalhar com ela até que ela
chegue. E icará ruim se Cecilia se recusar a fazer parte do meu comitê .
As pessoas vã o icar sabendo.
— Mas Katherine é a Mulher Maravilha. Por que você gostaria de
trabalhar com a Viú va Negra, quando você pode trabalhar com a Mulher
Maravilha?
— Eu pensei que as viú vas negras eram aranhas.
— Mantenha-se atualizada, Jules. Viú va Negra é uma super-heroı́na
dos Vingadores. Você quer que eu vá falar com ela?
Julia fez um som borbulhante estranho na garganta. — Falar com
Cecilia?
— Sim.
— Nã o. Obrigada, mas nã o, nã o quero que você converse com Cecilia.
— Julia observou Gabriel caminhando em sua direçã o com Clare,
carregando uma sacola de doces. — Espero que Cecı́lia mude de
opiniã o antes do pró ximo verã o, que é quando eu tenho que acertar as
coisas com Edimburgo, se eu for.
— A academia é fodida, sé rio. Eu pensei que a polı́tica do prefeito da
Filadé l ia fosse disfuncional, mas a academia é um outro nı́vel.
— Você nã o está errada.
— Falando em viú vas negras, o que está acontecendo entre Rebecca e
meu pai? — Rachel mudou o assunto.
Julia trancou os olhos com o marido, que ouvira a pergunta de
Rachel.
Gabriel deu a Julia um olhar interrogativo. — Por que ela está
perguntando isso?
— Nada está acontecendo. — respondeu Julia. — Rebecca está aqui,
conosco. Richard está em Selinsgrove. Nã o chegou nada dele pelo
correio.
— Eles provavelmente estã o trocando nudes.
— Rachel! — Gabriel exclamou, parecendo um pouco verde.
— Diga ao meu irmã o que estou brincando. Papai nem sabe mandar
mensagens. — disse Rachel, sombria. — Ei, eu sei. Por que nã o
arranjamos o papai com Katherine?
Julia silenciosamente olhou para o telefone. — Você sabe quantos
anos Katherine tem?
— Nã o.
— Bem, ela é muito mais velha que Richard.
— Sim, bem, a Mulher Maravilha era muito mais velha que Steve
Trevor. Funcionou para eles.
— Deixe-me falar com ela. — Gabriel trocou Clare pelo celular de
Julia. — Sou eu. — ele anunciou. — Por que você está perguntando
sobre Rebecca e Richard?
— Foi apenas uma pergunta. — Rachel retrucou humildemente. —
Eu estava pensando se as coisas estavam. . . progredindo.
— Eles foram jantar.
— Entã o eles foram a um encontro depois que Aaron e eu saı́mos.
Gabriel levantou o rosto para o cé u, como se procurasse intervençã o
divina. — Embora nenhum deles me informou sobre o adjetivo correto
para descrever o jantar, posso dizer que nã o era um encontro.
— Como você sabe?
— Porque eu conheço Richard. — Gabriel parecia impaciente. — O
que levanta a questã o, por que você está perguntando para mim e nã o
para o seu pai?
Rachel icou em silê ncio por um momento. — Ele també m é seu pai.
— Repito a pergunta.
Julia bateu no braço dele e olhou para ele.
Ele deu de ombros e ela lhe deu um olhar de repreensã o.
Gabriel apertou os lá bios. — Nã o pretendo ser antipá tico.
Julia arregalou os olhos.
— Como você está se sentindo, Rachel? — Ele deu a Julia um olhar
como se dissesse Viu? Eu posso ser sensı́vel.
— Estou bem. Eu só nã o quero ser pega de surpresa, sabe? Caso
nosso pai decida convidar Rebecca em casa para o Dia de Açã o de
Graças.
— Isso nã o vai acontecer. — disse Gabriel com irmeza. — Rebecca já
reservou seu voo para Colorado para ver seu ilho. Ela está passando o
Dia de Açã o de Graças e o Natal com seus ilhos e nem sequer
mencionou a possibilidade de visitar Selinsgrove.
— Ok. — Rachel parecia aliviada.
— Você precisa falar com Richard. — Gabriel baixou a voz.
— Tudo certo. Aaron acabou de chegar em casa. Eu tenho que ir. Diga
a Jules e Clare que eu as amo e me envie fotos de sua fantasia.
Os lá bios de Gabriel levantaram. — Eu vou. Ela está ó tima.
— Tchau, Gabriel. — Rachel terminou a ligaçã o.
O olhar de Julia encontrou o de Gabriel. — Sobre o que era tudo isso?
— Ela está tirando conclusõ es porque é muito teimosa para falar
diretamente com Richard.
Gabriel entregou a Julia o saco de doces que eles estavam coletando e
pegou Clare nos braços.
— Vamos, abó borazinha. Há mais vizinhos para conhecer.
— Se vamos continuar andando, preciso de uma barra de chocolate.
— Julia examinou o conteú do de a sacola de doces. Ela desembrulhou
um pouco de chocolate e deu uma grande mordida antes de alimentar
Gabriel. — Nã o sei o que vamos fazer com todas essas coisas. Você sabe
que os bebê s nã o podem comer doce.
— Ah, sim, eu estou ciente disso. — Gabriel se inclinou para outra
mordida.
Julia o alimentou e ele lambeu o chocolate derretido dos dedos dela.
Ela olhou dos dedos para a boca dele.
Ele deu uma lambida sensual no lá bio inferior. — Tenho certeza de
que encontraremos um uso para isso, senhora Emerson. Mais duas
casas e depois podemos explorar os usos eró ticos do chocolate em casa.
Vamos lá . — Ele começou caminhando na direçã o da pró xima casa.
Julia olhou para os dedos e depois correu atrá s dele.
Capítulo Trinta e Um
Ação de Graças
Novembro de 2012
Selinsgrove, Pennsylvania
Esse peru está bonito. — Scott Clark, irmã o de Gabriel e Rachel, olhou
admiradamente do outro lado da sala. Scott tinha um metro e noventa e
dois e ombros largos, com cabelos loiros e olhos cinzentos, e era casado
com Tammy. Ele adotou o ilho de Tammy, Quinn, quando eles se
casaram.
O peru em questã o era Clare, que usava uma fantasia de sua tia
Rachel. Quinn, que tinha trê s anos, estava sentado ao lado da bebê , que
estava deitada em um cobertor. Ele estava tentando entregar seus
brinquedos, o que provocou gritos de alegria e riso. Ocasionalmente, ele
acariciava sua cabeça.
— Obrigado por perceber a roupa. — Rachel sentou no chã o para
brincar com as crianças. Ela estava feliz por estar em casa, mesmo que
um pouco nostá lgica. E embora ela nã o tivesse mencionado, ela icou
aliviada por Rebecca estar em Colorado para o feriado.
O pai dela nã o a via desde a visita dele em setembro, ou entã o Julia
teria dito. Rachel sentiu uma pontada de culpa por sentir ciú mes da
amizade de seu pai com uma mulher da idade dele. Parecia que sua dor
era mais profunda do que ela percebeu.
Ela se virou para olhar as janelas da frente. Julia tinha colocado uma
bateria de velas em cada um deles, um costume em Massachusetts.
Rachel nã o pô de deixar de lembrar de sua mã e fazendo a mesma coisa,
mas com uma ú nica vela acesa que esperava pelo retorno de Gabriel.
Gabriel entrou na sala carregando um enorme peru em uma travessa
e pô s no meio da mesa da sala de jantar. — Jantar está servido.
A famı́lia encontrou suas cadeiras. Scott colocou Quinn em uma
cadeira alta entre Tammy e ele pró prio. Rachel insistiu em segurar
Clare enquanto Julia comia, preferindo comer mais tarde. E como
sempre, Richard sentou-se à cabeceira da mesa, sorrindo
orgulhosamente para seus ilhos e seus cô njuges.
— Vamos orar — ele anunciou. Todo mundo estava de mã os dadas.
— Nosso Pai, nó s agradecemos por este dia e pelas muitas bê nçã os
que nos deram. Obrigado por Grace e por nossos ilhos. Obrigado por
suas esposas e marido e por seus ilhos. Obrigado pela adiçã o da
pequena Clare, que é tã o alegre. Que Você nos mantenha a salvo. Que
Você nos mostre Sua luz. Abençoe esta comida e as mã os que a
prepararam. Amé m.
Rachel disse Amé m, mas ela nã o fechou os olhos. Ainda no meio de
sua oraçã o, ela sentiu uma presença reconfortante. Ela desejava que a
presença fosse a de sua mã e.
Enquanto Richard esculpia o peru, ele se dirigiu a Julia, que estava
sentada à sua direita.
— Quando Tom e sua famı́lia estarã o vindo?
— Eles deveriam vir amanhã , mas Tommy estava com febre esta
manhã e eles estã o no Hospital Infantil da Filadé l ia. Diane diz que
Tommy vai icar bem, mas eles o consentiram para observaçã o. — Julia
ajudou Richard a servir o peru e começou a passar servindo pratos
amontoados com legumes.
— Sinto muito, Jules. — A voz de Scott era gentil. Ele lhe deu um
olhar solidá rio.
— Tommy já teve duas grandes cirurgias cardı́acas, e ele deveria ter
outra em breve. Meu pai e Diane enviam o melhor para todos. — Julia
deu a Scott um sorriso tenso.
— O que há de errado com seu irmã o? — Tammy perguntou em voz
baixa.
— Ele nasceu com sı́ndrome de hipoplasia do coraçã o esquerdo, o
que signi ica que o lado esquerdo do coraçã o dele nã o estava
desenvolvido — explicou Julia. — Mas o Hospital Infantil tem tratado
um nú mero de bebê s com a mesma condiçã o. Entã o ele está em boas
mã os.
— Onde está Rebecca? Gabriel disse que ela fez as tortas e os
pã ezinhos. — Scott começou a en iar um dos rolos na boca, ignorando
absolutamente o olhar de morte que ele estava recebendo de sua irmã .
— O ilho dela mora no Colorado e ela está passando o feriado com
ele.
Julia olhou para Rachel pelo canto do olho e se ocupou colocando
comida em seu prato.
— Como você se sente sobre Rebecca, pai? — Scott continuou. — Ela
é uma boa senhora. Uma cozinheira do inferno.
Richard gelou, suspendendo a faca e o garfo no ar.
— Sé rio, Scott. Existe uma mina terrestre em que você nã o pisou? —
Rachel estourou. — Oh, espera. Eu tenho uma. Todo mundo já passou
por uma visita da mamã e, exceto eu.
— Do que você está falando? — Perguntou Scott. — Que visita?
Rachel olhou para o irmã o por um instante. — Bem, pelo menos eu
nã o sou a ú nica.
— Nã o é a ú nica o que? — As sobrancelhas de Scott se levantaram
— Rachel. — Richard deu à ilha um olhar de dor.
Ela virou o rosto.
Um silê ncio desconfortá vel encheu a sala.
— Temos algumas novidades. — Aaron mudou de assunto, colocando
o braço em torno de sua esposa. — Me ofereceram um emprego na
Microsoft da Nova Inglaterra. E eu aceitei.
— O que? Parabé ns! — Scott esticou o braço sobre a mesa para
apertar a mã o de Aaron. — Eu pensei que você já trabalhava para a
Microsoft.
— Isso é mais orientado à pesquisa. Eu vou trabalhar com uma
equipe de programadores, em Cambridge. — Aaron abraçou os ombros
de Rachel. — Eu começo em janeiro.
— Você estará mais perto de Gabriel e Julia. — Richard sorriu e
continuou entalhando o peru, os exuberantes parabé ns passaram pela
mesa.
Julia olhou para Rachel cautelosamente.
— E você , Rach? — Scott perguntou. — E o seu trabalho no escritó rio
do prefeito na Filadé l ia?
Todo mundo olhou para ela com expectativa. Ela ressaltou Clare no
colo. — Eu entreguei o meu aviso porque encontrei outro emprego. Fui
contratada para ser uma supervisora de relaçõ es pú blicas do Dunkin
'Donuts em Canton, nos arredores de Boston. Dunkie está na mesma
empresa que Baskin-Robbins, o que signi ica que vou receber café ,
rosquinhas e sorvete ilimitados. — Rachel soprou uma framboesa
contra o pescoço de Clare e a bebê gritou.
— Esse é um emprego dos sonhos. — Observou Tammy. — Eu amo
Dunkie.
— Exatamente. — Rachel sentou-se um pouco mais ereta. — Eles
tê m um reconhecimento incrı́vel da marca e todos os amam. A sede
corporativa é casual; eu vou ser capaz de usar jeans para trabalhar. E
eles tê m muitos incentivos e vantagens. — Ela trocou um olhar com
Aaron, que sorriu.
— Estou tã o feliz por você . — Julia abraçou a amiga. — Você estará
mais perto de nó s e você poderá ver mais da Clare.
— Colocamos nosso condomı́nio à venda. Espero que fechemos antes
de nos mudar. Agora estamos procurando um lugar para morar. —
Rachel bateu seus cı́lios para seu o irmã o.
Gabriel trocou um olhar com Julianne. — Onde você s querem morar?
Canton? Back Bay?
— Nó s nã o sabemos. — Aaron interrompeu. — Precisamos vender
nosso lugar primeiro e precisamos considerar o tempo de viagem de
Rachel.
— Dirigir para Canton todos os dias será cansativo. — Anunciou
Gabriel. — Você s podem morar na costa sul e ter Aaron viajando para
Cambridge.
— Quem quer morar na costa sul? Queremos estar onde a açã o está .
E onde está o bebê . — Rachel jogou Clare no colo.
Julianne abriu a boca, mas antes que ela pudesse convidar Rachel e
Aaron para icar em Cambridge, Gabriel agarrou a mã o dela debaixo da
mesa. E apertou.
— Vamos discutir isso mais tarde. — Ele sussurrou em seu ouvido.
— Mas aconteça o que acontecer. — Rachel continuou. — Estaremos
por perto enquanto você está em Edimburgo, Gabriel. O que signi ica
que podemos ajudar Julia enquanto você estiver fora.
Gabriel começou. Embora seus olhos olhassem diretamente para os
de Rachel, suas palavras foram dirigidas a sua esposa. — Eu nã o vou
sem elas.
Rachel pareceu confusa. — Eu pensei que Jules disse que sua
diretora está exigindo que ela ique em Harvard?
— Foi o que a diretora dela disse. — Gabriel tomou um gole de á gua.
— Eu me recuso a aceitar nã o como resposta.
Um longo olhar passou entre Julia e Gabriel. Os olhos dela
dispararam para Rachel e voltaram novamente. Ela levantou as
sobrancelhas para o marido. Ele empurrou a cadeira para trá s. —
Vamos brindar a Aaron e Rachel. Parabé ns pelas suas realizaçõ es. E boa
sorte com este novo capı́tulo da sua vida.
Todo mundo levantou o copo para brindar o casal.
Richard terminou de entalhar e servir o peru e inalmente se sentou.
Julia provou trê s ou quatro mordidas do jantar e Clare começou a
chorar
— Eu vou andar com ela. — Rachel levantou o bebê no ombro e se
levantou.
Poucos minutos depois, quando o bebê nã o se acalmava, Julia
interviu.
— Ela provavelmente está com fome. Vou levá -la para o andar de
cima para alimentá -la e já volto. Com licença, pessoal.
Ela beijou Clare na bochecha e subiu as escadas para o segundo
andar.
Crack!
Gabriel sentou-se, o rosto virando na direçã o do barulho.
— O que é isso? — Julia perguntou, segurando o cobertor contra o
peito nu.
Gabriel a silenciou, esforçando a audiçã o enquanto procurava por
suas roupas.
Snap! Outro galho quebrou, parecendo mais perto.
Gabriel se levantou e puxou suas roupas. Julia fez o mesmo, um
pouco atordoada.
Enquanto examinava a linha das á rvores, Gabriel percebeu o que
pensava ser o feixe de uma lanterna. Foi visı́vel apenas por um segundo
e depois desapareceu.
— Algué m está lá fora — ele sussurrou, puxando o casaco. — Eu
quero que você volte para casa o mais rá pido que puder.
Ele procurou a lanterna e começou a enrolar os cobertores.
— Devemos icar juntos, — Julia sussurrou de volta, empurrando os
braços no casaco dela.
Gabriel a ajudou a se levantar e entregou-lhe a lanterna. — Nã o.
Poderia apenas ser um adolescente, nos espionando. Ou poderia ser
outra coisa. Eu quero que você volte para casa. Você consegue
encontrar o caminho?
— O que mais poderia ser? Um cervo?
— Nã o há tempo -, Gabriel sibilou.
Julia notou seu tom agitado e decidiu nã o o pressionar. Ela dobrou os
cobertores debaixo do braço.
— Eu deveria chamar a polı́cia?
— Ainda nã o. — Gabriel a beijou na testa e apontou para a casa. —
Corra.
Julia acendeu a lanterna e correu para a loresta.
Capítulo Trinta e Seis
Oh meu Deus! — Rachel voou da pia para a porta dos fundos, espuma
e á gua ensaboada pingando de suas mã os.
Ela correu para o convé s dos fundos, exatamente quando Gabriel
atravessou o gramado, carregando Julia nos braços dele.
— O que aconteceu? — Rachel correu para o lado do irmã o, notando
que Julia estava consciente, mas seu rosto pá lido estava comprimido de
dor.
— Acho que ela quebrou o tornozelo. — As palavras de Gabriel foram
cortadas, como se ele també m estivesse com dor. Seu cabelo estava
despenteado, seu casaco manchado de sujeira, e lama estava
respingado em sua calça jeans.
— E quanto a você ? Você caiu?
Gabriel ignorou a pergunta de Rachel e passou por ela e Richard,
carregando Julia para dentro de casa.
Scott, Tammy e Aaron estavam todos reunidos na cozinha.
— Eu tropecei em um galho. — Julianne deu ao grupo um olhar
envergonhado. — E entã o nã o consegui me levantar. Eu teria pedido
ajuda, mas deixei meu celular no andar de cima.
— Você pode colocar peso nele? - Aaron deu um passo à frente, com
um olhar preocupado.
Julia balançou a cabeça.
— Vou levá -la para o hospital, — anunciou Gabriel. — Mas antes de
irmos, você s devem saber que acho que algué m estava lá fora. Eu o
persegui, mas nã o consegui encontrá -lo.
— Eu e Scott podemos sair e olhar em volta, — disse Aaron.
— Alé m disso, ique de olho em um Nissan preto com janelas
coloridas. Eu vi o mesmo carro do lado de fora de nossa casa em
Cambridge e na rua antes de irmos para a nossa caminhada.
— Você nunca me contou — sussurrou Julia. Os olhos dela
encontraram os de Gabriel e ele desviou o olhar.
— Deixe-me pegar um pouco de gelo. — Richard abriu o freezer e
removeu uma bandeja de cubos de gelo. Ele colocou o gelo em um saco
congelador, selou e embrulhou em uma toalha.
Julia pegou a bolsa de gelo com gratidã o.
— Você conseguiu uma placa? — Perguntou Scott.
— Nenhuma placa visı́vel.
— Devemos chamar a polı́cia? — Rachel interviu.
— Parece que temos policiais aqui todo Dia de Açã o de Graças. —
Scott cruzou os braços sobre o peito dele.
Gabriel parou na frente dele. — O ex-namorado de Julianne a atacou
em sua pró pria casa há trê s anos. Um carro estranho estava do lado de
fora da nossa casa em Cambridge em duas ocasiõ es separadas e, em
seguida, milagrosamente aparece neste bairro, no dia de açã o de graças.
O que você quer me dizer, Scott?
Scott descruzou os braços. — Foi Simon?
— Eu nã o sei. — Gabriel apertou a mandı́bula.
Um longo olhar passou entre os dois irmã os. Scott apontou para a
porta.
— Vou dar uma olhada ao redor com Aaron. Se virmos alguma coisa,
ligaremos para você .
— E a bebê ? — Julia conseguiu dizer, estremecendo de dor.
Gabriel icou parado por um momento. — Rachel?
Rachel passou por Scott. — Vou pegar a bolsa de fraldas. Tammy,
você pode colocar Clare em seu carrinho de bebê ? Nã o sabemos quanto
tempo Julia icará no hospital e a bebê precisará ser alimentada.
— Obrigado. — Gabriel se virou e levou Julianne para o carro.
Alguns minutos depois, Richard seguiu, carregando Clare.
Capítulo Trinta e Oito
1 de December de 2012
Cambridge, Massachusetts
Nada serve. — Gabriel falou em seu celular. Ele estava no quarto do
bebê com Clare e tinha acabado de trocá -la. Agora, ele estava tentando
vesti-la para o dia. Uma grande pilha de roupas estava espalhada ao
redor do trocador, todas descartadas.
Ele ligou para Julianne porque ela estava tomando café da manhã na
cama e descansando o tornozelo.
— O que é isso? —Julia brincou, reprimindo o riso.
—Eu tentei de tudo: macacõ es, vestidos, etc. E tudo minú sculo.
— Acho que há algumas roupas do tamanho de trê s a seis meses na
primeira gaveta da cô moda.
Gabriel abriu a gaveta e remexeu nela. — Tudo aqui é completamente
inadequado. Sã o roupas de verã o. Ela vai pegar pneumonia.
Ele pegou um vestido rosa com bordados e um par de coisas brancas
que pareciam calças, mas tinham pé s embutidos. — Encontrei algo que
pode funcionar temporariamente. Mas ela vai precisar de um sué ter. —
Ele colocou Julia no viva-voz e colocou o celular de lado.
— Temos toneladas de sué teres e moletons pendurados no armá rio.
Me deixe vê -la quando você terminar.
— Só por um minuto. — Gabriel respirou fundo quando ele segurou
o bebê com uma mã o e a outra esticou em direçã o ao armá rio. Ele
pegou um capuz rosa. — Vou levá -la para fazer compras.
— Você quer levar Clare para fazer compras?
— Ela deve ter tido um surto de crescimento. Estou dizendo, restam
apenas algumas coisas que servem e a maioria nã o aquece o su iciente.
— Com cuidado, ele vestiu as roupas brancas e abotoou o vestido nas
costas.
— Você vai levar Richard?
— Nã o. Rebecca pediu para tirar o dia de folga. Ela e Richard vã o
fazer um passeio a pé por Beacon Hill essa manhã e depois vã o ao
cinema.
— Huh. — disse Julia.
Gabriel se endireitou, ainda falando ao telefone. — Talvez eu nã o
deva deixar você sozinha.
— Estou bem. Com a tornozeleira, posso andar por aı́. Mas
provavelmente vou ler o dia todo. A lista de livros e artigos que Cecilia
me deu é enorme.
— Okay. — Gabriel pegou uma girafa macia de plá stico que Clare
começara a mastigar recentemente e a levantou até o ombro dele. —
Vamos, Principessa. Vamos ver a mamã e e vamos renovar seu guarda-
roupa.
Ele pegou o celular e saiu do quarto.
Mais tarde
12 de Dezembro de 2012
21 de Dezembro de 2012
Julia icou feliz que Rebecca nã o estivesse lá para surpreender o
intruso. Ela dormia levemente e acordava cedo algumas manhã s.
Felizmente, ela partiu
para o Colorado no dia anterior para passar o feriado de Natal com
seus ilhos.
Julia estava sentada no sofá da sala, segurando seu bebê dormindo.
Ela nã o queria Clare fora de sua vista.
A polı́cia de Cambridge estava vasculhando a casa e o quintal. Gabriel
estava andando por perto, tendo sido checado e liberado pelos
paramé dicos. Ele estava no telefone havia uma hora.
Julia enterrou o rosto no cabelo de Clare. Ela pensou que Gabriel
estava tendo um ataque cardı́aco. Ele estava pá lido e sem fô lego quando
ela o encontrou no corredor. A cor voltou ao seu rosto e agora ele estava
andando como um leã o enjaulado, zangado e frustrado. Como se ele
fosse rugir a qualquer momento.
Julia sussurrou uma oraçã o de agradecimento por ainda ter uma
famı́lia e abraçou Clare com mais força. Ela nã o tinha certeza de quanto
tempo icou sentada antes que um par de pé s descalços estivesse na sua
frente. (Notoriamente, deve—se concordar que até os pé s de Gabriel
eram atraentes.)
Ele nã o se incomodou em calçar algo e ainda usava um pijama de
lanela de tartan. Ele se agachou ao lado dela e colocou uma mã o
gentilmente no pescoço dela.
— Querida?
Ele afastou os cabelos do rosto dela.
— A empresa que instalou o sistema de segurança está enviando
algué m imediatamente. Segundo eles, o sistema ainda está armado. O
invasor deve ter contornado o alarme.
— Como isso é possı́vel?
O rosto de Gabriel icou sombrio.
— Eu nã o sei.
Julia balançou o bebê , indo e voltando.
— Ele nã o levou nenhuma joia. Ele nem abriu a caixa.
— Dinheiro, passaportes, eletrô nicos, obras de arte—tudo ainda está
aqui. A polı́cia está procurando por impressõ es digitais.
— Ele estava usando luvas.
Gabriel congelou.
— Ele tocou em você ?
— Nã o. — Julia sussurrou. — Quando acordei, eu o vi segurando a
pintura do Holiday. Eu vi as luvas.
— Quando subi, a pintura estava no chã o. O vidro quebrado.
— Ele deixou cair quando eu gritei.
— Mas você está bem? — Ele estendeu a mã o para acariciar a cabeça
de Clare. — Clare está bem?
— Eu nã o acho que ele passou pelo quarto dela. A porta ainda estava
fechada e eu nã o ouvi nada no monitor de bebê .
Gabriel passou a mã o pela boca. As coisas poderiam ter terminado de
maneira muito, muito diferente.
— Sinto muito pela pintura.
Gabriel apertou o joelho dela.
— Melhor a pintura do que você .
Julia pegou a mã o dele e o puxou para se sentar ao lado dela. Ela se
inclinou para o lado dele, tremendo.
Ele colocou os dois braços em volta dos ombros dela.
— Você vai icar bem. Você vai icar bem e Clare vai icar bem.
— Eu pensei que ele tinha a levado. — Uma lá grima escorreu pelo
rosto de Julia. — Eu pensei que você estava tendo um ataque cardı́aco.
— Eu só estava sem fô lego. Mas eu gostaria de uma dose de
Laphroaig agora.
— Eu també m.
— Vou pegar uma para você . — Ele falou contra a pele dela.
— Eu nã o acho que as mã es lactantes deveriam beber Laphroaig.
Mas se eu nã o estivesse amamentando, sim, eu beberia o seu Camp ire
Scotch.
Nã o era apropriado rir e Gabriel sabia disso. Ele a abraçou e conteve
o riso.
— Eu nã o tenho nenhum Laphroaig. Mas se você quiser uma bebida,
eu vou pegar uma.
— Talvez mais tarde. — O bebê se mexeu no ombro de Julia.
—Você quer que eu a carregue? Ela deve estar icando pesada
Julia balançou a cabeça.
— Eu preciso segurá -la.
— Senhor Emerson? — Um detetive à paisana se aproximou dele.
— Posso falar com o senhor por um minuto?
— Claro. — Gabriel beijou a esposa e seguiu o detetive até a
cozinha.
Julia continuou balançando para frente e para trá s, rezando para que
tudo acabasse logo. Eram trê s horas da manhã e ela queria voltar a
dormir. Mas nã o aqui, nã o com um sistema de segurança desativado e a
pintura de Dante e Beatrice quebrada no andar de cima.
Alguns minutos depois Gabriel voltou.
—Parece que o intruso entrou pelo jardim. Ele pulou a cerca e
atravessou o quintal até a porta dos fundos, ele deixou pegadas na neve.
Gabriel notou o movimento de balanço de Julia.
—Por que você nã o se deita? Vou segurar Clare.
—Eu nã o quero icar nesta casa nem mais um minuto. — Ela se
levantou.
—Tudo bem. — Gabriel coçou a barba por fazer. — Nó s vamos para
um hotel. Você quer fazer uma mala?
— Eu nã o quero ir lá em cima sozinha. — A voz de Julia estava muito
baixa. Quase partiu o coraçã o de Gabriel.
— Eu irei com você . Deixe—me dizer ao detetive. — Gabriel voltou à
cozinha por um momento e depois voltou para Julia. Ele pegou Clare
nos braços.
— Eu vou carrega—la até lá em cima. Me desculpe por ter dormido
no escritó rio, eu devia ter voltado para a cama.
— Eu estou bem — a voz de Julia icou rouca. — Mas eu tenho que
sair daqui.
— Vou ligar para o Lenox assim que chegarmos lá em cima. Embale o
que for necessá rio para um dia ou dois. Vou ligar para a empresa de
segurança e avisar que estamos saindo.
Julia assentiu.
Naquele momento, tudo o que ela queria era sair daquela casa com a
ilha. A empresa de segurança estava fazendo muito pouco.
Gabriel subiu a escada com Julia logo atrá s.
Enquanto Julianne estava no armá rio, fazendo as malas para ela e
Clare, Gabriel colocou o bebê em seu cercadinho. Ela ainda estava
dormindo.
Gabriel se virou e fez uma oraçã o silenciosa de agradecimento.
Ele foi até a mesa de cabeceira e estava prestes a pegar o carregador
do telefone quando pisou em alguma coisa.
— Filho de uma… — Gabriel levantou o pé para ver em que pisou.
— Você está bem? — Julia en iou a cabeça para fora do armá rio.
— Estou bem. Nã o é nada.
22 de Dezembro de 2012
Zermatt, Switzerland
Simon Talbot saiu do seu chalé no resort CERVO vestindo as luvas. Ele
estava indo encontrar amigos e familiares para tomar uma bebida no
lounge depois do esqui.
Ele nã o deu mais do que dois passos do lado de fora da porta quando
algo o atingiu com força. Ele foi voando para trá s na neve.
—Meu Deus! — Algué m disse em alemã o. — Eu sinto muito. Deixe-
me ajudá -lo.— Um homem grande, vestido com roupas de esqui,
estendeu a mã o. Ele levantou Simon atordoado, pedindo desculpas.
—Eu estou bem—, disse Simon em inglê s, tentando tirar a mã o do
punho forte do homem.
Em vez de soltá -lo, o homem o puxou para mais perto. —Esqueça o
nome de Julianne Emerson, ou da pró xima vez que eu te ver, você nã o
será capaz de se levantar.
Simon icou boquiaberto. Ele ainda estava em choque depois de ser
derrubado. Mas ouvir o homem mudar para o inglê s e mencionar o
nome dela...
Depois de alguns segundos de silê ncio atordoado, o rosto de Simon
endureceu — Diga ao marido imbecil dela que eu nã o iz nada. Ela nã o é
nada para mim.
O homem puxou Simon para mais perto, colocando-os nariz a nariz.
—Eu nã o trabalho para ele. E meu empregador nã o aceita falhas. Você
foi avisado.
Sem problemas, o homem en iou o punho no abdô men de Simon,
dobrando—o.
Sem olhar para trá s, o homem passou pelo chalé e desapareceu na
esquina.
Capítulo Quarenta e Nove
Hotel Lenox
Boston, Massachusetts
— A empresa de segurança? — Julia perguntou, sentada perto da
lareira na suı́te do hotel. Ela tinha o há bito de se enroscar em cadeiras
grandes e confortá veis, como um gato. Mas ela descobriu que sua perna
direita a incomodava em tal posiçã o e, portanto, seus pé s estavam
apoiados em um otomano.
O tornozelo dela ainda a incomodava de vez em quando, e ela ainda
usava uma cinta quando caminhava. Com o terror e a preocupaçã o que
acompanharam o arrombamento, ela mal notou o tornozelo e a
dormê ncia intermitente na perna. Ela ainda estava em choque, pensou,
e se recusara a sair do hotel. Gabriel havia contratado um desenhista
que trabalhava com a polı́cia local para se encontrar com eles na suı́te e
desenhar uma imagem do intruso que Gabriel havia enviado a Nicholas
e a Interpol.
Gabriel mal conseguia convencer Julia a descer até o restaurante
para jantar.
Apó s o jantar, os funcioná rios do hotel haviam acendido uma lareira
na suı́te.
Julia achou reconfortante o cheiro e o calor das chamas. Ela até
perturbou o concierge para enviá -la biscoitos, marshmallows e barras
de chocolate, e també m mais s’mores, para a diversã o de Gabriel.
Ele estava se entregando a todos os caprichos, no entanto, e o fazia
desde que deixaram sua casa. Ele nã o tinha ideia de como ela iria reagir
ao que ele estava prestes a lhe dizer. Entã o, ele esperou até que Julia
izesse e comesse mais s’mores do que era saudá vel, e també m se
alimentou, em um esforço para criar um ambiente o mais relaxado
possı́vel.
Ele tinha uma pequena garrafa de uı́sque no minibar pronto.
Agora ele estava deitado no chã o ao lado de Clare, que estava fora do
alcance do calor do fogo. Ela estava descansando de costas em um
tapete especial para bebê s, decorado com uma cena na selva. Um arco
coberto de tecido curvava—se sobre ela, onde havia luzes suspensas,
um espelho e alguns brinquedos.
Mas Clare só tinha olhos para o pai e a cabecinha estava virada para
ele.
—Olá , Clare — Gabriel falou em seu equivalente a conversa de bebê .
(O que quer dizer que ele falou normalmente.)
Clare mexeu os braços e as pernas e sorriu de volta.
—Essa é a minha garota— Gabriel sorriu ainda mais amplamente,
conversando com o bebê . Clare moveu os punhos gordinhos e
borbulhou.
Julia teve uma grande alegria na emoçã o de Gabriel. —Ela é muito
especı́ ica sobre com quem compartilha seus sorrisos.
Claro que ela é . Os melhores sorrisos dela sã o salvos para o papai —
Ele pegou a mã o de Clare e ela agarrou um dos dedos dele, apertando
— Rachel ligou mais cedo. Ela disse que você nã o está atendendo ao seu
celular.
Julia ajeitou o roupã o. —Eu desliguei. Eu nã o queria falar com
ningué m.
— Expliquei a ela o que aconteceu e liguei para Richard, que estava
compreensivelmente preocupado. Rachel ligou para avisar que
encontraram um apartamento em Charlestown.
—Charlestown? — Julia repetiu, surpresa.
—Eles estã o em um pré dio de apartamentos novinho em folha em
uma rua em ascensã o. E apenas temporá rio, enquanto eles procuram
um condomı́nio.
—Eu ligo para Rachel amanhã . Você ia me contar sobre sua reuniã o
com a empresa de segurança.
— Nicholas Cassirer providenciou para o homem que projetou o
sistema de segurança de sua famı́lia na Suı́ça dar uma olhada em nossa
casa. Eu o encontrei e seu associado esta tarde.
—E? — Julia incitou. Gabriel estava ensaiando as informaçõ es que
ela já sabia, o que signi icava que ele estava parado.
—Sinto muito pelo que aconteceu ontem à noite—, ele observou
tristemente. —Eu já peguei a pintura de Holiday para ser reformulada.
Eu me preocupo que emprestar nossas ilustraçõ es aos Uf izi tenha
atraı́do muito mais atençã o para nó s do que eu imaginava.
Julia mudou de posiçã o pró xima ao fogo. Foi ela quem quis
compartilhar as ilustraçõ es com o mundo. Mas ela nã o esperava que
algué m invadisse sua casa por causa disso.
— A famı́lia de Nicholas foi assaltada há vá rios anos. Os intrusos
pegaram algumas peças de valor inestimá vel, incluindo um Renoir.
Julia fez uma careta. —Passou no noticiá rio. Algué m foi morto.
—Sim — Gabriel cobriu os olhos por um momento — O consultor de
segurança foi muito minucioso. Ele olhou para o nosso sistema
existente, caminhou pela propriedade e examinou o perı́metro. Ele
passou por toda a casa.
—E o que ele disse?
—Ele se perguntou por que o invasor nã o levou nada, já que toda a
arte valiosa está no té rreo.
—Talvez ele fosse pegar alguma coisa, mas queria checar as escadas
primeiro — Julia estremeceu. O olhar dela se voltou para Clare.
— E possı́vel. Se você fosse ele, o que levaria?
—Eu nã o sei— Julia fez uma pausa, passando pela casa em sua
mente. — Tem a está tua de Vê nus. E valiosa, mas é pequena. Existe a
cerâ mica grega e romana.
— Provavelmente eu pegaria o esboço de Tom Thomson para 'The
Jack Pine'. A versã o inal está na Galeria Nacional do Canadá . Nossa casa
é mais fá cil de invadir do que isso.
— O intruso moveu o barco de Dante, de Cé zanne. Eu o encontrei
encostado na parede. Ele deve ter retirado para examinar as costas e a
moldura.
— Essa é provavelmente a peça mais valiosa. Por que ele nã o
roubou?
— Eu nã o sei.
—O original de Delacroix é oito vezes maior e está no Louvre. Mais
uma vez, nossa casa é mais fá cil de invadir.
—E a versã o de Cé zanne pode estar escondida debaixo de um casaco.
—Talvez ele tenha deixado na parede e pretendesse voltar por ela.
Mas nó s o surpreendemos.
—Talvez — Gabriel nã o parecia convencido — Enviei um inventá rio
para Nicholas. Ele ainda nã o me respondeu, mas espero que ele sinalize
essa peça como a mais desejá vel.
—Certo. Entã o, o que o especialista em segurança disse? Julia passou
os braços em volta da cintura, preparando—se para a resposta.
—Ele foi muito minucioso—, disse Gabriel lentamente — Mas ele
ressaltou que estamos expostos em Foster Place. Temos uma cerca na
parte de trá s, mas nã o na frente. Nossa porta lateral ica a alguns passos
da rua, para que qualquer pessoa possa subir. Ele pode atualizar nosso
sistema de segurança para algo de ponta, mas somos vulnerá veis nesse
local.
A cor do rosto de Julia iluminou vá rios tons. —O que ele sugeriu?
—Ele sugeriu que nos mudá ssemos.
Julia levou um momento para processar a sugestã o. — Mudar?
Vender a casa e mudar? Você está brincando?
—Nã o, ele sugeriu que nos mudá ssemos para uma casa com muros
adequados em um condomı́nio fechado.
—Onde?
— Newton. Chestnut Hill — Gabriel observou o rosto de Julia.
—Essas propriedades custam milhõ es de dó lares—, ela sussurrou.
Gabriel encolheu os ombros. —Viver em um complexo seria como
viver em uma gaiola. Quero morar em um bairro onde conhecemos
nossos vizinhos e posso levar Clare para passear na rua.
Gabriel se moveu para poder rolar de lado e ainda icar de olho em
Clare —Você nã o fará caminhadas por um tempo. Nã o é seguro.
—Isso supõ e que algué m está tentando machucar a mim e Clare. O
ladrã o estava interessado apenas em obras de arte.
Gabriel apertou os lá bios.
O olhar de Julia focou o dele. — O tio Jack disse que Simon estava
morando na Suı́ça e seu velho amigo da fraternidade desistiu de nos
perseguir. O que você nã o está me dizendo?
—Há uma coisa—, Gabriel disse. Ele pegou o celular da mesa de café
e percorreu as fotos até a ú ltima. —Aqui.
Julia pegou o telefone e olhou para a tela. —O que estou olhando?
—Eu acho que é um objeto memento mori. Eu mandei com o porteiro
da noite para o Dottor Vitali no Uf izi.
Julia examinou a imagem mais de perto. —Por quê ?
—Encontrei em casa, no chã o do nosso quarto.
Julia devolveu o telefone a Gabriel. — O ladrã o deve ter deixado cair.
Talvez tenha sido uma peça que ele roubou de outra pessoa.
—Talvez. Quando tiver notı́cias de Vitali , pedirei a Nicholas para me
colocar em contato com o ‘amigo’ dele na Interpol. Enviei a eles a
imagem do desenhista també m.
—Você reteve evidê ncias.
Gabriel fez uma careta. —Nã o estou retendo nada. Eu simplesmente
queria descobrir se poderı́amos rastrear a peça até um proprietá rio.
—Ou um roubo.
Gabriel colocou o celular de volta na mesa de café . —E por isso que
quero saber mais sobre a peça em si e sua histó ria.
—Simon ainda está na Suı́ça e está sendo vigiado. O amigo de Jack
está de olho em nó s, mas nã o está vigiando a casa vinte e quatro horas
por dia. No entanto, Jack me disse que o homem tomou essa situaçã o
como pessoal e agora está conduzindo sua pró pria investigaçã o.
—Estou inclinado a concordar com Nicholas que o ladrã o era um
pro issional e pode ser da Europa. Ele me amaldiçoou em italiano.
—Todo o North End de Boston pode te amaldiçoar em italiano.
Gabriel ergueu as sobrancelhas.
—Bem, talvez nã o todo o North End—, ela compadeceu —Mas
muitos de seus habitantes.
Gabriel voltou a sentar ao lado de Clare e pegou o coelho de
brinquedo que havia comprado na Barneys. Clare sorriu e balançou os
braços e as pernas.
—O que aconteceu com o coelho de Paul? — Julia perguntou.
Gabriel torceu o nariz. —Está por aı́.
—Você nã o jogou fora, jogou?
—Nã o — Gabriel suspirou—Ela gosta dele.
—Você quer se mudar?
Gabriel virou a cabeça para olhar para Julia. —Nã o. Gostei da casa
quando a compramos e adoro agora que a decoramos e a
transformamos em nossa casa.
— Minha prioridade é manter você e Clare seguras. Se houver uma
chance de outro assalto, pre iro que você s estejam em outro lugar. Isso
signi ica que precisamos nos mudar, pelo menos no curto prazo.
Julia desviou o olhar.
Gabriel tocou um nervo com seus ú ltimos comentá rios. Ela tinha
medo de voltar para casa, embora nã o quisesse dizer isso em voz alta.
Ela se perguntou se seria capaz de adormecer em seu pró prio quarto
novamente. Certamente, ela nã o podia imaginar colocar Clare no
berçá rio. Clare teria que dormir no quarto com eles.
—Temos que decidir hoje à noite? — Julia olhou para as chamas.
Gabriel deu a Clare o coelho. —Nã o. Nã o precisamos decidir nada
hoje à noite.
—E o especialista em segurança?
—Ele está a nosso serviço. Acho que seria sensato fazer com que ele
atualizasse o sistema de segurança, independentemente de mudarmos
ou nã o.
Julia encontrou o olhar de Gabriel. — Nó s deverı́amos partir para
Selinsgrove amanhã . Deverı́amos pegar Katherine no aeroporto.
— Rachel e Aaron vã o pegar Katherine. Prometo que estaremos em
Selinsgrove na vé spera de Natal.
— E o primeiro Natal de Clare.
— Será perfeito, eu prometo.
Julia olhou de volta para o fogo.
—Se a casa estiver vazia por algumas semanas, talvez o intruso faça a
sua jogada—, apontou Gabriel.
— Com um novo sistema de segurança? Se ele é um pro issional, ele
notará a atualizaçã o.
— Espero que isso o detenha. O tom de Gabriel icou duro —E se nã o,
ele será pego. Se fosse só eu, eu iria atrá s do ladrã o. Mas nã o estou
deixando você e nã o estou colocando você ou o bebê em risco.
—Você iria atrá s dele?
— Sim.
Julia começou a massagear as tê mporas com os dedos. —Nã o posso
lidar com isso agora.
Gabriel se levantou e cuidadosamente a abraçou, entã o ele estava
sentado na cadeira e ela estava aninhada no colo dele.
Ela enterrou o rosto no pescoço dele.—Nã o sei se vou conseguir
dormir esta noite.
Gabriel a abraçou com força. —Me desculpe, eu falhei com você .
—Você nã o me falhou. Você fez o que pô de e lutou contra o intruso e
de pijama, nada menos.
A expressã o de Gabriel permaneceu grave. —Vou dizer ao
especialista em segurança para começar a atualizar o sistema amanhã .
Entã o podemos nos concentrar no Natal. Eu nã o terminei minhas
compras.
—Eu pensei que você tinha terminado semanas atrá s.
—Talvez. Ele acariciou os arcos das sobrancelhas dela e gentilmente
acariciou suas bochechas.
Clare começou a chorar e Julia a pegou rapidamente.
—Sssshhhh—, Julia silenciou. —Tudo icará bem.
Gabriel observou sua esposa e ilha e rezou para que ela estivesse
certa.
Capítulo Cinquenta
Véspera de Natal
Selinsgrove, Pennsylvania
Gabriel estava sentado em uma poltrona no quarto principal,
segurando seu laptop. A tela do computador brilhava em azul na sala
escura. No canto oposto, uma luz noturna caprichosa projetava estrelas
cor de rosa no teto, acima do cercadinho de Clare.
As duas pessoas que ele mais amava no mundo estavam dormindo. A
exaustã o afetou Julianne e agora ela també m dormia profundamente.
Apenas Gabriel teve di iculdade para dormir.
Kurt, o contato de Nicholas, havia emitido um aviso a Simon.
Alegadamente, o aviso foi claro, conciso e persuasivo. Kurt duvidava
que Simon se aproximasse dos Emerson novamente, direta ou
indiretamente, mas continuou sua vigilâ ncia, apenas por precauçã o.
Nicholas examinou o inventá rio que Gabriel lhe enviou e concordou
que Cé zanne e Thomson eram os dois trabalhos com maior
probabilidade de atrair o interesse de colecionadores. Nicholas parecia
pensar que assaltos à arte, mesmo em casas particulares, eram mais
comuns do que se pensava.
Ele discutiu o memento mori com seu contato na Interpol e
compartilhou a fotogra ia do objeto e a imagem do autor do esboço.
Infelizmente, o objeto nã o apareceu no banco de dados de arte roubada
da Interpol.
Usando o software de reconhecimento facial, o esboço foi comparado
com imagens no banco de dados criminal da Interpol. Nã o houve
correspondê ncia.
Assim, Gabriel estava lidando com um ladrã o de arte pro issional que
ainda nã o havia capturado a atençã o da Interpol e que havia deixado
para trá s o que poderia ser um objeto esculpido com qualidade de
museu que nã o havia sido roubado. Foi tudo muito intrigante, até para
o professor Emerson. E quanto mais ele intrigava a invasã o de sua casa,
mais se distraı́a.
Ele nã o esperava trabalhar em suas palestras sá bias durante as fé rias
de Natal, mas estava lendo diariamente Dante e seus comentaristas.
Desde o arrombamento, Gabriel achou difı́cil se concentrar. Ele nã o
esperava trabalhar em suas palestras sá bias durante as fé rias de Natal,
mas estava lendo diariamente Dante e seus comentaristas. Desde o
arrombamento, Gabriel achou difı́cil se concentrar.
As palavras na tela do computador o provocaram.
Em Purgató rio, Beatriz disse a Dante que seu desejo por ela deveria
direcioná -lo ao bem maior, que era Deus. Entã o, o que em certo ponto
foi uma histó ria de amor româ ntico e cortê s se tornou uma histó ria do
amor que algué m deveria ter por Deus. E como a relaçã o entre Dante e
Deus foi transformada, a relaçã o entre Dante e Beatriz foi transformada,
ou assim Gabriel pensou.
Gabriel sabia que sua interpretaçã o poderia ser textual e
historicamente suportada. Mas ele se perguntou como o pú blico da
Escó cia reagiria. Apesar de sua nomeaçã o cruzada no Departamento de
Religiã o da Universidade de Boston, Gabriel nã o era um teó logo. E, ao
contrá rio de Dante, ele hesitava em se aventurar em tais assuntos.
Mas aqui estava ele, acordado na vé spera de Natal, re letindo sobre
os caprichos do amor, devoçã o e salvaçã o, enquanto os que ele mais
amava dormiam profundamente.
Quaisquer que sejam as promessas que Dante fez a Beatriz, ele icou
aqué m desses compromissos apó s a morte dela. Gabriel també m fez
promessas; primeiro, para sua esposa, e segundo, para sua ilha.
Como ele poderia deixá -las em Massachusetts enquanto se mudava
para a Escó cia? Algué m invadiu sua casa, tocou suas coisas e
potencialmente deixou para trá s uma ameaça. Ele nã o podia deixar
mais sua esposa e ilha desprotegidas do que poderia arrancar de bom
grado seu coraçã o.
Num piscar de olhos, seus dedos voaram pelo teclado,
Embora seja grato pelo seu convite generoso para que eu faça as
Intensivas em 2014, lamento ter que recusar. Se houvesse a
possibilidade de reagendar as palestras para uma data posterior, icaria
muito grato.
Peço desculpas por recusar nesta conjuntura e nessas circunstâ ncias.
No entanto, considero minha casa e minha famı́lia ameaçadas e,
portanto, nã o posso, em sã consciê ncia, me mudar para a Escó cia para o
ano acadê mico de 2013—2014.
Com muito arrependimento,
Professor Gabriel O. Emerson, PhD
Departamento de Estudos Româ nticos
Departamento de Religiã o
Universidade de Boston
Manhã de Natal
Selinsgrove, Pennsylvania
Gabriel estava ocupado.
Na verdade, à moda de Papai Noel, ele en iou as meias penduradas
com cuidado na lareira e colocou presentes embrulhados
cuidadosamente embaixo da á rvore de Natal.
(Nã o, ele mesmo nã o embrulhou os presentes. Ele fez o que todo
marido que se preze faz no Natal; ele fez os associados das vá rias lojas
embrulhar presentes para ele.)
Agora ele estava acendendo um fogo na lareira.
— Eu pensei que o Papai Noel usasse vermelho. — Gabriel
amaldiçoou, sua mã o segurando seu coraçã o.
Uma risada de coraçã o quente emanou da poltrona perto da janela.
Uma mã o enrugada estendeu a mã o e acendeu uma lâ mpada pró xima.
— Feliz Natal.
— Feliz Natal, Katherine. — Gabriel respirou fundo quando seu
coraçã o começou a bater normalmente. Ela deu a ele um susto e, desde
o arrombamento, ele se viu mais fá cil de assustar do que o habitual.
Ele olhou para o pijama que Julianne havia lhe dado na noite anterior
— lanela de tartan verde com imagens de alce impostas a eles.
— O Papai Noel é um ambientalista este ano e presta homenagem à
populaçã o de alces.
— Eu nã o quis assustar você . Ainda estou no horá rio de Oxford e
estou acordado há horas. Tomei a liberdade de fazer omelete assado
para todos. Espero que você nã o se importe.
— De modo nenhum.
— Deixei de fora os tomates porque algumas pessoas nã o gostam
deles. — Ela encheu novamente a xı́cara de chá de porcelana do bule ao
lado. — Estou agradecida por você ter permitido que eu convidasse a
mim mesma para o Natal. Eu cansei da minha famı́lia e das travessuras
deles. Você sabia que meu primo me ligou em novembro para dizer que
eles teriam um jantar de Natal vegano? Tenho tendê ncia para o
vegetarianismo, mas mesmo para mim, isso era uma ponte longe
demais. Eu sabia que você teria o bom senso de servir algo diferente de
Tofurkey.
— Ah sim. Julianne e Rachel estã o cozinhando um peru genuı́no.
— Excelente. — Katherine apertou os lá bios. — Eu tive uma conversa
interessante com sua irmã a caminho do aeroporto.
— Ah? — Gabriel sentou—se perto do fogo e se inclinou para frente,
descansando os antebraços sobre os joelhos.
— Sim. Ah. O que é isso sobre a sua casa ter sido assaltada? — Os
olhos azuis cinzentos de Katherine perfuraram os de Gabriel.
— Um intruso desativou o alarme de nossa casa e arrombou. Ele nã o
levou nada, mas nó s o surpreendemos e o expulsamos de casa.
— E uma maravilha que você nã o tenha se machucado! Obrigado
Senhor. E Julia e Clare estã o bem?
—Sim. Estamos atualizando o sistema de segurança e decidimos nã o
voltar para casa por um tempo, caso o ladrã o volte.
— Isso é terrı́vel. — Katherine estalou a lı́ngua.
— Sim. — Gabriel esfregou a parte de trá s do pescoço.
— Sua irmã també m me disse que Julia nã o vai para a Escó cia com
você .
Gabriel evitou os olhos perscrutadores de Katherine. — Julianne se
encontrou com Cecilia depois que voltamos de Edimburgo e perguntou
se ela aprovaria um semestre no exterior. Cecilia recusou.
— Qual foi o motivo dela? —Katherine franziu a testa.
— Ela disse que Harvard era melhor que Edimburgo. Ela disse que
pareceria fraca se enviasse Julianne para o exterior e que a
administraçã o já estava reclamando dela, perguntando por que ela nã o
foi convidada para fazer as palestras.
— Ah. — Katherine colocou sua xı́cara e pires de porcelana no colo.
— Tenho certeza de que meu recrutamento para Harvard també m se
orgulha. Mas o que Cecilia nã o sabe é que Greg Matthews está tentando
me recrutar há anos. Acho até que o surpreendi quando disse que sim.
Você já falou com Cecilia?
— Nã o. Julianne nã o queria que eu interferisse. — Gabriel puxou
seus cabelos exasperado. — Ela espera que Cecilia mude de ideia. Ela
quer abordar o assunto durante a o icina em abril.
— Graham Todd é um estudioso de primeira classe, entã o Cecilia nã o
pode se opor a ele por motivos acadê micos. Embora ela possa
argumentar que os cursos de Edimburgo nã o se encaixam no programa
de Julia.
— Ela nã o pode argumentar isso no momento porque o cronograma
de outono de Edimburgo ainda nã o saiu. Graham iria enviá -lo para
Julianne.
— De fato. — Katherine terminou o chá , olhando para o espaço.
— O que você recomendaria?
Katherine sufocou um sorriso. — Sua irmã parece pensar que sou a
Mulher Maravilha. Acho a comparaçã o bastante divertida.
— Por mais tentador que seja para mim interferir, isso nã o seria
prudente. Imagino que Cecilia agora pense em você , eu e Julia como
uma espé cie de confederaçã o. Ela nã o vai gostar muito de eu en iar o
nariz nas coisas.
— Certo. — O corpo de Gabriel esvaziou. — Eu pensei o mesmo.
— Greg deixou perfeitamente claro que eu estava sendo contratada
para supervisionar estudantes de graduaçã o, o que signi ica que, se
Cecilia deixar Julianne, terei prazer em aceitá -la. Mas nã o posso fazer
isso até o meu compromisso começar.
— Obrigado. — Gabriel passou os dedos pelos cabelos,
distraidamente. — Eu sei que Julianne vai gostar.
— Essa deve ser a decisã o dela. Ela deve decidir quem será seu
supervisor e se deve fazer um semestre no exterior. Cecilia nã o pode
forçá -la.
Katherine fez uma pausa, inclinando-se para a frente na cadeira. —
Don Wodehouse está impressionado com a mente de Julia. Se ela
quisesse se transferir para Oxford, Don a levaria.
— Oh. — Gabriel puxou seus cabelos. Uma mudança para Oxford
poderia ser boa para Julianne, mas nã o seria bom para o casamento
deles. Ele nã o queria ir para o outro lado do oceano. Ele nã o queria
viver separado de Clare.
— Mas nã o há motivo para Julia deixar Harvard. Nã o enquanto eu
estiver viva e saudá vel.
Era quase imperceptı́vel, mas Gabriel se encolheu. Katherine acenou
com a mã o na direçã o dele. — Vá em frente. Desabafe.
— E claro que Julianne estaria ansiosa para trabalhar com você . Mas
ela está preocupada com a ó ptica se Cecilia a deixar e... — Gabriel
parou, parecendo muito desconfortá vel.
— E ela está apavorada que eu morra no meio de sua dissertaçã o.
— Katherine, perdê -la seria uma grande perda pessoal. — Gabriel
rangeu os dentes. — Dane-se a dissertaçã o.
— Nã o tenho intençã o de morrer.
— Bom, porque eu proı́bo você de morrer.
Os olhos de Katherine se arregalaram. — Gostaria que fosse assim
tã o fá cil: Gabriel Emerson proı́be a morte e, portanto, é imortal. Eu nã o
acho que o universo funcione dessa maneira, embora eu aprecie o
gesto. Eu tive câ ncer de tireoide. Fui diagnosticada e tratada em
Toronto e nã o contei a ningué m, exceto Jeremy Martin. Nã o achei que
fosse da conta de ningué m. — O tom de Katherine era prosaico. — Isso
foi há vá rios anos atrá s. Estou com uma saú de excelente e estou ansiosa
para me mudar para Harvard. Nã o vou durar para sempre, mas devo
viver o su iciente para supervisionar a dissertaçã o de Julia.
— Eu nã o sabia que você teve câ ncer, Katherine. Eu sinto muito.
— Estou bem. Eu estou apenas mais corpulenta do que costumava
ser. Obviamente, meu peso nã o é uma barreira para ser a Mulher
Maravilha, entã o nã o consigo me importar.
Gabriel abaixou a cabeça e riu.
— Sim, é possı́vel que Cecilia faça barulho sobre Julia e suas
habilidades e será estranho se Cecilia se recusar a ser uma leitora da
dissertaçã o. Mas Julia já está fazendo seu nome com base no trabalho
duro. Portanto, um semestre no exterior será uma boa oportunidade
para ela, mesmo que Cecilia decida ser petulante. Farei o possı́vel para
neutralizar as fofocas e, se Julia continuar impressionando Don
Wodehouse, ele també m o fará . — Katherine se endireitou na cadeira.
— E nã o devemos fazer graça disso.
— Agora, já que falamos de polı́ticas acadê micas, câ ncer e morte, vou
invocar o privilé gio de uma mulher idosa e vou lhe contar uma coisa. —
Katherine colocou a xı́cara de chá de lado, sua expressã o icando sé ria.
— Gabriel, você deve ter cuidado para nã o sabotar sua carreira.
Ele começou a protestar, mas Katherine interrompeu levantando um
ú nico dedo.
— Olhe para a sua vida com um olhar objetivo e verá que estou certa.
Você se meteu em uma situaçã o difı́cil em Toronto, que terminou bem,
mas poderia ter atrapalhado sua carreira. Agora você se encontra em
um con lito potencial com Cecilia, e eu sei que você deve estar
pensando em como pode se livrar das Palestras para manter sua famı́lia
unida
Gabriel fechou a boca com irmeza.
Katherine sacudiu o dedo para ele. — Eu sabia! Cecilia está
ameaçando Julianne. Você teve sua casa invadida e está preocupado que
isso aconteça novamente. Agora, você está arrependido de ter aceito as
Palestras e pensando em cair na pró pria espada para proteger todos.
— Você fez uma promessa e precisa cumpri—la, nã o importa o que
aconteça com Julia e Harvard. Sair das Palestras, exceto no caso de
morte, prejudicará sua carreira. Por mais que você e Julia sejam
igualmente eruditos e igualmente importantes, a verdade é que ela é
uma estudante. Ela pode encontrar um novo supervisor, pode se
transferir para um programa de pó s-graduaçã o diferente, mas você nã o
pode recuperar o respeito da comunidade acadê mica se insultar a
Universidade de Edimburgo. Portanto, antes de fazer algo que nã o pode
ser desfeito, quero que você ouça o que estou dizendo. Julia tem suas
atividades e precisa tomar sua pró pria decisã o sobre quem será seu
supervisor. Nã o posso falar sobre a segurança da sua casa, mas
conhecendo você , você instalará um sistema de segurança que
rivalizará com o do Palá cio de Buckingham e ningué m ousará
incomodá -lo novamente. Mas você vai para a Escó cia no pró ximo ano, e
é isso. — Katherine esfregou as mã os, como se as estivesse livrando da
poeira.
Gabriel icou calado.
— E muito cedo para ser tã o melancó lico. — Katherine foi até ele. —
Eu excedi, tenho certeza. Mas eu me importo com você . De muitas
maneiras, você e Julianne sã o meus ilhos — meus acadê micos.
Qualquer legado que eu possua, acadê mico ou inanceiro, será passado
para você e para minha a ilhada.
Gabriel engoliu em seco contra o nó que se formou em sua garganta.
— Eu nã o sei o que dizer.
— Você nã o precisa dizer nada. Você me proibiu de morrer, e eu te
proibi de recusar as Palestras. Desde que cada um de nó s mantenha
nosso acordo, tudo icará bem.
Ela deu um tapinha no ombro dele. — Cecilia provavelmente
superará tudo isso até abril. E se nã o, Julia pode estudar comigo e eu a
enviarei com prazer para a Escó cia. Quando tiver a chance de falar com
ela em particular, eu direi a ela. E vou enfatizar minha boa saú de.
— Obrigado. — O tom de Gabriel foi cuidadosamente educado.
Katherine apertou o ombro dele. — Agora, a Mulher Maravilha fará o
café da manhã , vestindo como sua irmã diz, um terninho apropriado
para a idade.
Ela riu para si mesma e continuou até a cozinha, deixando Gabriel
re letir sobre suas palavras.
Capítulo Cinquenta e Dois
— Ho, ho, ho. Feliz Natal. — O pró prio velho Sã o Nicolau
(anteriormente conhecido como Richard) entrou na sala de estar.
Ele usava barba branca e peruca branca por baixo de um gorro
vermelho. Sua roupa de Papai Noel era de veludo vermelho e adornada
de branco. Ele carregava um conjunto de sinos de trenó , que tocou com
entusiasmo.
Ele cumprimentou Aaron e Rachel, que estavam tirando fotos, e
Katherine e Gabriel. Scott e Tammy estavam passando o Natal com os
pais de Tammy na Filadé l ia e viajariam para Selinsgrove alguns dias
depois.
Quando o Papai Noel se aproximou de Julia e Clare, o bebê começou a
chorar.
Richard recuou, atordoado.
— Oh, querida — disse Julia, segurando sua ilha chorando. — Eu
nã o esperava isso.
— Eu sim— disse Rachel —Clare nã o tem ideia de quem ele é . Ele
poderia ser um assassino de machado.
— Sé rio? — Gabriel deu à irmã um olhar de censura. — Um
assassino de machado?
Richard moveu os sinos do trenó um tanto anemicamente. — Feliz
Natal.
Clare continuou a chorar e virou o rosto para o peito da mã e.
Richard baixou os braços. — Eu sinto muito.
Eu nã o sinto. — Katherine deu um passo à frente. —Você é um ó timo
papai noel. Traje autê ntico, gargalhada. Muito bem, senhor.
— Obrigado. — Richard nã o parecia convencido.
— Rachel, toque alguma mú sica — ordenou Katherine. — Algo
animado.
— Hum...— Rachel pegou o celular e percorreu as mú sicas. Ela clicou
na tela e a mú sica começou a tocar: "Rockin 'Around the Christmas
Tree", interpretada por Brenda Lee.
A mú sica distraiu o bebê , que parou de chorar o su iciente para ver
Katherine colocar a mã o no ombro do papai noel e levá —lo para
dançar.
Depois que Richard superou seu choque inicial, ele jogou os sinos
para o lado e colocou a mã o na cintura de Katherine, e os dois idosos
começaram a dançar.
Gabriel icou parado junto à lareira, olhando.
Rachel aumentou o volume do celular e sorriu para Julia, juntando os
dedos para formar a letra M.
Mulher Maravilha, ela murmurou, antes de assobiar para os
dançarinos.
Clare esqueceu—se de chorar e observou o Papai Noel e um
proeminente especialista em Dante do All Souls College, Oxford,
balançando em torno da á rvore de Natal.
Foi, como Julia diria a Gabriel mais tarde, o melhor presente de Natal
de todos os tempos.
7 de janeiro de 2013
South Beach, Florida
No momento em que os Emerson se preparavam para deixar sua suı́te
de hotel para a piscina, o celular de Gabriel tocou.
Ele olhou para a tela.
— E uma chamada de FaceTime do Vitali. E melhor eu atender isso.
— Estaremos na piscina central. — Julia beijou o marido e empurrou
Clare no carrinho em direçã o à porta.
— Por que nã o usar nossa piscina privada, na varanda?
— Porque haverá outras mã es e crianças na piscina central. Clare
pode fazer um amigo.
— Certo. Encontro você em breve.
Gabriel foi até a mesa da suı́te e atendeu a ligaçã o.
— Massimo, olá .
— Boa tarde — respondeu Dottor Vitali em italiano. Ele apontou
para a mulher de cabelos escuros que estava sentada ao lado dele,
vestindo um terno vermelho muito elegante.
— Professor Gabriel Emerson, quero lhe apresentar a Dottoressa
Judith Alpenburg. Ela recentemente se juntou a nó s de Estocolmo e é
especialista em objetos religiosos em Palazzo Pitti.
— Prazer em conhecê -la, Dottoressa. Gabriel assentiu, pegando os
ó culos.
— E você . Por favor, me chame de Judith — ela respondeu, seu
italiano levemente acentuado com sueco. — Examinei o memento mori
que você nos enviou. E uma descoberta emocionante.
— Obrigado, Judith. — Gabriel colocou os ó culos e rapidamente
pegou um bloco de notas e sua caneta-tinteiro. — Você pode me dizer
mais sobre isso?
— Certamente. — Ela colocou um par de luvas brancas e apresentou
a pequena escultura contra um fundo de veludo preto. — Esta peça é
muito interessante. Testamos o material, tomando cuidado para nã o
dani icar o objeto, e descobrimos que ele é esculpido em uma presa de
elefante. Eu colocaria a data do objeto por volta de 1530. Voltarei à data
em um momento.
Ela virou o objeto.
— Como você pode ver, ao longo da clavı́cula da cabeça, temos uma
inscriçã o em latim, O Mors quam amara est memoria tua, que eu traduzi
como ó morte, quão amarga é sua memória. Você reconhece essa
citaçã o?
— Nã o.
— A citaçã o é da bı́blia. Esta é a primeira linha de Eclesiá stico
quarenta e um, que começa na Vulgata, 'O Mors quam amara est
memoria tua'.
— Interessante. — Gabriel resolveu procurar a passagem mais tarde.
— Itens semelhantes estã o em exibiçã o em vá rios museus, incluindo
o Museu de Belas Artes em Boston. E o Victoria and Albert Museum em
Londres tem vá rios exemplos excelentes.
— Na minha opiniã o, sua escultura é de alta qualidade. Existem
muitos detalhes, como você pode ver. Vermes e sapos sã o adornados
sobre a cabeça. O rosto tem uma boca aberta com dentes expostos e há
dobras de tecido cobrindo a cabeça. As folhas foram esculpidas na parte
inferior do objeto e icam em um pequeno pedestal circular. Há algum
dano na peça - uma rachadura na cabeça. Mas ainda é um item raro e
valioso. Certamente, terı́amos orgulho de exibir.
— Você pode me dizer alguma coisa sobre a proveniê ncia dele?
Judith sorriu ansiosamente.
— Sim, isso é muito emocionante. O objeto, que acredito ser uma
conta, foi perfurado verticalmente, para poder ser suspenso de um
terço - rosá rios ou contas de oraçã o sã o termos mais comuns para isso.
Há uma marca de fabricante na parte inferior da conta, que você pode
ver. — Ela levantou a igura e revelou a parte inferior. — Quando vi a
marca, percebi que já tinha visto antes. Pesquisei os itens que temos no
Palazzo Pitti, mas nã o encontrei a mesma marca. No entanto, quando
fui ao Palazzo Medici Riccardi, encontrei algo interessante.
Judith colocou uma grande fotogra ia ao lado da conta.
— No museu Palazzo Riccardi, existe este terço que pertenceu a
Alessandro de Mé dici, que foi duque de Florença entre 1532 e 1537.
Pensa-se que Alessandro tinha descendê ncia africana, o que signi ica
que ele foi o primeiro chefe de estado africano no oeste moderno. O
terço estava em sua posse quando ele morreu e acabou se tornando
parte da coleçã o do museu.
— No entanto. — Os olhos azuis de Judith brilharam de emoçã o. —
Como você pode ver na fotogra ia, o terço está sem uma conta. Na
verdade, no inal está faltando a maior conta. Falei com o arquivista do
museu e ele nã o conseguiu encontrar um registro de uma conta
faltando. O terço chegou ao museu sem ele.
— Mas ele me mostrou uma carta escrita por Taddea Malaspina,
amante de Alessandro, e nela ela menciona que a conta está faltando.
Estava perdida, até você nos enviar.
Judith e Massimo sorriram vertiginosamente atravé s da tela.
— Como você sabe que a conta que enviei é a que estava faltando? —
Gabriel se inclinou para mais perto do celular, tentando ver melhor a
fotogra ia do terço.
— A marca do fabricante corresponde à marca no extremo oposto do
terço. As gravuras e desenhos no terço sã o idê nticos aos do seu cordã o.
Há um padrã o repetido. Judith pegou o dedo e passou da conta para a
fotogra ia, apontando cuidadosamente as semelhanças.
Gabriel fez uma careta.
— Alessandro nã o foi assassinado?
— Sim. — Interveio Dottor Vitali. — Ele foi assassinado por seu
primo Lorenzino. E claro que agora que sabemos que sua conta
combina com o terço do Palazzo Riccardi, tenho certeza de que o
diretor entrará em contato com você . —Dottor Vitali sorriu
esperançoso.
— Sim, é claro. — Gabriel estava distraı́do, ainda tentando processar
o que acabara de ser revelado. — Massimo, por que Alessandro foi
assassinado?
— Existem vá rias teorias. Na minha opiniã o, Lorenzino assassinou
seu primo por vingança.
— Vingança? — As sobrancelhas de Gabriel subiram
instantaneamente.
— Lorenzino era amigo de Filippo Strozzi. Alessandro tentou
assassinar Strozzi e falhou. Strozzi convenceu Lorenzino a matar
Alessandro em vingança. Mas esta é a minha opiniã o. Existem outras
explicaçõ es.
— Você descobriu alguma coisa sobre a proveniê ncia mais recente
do objeto?
Judith olhou para Massimo.
— Esperá vamos que você pudesse nos ajudar com isso.
— Temo que nã o. A conta foi encontrada em minha propriedade em
Cambridge. Entrei em contato com a Interpol, atravé s de um amigo, mas
a conta nã o estava listada no banco de dados de obras de arte roubadas.
O Dottor Vitali bateu os dedos na mesa à sua frente.
— Podemos fazer perguntas discretas.
— Eu apreciaria isso, meu amigo. Como nã o tenho certeza de quem é
o legı́timo proprietá rio, icaria grato por qualquer ajuda para localizá -
lo.
Judith pareceu decepcionada, mas ela nã o comentou.
— Certamente, nó s podemos ajudar. — O tom de Massimo foi
tranquilizador.
— Obrigado. Judith, foi um prazer conhecê -la. Obrigado por sua
pesquisa. Sou muito grato.
Judith inclinou a cabeça respeitosamente.
— Obrigado, professor Emerson. E uma peça maravilhosa e espero
que, se eu puder, a peça possa se reunir com o terço algum dia.
— Deseje os meus melhores cumprimentos para Julianne. —
Massimo artisticamente redirecionou a conversa.
— Eu vou. Falo com você novamente em breve. Adeus. — Gabriel
terminou o FaceTime rapidamente.
Ele pegou o seu laptop, digitou sua senha e rapidamente abriu uma
ediçã o online da Vulgata Latina. Ele percorreu o livro de Eclesiá stico,
vulgarmente conhecido como o livro de Sirach, e encontrou o versı́culo
do qual a dedicató ria no memento mori fora tirada.
"Ó morte, como é amargo lembrar de você como alguém vivendo
paci icamente com seus bens, como alguém sem preocupações e tudo indo
bem e que ainda pode apreciar sua comida!"
Gabriel esfregou o rosto dele. O objetivo de um memento mori era
lembrar a mortalidade de algué m. Mas as Escrituras contrastavam a
amargura da mortalidade com a vida pacı́ ica de um homem pró spero.
Algo nas Escrituras o lembrou de uma referê ncia em Dante. Demorou
alguns minutos procurando para Gabriel encontrá -lo, mas no primeiro
canto do Inferno ele leu:
Gabriel correu.
Ele icou perto da linha d’agua, apreciando os sons e o ritmo das
ondas, sua mente a milhares de quilô metros de distâ ncia, em Florença,
na Itá lia.
O memento mori veio dos Medici. Por si só , foi uma descoberta
maravilhosa. Mas como a peça icou na posse de um ladrã o? E por que
ele deixou na casa de Gabriel?
Ladrõ es de arte pro issionais vendem seus produtos para
colecionadores; eles raramente os mantinham. Uma conta de um terço
era uma peça estranha para um ladrã o ter no bolso, a menos que
estivesse ali com um propó sito.
Vingança.
Gabriel rapidamente rejeitou o pensamento de que estava sendo alvo
de vingança. Sim, ele ofendeu sua parcela de pessoas ao longo do
tempo, incluindo estudantes descontentes e colegas ciumentos. E sem
dú vida o rosto dele estava estampado no alvo de mais de uma mulher,
embora ele tivesse sido discreto com seus contatos e tentado restringi-
los a mulheres que entendiam a natureza temporá ria de sua conexã o.
Havia a professora Singer, por exemplo. Mas ela estava em Toronto e
ele duvidou que ela tivesse contratado um ladrã o pro issional da Itá lia e
pedido que ele deixasse uma ameaça de morte em sua casa. Isso nã o era
o estilo dela. A professora Singer entregaria toda e qualquer ameaça
pessoalmente.
E havia Paulina. Mas ela era casada e feliz morando em Minnesota.
Eles izeram as pazes e ele acreditava que ela lhe desejava bem. Mais
uma vez, ela nã o tinha motivos para vingança, pelo menos nã o agora.
Quanto à possı́vel conexã o do ladrã o com a Itá lia e talvez com
Florença, Gabriel nã o conseguia imaginar o que havia feito para atrair a
ira de um lorentino. Ele é apaixonado pela histó ria, literatura e cultura
italiana há anos e apoiou os museus de Florença com doaçõ es
generosas.
Os pais de Nicholas Cassirer haviam lhe vendido as ilustraçõ es de
Botticelli. Mas eram reproduçõ es dos originais de Botticelli,
provavelmente feitas por um de seus alunos. Talvez houvesse outras
partes interessadas que saberiam agora que Gabriel era um comprador
de sucesso. Mas ir atrá s dele agora, depois de tantos anos, parecia
impensá vel.
Faltava uma peça do quebra-cabeça. Sem ela, ele nã o conseguia ver a
imagem toda. Sem ela, ele nã o podia ter certeza de nenhum dos motivos
do ladrã o. Tudo o que Gabriel tinha eram teorias e hipó teses, vá rias das
quais poderiam se encaixar.
Ele se virou e correu de volta para o hotel.
O melhor resultado possı́vel foi que o ladrã o estava examinando a
coleçã o de Gabriel e que a escultura havia sido derrubada
acidentalmente. Se o motivo fosse a vingança, e se Gabriel realmente
fosse o alvo, o ladrã o poderia matá -lo dentro de casa e Julianne nã o
teria conseguido detê -lo. Assim, o ladrã o usaria apenas a força
su iciente para fugir. Ele parecia totalmente desinteressado em Julianne
e Clare, e por isso Gabriel agradeceu a Deus e continuaria a agradecer.
E se ele voltar?
Essa foi a pergunta que atormentou Gabriel — e alé m disso, a
possibilidade de o ladrã o retornar enquanto Julianne e Clare estivesse
em casa e Gabriel estivesse na Escó cia. Essa possibilidade era um
pesadelo.
O inimigo de Julianne tinha um nome e um rosto. Graças a Nicholas
Cassirer, Gabriel tinha um homem seguindo e relatando todos os
movimentos de Simon Talbot.
O novo inimigo de Gabriel era sem nome, nã o identi icá vel e sem
forma. Seus motivos eram indecifrá veis, suas açõ es confusas, o que o
tornava muito mais ameaçador.
O novo inimigo forneceu mais uma razã o pela qual Julianne deveria
exigir ir para a Escó cia no outono. Gabriel ainda tinha o e-mail que ele
havia enviado para a Universidade de Edimburgo. Em menos de um
minuto, ele poderia recusar o convite e garantir que ele e sua famı́lia
permanecessem juntos e seguros.
Enquanto subia a escada para a piscina do hotel, Gabriel lembrou-se
do aviso de Katherine.
Embora ele valorizasse sua carreira e lamentasse jogá -la fora, era
melhor arriscar uma carreira do que a segurança de sua esposa e ilha.
Ele já havia perdido uma ilha há muito tempo. Ele nã o estava prestes a
perder outra.
Capítulo Cinquenta e Cinco
15 de Janeiro de 2013
28 de Janeiro de 2013
4 de Fevereiro de 2013
Cambridge, Massachusetts
Julianne nã o deixou a luz acesa.
Por si só , sua escolha era quase sem importâ ncia. Havia uma luz
noturna em uma parede pró xima. Haviam porta-velas que abrigavam
velas sem chamas no corredor, iluminando o caminho para o quarto,
onde Clare dormia profundamente em seu berço. Mas Julianne tinha
desligado a lâ mpada da mesa de cabeceira quando se retirou para
dormir. Quando Gabriel se juntou a ela na cama, depois de uma longa
noite no seu escritó rio, onde estava fazendo suas pró prias traduçõ es de
Dante do italiano para o inglê s, o quarto principal estava escuro.
Gabriel pairou na porta, surpreso com a visã o.
Rebecca estava dormindo no corredor. Ela trabalhou
incansavelmente desde que chegou do aeroporto para preparar a casa
para eles. E ela fez lasanha para o jantar, que era um dos pratos
favoritos de Julianne.
Aaron e Rachel se juntaram a eles, falando entusiasticamente sobre
seus novos empregos. Rachel trouxe uma pilha de vale presentes do
Dunkin 'Donuts para Julianne, que os aceitou com gratidã o.
E Leslie, sua vizinha de olhos de á guia, os havia recebido com uma
torta de maçã caseira e histó rias sobre um orfanato muito calmo, mas
muito atento. O sistema de segurança atualizado na propriedade dos
Emersons parecia ter atingido seus objetivos.
No entanto, Gabriel icou surpreso que na primeira noite em casa
apó s o arrombamento, Julianne estivesse dormindo tã o profundamente,
no escuro.
Ele se aproximou do lado dela da cama e, ao fazê -lo, quase
tropeçou naquele maldito lamingo rosa. Julianne colocou-o como um
cã o de guarda ao lado de sua cama e vestiu uma camiseta com o slogan
eu amo Miami.
O professor contornou o enfeite de gramado com repugnâ ncia, mas
se permitiu uma risada contida. Se Julianne estava fazendo piadas, ela
nã o estava atolada de medo. E isso o aliviou. Muito.
Ele beijou o topo da cabeça dela e acariciou seus cabelos. Entã o ele
foi para o seu lado da cama e se virou, admirando a pintura restaurada
de Henry Holiday enquanto pendurada com orgulho na parede oposta à
cama.
Ele colocou os ó culos e o telefone na mesa de cabeceira. Ele abriu a
gaveta, simplesmente para veri icar se o memento mori ainda estava lá ,
depois de desempacotá -lo naquela tarde. Ele fechou a gaveta, deitou-se
na cama ao lado de sua esposa e sucumbiu ao sono.
Capítulo Sessenta e Um
8 de Abril de 2013
Magdalen College, Oxford
Os dias de inverno de fevereiro e março, logo deram lugar à
primavera.
Graham Todd enviou um e-mail com a programaçã o de outono dos
cursos de graduaçã o oferecidos em Edimburgo, se oferecendo mais
uma vez para falar com Cecilia e a presidente de Harvard. Julia garantiu
que iria lidar com isso.
Em 6 de abril, os Emersons e Rebecca chegaram a Londres e viajaram
até Oxford, para que Julia pudesse participar do workshop de Dante,
organizado pelo professor Wodehouse.
Gabriel teve que voltar para Londres no dia em que Julia entregaria
seu trabalho, no primeiro dia do workshop. Ele deveria gravar uma
sé rie de entrevistas e comentá rios sobre Dante para a BBC. O produtor
havia indicado que ele só precisaria estar em Londres por trê s dias, o
que signi icava que ele retornaria antes do inal do workshop.
Mesmo assim, Julia sentia falta dele e do apoio que sua presença
fı́sica dava.
Ao entrar na sala de conferê ncias do Magdalen College, ela viu que
estava vazia, exceto por uma pessoa. O homem em questã o tinha um
metro e oitenta e trê s e olhos e cabelos escuros. Ele estava vestido
casualmente com uma camisa de botã o, jeans e carregava uma jaqueta
que tinha o emblema da Saint Michael's College estampado nas costas.
— Paul. — Julia o cumprimentou timidamente. Embora ele tenha
enviado um cartã o e um presente quando Clare nasceu, essa foi a
primeira vez que eles se viram desde a ú ltima vez em que ambos
estiveram em Oxford.
Depois disso, Paul escreveu para ela dizendo que nã o queria contato.
Quase dois anos depois, Julia ainda podia sentir a picada de rejeiçã o do
seu amigo.
— Jules! — Paul correu em sua direçã o e a envolveu em um abraço
de urso. — Como você está ? E bom te ver.
— E bom ver você també m. — Ela riu e implorou para que ele a
colocasse no chã o.
— Hum. O professor está por perto? — Ele olhou por cima do ombro
dela.
— Nã o, ele está em Londres até quinta-feira.
— Bom. Ele nã o vai me dar um soco por te abraçar. Paul a abraçou
mais uma vez antes de dar um grande passo para trá s. — Como foi a sua
viagem?
— Foi boa. Clare icou acordada quase o vô o inteiro, mas a
mantivemos entretida. Ainda estou cansada por causa do fuso horá rio.
— Julia alisou os cabelos atrá s das orelhas. — E quanto a você ?
— Ah, tudo bem. Cheguei ontem. O professor Picton me encontrou na
estaçã o de trem. Jantamos juntos ontem à noite.
— Isso é ó timo. Como estã o seus pais?
Paul en iou as mã os nos bolsos da calça jeans. — Eles estã o bem.
Papai está trabalhando cada vez menos na fazenda, por causa do seu
coraçã o. Eu o ajudo quando posso. — Você parece bem. Como está a
bebê ?
Julia pegou o celular da bolsa. — Posso te incomodar com uma foto?
— Isso nã o me incomoda. Eu gostaria de vê -la. — Paul olhou para a
tela. — Ela está icando tã o grande. E olhe para todos os cabelos.
— Ela nasceu com muito cabelo. Eu tenho estilizado isso. — Julia
mostrou a ele mais algumas fotos, incluindo uma foto de Gabriel
sorrindo enquanto segura Clare.
— Isso é o mais feliz que eu já vi o professor. — Paul icou
maravilhado com a visã o. — Clare tem os olhos do pai dela.
— Ela tem. Eu pensei que eles mudariam de cor e combinariam com
os meus, mas sã o tã o azuis quanto os dele. — Julia tocou a tela
distraidamente e guardou o telefone.
— Ouça, antes que todo mundo chegue aqui, desculpe-me pelo e-
mail que enviei. Eu fui um idiota.
Julia levantou a cabeça. — Me desculpe, as coisas eram tã o estranhas.
Paul lexionou os braços conscientemente. — Eu retiro o que disse,
ok? Quero que sejamos amigos, se pudermos.
— Claro que podemos. — Uma sensaçã o de leveza se apoderou do
corpo de Julia. — Senti sua falta, Paul. Eu nã o tenho muitos amigos.
— Tenho certeza de que isso nã o é verdade. — Paul mudou de
assunto. — Gabriel deve estar bem empolgado com as palestras, hein?
Você vai com ele?
Agora, Julia olhou por cima do ombro. — Eu quero, mas a professora
Marinelli nã o assinou. Vou pedir novamente a ela esta semana.
— O que tem de errado com ela?
Julia coloca a sua bolsa no chã o. — Ainda estou no curso em Harvard
e ela nã o aceita os cré ditos de transferê ncia de Edimburgo.
— Isso é estupido.
— Fale-me mais sobre isso.
— Por que os estudantes de pó s-graduaçã o estã o sempre à mercê de
seus professores?
— Porque gostamos do sofrimento. — Julia suspirou o suspiro
oprimido.
— Você lembra dela? Da professora pain?
— Sim. Mas gostaria de esquecê -la. — Julia olhou em volta da sala de
seminá rios. — Você faz idé ia de que já tem quase quatro anos que
está vamos no seminá rio de Gabriel em Toronto?
— Nã o, nã o faço — Paul parecia querer dizer mais, mas ergueu o
queixo em direçã o à entrada. — Aı́ vê m os outros. Você tem planos para
o almoço?
— Nã o.
— Boa. Podemos comer juntos no refeitó rio. — Paul sorriu.
Julia assentiu e se virou para cumprimentar o professor Wodehouse
e o restante dos participantes do workshop.
Ela sorriu para Cecilia, mas nã o foi até ela. Julia icou perto de Paul,
encontrando um assento ao lado dele quando o professor Wodehouse
foi ao pú lpito para iniciar o workshop.
Paul silenciosamente passou uma nota para ela.
Julia desdobrou o papel no colo, lendo-o disfarçadamente.
A Professora M. é uma idiota.
XO
Fim.