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Sumário

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Capı́tulo Sessenta e Um
Capı́tulo Sessenta e Dois
Capı́tulo Sessenta e Trê s
Capı́tulo Sessenta e Quatro
PRAISE FOR THE GABRIEL’S INFERNO SERIES
“I found myself enraptured by Sylvain Reynard’s lawless writing.”
—The Autumn Review

“Emotionally intense and lyrical.”


—Totally Booked Blog

“The Professor is sexy and sophisticated. . . . I can’t get enough of him!”


—USA Today bestselling author Kristen Proby

“We don’t see many loves like this, so it makes it all the more special
when we pick up a novel of this stature with such a unique writing
style.”
—Star-Crossed Book Blog

“An unforgettable and riveting love story that will sweep readers off
their feet.”
—Nina’s Literary Escape

“Sylvain Reynard’s writing is captivating and intense. . . . It’s hard not to


be drawn to the darkly passionate and mysterious Gabriel, a character
you’ll be drooling and pining for!”
—Waves of Fiction

“A must-read. . . . The writing, as always, deserves special mention for


its style and beauty.”
—Bookish Temptations
Titles by Sylvain Reynard
GABRIEL’S INFERNO
GABRIEL’S RAPTURE
GABRIEL’S REDEMPTION
GABRIEL’S PROMISE
THE PRINCE
THE RAVEN
THE SHADOW
TRADUZIDO, REVISADO E FORMATADO POR @CHAOTICSLATES NO TWITTER
Esse livro é dedicado a todos aqueles que perdemos. Que eles jamais
sejam esquecidos.
Prólogo

1313
Verona, Itália

O poeta pausou, sua pena pairando como um pá ssaro ansioso sobre o
pergaminho.
As palavras que ele colocou na boca da sua amada eram
convincentes. Até mesmo a tinta o condenou.
Ao escrever Purgató rio, ele foi forçado a reexaminar sua vida apó s a
morte dela. Seu tributo a Beatrice foi ao mesmo tempo uma
homenagem e penitê ncia. Mas este nã o foi o im.
Nã o, a morte de Beatrice nã o era o im do seu amor. Ele ainda amava
e, ao amá -la, seria transformado.
O pá ssaro na pena retornou ao pergaminho, dando voz à sua perda.
Ele nã o havia sido digno dela nesta vida. Mas talvez na pró xima…
“Volta, Beatrice, Oh volta com os seus olhos sagrados”, Esse
era cântico deles, “para o teu iel, que tem que te ver dar
tantos passos...
Em graça nos faça a graça que tu revelas, Teu rosto para ele,
para que ele possa discernir, A segunda beleza que escondes.”
Aqui estava sua amada agora, linda e resplandecente. O amor deles
permaneceu, mas teve que mudar. E na mudança, aprofundou-se e se
tornou substâ ncia da eternidade.
O poeta olhou para a cidade de seu exı́lio e lamentou por seu lar. Ele
lamentou por Beatrice e o que nã o haviam tido.
Ele esperava o que estava por vir. O amor dela o apontava alé m
de si mesma, alé m do amor terreno, para algo transcendente, perfeito e
eterno. Ele jurou, mesmo ao expurgar sua alma, que as palavras que
escrevera seriam profé ticas e que todas as promessas que ele izera a
ela seriam cumpridas...


Capítulo Um

Setembro de 2012
Mount Auburn Hospital
Cambridge, Massachusetts

O professor Gabriel O. Emerson levou a ilha recé m-nascida ao
peito. Ele estava reclinado em uma cadeira ao lado da cama de hospital
de sua esposa, onde ela estava dormindo. Apesar dos protestos dos
enfermeiros, ele se recusou a colocar o bebê no berço pró ximo. Ela
estava mais segura em seus braços, descansando sobre o seu coraçã o.
Clare Grace Hope Emerson era um milagre. Ele orou por ela na cripta
de St. Francis de Assisi, depois de se casar com sua amada Julianne. Na
é poca, ele nã o conseguia ter um ilho, resultado de seu ó dio por si
mesmo. Mas com Julianne ao seu lado, como sua Beatrice e sua esposa,
ele orou. E Deus respondeu sua oraçã o.
O bebê se mexeu e moveu a cabeça.
Gabriel a segurou com segurança, sua mã o larga cobrindo suas
costas para que pudesse sentir o ritmo da respiraçã o dela.
— Nó s amamos você mesmo antes de você nascer —, ele sussurrou.
—Está vamos tã o animados com a sua chegada.
Nesse momento - esse momento calmo e terno - Gabriel tinha tudo o
que sempre desejara. Se ele era Dante, nã o era mais Dante, pois Dante
nunca conheceu o prazer de se casar com Beatrice ou de acolher uma
criança nascida de seu amor.
O poeta dentro dele re letiu sobre o curso estranho dos
acontecimentos que o levaram das profundezas do desespero à s alturas
da bem-aventurança.
— Apparuit iam beatitudo vestra — ele citou com sinceridade,
agradecendo a Deus por nã o ter perdido a esposa e a ilha, apesar das
complicaçõ es durante o parto.
O fantasma de seu pai interferiu em sua felicidade, provocando uma
promessa espontâ nea.
— Eu nunca irei abandonar você s. Eu estarei aqui com você s duas,
minhas meninas queridas, enquanto eu viver.
Na escuridã o do quarto do hospital, Gabriel prometeu proteger, amar
e cuidar de sua esposa e de sua ilha, nã o importasse o custo.
Capítulo Dois

Uma semana depois


Mount Auburn Hospital
Cambridge, Massachusetts

Tudo começou com um e-mail.
Foi uma coisa pequena — a veri icaçã o de um e-mail. Talvez tenha
sido uma das menores e mais inconsequentes açõ es. Um toque de
algué m na tela do celular de outro algué m e mensagens aparecem.
Um sá bio canadense escreveu uma vez: O meio é a mensagem. E,
neste caso, o email e seu conteú do foram incrivelmente importantes.
Estava havendo sussurros.
A comunidade de especialistas em Dante nã o era particularmente
grande e o professor Gabriel O. Emerson era bem conhecido. Ele foi o
melhor aluno a se formar em Harvard e em pouco tempo fez seu nome
na Universidade de Toronto.
Depois ele foi assediado por um escâ ndalo — um escâ ndalo
envolvendo sua amada Julianne, que també m era sua aluna de pó s-
graduaçã o. Houve uma investigaçã o. Um tribunal. Uma decisã o. Uma
demissã o.
A universidade abafou o assunto. Julianne se formou e começou o
doutorado em Harvard. Gabriel aceitou o cargo de professor titular da
Universidade de Boston. Eles se casaram em 21 de Janeiro de 2011.
Mas ainda assim havia sussurros. Sussurros de uma ex-aluna de pó s-
graduaçã o chamada Christa Peterson, que a irmou que Emerson era um
predador e Julianne era uma vadia.
Embora Gabriel tivesse feito o possı́vel para silenciar Christa e
combater os rumores, os sussurros continuaram. Agora, a alguns meses
do segundo aniversá rio de casamento, Gabriel mantinha seu pró prio
conselho, sem desejar expressar suas preocupaçõ es. Mas na verdade ele
temia ter contaminado a carreira de Julianne. Nesse momento, a
comunidade acadê mica perdoava muito mais o corpo docente do sexo
masculino do que as jovens alunas.
Gabriel sabia disso. Por isso ele icou olhando a mensagem que
recebeu por algum tempo.
A mensagem era de um grupo que Gabriel ouvira falar, mas que
nunca conheceu. Ele leu a mensagem mais uma vez, apenas para ter
certeza de que nã o havia entendido mal.
Um sentimento estranho tomou conta dele. Sua pele formigou. Algo
importante estava prestes a acontecer...
— Gabriel? — A voz de Julianne interrompeu seus pensamentos. —
Nó s pegamos tudo? Rachel levou as lores e os balõ es para casa.
Gabriel abriu a boca para contar à esposa sobre o e-mail que acabara
de receber, mas foi interrompido pelo aparecimento repentino da Dra.
Rubio, a obstetra deles. Ela costumava surgir do nada, como a Atena de
olhos cinzentos na Odissé ia de Homero. A Dra. Rubio surgia, fazia
discursos e desaparecia, à s vezes deixando um rastro de caos.
— Bom dia. — Ela cumprimentou os Emersons com um sorriso. —
Eu preciso revisar algumas coisas antes que Julia e Clare sejam
liberadas.
Gabriel devolveu o celular ao bolso do casaco. Ele recebera o susto de
sua vida alguns dias antes, quando pensou erroneamente que Julianne
nã o havia sobrevivido ao parto. A ansiedade ainda se agarrava a ele,
como uma ressaca que ele nã o conseguia evitar.
Foi por isso que, ao ouvir a longa lista de advertê ncias e instruçõ es
da Dra. Rubio, ele esqueceu rapidamente o e-mail e a necessidade
absoluta de revelar seu conteú do à esposa.
Capítulo Três

O que ela está fazendo? - O professor olhou pelo retrovisor para sua
esposa, que estava sentada atrá s dele, ao lado de Clare.
Seu belo rosto tinha uma expressã o infantil e seus olhos azuis
brilhavam. Ele inalmente estava trazendo sua famı́lia para casa. Ele
teve di iculdade em conter sua emoçã o.
— Ela ainda está dormindo. — Julia se inclinou sobre a cadeirinha de
bebê e acariciou levemente a bochecha da criança.
A boca do bebê fez um beicinho semelhante a um botã o de rosa
enquanto dormia. Fios de cabelos escuros apareciam debaixo do
chapé u de malha roxo que ela recebeu de presente do auxiliar do
hospital. Ela era um bebê lindo, com nariz de botã o e bochechas
rechonchudas. Seus olhos eram grandes e azul ı́ndigo quando ela se
dignou a abri-los.
O coraçã o de Julia estava pleno. Seu bebê era saudá vel e seu marido
era ainda mais solidá rio do que ela imaginara. Era quase muita
felicidade para uma ú nica pessoa.
— Se ela izer algo fofo, me avise. — O tom de Gabriel estava ansioso.
Julia riu. — Tudo bem, Professor.
— Eu gosto de vê -la dormir —, pensou Gabriel. Ele continuou
dirigindo o Volvo SUV lentamente pelas ruas de Cambridge. — Ela é
fascinante.
— Você precisa manter os olhos na estrada, papai. — Gabriel piscou
Julia lançou-lhe um olhar.
— Desde quando você dirige tã o devagar? — ela zombou.
— Desde quando tudo que eu amo está neste carro. — A expressã o
de Gabriel se suavizou quando ele fez contato visual com ela atravé s do
espelho.
O coraçã o de Julia deu um salto.
O entusiasmo dele pela paternidade superou suas expectativas.
Lembrou-se da primeira noite que passaram no hospital, depois que
Clare nasceu. Gabriel segurou Clare a noite toda e nã o se separou dela.
Gabriel havia dito uma vez que quando ele fosse velho ele se
lembraria de como Julianne era na noite em que izeram amor pela
primeira vez. Ela se lembraria da visã o do marido segurando a ilha
deles em seu peito pelo resto da vida.
Lá grimas encheram seus olhos e ameaçaram transbordar. Ela se
inclinou sobre o bebê para esconder sua reaçã o.
Gabriel virou o SUV na rua deles — lentamente, muito lentamente.
— Que diabos...? - Sua felicidade chegou a um im abrupto, como um
navio atingindo um iceberg.
— Veja como fala —, Julia murmurou. — Nã o vamos ensinar palavras
maldosas para o bebê .
— Se ela estivesse acordada, ela també m gostaria de saber o que
diabos está acontecendo. Olhe para o nosso gramado. — Gabriel pilotou
o carro em direçã o à entrada da garagem, com os olhos ixos na frente
da propriedade.
Julia seguiu seu olhar.

Em frente à elegante casa de dois andares, havia extravagantes


lamingos de plá stico rosa. Flamingos cor de rosa chocantes em
plá stico. Um lamingo gigante de madeira estava ao lado da porta da
frente, segurando uma placa:

Parabéns Gabriel e Julia! É uma menina!

Os lamingos menores eram tã o numerosos que Gabriel mal


conseguia ver as folhas de grama embaixo deles.
Era uma infestaçã o. Uma infestaçã o de enfeites bregas e cafonas,
claramente escolhidos por um demô nio com um dé icit extremo de bom
gosto.
— Puta merda! —, Exclamou Julia.
— Veja como fala. — Gabriel sorriu com arrogâ ncia. — Presumo que
você nã o estava esperando isso?
— Claro que nã o. Eu mal chequei meu e-mail esta semana. Você fez
isso?
— Você acha que eu iz isso? — O professor icou indignado. Julianne
certamente sabia que seu gosto nã o se estendia a abominaçõ es
plá sticas de enfeites de grama.
Mas o comentá rio dela lembrou o e-mail que ele recebera enquanto
eles ainda estavam no hospital. O conteú do da mensagem era urgente.
Ele precisava falar com Julianne sobre isso.
A risada dela o distraiu. — Talvez os lamingos sejam da Leslie, a
vizinha? Ou seus colegas da Universidade de Boston?
— Eu duvido disso. Certamente eles teriam o bom senso de enviar
champanhe. Ou uı́sque.
Mais uma vez, ele se preparou para contar a Julianne sobre o e-mail.
Mas quando ele entrou na garagem, a porta lateral se abriu e Rachel,
sua irmã , saiu correndo.
Ela sorria de orelha a orelha e vestia casualmente uma camiseta
branca, jeans e sandá lias. Seus longos e louros cabelos loiros caı́am
sobre os ombros e seus olhos cinzentos estavam iluminados.
— Acho que encontramos a culpada da breguice. — Gabriel sacudiu a
cabeça.
Julia tocou seu ombro. — Foi gentil da parte dela fazer isso. Ela está
indo e voltando de casa para o hospital, ajudando.
Gabriel fez uma careta. — Eu sei.
— Mesmo que você ache que os lamingos sã o bregas, você precisa
ser grato.
Ele ergueu o queixo primorosamente. — Eu posso ser grato.
— Quero dizer grato de uma maneira verdadeira — Julia esclareceu.
Quando a carranca de Gabriel se aprofundou, ela soltou o cinto de
segurança e avançou, pressionando os lá bios na bochecha dele. — Eu te
amo. Você é um marido maravilhoso e um pai incrı́vel.
Gabriel abaixou o olhar e bateu com os dedos no volante.
Julia despenteava seus cabelos escuros. — Talvez devê ssemos
manter alguns dos lamingos? Para o jardim?
Gabriel a lançou com um olhar fulminante.
— Estou brincando. — Ela levantou as mã os em sinal de rendiçã o. —
Tente parecer mais feliz do que isso, ok?
— Tudo bem. — Gabriel exalou, inquieto. Ele desligou o carro e saiu.
— Por que você demorou tanto? — Rachel deu um abraço super icial
no irmã o e abriu a porta traseira do SUV. — Ficamos esperando a
manhã toda.
Gabriel se inclinou sobre a porta aberta, observando Rachel subir no
banco de trá s. — Eles tiveram que veri icar Julianne e Clare antes de
liberá -las. E eles inspecionaram a transportadora e a cadeirinha do
bebê antes de sairmos.
— Bem, isso é bom — Rachel respondeu. — Mas nã o deveria levar
trê s horas. Quã o devagar você dirigiu?
Gabriel tirou um iapo imaginá rio do casaco esporte. Entã o ele deu
uma olhada no banco de trá s.
— Só um minuto, Rachel — ele advertiu. — Eu preciso desapertar a
cadeirinha da base.
— Se apresse. Mas vá para o lado de Julia porque nã o vou sair daqui.
— Rachel se inclinou sobre sua sobrinha adormecida e seu sorriso
aumentou. — Oi, Clare.
Julia estendeu a mã o sobre o bebê para tocar o braço da amiga. — Eu
amei os lamingos.
— Eu sabia que você ia gostar. — Rachel sorriu. — Papai estava
hesitante, mas eu achei que eles eram hilá rios. Até Scott contribuiu.
— Precisamos tirar uma foto de Gabriel com os lamingos e enviá -la
para Scott.
Rachel riu. — Com certeza! Ele vai transformar em um pô ster e o
pendurar na parede.
Julia removeu a touca de malha do bebê para expor os cabelos
impressionantemente escuros. Ela apontou para a presilha rosa que ela
prendera com cuidado. — Clare está usando o presente que você nos
trouxe ontem.
— Combina com os pijamas rosa. — Rachel tocou gentilmente a
cabeça do bebê . Sua expressã o mudou minimamente.
Julia estudou a amiga. Um traço de tristeza estava presente nos olhos
de Rachel, mas apenas por um momento.
Rachel sorriu para sua sobrinha adormecida. — Comprei mais alguns
acessó rios de cabelo ontem à noite. Como ela tem muito cabelo,
teremos que modelá -lo.
Julia assentiu. — Gabriel terá que carregá -la. Nã o posso levantar
nada acima de nove quilos por causa dos pontos.
Rachel olhou de soslaio para Julia. — Isso morde.
— Nã o morde. — Gabriel piscou para a irmã antes de ajudar Julia a
sair do carro. — Estou feliz por estar aqui.
— Eu també m. — Rachel observou quando ele removeu
cuidadosamente a cadeirinha virou-se na direçã o da casa.
— Nã o tã o rá pido. — Ela o seguiu. — Eu quero carregá -la.
Com os olhos brilhando, Gabriel entregou a cadeirinha, mas nã o
antes de instruı́-la a tomar cuidado. Ele cumprimentou Richard, o pai
deles, e os dois homens icaram ao lado da porta, segurando-a aberta.
Julia acompanhou Rachel até a casa. — Obrigada por icar. Eu sei que
demorou um pouco mais do que você planejou.
Rachel segurou o carrinho de bebê com as duas mã os enquanto se
aproximavam da cozinha. — Eu nã o iria embora antes que você voltasse
para casa. Aaron teve que trabalhar, caso contrá rio ele estaria aqui
també m.
— Signi ica muito para nó s. Sei que você tem recebido telefonemas,
entregas e tudo mais.
Rachel deu de ombros. — E isso que as famı́lias fazem, Jules. Eles
cuidam um do outro. Tenho sorte de ter alguns dias de fé rias sobrando.
Rebecca tem nos mimado com a comida dela. Você deveria ver o que ela
fez para o almoço.
— Otimo. Estou morrendo de fome. — O estô mago de Julia já estava
roncando. Ela entrou na cozinha.
A mesa da cozinha estava posta com as melhores porcelanas,
talheres e cristais dos Emerson. Balõ es cheios de hé lio estavam
amarrados à cadeira de Julia ao pé da mesa e um enorme arranjo de
rosas cor de rosa e brancas formava uma peça central. Quase toda a
cozinha estava coberta de comida, lores ou presentes embrulhados em
cores vibrantes.
— Surpresa! — Uma mulher mais velha de cabelos brancos e curtos e
olhos azul-acinzentados avançou.
— Katherine? — Julia levou uma mã o à boca.
— Pensei que você estivesse em Oxford. — Gabriel sacudiu a
surpresa e cumprimentou a ex-colega com um beijo na bochecha.
— Eu fui. Eu vim para Cambridge para conhecer minha a ilhada. — A
professora Picton abraçou Julia e recuou, seus olhos brilhando. — Posso
segurá -la?
— E claro. — Gabriel retirou Clare de sua cadeirinha, pressionando
um beijo na cabeça antes de transferi-la para os braços de Katherine.
Clare abriu seus grandes olhos azuis.
Katherine sorriu. — Olá , Clare. Eu sou sua tia Katherine. — O bebê
abriu sua pequena boca de botã o de rosa e bocejou.
— Clare é um nome bonito — continuou Katherine, indiferente à
sonolê ncia do bebê . — Eu pensei que seus pais poderiam ter nomeado
você de Beatrice. Mas posso ver que você se parece mais com uma
Clare.
— Existe apenas uma Beatrice. — Gabriel colocou o braço em volta
dos ombros de Julia.
— Oh, nos divertiremos muito — Katherine sussurrou para a criança.
— Vou te ensinar italiano e tudo sobre Dante e Beatrice. Quando você
tiver idade su iciente, levarei você a Florença e mostrarei onde Dante
morava.
O bebê parecia encarar a tia. Katherine se aproximou e recitou,

“‘Donne ch’avete intelletto d’amore,


i’ vo’ con voi de la mia donna dire,
non perch’io creda sua laude inire,
ma ragionar per isfogar la mente.’”

Gabriel reconheceu as falas de La Vita Nuova, de Dante, enquanto


Katherine proclamava seus louvores à adorá vel Beatrice.
Julia icou parada, congelada.
Entã o, de repente, como uma nuvem inesperada em um piquenique,
Julia começou a chorar.


Capítulo Quatro

A sala icou em silê ncio.


Todos olharam para Julia, que colocou a mã o na boca enquanto
tentava reprimir os soluços.
Richard, Katherine, Rebecca e Rachel icaram em choque, sem saber
o que fazer.
— Nos dê um minuto — Gabriel murmurou, com o braço ainda em
volta dos ombros de Julia. Ele a levou para a sala para um canto
silencioso perto da janela.
— Querida, qual é o problema? Você está com dor? — Atordoado, ele
se inclinou para olhá -la.
Julia fechou os olhos enquanto as lá grimas luı́am. Ela negou com a
cabeça.
Gabriel a puxou contra seu peito. — Eu nã o entendo.
— Você quer que todos saiam? — Ela negou novamente.
Ele descansou a bochecha no cabelo dela. — Eu nã o sabia que eles
estavam planejando tudo isso.
— Há muitos balõ es — ela murmurou.
— O hé lio é perigoso para bebê s?
— Nã o. Sim. Eu nã o sei. — Ela apertou a camisa dele. — Essa nã o é a
questã o. Tem o dobro de presentes e lores do que tivemos no hospital.
E há lamingos no nosso gramado!
— Eu posso remover os lamingos, querida. — Gabriel beijou seus
cabelos. — Eu farei isso agora.
— Nã o se trata dos lamingos. — Julia en iou a mã o em um dos
bolsos da jaqueta de Gabriel, inalmente recuperando um lenço. Ela o
agitou diante dele. — Estou feliz por ter comprado isso para você .
Ela assoou o nariz.
— Um cavalheiro sempre carrega um lenço nessas ocasiõ es. — Ele
acariciou suas costas, sua preocupaçã o aumentando. — Você está
chateada com os lamingos, mas nã o quer que eu os remova?
— A cozinha está cheia de presentes. Katherine veio da Inglaterra e
citou Dante! — Julia explodiu em lá grimas novamente.
Gabriel franziu a testa. A visã o das lá grimas dela o machucava. —
Claro que há presentes. As pessoas dã o presentes para bebê s. E uma
tradiçã o.
— Quantos dos meus parentes estã o na cozinha? — Ela enxugou o
nariz.
O coraçã o de Gabriel se contraiu. — Seu pai e Diane queriam estar
aqui, mas Tommy está doente. Você os verá em breve. — Ele enxugou as
lá grimas de Julia com os polegares. — A cozinha está cheia de
familiares, nossa famı́lia. Pessoas que amam você e Clare.
Ela engoliu em seco. — Sinto falta da sua mã e. Eu sinto falta . . .
Gabriel se encolheu. Havia um oceano de dor na sentença inacabada
de Julianne. Ela teve uma infâ ncia infeliz com uma mã e que à s vezes era
abusiva, à s vezes indiferente.
— Eu també m sinto falta de Grace — Gabriel admitiu. — Acho que
sempre sentiremos falta dela.
— Sou mã e há apenas alguns dias, mas amo tanto a Clare que faria
qualquer coisa por ela. O que havia de errado com a Sharon? — Julia
sussurrou, agarrando-se ao marido.
Gabriel encarou a esposa. — Eu nã o sei.
Sua resposta foi verdadeira. Como se explica a indiferença e a
crueldade? Ele experimentou ambos do pai bioló gico. E inalmente ele
percebeu que qualquer tentativa de explicar esse comportamento era
inú til, porque as explicaçõ es apenas eram má scaras para desculpas. E
ele nã o aceitaria desculpas.
Ele colocou as mã os sobre os ombros dela e apertou. — Eu te amo
Julianne. Nó s nos amamos e amamos Clare. Nã o começamos nossa vida
com os melhores modelos, mas pense em quem temos agora: todos na
cozinha, Tom e Diane, Scott e Tammy e todos os outros que amamos.
Nó s criamos nossa pró pria famı́lia para Clare.
— Ela nã o vai saber como é ter uma mã e que nã o a ama. — O tom de
Julia icou feroz.
— Nã o, ela nã o vai. — O abraço de Gabriel se apertou. — E ela tem
um pai que ama demais a ela e a mã e.
Julia enxugou os olhos com as costas da mã o. — Sinto muito por
estragar a festa.
— Você nã o estragou nada. E a sua festa. Você pode chorar, se quiser. .
.
Julia riu e foi como o sol saindo depois da chuva. Entã o,
inexplicavelmente, ela se levantou na ponta dos pé s para espiar por
cima do ombro de Gabriel pela janela da frente. — Nosso gramado está
coberto de lamingos.
Os lá bios de Gabriel se contraı́ram. — Sim. Sim, ele está .
— Eu meio que gosto deles.
— Eu acho que você precisa dormir. — Ele beijou sua testa.
— Eu nã o sei o que há de errado comigo. Quero rir desses lamingos
bobos e quero chorar porque temos uma famı́lia tã o boa. E eu estou
com fome.
— Dra. Rubio nos avisou que sua recuperaçã o levaria mais tempo
por causa das complicaçõ es. Você está alimentando a bebê a cada duas
ou trê s horas. Claro que você está com fome.
— Quero colocar um lamingo no quarto de Clare. — Gabriel afastou
a cabeça.
“Um lamingo vai arruinar a estética metódica que criamos", ele
pensou. — E um crime contra o design de interiores.
Ele mudou de assunto. — Talvez você deva tirar uma soneca e eu
devo mandar todo mundo para casa?
— Isso seria difı́cil. Com exceçã o de Katherine, todo mundo está aqui
em casa.
— E verdade.
— Agora, quem é que precisa dormir, Professor? — Julia sorriu e
pegou a mã o dele.
Gabriel esfregou a testa com a outra mã o. — Vou reservar quartos no
Lenox. E um bom hotel.
Julia olhou para os seus olhos azuis sé rios e expressã o preocupada.
Ela apertou a mã o dele. - Nã o os mande embora. Estou bem. De
verdade.
Gabriel lançou-lhe um olhar de dú vida.
Quando ela se inclinou contra ele, ele foi tomado pela lembrança dela
na sala de parto. Ela estava deitada em uma maca, pá lida e muito
quieta. O mé dico gritou com as enfermeiras para escoltá -lo para fora da
sala.
Ele pensara que ela estava morta.
Ele sentiu o coraçã o palpitar e colocou a mã o no peito. Julia olhou
para ele. — Gabriel, você está bem? — Ele piscou.
— Estou perfeitamente bem. — Ele encobriu sua agitaçã o beijando-a
com irmeza. — Estou preocupado com você .
Antes que Julia pudesse responder, uma garganta pigarreou pró ximo
a eles.
Eles se viraram para encontrar Rebecca, empregada da casa e amiga
deles, parada perto da porta. Rebecca era alta, com cabelos grisalhos e
grandes olhos escuros.
Ela foi até o casal e olhou preocupada para Julia. — Você está bem?
— Eu estou bem. — Julia levantou os braços ao lado do corpo. —
Apenas chorosa.
— Hormô nios. — Rebecca deu um tapinha no ombro dela. — Vai
levar tempo para o seu corpo voltar ao normal. Você vai perceber que
seus sentimentos vã o se tornar uma montanha russa.
— Oh. — Os traços de Julia relaxaram, como se as palavras de
Rebecca fossem uma revelaçã o.
— Tive a mesma experiê ncia quando meu ilho nasceu. Eu estava
rindo em um minuto, e chorando no outro. Mas isso melhora. Nã o se
preocupe. Você quer se deitar? Eu posso adiar o almoço.
Julia olhou para Gabriel. Ele ergueu as sobrancelhas.
— Nã o, eu quero ver todo mundo. E eu quero comer. — Ela olhou
ansiosamente na direçã o da cozinha.
— O almoço está quase pronto. Nã o tenha pressa. — Rebecca
abraçou Julia e saiu da sala.
— Eu esqueci da oscilaçã o hormonal. — Julia olhou para Gabriel. —
Me sinto perdida.
— Você nã o está perdida. — O tom de Gabriel era irme. Ele levantou
o queixo de Julia e levou os lá bios em um beijo lento e doce. — Nó s
nunca estaremos perdidos, contanto que tenhamos um ao outro.
Julia o beijou. — Estou tã o feliz por você estar aqui. Nã o consigo
imaginar tentar passar por isso sozinha.
Gabriel apertou os lá bios. Mais uma vez, lembrou-se daquele
importante e-mail, mas decidiu que nã o era o momento apropriado
para mencioná -lo.
Ele apontou para a janela. — Temos mil e um lamingos no gramado
da frente. Você está longe de estar sozinha.
Julia olhou para o rosto sé rio e levemente irritado de Gabriel. E
explodiu em risadas.
Capítulo Cinco

Naquela tarde, Gabriel olhou para uma in inidade de acessó rios de


metal, parafusos e peças de plá stico, que eram dispostos com precisã o
militar em cima do tapete do quarto do bebê .
(Era notá vel que nã o havia lamingos à vista.)
Ele lançou um olhar desanimado para uma caixa vazia na qual um
balanço infantil era exibido alegremente e fez uma careta novamente
para o
peças arranjadas.
— Filho de uma.
Algué m pigarreou atrá s dele.
Gabriel se virou e viu Richard parado na porta, segurando Clare.
A menina estava agitada e Richard estava fazendo o possı́vel para
acalmá -la, embalando-a e movendo-se para frente e para trá s.
— Onde está Julianne? — Gabriel se aproximou da porta e tocou
levemente a cabeça do bebê .
— Tirando uma soneca merecida. Clare deveria estar dormindo
també m, mas ela nã o está se acomodando. Eu disse que andaria com ela
pela casa para ver se ela se acostumaria. — Richard falou em tom baixo
e suave, enquanto esfregava cı́rculos suaves nas costas da criança.
— Eu posso levá -la. — Gabriel estendeu os braços.
— Ah nã o. Estava ansioso para ter o má ximo de tempo possı́vel com
minha nova neta. Vamos te fazer companhia. — Richard contornou as
muitas peças de metal e foi para a janela. — Como está indo?
Gabriel gesticulou vagamente para as peças no tapete.
— Estou lutando com o balanço. —
Richard riu. —Eu já iz isso antes. E junte bicicletas e brinquedos
impossı́veis de montar na vé spera de Natal. Meu conselho é ignorar seu
instinto de descobrir por si mesmo e seguir as instruçõ es.
— Eu tenho um doutorado em Harvard. Certamente eu posso
descobrir como montar um balanço de bebê .
— Eu tenho um doutorado em Yale. — Os olhos cinzentos de Richard
brilhavam.
— E eu sei o su iciente para ler as instruçõ es.
Gabriel sorriu ironicamente.
— Bem, eu nã o posso deixar um Yalie me superar. — Ele en iou a
cabeça na enorme caixa e recuperou um manual de instruçõ es. Ele
ajeitou os ó culos. — Isso está em chinê s, espanhol, italiano e alemã o.
— Eu montei um desses balanços quando Grace e eu trouxemos Scott
para casa do hospital. Fiquei acordado a noite toda e coloquei as pernas
para trá s. Eu nã o conseguia descobrir por que nã o balançava até Grace
consertar.
Gabriel riu e olhou mais de perto o manual.
— As instruçõ es italianas nã o fazem o menor sentido. Eles devem ter
contratado um aluno do primeiro ano para traduzi-los. Vou ter que
escrever uma carta para a empresa."
Richard olhou para o ilho mal disfarçando a diversã o.
— Talvez você deva montar primeiro. — Ele limpou a garganta. — O
parto de Scott foi relativamente fá cil em comparaçã o ao de Clare. Julia
parecia pá lida quando a deixei, alguns minutos atrá s.
Gabriel abaixou as instruçõ es.
— Eu vou dar uma olhada nela.
— Rachel estava lá com seus travesseiros grossos e fechando as
cortinas. Mas você provavelmente deve dar uma olhada nela depois.
Gabriel esfregou os olhos atrá s dos ó culos.
— O parto nã o foi como o esperado.
Richard curvou a cabeça para ver o rosto de Clare. Os olhos dela
estavam fechados. Ele diminuiu os movimentos, ainda balançando para
frente e para trá s.
— Julia precisará de cuidados e muito apoio. Você está de licença ou.
— Ah. Aqui está a parte em inglê s —. Gabriel escondeu o rosto
enquanto examinava as instruçõ es. — Sim, estou de licença
paternidade.
Richard levantou a cabeça.
— Julia deve retomar sua monogra ia em setembro do ano que vem,
correto? E você vai lecionar?
Gabriel se irritou.
— E o meu trabalho.
Dado o e-mail que ele recebera naquela manhã era extremamente
imprová vel, se nã o impossı́vel, que ele lecionasse na Universidade de
Boston no ano seguinte. Mas ele nã o revelou esse fato a ningué m,
incluindo Julianne.
Ele se agachou e começou a reorganizar as peças no balanço de
acordo com as instruçõ es.
— Estamos felizes por você e Rachel terem icado. Queremos que
Clare seja batizada esta semana em nossa paró quia. Vamos pedir a
Rachel que seja a madrinha.
— Tenho certeza que ela icará radiante. E estou feliz por podermos
assistir ao batismo. — Richard parecia inquieto com a tentativa evasiva
transparente de seu ilho. — Como você está lidando com tudo?
— Estou bem. — Gabriel parecia impaciente. — Por que eu nã o
estaria?
— A paternidade é uma grande responsabilidade. — O tom de
Richard era gentil.
Gabriel sentou-se sobre os calcanhares, seu foco no tapete.
— Sim. — Ele soltou um suspiro. — Como você aprendeu a ser pai?
— Eu nem sempre soube. Eu cometi erros. Mas Grace era uma mã e
incrı́vel. Ela parecia ter os instintos certos para ser mã e. Tive a sorte de
ter excelentes pais també m. Eles morreram antes de você morar
conosco, mas criaram um lar que era amoroso e carinhoso. Eu tentei
fazer isso com meus ilhos.
— Você conseguiu. — Gabriel pegou uma das pernas de metal e a
virou nas mã os.
Richard continuou.
—Ser pai é um compromisso. Você promete amar seus ilhos, nã o
importa o quê . Você promete mantê -los seguros. Você promete
sustentá -los, ensiná -los e guiá -los. E com a graça de Deus, muita
paciê ncia e trabalho duro, você manté m suas promessas.
Gabriel resmungou enquanto colocava a perna de metal no tapete.
Ele pegou o motor do balanço.
Richard ajustou Clare para que ela dormisse de costas nos braços
dele.
— Você está preocupado sobre como ser pai?
Gabriel deu de ombros.
— Você escolheu Julia para ser sua esposa. Ela é uma jovem adorá vel
e a parceira perfeita para você . Você s vã o descobrir juntos. E eu estarei
lá para você e sua famı́lia. Sou grato todos os dias por meus ilhos e pelo
ilho de Scott e Tammy, e agora por Clare. Que sorte tenho de ser um
avô jovem e poder desfrutar meus netos.
Gabriel desligou o motor e começou a juntar duas das maiores peças
de metal. Richard sentou-se na grande cadeira de couro que estava no
canto, ainda segurando Clare adormecida.
O olhar de Gabriel se voltou para a ilha e a visã o de seu pai
envolvendo-a de modo protetor.
Richard ainda usava sua aliança de casamento. Gabriel icou tentado,
muito tentado, a contar a Richard que sonhara com Grace enquanto
estava no hospital. Mas trê s anos apó s a morte dela Richard ainda
exibia as marcas de sua tristeza, nas linhas que se aprofundaram em
seu rosto e nos cabelos brancos que se multiplicaram em sua cabeça.
Gabriel manteria a apariçã o de Grace para si mesmo.
Ele conectou os pé s do balanço à s duas peças verticais que
formariam as pernas.
— Durante o parto algo deu errado. Eles me mandaram para fora da
sala. Eles me entregaram Clare, mas nã o me deixaram ver Julianne. Eu
pensei que ela estava morta.
— Filho. — A voz de Richard falhou.
Gabriel en iou a mã o na caixa de ferramentas e pegou uma chave de
fenda. Ele começou a apertar os parafusos nas pernas.
— Como você lidou com isso?
Richard tocou a cabeça de Clare gentilmente, para nã o a acordar.
— Essa é uma descriçã o adequada. Eu lidei. Mas minha vida nunca
mais será a mesma. Há liberdade na aceitaçã o. Sei que tudo mudou e
tentei ajustar minhas perspectivas de acordo. Mas ainda sofro. Eu
lamento a perda dela e o que poderia ter sido. E com o passar do tempo
e a dor diminui, mas nã o desaparece, aprendi a nã o lutar contra isso.
Perdi o amor da minha vida e sempre sentirei sua falta.
— Ela aparece algumas vezes nos meus sonhos. Mas somente
quando estou em nossa casa. Acho as apariçõ es dela reconfortantes.
— Me desculpe por nã o estar com você nesse momento.
Richard pareceu confuso.
— Mas você estava.
— Nã o de verdade. — Gabriel se ocupou com o balanço, abrindo as
pernas e encaixando a trave, a im de irmá -la. — Eu estava atolado em
meu pró prio egoı́smo.
— Quando Grace morreu, você veio e se sentou comigo no chã o.
Gabriel ergueu as sobrancelhas.
— Do livro de Jó , na Bı́blia —Richard se apressou em explicar. — Os
amigos de Jó ouvem falar do sofrimento dele e vê m vê -lo.
— Os amigos de Jó nã o sã o exatamente heró is — objetou Gabriel. Ele
conectou o motor do balanço à s pernas e testou a estrutura para
garantir que nã o tombasse.
— E verdade. Mas quando viram Jó sentado no chã o, foram sentar-se
com ele. E eles nã o falaram uma palavra por sete dias, pois
reconheceram o quã o grande era sua tristeza. — Richard fez uma pausa
até Gabriel fazer contato visual. — Quando Grace morreu, você veio e se
sentou comigo no chã o.
Gabriel nã o respondeu, suas emoçõ es espiralando no peito. Ele
pegou uma chave inglesa e apertou os parafusos que seguravam o
motor nas pernas.
— Passei horas re letindo sobre minha perda. Mas també m horas
lembrando momentos felizes. E a conclusã o a que chego é que a melhor
coisa que podemos fazer um pelo outro é estar presente e amar. —
Richard pausou e deu um beijo no topo da cabeça de Clare. — Quando
minha neta está agitada, eu posso segurá -la. Quando Rachel está
sofrendo, posso confortá -la. Quando meu ilho e sua esposa precisarem
de um par extra de mã os ou uma expressã o de apoio, eu estarei com
eles. Tempo, amor e apoio, essa é a essê ncia de ser pai.
Richard sorriu.
— Você está embarcando em uma nova fase da vida com sua famı́lia.
Sim, haverá desa ios. Mas haverá tempo su iciente para se preocupar
com eles quando chegarem. Concentre-se no presente e nã o deixe que
suas preocupaçõ es com o futuro roubem sua alegria.
Gabriel se ocupou deslizando o balanço do tapete para o carpete. Ele
sentou-se para apreciar seu trabalho.
— Muito bem, Harvard.
— Muito bem, de fato. — Os olhos cinzentos de Richard brilharam. —
Mas você prendeu tudo, menos o balanço.
Gabriel olhou consternado para a estrutura. Ele se virou e viu a peça
de balanço reclinada secretamente atrá s dele. Ele agarrou seu cabelo
com as duas mã os.
— Por. . . caria.
— Bem-vindo à paternidade. — Richard riu.
Capítulo Seis

Pouco antes da meia-noite, Gabriel atravessou a casa escura com


passos quase silenciosos. Esse era o seu costume rotineiro antes de se
aposentar.
Ele veri icou todas as portas para garantir que estavam trancadas e
passou a veri icar as janelas.
Olhando pela janela da frente em Foster Place, ele notou um carro
dirigindo devagar. O carro era preto e banal. Mas o trá fego era raro em
Foster Place, porque era um beco sem saı́da. Havia duas vagas de
estacionamento disponı́veis na rua, e eles estavam disponı́veis apenas
para os moradores.
O carro diminuiu a velocidade ao passar por Gabriel, continuou até o
inal do beco sem saı́da e passou mais uma vez bem devagar. A placa da
frente estava oculta pela lama. As janelas eram de vidro escuro.
Observou o carro entrar na rua seguinte e puxou a cortina de volta,
cobrindo a janela. Ele entã o examinou o té rreo.
Alguns meses antes, Julianne decidira decorar a casa com lanternas,
cada uma delas segurando uma vela arti icial. As velas brilhavam
suavemente, lançando ondas quentes e ondulantes. Ela colocou as
lanternas estrategicamente — uma em cada quarto, uma na base da
escada e uma na parte superior, uma fora do quarto de Clare no
segundo andar e uma fora do banheiro de hó spedes. As velas eram
acesas ao anoitecer e brilhavam até de manhã .
Gabriel parou por um momento para admirar o brilho reconfortante
das lanternas, maravilhado com a forma como mantinham a escuridã o
afastada. Em seu coraçã o, ele elogiou a previsã o de Julia. Ningué m
tropeçaria nas escadas ou a caminho do quarto do bebê . Talvez fosse
uma coisa pequena acender uma lanterna. Mas, na mente de Gabriel, o
gesto parecia ainda mais signi icativo, pois ele considerou como seria
aquela noite se Julianne nã o tivesse sobrevivido ao parto.
A oraçã o de Gabriel foi espontâ nea, como sua enorme gratidã o por
sua famı́lia. Como a maneira que Julianne o amava.
Satisfeito com a segurança de sua casa, ele subiu as escadas. Ele
parou no quarto da ilha e acendeu a luz. O novo balanço estava
orgulhosamente no centro da sala, cheia de presentes e roupas de bebê .
Richard havia colocado o nome de Clare em grandes letras brancas
acima de seu armá rio.
Gabriel sorriu e apagou a luz.
No quarto principal, uma fantá stica luz noturna projetava estrelas
rosadas no teto sobre o lado da cama de Julianne. Ele podia vê -la
enrolada como uma bola sob as cobertas. O cercadinho estava quase ao
alcance do braço da cama. Clare estava envolta em tecido macio, deitada
em um berço que descansava em segurança no topo do piso elevado do
cercadinho.
Ele tocou a cabeça de Clare suavemente, para nã o acordá -la.
— Papai te ama.
Entã o ele se virou para a esposa adormecida e deu um beijo em seus
cabelos. Ele levou um momento para examinar ao seu redor,
especialmente a grande reproduçã o da pintura de Henry Holiday de
Dante e Beatrice, pendurada na parede em frente à cama. Mais uma vez,
ele olhou para o rosto de Beatrice, notando a semelhança chocante
entre seu pró prio anjo de olhos castanhos e a amada de Dante.
Entã o, seu olhar se voltou para as grandes fotogra ias em preto e
branco que ele havia tirado de si e de Julia desde que estavam juntos.
Havia outras, é claro. Pilhas de fotos cobriam seu escritó rio,
documentando a bela forma de Julianne durante a gravidez. E havia
umas cem fotos digitais de Clare salvas em seu computador, que haviam
sido tiradas no hospital.
Mas, naquele momento, ele olhou com carinho para a foto antiga do
pescoço gracioso de Julianne e suas mã os segurando seus longos
cabelos castanhos. E entã o a foto dela sentada na beira da banheira,
suas lindas costas e a lateral de um dos seios expostos.
O desejo se agitou dentro dele. Ansiando pela conexã o de seus
corpos, algo que nã o era possı́vel nas ú ltimas semanas. O amor lhe
ensinara paciê ncia, pois ele nã o seria tã o egoı́sta a ponto de pressioná -
la com seus desejos agora. Mas o Professor Emerson nã o era um
homem paciente. Naturalmente, també m nã o tinha inclinaçã o para o
celibato.
Quanto mais ele pensava em sua esposa e seu corpo lindo e
exuberante, mais seu desejo crescia.
Ele esfregou os olhos.
Mais alguns dias. Fui celibatário por meses antes de Julianne e eu nos
casarmos. Certamente eu posso sobreviver mais alguns dias.
Gemendo, ele cruzou para o lado da cama perto da janela. Ele estava
acostumado a dormir nu, mas isso nã o era mais apropriado. Com uma
carranca oprimida, ele tirou a camiseta e a jogou, vestido apenas com
uma calça de pijama. Entã o ele puxou as cobertas.
Ele pulou para trá s e praguejou.
Ali, apoiado no travesseiro, havia um grande lamingo de plá stico,
que estava olhando para ele com um sorriso enlouquecido no rosto.
Ele xingou.
Uma risada soou do outro lado da cama.
Gabriel acendeu a lâ mpada e olhou para a esposa.
— Et tu, Brute?
— O quê ? — Julia se virou para encará -lo, ingindo sonolê ncia. Mas
ela nã o conseguiu manter a cara sé ria.
Gabriel fez uma careta. Ele pegou o maldito enfeite de gramado com
dois dedos e o olhou aborrecido.
Julia riu.
— Oh vamos lá . Foi engraçado.
Ele torceu o nariz e colocou o lamingo no chã o. Entã o ele empurrou
a criatura para o lado com o pé .
— Espero que você tenha limpado depois de retirá -lo da sujeira.
— Talvez. —Ela deu uma piscadela atrevida.
Ele examinou sua fronha, com as mã os na cintura.
— Vamos ter que tirar a roupa de cama.
Ela se jogou contra o colchã o.
— Está tarde. Lavei o lamingo antes de colocá -lo no seu travesseiro,
juro.
Gabriel lançou-lhe um olhar duvidoso.
Ela bateu nos lençó is do lado dele.
— Olha, legal e limpo. Venha para a cama. Foi um longo dia.
Ele encarou o travesseiro como rosto cansado, mas esperançoso, e
olhou para cima. Ele balançou sua cabeça.
— Certo. Mas vou trocar a roupa de cama amanhã de manhã . E jogar
alvejante em tudo.
Gabriel removeu algo da gaveta da mesa de cabeceira e escondeu na
mã o. Ele deixou a luz acesa e se arrastou para debaixo das cobertas.
—Rachel deve ter colocado você nisso.
— Nã o, foi minha ideia. — Julia bocejou.
Ele a puxou em sua direçã o e beijou sua tê mpora.
— Adoro ouvir você rir — confessou. — E ver você sorrir.
Julia se aconchegou contra ele.
— Sinto muito pelas lá grimas mais cedo. Só estou cansada e
sobrecarregada.
— Estou preocupado com você .
— Estou bem.
— Nã o há razã o para você estar cansada e sobrecarregada. Você tem
a mim.
Ela descansou a cabeça no ombro nu dele.
—Bom, porque eu preciso de você . E Clare precisa de você també m.
Gabriel escondeu o rosto nos cabelos dela.
—Todo dia é um presente. Juro nã o os desperdiçar.
— Eu també m.
Ele procurou a mã o direita dela.
—Eu queria te dar uma coisa no hospital, mas nã o tı́nhamos muita
privacidade. Entã o eu queria dar a você quando chegamos em casa, mas
nã o era o melhor momento.
Julia levantou a cabeça.
—O que é isso?
Ele colocou uma pequena caixa azul na mã o dela.
Ela sentou-se imediatamente. Ela desfez o laço de ita branca
enrolado na caixa e abriu a tampa. Uma caixa menor de veludo estava
aninhada dentro.
Gabriel pegou a caixa menor e abriu, mostrando o que havia dentro.
Dentro da caixa havia um anel, com um grande rubi oval ladeado por
dois diamantes redondos. O corpo era de platina e lembrava o anel de
noivado de Julianne.
Ele removeu o anel e segurou a mã o direita dela, deslizando-o pelo
anelar.
— Este é um presente para comemorar o grande presente que você
me deu. O rubi representa você , o coraçã o da nossa famı́lia, e os
diamantes representam eu e Clare. Juntos formamos uma famı́lia.
Ele se inclinou para pressionar os lá bios contra a base do dedo dela.
—E lindo — ela sussurrou. Ela olhou para ele maravilhada. — Eu nã o
sei o que dizer.
As sobrancelhas de Gabriel se moveram juntas.
— Você gostou?
— Eu amei. E lindo. Mas o mais importante, eu amo o que representa.
— Ela olhou para o anel. — E cabe.
— Eu tive que aproximar o tamanho com base nos seus outros ané is.
Mas sempre pode ser redimensionado. — Com o polegar, ele moveu o
anel para frente e para trá s no dedo dela, testando.
— E incrı́vel. Obrigada. — Ela o beijou mais uma vez.
Gabriel pegou as caixas e as itas e as colocou na mesa de cabeceira.
Ele apagou a luz.
— Que horas o bebê precisa mamar?
— Em breve. Ativei o alarme no meu telefone.
Gabriel se acomodou debaixo das cobertas e trouxe Julia para o seu
lado.
— Acorde-me quando terminar que eu troco ela. Aı́ você pode voltar
para a cama mais cedo.
Julia murmurou e levantou o braço direito, examinando o anel na
penumbra.
— Estou exausta. — Ele riu.
— Entã o vá dormir.
— Agora estou sem sono. A culpa é do lamingo.
Gabriel riu. Sua esposa riu em resposta.
Quando as risadas diminuı́ram, Gabriel se viu encarando seus olhos
grandes e expressivos. Algo passou por eles.
Impulsivamente, ele a colocou de costas. Ele traçou as sobrancelhas
dela com a ponta do dedo.
— Beatrice.
Ela suspirou quando seus lá bios encontraram os dela.
A eletricidade entre eles nã o havia diminuı́do. Gabriel demorou-se,
permitindo que sua boca adorasse a dela.
Ele aprofundou o beijo, sua mã o acariciando seu quadril por cima da
camisola.
Quando a lı́ngua dele gentilmente provocou a dela, ela fez um
barulho com a garganta. Gabriel sentiu-se encorajado e continuou a
dança, os lá bios irmes e insistentes.
A mã o dele deslizou para o lado dela e pairou sobre seus seios. Seus
olhos tinham uma pergunta.
— Seu presente merece uma celebraçã o — ela sussurrou. — Eu
tenho saudade de você .
Gabriel sorriu largamente, sua mã o pairando como um pá ssaro sobre
os seios dela.
A expressã o de Julia mudou.
— Mas é muito cedo. Meus seios estã o doloridos e estou dolorida em
volta da incisã o e mais abaixo.
Aturdido, Gabriel abaixou a mã o para descansar no colchã o, perto do
quadril dela.
— Desculpe.
A palma da mã o de Julia se moveu para a coxa dele e começou a
deslizar para cima.
— Eu posso cuidar de você .
Gabriel pegou o pulso dela.
— Outra hora. — Ele levou o pulso dela aos lá bios e beijou a pele
pá lida que se estendia sobre suas veias.
Julia suspirou, exausta e frustrada. Ela deslizou a cabeça pelo
travesseiro até descansar ao lado do ombro dele.
— Você tem certeza?
—Tenho certeza. O que posso fazer por você ?
— Nada. — Ela forçou um sorriso. — Ficarei bem em seis semanas.
Seis semanas? Que tipo de inferno é esse?
Gabriel piscou lentamente. Em algum lugar no â mago de sua
memó ria ele se lembrou do pronunciamento de Dra. Rubio-Atena, de
que a relaçã o sexual deveria ser adiada. Mas a duraçã o do adiamento
nã o havia realmente penetrado em sua consciê ncia.
— Eu faria se pudesse. — Julia parecia se desculpar. — Eu sinto
muito. — Seu tom sincero o despertou de seus devaneios.
— Você nã o tem nada para se desculpar. — Ele a beijou suavemente
no nariz. — Aqui. — Ele deslizou os braços sob o corpo dela e
gentilmente a ajudou a rolar para o lado, olhando para longe dele.
Ele se apoiou atrá s dela, passando os dedos pelos seus cabelos. Ele
sentiu o corpo dela começar a relaxar sob seu toque.
— Eu vou esfregar suas costas.
As mã os dele deslizaram sensualmente pelos ombros e pelas costas
dela. Pele com pele, ele a acariciou. E onde ele encontrou tensã o, ele
massageou. — Qual é a sensaçã o disso?
— Otima. — Seu corpo caiu contra o colchã o.
— E isso? — Ele concentrou seu contato no ombro direito dela.
— Isso é bom.
— Entã o apenas sinta, querida. Eu vou icar aqui. Bem aqui. —Ele
deu um beijo lento e casto na á rea entre as omoplatas dela e a sentiu
tremer sob seus lá bios. — Serei bom. Eu prometo.
Ele conhecia o corpo dela. Ele sabia como provocar prazer nela e
como fazer os dedos dos seus pé s se enrolarem. Mas nesses momentos,
seu ú nico objetivo era cuidar dela e ajudá -la a adormecer.
Ela gemeu baixinho, com os olhos fechados.
As mã os dele deslizaram para as costas dela. Ele apertou os
mú sculos com cuidado e passou suavemente os dedos sobre a pele dela.
A respiraçã o de Julia se suavizou e logo icou claro que ela havia
adormecido.
Gabriel continuou a acariciá -la, mas com mais leveza.
— Teu amor é melhor que o vinho — ele falou na escuridã o. — Eu
nunca vou superar o meu desejo por você .
Com uma carı́cia inal, ele beijou o ombro dela e cuidadosamente
descansou a mã o na curva do quadril dela. Ele suspirou e levantou os
olhos tristes para o cé u. — Dê - me paciê ncia, Senhor, pelo menos pelas
pró ximas seis semanas.
Capítulo Sete

O choro infantil quebrou o silê ncio.


Gabriel levou um tempo espantar o sono, como um nadador lutando
para alcançar a superfı́cie. Julia rolou ao lado dele. Ele a ouviu mexendo
no celular.
Ela gemeu.
— Está na hora? — Sua voz estava grave com o sono.
— Nã o por uma hora. — Julia afundou no travesseiro e cobriu os
olhos com as mã os.
— Eu vou. — Gabriel empurrou as cobertas.
— Nã o, eu posso fazer isso.
—Apenas descanse. Vou dar uma olhada nela.
Felizmente, Julianne puxou as cobertas sobre a cabeça.
Gabriel foi até o cercadinho e levantou uma Clare chorosa nos braços.
O bebê se aquietou por um momento enquanto ele a segurava contra o
peito nu. Mas entã o ela continuou.
Ele caminhou rapidamente para o quarto de bebê , murmurando e
embalando-a suavemente em seus braços. Ela continuou chorando,
mesmo depois que ele acendeu a luz. Ele nã o havia discernido seus
diferentes choros. Ainda nã o. Todo o choro soava o mesmo para ele,
entã o ele nã o tinha certeza do que ela estava querendo dizer.
Ele a colocou em cima do trocador e a desenrolou, removendo
cuidadosamente o pijama. O bebê chorou mais alto.
Ele pediu silê ncio quando retirou a fralda, que estava molhada. Mas
ela continuou chorando, mesmo depois de estar limpa e seca.
Confuso, ele a vestiu e a envolveu, embalando-a contra seu peito nu.
Mais uma vez, o bebê parou de chorar assim que tocou sua pele.
Quando ela continuou, ele pigarreou e tentou cantar.
O bebê continuou a chorar.
— Eu nã o canto tã o mal assim — protestou ele. — Posso cantar uma
mú sica.
Ele cantou mais alto, balançando-se para frente e para trá s no tapete,
como um dançarino. Quando icou sem os versos de “You Are My
Sunshine,” ele inventou novos.
Estava prestes a levar o bebê para Julianne amamentar quando ele
colocou a mã o na cabeça do bebê , acariciando seus cabelos. Clare parou
de chorar.
Nã o desejando tentar o destino, Gabriel manteve a mã o onde estava e
continuou cantando. Quando ele retirou a mã o, ela começou a chorar
novamente.
Ele colocou a mã o na cabeça dela e a criança se acalmou.
O cé rebro sonolento de Gabriel funcionava devagar, mas
eventualmente lhe ocorreu que talvez o bebê estivesse com frio. Ele
pegou a touca de malha roxa que Clare fora presenteada no hospital e
colocou na cabecinha dela.
O bebê se mexeu um pouco e fechou os olhos, descansando a
bochecha no coraçã o de Gabriel.
Ele parou de cantar, mas continuou dançando lentamente para frente
e para trá s.
Ele temia que, se colocasse Clare no cercadinho, ela começasse a
chorar novamente. Julianne teria que alimentá -la em breve de qualquer
maneira. Ela merecia mais alguns minutos de descanso.
Ele escureceu o lustre do quarto e sentou-se na grande poltrona no
canto, apoiando os pé s no otomano. Ele segurou Clare contra o peito, do
jeito que ele segurara na primeira noite no hospital.
— Eu nã o tenho ideia do que estou fazendo — ele sussurrou para o
bebê dormindo. — Mas eu prometo aprender mais mú sicas.
Capítulo Oito

Gabriel estava no banheiro principal, fazendo a barba. Seu cabelo


escuro estava ú mido, seus olhos azuis turvos atrá s dos ó culos. Ele
estava vestido apenas com uma toalha branca, que enrolou ao redor dos
quadris. Ele parou quando Julianne entrou no banheiro, fechando a
porta atrá s dela.
— Onde está o bebê ? — Ele perguntou.
— Rachel está trocando-a e entã o ela vai levá -la para baixo. — Julia
bocejou.
Era de manhã cedo, mas todos na casa estavam acordados. Rebecca
já havia começado o café da manhã e o cheiro de café e bacon subia
pelas escadas.
— Você dormiu bem noite passada?
Julianne corou um pouco.
— Sim. E você dormiu bem?
— Tolerá vel. — Ele pegou a mã o dela e a puxou para seus braços.
— O tempo é realmente seis semanas?
— Infelizmente sim. Mas o tempo é sobre o que meu corpo pode
aguentar, nã o o seu. — Julia beijou-o com irmeza. — Vou ter certeza
que você seja bem cuidado.
Gabriel abriu a boca para protestar, depois fechou abruptamente.
Seus lá bios se alargaram em um sorriso de lobo.
Ela levantou a mã o direita e balançou os dedos.
— E obrigada por isso. E ainda mais magnı́ ico à luz do dia.
— De nada. — Ele a beijou, sua boca se demorando contra a dela.
—Eu preciso de um banho. — Ela se afastou.
Ele beijou a testa dela.
— Agora é sua chance.
Ela o abraçou pela cintura antes de atravessar para o armá rio de
toalhas.
Gabriel ingiu continuar se barbeando, olhando para Julianne atravé s
do espelho.
Ela pegou um par de toalhas brancas grossas, pendurando-as em um
gancho perto do chuveiro. Entã o ela abriu o box.
Gabriel se virou em antecipaçã o.
Julia gritou e pulou para trá s, esbarrando no marido. Ele a agarrou
pelos ombros, irmando-a.
— Et tu, Brute? — Ela lhe deu um olhar acusató rio.
Ela lhe lançou um olhar acusador.
— Oh, vamos lá . — Ele a apertou. — Foi engraçado. — Julia balançou
a cabeça e voltou para o chuveiro. Lá dentro, um lamingo plá stico rosa
vestindo uma touca de banho sorria para ela.
— Espero que você tenha limpado quando retirou da terra.
— Eu nã o precisei. — Gabriel sorriu quando voltou ao barbear. —Eu
usei o que você limpou.
— A touca de banho foi um toque bacana. — Julia ligou o chuveiro e
cuidadosamente removeu sua camisola.
— Pensei que seria. — Gabriel se virou e a olhou por cima dos
ó culos. — Você vai tomar banho com o lamingo?
— Me sinto solitá ria no banho. — Ela lançou lhe um olhar feroz.
Gabriel observou enquanto ela tirava a cinta modeladora da barriga e
a calcinha, o olhar ixo nos pontos dela. Em apenas alguns dias seu
abdô men se contraiu dramaticamente, tornando visı́vel o leve sorriso
da cesariana.
Ela entrou no chuveiro e fechou a porta.
Gabriel tirou os ó culos e encostou-se na penteadeira enquanto Julia
estava embaixo do jato de á gua. Ela tirou a á gua dos olhos e pegou um
frasco de gel de banho. Entã o parou.
Ela olhou para baixo do abdô men e parecia inspecionar os pontos.
— Tem algo errado? — Ele levantou a voz acima do barulho da á gua
caindo.
Quando ela nã o respondeu, mas permaneceu congelada, ele deslizou
a porta do box para o lado.
— Julianne?
Ela estava olhando para baixo, imó vel.
Ele seguiu o olhar dela e viu um redemoinho vermelho na á gua que
corria sob seus pé s.
Gabriel entrou em pâ nico.
— Julianne? — Ele repetiu, com mais urgê ncia.
Ela levantou o olhar e fez contato visual com ele, sua expressã o
estranhamente aé rea. Entã o seus olhos reviraram.
Gabriel pulou para dentro do chuveiro, ainda usando a toalha, e a
pegou quando seus joelhos cederam.
— Julianne! — Ele a pegou, sentindo seu corpo icar mole em seus
braços.
Sem saber o que fazer, ele correu para o quarto e a colocou na cama,
cobrindo-a com um lençol.
— Julianne? Julianne! — Quando ela nã o respondeu, ele contornou a
cama e correu para a mesa de cabeceira. Ele acabara de desbloquear o
celular quando a ouviu murmurar.
— Gabriel? — Ela olhou para ele, um olhar confuso no rosto.
Ele sentou-se ao lado dela.
— Como você se sente? — Ele tocou sua testa, procurando por um
sinal de febre, mas sua pele estava fria.
— Eu nã o sei. — Ela olhou para baixo. — Por que meu cabelo está
molhado?
A expressã o de Gabriel icou tensa.
— Você desmaiou no chuveiro.
— Sé rio? — Ela tocou a testa. — Sinto que acabei de acordar.
— Estou ligando para o hospital.
— Nã o, sem hospital. — Ela levantou o lençol, o braço tremendo. —
Estou molhando a cama.
— Foda-se a cama. — Os olhos azuis de Gabriel queimaram.
Ela olhou para ele e sua confusã o se dissipou.
— Eu tive um momento de tontura no chuveiro há alguns dias.
— Por que você nã o me contou? — O tom de Gabriel era a iado.
— Eu disse à enfermeira. Sã o os pontos. Eu tenho que veri icar a
incisã o, mas isso me deixa enjoada de olhar para ela.
Ele se inclinou sobre ela.
— Por que você nã o me disse?
— Isso nã o me passou pela cabeça. Estou bem.
Gabriel bufou.
— Você nã o está bem. O que devemos veri icar em relaçã o à incisã o?
Ela fez uma careta.
— Sinais de infecçã o ou se está reabrindo. A á rea ao redor da incisã o
está dormente. E estranho.
— Deverı́amos ter veri icado a dormê ncia. — Seu aperto na mã o dela
aumentou. — Vi sangue no chuveiro, antes que você desmaiasse.
— Sangue? — Os olhos de Julia se arregalaram e ela começou a
tremer.
Gabriel a abraçou.
— Fique comigo.
Depois de um momento, ela piscou rapidamente.
— Sinto que o açú car no meu sangue caiu. Talvez seja por isso que eu
desmaiei.
Ainda a segurando, Gabriel abriu a gaveta da mesa de cabeceira. Ele
remexeu e pegou uma barra de chocolate.
— Como você soube do meu chocolate secreto? — Ela o olhou
descon iada.
— Presto atençã o. — Ele abriu a barra de chocolate, quebrou um
pedaço e entregou a ela.
Ela cantarolou quando a doçura se espalhou por sua lı́ngua.
— Estou sangrando desde a cirurgia. O mé dico disse que é normal.
— Novamente, Julianne, por que você nã o me contou?
— Eu contei. Lembra da noite passada? Eu disse que estava...— Ela
parou, confusa.
— Precisamos ligar para o hospital.
Julia fechou os olhos com força.
— Bem, ligue para o hospital. Mas nã o quero voltar.
Enquanto ela continuava a comer sua barra de chocolate, Gabriel
ligou para o Hospital Mount Auburn e foi rapidamente transferido para
a unidade de parto. Ele nã o sairia do lado de Julia, mas falou em voz
baixa e calma, para nã o a incomodar. Ficou claro em sua linguagem
corporal que ele nã o estava feliz com o que ouviu.
Quando ele terminou a ligaçã o, ele jogou o telefone de lado.
—Acho que devemos levá -la ao pronto-socorro.
— Foi isso que eles disseram?
— Nã o. — Ele fez uma careta. — Eles estã o me dizendo que o
sangramento é normal, mas para monitorar a saı́da. E para veri icar se
você tiver febre, o que eu já iz. Disseram que a dormê ncia ao redor da
incisã o é normal e desaparece. Obviamente, eles nã o sabem do que
estã o falando.
— Tudo bem, mas nã o acho que dois pais de primeira viagem sabem
mais sobre o parto do que os mé dicos. — Ela levantou a mã o e Gabriel a
pegou novamente. — Lembro de estar no chuveiro e lembro de ver
sangue. Por isso desmaiei.
Gabriel coçou o queixo meio barbeado.
— Quando foi a ú ltima vez que você desmaiou? Lembro-me de você
se sentindo tonta no meu estudo em Toronto. Nã o havia sangue.
— Você me assustou. E estava quente lá dentro.
— Certamente. — Gabriel se inclinou para beijar sua testa. — Você
desmaiou em meus braços, o que foi muito agradá vel.
— Professor atrevido.
— Absolutamente. Eu sou, de fato, um professor muito atrevido. Mas
nã o enquanto você estiver doente. — Ele afastou os cabelos do rosto
dela. — Agora, nó s vamos ao pronto-socorro?
— Eu preciso terminar meu banho. — Ela olhou para os lençó is,
consternada. — Precisamos lavar os lençó is.
— Eu cuidarei disso. — Ele se levantou e fez uma pausa, ainda
segurando a mã o dela. — E eu vou ajudá -la a tomar banho.
Ela olhou para ele com tanto alı́vio que quase partiu seu coraçã o.
Ela deslizou para a beira da cama. Ele a ajudou a se levantar e a
acompanhou de volta ao banheiro.
O chuveiro ainda estava ligado e as portas estavam embaçadas.
Gabriel rapidamente removeu o lamingo rosa (que já havia tomado
banho o su iciente) e o colocou ao lado da banheira. Entã o ele se despiu
da toalha molhada antes de ajudar Julia entrar no chuveiro. Ele a
seguiu, fechando a porta atrá s dele.
Ela olhou para ele melancolicamente.
— Faz um tempo desde que tomamos banho juntos.
— Precisamos remediar isso. E preciso comprar mais tinta de
chocolate para o corpo. — Gabriel arriscou um pequeno sorriso, mas
nã o alcançou seus olhos. Ele estava examinando Julia como uma mã e
protetora.
Ele levantou a mã o dela e a colocou no quadril.
— Assim você nã o cai — explicou.
Julia esfregou o polegar sobre a pele ú mida.
Ele a posicionou para que ela estivesse sob o jato de á gua, molhando
o cabelo mais uma vez. O polegar dele acariciou gentilmente sua testa,
leve como uma bê nçã o, antes que seus dedos passassem por seus ios
castanhos escuros. Entã o ele apertou o xampu na palma da mã o e
começou a aplicá -lo no alto da cabeça dela.
— Rosas — ele respirou.
— E novo. — Julia falou com os olhos fechados, inclinando-se para
ele.
— Sinto falta da baunilha.
— O gel de banho é baunilha.
— Excelente. — O olhar de Gabriel disparou para o piso sob seus pé s,
procurando sangue. Ele icou aliviado quando nã o viu nada.
Ele estava vagando em seus movimentos. Ele massageou o couro
cabeludo e, com carinho, passou o xampu até as pontas dos cabelos.
Julia levantou a outra mã o e a colocou no quadril dele, segurando-o
para se equilibrar. O nariz dela entrou em contato com os peitorais dele
e os delicados ios de cabelo que os cobriam. Ela se aninhou contra ele.
Depois que ele lavou os cabelos, ele usou o sabã o com aroma de
baunilha para acariciar gentilmente seus ombros, seu pescoço de cisne
e seus seios inchados.
Ela abriu os olhos.
— Você ainda está dolorida? Seus polegares pairavam a uma
distâ ncia respeitosa de seus mamilos.
— Um pouco.
Gabriel retirou as mã os da cintura dela, permitindo que a á gua
escorresse pela frente, enxaguando os seios. Ele se inclinou para frente
e beijou sua clavı́cula e seu peito, evitando cuidadosamente seus
mamilos.
Ele derramou mais sabã o em suas mã os e ensaboou-as, depois lavou
o abdô men dela antes de examinar seus pontos.
— Eles estã o dando conta. Nã o vejo nenhum problema.
A mã o dele desceu até o emaranhado de cachos, mas ele nã o se
moveu entre as pernas dela.
— E aqui?
— Apenas seja gentil.
Delicadamente, ele lavou entre as pernas dela, olhando atentamente
em seus olhos.
— Isso me lembra de Umbria — ela sussurrou. — Em nossa primeira
viagem à Itá lia, você me banhou no chuveiro.
Os olhos de Gabriel arderam.
— Eu lembro.
— Eu era esquisita.
Gabriel franziu a testa e retirou a mã o.
— Eu nunca pensei que você fosse esquisita. Você estava ferida,
Julianne. Levou tempo para você se acostumar comigo.
— Eu nã o sei como você me suporta.
Gabriel parecia magoado. Ele lavou as mã os rapidamente antes de
pegar as dela.
— E você quem me suporta, Beatrice. Nunca esqueça isso.
Ele deu um beijo no centro da palma da mã o dela.
— Fui eu quem a deixou sozinha no pomar. Fui eu que te esqueci e te
tratei de maneira abominá vel até me lembrar. E ainda assim, você
acha... — Ele balançou sua cabeça. — Fui assombrado por meus
fantasmas em nossa primeira viagem e entã o depois, quando
retornamos a Selinsgrove.
Julia estremeceu, lembrando-se de uma conversa particularmente
dolorosa que tiveram na loresta atrá s da casa de Richard.
— Você ainda está aqui. — Os olhos de Gabriel encontraram os dela.
— E eu també m, e é por isso que você tem que me deixar levá -la ao
hospital. Você caiu em prantos ontem e desmaiou esta manhã . Podem
ser os hormô nios pó s-parto, mas pode ser algo mais.
— Acabei de chegar em casa. — Ela pressionou a bochecha no peito
dele. — Nã o me faça voltar.
Ele colocou a mã o na base da coluna dela.
— Você ao menos falou com a Rebecca? Ela é mã e. Eu quero ouvir o
que ela acha.
— Tudo bem.
— Alé m disso, gostaria que você considerasse tirar uma licença de
maternidade de Harvard, com efeito imediato.
Julia deu um passo atrá s.
— Nã o. Começo minha licença de maternidade em janeiro.
Gabriel a olhou atentamente. Sua mandı́bula se apertou.
Ela tirou as mã os dos quadris dele.
— Eu já perdi uma semana de aula. Eu disse a Greg Matthews que
voltaria o mais rá pido possı́vel.
— Julianne — ele murmurou. Ele estava se esforçando
desesperadamente para nã o lhe dizer o que fazer. Era ó bvio que ela
deveria começar sua licença maternidade imediatamente. Ela nã o
estava em condiçõ es de ter aulas.
Mas ele estava tentando convencê -la a ir ao hospital, o que era mais
importante no momento do que a licença de maternidade.
Julia olhou para sua expressã o um tanto sombria. Ela sabia que ele
estava mordendo a lı́ngua.
— Se você me levar para o hospital, quem cuidará de Clare?
— Vou pedir para Rachel cuidar dela enquanto estivermos fora.
— Nã o bombeei leite.
— Você pode alimentá -la novamente antes de sairmos e, se nã o
chegarmos a tempo, Rachel e Richard podem levar Clare ao hospital.
Julia agarrou o braço dele.
— Eu nã o vou deixá -la.
Gabriel arqueou as sobrancelhas. Ele começou a formular uma sé rie
de argumentos calculados para convencer sua esposa da loucura de sua
exigê ncia, mas parou abruptamente.
— Certo. Vamos levá -la conosco.
— Otimo.
— Otimo — repetiu Gabriel, um tanto rı́gido. Ele pegou o sabonete e
cuidadosamente virou Julia. Entã o ele continuou a cuidar de sua esposa,
tentando ao má ximo mascarar sua ansiedade.
Capítulo Nove

Você deveria procurar um mé dico — O rosto de Rebecca estava


enrugado de preocupaçã o. Ela e Julia estavam conversando em
particular na cozinha.
— Gabriel é superprotetor. — Julia olhou atravé s do quarto para o
marido, que estava segurando Clare.
— Nesse caso, por um bom motivo. — Rebecca colocou um par de
luvas no balcã o, ao lado do fogã o. Seu sotaque de Boston tornou-se mais
pronunciado quando os vincos de preocupaçã o em seu rosto se
aprofundaram. — Desmaiar nã o é normal durante o pó s-parto. Você
nã o quer segurar o bebê e desmaiar. — Julia icou em silê ncio. O
pensamento nã o lhe ocorreu.
Rebecca continuou. — Uma rá pida ida ao hospital deixará a
consciê ncia de todos tranquila, incluindo a sua.
Julia mastigou o interior da boca, observando o marido com o bebê .
Primeiro, você precisa comer. — Rebecca apontou para a mesa da
cozinha. — Tome um bom café da manhã , leve um lanche com você . Mas
você deve ir ao pronto-socorro. — Concordo. — Rachel se aproximou
das mulheres do outro lado da sala.
Ok. — Julia esfregou os olhos, de repente muito, muito cansada.
Rebecca deu um tapinha no braço de Julia e voltou ao forno, onde
estava esquentando um casserole para o café da manhã .
Puta merda! O que é isso? — Rachel agarrou a mã o de Julia.
Gabriel me deu.
Veja o tamanho disso! — Rachel amaldiçoou baixinho. — E lindo.
Uau.
Julia sorriu para a amiga e as duas foram até a mesa.
Entã o? — O olhar de Gabriel se ixou em sua esposa enquanto ela se
sentava ao lado dele. — Qual é o veredito do hospital?
Nó s iremos depois do café da manhã . — Julia estendeu os braços
para pegar Clare.
Você come, eu a seguro. — Gabriel ajeitou Clare em seus braços e o
bebê abriu os olhos azuis.
— Olá . — Ele sorriu, aproximando o rosto do dela. — Bom dia,
Principessa. — A criança fechou os olhos e bocejou. E entã o olhou para
o pai.
Julia sentiu algo quente e só lido percorrê -la enquanto examinava o
marido. Ele tinha um olhar de completa devoçã o enquanto olhava para
sua garotinha. Ele já estava comendo na mã o dela.
Rachel limpou a garganta. — Esse é um belo anel que Jules está
usando.
Gabriel sorriu com orgulho quando sua esposa levantou a mã o para
Richard vê -lo.
Rachel continuou. — Alé m da ida ao hospital, o que mais há na
agenda de hoje?
Gabriel respondeu sem tirar os olhos de Clare. — Espero que algué m
resolva a infestaçã o de lamingos no meu gramado da frente. Os
vizinhos foram devidamente noti icados do nascimento de Clare. Na
verdade, acho que os russos podem ver a infestaçã o do espaço.

— Meu assistente enviou uma có pia do seu prontuá rio e nó s
apressamos o seu exame de sangue, entã o també m tenho esses
resultados. — Dra. Rubio, obstetra de Julia, entrou apressada na sala de
exames.
— Fico feliz que você tenha sido a obstetra de plantã o. — Julia
sentou-se nervosamente na mesa de exame, vestida com uma camisola
de hospital, enquanto Gabriel embalava uma plá cida Clare nos braços.
A Dra. Rubio era uma obstetra de grande estatura, com cabelos
escuros e riscados com olhos acinzentados e escuros e vivos. Ela era
originá ria de Porto Rico e era muito mais dura do que sua pequena
igura a fazia aparecer. Na verdade, ela havia entrado em con lito com o
professor Emerson durante a gravidez de Julia, principalmente por
causa da instruçã o mé dica de que ele nã o deveria praticar sexo oral em
sua esposa. (Ele a acusara de frequentar uma faculdade de anti-sexo
oral. Ela o amaldiçoara em espanhol.)
— Entã o, o que está acontecendo? — O tom de Gabriel era
sombrio.
Dra. Rubio sentou em uma cadeira disponı́vel e encarou Julia,
segurando sua icha.
— Seus pontos estã o cicatrizando muito bem e a descarga dos
ló quios é normal. Eu sei que você costuma a desmaiar ao ver sangue, e
isso pode ter desempenhado um papel nesta manhã .
“Você tem ibró ides, como você já sabe, e um deles foi cortado
durante a sua cesariana. Como tivemos que fazer uma transfusã o,
apressei seu exame de sangue, caso você tivesse uma reaçã o. Mas o
funcionamento do seu sangue parece bem.”
Julia respirou fundo. — E os ibró ides?
—Continuaremos a monitorá -los, mas como eu disse, nã o estamos
dispostos a removê -los, a menos que eles se tornem um problema. No
entanto, estou preocupada com o seu peso.
Julia tocou seu abdô men levemente arredondado. — Meu peso?
Dra. Rubio folheou o quadro. — Revi seu ganho de peso durante a
gravidez. Você perdeu muito peso desde o parto, muito mais do que o
normal. A amamentaçã o consome um nú mero extraordiná rio de
calorias. Você está se alimentando direito?
— Ela está com fome o tempo todo —, interrompeu Gabriel. — Ela
parecia com fome extra esta manhã depois de desmaiar.
A mé dica ignorou Gabriel e focou em Julia. — Você está tentando
perder peso?
Julia negou com a cabeça. — Quando eu estava no hospital, comi o
que eles me deram. E eu tenho comido em casa. Eu testei meu jeans
ontem e eles se encaixam, entã o estou de volta ao meu peso normal.
— Algumas mulheres sã o assim, mas é raro. — Dra. Rubio
retirou uma caneta do jaleco e começou a escrever em um receituá rio.
— Vou encaminhá -la para a nutricionista do hospital. Acho que você
nã o está comendo o su iciente ou nã o está comendo o tipo certo de
comida, e a amamentaçã o está causando estragos no açú car no seu
sangue.
Ela assinou o encaminhamento com um loreio e entregou a
Julia. “ Se a nutricionista nã o conseguir encaixar você hoje, ela marcará
uma consulta. Enquanto isso, certi ique-se de seguir uma dieta saudá vel
e equilibrada. Nã o pule refeiçõ es. Nã o economize nas proteı́nas ou
carboidratos, mas nã o coma muitos alimentos ou bebidas açucaradas.
Tente fazer um lanche regularmente para que o açú car no sangue nã o
caia. Se você desmaiar de novo, vá para o pronto-socorro
imediatamente.”
— Ok. — Julia suspirou com alı́vio.
A Dra. Rubio estudou a paciente por um momento. — Como
você está se sentindo emocionalmente?
Julia pegou o papel que cobria a mesa de exame. — Tenho me
sentido um pouco sobrecarregada.
A mé dica assentiu.
— Isso pode acontecer. Mas lembre-se de veri icar consigo mesma e,
se você estiver triste ou ansiosa por alguns dias, volte. Se você estiver
pensando coisas que te assustam, vá imediatamente à emergê ncia.
A mé dica deu a Gabriel um olhar signi icativo.
Um mú sculo se contraiu em sua mandı́bula. Ele olhou para
Julianne protetoramente.
— Foi bom vê -la novamente. — Dra. Rubio sorriu e fechou o
prontuá rio de Julia.
— Minha secretá ria agendará um acompanhamento com você
em algumas semanas. Estou muito feliz em ver que seu bebê está bem.
Você agendou um check-up com seu pediatra?
— Sim — disse Julia. — Em um mê s.
— Excelente. Vejo você em algumas semanas, mas nã o hesite em
entrar em contato imediatamente se algo nã o estiver errado. Até lá ,
cuide-se. — A mé dica a deixou e saiu da sala.
— Ela nã o gosta de mim. — Gabriel praticamente rosnou.
— Como algué m pode nã o gostar do bonito e famoso professor
Emerson? —Brincou Julia, sorrindo.
— Você icaria surpresa —, ele resmungou. Ele transferiu Clare para
o bebê -conforto, ajustando cuidadosamente o chapé u dela. — Eu nã o
sabia sobre o exame do bebê .
— Está no calendá rio do meu celular. — Julia começou a se vestir.
Gabriel estendeu a mã o e colocou na bochecha dela. Ela levantou o
rosto.
— Leve-me em todas as consultas — tanto suas quanto das do bebê .
— Seus olhos azuis eram intensos.
— Claro. — Ela roçou a ponta da palma da mã o com os lá bios. — Eu
simplesmente nã o tinha pensado nisso ainda. Eu ainda nã o chequei
meu e-mail esta semana.
Gabriel começou, pois, esse comentá rio o lembrou de algo. Algo
contido em um email.
Ele pigarreou. — Julianne, preciso lhe dizer que...
Um gemido alto o interrompeu.
Julia se inclinou sobre o bebê chorando. Ela colocou a mã o sobre o
bebê -conforto e começou a balançá -lo para frente e para trá s.
Clare abriu os olhos.
— Deixe-me fazer isso. — Gabriel balançou o bebê -conforto
enquanto Julia se vestia.
Ela checou o telefone. — E hora de eu alimentá -la novamente. Talvez
possamos encontrar um canto quieto em algum lugar.
— Claro. — Gabriel levantou o bebê -conforto e acompanhou sua
esposa até o corredor.
Desta vez, ele nã o esqueceu que tinha algo importante que
precisava dizer a ela.
Desta vez, ele simplesmente escolheu contar a ela mais tarde.
Capítulo Dez

Posso trazer a cadeira de balanço aqui? — Rachel perguntou a Julia.


—Ou você vai dormir?
— Traga a cadeira. Nã o tive a chance de conversar com você , já que
passamos a maior parte do dia no hospital. — Julia estava segurando
Clare nos braços. Rachel tinha acabado de trocar o bebê e a colocara em
um pijama limpo antes de devolvê -la à mã e.
Rachel posicionou a cadeira de balanço perto da cama e pegou sua
sobrinha. Enquanto ela balançava lentamente, a criança olhou para ela
com fascinaçã o silenciosa.
Rachel sorriu e gentilmente acariciou a bochecha do bebê .
Julia parou na frente da penteadeira, admirando o grande retrato de
casamento dela e de Gabriel em Assisi. A foto estava posicionada ao
lado de uma foto antiga deles dançando no Lobby, um clube em
Toronto. Ela tocava o rosto de Gabriel, a expressã o dele era intensa.
Nenhum outro homem jamais a olhou assim. A atençã o de Gabriel
estava ixa e nı́tida.
E isso foi apenas o começo…
Com um sorriso secreto, ela abriu sua caixa de joias e pegou seu anel
de casamento e noivado. Ela comparou o par com o anel que Gabriel lhe
dera na noite anterior. Era estranho como os trê s de alguma forma
combinavam.
— Você tirou seus outros ané is? — Rachel parecia incré dula.
Julia colocou os ané is na mã o esquerda.
— Meus dedos incharam. Eu estava com medo que eles icassem
presos.
— Coisas estranhas acontecem com mulheres grá vidas.
— Nem me fale. — Julia arrancou a bainha do vestido azul. —
Vestidos de verã o e calças de ioga sã o tã o confortá veis, e eu nunca mais
usei jeans.
— Acho que Gabriel pode ter algo a dizer sobre isso.
Julia jogou o cabelo por cima do ombro.
— Eu faço o que eu quero.
— Claro que sim. — Brincou Rachel. Ela deu uma olhada mais de
perto na amiga enquanto estava ao lado da cama. — Vire de lado.
— Por quê ? — Julia se virou, olhando para o vestido. — Tem algo
errado?
— Sua barriga de grá vida sumiu.
Julia esticou o tecido sobre o estô mago. Havia um arredondamento
no abdô men, mas era leve.
— Estou usando uma cinta. Cobre a incisã o e ajuda nos pontos.
— Você simplesmente voltou ao mesmo tamanho.
Julia fez uma careta.
— E por isso que minha obstetra me enviou à nutricionista hoje à
tarde. A amamentaçã o queima muitas calorias, aparentemente.
— E lhe dá um decote espetacular!
Julia riu e entrou no armá rio.
— O que nã o vai durar para sempre. Mas vou gostar enquanto posso.
Vestiu um pijama de seda e uma tú nica e voltou ao quarto. Ela
colocou os travesseiros na cama e reclinou-se, encarando a ilha e a
amiga.
— Como foi o seu dia?
Rachel tocou a cabeça do bebê .
— Bom. Eu cataloguei todos os presentes e arranjos de lores para
você .
— Obrigado. Gabriel encomendou cartõ es de nascimento com uma
foto de nó s trê s. Vou enviá -los com notas de agradecimento.
— Eu posso ajudar. A irmã de Gabriel, Kelly, enviou um porta-retrato
de prata e um cofrinho da Tiffany. Eu nunca vi um antes.
— Ela é muito generosa — pensou Julia. — Ela ajudou Gabriel a se
conectar com outros membros da famı́lia dele. O avô deles era um
professor importante na Columbia. Todo outono eles fazem uma
palestra especial em sua memó ria. Perdemos por causa da chegada de
Clare. Mas acho que Kelly e seu marido virã o para o batismo dela. — O
sorriso de Rachel desapareceu.
Sua reaçã o nã o passou despercebida.
— Querı́amos pedir para você ser madrinha de Clare em particular.
Nã o pretendia colocá -la nessa situaçã o durante o café da manhã .
Rachel abaixou a cabeça, permitindo que seus longos cabelos loiros
escondessem parcialmente o rosto.
— Você acha que papai tem agido de forma estranha ultimamente?
— Nã o, o que você quer dizer?
—Ele praticamente derrubou uma cadeira esta manhã tentando
ajudar Rebecca com a comida. — Rachel estava indignada.
— Richard é um cavalheiro. Você sabe disso.
Rachel jogou o cabelo, expondo o rosto.
— Eu nã o gosto do jeito que ela estava olhando para ele.
— Nã o vi nada inapropriado — disse Julia lentamente. — Richard
provavelmente gosta de ter algué m da sua idade para conversar. Mas
ele ainda está de luto por sua mã e.
— Pensei que Rebecca morasse em Norwood.
— Ela morava. Ela alugou sua casa para morar conosco. E apenas
temporá rio.
Rachel fez um barulho irô nico, mas nã o respondeu. Ela continuou
balançando, olhando para a sobrinha adormecida.
Julia teve tempo para escolher suas palavras, temendo que estivesse
indo para onde os anjos se recusavam a pisar.
— Se eu visse algo româ ntico na maneira como Richard olhava para
Rebecca, eu diria a você . Mas eu nã o vejo. Eles estavam agindo de forma
estranha enquanto está vamos no hospital?
— Nã o. — Rachel continuou balançando e seus ombros suavizaram.
—Talvez eu esteja apenas vendo coisas.
— Richard passa muito tempo sozinho. Eu sei que meu pai e Diane se
socializaram com ele, mas eles estã o ocupados com Tommy.
— Papai se mudou para a Filadé l ia para icar mais perto de Aaron e
de mim, mas nã o o vemos muito. Entã o ele deixou o emprego em
Temple e voltou para Selinsgrove. Ele está dando uma aula aqui e ali em
Susquehanna, mas fora isso... — A voz de Rachel sumiu. — Você está
certa. Ele provavelmente precisa sair mais. Vou falar com Aaron sobre
voltar para casa com mais frequê ncia.
Rachel olhou para o bebê e beijou levemente o topo de sua cabeça.
— Eu amo você , pequena Clare. Mas acho que nã o posso ser sua
madrinha.
As sobrancelhas de Julia se levantaram.
— Espera. O quê ?
Capítulo Onze

Se algo acontecer com você ou Gabriel, eu criaria Clare como minha.


Espero que você designe eu e Aaron como padrinhos. A expressã o de
Rachel foi determinada.
— Claro. Já discutimos isso. — A mente de Julia girou.
— Mas eu iz algumas leituras online. No batismo cató lico, um
dos padrinhos deve ser cató lico. Posso ser testemunha como episcopal,
mas você precisa de um cató lico para ser o padrinho. Como sou mulher,
a Igreja exigiria que o padrinho fosse um homem cató lico.
— Eu nã o sabia disso. — A voz de Julia icou pequena. — Eu
pensei que eles só se importariam com o fato de você concordar em
criar Clare na Igreja.
— Eu faria, mas nã o posso ser a madrinha o icial. Eu poderia
ser uma testemunha se você nomeasse um padrinho cató lico. — Julia
gemeu.
— Nã o há mais ningué m. Apenas meu pai, mas
— Entendi. — Interrompeu Rachel.
— Fico feliz que você e seu pai estã o se dando bem, mas posso ver
por que ele nã o é a melhor escolha. Meu pai é episcopal, assim como
Aaron e Scott.
Julia cobriu o rosto com as mã os.
— Eu sou uma idiota. Eu nã o sabia disso eu pensei que
poderı́amos escolher quem querı́amos.
— Aqui está : eu estou honrada que você me pediu. Eu posso
ser a madrinha nã o o icial de Clare e sua tia doida Rachel. Mas você terá
que escolher um cató lico para a cerimô nia.
Julia soltou as mã os.
— Nosso padre é legal. Eu poderia pedir a ele que izesse uma
exceçã o.
Rachel começou a balançar com mais vigor.
— Nã o. Honestamente, Jules, estou meio chateada com Deus
no momento. Portanto, nã o me sinto confortá vel em assumir a
responsabilidade da orientaçã o espiritual de Clare.
Julia estudou a cunhada.
— Você quer falar sobre isso?
— Eu ainda acredito, mas sinto que fui tratada injustamente.
Minha mã e morreu inesperadamente. Eu quero ter um bebê , mas nã o
posso. — Ela deu um grande suspiro. — Seria hipó crita para mim
levantar-me como madrinha quando tenho tantas dú vidas.
— Acho que Deus quer que sejamos honestos, mesmo com
nossas dú vidas.
— Sim, bem, eu nã o tenho somente dú vidas; tenho queixas.
Por que você nã o pede que Katherine seja a madrinha o icial? Ela disse
que era cató lica.
— Ela está dando indiretas desde que anunciamos minha
gravidez. — Julia deu à amiga um sorriso triste.
— Viu? Ela gosta disso. Ela será perfeita como madrinha.
— E você ? — Julia atravessou a sala em direçã o à sua amiga.
— Eu sou tia Rachel. — Ela se inclinou e beijou a testa do bebê .
O bebê a franziu, mas manteve os olhos fechados.
— Eu vou falar com Gabriel. — Julia fez uma pausa. — Como
você está ? Sé rio?
— Eu larguei a medicaçã o para fertilidade, mas você já sabia
disso.
— Como está se sentindo?
— Fisicamente? Estou bem. Mas estou triste, Jules. Eu
realmente queria ter um bebê , mas isso nã o vai acontecer.
— Sinto muito. — Julia tocou o ombro da amiga.
Rachel acariciou os cabelos inos na cabeça de Clare.
— Aaron me disse que nã o se importava se tivé ssemos um
bebê . Ele está mais preocupado comigo.
— Ele te ama como um louco.
Rachel manteve o olhar ixo na sobrinha.
— Minha vida nã o saiu da maneira que eu esperava. Eu pensei
que teria minha mã e para sempre. Pensei que ela estaria comigo
quando eu me casasse e tivesse ilhos.
Julia fez um barulho de choro e abraçou a amiga.
— Mas eu continuo indo, sabe? Tem que haver um caminho a
seguir. Aaron e eu conversamos sobre adoçã o. Talvez seja algo que
possamos explorar.
— Claro. E Gabriel e eu ajudaremos, se pudermos. — Julia
segurou a amiga, uma lá grima escorrendo pelo rosto.
Embora Rachel fosse muito corajosa, nã o havia palavras que
curassem sua ferida. Nenhuma má gica que alteraria as circunstâ ncias.
— Quero permissã o para mimar esta criança. — Rachel
levantou o bebê e a colocou contra o ombro. — Quero começar
comprando um grande e extravagante brinquedo ou engenhoca que
levará Gabriel dias ou até semanas para montar. E eu quero que você
ilme todo o processo.
Julia riu.
— Permissã o garantida.
Capítulo Doze

Pouco antes da meia-noite, Julia estava sentada no quarto,


alimentando Clare. Gabriel estava situado na cadeira de balanço,
vigiando sua famı́lia. Ele estava tocando sua aliança de casamento,
girando-a repetidamente no dedo. Embora seu foco estivesse
principalmente na conversa atual, no fundo de sua mente havia uma
informaçã o importante que ele ainda nã o tinha compartilhado com sua
esposa.
Julianne queria adiar a criaçã o de uma famı́lia. No entanto,
aqui estavam eles. E as notı́cias de Gabriel iam mudar tudo.
Ele se sacudiu de seus devaneios.
— Falei com o padre Fortin hoje. Rachel está certa - o padrinho
o icial deve ser cató lico. Poderı́amos batizar Clare na igreja episcopal.
— Rachel diz que se sentiria hipó crita sendo uma madrinha
o icial.
— Eu poderia falar com ela.
Como em reaçã o à s palavras de seu pai, Clare terminou de
mamar. Ela olhou para a mã e.
— Deixe-me. — Gabriel se levantou e foi até Julia, pegando o
bebê nos braços. Ele pegou um pano de lanela limpo nas proximidades
e o colocou no ombro nu, posicionando cuidadosamente o bebê sobre a
lanela.
A criança se contorceu nos braços, protestando ruidosamente
até a mã o do pai descansar nas costas dela. Gabriel começou a acariciá -
la.
Julia arrumou a parte de cima do pijama de seda.
— Eu acho que precisamos deixar Rachel na dela. Ela está
lidando com muita coisa e nã o quero pressioná -la a fazer algo que lhe
incomoda.
— Mas as dú vidas de Rachel sã o sé rias — observou Gabriel,
balançando-se. — Algué m deveria falar com ela.
O olhar de Julianne pousou em sua tatuagem, visı́vel no alto de
seu peitoral esquerdo exposto.
— As dú vidas de Rachel sã o causadas pelo sofrimento. Ela
está sentindo falta de Grace e lamentando o fato de nã o poder ter ilhos,
e agora tem medo de perder Richard. Ela parece pensar que Rebecca
está de olho nele.
— Bobagem. — Gabriel seguiu o olhar de Julianne. Sob sua
inspeçã o, a tatuagem parecia queimar contra sua carne. Ele se viu
momentaneamente perdido na memó ria - uma né voa de perda com
infusã o de drogas e á lcool que precipitou a tatuagem. A dor que
acompanhou a lembrança era abafada, nã o aguda. Mas era dor, no
entanto.
Ele beijou a cabeça do bebê e focou os olhos na mã e dela.
— Um anjo de olhos castanhos falou comigo na minha tristeza.
Ela me ajudou.
— Ela o ajudou amando você e ouvindo. E disso que sua irmã
precisa. Ela precisa que você a ame e ouça. Palavras nã o vã o curar sua
tristeza.
Gabriel apertou os lá bios. Sua inclinaçã o era discutir com as
pessoas até que elas aceitassem certas conclusõ es. Julianne era muito
mais franciscana em seu carisma.
— Tudo bem. — Ele admitiu, esfregando as costas de Clare. —
Mas Rachel nã o vai perder o pai. Ela está vendo fantasmas.
— Eu discordo. — A expressã o de Julia icou grave. — O
problema de Rachel é que ela nã o está vendo fantasmas.
As sobrancelhas escuras de Gabriel se uniram. Houve
momentos em sua vida em que o sobrenatural se intrometeu. Ver Grace
e Maia na casa de Selinsgrove foi um daqueles momentos. Mas ele
nunca mencionou a apariçã o para Rachel.
Richard confessara ter visto Grace em seus sonhos. Mas
Gabriel tinha certeza de que Richard també m nunca mencionara esses
sonhos para Rachel.
Gabriel mudou de assunto.
— Gosto de Katherine, como você sabe. Devemos perguntar a
ela?
— Acho que ela é uma boa escolha. — Julianne fez uma pausa
para encarar o marido. Os cabelos escuros estavam despenteados, o
peito nu e ele usava calças de pijama de tartan.
Ele ajustou Clare para que ele a estivesse segurando na frente
de seu corpo. E ele sorriu para ela, murmurando baixinho.
Julia levantou o celular e começou a tirar fotos.
Gabriel sorriu e levou Clare de volta ao ombro direito. Como se
fosse uma deixa, Clare gorfou, sentindo falta do tecido de lanela e
batizando o ombro e pescoço de Gabriel.
Julia continuou tirando fotos.
— Nã o estamos ilmando um documentá rio. — Resmungou
Gabriel. — Você deve imortalizar cada momento?
— Sim. Sim, eu devo. — Ela imitou o descontentamento dele
com uma risada e se afastou.
Gabriel pegou um segundo pano de lanela e começou a
esfregar-se com uma mã o, enquanto segurava o bebê satisfeito com a
outra.
— Você nunca riria do papai, nã o é , Principessa? — O bebê fez
contato visual com ele e um entendimento pareceu passar entre eles.
— Claro que nã o. — Gabriel encostou o nariz no da ilha. —
Essa é minha garota.
Julianne capturou o momento. O professor Emerson de terno e
gravata era certamente atraente. Mas um Gabriel sem camisa cantando
para o bebê deles era a beleza personi icada.
— Precisamos colocar Clare na cama. — Julia caminhou até
Gabriel e o beijou com irmeza. Os lá bios dela encontraram a orelha
dele. — Para que possamos ir para a cama.
Gabriel ergueu as sobrancelhas.
— Você está ...? — Seu olhar pairou no abdô men dela.
— Eu continuo do mesmo jeito que antes. — Ela colocou a
mã o na parte de trá s do pescoço dele. — Mas eu gostaria de fazer algo
para você . Algo criativo.
— Sim, senhora Emerson. Sempre iquei muito impressionado
com a sua ... ah ... criatividade. — Ele deu a ela um olhar caloroso. —
Mas você desmaiou esta manhã .
— Isso é verdade. — Ela o beijou novamente. — Mas estou
ansiosa para cuidar do meu marido bonito e sexy.
Julia piscou e saiu do quarto de Clare.
Gabriel dançou um pouco com o bebê .
— Sua mã e é muito bonita, princesa. E hoje à noite, papai está
tendo sorte. Vamos te limpar e ir para a cama.
Ele colocou o bebê em cima da mesa de troca e pegou um par
de luvas cirú rgicas que ele mantinha em uma caixa pró xima. Rachel
zombou dele impiedosamente sobre isso. Mas ele nã o seria facilmente
intimidado.
Ele soltou as abotoadouras inferiores da dorminhoca,
deixando suas pernas livres. Entã o ele começou a desfazer a fralda
dela.
— Stercus. — Ele exclamou.
A cor do stercus em questã o nã o era aquela com um qual
estava familiar. Desa iava a descriçã o, a de iniçã o e as leis da natureza.
De fato, o professor supô s que os restos fossem o produto de um
desa io, já que nada tã o desagradá vel poderia ter sido emitido por um
ser tã o doce e angelical.
Ele olhou ansiosamente para a porta, como se esperasse que
um certo anjo de olhos castanhos viesse em seu socorro.
Ela nã o apareceu. E era possı́vel que ela já estivesse
começando certas atividades sensuais. Sozinha.
Houve um tempo em que ele, o professor Gabriel O. Emerson,
simplesmente embrulharia a criança e a devolveria à mã e. Por um
instante fugaz, o professor pensou em fazer exatamente isso.
Mas Clare era sua ilha. Ela era fruto de sua uniã o com sua
amada Beatrice e um milagre, alé m disso. Nã o seria apropriado esperar
que Julianne izesse tudo, incluindo a remoçã o de resı́duos nucleares.
Nã o, o professor agora era responsá vel pela pequena vida que
o olhava inocentemente, absolutamente inconsciente da emissã o nociva
que agora estava in ligindo ao pai. Ele nã o falharia com ela.
Ele prendeu a respiraçã o e completou as vá rias etapas de
remoçã o da substâ ncia tó xica, limpando completamente o bebê ,
cobrindo-o com algum tipo de pomada e fornecendo-lhe uma fralda
nova e intocada.
Durante todo o procedimento, o bebê procurou seu rosto. Ele
sorriu e cantou um pouco, imaginando se sua nova incursã o na mú sica
de Nat King Cole seria mais do agrado da princesa. Ele cantou as
palavras de "L-O-V-E" em silê ncio, depois de pedir desculpas por sua
profanaçã o inicial em latim.
Gabriel depositou o lixo no balde de fraldas, resolvendo
erradicá -lo do quarto de Clare e de sua casa o mais rá pido possı́vel.
Os resı́duos nã o pertenciam a baldes. De fato, o desperdı́cio
nã o pertencia à sua propriedade ou a lugar algum pró ximo à
humanidade civilizada. Pensar de outra maneira era simplesmente
bá rbaro, na sua opiniã o. Mas ele estava consciente, muito consciente, da
bela criatura que estava esperando por ele na cama no quarto ao lado.
Apressadamente, ele tirou as luvas cirú rgicas e as colocou no
balde també m. Entã o, apenas por precauçã o, ele limpou
cuidadosamente as mã os nã o sujas nã o uma vez, mas duas vezes, com
toalhetes antibacterianos.
Com o ar de um santo que acabara de completar uma longa
tarefa de auto-morti icaçã o, Gabriel reparou o bebê e envolveu-o com
competê ncia em um grande pedaço de lanela. Entã o ele a abraçou
contra o peito.
Ele cantou o primeiro verso de "Blackbird" dos Beatles,
esfregando cı́rculos nas costas dela.
— Muito melhor agora. — Gabriel beijou a cabeça do bebê . — O
que você acha da nova mú sica do papai? Estamos melhorando, nã o
estamos?
Quando o bebê bocejou indiferentemente, ele a beijou e a levou
para o quarto principal.
Capítulo Treze

Dois dias depois



Oh, meu Deus!
As orelhas de Gabriel se ergueram.
— Isso é fantá stico.
Gabriel parou de escovar os dentes, ansioso para ouvir mais
sons que emanavam do quarto.
— Oh, meu Deus!
— Sim, sim, sim, sim!
Os gritos vindos dos lá bios de Julianne sinalizaram prazer.
Mas eles intrigaram Gabriel, já que nã o era ele quem a agradava.
Ele se inclinou para trá s, espiando pela porta que dava para o
banheiro, ansioso para ver o que ela estava fazendo. Ela estava de pé ao
lado da cama, mexendo no celular.
Gabriel fez uma careta, imaginando quem estava provocando
tal reaçã o de sua esposa. Ele cuspiu a pasta de dentes, lavou a escova e
caminhou em direçã o a ela.
Julianne colidiu com ele na porta, seus olhos escuros
dançando.
— Você nunca vai adivinhar quem me mandou um email.
O Angelfucker, Gabriel pensou, mas nã o disse. Ele estampou
um sorriso contido no rosto.
— Quem?
— Professor Wodehouse.
— Don Wodehouse? Do Magdalen College?
— Sim! — Julianne ergueu o celular e dançou em cı́rculo.
Graças a Deus não é o Papa Anjo. Gabriel pegou a mã o dela.
— Por que Wodehouse lhe enviou um e-mail?
— Ele está organizando um workshop sobre Guido da
Montefeltro e Ulisses. Você precisa ser convidado para ir e ele me
convidou.
— Isso é ó timo. Quando é ?
— No começo de abril, entre Hilary e Trinity. Vai ser em
Magdalen e é inanciado por uma bolsa de pesquisa que ele recebeu.
Gabriel a apertou.
— Quem mais foi convidado?
— Cecilia Marinelli e Katherine. Mas parece que o professor
Wodehouse quem está dirigindo. — Julia examinou a lista de
destinatá rios — Nenhum professor Pacciani. Nem Christa Peterson. —
Graças aos cé us.
— Paul foi convidado, junto com um monte de pessoas que eu
nã o conheço.
E o Angelfucker ataca novamente.
— Norris foi convidado. — Gabriel fungou em tom de desdé m.
— Mas nã o o professor Emerson?
Julia olhou para ele. Ela mordeu o lá bio.
— Nã o. — O polegar de Gabriel puxou seu lá bio inferior,
liberando-o. — Estou orgulhoso de você . Você impressionou
Wodehouse quando entregou seu trabalho em Oxford. Você ganhou o
convite.
— Sinto muito por você nã o ter sido convidado. — Julia
parecia infeliz.
Gabriel beijou sua testa.
— Nã o ique. Esta é uma grande notı́cia. Wodehouse nã o se
impressiona com facilidade.
Ela estudou os traços de seu marido.
— E Paul?
— Paul faz um bom trabalho. — Gabriel exibia uma expressã o
de dor, como se estivesse lutando para ser positivo. — Katherine
provavelmente o convidou. Embora eu nã o tenha certeza do porquê , já
que ele nã o trabalha de verdade com Guido ou Ulisses.
— Eu quero ir.
— Claro que sim. Mande um e-mail para Wodehouse e conte a
ele. She studied her husband’s features. — Mas e Clare?
— Vamos a Oxford com você . — Gabriel sorriu. — Rebecca e eu
podemos cuidar de Clare.
— Obrigada. — Julia roçou os lá bios contra os dele. — Lá para
abril é possı́vel que Clare já esteja dormindo a noite toda. Eu espero.
— Cecilia verá seu nome na lista de destinatá rios, mas você
deve enviar um e-mail para ela. E envie um email para o presidente do
seu departamento.
— E a minha licença de maternidade? Entrei em contato com
Greg Matthews e Cecilia ontem, dizendo que nã o voltaria este ano. Eles
nã o vã o icar chateados porque estou faltando aulas no pró ximo
semestre, mas indo para o workshop?
Gabriel bufou.
— Tenho certeza que Cecilia apoiou você ter sido convidada.
Greg Matthews enviará um anú ncio ao seu departamento, gabando-se
de você .
— Espero que sim. — Julia colocou o cabelo na altura dos
ombros atrá s da orelha.
Gabriel pegou a mã o dela. Com um metro e oitenta, ele era
muito mais alto que ela. A mã o grande brincava com as alianças dela.
— Fiquei preocupada com as consequê ncias de Toronto e
como isso afetaria as nossas carreiras.
— Querido, — sussurrou Julia. — Eu nã o sabia que você ainda
estava preocupado.
— Você tinha o su iciente em sua mente. Mas o convite de
Wodehouse mostra que você já está fazendo seu nome, mesmo
enquanto estudante de graduaçã o. — Os olhos azuis de Gabriel
brilharam. — Essa é minha garota.
Julia sorriu.
— Obrigada.
Gabriel a girou em um cı́rculo e a mergulhou, sua risada
ecoando.
— Eu també m tive um e-mail interessante essa semana.
— O quê ?
Gabriel pegou o celular da mesa de cabeceira.
— Você vai querer se sentar.
— Por quê ? — Julia parecia alarmada. — O que aconteceu?
Sem palavras, Gabriel rolou seu e-mail e entregou o telefone
para Julia.
Ela leu a tela.
E entã o aproximou o telefone dos olhos e o leu novamente. E
de novo.
— Puta merda. — Ela levantou a cabeça, a boca aberta. — Isso
é ... é o que eu acho que é ?
Capítulo Quatorze

Gabriel pegou o telefone de Julia e rapidamente colocou os ó culos. Ele


leu em voz alta,
— O Tribunal Universitá rio da Universidade de Edimburgo tem o
prazer de convidá -lo para ministrar as Sage Lectures anuais em
literatura em 2013. As Sage Lectures foram fundadas em 1836, por
iniciativa de Lord Alfred Sage. As palestras acontecem anualmente,
geralmente no segundo mandato. E habitual que o Palestrante chegue
ao campus no primeiro perı́odo do ano acadê mico e depois permaneça
em residê ncia enquanto ministra as Palestras no segundo perı́odo.
Convidamos você a ser nosso Palestrante em residê ncia durante o ano
acadê mico de 2013-2014. —Ele rolou para baixo.
— Compensaçã o, acomodaçã o, passagem aé rea, publicaçã o, mı́dia
etc. —Julia sentou-se na beira da cama, atordoada.
Gabriel espiou por cima da borda dos ó culos.
— Querida?
— O Sage Lectures? — ela sussurrou. — Eu nã o posso acreditar.
— Eu quem mal posso acreditar. Eu devo ser um dos palestrantes
mais jovens que eles já convidaram.
— Quando eles mandaram o e-mail para você ?
— No dia em que deixamos o hospital.
— Por que você nã o me contou? — Gabriel franziu a testa.
— Você estava chateada naquele dia. Eu ia contar na manhã seguinte,
mas está vamos no hospital.
— Você poderia ter me contado ontem à noite. — Seu tom era
reprovador.
— Eu estava esperando o momento certo. Eu nã o os respondi. Nã o
falei com minha bancada nem com ningué m da Universidade de Boston.
Eu queria discutir isso com você primeiro.
Julia fechou os olhos e tocou a testa.
— Nã o vejo como isso vai funcionar.
Gabriel congelou.
—Por que nã o?
—Porque estarei fazendo monogra ia no pró ximo ano. Clare e eu
estaremos aqui em Cambridge, mas você estará em Edimburgo.
—Você pode tirar uma licença e vir comigo.
Os olhos de Julia se abriram. Ela olhou para ele em choque.
Gabriel coçou o queixo.
Ela icou de pé .
— Eu nã o queria tirar uma licença de maternidade em primeiro
lugar. Nã o posso tirar outra licença, especialmente se eu participar do
workshop em Oxford no pró ximo mê s de abril, nunca terminarei minha
grade assim.
— Foi seu orientador que sugeriu a licença de maternidade. —
Gabriel ajustou os ó culos.
— Eu nã o acho que ela me imaginou tirando quase dois anos de
folga.
Gabriel estudou sua esposa.
— Esta é uma oportunidade ú nica na vida. Eu nã o posso
simplesmente dizer nã o. Seria como recusar o Prê mio Nobel.
— Eu sei o quã o signi icante é o Sage Lectures. — O tom de Julia icou
duro. — E uma honra incrı́vel. Mas nã o posso simplesmente dizer nã o a
Harvard novamente, nã o depois do quanto trabalhei.
Ele levantou as mã os.
— Eu nã o vou sem você e Clare.
— Entã o você está recusando o convite?
— Claro que nã o. — Ele soou impaciente.
—Entã o o que você vai fazer? — As mã os de Julia foram para seus
quadris.
—Tem que haver uma maneira de eu aceitar o convite e você vir
comigo. — Ele passou a mã o sobre a boca. — Eu pensei que você icaria
feliz por mim.
— Eu estou. — Ela deu um grande suspiro e suas mã os caı́ram dos
quadris. — Mas eu nã o quero ser mã e solteira por tanto tempo, Gabriel.
Nã o posso fazer isso sozinha.
Gabriel tirou os ó culos. Ele parecia muito, muito determinado. Mas,
em vez de discutir com ela, ele fez algo inesperado.
— O email que recebi me instruiu a manter o convite con idencial.
Nã o vou fazer isso.
— Por que nã o?
— Porque precisamos de alguns conselhos. Katherine foi a
palestrante uma vez, vinte anos atrá s. Vou ligar para ela. — Gabriel
puxou a esposa nos braços e a abraçou. — Vamos encontrar um jeito.
Julia retornou o abraço do marido, desejando compartilhar de seu
entusiasmo. Mesmo que nã o conseguisse.
Capítulo Quinze

Mais tarde naquela manhã

O professor assistente Paul V. Norris estava sentado em seu escritó rio


no Saint Michael's College, em Vermont, olhando para a tela do
computador.
Ele já estava há algumas semanas em seu primeiro trabalho
acadê mico. E ele estava trabalhando duro - preparando aulas,
participando de novas reuniõ es de orientaçã o do corpo docente e
tentando descobrir onde as minas terrestres estavam localizadas no
Departamento de Inglê s e como ele poderia evitá -las. Mas o e-mail que
ele acabara de receber fazia todo o resto parecer irrelevante.
— Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos — ele citou para si
mesmo.
Lá , na caixa de entrada de Saint Michael, havia um e-mail do
professor Wodehouse, do Magdalen College. Entre a pequena lista de
destinatá rios de e-mail, ele viu uma certa Julia Emerson. Mas,
felizmente, nã o Gabriel Emerson.
Studentfucker.
Paul estremeceu. Ele nã o gostava de pensar em Emerson e na linda
ex-Miss Mitchell juntos de forma nenhuma. E certamente nã o assim.
Ele sabia que eles eram casados. Ele sabia que eles acabaram de ter
uma ilha. Na noite anterior, Julia havia enviado um e-mail em massa
anunciando o nascimento de Clare e compartilhando uma foto.
A foto era apenas de Clare. Até aos olhos de Paul, o bebê era lindo.
Ela tinha mechas de cabelos escuros aparecendo por baixo de um gorro
de malha roxo. Mas ele desejou que Julia tivesse enviado uma foto sua.
Ele se perguntou se ela participaria do workshop de Dante em abril.
Ele se perguntou se deveria enviá -la um e-mail para descobrir antes de
tomar sua pró pria decisã o.
— Oi, Paul.
Paul ouviu uma voz feminina por cima do ombro. Ele se virou na
cadeira e viu Elizabeth, uma das novas estudantes de Estudos
Religiosos, parada na porta de seu escritó rio.
Elizabeth era linda. Ela tinha cabelos escuros encaracolados, olhos
escuros e pele marrom impecá vel. Ela era americana cubana do
Brooklyn.
Paul já havia descoberto que Elizabeth gostava de tocar mú sica
cubana em seu escritó rio. Alto.
Ela deu um sorriso largo e ajustou os ó culos retangulares.
— Vou tomar um café . Você quer ir?
— Hum — Paul esfregou o queixo. Ele lançou um olhar con litante
para a tela do computador.
— Você está bem? — Elizabeth pairou na porta. — Parece que você
viu um fantasma.
— Mais ou menos. — Ele suspirou e olhou para o teto. Claro que ele
queria ver Julia. Esse foi o problema. Ele inalmente superou ela e
começou a namorar Allison, sua ex-namorada, de novo. E agora isso. . .
— Talvez eu deva trazer um café para você . — Elizabeth interrompeu
suas re lexõ es. — Como você toma? —
— Eu tomo meu café preto como a morte. — Ele icou de pé ,
trazendo sua estrutura de um 1,82m para toda a sua altura e se elevou
sobre o 1,60m de Elizabeth.
Ela icou na porta, observando-o. Ele fechou o laptop e pegou as
chaves.
— O café está de pé para mim. Apenas acabei de ser convidado para
uma o icina em Oxford.
— Isso é ó timo. — Elizabeth bateu palmas de pura animaçã o.
Fazia muito tempo desde que algué m aplaudira Paul. Ele nã o pô de
deixar de notar. Ele puxou conscientemente a frente da camisa.
— O workshop é em abril, no meio do nosso semestre. A diretoria
pode nã o me deixar ir.
Elizabeth lançou-lhe um olhar confuso.
— E claro que eles vã o deixar você ir. E Oxford. E uma boa imprensa
para a faculdade.
Ela apontou para o corredor.
—Enquanto você me compra um café , podemos montar uma
estraté gia de campanha. Tenho algumas ideias.
Paul observou o entusiasmo dela e se viu retribuindo seu sorriso. Ele
a seguiu até o corredor.
Capítulo Dezesseis

Gabriel nã o pode recusar as Sage Lectures. — A professora Katherine


Picton, atualmente do All Souls College, Oxford, levantou o elegante
bule de porcelana da bandeja de prata. Ela serviu Julia e Gabriel antes
de si mesma.
O trio estava sentado ao lado de uma lareira no lobby do Hotel Lenox.
O Lenox era um dos hoté is favoritos de Gabriel na regiã o, assim como o
de Katherine.
Ela adicionou uma fatia de limã o ao Darjeeling e tomou um gole. O
chá era o sustento do Impé rio Britâ nico e fez do mundo uma parte da
Inglaterra, incluindo a á rea de Back Bay. E era, ela pensou, nã o apenas
uma bebida civilizada, mas uma bebida forti icante.
— Por favor, aproveite um bolinho. Eles sã o excelentes. — Ela
apontou para os pratos que estavam espalhados pela mesa baixa
Julia e Gabriel trocaram um olhar. Eles izeram como lhes foi dito.
Clare estava dormindo paci icamente em sua cadeirinha no sofá ao
lado de Katherine. Ela insistiu que o bebê fosse colocado ao lado dela.
— As Sage Lectures sã o algo para se orgulhar, Gabriel. Elas o levarã o
a maiores oportunidades. Nã o consigo pensar que você gostaria de
estar na Universidade de Boston para sempre.
Julia icou boquiaberta. Gabriel encarou o chá .
— Cruzar estudos de romance e religiã o nã o é ideal.
— Claro que nã o. — Katherine colocou o chá de lado e passou
manteiga em um bolinho antes de adicionar geleia de morango. — Por
outro lado, Julia, você nã o pode continuar adiando seu doutorado para
sempre. Você precisa seguir em frente com isso. — Julia fechou a boca.
— Acho que você s dois vieram pedir por conselhos? —
Katherine sondou. — Eu nã o quis presumir nada.
— Ficarı́amos gratos por qualquer sugestã o. Claro, precisaremos
conversar mais. — Gabriel deu um sorriso encorajador para Julianne,
depois voltou sua atençã o à Katherine.
Buscar conselhos da professora Picton era um assunto complicado.
(Era, talvez, como procurar aconselhamento da rainha da Inglaterra. Se
algué m nã o seguisse o conselho oferecido, Katherine nã o se divertiria.)
— Você pode pedir à Universidade de Edimburgo que adie sua
consulta, para que Julia possa concluir seus cursos e passar nos exames.
Entã o todos você s podem ir juntos. — Com uma mã o, Katherine
equilibrou o prato e, com a outra, ajustou o cobertor ao redor do bebê
adormecido. Ela deu um pequeno aceno de satisfaçã o à pequena.
— Essa é uma boa ideia. — Julia parecia aliviada.
— Mas eu desaconselho. — Katherine provou seu bolinho
novamente.
— Por que? — Julia persistiu.
— O mundo da academia é notoriamente pequeno. També m é
mesquinho. — Katherine concentrou sua astuta expressã o em Gabriel.
— Se a Universidade de Edimburgo se sentir menosprezada, eles
retirarã o o convite completamente e mais, surgirá a notı́cia de que você
é difı́cil de alcançar. Lamento mencionar, mas ainda existem as
circunstâ ncias que levaram a sua saı́da da Universidade de Toronto.
— Nã o é da conta de ningué m — Gabriel resmungou. — Alé m do
mais, Julianne e eu estamos casados agora.
— Nã o estou defendendo o falató rio entorno disso, Gabriel, estou
apenas dizendo como sã o as coisas. Você é um homem branco, o que
signi ica que o patriarcado da academia é inclinado a seu favor. Mas isso
també m signi ica que o Tribunal da Universidade de Edimburgo nã o
icará impressionado com o seu desejo de sacri icar seu prestigioso
convite com a desculpa de icar em casa nos Estados Unidos com sua
esposa e ilho.
Gabriel acabara de tomar um gole de chá . Acabou descendo
pelo lado errado e ele começou a engasgar.
— Bom Deus. — Katherine olhou para ele. — Você está bem?
Gabriel assentiu, erguendo o guardanapo de linho do joelho e
enxugando o rosto. Quando ele se recompô s, disse:
— Isso é ultrajante. Estar com Julianne e Clare é minha prioridade.
Eles acreditam que eu simplesmente jogaria fora essa oportunidade por
nada?
— E isso que eles vã o entender. Eles decidirã o que você nã o está
falando sé rio, ou eles o rejeitarã o como apenas mais um millennial, ou
algo assim.
Gabriel quase engoliu a lı́ngua.
— Eu nã o um millennial. Estou velho demais para ser um millennial.
— Julia lançou-lhe um olhar severo, esperando que ser notavelmente
visı́vel.
— As aparê ncias sã o importantes e negar isso é tolice. — O
comportamento de Katherine era implacá vel. Ela levantou o queixo
para Julia. — Nã o que exista algo errado em ser jovem, desde que se
tenha força de vontade e uma boa é tica de trabalho, como você .
Julia nã o está sendo fá cil de conquistar. Gabriel colocou o chá de lado.
— O que você sugere?
— Harvard é o caminho mais fá cil. Julia tem o apoio de Cecilia e eu
vou garantir que ela tenha o apoio de seu chefe de comitê , Greg
Matthews. — Os olhos de Katherine brilharam. — Você també m tem
meu apoio, Julia, desde que eu entre no seu departamento no pró ximo
ano.
— Eu nã o entendo. — Julia tentou parecer outra coisa se nã o
temerosa.
— Você precisa fazer sua monogra ia no outono e escrever sua
dissertaçã o no inverno. Minha recomendaçã o é que providenciem que
você faça sua monogra ia em Edimburgo no outono e faça as
dissertaçõ es apó s a Sage Lectures no inverno. — Os Emerson trocaram
um olhar.
— Isso funcionaria? — Julia parecia duvidosa.
— Vale a pena tentar. — Katherine tomou seu chá . — Conheço o
especialista em Dante em Edimburgo. Ele estudou com Don
Wodehouse. Por coincidê ncia, ele participará do workshop que Don
organizou em Magdalen em abril.
— E Harvard? — Interrompeu Gabriel. — Nã o há garantia de que
Edimburgo ofereça os cursos que Julia precisa no semestre de outono.
— Precisamos investigar. E precisamos convencer Cecilia e Greg de
que essa oportunidade valerá a pena. Mas aqui está algo que você deve
se lembrar. — Com isso, Katherine se inclinou para frente e abaixou a
voz. — Você nã o pode subestimar a vaidade e o ego de certas
instituiçõ es. Harvard fará , sem dú vida, muito de sua nomeaçã o como
Sage Lecturer, Gabriel. Você seria o mais destacado aluno em ciê ncias
humanas nos ú ltimos vinte anos. E do interesse deles apoiar você e
Julia.
— E, Julia, seu envolvimento com o workshop de Don Wodehouse e a
oportunidade de estudar no exterior em Edimburgo certamente o
diferenciarã o de outros estudantes de doutorado. Harvard quer que
seus alunos desfrutem de uma reputaçã o internacional.” Os olhos de
Katherine brilharam. "Estou ansiosa para entrar no escritó rio de Greg
Matthews e receber o cré dito pela ideia, mas nã o vou. Você deve falar
com Cecilia primeiro.
— Edimburgo me instruiu a manter o convite em segredo — explicou
Gabriel.
Katherine tomou um gole de chá contemplativamente.
— Entendo o ponto. Meu conselho é aceitar o convite de Edimburgo.
Depois que você for anunciado como Sage Lecturer, Harvard vai seguir
nossas regras.
Julia olhou para o marido.
— Se pudermos resolver as coisas com meu supervisor... — Ela
usava uma expressã o esperançosa.
— Entã o todos nó s vamos para Edimburgo juntos. — Ele
pressionou os lá bios na bochecha de Julia.
— Agora que está resolvido, eu tenho um presente para o bebê . —
Katherine pegou uma grande sacola de presente que colocou no chã o
ao lado do sofá . Ela entregou a bolsa para Julia.
Julia icou surpresa com o peso daquilo. A bolsa era muito mais
pesada do que parecia.
— Abra — ordenou Katherine.
— Você já nos deu muito — protestou Gabriel.
Ela acenou com a mã o enrugada.
— Deixe-me decidir sobre isso.
— Mas també m viemos aqui para lhe perguntar uma coisa. — Julia
incitou Gabriel com um cutucã o no cotovelo.
Gabriel se inclinou para frente.
— Katherine, Julianne e eu gostarı́amos de pedir que você fosse
madrinha de Clare.
— Sim — respondeu a professora Picton sem hesitar. Tã o
rapidamente, Julia mal teve tempo de olhar de Gabriel para Katherine.
— Você nã o quer pensar nisso? — Gabriel achou a velha engraçada.
— Nã o. Nã o gostaria de mais nada, desde que nã o pisemos nos pé s
de mais ningué m. — Katherine olhou para o bebê e ajeitou o cobertor
mais uma vez.
— Entã o estamos de acordo. Obrigado, Katherine. — Gabriel apertou
os ombros de Julia.
— Sou eu quem deveria agradecer, ser madrinha de um ilho nascido
de duas pessoas extraordiná rias. Espero grandes coisas de você ,
Gabriel.
— E você , Julianne. Apenas 26 anos e já está fazendo um nome
para si mesma. Don Wodehouse mencionou seu artigo como a
motivaçã o por trá s de seu workshop sobre Ulisses e Guido. Você
desa iou a leitura dele do caso Guido e ele ainda está ponderando. —
Ela sorriu. — Poucas pessoas já o desa iaram com sucesso. Ele é
notoriamente obstinado.
As bochechas de Julia icaram rosadas.
— Obrigada.
— E hora de abrir o presente. Continue de onde parou. Estou
envelhecendo enquanto nos sentamos aqui. — Katherine assentiu para
Julia.
Com cuidado, Julia removeu um presente embrulhado em papel
brilhante da bolsa. Ela desatou as itas e deslizou o dedo sob as bordas
gravadas do papel. Por baixo, havia uma caixa de madeira entalhada.
Julia colocou a caixa na mesa de café . Quando ela levantou a tampa,
engasgou.
Gabriel deu a Katherine um olhar incré dulo.
— Pegue e dê uma olhada. — Ela riu alegremente.
Gabriel levantou gentilmente a capa de couro gasta do objeto.
Lendo o tı́tulo e o incipit, ele icou imó vel. Espantado.
— Como você pode ver, é um manuscrito do sé culo XV da La Vita
Nuova — anunciou Katherine. — També m inclui algumas das pequenas
obras poé ticas. E uma có pia de um dos manuscritos de Simone Serdini.
— Como você conseguiu isso? — Gabriel folheou-o maravilhado.
O sorriso de Katherine desapareceu.
— Velho Hut.
Julia viu a felicidade de Katherine ser substituı́da por um olhar
de arrependimento. Ela adorava o professor Hutton, seu supervisor em
Oxford, mas ele era casado. Como Katherine admitira uma vez a Julia,
ele tinha sido o amor da vida dela.
Sua expressã o se iluminou.
— O Velho Hut a encontrou em uma livraria em Oxford, anos atrá s.
— Sé rio? — As sobrancelhas de Gabriel se ergueram.
— Foi uma descoberta notá vel. Ele foi autenticado por um museu
particular na Suı́ça, que possuı́a outros manuscritos semelhantes.
Gabriel pigarreou.
— Você se lembra do nome do museu?
— O Museu da Fundaçã o Cassirer. Perto de Genebra.
Um olhar passou entre Gabriel e Julia.
Katherine continuou.
— O manuscrito pertencia a Galeazzo Malatesta. Galeazzo era casado
com Battista da Montefeltro. O tataravô dela, Federico I, assumiu
Urbino apó s a morte de Guido.
Julia pegou o manuscrito, mas parou de tocá -lo.
— Nã o acredito.
— Battista se juntou à s irmã s franciscanas depois que o marido
morreu. Ela era uma estudiosa notá vel por si mesma e avó de Costanza
Varano, que era uma das mulheres mais respeitadas do sé culo XV. —
Katherine assentiu para Julia. — Seu interesse em Guido e nos
franciscanos me convenceu de que este manuscrito pertencia à sua
casa. Este é um presente para minha a ilhada, mas nã o me importo se
os pais o lerem.
Katherine riu de sua pró pria piada e recostou-se, tendo um
grande prazer em ver Julia e Gabriel bajular o presente.
— Há algumas margens interessantes e alguns esclarecimentos. Você
pode encontrar algo relevante para sua pesquisa, Julia.
— Obrigada. — Julia se levantou e abraçou Katherine.
Gabriel repetiu o gesto.
— Nada mal para uma solteirona velha. — A voz de Katherine era
rouca. Ela tentou esconder os soluços, empurrando os Emerson de lado
e apontando algumas das caracterı́sticas interessantes do manuscrito.
Julia e Gabriel ingiram nã o notar a sú bita umidade em suas bochechas.
Capítulo Dezessete

O som dos gritos de bebê divide a noite.


Julia gemeu e pegou o telefone. E incrı́vel como Clare se ajustou ao
horá rio da alimentaçã o. Ela chegou na hora certa, seus gritos de fome
anteciparam o alarme de Julia por apenas alguns minutos.
Julia desligou o alarme e fechou os olhos, só por um momento.
Gabriel estava dormindo ao lado dela, com o rosto meio enterrado
no travesseiro, o braço pendurado sobre o abdô men. Na verdade, ele
estava roncando - o som desagradá vel por sorte abafado pelo
travesseiro.
Ele teve um dia agitado. Respondeu à Universidade de Edimburgo,
aceitando o cargo de Sage Lecturer. Eles o alertaram para manter em
segredo as notı́cias de sua nomeaçã o para todos, exceto seu chefe, até o
anú ncio formal e a gala, que eles queriam agendar o mais rá pido
possı́vel.
Ele e Julia haviam realizado um almoço comemorativo com Richard,
Rachel e Katherine. Estourando champanhe e Ginger Ale, Gabriel
elogiou o convite de Julia para o workshop de Oxford, que ela havia
aceitado naquela tarde, explicando à famı́lia a honra que isso
signi icava.
Gabriel passou a maior parte da tarde em seu escritó rio em casa,
atendendo telefonemas e examinando seus arquivos. Ele deveria
anunciar o tó pico de suas palestras, pelo menos em termos muito
gerais, na gala. O professor, como sempre, nã o era uma pessoa que
deixaria as coisas para o ú ltimo minuto.
Ele caiu na cama logo apó s o jantar. E agora ele roncava. Parecia que
o professor até podia dormir com os gritos de Clare.
Julia nã o conseguiu. Ela balançou as pernas no chã o e estremeceu.
Sentia a perna direita como se estivesse dormindo. Ela a lexionou,
preparando-se para os al inetes e agulhas que ela com certeza
experimentaria enquanto sua circulaçã o se corrigia.
Em vez disso, os al inetes e agulhas nunca vieram.
Ela se inclinou, cutucando a perna com o polegar do joelho ao
tornozelo. Ela podia sentir a pressã o, mas a sensaçã o era quase
imperceptı́vel. A perna dela permaneceu dormente.
Ela a moveu. Tinha toda a amplitude de movimento da perna,
tornozelo e pé . Ela poderia mexer os dedos. Mas a dormê ncia incô moda
e sem graça persistiu.
Os gritos de Clare haviam diminuı́do, mas ainda era hora de
alimentá -la. Julia se levantou, colocando a maior parte do peso na perna
esquerda e mancou até a bebê . Ela levantou Clare e beijou-a, depois
moveu-se incerta para o quarto do bebê , tomando o cuidado de icar
perto da parede, caso caı́sse.

Ela nã o acordou Gabriel.


Havia uma parte da amamentaçã o matinal que Julia gostava. Ela
gostava da quietude da casa. Ela gostava de segurar e se relacionar com
seu bebê . Mas achava difı́cil icar acordada.
Rachel comprou um travesseiro grande em forma de lua crescente e
por um bom motivo. Um dia no hospital, Julia quase deixou o bebê cair
ao pegar no sono durante a amamentaçã o. Rachel interveio no
momento certo. Desde entã o, quando Julia se sentia especialmente
cansada, ela colocava o travesseiro em volta da cintura e seguramente
descansava o bebê em cima dele.
Clare descansou confortavelmente contra a mã e, alimentando-se,
enquanto Julia encarava inexpressivamente o aplicativo de
amamentaçã o que Gabriel havia baixado no telefone. O aplicativo
traçou as amamentaçõ es, ajudou a lembrar o lado em que começar, e
assim por diante.
Julia imaginou como seria daqui a um ano, quando eles estivessem
na Escó cia. Clare seria desmamada até lá . E Julia estaria tendo aulas.
Sem dú vida, Gabriel, como Sage Lecturer, icaria inundado de
reuniõ es e convites. Estudantes de graduaçã o e pó s-graduaçã o
clamariam por sua atençã o.
Ele era um homem atraente, com uma inteligê ncia vı́vida e a iada.
Muitas mulheres acham sua personalidade sexy. E as Paulinas, a
professora Pains e Christa Peterson da vida o seduziriam ou ao menos
tentariam. Nã o é que Julia nã o con iasse no marido. Ela con iava. Ele era
iel a ela desde que o relacionamento deles começou em Toronto. Mas
Julia nã o con iava nas mulheres ao redor dele. Ela nã o con iava na
distâ ncia assustadora que vinha ao viverem separados, e foi por isso
que ela nã o queria icar em Boston se ele estivesse na Escó cia. Mas a
ideia de ele estar separado de Clare por tanto tempo e em uma idade
tã o precoce era o que mais pesava na decisã o dela.
Casais separados nã o eram incomuns na academia. A Universidade
de Toronto teve vá rios. De fato, no departamento de Julia em Harvard,
havia um professor cuja esposa lecionava na Universidade de Barcelona
e morava na Espanha com seus ilhos. Ainda assim, um casamento à
distâ ncia nã o era o que Julia queria; nã o era o que ela queria para Clare.
Julia conhecia a dor de se separar de Gabriel. Quando ele foi castigado
pela Universidade de Toronto por violar a polı́tica de nã o-
confraternizaçã o, ele cortou laços com ela. Ela passou muito tempo de
luto por sua ausê ncia, se perguntando se o veria novamente. Mesmo
agora, a separaçã o ainda é um grande marco para ela. Ela nã o queria
passar por algo assim novamente.
Julia fez uma oraçã o silenciosa e espontâ nea de agradecimento
pela sabedoria e apoio de Katherine Picton. Ela se tornou madrinha de
toda a famı́lia.
— Aqui. — Gabriel icou na frente dela, segurando um copo de á gua
gelada.
Julia se assustou. — Há quanto tempo você está parado aı́?
— Nã o faz muito. — Ele colocou o copo na mã o dela e desabou na
cadeira de balanço. - Você deveria beber um copo grande de á gua toda
vez que a alimentar.
— Eu sei. — Julia bebeu a á gua com gratidã o.
Gabriel bocejou e esfregou os olhos. — Por que você nã o me
acordou?
— Você estava cansado.
— Você també m estava, querida. — Gabriel levantou um banquinho
de madeira do tamanho de uma criança e o colocou na frente de Julia.
Ele empoleirou-se precariamente sobre ele, suas pernas tã o compridas
que seus joelhos se encolheram desajeitadamente contra seu peito.
"Acabei de receber outro e-mail de Edimburgo.
— Eles acordam cedo.
— De fato. Eles querem agendar o anú ncio e a gala o mais rá pido
possı́vel.
— Você gostaria de ir sozinho?
Gabriel respirou fundo. Ele tocou a panturrilha da perna esquerda
dela. — Nã o. Quero que você e Clare venham comigo.
Ele deslizou a mã o até o pé dela e o ergueu com as duas mã os. Entã o
começou a esfregar a sola.
— Nã o devo voar até seis semanas depois da minha cesariana. Nã o
acho que Clare deva ser exposta a um aviã o cheio de germes antes de
algumas de suas vacinas.
— Mas você viria comigo se esperá ssemos até o dia 21 de outubro?
A voz de Gabriel era baixa, cautelosa.
Julia pensou por um momento. — Sim. Provavelmente nã o
poderei ir à gala ou a qualquer evento, a menos que Rebecca venha
conosco. Mas poderı́amos tentar fazer isso funcionar. Você acha que
Edimburgo icaria bem comigo me juntando a você ?
— Melhor que ique. — A expressã o de Gabriel se tornou perigosa.
Ali estava o professor em seu estado natural, feroz e protetor,
orgulhoso e determinado, como um dragã o defendendo seu ouro.
Julia decidiu aliviar o clima. — Tenho certeza de que a populaçã o
feminina da grande á rea urbana de Edimburgo icará encantada ao ver
o professor Emerson andando pelas ruas da cidade empurrando um
carrinho. Com um kilt.
Gabriel fez uma careta. — Que absurdo. Ningué m quer me ver
usando um kilt.
Julia sufocou um sorriso. — Você icaria surpreso.
Ele olhou nos olhos dela, suas ı́ris azuis perfurando sua fachada. —
Isso está preocupando você ? A populaçã o feminina?
Julia queria mentir. Ela queria desesperadamente mentir. — Um
pouco.
— Estou com você — em Cambridge, Edimburgo, em todos os
lugares. — O polegar de Gabriel traçou um meridiano no centro da sola
de Julia. Os olhos dele focaram nos dela.
— Nã o quero viajar toda hora — disse Julia em voz baixa. Os olhos
dela icaram lacrimejados.
— Eu ia dizer a mesma coisa. — Gabriel encontrou o olhar dela,
piscando rapidamente. Ele tentou desviar a atençã o para a perna
direita, mas ela o dispensou.
— Clare está acabando. — Julia desligou o aplicativo de
amamentaçã o.
Gabriel se levantou e levantou o bebê em seus braços, beijando sua
bochecha. Ele pegou um pano da mesa de troca e o colocou no ombro.
Ele deu um tapinha nas costas do bebê e balançou sobre os pé s
descalços, esperando que ela arrotasse.
O coraçã o de Julia pulou uma batida.
— Estou tã o orgulhosa de você — ela sussurrou.
Gabriel lançou-lhe um olhar interrogativo.
— Ser nomeado Sage Lecturer — explicou ela. —Alé m de ser um
bom pai e um bom marido.
— Estou longe de ser bom — murmurou Gabriel. Ele desviou os
olhos, quase como se o elogio o envergonhasse. - Acima de tudo sou
egoı́sta. Sou egoı́sta com você e sou egoı́sta com Clare.
— Eu me pergunto o que a Universidade de Edimburgo pensará
sobre ter um pai em residê ncia.
— Se eles disserem alguma coisa, eu os processarei por
discriminaçã o. — O rosto de Gabriel indicou que ele nã o estava
brincando.
Julia ajeitou a camisola e icou em pé na perna esquerda, tomando
muito cuidado para esconder do marido o problema fı́sico. Sua perna
direita ainda estava dormente.
Gabriel se abaixou e a beijou. — Por que você nã o vai para a
cama? Vou fazer Clare voltar a dormir. Ela gosta de me ouvir cantar.
Julia riu. — Quem nã o gosta?
Ela colou suas testas juntas. Entã o voltou para o quarto, mancando
assim que saiu da vista de Gabriel.
Capítulo Dezoito

Alguns dias depois

No dia do batismo, Rachel e Aaron estavam ao lado do carro na


garagem, conversando com Gabriel.
— Apenas siga-nos até a garagem e caminharemos juntos até a
capela.
— Vamos acompanhar. — Rachel olhou na direçã o do gramado da
frente.
— Parece que a companhia de lamingo veio para leva-los embora.
Exceto por um.
— O que é isso? — Gabriel se moveu para poder ver os canteiros de
lores no jardim da frente. Ao lado de uma grande hortê nsia havia um
lamingo de plá stico rosa, usando um par de ó culos de sol pretos.
Ele virou os olhos acusadores para sua irmã . — Você fez isso?
— Eu nego tudo. — Rachel passou por Aaron para abrir a porta do
carro.
— Estará aqui quando voltarmos? — Gabriel levantou a voz.
— Claro. E se encontrar uma namorada enquanto estivermos fora,
você pode ter bebê s s por todo o gramado. — Mais uma vez. Rachel riu
alto quando entrou no carro.
Gabriel murmurou uma maldiçã o enquanto olhava para o belo
gramado da frente. Ele estava prestes a retornar ao seu SUV quando
virou a cabeça, de frente para a rua que corria perpendicularmente a
Foster Place. Um Nissan preto com janelas coloridas estava parado logo
depois do cruzamento.
Gabriel se aproximou da calçada e começou a andar na direçã o do
carro.
O motorista deu ré , quando Gabriel começou a se aproximar dele.
Começando a correr, ele chegou ao cruzamento a tempo de ver o
carro acelerar.
Ele nã o conseguiu pegar a placa a tempo.

— Que nome você dá ao seu ilho? — O padre Fortin se dirigiu a


Gabriel e Julia.
Eles estavam na frente da capela de Sã o Francisco com Katherine
Picton.
Gabriel segurou Clare nos braços.
Essa era a paró quia dos Emerson. Eles poderiam ter frequentado
a igreja mais pró xima de sua casa em Cambridge, mas havia algo na
capela e nos Oblatos que serviam à Virgem Maria que fazia Gabriel e
Julia se sentirem em casa.
Ele e Julianne responderam ao padre em unı́ssono: — Clare Grace
Hope Rachel. — Um murmú rio se ergueu dos bancos, enquanto a
famı́lia de Gabriel e Julia reagia. Richard, que estava sentado perto da
primeira ila, mal conseguia conter sua emoçã o, enquanto a expressã o
solene de Rachel se transformou em um sorriso.
Julia vestiu o bebê no vestido de batizado de Rachel — uma longa
roupa branca de seda e cetim bordada com lores e mangas curtas — e
um gorro com bordas de renda, amarrado com uma longa ita rosa.
Clare parecia uma princesa. Gabriel havia tirado centenas de
fotogra ias dela antes de saı́rem de casa, posando sozinha e com sua
famı́lia.
Quando o bebê começou a franzir a testa, Julianne segurou uma
chupeta pronta.
— O que você pede da igreja de Deus por Clare Grace Hope
Rachel? — Perguntou o padre Fortin.
— Batismo. — Novamente, Gabriel e Julianne responderam em
unı́ssono.
O padre perguntou se eles entendiam seu dever como pais e eles
a irmaram em entendimento. Entã o ele se dirigiu a Katherine, que
prometeu seu compromisso como madrinha.
Gabriel levou muito a sé rio seu papel de pai. Mesmo agora,
enquanto estava diante da congregaçã o e diante de Deus pedindo que
sua ilha fosse batizada, ele meditava nas mirı́ades de promessas que
era obrigado a fazer e manter, enquanto procurava ser pai dessa
pequena vida.
Depois de algumas palavras, o padre fez o sinal da cruz na testa do
bebê , convidando os trê s adultos a fazer o mesmo. A famı́lia fez uma
pequena procissã o ao estrado, onde as Escrituras foram lidas e a
homilia foi entregue.
Gabriel achou sua mente vagando, embora seu olhar estivesse ixo
em Clare.
Ele pensou em sua pró pria jornada espiritual. Ele pensou em sua
luta contra o vı́cio e a perda de seu primeiro ilho. Sua mã o coçou ao
tocar o nome que estava com tinta em sua pele.
Ele pensou em Grace e seu amor por ele — um amor que deu
origem à adoçã o e a uma famı́lia. Um amor que havia sido
correspondido ao longo do tempo.
Ele pensou em Richard e seus irmã os. Ele pensou em Rachel e em
suas pró prias lutas recentes. Ele pensou em como ele estava cercado
pela famı́lia. Scott, Tammy e Quinn sentaram-se em um banco com
Richard, Rachel e Aaron, Tom e Diane Mitchell e seu ilho Tommy.
A irmã bioló gica de Gabriel, Kelly, sentou-se com o marido no
banco em frente a Scott. Rebecca estava sentada com eles. Um grupo
seleto de amigos e colegas paroquianos sentou-se mais atrá s.
Para algué m que passou grande parte de sua infâ ncia sozinho e
solitá rio, Gabriel estava cercado por uma famı́lia numerosa. E
Katherine, uma das maiores especialistas em Dante de sua é poca, que
de alguma forma adotará ele e sua esposa, concordou em transmitir seu
apoio e amor a Clare.
O bebê começou a se mexer em seus braços e Julia a deu a
chupeta. Ela olhou para a mã e e se aquietou, com os olhos azul cé u,
abertos e curiosos.
Gabriel nunca pensou que ele teria outro ilho. Na verdade, ele
tinha um procedimento mé dico para garantir que isso nunca
acontecesse. Entã o tudo mudou. Tudo mudou quando um anjo de olhos
castanhos, de jeans e tê nis, sentou-se ao lado dele na varanda dos
fundos.
Gabriel se lembrou de seu tempo em Assis, durante sua separaçã o
de Julianne, e de como havia encontrado graça e perdã o na cripta de
Sã o Francisco. Lembrou-se de suas sinceras oraçõ es para que Julianne o
perdoasse e se casasse com ele. Que Deus os abençoasse com uma
criança.
Ele segurava nos braços um milagre — a extravagâ ncia da graça
concedida a algué m que era orgulhoso e à s vezes zangado,
intemperante e viciante, lascivo e esbanjador.
O perdã o nã o era para os sem pecado ou para os perfeitos.
Misericó rdia nã o era para os justos. Ele teve que aprender a nomear e
reconhecer suas pró prias falhas antes de poder receber as bê nçã os.
Elas pró prias o desa iaram a tratar outras almas carentes com
misericó rdia e compaixã o. Julianne foi um exemplo brilhante disso.
Quando o padre começou a homilia, Gabriel olhou para as relı́quias
situadas na frente da igreja, à direita do altar. Uma das relı́quias
pertencia a Sã o Maximiliano Kolbe, um frade franciscano que foi
executado em Auschwitz. Ele se ofereceu para morrer no lugar de outro
homem, um homem que tinha uma famı́lia.
Diante de tanta coragem, tanto amor sacri icial, Gabriel se sentiu
muito pequeno. Ele nã o era santo, nem jamais se tornaria um. Enquanto
segurava a ilha nos braços, ele resolveu fazer melhor. Amar a ilha e a
esposa da melhor maneira possı́vel e tornar-se um homem de cará ter, a
quem sua ilha olharia e admiraria.
Clare cochilou nos braços, ainda saboreando a chupeta. O padre
terminou sua homilia e liderou a congregaçã o em uma sé rie de oraçõ es.

Julia colocou a mã o na dobra do cotovelo de Gabriel, inclinando-se


contra ele. Instintivamente, ele apertou os lá bios na tê mpora dela.
Ela estava mantendo um segredo. Embora ela justi icasse seu
silê ncio, esperando que a dormê ncia em sua perna fosse temporá ria,
sua consciê ncia se rebelou.
Seu coraçã o estava cheio. E como era habitual para ela nesses
momentos, ela icou muito quieta, pensando no que estava
acontecendo.
Ela era esposa e, agora, mã e. Ela era uma aluna e uma professora em
potencial. Ela era ilha e irmã . E, como Gabriel, ela havia sido
atormentada pela solidã o e alienaçã o em sua juventude, mas agora
estava cercada por uma famı́lia grande e amorosa.
Ela sentiu a responsabilidade de suas muitas bê nçã os intensamente.
E ela decidiu amar e proteger sua ilha da melhor maneira possı́vel. Ela
apertou o bı́ceps de Gabriel — um gesto de carinho — e sorriu para ele.

Gabriel retribuiu o sorriso dela, agradecido por ter uma parceira, uma
esposa, enquanto embarcava na jornada que era paternidade. E que
parceira.
Julianne sempre teve uma igura atraente, mas ela era ainda mais
bonita agora. Suas bochechas estavam levemente coradas, e seus
cabelos castanhos eram macios e caı́am em ondas suaves nos ombros.
Suas curvas eram mais pronunciadas em seu corpo esbelto. O
vestido azul-ı́ndigo acentuava seu decote. Gabriel tentou desviar os
olhos, mas falhou. Ela realmente era magnı́ ica.
Gabriel re letiu sobre sua fome — uma fome nã o apenas pelo corpo
dela, mas por ela. Quando ele foi tentado a sentir vergonha pela
maneira como a desejava, notou que Deus a havia tornado bela. Deus os
juntou. Um livro inteiro das Escrituras sagradas foi dedicado aos
prazeres do amor fı́sico.

“Eis que és justo, meu amor; eis que és justo. E nunca verei nada deste
lado do céu mais bonito do que você.”

Julianne estava obviamente cansada. Ele viu que ela estava
favorecendo o pé direito. Mas antes que ele pudesse considerar a causa,
ele se distraiu com seus sapatos baixo. Ela tinha um armá rio inteiro
cheio de saltos altos extravagantes, muitos dos quais eram, na opiniã o
de Gabriel, obras de arte. Mas ela nã o os usará . Gabriel balançou a
cabeça com a oportunidade podoló gica perdida. Talvez seus pé s ainda
estivessem inchados.
Enquanto o batismo prosseguia, o bebê franziu a testa e ergueu os
punhos, mas nã o chorou. Logo o padre estava ungindo sua cabeça e os
aspectos inais do ritual foram concluı́dos.
Havia muitos misté rios na fé e na vida. Casamento e famı́lia sempre
foram misteriosos para Gabriel. Sim, os laços entre as pessoas existiam
e eles eram, talvez, os laços mais fortes do universo conhecido. Mas
como eles emergiram e persistiram, ele nã o sabia dizer exatamente. Ele
nã o conseguiu descrever seu amor por Julianne, apesar de ter tentado.
Ele nã o conseguia descrever a alegria e o prazer que sentia por Clare,
embora se esforçasse por fazê -lo. Metá foras como luz, riquezas e
risadas vieram à mente.
A mã o de Julianne encontrou a de Gabriel e a apertou. Os dois se
juntaram à congregaçã o recitando a Oraçã o do Senhor, agradecendo por
sua famı́lia e Katherine, mas principalmente por Clare.
Muitos pensamentos e emoçõ es passaram pela mente de Gabriel,
juntamente com a resoluçã o de icar perto de sua esposa e ilha.
Capítulo Dezenove

Mais tarde naquele dia, Gabriel telefonou para o tio de Julianne, Jack.
Jack Mitchell era um investigador particular que havia ajudado
Gabriel em mais de uma ocasiã o, principalmente quando a ex-colega de
quarto de Julianne ameaçou postar vı́deos comprometedores sobre ela
na Internet.
Gabriel descreveu o carro preto que ele viu no bairro e pediu a Jack
para examiná -lo. Jack resmungou e concordou, reclamando que a
descriçã o de Gabriel nã o era muito para continuar.
Agora Gabriel se aproximou da soleira do quarto, segurando um par
de taças de champanhe. Da porta, ele ouviu Julianne cantando baixinho.
Ele olhou para dentro e a encontrou segurando Clare contra o ombro
e dançando.
Julianne estava cantando uma cançã o de ninar para Clare, que
parecia estar cochilando. A cabeça do bebê estava descoberta e seu
cabelo estava molhado do banho.
Gabriel icou surpreso com o quã o encaracolado o cabelo do bebê
era.
Os movimentos de sua mã e diminuı́ram quando ela chegou ao inal
da mú sica. Ela beijou a bochecha de Clare e a colocou de costas no
cercadinho.
Gabriel viu Julianne pegar um cordeiro empalhado de uma cadeira
pró xima e apertar um botã o nas costas. O som abafado de um
batimento cardı́aco humano saiu do brinquedo.
Gabriel esticou o pescoço e a viu colocar o brinquedo em um canto
do cercadinho.
Ele entrou no quarto e colocou as taças de champanhe em uma mesa
pró xima antes de fechar a porta. Julia levantou a cabeça e sorriu. — Oi.
— Como foi o banho? — Gabriel entregou—lhe um pouco de
ginger ale.
Julia pegou o copo ansiosamente. — Bom. Me deixa surpresa como o
cabelo dela se enrola quando está molhado. Você e eu realmente nã o
temos cabelos encaracolados.
Gabriel riu e bateu o copo de ginger ale contra o dela. — A Clare
Grace Hope Rachel Emerson.
— A Clare Grace Hope Rachel Emerson.
Julia tomou um gole de bebida e suspirou feliz.
Ele pegou a mã o dela e a levou a uma grande poltrona de couro
que icava perto da janela. Ela colocou as bebidas na mesa lateral e
sentou no colo dele.
— Foi um dia longo. — Ele a posicionou para que o lado dela se
aninhasse em seu ombro.
Julia estremeceu quando sua perna direita doeu.
— Alguma coisa errada? — Os olhos azuis de Gabriel a examinaram.
— Apenas me sinto dura — ela mentiu. Pegou os ó culos deles.
Ele a abraçou. —Como estã o seus pé s?
Ela mexeu o pé esquerdo. — Eles estã o bem. Eu sabia que icarı́amos
muito em pé hoje, entã o nã o usei saltos.
— Ah. — Gabriel resistiu à vontade de reclamar. Ele abriu a boca
para sugerir um exame particular, mas Julia falou primeiro.
— Rachel está muito feliz por termos adicionado o nome dela ao de
Clare.
— Sim. — Gabriel franziu a testa, pensando em sua irmã e em seus
problemas. — Tentei falar com ela hoje, mas ela nã o quis se envolver.
— Ela provavelmente estava preocupada em estragar a festa.
— Hummm. — Gabriel nã o parecia convencido.
— Todo mundo ao seu redor tem um bebê , quando ela quem
realmente queria ser mã e. Ela precisa de tempo para se lamentar sobre
isso.
— Humph. — Ele tomou um gole de bebida.
Julia bateu no ligeiro furo em seu queixo. — Nã o me venha com
humph, professor. O luto é um processo.
— Você nã o está errada. — Gabriel beijou o nariz dela. — Mas eu
estava tentando ajudar falando com ela hoje e ela me excluiu.
— Ela precisa de tempo para processar o que aconteceu.
— Suponho que sim. — Gabriel mudou de assunto. — Vamos falar
sobre a abominaçã o que agora está no nosso jardim da frente.
— Eu nã o tenho ideia do que você quer dizer. — Julia escondeu o
rosto atrá s da taça de champanhe.
— Você sabe exatamente o que eu quero dizer, senhora Emerson.
Nã o podemos ter nada muito kitsch no jardim da frente.
— Eu acho engraçado.
Gabriel balançou a cabeça para ela. — Eu tenho que admitir, os
ó culos de sol foram um toque agradá vel.
— Obrigada. — Julia curvou-se um pouco. — O presente de
Katherine para Clare é incrı́vel. E interessante que ela foi ao Cassirers
para pesquisar o manuscrito.
— Sim. Nã o falo com Nicholas desde que lhe disse que
emprestarı́amos as ilustraçõ es de Botticelli aos Uf izi. Ele brincou sobre
um mito da famı́lia que dizia que as ilustraçõ es deveriam ser mantidas
em segredo. — Gabriel tomou um gole de sua bebida novamente. — O
que me lembra, o Dottor Vitali ligou anteontem. Ele queria saber se
considerarı́amos estender a exposiçã o.
— O que você disse? — Julia terminou seu ginger ale.
— Eu disse que tinha que falar com você . Estou inclinado a recusar.
— Querido. — Ela colocou o copo de lado. — O que sã o mais alguns
meses?
— Eles o tiverem por tempo demais. Sã o preciosos para mim.
— Tudo bem, Gollum. — Julia beijou-o para suavizar suas crı́ticas.
Gabriel a encarou, seus olhos azuis nı́tidos. — E se eles forem
dani icados? Perdidos?
— Na Uf izi? — Julia riu. — Eles sã o vigiados dia e noite. Eles sã o
mais seguros na Uf izi do que no seu escritó rio.
Gabriel esfregou o queixo. — Vitali disse que a exposiçã o estava
gerando uma grande receita. Está ajudando a galeria a inanciar a
restauraçã o do Primavera.
— Está vendo? E um grande benefı́cio. Você sabe como me sinto
sobre essa pintura. Talvez possamos ver a restauraçã o enquanto ela
estiver em andamento.
— Vitali nã o vai recusar você . Gabriel suspirou. — Tudo bem. Vou
dizer a ele que estenderemos o empré stimo até o pró ximo verã o.
— O im do verã o — alterou Julia. — Você sabe que o verã o é a
temporada mais movimentada.
— Tudo bem — ele resmungou. — Humph.
Julia riu e beijou sua carranca. — Obrigada.
— O presidente da Universidade de Boston escreveu para mim,
parabenizando—me pelas Sage Lectures. Ele está agendando uma
recepçã o apó s a gala em Edimburgo.
— Isso é ó timo, querido.
— Edimburgo me disse que eu devo dizer algumas palavras depois
que eles me anunciarem em outubro. — Os olhos de Gabriel se ixaram
nos dela. — Você vem à minha palestra?
— Mas é claro. Se Rebecca concordar em cuidar Clare.
Os ombros de Gabriel relaxaram. — Bom. Partimos para Edimburgo
na terceira semana de outubro, mas será uma viagem curta.
— Precisamos estar em casa no Halloween.
Gabriel parecia intrigado. — O que há de tã o importante no
Halloween?
— Precisamos levar Clare para as gostosuras ou travessuras.
Os olhos de Gabriel se contraı́ram. — Podemos levar um bebê
para um doce ou travessura?
— Claro que podemos. Por que nã o?
Gabriel assentiu lentamente, como se as rodas de sua mente
estivessem girando. — Precisamos escolher uma roupa apropriada.
— Para ela ou você ?
— Muito engraçado. Embora eu esteja mais interessado em vê -la em
uma fantasia. — Ele lambeu os lá bios.
Julia sorriu. — Tudo bem, professor. Vou ver o que posso fazer.
— Bom. — Ele pigarreou. — Edimburgo paga aos seus Sage
Lecturers uma grande quantia em dinheiro. O presidente do meu
departamento, juntamente com o reitor, me concedeu uma licença de
pesquisa para o pró ximo ano, para que eu possa me mudar para a
Escó cia. Mas eles ainda pagariam meu salá rio. Nã o preciso de dois
salá rios. Vivemos muito confortavelmente, entã o eu estava pensando…
— Ele fez uma pausa e procurou os olhos de Julianne.
— O orfanato em Florença. — Seus olhos castanhos se iluminaram.
— Eles fazem muito com tã o pouco. Imagine o que eles poderiam fazer
com um ano de seu salá rio. ”
— Confesso que tinha pensado a mesma coisa. Eu poderia continuar
com meu salá rio da BU e doar o dinheiro da Sage. Isso permitiria que o
orfanato ajudasse mais crianças.
— O governo italiano nã o nos permitirá adotar um ilho até que
estejamos casados há trê s anos. Sei que falamos em adotar Maria. —
Julia pareceu triste.
— Espero que, pelo bem dela, uma famı́lia a encontre antes disso." O
braço de Gabriel apertou a cintura de Julia. — Mas se concordarmos, eu
gostaria de doar para o orfanato.
— Mas em silê ncio. — Julia descansou a cabeça no ombro dele. —
Pre iro que ningué m saiba alé m do orfanato e de nó s.
— Claro. Elena e sua equipe fazem um bom trabalho lá . Estou feliz
que podemos apoiá -los.
Julia bocejou.
— Devo anunciar o assunto das Sage Lectures na gala de Edimburgo
—continuou Gabriel. — Meu livro sobre os sete pecados capitais está
quase terminado. Mas eu decidi escrever outra coisa para as palestras.
Pensei em escrever uma comparaçã o em tamanho livro da relaçã o entre
Abelard e Hé loı̈se com a de Dante e Beatrice. Mas, novamente, acho que
vou salvar isso. Nas Sage Lectures, quero focar em A Divina Comé dia,
trazendo trechos de La Vita Nuova. O que você acha? — Ele voltou ainda
mais sua atençã o para a esposa.
Julia fez um barulho que só poderia ser descrito como um ronco.
— Querida? — Gabriel tocou seu rosto, mas ela estava dormindo
profundamente.
Ele sorriu, olhando de uma mulher adormecida em seus braços para
a outra, que estava dormindo profundamente no cercadinho. Nesta
casa, ele estava cercado por mulheres. E ele nunca esteve tã o feliz.
— Tudo bem, mã ezinha. Hora de dormir. — Ele a pegou nos braços e
a carregou com cuidado pelo quarto. Ele a colocou sob os lençó is e
cuidadosamente a embalou com eles.
Ele tirou os cabelos da testa e acariciou sua bochecha com as costas
dos dedos.
— Estou feliz que você vem comigo para a Escó cia. — Ele a beijou
ternamente e apagou a luz.
Capítulo Vinte

Richard entrou na cozinha assim que Rebecca terminou de limpar


tudo depois do jantar.
— Você gostaria de se juntar a mim em uma caminhada?
Se Rebecca icou surpresa com o convite dele, ela escondeu bem.
— Eu gostaria disso. — Seu tom era radiante quando ela tirou o
avental e o pendurou em um gancho dentro da despensa.
Richard gesticulou na direçã o do corredor e ela o precedeu, dando
um tapinha nos cabelos grisalhos e ajeitando o vestido.
Ele abriu a porta lateral para ela e os dois saı́ram para o ar de inal de
setembro.
Rebecca era alta com seus 1,80m. Ela era quase tã o alta quanto
Richard.
Seus traços eram modestos, mas seus olhos eram bonitos assim
como seu sorriso.
Richard se situou para andar à direita de Rebecca, pró ximo à estrada.
Nã o havia sinais do outono, pelo menos ainda nã o. A temperatura
ainda estava quente à noite. Embora o cul-de-sac de Foster Place
estivesse densamente povoado, com casas antigas construı́das muito
pró ximas, era ainda assim, silencioso.
— Você sempre morou na Nova Inglaterra? — Richard começou a
conversa. Eles deixaram o cul-de-sac e viraram à direita na Rua Foster.
— Sempre. Minha famı́lia é da Jamaica Plain, mas eu e meu marido
nos mudamos para Norwood quando nos casamos. Ele faleceu há vinte
anos.
— Sinto muito. — O tom de Richard era sincero.
— Ele era um bom homem. Quando ele morreu, minha mã e foi morar
comigo e com meu ilho. Eu cuidei dela até ela morrer. Gabriel me
contratou alguns meses depois disso.
— Sinto muito por você ter perdido sua mã e. Sou muito grato por
como você cuidou do meu ilho e ilha e agora minha neta.
Rebecca sorriu.
— Eu sou o tipo de pessoa que precisa cuidar de outra pessoa. Meu
ilho conseguiu um emprego no Colorado e se mudou. Minha ilha mora
em Sacramento. Fazia sentido alugar minha casa e morar com Gabriel e
Julia. Mas ele está procurando um apartamento para mim em
Cambridge. Eventualmente, eles precisarã o de seu pró prio espaço.
Richard assentiu, pensativo.
Ela virou o corpo para ele.
— E você é professor?
— Correto. Ensinei biologia na Universidade Susquehanna, mas me
aposentei quando minha esposa morreu.
— Sinto muito. — Rebecca fez contato visual com ele.
— Obrigado. — Ele suspirou. — Receio ter feito uma bagunça nas
coisas. Me aposentei em Susquehanna e assumi uma posiçã o de
pesquisa na Filadé l ia, para estar mais perto de minha ilha e meu ilho
Scott. Mas eu nunca os vi. Descobri que sentia falta da casa que dividia
com minha esposa. Entã o, renunciei a meu posto e voltei. Agora, estou
dando um curso por semestre na Susquehanna como professor emé rito.
— Entendo que você queira icar em casa — elogiou Rebecca. — Nã o
posso vender nossa casa em Norwood, embora saiba que terei de
vendê -la eventualmente.
O belo rosto de Richard parecia cansado.
— Você se importa se eu izer uma pergunta?
— De modo algum.
— Um dia melhora? — Os olhos cinzentos de Richard eram
sinceros.
Rebecca olhou para uma das muitas á rvores que ladeavam a Rua
Foster.
— Eu sei o que você quer ouvir, porque é o que eu queria ouvir
quando perdi meu marido. Você quer ouvir que o tempo cura e o
sofrimento desaparece. Serei honesta com você - o sofrimento nã o
desaparece. Você sempre sentirá falta dessa pessoa, porque a amava e
sente falta da companhia dela. Meu marido se foi há vinte anos e eu
ainda sinto falta dele todos os dias. E toda noite. — Ela sorriu com
tristeza. — Mas a dor diminui com o tempo. Consigo falar sobre ele, ver
fotos e lembrar dos bons tempos. Mas foi um processo.
Richard pareceu surpreso.
— Eu esperava que você me dissesse que melhoraria.
Ela colocou uma mã o reconfortante no braço dele.
— Algumas coisas melhoram. Mas para mim, a dor ainda está lá .
Encontrei uma segunda famı́lia com seus ilhos. Pego emprestados
livros da biblioteca de Gabriel e faço minhas receitas favoritas de
famı́lia para ele e Julia. Agora eu ajudo com o bebê e me certi ico de que
Julia se cuida. E bom se sentir necessá ria. Eu tenho um papel. Eu tenho
um propó sito.
Richard en iou as mã os nos bolsos.
— Sim, é bom ser necessá rio.
— Seus ilhos precisam de você . Eles precisam que você seja pai e
mã e para eles, e isso é difı́cil.
— Sim. — Richard parecia estar processando a avaliaçã o dela.
— A vida nã o será a mesma, mas ainda pode ser uma vida boa.
Passar um tempo com a famı́lia e os amigos é importante.
— Concordo. — Os dois continuaram andando em silê ncio.
Por im, Richard falou. — Obrigado, Rebecca.
— Fico feliz em conversar com você , sempre. Estou a apenas um
telefonema de distâ ncia.
— Eu gostaria disso. Estou começando a perceber que passo muito
tempo sozinho.
— Houve dias, até semanas, em que nã o saı́ de casa depois que meu
marido morreu. Só nã o queria ir a lugar algum.
Richard balançou a cabeça.
Rebecca fez uma pausa, fazendo contato visual mais uma vez.
— Posso dar um conselho nã o solicitado, de viú va para viú vo?
Richard riu.
— Vá em frente.
— Independente de você escolher se casar novamente ou nã o, vá
devagar. Desenvolva uma amizade com a mulher primeiro. Eu já vi
muitas pessoas entrarem em outro relacionamento a toda velocidade,
apenas para acabar com um desastre até que percebem que realmente
nã o sã o compatı́veis.
— Esse é um bom conselho. Um dos meus velhos amigos em
Selinsgrove estava tentando me inscrever em um site de namoro. Ele
me disse que é assim que os jovens fazem.
— Jovens. — Rebecca bufou. — Eles vivem a vida inteira online. Eles
estã o sempre conectados a um dispositivo. Devemos seguir os
conselhos deles? Pfffttt.
Richard sorriu.
— Bom argumento.
— També m nã o quero voltar aos velhos tempos, quando eles usavam
casamenteiros ou sei lá . Eu posso escolher meu pró prio maldito
marido.
Agora Richard estava rindo.
— Duvido que algué m lhe diga o contrá rio.
— Certamente. — Rebecca riu com ele.
— Mas a amizade é importante, como você mencionou. Algué m para
conversar, para jantar. Sim, isso é importante. — Ele se virou para
encará -la. — Rebecca, posso levá -lo para jantar?
Ela fez uma pausa por apenas um momento.
— Sim. Embora eu precise fazer um acordo com seus ilhos.
— Acho que eles podem se dar bem sem você por uma noite.
— Tenho minhas dú vidas. — Ela sorriu.
Os dois trocaram sorrisos e continuaram sua caminhada.
Capítulo Vinte e Um

Outubro de 2012
Edimburgo, Escócia

O professor Emerson era impaciente com mediocridade. Julia estava
bem ciente disso. Mas a divertia ver o professor lutando contra sua
necessidade de excelê ncia em todas as coisas, enquanto levava um bebê
de seis semanas para a Europa.
A Universidade de Edimburgo, de acordo com as polı́ticas o iciais de
viagem, reservou um assento na econô mica para Emerson. O professor
impacientemente fez um upgrade para a primeira classe e reservou um
assento adjacente para Julia e um assento em frente a eles para
Rebecca.
A universidade arranjou um tá xi para transportar o professor
Emerson e sua famı́lia para o hotel. O professor dispensou o tá xi (quase
com raiva) e contratou um motorista particular e uma Range Rover
para estar à sua disposiçã o durante a visita.
A universidade reservou uma suı́te real graciosamente decorada no
Waldorf Astoria Caledonian hotel para os Emersons. O professor
prontamente colocou Rebeca na suı́te real, e para ele e sua famı́lia,
reservou a suı́te Alexander Graham Bell, que forneceu uma vista do
Castelo de Edimburgo.
— Eles vã o pensar que você é uma diva — Julia sussurrou, enquanto
os mensageiros entregavam bagagem, carrinho e acessó rios de bebê
para sua suı́te.
— Bobagem — disse Gabriel, impaciente. — Estou cobrindo as
despesas adicionais. O que é isso para eles?
Julia mordeu o lá bio, imaginando como explicar. Mas quando ela viu
a vista do castelo atravé s das enormes janelas, ela decidiu deixar para
lá . Edimburgo era lindo. A suı́te era linda. E ela estava muito, muito
cansada.
Gabriel inspecionou o trabalho dos carregadores de malas e aprovou-
os generosamente, dando uma boa gorjeta. Entã o ele foi até onde Julia
estava parada perto da janela.
— Vá se deitar. — Ele acariciou sua bochecha carinhosamente.
— Eu pensei que deverı́amos icar acordados, por causa do jet lag. —
Contrariamente, Julia bocejou. — E hora de alimentar Clare.
— Alimente-a e depois se deite. Vou levá -la para passear de carrinho.
— Sé rio? Nã o acho que você tenha dormido no aviã o.
— Uma caminhada me fará bem, embora eu possa tirar uma soneca
esta tarde. Fomos convidados para jantar com o conselho da
universidade hoje à noite. A gala e a recepçã o sã o amanhã .
— Ok. — Julia bocejou novamente. Ela pegou Clare de seu carrinho
de bebê e a beijou antes de se acomodar em uma poltrona ao lado da
lareira. Os funcioná rios tinham acendido a lareira, o que a alegrava. — E
Rebecca?
— Ela decidiu explorar a cidade. — Os olhos de Gabriel brilharam. —
Eu acho que ela foi em busca de um Highlander.
— Boa sorte, Rebecca. — Julia cruzou os dedos para desejar sorte.
Capítulo Vinte e Dois

Naquela noite, Julia entrou no luxuoso quarto ‘’Jacobita’’ no castelo de


Edimburgo. Pelas janelas do outro lado, ela podia ver as luzes
brilhantes da cidade requintada, um pouco borradas pelas gotas de
chuva que se agarravam à s vidraças.
O quarto em si tinha um teto abobadado, forrado com madeira. Vigas
de madeira seguravam a estrutura, o que lembrou Julia do casco de um
navio.
Eles terminaram um jantar suntuoso com dignitá rios da
universidade no quarto Queen Anne e agora se retiraram para um
ambiente mais ı́ntimo para tomar bebidas depois do jantar.
Em sua chegada ao castelo, os Emerson foram recebidos por um
lautista, sob tochas lamejantes. Os an itriõ es da universidade eram
incrivelmente hospitaleiros e até arranjaram Julia e Gabriel para ver as
jó ias da coroa escocesa e a pedra da coroaçã o antes do jantar.
Depois do jantar, Julia pediu licença para ir ao banheiro e ligou para
Rebecca, a im de saber sobre Clare. Aliviada por tudo estar bem, ela
voltou à recepçã o e viu o marido cercado por membros do tribunal
universitá rio e funcioná rios da cidade.
Seus olhos azuis pegaram os dela e ele sorriu, um raio de sol apenas
para ela. Ela alisou a saia de seu vestido de veludo preto. Eles se
vestiram para combinar um com o outro. O professor usava um terno e
gravata pretos sob medida, cabelos cuidadosamente penteados, sapatos
brilhantes. Seu reló gio de bolso de ouro e a corrente, en iados no colete
sob o paletó . E ele havia trocado seu amado Scotch para café , mantendo
um compromisso com a sobriedade.
Ele a chamou com os olhos, nã o querendo interromper o cavalheiro
bem vestido que estava falando em seu ouvido quase sem respirar. Mas
Julia se sentiu desconfortá vel invadindo a conversa. Ela inclinou a
cabeça na direçã o do bar e seguiu em direçã o, pedindo calmamente por
uma xı́cara de chá .
Gabriel olhou ansiosamente para os copos de ambrosia maltada que
os outros convidados estavam bebendo. Ele esperou uma pausa na
conversa para poder se juntar à esposa no bar. Certamente ele poderia
encontrar algo melhor que café .
— Sra. Emerson, eu sou Graham Todd. — Um homem de meia idade,
igualmente bem vestido, mas com um terno azul marinho, aproximou-
se de Julia pelo lado.
Ele estendeu a mã o e ela a apertou.
—Prazer em conhecê -lo. Me chame de Julia.
Graham sorriu gentilmente sob a barba grisalha. Ele tinha cabelos
ruivos que estavam se tornando grisalhos e sobrancelhas fortes. Seus
olhos eram azuis e bastante aguçados.
— Entendo que você estuda Dante també m — Graham tomou um
gole de uı́sque no copo de cristal. Ele soava inglê s e nã o escocê s, pelo
menos aos ouvidos de Julia.
— Sim, estou estudando com Cecilia Marinelli em Harvard.
— Reconheci seu nome na lista de convites de Don Wodehouse. Você
estará participando da o icina de palestras em abril?
Julia fez uma pausa, sem saber se seria presunçoso perguntar o
mesmo a Graham.
— Don era meu supervisor em Oxford. Sou o especialista em Dante
aqui em Edimburgo.
— E um prazer conhecê -lo. Edimburgo é uma cidade incrı́vel, e
Gabriel está realmente ansioso para fazer parte da comunidade
universitá ria.
— Você vai se juntar a ele?
Julia hesitou.
— Eu gostaria disso. Eu preciso resolver algumas coisas com
Harvard, porque eu deveria estar tendo aulas no pró ximo outono. Claro,
eu nã o poderia mencionar nada para eles até depois de amanhã ,
quando o quando o palestrante for anunciado.
Graham acenou com a cabeça.
— Claro. Teremos o maior prazer em tê -lo em nosso departamento.
Embora ainda nã o tenhamos de inido nossos cursos para o pró ximo
ano, certamente posso enviar a programaçã o para você assim que
inalizado. Sobre o que você escreverá sua dissertaçã o?
— Obrigado. Ainda estou elaborando uma proposta para Cecilia, mas
pensei em explorar A cena da morte de Guido da Montefeltro no
Inferno, contrastando com a de seu ilho Bonconte no Purgató rio.
— O que você acha interessante sobre Guido?
— Bem, iquei fascinada com o relato de sua pró pria morte e como
ele reivindicou Sã o Francisco de Assis o procurou quando morreu, mas
foi derrotado por um demô nio.
— Ah — disse Graham. — Bastante direto, nã o é ?
— Dante encontra Guido no cı́rculo dos fraudulentos. Nã o tenho
certeza se podemos tratar a dele testemunho como verdadeiro.
Graham puxou sua barba.
— Um bom argumento. Mas onde está a fraude?
Julia se inclinou para a frente ansiosamente.
— Dante nos diz que o inferno está estruturado de acordo com a
virtude da Justiça. Portanto, apesar do que Guido diz, a justiça o coloca
no inferno. Se ele está lá justamente, por que Francisco deveria
aparecer?
Graham levantou um ombro.
— Francis nã o conseguiu salvar Guido, pelo que me lembro.
— Se Francisco é um santo, ele concorda com Dante que a justiça
estrutura o inferno, o que signi ica ele nã o estaria duvidando de Deus.
Entã o, Francis nã o apareceu, ou ele apareceu por um propó sito
diferente. E Guido está mentindo em ambos os casos.
Professor Todd riu.
— Ah, você deve ser a jovem que levou Don a ter uma segundo olhar
para Guido. Ele icou obcecado por ele.
Julia icou vermelha.
— Oh, nã o, eu nã o o levei a isso. Mas ele veio ouvir minha palestra de
Guido em uma conferê ncia e ele discutiu comigo um pouco.
Os olhos de Graham cresceram sabendo.
— A ú ltima vez que vi Wodehouse discutir com um aluno, ele
abandonou seu programa de pó s-graduaçã o e se tornou pastor.
— Oh, querido. — Julia icou horrorizada.
— Eu nã o acho que você corre o risco de sair de Harvard e se tornar
uma pastora? —Todd brincou gentilmente.
— Hum, nã o. — Julia tomou um gole de chá . — Estou apenas
tentando terminar meu curso para poder tirar meus exames de á rea.
Graham olhou para ela, pensativo.
— Deixe-me apresentar-lhe algumas das outras faculdades em
Estudos de italiano e especialmente ao meu chefe de departamento.
Podemos ter alguns cursos que sejam apropriados.
Ele esticou o braço, indicando que Julia deveria precedê -lo. Com um
sorriso agradecido, ela entrou na brecha, chamando a atençã o de
Gabriel enquanto se movia. Quando a viu sendo recebida por colegas da
universidade, ele sorriu com orgulho.
Capítulo Vinte e Três

Estava chovendo.
O professor Emerson chegou à conclusã o de que os moradores de
Edimburgo precisavam de uma arca. Nã o tinha acontecido nada alé m de
chover desde que ele e Julianne chegaram ao castelo para o jantar.
Ele levantou a gola da capa de chuva Burberry e ajeitou o gorro de
tweed, trocando o guarda-chuva para a mã o esquerda. Depois que ele e
Julia chegaram ao hotel, Julia percebeu que eles estavam sem pomada
contra assaduras. E, como ela prontamente o lembrou, pomada contra
assaduras era essencial para a saú de do bebê .
Gabriel desceu as escadas para o lobby em busca do porteiro, mas
icou consternado ao descobrir que ele nã o estava lá .
— Isso nunca aconteceria no Plaza, — ele resmungou consigo
mesmo enquanto perguntava aos funcioná rios da recepçã o. De fato, o
Plaza Hotel em Nova York nunca deixou ele ou Julianne na mã o, nã o
importa a hora.
O professor icou ainda mais consternado ao saber que nã o havia
farmá cia 24h ou supermercado perto do hotel. Até o Marks & Spencer
na estaçã o Waverley estava fechado. E foi assim que ele se viu na
traseira do seu carro alugado, sendo guiado sob a chuva, até um grande
supermercado 24h em Leith, cerca de vinte minutos de distâ ncia.
Chegar ao supermercado era uma coisa; encontrar a pomada era
outra, especialmente porque o supermercado nã o parecia ter nenhuma
das marcas que eles usavam nos Estados Unidos. Gabriel ligou para
Julianne trê s vezes enquanto caminhava pelos corredores tentando em
vã o achar o item correto. Depois de ser informado pela esposa de que
ela estava indo dormir e que ela falaria com ele quando acordasse para
a pró xima amamentaçã o de Clare, ele comprou quatro produtos
diferentes, esperando que pelo menos um deles fosse su iciente.
Quando ele inalmente voltou ao Caledonian, estava de muito mau
humor. Ele fez uma careta para o iluminado Castelo de Edimburgo ao
sair do carro alugado. O porteiro o recebeu com um guarda-chuva
aberto e o acompanhou até o hotel.
Foi nesse momento que Gabriel recebeu uma mensagem de Jack
Mitchell.
Ele sacudiu a chuva do casaco e do gorro e foi direto ao Caley Bar
para poder ler o texto em particular. Ele pediu um café expresso duplo
ao barman, resmungando internamente sobre nã o poder pedir uı́sque.
É um crime contra a hospitalidade, ele pensou. Todo aquele lindo
uísque, apenas esperando pelo paladar certo para apreciá-lo. Com essa
chuva, provavelmente vou pegar pneumonia e morrer. Todos os
convidados da Sage Lectures deveriam receber antibióticos ao chegar.
Talvez como parte da acolhedora cesta de frutas.
Enquanto o garçom preparava o café , o professor retirou o celular do
bolso e leu o texto.

Nada do Nissan.
Se você o vir novamente, tire uma foto.
Irei veri icar a colega de quarto de J e o ilho do senador.

O texto estava claro o su iciente. Procurar um Nissan preto sem um


nú mero de placa na á rea de Boston era quase impossı́vel. Ainda assim,
Jack nã o era nada menos que minucioso. Ele estava indo olhar Natalie
Lundy, ex-colega de quarto de Julia, e Simon Talbot, seu ex-namorado.
Os lá bios de Gabriel se curvaram em desgosto. Se ele visse aquele
ilho da puta novamente...
Ele fechou a janela da mensagem de texto e colocou o telefone em
cima do bar. Uma imagem de Clare olhou para ele da tela. A chuva
parou, as nuvens se abriram e o professor Gabriel Emerson sorriu.
Ele tirou o casaco e o gorro, colocando-os à s pressas junto com o
guarda-chuva e as sacolas de compras. Ele passou a mã o pelos cabelos
rebeldes e sentou-se rapidamente, percorrendo as fotogra ias de Clare e
Julianne.
Uma ida ao mercado depois da meia-noite não é tão ruim; não quando
esses anjos esperam por mim lá em cima.
O barman serviu o café expresso, junto com um pequeno prato de
biscoitos e um copo de á gua gelada.
Ele tomou um gole de café e de repente foi tomado por um acesso de
tosse.
Já começou. Contraí pneumonia.
— Eu nã o quero o que é que ele tenha pedido. — Uma voz feminina
soou à sua direita. — Vou tomar um Martini, por favor, com uma
azeitona.
Dois lugares ao lado, uma mulher de cabelos escuros falava com um
sotaque inglê s. Ela colocou a pasta de couro no chã o ao lado da cadeira
e sentou-se, agradecendo ao barman quando ele serviu a bebida dela.
Ele colocou um pequeno prato de nozes na frente dela, que ela provou
imediatamente.
Gabriel tomou um gole de café novamente, esperando que isso
acalmasse sua tosse. Ele estava quase satisfeito com o resultado.
— Um pouco frio, nã o é ? — Ela sorriu de modo conspirató rio.
— Glacial. Chove assim o tempo todo?
A mulher deu de ombros. — Eu moro em Londres. Mas o verã o aqui
é muito agradá vel. O sol nã o se põ e antes das dez da noite.
— Humph, — disse Gabriel.
— Americano? — Ela perguntou, depois de provar seu Martini.
— Sim.
— O que o traz à uma Edinburgh chuvosa?
— Sou um convidado da universidade.
— Eu també m. — A mulher olhou por cima do ombro. — Eu
deveria encontrar com minha equipe aqui, mas acho que eles saı́ram
sem mim. Idiotas.
Gabriel terminou o café expresso e pediu outro. — Que tipo de
equipe?
— Televisã o. — A mulher tirou os ó culos do topo da cabeça para
poder ler o menu do bar. — Viemos de Londres para cobrir algo na
universidade. Nã o acredito que eles me deixaram. — Ela olhou ao
redor do bar, que estava quase vazio. — Aqueles bastardos.
— Você é apresentadora de televisã o? — Gabriel perguntou
educadamente.
— Deus, nã o. Eu sou a produtora. — Ela ergueu o Martini na direçã o
dele. — Saú de.
— Saú de, — Gabriel levantou sua xı́cara de volta.
— Certo. Entã o, o que você está fazendo pela universidade?
Gabriel fez uma pausa enquanto o barman servia seu segundo café
expresso e outro prato de biscoitos.
— Uma sé rie de reuniõ es, transferê ncia de conhecimento, esse tipo
de coisa.
A boca da mulher se contraiu. — Você é o quem transfere
conhecimento ou é o contrá rio?
— Principalmente trans iro.
— Que tipo de conhecimento você está transferindo? Ondas
gravitacionais? Teologia? O preço do queijo e comé rcio internacional?
— Dante Alighieri. — Gabriel bebeu seu café expresso.
A mulher largou a bebida. — Sé rio?
Gabriel sufocou um sorriso. — Sim, de verdade.
— Dante é interessante, mas ele passou uma quantidade excessiva
de tempo falando sobre o inferno.
— E viajando por ele.
A mulher riu. — Sim, mas ningué m acredita mais no inferno. Nã o é
difı́cil fazer as pessoas se interessarem em Dante? Torná -lo relevante?
Gabriel se virou na cadeira. — Dante aborda amor, sexo, redençã o e
perda. Esses assuntos sã o de extrema preocupaçã o para todos os seres
humanos. Se você pular o Inferno, perderá as melhores partes.
— Mas é tudo sobre o pecado, nã o é ? Puniçã o. Tortura. Pessoas
muito malvestidas.
— Pense nisso como uma exploraçã o redentora do comportamento
humano. Cada pecado mortal representa uma obsessã o diferente, e
Dante nos mostra suas consequê ncias. E uma histó ria de advertê ncia,
mais do que qualquer coisa. Como ele rotula seu trabalho uma comé dia,
ele está nos dizendo que acha a histó ria da humanidade tem um inal
feliz.
— Nã o tenho certeza se as almas do inferno estã o felizes, mas eu
entendo o seu ponto. — A mulher removeu a azeitona do seu Martini e
comeu. — Quais sã o os pecados capitais mesmo?
— Orgulho, inveja, ira, preguiça, avareza, gula e luxú ria.
— Ah. — A mulher estremeceu. — Agora minha educaçã o cató lica
está voltando para mim. Mesmo que você possa dizer que, no setor de
notı́cias, tendemos a conhecer o pecado em todas as suas diversas
formas. Entã o você vai apresentar sua palestra amanhã ?
Gabriel congelou. Seu status como palestrante nã o era para ser
conhecido pelo pú blico até o anú ncio de amanhã . — Eu nã o disse isso.
— Mas você é professor de literatura? — A mulher virou a cabeça e
deu a Gabriel um olhar expectante.
Gabriel forçou um sorriso. — Apenas um entusiasta de Dante dos
Estados Unidos, feliz em conhecer alguns de seus colegas de
Edimburgo.
Naquele momento, um grupo bastante barulhento de homens e
mulheres entrou no bar e caminhou direto para a mulher. Ela os xingou,
mas com um sorriso no rosto.
Gabriel abandonou seu segundo café expresso e rapidamente
colocou a bebida na conta da suı́te.
A equipe de televisã o pediu bebidas, conversando ruidosamente
entre si.
Gabriel pegou seu casaco, gorro e guarda-chuva. Quando ele se virou
para ir embora, a mulher se aproximou ele.
Ela estendeu um cartã o de visita. — Eleanor Michaels, BBC News.
Nó s estaremos cobrindo o anú ncio das Sage Lectures amanhã .
Gabriel adotou uma expressã o estoica. Seria rude — e
indubitavelmente suspeito — recusar o cartã o.
— Prazer em conhecê -la, senhorita Michaels. — Ele aceitou o cartã o
e apertou a mã o dela. — O que sã o as Sage Lectures?
— Diga-me você . E é Eleanor. — Ela se inclinou para frente. — Eu
sei que isso está envolto em segredo, e ningué m deve saber nada antes
do anú ncio, mas espero que você nos dê uma entrevista amanhã .
Ele abaixou o queixo pacientemente. — Aproveite sua noite.
— Te vejo amanhã . Espero que a chuva pare. — A mulher sorriu
antes de voltar para seus colegas.
Gabriel guardou o cartã o no bolso e subiu para a suı́te.
Stercus, ele pensou.
Capítulo Vinte e Quatro

Na tarde seguinte
Old College
Universidade de Edimburgo

Isso é tudo muito grandioso, pensou Julia ao entrar a pé no pá tio do
Old College. A universidade em si era muito sé ria e feita de pedra,
erguendo-se na frente dela com altas janelas em arco e pilares
elegantes.
Já que Gabriel teve que chegar cedo, Graham concordou em
encontrar Julia no pá tio. Ele a cumprimentou com um sorriso amigá vel
e acompanhou-a até a entrada, tomando cuidado para evitar a grama
imaculadamente bem cuidada.
Julia icou agradecida por sua escolta universitá ria, pois nã o foi fá cil
encontrar a Playfair Library Hall. O salã o era iluminado e tinha um
grande teto de madeira. Pilares brancos cobriam o espaço, juntamente
com um uma sé rie de bustos de má rmore empoleirados no alto dos
rodapé s.
Julia encarou as estantes de livros e seu conteú do com inveja,
desejando ter tempo para explorar a coleçã o.
Quase todos os duzentos e cinquenta assentos no salã o estavam
ocupados. E houve uma grande sessã o de mı́dia reunida no fundo da
sala, atrá s da ú ltima ila de cadeiras. Julia notou que a BBC News estava
presente, juntamente com vá rias outras organizaçõ es de imprensa.
Graham acompanhou Julia até a primeira ila. Ela teve cuidado ao
andar de salto alto, determinada a nã o tropeçar na frente da multidã o
de pessoas.
Gabriel nã o estava em lugar nenhum.
— Eu vou te encontrar depois. — Ele a beijou em sua suı́te há mais
de uma hora atrá s e abaixou a voz para um sussurro. — Me encontre no
meu escritó rio depois da aula.
Julia tremeu com as palavras dele, que a izera lembrar da ordem que
ele lhe dera na primeira aula dele que ela assistiu.
Ele deve estar brincando, ela pensou, enquanto caminhava em direçã o
à primeira ila. Ele não tem escritório. Pelo menos ainda não.
Mas Gabriel nunca brinca sobre sexo. Nã o, sobre as artes eró ticas ele
sempre era sé rio.
O que signi ica que nós...
Julia nã o terminou o pensamento. Sentados na primeira ila havia
duas iguras que ela reconheceu.
Ela fez uma pausa, confusa.
— Aı́ está ela. — Katherine Picton levantou-se e foi até Julia. As duas
mulheres se abraçaram.
— Eu nã o sabia que você estava vindo, — Julia vacilou.
— Ouvi um boato de que o anú ncio deste ano do Sage Lecturer
valeria a pena.
Os olhos de Katherine brilhavam maliciosamente. — Eu nã o estou
sozinha. Eu acredito que você s dois já se conhecem?
Katherine recuou e gesticulou entre Julia e um homem idoso que
usava uma jaqueta tweed e calças de veludo escuro.
— Don Wodehouse. — O homem tirou os ó culos e estendeu a mã o
para Julia.
— Professor Wodehouse, é bom vê -lo novamente. — A voz de Julia
estava fraca, pois ela estava choque. Ela deu um sorriso.
— Graham. — O professor Wodehouse apertou a mã o de seu ex-
aluno, mas mesmo assim a saudaçã o foi incrivelmente legal.
Graham apareceu imperturbá vel com o comportamento do professor
e sorriu. — Julia tem contado sobre o trabalho dela sobre Guido da
Montefeltro.
Julia icou tensa.
— Sim, eu estou familiarizado com esse trabalho. — O professor
Wodehouse recolocou os ó culos no nariz. — Estou interessado em
ouvir o que a Sra. Emerson tem a dizer do tratamento de Dante sobre
Ulisses.
Julia se sentiu quase tonta. — Nã o me foquei nesse texto, mas estou
ansiosa para discutir isso com todos no workshop que você organizou
para abril.
Graham riu ao lado dela.
— Sim, haverá tempo de sobra para discutir Ulisses. — Katherine
cutucou o professor Wodehouse. — Nó s precisamos nos sentar. Vejo
que o convidado de honra chegou.
Naquele momento, Gabriel entrou no salã o com um grupo de
docentes da universidade, como se fossem da realeza.
Julia se viu sentada entre Graham e Katherine enquanto o professor
Wodehouse sentou em uma cadeira do outro lado de Katherine.
Gabriel e os outros se reuniram na plataforma elevada. Julia
reconheceu a maioria dos dignitá rios da recepçã o na noite anterior.
Tendo acabado de sobreviver a um breve desa io do professor
Wodehouse, que em todos os aspectos era intimidador, o coraçã o de
Julia batia rapidamente. Ela foi lembrada de como, mais de trê s anos
atrá s, ela se sentou no seminá rio de Gabriel na Universidade de Toronto
– uma jovem estudante de mestrado de verde que escondeu um amor
secreto por seu professor em seu coraçã o. O quã o longe eles chegariam.
Ela havia sobrevivido a Toronto e à separaçã o deles. Ela havia
sobrevivido à Christa Peterson e Paulina Gruscheva. Apesar de sua
timidez inerente, ela ganhou um lugar em Harvard. Só o que faltava era
ela terminar o programa e entã o ela, como Gabriel, teria a liberdade
acadê mica de estudar e escrever o que quisesse.
O professor Emerson parecia muito bonito, vestido com o sı́mbolo
vermelho da Harvard sobre um terno cinza. Sua camisa azul clara e
gravata azul escura faziam seus olhos de sa ira parecerem ainda mais
azuis.
Ela queria combinar com seu terno cinza, mas sucumbiu ao pedido
de ú ltima hora de vestir algo mais brilhante.
— Eu preciso ser capaz de encontrar você , — implorara Gabriel
durante o café da manhã . O som da sua voz era estranhamente
vulnerá vel.
Julia nã o pô de recusar. Vulnerabilidade era algo que ele evitava como
mediocridade. No entanto, ele poderia ser vulnerá vel com ela, em
particular. Ela valorizava e protegia aqueles momentos.
Entã o ela descartou o vestido cinza que queria usar e o substituiu
por um verde sem mangas. O vestido era modesto e caı́a em seus
joelhos, mas a cor era ousada e a gola larga expunha suas clavı́culas.
Gabriel havia previsto que a maioria da plateia estaria vestida com
cores escuras. Ele estava certo. Em um mar de preto, cinza e azul
marinho, seu vestido verde a tornava altamente visı́vel, que era
exatamente o que ele queria.
E ela usava saltos de sola vermelha. De alguma forma, sua perna
direita parecia melhor naquela manhã e entã o ela pensou que poderia
tentar. Ela esperava que Gabriel apreciasse a escolha dela.
Quando seus olhos inalmente encontraram os dela, ele icou muito
quieto. O diretor da universidade foi falando em seu ouvido, mas a
atençã o de Gabriel estava ixada em sua esposa. Seus lá bios se
curvaram em meio sorriso e ele deu a ela um olhar intenso e marcante
antes de voltar sua atençã o para o rosto do diretor.
Agora Julia podia respirar. Gabriel havia chegado e a encontrada. Ela
nunca esteve mais ansiosa para ser encontrada.
Julia se perguntou como Clare estava se adaptando a uma tarde com
Rebecca no hotel. Os ú ltimos dois dias foram as primeiras excursõ es
dos Emerson sem o bebê e Julia se sentiu curiosamente despojada. Para
resistir ao desejo de mandar uma mensagem para Rebecca, ela se
concentrou no vestido, percebendo a maneira como o material emitia
um brilho sutil sob as luzes. Entã o ela afagou seus cabelos. Ela usou-o
em um coque francê s, preso na parte de trá s da cabeça.
— Quando Gabriel terminar as Sage Lectures, ele estará no McEwan
Hall, que é muito maior. — Graham se inclinou para mais perto de seu
assento.
Ela olhou ao redor da sala. — Quanto maior?
— Esta sala acomoda apenas duzentas e cinquenta pessoas. McEwan
Hall tem capacidade para mil pessoas.
Julia engoliu em seco. Ela realmente nã o havia entendido a pompa
em torno das palestras, embora tenha icado impressionada com a
hospitalidade calorosa e generosa da universidade. Graham tem sido
muito gentil, assim como seus colegas. Parecia ser uma comunidade
maravilhosa.
O diretor da Escola de Literaturas, Idiomas e Culturas fez alguns
comentá rios e apresentou o diretor do Escritó rio de Pesquisa, que
passou muito tempo destacando o excelente per il de pesquisa da
universidade antes de descrever a importâ ncia das Sage Lectures no
campo das humanidades.
Julia percebeu que a linguagem corporal de Gabriel nunca mudava,
mesmo quando o diretor o apresentava e começava a catalogar a longa
lista de realizaçõ es de Gabriel. Os penetrantes olhos azuis de Gabriel
moviam-se sem pressa do diretor para Katherine Picton, com quem ele
trocou um sorriso caloroso e voltou.
Ele chamou a atençã o de Julia e piscou. Julia piscou de volta, sentindo
calor por todo o lado. Ela olhou em volta para o pú blico, observando a
presença do que parecia ser estudantes de graduaçã o e pó s-graduaçã o,
bem como membros do corpo docente e outros funcioná rios. Foi
quando algo clicou nela.
Gabriel nã o tinha alunos de pó s-graduaçã o. Sim, a Universidade de
Boston esperava que ele fosse capaz de atraı́-los, mas como os estudos
italianos nã o tinham um programa de pó s-graduaçã o, os estudantes
interessados em estudar Dante no nı́vel de mestrado ou doutorado
tinham que se matricular no Departamento de Religiã o, ao qual Gabriel
havia sido nomeado, mas um doutorado em religiã o nã o precisava de
um verdadeiro especialista em Dante, especialmente se ele ou ela
desejava ensinar em um departamento de italiano ou Estudos de
romance.
A Universidade de Edimburgo possui um programa de doutorado em
italiano.
Na verdade, ela estava sentada na frente de vá rios dos professores
desse programa, enquanto Professor Todd sentava-se ao lado dela.
O coraçã o de Julia perdeu uma batida. Gabriel havia aceitado o
emprego na Universidade de Boston para poder estar perto dela
enquanto ela estudava em Harvard. Mas pro issionalmente, o trabalho
nã o era o mais adequado. E Katherine Picton havia dito isso na
conversa em que sugerira que Julia passasse um semestre na Escó cia.
A Universidade de Edimburgo reconheceu as realizaçõ es de Gabriel.
As Sage Lectures estavam atraindo uma enorme atençã o, incluindo a da
mı́dia. Outras universidades e institutos de pesquisa notariam. Talvez
Edimburgo o convide para icar...
O diretor terminou sua apresentaçã o e Gabriel se juntou a ele no
pú lpito. Os homens apertaram as mã os.
Gabriel ajustou o microfone para acomodar sua altura de um metro e
oitenta e retirou os ó culos de aro preto de dentro do paletó . Um silê ncio
caiu sobre a plateia enquanto ele ajustava suas anotaçõ es em cima do
pú lpito.
— Senhor diretor, membros do Tribunal Universitá rio, colegas,
senhoras e senhores, você s me honram com a sua presença. Gostaria de
agradecer à Universidade de Edimburgo por seu convite generoso, o
qual eu aceitei com prazer.
— Agradeço també m à minha instituiçã o de origem da Universidade
de Boston pelo apoio à s minhas pesquisas. També m quero agradecer a
minha adorá vel esposa, Julianne. — Gabriel fez um gesto para ela. —
Por causa de seu apoio e do apoio da Universidade de Boston, poderei
me mudar para Edimburgo para o ano acadê mico de 2013-2014 e
ministrar as Sage Lectures.
— Fui convidado pela diretora a dizer algumas palavras sobre a sé rie
de palestras que pretendo apresentar no pró ximo ano, aqui na
incompará vel Universidade de Edimburgo. Permita-me dar inı́cio.
Ele limpou a garganta. — ‘Voi non dovreste mai, se non per morte, la
vostra donna, ch'è morta, obliare’. Dante fala em La Vita Nuova: ‘Nã o
devemos nos esquecer, a nã o ser quando morrermos, da nossa amada
de que nos foi tirada.
— Neste trabalho, Dante nos dá poesia de seu coraçã o, descrevendo
a constâ ncia de sua devoçã o a Beatrice. — Gabriel fez contato visual
com Julia, olhando-a por cima dos aros de seus ó culos.
— Dante Alighieri nasceu em Florença, Itá lia, em 1265. Ele é
conhecido por sua poesia e escritos polı́ticos, bem como por seu
ativismo na polı́tica Florentina. Mas ele també m é conhecido por seu
amor e pela paixã o nã o consumada por Beatrice.
— Dante conheceu Beatrice Portinari quando ambos tinham nove
anos. ‘Apparuit iam beatitudo vestra’, ele escreve. ‘Agora sua bem-
aventurança apareceu’.
— Dante e Beatrice se cruzaram novamente em 1283 e a saudaçã o
de Beatrice foi tã o emocionante, que Dante escreve que naquele
momento viu o ponto culminante da bem-aventurança. Esse momento é
imortalizado na pintura de Henry Holiday, Dante and Beatrice. – Gabriel
acenou com a cabeça em direçã o ao fundo da sala e uma projeçã o da
pintura apareceu em uma tela atrá s dele.
Julia prendeu a respiraçã o. A pintura era pessoal para ela e Gabriel e
por mais de uma razã o. Ele comprou uma có pia dela anos atrá s e a
manteve com ele desde entã o. E no momento, estava pendurado na
parede do quarto deles, em Cambridge.
— A vida de Dante é abalada por este segundo encontro com a
virtuosa e bela Beatrice. Ele a ama. Ele a adora. Ele dedica muito tempo
e atençã o para elogiá -la em pensamentos e na poesia, mas Beatrice se
casa com Simone dei Bardi em 1287. — Gabriel fez uma pausa, fazendo
contato com o pú blico. – Dante també m é casado. Mas ele nã o escreve
poesia em louvor à esposa dele. De fato, La Vita Nuova pinta a imagem
de um homem apaixonado e decidido que adora a esposa de outro
homem de longe.
— Isso é amor? E luxú ria? — Gabriel fez uma pausa. — E certamente
paixã o. Embora Dante e Beatrice tenham se tornado um modelo de
amor cortê s, a verdade é que nã o sabemos o que teria acontecido se ela
nã o tivesse morrido repentinamente aos 24 anos.
— Dante descreve uma conversa entre ele e a amante adú ltera
Francesca da Rimini em Inferno, canto cinco. Isso é uma pré via para o
que poderia ter acontecido, se Beatrice nã o tivesse morrido? Ou existe
um contexto diferente na conversa de Dante com Francesca? Vou
explorar minhas respostas à essas perguntas nas palestras.
Gabriel mudou as pá ginas de suas anotaçõ es.
— La Vita Nuova é o relato em primeira pessoa de Dante, de seus
encontros com Beatrice e seu amor por ela. Ele termina o poema com
uma promessa solene de estudar e mostrar-se digno, para que ele possa
escrever algo em homenagem a ela. Ele espera que sua alma esteja com
ela no Paraı́so depois que ele morrer.
Gabriel assentiu mais uma vez e uma nova imagem apareceu na tela
atrá s dele. — Isto é uma das ilustraçõ es de Sandro Botticelli da Divina
Comé dia. Nesta imagem, vemos Dante se declarando para Beatrice e
Beatrice revelando seu rosto. A conversa é gravada em Purgatorio,
canto trinta e um.
Gabriel olhou para suas anotaçõ es. Ele ajeitou os ó culos.
— Em La Vita Nuova, Dante nos fornece um relato da devoçã o
obsessiva de um homem à sua musa virtuosa. Muitos de você s
conhecem o resto da histó ria — como Dante lamentou a morte
prematura de Beatrice pelo resto de sua vida e como ele escreveu A
Divina Comé dia, pelo menos em parte como uma homenagem a ela. O
Inferno começa com a con issã o de Dante de que no meio de sua vida
ele perdeu o caminho certo e se desviou para as sombras.
— O poeta Virgil vem ao auxı́lio de Dante e explica que ele está lá a
pedido de Beatrice. Na conversa com Virgil, Beatrice identi ica Dante
como seu amigo e declara que está preocupado que ele esteja alé m do
resgate. Segundo ela, Dante foi desviado pelo medo.
— Mas é a abençoada Virgem Maria que vê a angú stia de Dante
primeiro. Maria diz à Santa Lú cia, e é Santa Lú cia que procura Beatrice,
se perguntando por que ela nã o ajudou o homem que a amava tanto
que deixou para trá s a multidã o vulgar. Ao ouvir isso, agraciada por seu
amor por ele, Beatrice se apressa em procurar Virgil.
— Avançando para o Purgatorio, canto trinta e um, temos um relato
muito diferente de Dante e seus problemas. Beatrice acusa Dante de
abandonar sua devoçã o por ela e deixar ser enganado por mulheres
jovens, a quem ela se refere como sereias.
Um murmú rio levantou-se da plateia. Ao lado de Julia, Katherine e
Professor Wodehouse trocaram um olhar.
— Dante responde à acusaçã o dela com vergonha. — Gabriel
pigarreou. — Mas entã o, algumas linhas depois, as trê s virtudes
teoló gicas imploram a Beatrice que volte seus olhos sagrados para ‘seu
iel nú mero um’, Dante. — Os olhos de Gabriel encontraram os de Julia e
ali permanecem.
— O que devemos fazer com a reversã o no Purgatorio? Beatrice
condena Dante por falta de fé e ele reage com vergonha. Entã o as
virtudes teoló gicas — fé , esperança e caridade — declaram que Dante
é , de fato, iel a Beatrice.
— Dante cumpriu sua promessa a Beatrice? Ou ele falhou? Por um
lado, temos um registro escrito da devoçã o de Dante a Beatrice, e esse
registro inclui A Divina Comé dia. Por outro lado, temos as palavras
duras de Beatrice – palavras que o pró prio Dante escreve – e a
subsequente eliminaçã o dos pecados de Dante no purgató rio.
— Nas Sage Lectures contraponho a troca de Dante com Francesca
com sua conversa com Beatrice. Vou lançar luz sobre o quebra-cabeça
literá rio da condenaçã o de Beatrice e o compromisso de Dante,
examinando o Purgatorio à luz de La Vita Nuova e A Divina Comé dia
como um todo.
— Dante é o autor dos trabalhos em questã o, mas ele també m é
um personagem da histó ria. Eu vou oferecer uma leitura à risca dos
textos que contrastarã o Dante, o autor, e Dante, o personagem. —
Gabriel sorriu maliciosamente, seus olhos azuis brilhando atrá s dos
ó culos. — Possivelmente o verdadeiro purgató rio de Dante consiste em
escrever o pró prio Purgatorio.
A plateia riu.
— Entã o convido você s, colegas e amigos, a se juntarem a mim em
uma jornada de redençã o. Nosso caminho seguirá atravé s do inferno e
do purgató rio e, eventualmente, chegará ao paraı́so. Ao longo do
caminho, conheceremos vilõ es e covardes, alé m de grandes homens e
mulheres de renome.
— Vamos explorar o que Dante pode nos ensinar sobre a natureza
humana e a humanidade da melhor e pior maneira possı́vel. E
aprenderemos mais sobre a extraordiná ria histó ria de amor de Dante e
Beatrice. Obrigado.
A plateia explodiu em aplausos.
Gabriel agradeceu a plateia com um aceno de cabeça, seu olhar
encontrando Julia. Ela sorriu enquanto aplauda e instantaneamente, os
ombros de Gabriel relaxaram.
Ela nã o havia percebido a tensã o que ele estava carregando, pois ele
a escondia bem.
O diretor do Escritó rio de Pesquisa apertou a mã o de Gabriel quando
ele voltava para seu assento. E o diretor fez algumas consideraçõ es
inais antes de convidar todos para uma recepçã o em um salã o vizinho.
Gabriel fez um movimento na direçã o de Julia, mas foi interceptado
pelo diretor, que o bateu no ombro.
Enquanto o pú blico saı́a e o diretor continuava a envolver Gabriel,
Julia se juntou à Katherine, Graham e o professor Wodehouse na
recepçã o.
— Onde você está no seu programa de pó s-graduaçã o? — Perguntou
o professor Wodehouse à Julia, enquanto seguravam seus copos de
vinho.
Julia provou o vinho à s pressas antes de responder. — Eu já concluı́
dois anos. No pró ximo outono, eu retomarei meus cursos inais e depois
faço minhas provas no inverno.
O professor Wodehouse franziu o cenho, o que realmente foi
bastante assustador. — Você disse no pró ximo outono? O que você está
fazendo agora?
— Estou de licença maternidade. — As bochechas de Julia icaram
vermelhas.
A carranca de Wodehouse se aprofundou. — Meu Deus. — Ele olhou
ao redor da sala. — Onde está o bebê ?
— Ela está com uma amiga no momento.
— E quantos anos tem sua ilha?
— Apenas seis semanas.
— Deus do cé u! — Ele exclamou, as sobrancelhas levantadas para a
linha do cabelo. Ele mediu Julia rapidamente. — Minha esposa nã o teria
viajado para Londres seis semanas apó s o parto, muito menos teria
pegado um aviã o e atravessado o Atlâ ntico. Agora eu entendo o que
Katherine quis dizer. — Ele bebeu de seu copo de vinho.
Julia olhou para Katherine, que estava conversando profundamente
com Graham a alguns passos de distâ ncia deles. Ela icou tentada a
perguntar o que, precisamente, Katherine havia dito. E ela achou a
tentaçã o grande demais para resistir. — Katherine?
— Katherine disse que você era mais tenaz que seu marido. Você o
conhece, obviamente, entã o você pode imaginar minha reaçã o ao
pronunciamento dela. — O professor Wodehouse olhou para Julia com
aprovaçã o. — Estou começando a pensar que Katherine está certa.
— Obrigada. — A voz de Julia estava um pouco fraca, parcialmente
porque ela estava tentando descobrir se o professor a estava elogiando
ou censurando.
— Entã o você está de licença este ano e seu marido estará em
Edimburgo no pró ximo ano. Presumo que você estará indo e voltando?
— Eu nã o sei. — Julia foi cuidadosamente nã o se comprometeu. Ela
queria mencionar seu plano de fazer o curso em Edimburgo e, em
seguida, retornar a Harvard para fazer as provas apó s as palestras
serem completadas, mas ela lembrou que nã o havia conversado com
Cecilia sobre isso. Cecilia e o Professor Wodehouse eram amigos, o que
signi icava que ela nã o podia mencionar seu plano. Pelo menos ainda
nã o.
— Tenho certeza de que você é tenaz o su iciente para resolver isso.
— A expressã o do professor Wodehouse mudou para o que poderia ter
sido um sorriso. Foi difı́cil dizer.
— Tenaz o su iciente para resolver o que? — A voz rá pida de
Katherine interrompeu.
Ela e Graham se aproximaram de Julia para participar da conversa.
— Viajar diariamente atravé s da lagoa. A senhora Emerson estará em
Harvard, enquanto o marido estará Edimburgo no ano que vem, —
explicou Wodehouse.
Graham e Katherine olharam para Julia.
Antes que ela pudesse responder, Gabriel apareceu, tendo se livrado
do sı́mbolo vermelho de Harvard. — Boa tarde a todos. Obrigado por
ter vindo.
Ele beijou Katherine na bochecha e apertou a mã o dos outros.
— Julianne — murmurou Gabriel. Seus olhos azuis irradiavam calor
e preocupaçã o, alı́vio e desejo.
Julia queria abraçá -lo, abraçá -lo com força e encontrar segurança em
seus braços. Mas haviam muitos olhos espiando.
Gabriel se moveu, pegando a mã o dela e acariciando o polegar entre
os nó s dos dedos.
Ele levou a mã o dela aos lá bios e deu um beijo prolongado na pele
dela, os olhos ixos nela.
— Logo, — seus lá bios sussurraram.
Julia sentiu o calor da pele.
Ele soltou a mã o dela e colocou a sua pró pria de forma protetora na
parte inferior das costas dela, depois virou-se para o Professor
Wodehouse. Eles trocaram alguns comentá rios antes que ele e Graham
se afastassem.
Julia segurou o cotovelo de Gabriel, ansiosa para contar o que
acabara de acontecer, mas eles foram interrompidos por um grupo de
professores.
Gabriel apresentou Julia e Katherine e eles trocaram gentilezas.
Como acolhimento, Katherine começou a conversar com um velho
amigo e Gabriel apresentou Julia a mais pessoas do que ela poderia
contar.
Finalmente, eles icaram sozinhos em um canto.
Gabriel se inclinou para frente, os lá bios pairando perto da orelha
dela. – Srta. Mitchell?
– Sim?
A respiraçã o de Gabriel sussurrou contra o pescoço dela. – E hora do
nosso encontro.
Capítulo Vinte e Cinco

Gabriel abriu a porta para um pequeno escritó rio, situado em um


corredor deserto no piso principal da faculdade. Ele se afastou para
deixar Julianne entrar, fechou e trancou a porta atrá s deles. — Eles me
deram a chave desta sala para que eu pudesse guardar meus pertences.
O escritó rio tinha estantes do chã o ao teto em duas paredes e uma
grande janela que tinha vista para o pá tio. Gabriel foi até a janela e
puxou uma cortina sobre ela, protegendo-os de transeuntes.
O traje dele estava guardado em um saco, pendurado com cuidado na
parte de trá s da porta. Sua pasta estava esquecida em uma cadeira de
couro, ao lado de uma luminá ria de chã o. A luz brilhou atravé s das
cortinas transparentes e Gabriel nem se incomodou em acender a
lâ mpada. Ele caminhou em direçã o à Julianne, envolvendo-a em seus
braços.
— Nã o temos muito tempo. — Sua voz era um sussurro, como se as
pró prias paredes estivessem ouvindo. — Eu devo voltar para as
entrevistas. Eu sinto muito.
— Você fez um ó timo trabalho. O pú blico reagiu bem à sua palestra.
Katherine icou muito satisfeita. — Julia estava desestabilizada apó s a
conversa com o professor Wodehouse. Ela estava um pouco preocupada
que seus planos chegassem à sua supervisora antes que ela tivesse a
chance de falar com ela diretamente.
Gabriel apertou seu abraço, enterrando o rosto no pescoço exposto
dela.
— Eu vi você conversando com Don Wodehouse, — ele falou contra a
pele dela. — Eu acho que você adquiriu um fã .
— Ele me assusta. — Ela inalou o perfume de Gabriel — Aramis e
hortelã .
— Eu acho que ele assusta todo mundo. — Gabriel beijou seu
pescoço. — Mas ele é um homem. Por que ele nã o gostaria de conversar
com a mulher mais bonita da festa?
As mã os de Gabriel procuraram o rosto dela e ele o ergueu, olhando
com calor nos olhos dela. — Você é tã o linda.
Ela sorriu timidamente. — Obrigada. Eu estava esperando que você
fosse gostar do vestido. Eu empacotei pensando em usá -lo para uma
das festas.
Ele se afastou, examinando-a com apreciaçã o. — Uma deusa em
verde.
Os lá bios dele encontraram os dela antes que ela pudesse responder,
seu beijo irme, mas reverente. Por um momento, ele nã o se mexeu. A
boca dele simplesmente pressionada contra a dela.
Julia estendeu a mã o para abraçar o pescoço dele.
Os lá bios de Gabriel sussurraram nos dela, brincando com os cantos
de sua boca. Ele beijou e recuou, beijou e recuou, quase como se
estivesse provando um bom vinho e desejasse saborear isto. Seus
corpos estavam colados. — Estou feliz por você estar aqui.
— Eu també m. — Julia resistiu à vontade de abordar o assunto do
pró ximo ano. Ela nã o teve uma chance de descrever sua conversa com o
professor Wodehouse.
— Suponho que você esteja se perguntando por que te pedi para vir
ao meu escritó rio. — Gabriel traçou um ú nico dedo pelo pescoço dela.
Ela se virou e beijou a ponta da mã o dele.
— Solte seu cabelo, — ele sussurrou.
Julia concordou, desfazendo o penteado. Ela retirou grampo apó s
grampo, colocando-os na escrivaninha.
Gabriel icou impaciente.
— Deixe-me, — ele disse rispidamente. Ele afastou as mã os dela e
passou a procurar pelos grampos atravé s de suas ondas de cabelos
castanhos.
Ela fechou os olhos.
Era uma coisa ı́ntima, ela pensou, Gabriel tocar seus cabelos. Ela
suspirou contente.
— Todas essas coisas eram realmente necessá rias? — Gabriel
resmungou, segurando o que pensava ser o ú ltimo grampo.
— Sim. — Julia passou as mã os pelo cabelo, encontrando alguns
grampos perdidos. — Eles eram.
— O efeito foi impressionante. — Ele penteou o cabelo dela com as
mã os para que caı́sse sobre sua face. Ele tocou o pescoço dela
novamente. — A porta está trancada.
Os olhos dele encontraram os dela quando a mã o dele pousou no
zı́per do vestido. Ele deslizou o zı́per pelas suas costas, nunca
quebrando o contato visual.
O material verde se juntou nos quadris dela e ela se inclinou para a
frente, expondo completamente seu decote, enquanto ela puxava o
vestido.
— Permita-me. — Gabriel se ajoelhou, levando a mã o dela ao seu
ombro para equilibrá -la. Ele a ajudou sair do vestido e o colocou
cuidadosamente na borda da mesa grande e pesada.
— Você vai estragar seu terno, — Julia murmurou, a mã o ainda no
ombro dele.
— Foda-se o terno. — Gabriel sentou-se nos calcanhares e a olhou.
Julia usava um elegante espartilho de cetim e renda preto,
combinando com a calcinha. Ligas e meias de seda preta envolviam
suas pernas. Nos pé s, ela usava saltos Christian Louboutin que Gabriel
praticamente venerou.
Um xingamento baixo escapou de seus lá bios. — Eu nã o estava
esperando isso.
— Surpresa. — Julia se sentiu bem visı́vel, embora a reaçã o de
Gabriel tenha sido mais do que ela esperava. Ela retirou a mã o do
ombro dele e colocou no quadril. — Eu estava pensando que nó s
deverı́amos comemorar quando voltá ssemos para o hotel.
— Eu nã o vou esperar. As entrevistas que esperem. — Gabriel
quebrou o contato visual para que seu olhar pudesse vagar o corpo
dela. Os seios de Julia estavam muito cheios e quase transbordando do
topo do espartilho. Mas as itas achataram seu estô mago e acentuaram
sua cintura pequena. De salto alto, suas pernas se alongaram e ela
estava muito mais alta.
A leitura faminta de Gabriel a fez se sentir poderosa.
Ela se encolheu, afastando os cabelos do rosto.
— Estou sem palavras. — Ele tocou a curva do quadril dela,
acariciando a pele logo acima da meia. — Você é uma sereia. Posa para
mim? Para que eu possa te fotografar?
— Agora nã o. Ela se inclinou para frente e agarrou a gravata dele,
puxando-o em sua direçã o. Os lá bios dela pairavam sobre os dele. —
Sabe, já se passaram seis semanas desde que Clare nasceu, e a Dra.
Rubio me liberou antes de sairmos. Entã o... — Ela arqueou as
sobrancelhas.
Imediatamente, Gabriel icou de pé e tirou o paletó e a gravata,
jogando eles de lado. Ele a esmagou contra seu peito, sua boca fundida
à dela, enquanto suas mã os descansavam em sua parte de trá s
praticamente descoberta.
Gabriel levou seus quadris aos dela e ela gemeu com a sensaçã o,
sentindo-o endurecer dentro de suas calças.
— Algué m vai nos ouvir. — Ela passou a lı́ngua pelo lá bio inferior
dele antes de deixar escorregá -la para dentro.
— Entã o você terá que icar quieta. — Gabriel a beijou
profundamente e a colocou sobre a mesa.
— Eu nã o posso icar quieta, nã o com você me tocando assim.
Gabriel sorriu e abriu as pernas dela, entrando entre elas e
pressionando-se contra ela.
Julia abraçou os quadris dele com os joelhos, os saltos altos roçando
as costas das coxas dele. — Eu vou te machucar. Talvez eu deva tirá -los.
— Nem fodendo. — A voz de Gabriel estava rouca quando ele
levantou as mã os para segurar os seios dela. Ele tocou e acariciou,
passando os polegares sobre os mamilos até que eles icaram duros. Ele
retirou o tecido de cima do seio esquerdo e inclinou a cabeça, beijando
e saboreando a carne redonda.
Julia se agarrou contra ele, os saltos espetando suas calças. Ela
mordeu o interior da boca, a im de icar em silê ncio.
A boca dele se fechou no mamilo dela, gentilmente, mas ele nã o se
afastou.
Julia soltou a camisa dele. Ela começou a desabotoar seus botõ es.
Mais uma vez, Gabriel icou impaciente e puxou a camisa por cima da
cabeça, jogando-a na cadeira.
Ele desnudou o outro seio, preparando-o para sua boca, adorando o
outro mamilo.
As mã os dela subiam e desciam pelas costas nuas, incitando-o.
Sem aviso, as mã os dele procuraram e rapidamente encontraram
atrá s dela um abridor de cartas.
— Eu comprarei novos, — ele murmurou, enquanto passava o
abridor de cartas entre o quadril e a borda da calcinha dela. A seda
rasgou facilmente. Ele repetiu o movimento do outro lado, colocando o
abridor de cartas entre os dentes quando ele retirou a seda entre as
pernas dela.
Os olhos dela dispararam para os dele enquanto ela se sentava na
ponta da mesa, as pernas em volta dos quadris dele, os seios à mostra e
agora totalmente exposta.
Ele icou parado, o abridor de cartas entre os dentes.
Ele retirou o abridor de cartas e o colocou sobre a mesa. — Eu nã o te
arranhei, nã o é ?
Ela balançou a cabeça.
Ele afrouxou suas pernas da cintura dele e se ajoelhou diante dela, as
mã os se voltando para segurá -la por trá s. Ele a puxou para sua boca.
Julia descansou o peso nas mã os enquanto Gabriel beijava o interior
de suas coxas — beijos leves e sem pressa.
Ele contornou a pele do alto da coxa dela com boca e puxou.
Ela estremeceu.
Com os ombros, ele abriu as pernas dela ainda mais e esfregou seu
centro. Sua boca passeava para cima e para baixo e para trá s e para
frente antes que ele introduzisse sua lı́ngua.
Julia fechou os olhos quando Gabriel começou a se banquetear.
Ele manteve seu pró prio ritmo enquanto lambia e beliscava. Entã o,
inalmente, ele a atacou com a lı́ngua com movimentos rá pidos e
repetitivos, e ela se contraiu gozando, com as pernas tremendo e seu
interior se contorcendo de prazer.
Ele continuou a prová -la enquanto seus tremores diminuı́am e entã o
se afastou, olhando para ela com uma expressã o muito satisfeita.
Ela se apoiou em seus braços, um sorriso largo no rosto.
Gabriel limpou o rosto com um lenço de papel e começou a desatar o
cinto. Ele removeu sua calça e cueca boxer preta antes de icar entre as
pernas dela novamente.
— Eu nã o tenho camisinha. — Suas mã os descansaram nos joelhos
dela.
— Eu vim preparada. — Julia se inclinou para pegar sua bolsa e
rapidamente retirou uma camisinha. — Mas comecei a tomar a pı́lula
há algumas semanas.
Gabriel pegou o preservativo dela e rasgou-o com os dentes. —
Apenas no caso de a pı́lula ainda nã o ser e icaz. — Ele rolou o
preservativo em si mesmo, com rapidez e e iciê ncia.
Ela abriu mais as pernas. Um convite.
Gabriel juntou seus corpos, seus braços fortes se envolvendo ao
redor das costas dela. Ele se acomodou entre suas pernas, sua boca
encontrando a dela.
Enquanto ele a beijava profundamente, lentamente deslizou para
dentro dela.
Era uma plenitude requintada que ela sentia falta. Faz tanto tempo
desde que eles se uniram dessa forma.
Gabriel xingou quando estava totalmente acomodado dentro dela. —
Isso pode ser rá pido. — Ele parecia como se estavam com dor.
Ela apertou os quadris dele com as pernas. — Estou pronta.
Gabriel nã o precisou de mais nenhum incentivo. Ele entrava e saı́a,
continuando a beijá -la, seus impulsos crescendo progressivamente
mais á speros.
— Você ... está ... bem? — Ele conseguiu dizer, seus lá bios caindo na
clavı́cula dela.
— Depressa. — Ela puxou seu cabelo, desesperada por ele.
Os movimentos de Gabriel se aceleraram e ele levantou a boca na
dela.
Ela o recebeu e sua lı́ngua varreu dentro de sua boca.
Mais algumas investidas e ela sentiu seu prazer crescer. O aperto dela
nos ombros dele aumentou. Ela sinalizou seu orgasmo.
Gabriel continuou se movendo dentro dela, ancorando-a ao seu
corpo com os braços. Ele gozou com um palavrã o.
Ela o abraçou forte conforme ele se soltava.
A cabeça de Gabriel caiu no ombro dela e ele exalou alto. Ela deu um
beijo em seu cabelo.
Os dois icaram quietos enquanto seus batimentos cardı́acos se
acalmavam e suas respiraçõ es diminuı́am. Julia acariciou a orelha dele
com seu nariz.
— Você vai pegar um resfriado, — Gabriel sussurrou.
— Nã o se você continuar me abraçando.
Ele riu e beijou seu ombro. — Desculpe pela calcinha.
— Eu nem se quer me importo.
— Essa é minha garota. — Gabriel se afastou e a beijou ternamente.
— Minha garota bonita e inteligente.
Ele se desembaraçou do corpo dela e rapidamente se desfez do
preservativo. Entã o ele alcançou mais lenços de papel, cuidando de sua
esposa primeiro antes de ajustar a si mesmo. Ele pegou seu paletó e o
colocou ao redor dos ombros de Julia, enquanto ele se arrumava.
Ele lhe deu as costas nuas enquanto vestia a camisa.
— Gabriel! — Ela cobriu a boca com horror.
Ele esticou o pescoço, olhando por cima do ombro. — O que?
Julia apontou para os arranhõ es que tinha feito com o salto na parte
de cima das costas dele e pelas suas omoplatas. Ela estremeceu. — Eu
sinto muito.
— Eu nã o. — Ele deu um sorriso que rivalizava com o sol. — Eu uso
minhas cicatrizes de amor com orgulho.
Ela se encolheu, pois se arrependia de ter estragado a pele dele.
Ele levantou o queixo dela com um ú nico dedo. — Ferimos um ao
outro, mas també m podemos curar um outro. — Ele baixou o olhar. —
A cura que recebi de você é talvez a mais importante da minha vida.
— Gabriel, — ela sussurrou, segurando o braço dele pelo pulso.
Ele a beijou. — Me desculpe eu tenho que ir. Eles devem estar me
procurando lá em cima.
— Preciso voltar ao hotel para alimentar Clare. Só deixei duas
mamadeiras com Rebecca. — Julia pulou da mesa, mas quase caiu
quando seu calcanhar direito encontrou o chã o.
— Firme. — Ele passou o braço em volta da cintura dela quando ela
cambaleou nos calcanhares. — Está tudo certo?
— Estou bem. — Ela colocou os cabelos atrá s das orelhas e baixou os
olhos, puxando o espartilho para cobrir os seios. A dormê ncia na perna
direita havia retornado e ela quase virou um tornozelo enquanto
tentava se levantar. Mas ela nã o contaria a Gabriel sobre isso — ela nã o
queria preocupá -lo, especialmente nã o em um momento tã o crı́tico
para ele como este.
— Você tem certeza? — Ele abaixou a cabeça para poder olhar nos
olhos dela.
Ela deu um sorriso rá pido. — Claro. — Ela pegou o vestido e ele a
ajudou a entrar nele.
Gabriel fechou o vestido dela. — Nossos an itriõ es estã o planejando
outro jantar esta noite. Eu te ligo assim que souber os detalhes.
— Nã o tenho certeza se consigo ir. Eu posso precisar tirar uma
soneca depois do que acabamos de fazer.
Gabriel sorriu lupino. — Eu ligarei para você de qualquer maneira. E
se você preferir icar, tudo bem. Eu vou ir embora o mais rá pido
possı́vel.
Ele começou a limpar e arrumar a mesa, colocando o abridor de
cartas no centro, quase como se fosse uma lembrança. Ele colocou a
gravata no pescoço, mas nã o se deu ao trabalho de apertá -la. — Talvez
você e eu possamos visitar a piscina hoje à noite. Ou o spa.
— Isso seria legal.
Nesse momento, uma batida soou na porta. — Professor Emerson?
Gabriel parou. — Sim?
— O senhor é procurado lá em cima, — a voz masculina chamou. —
Eleanor Michaels, da BBC, procura por você .
— Eu já vou. — Gabriel deu a Julia um olhar de consternaçã o.
Ela cobriu a boca para abafar uma risada.
— Vá , — ela sussurrou. — Vou esperar até que a barra esteja limpa e
depois trancarei a porta atrá s mim.
— Tudo bem. — Ele revirou os olhos para o cé u e balançou a cabeça.
Ela o arrumou rapidamente — alisando a gravata, ajustando o paletó
e ajeitando o cabelo dele. Ela pegou um lenço de papel e limpou o
batom do rosto dele. Ele se virou em um cı́rculo, estendendo os braços.
— Eu estou apresentá vel?
— Delicioso. — Ela suspirou ansiosamente. — A BBC vai amar você .
— Eu amo apenas você . — Ele a beijou com irmeza e pegou sua
pasta e o saco com o traje. Entã o ele entrou no corredor, tomando
cuidado para abrir apenas um pedaço da porta do escritó rio.
Julia esperou até os passos sumirem. E entã o ela caiu em uma
cadeira, abanando-se com ambas as mã os.
Capítulo Vinte e Seis

Alguns dias depois


Universidade de Harvard
Cambridge, Massachusetts

Entre — A voz levemente acentuada de Cecilia Marinelli respondeu à


batida de Julia.
Julia abriu a porta e en iou a cabeça dentro do escritó rio. — Olá ,
Cecilia. Você tem um minuto?
Ao ver Julia, a expressã o de Cecilia mudou. Ela assentiu rigidamente
e gesticulou para Julia entrar.
Julia icou intrigada com a reaçã o dela. Ela icou sem jeito, até que
Cecilia inalmente a convidou para sentar-se.
Cecilia era pequena, com olhos azuis brilhantes e cabelos escuros e
curtos. Ela era da Itá lia, originalmente, e chegou à Harvard no mesmo
ano que Julia.
— Pensei que você estivesse de licença maternidade. Cecilia tirou os
ó culos e os colocou em sua escrivaninha. Ela nã o sorriu.
— Eu estou. Eu esperava poder falar com você por um minuto. Julia
apertou as mã os no colo. Sentindo-se nervosa.
— Eu ouvi as notı́cias, é claro. A administraçã o está anunciando
Gabriel como um dos seus mais importantes ex-alunos. Parabé ns pela
Sage Lectureship. — O tom de Cecilia nã o combinava com suas
palavras.
— Obrigado. Ele está muito empolgado.
— Eu vi o tó pico dele para as palestras — As bordas da boca de
Cecilia se abaixaram. — Está interessante, mas muito româ ntico. Alé m
disso, os nı́veis de leitura de Dante sã o muito comuns. Eu esperava
mais, muito mais.
Julia icou atordoada. Cecilia e Gabriel sempre foram amigá veis. A
crı́tica dela foi a iada.
Alheia à reaçã o de sua aluna, Cecilia continuou. — Entã o você e
Gabriel estarã o pendulares no pró ximo ano, enquanto ele estiver em
Edimburgo
— Nã o. — Julia quase gaguejou. — Bem, é sobre isso que eu queria
perguntar. Eu-
— Você nã o pode tirar outra licença. — interrompeu Cecilia,
passando para o italiano. — Nã o apó s a sua licença de maternidade.
Você precisa fazer cursos no pró ximo outono e montar sua proposta de
dissertaçã o.
O olhar de Julia caiu para as botas, imaginando o que ela havia feito
para ofender Cecilia. Elas tiveram uma conversa calorosa por telefone
quando Julia explicou que estava tirando uma licença de maternidade. E
elas trocaram e-mails igualmente agradá veis sobre o workshop do
professor Wodehouse.
A frequê ncia cardı́aca de Julia aumentou enquanto ela pensava em
como poderia suavizar as coisas com sua supervisora.
— Eu já comecei a trabalhar na lista de leitura que você me deu para
minha proposta de dissertaçã o. — Ela se ofereceu.
— Você també m deve trabalhar na lista de leitura do workshop de
Don Wodehouse. Vou mandar para você .
— Obrigado. — Julia se iluminou. — Vi o professor Wodehouse em
Edimburgo. O aluno dele, Graham Todd, leciona lá .
— Eu conheço Graham. — A expressã o de Cecilia relaxou. — E é bom
você conhecer Don. E importante mostrar a todos que leva seus estudos
a sé rio e que você nã o está simplesmente reciclando as ideias de
Katherine Picton. Ou as de seu marido. — Julia quase engasgou. —
Cecilia, eu iz algo errado?
— Na verdade, você fez algo certo. Você ofereceu uma nova
perspectiva sobre o caso de Guido Montefeltro na conferê ncia de Oxford
no ano passado, em vez de con iar no trabalho de Katherine ou Gabriel.
Por isso a Wodehouse notou você . Mas à s vezes, fazer excelentes
trabalhos nã o é o su iciente. — Cecilia parecia amarga.
— Você tem que ser focada. Você tem que ser disciplinada. Você tinha
uma bolsa de estudos neste departamento, que concedemos a outro
aluno enquanto você estava de licença. Agora você quer outra licença
para poder ir a Edimburgo? Sinto muito, mas nã o posso apoiar isso.
Julia começou a torcer as mã os. — E se eu nã o tirar uma licença, mas
apenas me matricular em Edimburgo para o semestre de outono?
Graham Todd me apresentou a alguns dos membros de seu
departamento. Posso descobrir o que eles estã o ensinando e fornecer
as descriçõ es do curso para avaliar se os cré ditos podem ser
transferidos
Cecilia se irritou.
— Edimburgo nã o é o mesmo que Harvard.
Ela apontou na direçã o do escritó rio de Greg Matthews, o presidente
de seu departamento.
— Eu duvido que Greg aprovaria você a termine suas aulas em
Edimburgo.
Julia se inclinou para frente. Cecilia, por favor. Eu poderia descobrir
quais sã o os cursos e mostrá -los a você ?
Cecilia olhou-a por um momento.
— Eu nã o faço promessas.
— Você sabia que o reitor ligou para Greg no dia em que Sage
Lectures foram anunciados, questionando por que ningué m neste
departamento foi nomeado como Sage Lecture nos ú ltimos quinze
anos?
Julia vacilou.
— Eu nã o sabia disso. Sinto Muito.
— Eu també m. — Os lá bios de Cecilia torceram ironicamente. —
Gabriel é um aluno deste departamento. Portanto, o reitor e a cadeira
podem reivindicá -lo. Greg me disse que Gabriel solicitou a cadeira
dotada que Harvard me deu. Agora, o reitor acha que Greg cometeu um
erro.
— Eu ganhei esta posiçã o. — O tom de Cecilia icou duro. — Estou
mais adiantada em minha carreira do que Gabriel e eu temos mais
publicaçõ es. Agora Greg está trazendo Katherine para o departamento.
Por quê ?
Julia respirou fundo.
— Eu nã o sei.
— Eu ganhei minha cadeira dotada. Eu deixei Oxford para vir para cá .
Mas isso nã o conta para o reitor. Ele insiste que sua faculdade deve
ganhar todos os prê mios. Ele diz que a Universidade de Boston o
envergonha.
Os olhos de Julia se voltaram para a porta do escritó rio, que estava
parcialmente aberta. Essa conversa nã o saiu como planejado. Nã o
mesmo.
Cecilia baixou a voz.
— Você está de licença maternidade e deve retornar no outono.
Como você acha que vai parecer se o aluno mais importante, meu aluno,
for para Edimburgo? Ao mesmo tempo em que eu sou preterida para as
Sage Lectures, ao mesmo tempo em que Katherine é convidada a se
juntar ao meu departamento? Nã o. Você deve terminar seu curso aqui.
Julia sentiu algo como desespero assentar em seu estô mago. Ela
assentiu, preocupada que se ela abriu a boca, ela começou a chorar.
Cecilia colocou os ó culos novamente.
— Katherine está na casa dos setenta. Ela pode optar por se
aposentar a qualquer momento. E sua vida está entrelaçada com a dela
o su iciente, já que ela é madrinha do seu ilho. Se eu decidir deixar
você como estudante...— A voz dela sumiu.
O tempo parecia diminuir. O peito de Julia icou apertado enquanto
tentava respirar. Ela sentou calmamente, se perguntando se tinha
ouvido o que pensava ter ouvido.
No espaço de algumas frases, Cecilia deixou cair o equivalente a uma
(n acadê mico) bomba de hidrogê nio. Embora ela nã o estivesse
a irmando com certeza que deixaria Julia como uma estudante, ela
estava ameaçando. Perder um supervisor de graduaçã o no meio de um
programa teria consequê ncias devastadoras para qualquer aluno,
especialmente se nã o houvesse garantias que ela encontraria outro
supervisor.
Cecilia se levantou.
— Entã o, você deve continuar lendo em preparaçã o para sua
proposta de dissertaçã o. E enviarei a você a lista de leitura do
workshop de Don Wodehouse.
Julia balançou a cabeça e agradeceu humildemente à supervisora
antes de fugir para o corredor.
Ela caminhou rapidamente na direçã o do banheiro feminino mais
pró ximo e conseguiu se esconder sem que ningué m visse suas lá grimas.
Capítulo Vinte e Sete

Gabriel viu Julianne à distâ ncia, atravessando o campus de Harvard.


Ele estacionou o carro depois de deixá -la e colocou Clare em um
carregador de bebê por cima do ombro que tinha um nome sueco
chique.
Ele pensou que isso o fazia parecer um canguru. (Talvez seja por isso
que ele tenha atraı́do tanta atençã o feminina dos transeuntes, muitas
das quais pararam para dizer olá ao bebê e lhe lançar olhares um tanto
sonhadores para o pai atencioso.)
Quando Julia o viu, ela acelerou.
— Vamos. — Ela agarrou a mã o dele, cumprimentou Clare e
começou a arrastá -lo pelo caminho.
Gabriel plantou os pé s.
— Qual é o problema?
— Conversamos no carro. — Ela tentou em vã o levá -lo adiante.
— O carro está para lá . — Ele apontou o polegar na direçã o oposta.
— Qual é o problema? O que está acontecendo?
— Por favor — Julia implorou, seus olhos se enchendo de lá grimas.
Gabriel nã o pô de recusar. Ele pô s o braço sobre seus ombros,
quiando-a até o carro.
— Diga-me o que aconteceu.
Julia olhou em volta nervosamente.
— Cecilia disse que nã o.
A cabeça de Gabriel girou na direçã o de Julia.
— O que?
— Cecilia disse que se eu quiser trabalhar com ela, preciso estar
aqui no pró ximo outono.
Mais uma vez, Gabriel plantou os pé s.
— Ela te ameaçou?
Julia abaixou os olhos.
— Nã o com tantas palavras. Ela disse que leu a agenda de Edinburgo,
mas que seria ruim para ela enviar sua melhor aluna para lá ,
especialmente com Katherine entrando no departamento.
Gabriel lançou um olhar assassino para o pré dio em que o escritó rio
de Cecilia estava localizado. Os pé s dele começaram a se mover. — Eu
vou falar com ela.
— Nã o! — Julia puxou seu braço. — Eu nã o quero fazer uma cena.
Vamos conversar no carro.
— Vou ligar para Greg Matthews. Vai colocar um ponto inal nisso.
Gabriel ergueu o queixo, os olhos azuis faiscando.
— Se você izer isso, ela vai me largar. — A voz de Julia estava logo
acima de um sussurro.
Gabriel a observou. Entã o ele olhou para o pré dio.
Ele amaldiçoou.
— Eles nã o podem fazer isso. Os estudantes estudam no exterior a
partir desse departamento o tempo todo.
— Sim, na Itá lia. Nã o na Escó cia. — Julia puxou o braço dele e eles
continuaram andando.
— A questã o é o curso. Se você conseguir os cursos de que precisa
em Edimburgo, eles devem poder transferir. Você estaria abaixo do
nú mero má ximo de cré ditos de transferê ncia, correto? Você só precisa
de trê s cursos.
— Sim, mas nem mesmo Graham Todd sabe quais cursos serã o
oferecidos no pró ximo ano. Eles nã o de iniram o cronograma.
— Besteira. O que quer que faltavam, Graham ou um de seus colegas
podem lhe oferecer um curso de pesquisa direcionada.
— Eu nã o tinha pensado nisso. — Julia estava tendo di iculdade em
acompanhar os passos largos de Gabriel, mesmo ignorando a estranha
dormê ncia em sua perna.
Ele pareceu reconhecer o sofrimento dela e diminuiu o passo. — Eu
sinto muito. Nã o tive a intençã o de apressar você .
— Eu estou bem — Julia mentiu.
— Eu nã o entendo por que Cecilia se voltou contra nó s. Pensei que
é ramos amigos. — Gabriel murmurou alguns palavrõ es.
— Ela mencionou algo sobre o reitor repreendendo Greg Matthews,
já que ningué m em seu departamento foi solicitado para ministrar as
Sage Lectures há muito tempo.
— Isso é verdade. Mas a aula é internacional. E abrange todos os
campos das ciê ncias humanas, nã o apenas literatura.
— Greg disse a Cecilia que você estava sendo considerado para a
cadeira dotada que deram a ela. O reitor comentou. — Jú lia e Gabriel
trocaram um olhar.
— Considerado e rejeitado — Gabriel zombou, soando amargo. —
Eu gosto de Greg, mas ser premiado com as Sage Lectures depois de ter
sido recusado por seu departamento, foi um grande e satisfató rio dedo
do meio para todos eles.
— Agora Cecilia está me dando o dedo do meio.
Gabriel parou. Ele desvinculou a conexã o deles e colocou as mã os em
seus ombros.
— Ela está me dando o dedo do meio. Você é apenas um alvo
conveniente.
Julia ignorou o comentá rio e olhou para a ilha, pegando sua
mã ozinha.
— Oi, Clare.
O bebê borbulhou e sorriu, chutando os pé s para os lados do
carrinho de bebê .
Julia devolveu o sorriso de Clare.
— Nã o devemos conversar sobre isso na frente dela. Ela vai pegar as
vibraçõ es negativas.
— Tudo bem — disse Gabriel rigidamente.
Eles continuaram sua caminhada até o carro.
— Mas isso nã o acabou. — Ele deu a Julia um olhar ameaçador.
Capítulo Vinte e Oito

Oque você quer fazer? — Gabriel sentou-se diante de Julianne no


quarto deles.
Rebecca estava dando banho em Clare e preparando-a para a cama.
Julia pegou o material de seu jeans. — Cecilia disse que estudaria os
cursos de Edimburgo. Depois que eu receber a programaçã o, mostrarei
à ela.
Gabriel sentou-se e cruzou os braços. — Cecilia també m disse que
nã o aprovaria um semestre no exterior.
— Eu tenho que tentar, — disse Julia calmamente.
— Precisamos conversar com Katherine.
— Nã o.
— Por que nã o? — Gabriel se levantou e começou a andar. — Ela
pode nos aconselhar.
— Katherine vai confrontar Cecilia e depois Cecilia vai me deixar.
— Estou começando a pensar que é uma coisa boa, — Gabriel bufou.
— Nã o, nã o é . Se Cecilia deixar de me orientar, a notı́cia será
divulgada. Isso prejudicará minha reputaçã o. E eu nã o terei um
orientador de dissertaçã o.
Gabriel parou de andar. — Trabalhe com Katherine.
— Eu já trabalhei com Katherine. Ela supervisionou minha tese de
mestrado em Toronto, lembra? Como acha que vai parecer caso eu
trabalhasse com ela nas duas teses e minha dissertaçã o?
— Eu acho que vai parecer fantá stico. Ela é a melhor especialista em
Dante do mundo.
— Cecilia disse que estou muito perto de Katherine.
—Besteira. — Gabriel continuou andando, como um leã o enjaulado.
— Cecilia nã o é objetiva. Suas avaliaçõ es sã o cegadas pela inveja.
— Katherine nã o pode ser minha supervisora até que comece em
Harvard, que é no pró ximo ano. Até entã o, ela só tem um compromisso
de visita.
— Ela está lá para supervisionar estudantes de pó s-graduaçã o. Esse
era o acordo.
— Como será se Cecilia, que é a presidente do Dante Studies, se
recusar a trabalhar comigo?
— Parece que ela é uma cadela ciumenta, é assim que será .
— O que acontece se algo acontecer com Katherine? Ela está na casa
dos setenta. E se ela decide sair? Ou se ela… — Julia cobriu o rosto com
as mã os.
— Katherine é mais saudá vel do que todos nó s. — Gabriel se
agachou na frente dela, colocando as mã os nos joelhos de sua esposa.
— Alguns alunos levam de quatro a cinco anos para concluir sua
dissertaçã o. — A voz de Julia soava abafada. — Katherine estará na casa
dos oitenta anos até entã o.
— Nã o vai demorar tanto tempo. Katherine entende o compromisso
envolvido. — Gabriel apertou os joelhos de Julia.
— Nã o é apenas a dissertaçã o. Katherine é famı́lia.
Gabriel apertou os lá bios. — Famı́lia é tudo. E por isso que nã o vou
para a Escó cia sem você .
Julia abaixou as mã os. Os olhos deles se encontraram. — Nã o quero
que você cancele as Sage Lectures. Você tem que ir.
Gabriel deu um tapinha no joelho dela. — Entã o deixe-me intervir.
— Isso vai piorar as coisas. Cecilia está com raiva. Precisamos dar à
ela tempo para se acalmar.
— Eu nã o quero esperar.
— Eu també m nã o, Gabriel. Mas lembre-se, eu deveria estar indo
para a o icina do professor Wodehouse com Cecilia em abril. Se eu criar
um problema com ela agora, isso pode comprometer meu convite.
— Wodehouse está no comando."
— Por favor, Gabriel. Só estou pedindo um pouco de tempo.
Ele icou de pé , franzindo a testa. — Você desiste com muita
facilidade. As pessoas se aproveitam de você .
Ela icou frente a frente com ele, o lá bio inferior tremendo de raiva.
— Eu nã o estou desistindo! Eu estou simplesmente nã o fazendo
movimento agora. Estou tentando ser esperta.
— Lutar é inteligente.
— E inteligente sobreviver tempo su iciente para lutar outro dia.
Entã o você pode se reagrupar e confrontar seu inimigo com uma
estraté gia fundamentada e maior apoio. Entã o talvez você nã o precise
lutar.
Gabriel icou olhando. — Você está lendo A Arte da Guerra.
— Nã o, eu tenho estudado literatura feminista.
A boca de Gabriel se contraiu e sua raiva se dissipou. — Eu sei
melhor do que lutar contra um exé rcito. Eu me rendo a você e suas
irmã s. — Ele a puxou para seus braços.
Ela o abraçou de volta.
— Mas só por enquanto, — ele sussurrou.
Capítulo Vinte e Nove

Na tarde seguinte
Clube de Esgrima de Boston
Brighton, Massachusetts

Gabriel estava frustrado. Ele recebeu outro texto de Jack Mitchell.
De olho no colega de quarto e no ilho do senador.
Nada ainda.

Como sempre, Jack era a alma da brevidade. Gabriel teria que ligar
para ele para descobrir a interpretaçã o completa de sua mensagem.
Ao pensar nisso, Gabriel empurrou o sabre, se aquecendo antes de
enfrentar o oponente.
Ele nã o havia contado a Julianne sobre a mais recente missã o do
Nissan preto ou de seu tio Jack. Desde que nã o havia tido nada a relatar,
pelo menos até o momento, sua decisã o foi justi icada. Mas havia outras
preocupaçõ es mais profundas que pesavam sobre ele.
Julianne tinha sido in lexı́vel de que ele nã o interferisse com Cecilia.
Embora ele pudesse ter ignorado os desejos de Julianne, ele nã o faria
isso. O que signi icava que ele estava se sentindo impotente, alé m de
estar com raiva. A impotê ncia nã o era um estado com o qual ele estava
familiarizado, razã o pela qual ele estava no seu clube de esgrima,
trabalhando suas mú ltiplas frustraçõ es.
Seu treinador e parceiro de esgrima era Michel, um cavalheiro quieto
e mais velho que vinha de Montreal. Michel era um ex-atleta olı́mpico e
um oponente formidá vel. Gabriel o admirava.
Gabriel preferiu o sabre ao lorete e à espada, porque era o mais
rá pido dos trê s eventos de esgrima. Ele recompensou a agressã o pelo
direito de passagem e usou uma arma mais pesada. A capacidade de
cortar o sabre foi enormemente satisfató ria.
Gabriel queria desa iar os inimigos de Julianne para um duelo, um
por um. Mas ele teria que contentar-se em cercar seu treinador. Os
homens vestiram seus capacetes e se saudaram.
Um dos outros membros do clube, que estava atuando como á rbitro,
gritou: — En garde. Prê ts? Allez!
E a luta começou. Michel atacou imediatamente e Gabriel se afastou,
continuando em uma resposta. Michel rapidamente desviou e fez
contato com o ombro direito de Gabriel, marcando um ponto.
Quando os esgrimistas recuaram para as linhas de garde, Gabriel
ajustou o capacete.
O á rbitro gritou e a luta recomeçou.
Gabriel e Michel usavam uniformes condutores que eram conectados
atravé s de cabos longos até uma caixa eletrô nica. Os cabos em si eram
retrá teis, para nã o restringir o movimento. Quando uma parte vá lida do
corpo era atingida, a caixa registrava um ponto. No entanto, foi o
trabalho do á rbitro para determinar o direito de passagem; apenas
esgrimistas com direito de passagem poderiam marcar um ponto.
Gabriel sabia que poderia ter resolvido sua agressã o batendo no saco
de pancada na academia. Mas a esgrima canalizou sua raiva e a
amorteceu. Para praticar esgrima, ele teve que forçar manter a calma e
se concentrar.
Michel aproveitou toda e qualquer fraqueza e foi especialmente
talentoso em desvios circulares e ripostes. Gabriel era mais jovem e
mais rá pido. Ele desviou uma agressã o e lançou um contra-ataque,
acertando o capacete de Michel, que era um alvo vá lido.
Os esgrimistas lutavam, para frente e para trá s e para frente e para
trá s, em breves ataques controlados. A pontuaçã o de Michel começou a
subir e Gabriel lutou para alcançá -lo.
Ele estava suando sob o uniforme. Ambos os esgrimistas começaram
a remover seus capacetes para secar seus rostos entre os pontos.
Finalmente, Michel alcançou quinze pontos e a luta terminou. Gabriel
tirou o capacete, apertou a mã o do treinador e apertou a mã o do á rbitro
em exercı́cio.
— Sua mente está em outro lugar. — Michel repreendeu Gabriel em
francê s.
Gabriel apertou os lá bios. Nã o havia por que negar.
— Um pequeno intervalo, entã o novamente. — Michel apontou para
uma ila pró xima de cadeiras e caminhou para falar com outro
esgrimista.
Obediente, Gabriel sentou-se e bebeu da garrafa de á gua.
Julianne era seu sol e sua lua. Algué m a tratara injustamente,
levando-a à s lá grimas.
Ele esfregou o rosto com uma toalha e apoiou os braços nos joelhos.
Ele nã o queria ir para Edimburgo sozinho.
Mudar a mente de Cecilia seria difı́cil, se nã o impossı́vel,
principalmente porque ela parecia ter tomado o sucesso recente de
Gabriel como uma acusaçã o de sua carreira. Gabriel queria que Julianne
a enfrentasse - blefasse. Mas Julia queria esperar e se reagrupar.
Gabriel nã o era um homem de espera. Ele nunca foi assim, mesmo
depois de sua experiê ncia na Cripta de Sã o Francisco. Gabriel era um
lutador. Ele estaria condenado se passasse uma semana longe de sua
esposa e ilha, e muito menos um ano inteiro. E especialmente nã o por
causa do orgulho ferido de alguma professora.
Michel apareceu na frente dele e chutou seu pé . — Vamos. E desta
vez, você precisa focar. Minha avó poderia te superar hoje. E ela morreu
trinta anos atrá s.
Gabriel levantou a cabeça e lançou ao treinador um olhar que teria
congelado á gua. Michel pareceu estar se divertindo. — Boa tarde,
Gabriel. Eu estava esperando você aparecer.
Com uma risada, Michel recuperou o á rbitro.
Gabriel o seguiu, exalando fogo.
Capítulo Trinta

Halloween
31 de Outubro de 2012
Cambridge, Massachusetts

O celular de Julianne vibrou com uma mensagem de texto.
Ela e Gabriel saı́ram para pedir doces com Clare, enquanto Rebecca
icou em casa para distribuir doces. Clare, que ainda nã o tinha dois
meses, estava vestida de abó bora. Ela usava um macacã o debaixo de um
colete laranja com os olhos, o nariz e a boca do personagem ‘’Jack O’
Lantern’’. E ela usava um boné laranja com um caule preso a ele.
Gabriel tirou uma in inidade de fotogra ias da referida abó bora antes
mesmo de deixarem a casa.
Ele havia se recusado a levar Clare a pedir doces ou travessuras, dada
a tenra idade dela, mas uma vez que Julia a vestiu com o traje, ele
mudou de ideia. O papai orgulhoso segurou Clare em seus braços,
apresentando-a aos vizinhos, alguns dos quais comentaram a
extravagâ ncia de lamingos que apareceram no gramado dos Emersons
em setembro. E o ú nico lamingo de ó culos escuros que ainda estava no
jardim da frente, para a vergonha de Gabriel e alegria de Julia.
O texto no telefone de Julia dizia:

Jules, onde diabos você s está ?


Liguei para o telefone ixo e caiu na secretá ria eletrô nica.
Você vestiu a Clare para o Halloween? Eu quero ver!
Bjs, R.
— Quem é essa? — Gabriel olhou intrometidamente para a tela de
Julia.
— Sua irmã . — Julia enviou uma resposta enquanto caminhavam
para a pró xima casa.

Ei, Rach.
Sinto muito.
Nó s estamos pedindo doces.
Me liga.
Bjs, J.

— Nã o tenho notı́cias dela desde antes de irmos para a Escó cia. —
Gabriel ajustou o gorro de Clare, pois o tronco dela tinha caı́do. Ela
procurou a mã e por cima do ombro dele.
— Eu mandei uma mensagem para ela sobre o que aconteceu com
Cecilia. — Com isso, Gabriel olhou com raiva. — Temos mantido contato
por telefone.
Um momento depois, o telefone de Julia tocou. Ela icou na calçada
enquanto Gabriel carregava Clare na porta da vizinha da frente, Leslie.
— Jules! O que Clare está vestindo? — A voz de Rachel era
exuberante, o que fez Julia relaxar. Na ú ltima vez em que se viram,
Rachel estava muito infeliz.
— Ela está vestida como uma abó bora. Tiramos muitas fotos. Vou
enviar por e-mail para você . — Julia assistiu Leslie abrir a porta e reagir
com prazer ao ver Gabriel e seu bebê . Julia colocou Rachel no viva-voz
para poder tirar fotos de sua famı́lia discretamente.
— Bom — disse Rachel. — Ouça, me desculpe por nã o ter ligado
quando você me contou o que aconteceu com sua supervisora. Como
você está se sentindo?
Julia calculou suas palavras cuidadosamente. Ela explicou sobre a
palestra de Gabriel e sua diferença de opiniã o sobre o que fazer com
Cecilia.
Rachel icou horrorizada. — Sinto muito, mas eu nã o deixaria essa
mulher ditar o meu futuro. Alunos estudam no exterior o tempo todo.
— Infelizmente, quando você é um estudante de graduaçã o, está sob
o comando de sua supervisora. Se ela me deixar, e pode, sem ter que
justi icar sua decisã o para ningué m, entã o estou ferrada. Nã o terei um
supervisor e isso me atrasará por meses, se nã o um ano.
Rachel xingou alto. — O que Katherine disse?
— Eu nã o disse a ela.
— Você nã o contou a ela? — Rachel praticamente gritou. — Você é
louca? Katherine é como a mulher maravilha em um terninho
apropriado para a idade. Ela pode consertar qualquer coisa.
Julia abafou uma risada. — Ela está em Oxford este ano. Nã o há nada
que ela possa fazer.
— Eu pensei que ela estava mudando para Harvard.
— Nã o até o pró ximo ano.
— Entã o trabalhe com ela, em vez disso.
— Nã o é tã o simples assim. Nã o posso trabalhar com ela até que ela
chegue. E icará ruim se Cecilia se recusar a fazer parte do meu comitê .
As pessoas vã o icar sabendo.
— Mas Katherine é a Mulher Maravilha. Por que você gostaria de
trabalhar com a Viú va Negra, quando você pode trabalhar com a Mulher
Maravilha?
— Eu pensei que as viú vas negras eram aranhas.
— Mantenha-se atualizada, Jules. Viú va Negra é uma super-heroı́na
dos Vingadores. Você quer que eu vá falar com ela?
Julia fez um som borbulhante estranho na garganta. — Falar com
Cecilia?
— Sim.
— Nã o. Obrigada, mas nã o, nã o quero que você converse com Cecilia.
— Julia observou Gabriel caminhando em sua direçã o com Clare,
carregando uma sacola de doces. — Espero que Cecı́lia mude de
opiniã o antes do pró ximo verã o, que é quando eu tenho que acertar as
coisas com Edimburgo, se eu for.
— A academia é fodida, sé rio. Eu pensei que a polı́tica do prefeito da
Filadé l ia fosse disfuncional, mas a academia é um outro nı́vel.
— Você nã o está errada.
— Falando em viú vas negras, o que está acontecendo entre Rebecca e
meu pai? — Rachel mudou o assunto.
Julia trancou os olhos com o marido, que ouvira a pergunta de
Rachel.
Gabriel deu a Julia um olhar interrogativo. — Por que ela está
perguntando isso?
— Nada está acontecendo. — respondeu Julia. — Rebecca está aqui,
conosco. Richard está em Selinsgrove. Nã o chegou nada dele pelo
correio.
— Eles provavelmente estã o trocando nudes.
— Rachel! — Gabriel exclamou, parecendo um pouco verde.
— Diga ao meu irmã o que estou brincando. Papai nem sabe mandar
mensagens. — disse Rachel, sombria. — Ei, eu sei. Por que nã o
arranjamos o papai com Katherine?
Julia silenciosamente olhou para o telefone. — Você sabe quantos
anos Katherine tem?
— Nã o.
— Bem, ela é muito mais velha que Richard.
— Sim, bem, a Mulher Maravilha era muito mais velha que Steve
Trevor. Funcionou para eles.
— Deixe-me falar com ela. — Gabriel trocou Clare pelo celular de
Julia. — Sou eu. — ele anunciou. — Por que você está perguntando
sobre Rebecca e Richard?
— Foi apenas uma pergunta. — Rachel retrucou humildemente. —
Eu estava pensando se as coisas estavam. . . progredindo.
— Eles foram jantar.
— Entã o eles foram a um encontro depois que Aaron e eu saı́mos.
Gabriel levantou o rosto para o cé u, como se procurasse intervençã o
divina. — Embora nenhum deles me informou sobre o adjetivo correto
para descrever o jantar, posso dizer que nã o era um encontro.
— Como você sabe?
— Porque eu conheço Richard. — Gabriel parecia impaciente. — O
que levanta a questã o, por que você está perguntando para mim e nã o
para o seu pai?
Rachel icou em silê ncio por um momento. — Ele també m é seu pai.
— Repito a pergunta.
Julia bateu no braço dele e olhou para ele.
Ele deu de ombros e ela lhe deu um olhar de repreensã o.
Gabriel apertou os lá bios. — Nã o pretendo ser antipá tico.
Julia arregalou os olhos.
— Como você está se sentindo, Rachel? — Ele deu a Julia um olhar
como se dissesse Viu? Eu posso ser sensı́vel.
— Estou bem. Eu só nã o quero ser pega de surpresa, sabe? Caso
nosso pai decida convidar Rebecca em casa para o Dia de Açã o de
Graças.
— Isso nã o vai acontecer. — disse Gabriel com irmeza. — Rebecca já
reservou seu voo para Colorado para ver seu ilho. Ela está passando o
Dia de Açã o de Graças e o Natal com seus ilhos e nem sequer
mencionou a possibilidade de visitar Selinsgrove.
— Ok. — Rachel parecia aliviada.
— Você precisa falar com Richard. — Gabriel baixou a voz.
— Tudo certo. Aaron acabou de chegar em casa. Eu tenho que ir. Diga
a Jules e Clare que eu as amo e me envie fotos de sua fantasia.
Os lá bios de Gabriel levantaram. — Eu vou. Ela está ó tima.
— Tchau, Gabriel. — Rachel terminou a ligaçã o.
O olhar de Julia encontrou o de Gabriel. — Sobre o que era tudo isso?
— Ela está tirando conclusõ es porque é muito teimosa para falar
diretamente com Richard.
Gabriel entregou a Julia o saco de doces que eles estavam coletando e
pegou Clare nos braços.
— Vamos, abó borazinha. Há mais vizinhos para conhecer.
— Se vamos continuar andando, preciso de uma barra de chocolate.
— Julia examinou o conteú do de a sacola de doces. Ela desembrulhou
um pouco de chocolate e deu uma grande mordida antes de alimentar
Gabriel. — Nã o sei o que vamos fazer com todas essas coisas. Você sabe
que os bebê s nã o podem comer doce.
— Ah, sim, eu estou ciente disso. — Gabriel se inclinou para outra
mordida.
Julia o alimentou e ele lambeu o chocolate derretido dos dedos dela.
Ela olhou dos dedos para a boca dele.
Ele deu uma lambida sensual no lá bio inferior. — Tenho certeza de
que encontraremos um uso para isso, senhora Emerson. Mais duas
casas e depois podemos explorar os usos eró ticos do chocolate em casa.
Vamos lá . — Ele começou caminhando na direçã o da pró xima casa.
Julia olhou para os dedos e depois correu atrá s dele.
Capítulo Trinta e Um

Ação de Graças
Novembro de 2012
Selinsgrove, Pennsylvania

Esse peru está bonito. — Scott Clark, irmã o de Gabriel e Rachel, olhou
admiradamente do outro lado da sala. Scott tinha um metro e noventa e
dois e ombros largos, com cabelos loiros e olhos cinzentos, e era casado
com Tammy. Ele adotou o ilho de Tammy, Quinn, quando eles se
casaram.
O peru em questã o era Clare, que usava uma fantasia de sua tia
Rachel. Quinn, que tinha trê s anos, estava sentado ao lado da bebê , que
estava deitada em um cobertor. Ele estava tentando entregar seus
brinquedos, o que provocou gritos de alegria e riso. Ocasionalmente, ele
acariciava sua cabeça.
— Obrigado por perceber a roupa. — Rachel sentou no chã o para
brincar com as crianças. Ela estava feliz por estar em casa, mesmo que
um pouco nostá lgica. E embora ela nã o tivesse mencionado, ela icou
aliviada por Rebecca estar em Colorado para o feriado.
O pai dela nã o a via desde a visita dele em setembro, ou entã o Julia
teria dito. Rachel sentiu uma pontada de culpa por sentir ciú mes da
amizade de seu pai com uma mulher da idade dele. Parecia que sua dor
era mais profunda do que ela percebeu.
Ela se virou para olhar as janelas da frente. Julia tinha colocado uma
bateria de velas em cada um deles, um costume em Massachusetts.
Rachel nã o pô de deixar de lembrar de sua mã e fazendo a mesma coisa,
mas com uma ú nica vela acesa que esperava pelo retorno de Gabriel.
Gabriel entrou na sala carregando um enorme peru em uma travessa
e pô s no meio da mesa da sala de jantar. — Jantar está servido.
A famı́lia encontrou suas cadeiras. Scott colocou Quinn em uma
cadeira alta entre Tammy e ele pró prio. Rachel insistiu em segurar
Clare enquanto Julia comia, preferindo comer mais tarde. E como
sempre, Richard sentou-se à cabeceira da mesa, sorrindo
orgulhosamente para seus ilhos e seus cô njuges.
— Vamos orar — ele anunciou. Todo mundo estava de mã os dadas.
— Nosso Pai, nó s agradecemos por este dia e pelas muitas bê nçã os
que nos deram. Obrigado por Grace e por nossos ilhos. Obrigado por
suas esposas e marido e por seus ilhos. Obrigado pela adiçã o da
pequena Clare, que é tã o alegre. Que Você nos mantenha a salvo. Que
Você nos mostre Sua luz. Abençoe esta comida e as mã os que a
prepararam. Amé m.
Rachel disse Amé m, mas ela nã o fechou os olhos. Ainda no meio de
sua oraçã o, ela sentiu uma presença reconfortante. Ela desejava que a
presença fosse a de sua mã e.
Enquanto Richard esculpia o peru, ele se dirigiu a Julia, que estava
sentada à sua direita.
— Quando Tom e sua famı́lia estarã o vindo?
— Eles deveriam vir amanhã , mas Tommy estava com febre esta
manhã e eles estã o no Hospital Infantil da Filadé l ia. Diane diz que
Tommy vai icar bem, mas eles o consentiram para observaçã o. — Julia
ajudou Richard a servir o peru e começou a passar servindo pratos
amontoados com legumes.
— Sinto muito, Jules. — A voz de Scott era gentil. Ele lhe deu um
olhar solidá rio.
— Tommy já teve duas grandes cirurgias cardı́acas, e ele deveria ter
outra em breve. Meu pai e Diane enviam o melhor para todos. — Julia
deu a Scott um sorriso tenso.
— O que há de errado com seu irmã o? — Tammy perguntou em voz
baixa.
— Ele nasceu com sı́ndrome de hipoplasia do coraçã o esquerdo, o
que signi ica que o lado esquerdo do coraçã o dele nã o estava
desenvolvido — explicou Julia. — Mas o Hospital Infantil tem tratado
um nú mero de bebê s com a mesma condiçã o. Entã o ele está em boas
mã os.
— Onde está Rebecca? Gabriel disse que ela fez as tortas e os
pã ezinhos. — Scott começou a en iar um dos rolos na boca, ignorando
absolutamente o olhar de morte que ele estava recebendo de sua irmã .
— O ilho dela mora no Colorado e ela está passando o feriado com
ele.
Julia olhou para Rachel pelo canto do olho e se ocupou colocando
comida em seu prato.
— Como você se sente sobre Rebecca, pai? — Scott continuou. — Ela
é uma boa senhora. Uma cozinheira do inferno.
Richard gelou, suspendendo a faca e o garfo no ar.
— Sé rio, Scott. Existe uma mina terrestre em que você nã o pisou? —
Rachel estourou. — Oh, espera. Eu tenho uma. Todo mundo já passou
por uma visita da mamã e, exceto eu.
— Do que você está falando? — Perguntou Scott. — Que visita?
Rachel olhou para o irmã o por um instante. — Bem, pelo menos eu
nã o sou a ú nica.
— Nã o é a ú nica o que? — As sobrancelhas de Scott se levantaram
— Rachel. — Richard deu à ilha um olhar de dor.
Ela virou o rosto.
Um silê ncio desconfortá vel encheu a sala.
— Temos algumas novidades. — Aaron mudou de assunto, colocando
o braço em torno de sua esposa. — Me ofereceram um emprego na
Microsoft da Nova Inglaterra. E eu aceitei.
— O que? Parabé ns! — Scott esticou o braço sobre a mesa para
apertar a mã o de Aaron. — Eu pensei que você já trabalhava para a
Microsoft.
— Isso é mais orientado à pesquisa. Eu vou trabalhar com uma
equipe de programadores, em Cambridge. — Aaron abraçou os ombros
de Rachel. — Eu começo em janeiro.
— Você estará mais perto de Gabriel e Julia. — Richard sorriu e
continuou entalhando o peru, os exuberantes parabé ns passaram pela
mesa.
Julia olhou para Rachel cautelosamente.
— E você , Rach? — Scott perguntou. — E o seu trabalho no escritó rio
do prefeito na Filadé l ia?
Todo mundo olhou para ela com expectativa. Ela ressaltou Clare no
colo. — Eu entreguei o meu aviso porque encontrei outro emprego. Fui
contratada para ser uma supervisora de relaçõ es pú blicas do Dunkin
'Donuts em Canton, nos arredores de Boston. Dunkie está na mesma
empresa que Baskin-Robbins, o que signi ica que vou receber café ,
rosquinhas e sorvete ilimitados. — Rachel soprou uma framboesa
contra o pescoço de Clare e a bebê gritou.
— Esse é um emprego dos sonhos. — Observou Tammy. — Eu amo
Dunkie.
— Exatamente. — Rachel sentou-se um pouco mais ereta. — Eles
tê m um reconhecimento incrı́vel da marca e todos os amam. A sede
corporativa é casual; eu vou ser capaz de usar jeans para trabalhar. E
eles tê m muitos incentivos e vantagens. — Ela trocou um olhar com
Aaron, que sorriu.
— Estou tã o feliz por você . — Julia abraçou a amiga. — Você estará
mais perto de nó s e você poderá ver mais da Clare.
— Colocamos nosso condomı́nio à venda. Espero que fechemos antes
de nos mudar. Agora estamos procurando um lugar para morar. —
Rachel bateu seus cı́lios para seu o irmã o.
Gabriel trocou um olhar com Julianne. — Onde você s querem morar?
Canton? Back Bay?
— Nó s nã o sabemos. — Aaron interrompeu. — Precisamos vender
nosso lugar primeiro e precisamos considerar o tempo de viagem de
Rachel.
— Dirigir para Canton todos os dias será cansativo. — Anunciou
Gabriel. — Você s podem morar na costa sul e ter Aaron viajando para
Cambridge.
— Quem quer morar na costa sul? Queremos estar onde a açã o está .
E onde está o bebê . — Rachel jogou Clare no colo.
Julianne abriu a boca, mas antes que ela pudesse convidar Rachel e
Aaron para icar em Cambridge, Gabriel agarrou a mã o dela debaixo da
mesa. E apertou.
— Vamos discutir isso mais tarde. — Ele sussurrou em seu ouvido.
— Mas aconteça o que acontecer. — Rachel continuou. — Estaremos
por perto enquanto você está em Edimburgo, Gabriel. O que signi ica
que podemos ajudar Julia enquanto você estiver fora.
Gabriel começou. Embora seus olhos olhassem diretamente para os
de Rachel, suas palavras foram dirigidas a sua esposa. — Eu nã o vou
sem elas.
Rachel pareceu confusa. — Eu pensei que Jules disse que sua
diretora está exigindo que ela ique em Harvard?
— Foi o que a diretora dela disse. — Gabriel tomou um gole de á gua.
— Eu me recuso a aceitar nã o como resposta.
Um longo olhar passou entre Julia e Gabriel. Os olhos dela
dispararam para Rachel e voltaram novamente. Ela levantou as
sobrancelhas para o marido. Ele empurrou a cadeira para trá s. —
Vamos brindar a Aaron e Rachel. Parabé ns pelas suas realizaçõ es. E boa
sorte com este novo capı́tulo da sua vida.
Todo mundo levantou o copo para brindar o casal.
Richard terminou de entalhar e servir o peru e inalmente se sentou.
Julia provou trê s ou quatro mordidas do jantar e Clare começou a
chorar
— Eu vou andar com ela. — Rachel levantou o bebê no ombro e se
levantou.
Poucos minutos depois, quando o bebê nã o se acalmava, Julia
interviu.
— Ela provavelmente está com fome. Vou levá -la para o andar de
cima para alimentá -la e já volto. Com licença, pessoal.
Ela beijou Clare na bochecha e subiu as escadas para o segundo
andar.

— O jantar acabou? — Julia perguntou a Gabriel quando ele entrou no


quarto principal.
Ele balançou sua cabeça. — Vamos esperar para servir a sobremesa
depois de você jantar. Ela terminou?
— Acabei de terminar. — Julia entregou-lhe o bebê e ele a colocou
sobre seu ombro.
Depois que ele arrotou e a trocou, ele pegou um brinquedo de
pelú cia e aproximou-o do nariz e retirou-o. Clare sorriu e acenou braços
e pernas. Ele repetiu o movimento. — Você gosta do coelho, Clare? Você
gosta do coelho?
Ele balançou o brinquedo para Julia. — Rachel comprou isso?
— Nã o. Paul enviou.
Gabriel largou o coelho em cima do trocador. — Papa-anjo.
— Olha como fala. — Julia o repreendeu, tentando manter a cara
sé ria.
— Nó s teremos que destruı́-lo. Está claramente contaminado. —
Gabriel itou o brinquedo com aversã o.
— Nã o seja ridı́culo. Cerca de uma semana atrá s, Paul enviou um
cartã o muito bonito com o coelho e uma có pia de Meu Mundo
Encantado. Eu achei gentil.
Gabriel fungou. — Ele sempre teve um fetiche por coelhos. Na
verdade, ele costumava chamar você de coelho.
— Sim, ele chamava. — Julia só podia rir da indignaçã o de Gabriel,
que era bastante divertido. — Ele nã o chama mais. Entã o, quando o
virmos na O icina do Professor Wodehouse em abril, você nã o precisa
se preocupar.
Gabriel rosnou. — Entã o ele está indo?
— Ele disse isso em seu cartã o.
— O que foi endereçado a você , eu imagino? — Gabriel pegou o
coelho com dois dedos, examinando-o como se contivesse os segredos
do universo.
Clare acompanhou o movimento e reagiu balançando os braços com
entusiasmo.
— O pacote foi endereçado a Clare. Mas o cartã o parabenizou nó s
dois.
Julia foi até onde Gabriel estava e o abraçou ao redor da cintura. — E
hora de você deixar o passado para trá s. Você guardou rancor por
tempo su iciente.
— Fui legal com Paul na ú ltima vez em que nos encontramos. Até
apertamos as mã os. — Gabriel colocou o coelho no peito de Clare para
ver o que ela faria. O brinquedo deslizou para o lado e ela gritou um
pouco.
— Você ainda está fazendo ele chamá -lo de Professor Emerson.
Gabriel se ergueu em toda a sua altura. — Eu sou o professor
Emerson. — Ele olhou para o bebê . Sua expressã o se suavizou. — Uma
vez que Clare está ligada ao coelho, acho que ela deveria continuar com
ele.
Julia o abraçou novamente. — Viu? Isso nã o doeu nada.
Ela beijou sua bochecha e saiu do quarto, se apressando pelo
corredor pois assim ela poderia inalmente desfrutar do jantar de Açã o
de Graças.
Gabriel levantou a ilha e olhou em seus grandes olhos azuis. —
Papai vai comprar um coelho melhor para você .
Clare riu.
Capítulo Trinta e Dois

Venha passear comigo, — sussurrou Gabriel.


Julia estava de pé na cozinha, segurando Clare, tendo acabado de
terminar de limpar a mesa. Ela notou que Gabriel estava segurando um
cobertor de aparê ncia familiar.
Ela olhou pelas janelas da cozinha por cima do terraço, em direçã o ao
pomar velho que icava atrá s da casa. O pomar era um dos lugares
favoritos de Gabriel na terra, e no centro havia uma clareira que ele
reverenciava como uma Catedral.
Eles passaram a primeira noite juntos, modestamente, naquele
pomar, anos atrá s quando ela era adolescente. Gabriel pediu que ela se
casasse com ele naquele mesmo local sagrado. E eles izeram amor lá
uma ou duas vezes. Ou mais. Ela perdeu a conta.
Os olhos de Gabriel eram solenes. Algo se escondia embaixo da
profunda sa ira dele.
— Eu preciso ajudar a limpar. — Julia gesticulou para as panelas e
frigideiras e pratos empilhados em todos os balcõ es.
— Nó s fazemos isso. — Rachel fez um movimento de enxotar com o
pano de prato que ela estava segurando. — Vá .
— Vá em frente. — Richard assentiu. — A maioria dos pratos vã o
para o lava-louças.
Julia balançou Clare nos braços, fazendo contato visual com Gabriel.
— Nó s ajudaremos quando voltarmos, — ele ofereceu.
— E eu posso pegar o bebê . — Tammy estendeu os braços e Julia
passou Clare para ela. Tammy abraçou a criança de forma apertada... —
Eu sinto falta de ter um bebê . Mal posso esperar para ter outro.
— O que? — Scott surgiu atrá s dela, tocando a cabeça de Clare.
— Sinto falta de ter um bebê . — A expressã o de Tammy era
esperançosa.
— Você nunca disse nada —, sussurrou Scott, tocando seu rosto. Ele
se curvou adiante e sussurrou algo em seu ouvido.
— Entã o, sim, você pode dar um passeio. — Rachel levantou a voz,
tentando desviar a atençã o do momento particular entre Scott e
Tammy.
— Você tem certeza? — Julia perguntou.
— Vá . — Mais uma vez, Rachel agitou o pano de prato como uma
bandeira.
— Deixei meu casaco no carro—, disse Julia a Gabriel.
— Um minuto. — Ele beijou sua bochecha e desapareceu pela porta
da frente.

Enquanto caminhava para o SUV que estava estacionado na garagem,


ele sentiu algo estranho atrá s de si. Ele virou a cabeça devagar e viu um
Nissan preto parado trê s casas abaixo, no outro lado da rua.
Gabriel examinou o carro pelo canto do olho. Quando icou
convencido de que aquele era o carro que ele tinha visto em Cambridge,
ele caminhou calmamente para a entrada da antiga garagem e abriu o
portã o.
Nã o mais que trinta segundos depois, ele saiu da garagem
carregando um taco de beisebol de alumı́nio. Ele começou a correr
assim que seus pé s atingiram a calçada, seguindo em direçã o ao Nissan
preto.
O motorista acelerou o motor e saiu deixando marcas no asfalto.
Gabriel mudou o bastã o para a outra mã o e pegou uma pedra grande.
Ele a jogou com força. A pedra atingiu a janela traseira do carro,
quebrando-a com o impacto.
O carro desviou quando o vidro caiu sobre o porta-malas e seguiu
caminho. Gabriel viu o motorista virar em uma rua lateral, saindo
rapidamente de vista.
Depois de tirar um momento para se acalmar, Gabriel voltou
indiferente para a casa, nã o se importando se algum dos vizinhos de
Richard tivesse testemunhado a açã o. Ele pegou o casaco de Julia do
carro, colocando o taco de beisebol na parte de trá s do SUV, apenas por
precauçã o.
Capítulo Trinta e Três

Está mais quente do que eu esperava. — Julia desabotoou o casaco


enquanto atravessou o gramado dos fundos. O cé u escuro se estendia
acima deles, e as estrelas e a lua brilhavam. Mas a temperatura estava
excepcionalmente quente, considerando especialmente o ritmo
determinado da caminhada de Gabriel.
Ele acendeu uma lanterna para iluminar o caminho, segurando a mã o
de Julia com força. Ela acompanhou o ritmo, apesar do desconforto na
perna. A dormê ncia nã o tinha desaparecido, embora tenha variado de
intensidade. Ainda assim, ela escondeu de Gabriel, Dr. Rubio e todos os
outros. De alguma forma, ela esperava e fosse simplesmente
desaparecer.
Eles entraram na loresta, abrindo caminho sobre galhos e gravetos
caı́dos para embarcar em um caminho bem trilhado.
Julia se perguntou sobre seus recentes problemas de memó ria. Ela
ainda estava sem dormir, apesar de ter abandonado a alimentaçã o de
Clare à s duas horas da manhã . Dormir mais ajudará a memó ria de Julia,
mas ela ainda lutava para assimilar novas informaçõ es. Desde que
voltou do hospital para casa, ela descobriu que precisava ler e reler
livros e artigos acadê micos, de uma maneira que nunca havia lido antes.
Romances eram diferentes. Tarde da noite ou no inı́cio da manhã
seguinte, Julia lia e-books no seu celular.
— Cuidado. — Gabriel apontou a lanterna para um grande tronco
caı́do. Ele parou, agarrou Julia pela cintura e a levantou passando por
cima. Ela riu surpresa, embora apreciasse seu cavalheirismo.
Ela esteve nessa loresta centenas de vezes, a maioria delas com
Gabriel. Ela tinha certeza de que poderia encontrar o caminho de volta
para casa, mesmo sob a camada de escuridã o. Embora ela se lembrasse
com horror da é poca em que se perdeu...
Ocorreu-lhe que talvez a memó ria humana fosse como o mar. Movia-
se com regularidade, carregando pedaços de coisas em uma corrente.
Mas quando a tempestade veio, o que foi esquecido por muito tempo
borbulhou na superfı́cie. Julia nunca pensou em se perder na loresta,
se ela pudesse evitar. Mas a memó ria borbulhava espontaneamente ou
a incomodava em sonhos. Ela apertou o braço de Gabriel, aproximando
o corpo dela do dele enquanto o pomar os engolia acima.
— Nã o está longe agora. — Seu tom era reconfortante.
Mais alguns passos e eles icaram na beira da clareira. Gabriel
suspirou.
—Paraı́so.
Ele levou Julia ao centro da clareira e estendeu o cobertor. Entã o ele a
puxou para se recostar em cima dele, desligando a lanterna. Ele segurou
a mã o dela enquanto eles olhavam para as estrelas e alé m.
— Katherine me enviou um email.
— O que ela disse?
— Ela perguntou se poderia passar o Natal conosco e com Clare. Eu
nã o respondi. Queria perguntar a você primeiro.
— Está tudo bem por mim, se estiver tudo bem para Richard.
— Eu vou perguntar a ele. — Gabriel fez uma pausa. — Você sabe
que Katherine vai descobrir sobre Cecilia.
— Nã o por nó s.
O corpo de Gabriel icou tenso.
— E prová vel venha à tona.
— Ainda é minha decisã o. — Julia virou a cabeça, examinando o que
podia ver do forte per il de Gabriel. Ela optou por mudar de assunto. —
O que você gosta no pomar?
Ele demorou a responder à pergunta dela.
— E pacı́ ico. Os bosques sã o tã o espessos, mesmo no outono, você se
sente como se estivesse em seu pró prio mundo particular. Eu posso
pensar aqui.
Julia levou a mã o dele à boca e a beijou
— Eu estive pensando sobre sua palestra.
Agora ele virou a cabeça.
— O que você esteve pensando?
— Tudo é tã o chique. O jantar que eles deram no castelo. O anú ncio e
a recepçã o. O interesse da mı́dia. — Ela olhou para ele em admiraçã o.
— Você poderia falar sobre qualquer assunto que quiser. E as pessoas
ouviriam.
— Eles esperam que eu fale sobre Dante.
— Sim, porque essa é sua á rea de especializaçã o. Mas você pode
escolher qualquer assunto. Qualquer um mesmo.
Gabriel olhou de volta para as estrelas.
— Gosto de estudar Dante. Essa é uma chance de eu resolver algo.
— O quê ?
— Sobre Dante e Beatrice. Sinto como se Dante estivesse escondendo
algo em A Divina Comé dia – que ele nã o está nos contando a histó ria
toda.
— A histó ria toda sobre o quê ?
— Eles se casam com outras pessoas. Ele ica arrasado quando
Beatrice morre e resolve se tornar um homem melhor. Ele escreve
poemas em homenagem a ela. Mas entã o ele admite ter se desviado do
caminho certo no meio de sua vida, e Beatrice diz a Virgı́lio que Dante o
fez por medo.
— Por enquanto, tudo bem.
— De fato. Mas há uma passagem no Purgató rio em que Beatrice o
repreende sobre outras mulheres. Ele admite sua culpa, banha-se no rio
do esquecimento, e entã o as virtudes teoló gicas o declaram iel a
Beatrice.
Gabriel se virou de lado para olhar para Julianne.
— In iel, iel. Ele nã o pode ser os dois ao mesmo tempo.
— Nã o, ele nã o pode. Esse foi o ponto do demô nio quando ele
descreveu o pecado de Guido da Montefeltro
— Entã o qual é , Beatrice? — Gabriel sussurrou. — In iel ou iel?
— Dante sempre escreve com mais de um signi icado. Eu nã o acho
que Beatrice está apenas falando sobre a devoçã o de Dante a ela. Ela
está falando de Deus.
— Está certo.
— Dante admite sua culpa – tanto no começo de O Inferno quanto
quando ele sente vergonha na frente de Beatrice.
— Sim.
— Eu nã o entendo como Beatrice pode ser tã o indulgente no começo
de O Inferno, quando ela diz que Dante está preso pelo medo e ela
implora para Virgı́lio ajudá -lo, e entã o é condenado no Purgató rio.
— Eu també m nã o. Mas espero descobrir isso.
— Você terá que fazer um trabalho de detetive, mas parece divertido.
Você tem um ano para preparar suas palestras.
— Sim. — Com a outra mã o, Gabriel estendeu a mã o para tocar o
rosto de Julia.
— Você de iniu o amor para mim. E eu acredito que Beatrice de iniu
o amor para Dante, é por isso que acho que estamos perdendo parte da
histó ria deles.
— A dor nubla a mente—, disse Julia gentilmente. — Olhe para o
meu pai. Acho que ele nunca se envolveria com algué m como Deb
Lundy se ele nã o estivesse tã o bagunçado depois que minha mã e
morreu.
—Isso é verdade.
— Sua irmã está tendo di iculdades agora. Por mais que eu ache
hilá rio que ela acredite que Katherine é a Mulher Maravilha, sua
tentativa de unir Katherine com Richard é ridı́culo.
— Ridículo é um pouco forte, você nã o acha? — O tom de Gabriel era
sé rio.
— A Mulher Maravilha pode escolher seus parceiros em qualquer
idade.
Julia atingiu Gabriel de brincadeira no peito.
— E a fantasia. Ela mexe com as pessoas.
— De fato. — Gabriel capturou o pulso dela, sua voz icando rouca. —
O que levanta a questã o, por que você nã o se vestiu para mim no
Halloween?
— Compre-me uma fantasia e me ajude a ter um boa noite de sono, e
eu vou me vestir para você a qualquer momento.
Gabriel se aproximou de Julia no cobertor, envolvendo o braço em
volta a cintura dela.
— Eu vou considerar isso.
— Por favor.
Gabriel riu e seu sorriso aumentou.
— Que sorte eu tenho em ter casado com minha Beatrice e estar
deitado ao lado dela.
Ele a beijou reverentemente, pressionando seus lá bios nos dela.
Quando ele levantou a cabeça, ele olhou em seus olhos.
— Você nã o pode me culpar por querer fazer tudo ao meu alcance
para protegê -la. E por levar você e Clare comigo para a Escó cia.
— E claro que nã o posso culpá -lo. — Julia estendeu os dedos para
entrelaça-los nos cabelos dele. — Queremos a mesma coisa. Mas minha
situaçã o em Harvard é precá ria.
Os olhos de Gabriel re letiram compreensã o.
— E difı́cil para mim icar parado sem fazer nada.
— Você nã o está fazendo nada. — O sussurro de Julia icou feroz. —
Você está me apoiando.
— Eu simplesmente amo você tã o desesperadamente. — Gabriel
abaixou a cabeça e puxou o lá bio inferior. Ele abriu os seus lá bios nos
dela, irmemente e com intençã o.
As mã os dele separaram o casaco dela e ergueram seu sué ter,
cobrindo sua cintura e acariciando a pele nua com os polegares.
Julia fez um ruı́do e eles se separaram.
— Aqui? Agora?
— Eu quero você . — Os olhos de Gabriel brilhavam com desejo. —
Aqui e agora.
Suas mã os ergueram-se para o ombro dele e ela acariciou seu
pescoço enquanto suas bocas juntaram-se mais uma vez. Seus membros
inferiores emaranhados um com o outro.
Acima deles, a lua se escondia atrá s de uma nuvem e a escuridã o se
fortalecia. Gabriel aproveitou a oportunidade para abrir rapidamente o
botã o do jeans de Julia e descansar a mã o no abdô men dela, evitando a
cicatriz.
Ela estremeceu embaixo dele.
Os lá bios dele encontraram o pescoço dela no escuro, arrastando
beijos para cima e para baixo em sua garganta.
Ele adorou o recuo na base da garganta dela e subiu para o espaço
atrá s de sua orelha.
— O que você quer?
— Eu quero que você me toque. — Ela cobriu a mã o dele com a dela
e a empurrou lentamente mais para baixo, recuando quando ele
mergulhou por baixo da calcinha.
Os dedos dele a acariciaram antes de passar entre as pernas dela.
Ele beijou a extensã o da pele acima de seus seios antes de
desabotoar a camisa com uma mã o. Com uma há bil facilidade, ele
continuou a acolhê -la com seus lá bios, enquanto seus dedos longos
buscavam sua recompensa.
Ele riu contra a pele dela, pois sua ansiedade o agradou.
Experimentalmente, ele lambeu o mamilo. Contraı́do no ar frio de
novembro. Entã o sua boca quente a envolveu, lambendo e provocando
suavemente.
Julia ergueu os quadris quando um gemido estrangulado escapou de
seu peito. Ela estava tentando icar quieta.
— Você pode ser barulhenta —, ele a encorajou, levando o mamilo
em sua boca de novo. — Temos mais privacidade aqui do que em casa.
Ela deu voz a seus pedidos, implorando para que ele provasse seu
outro seio e levantando os quadris enquanto ele a acariciava entre suas
pernas.
— Você quer gozar? — Ele murmurou, dando atençã o ao outro
mamilo.
— Eu quero gozar com você dentro de mim. — A con issã o mal
deixou a sua boca quando ele estava puxando o jeans dela e removendo
o pró prio.
A lua voyeurista brilhava, iluminando os esforços de Gabriel. Ele pô s
sua mã o sobre a dela, apoiando-a atrá s de sua cabeça. Ele segurou o
outro lado do quadril dela e separou suas pernas mais amplamente,
seus quadris aninhados com o dela.
Os olhos de Gabriel mediram os dela enquanto ele avançava.
Novamente, com a há bil praticidade de amantes nascidos que se uniram
ao in inito, ele deslizou para dentro.
Julia gemeu.
— Eu quero que você se mova. — O discurso de Gabriel foi conciso,
cortante. Ele parecia sobrecarregado, mantendo-se ainda sobre ela.
Julia fez o que lhe foi pedido, erguendo os quadris e agarrando as
costas dele para empurrá -lo mais fundo.
Gabriel assistiu. Entã o ele capturou sua boca, beijando-a
profundamente.
— Você me desperta e me encanta.
— Otimo—, ela conseguiu dizer, levantando os quadris mais uma vez.
Gabriel começou a se mover, devagar a princı́pio, seguindo seu
movimento pelas reaçõ es de Julia. Entã o ele começou a acelerar,
empurrando mais profundamente.
As mã os de Julia deslizaram até seus ombros e ela se agarrou a ele
enquanto ele movimentava dentro dela.
Ela queria sinalizar para ele que estava perto, pronta. Mas antes que
ela pudesse sussurrar em seu ouvido, ela gozou. Suas mã os agarraram
os ombros de Gabriel e os apertou, os olhos bem abertos, enquanto ela
chegava ao clı́max.
Gabriel assistiu extasiado, aumentando o movimento para segui-la.
Ela já amoleceu em seus braços e quase arriscou um sorriso quando
seu pró prio prazer o dominou. Sua mandı́bula estava frouxa e seus
quadris estremeceram. Mais algumas investidas e entã o ele també m se
acalmou.
Ele exalou contra os lá bios dela.
— Querida?
— Eu estou bem.
Julia se aconchegou contra seu amado debaixo do cobertor, enquanto
as estrelas no dossel do cé u piscaram para eles.
Capítulo Trinta e Quatro

Tammy e Scott levaram Clare para a sala enquanto Richard e Rachel


lavavam a louça. Richard pegou uma taça de cristal e começou a secá -
las.
— Lembro-me de fazer isso com sua mã e. O cristal nã o pode ir para a
má quina de lavar louça, ela dizia, e entã o tı́nhamos que lavá -lo à mã o.
— Ela estava certa. — Rachel continuou lavando e enxaguando
cristais e colocando-os com cuidado no escorredor.
— Estou orgulhoso de você . — O tom de Richard era baixo.
— Por que?
— Por ter a coragem de seguir um novo caminho. Eu sei que você
gostou do seu trabalho no gabinete do prefeito, mas eu sempre imaginei
você fazendo algo mais criativo. Sua nova posiçã o parece emocionante.
— Sim, estou ansiosa por isso. — Ela terminou de lavar o cristal e
esvaziou a pia. Depois, encheu-a com á gua fresca e sabã o e começou a
lavar a pilha de frigideiras e panelas.
— Sua mã e icaria orgulhosa de você .
Rachel decidiu esfregar o interior de uma panela.
— Fale comigo, querida. — Richard se inclinou contra o balcã o e
focou toda a atençã o em sua ilha. Rachel fez uma pausa.
— Mamã e visita você e Gabriel, mas ela nã o tem me visitado.
As sobrancelhas grisalhas de Richard se ergueram.
— O que você quer dizer?
— Você vê mamã e nos seus sonhos. Gabriel me disse que ela
apareceu para ele e falou com ele. Mas ela nã o apareceu para mim.
Richard dobrou o pano de prato pensativamente.
— E verdade que sonho com sua mã e. Nã o todas as noites, mas
muitas noites. Acho esses sonhos reconfortantes, mas nã o
necessariamente acho que ela esteja aparecendo para mim. Pode ser a
realizaçã o de desejos de minha parte.
Rachel levantou a cabeça.
— Você nã o acredita nisso.
Richard hesitou.
— Nã o, eu nã o. Eu acho que parte disso é a realizaçã o de desejos,
mas houveram algumas conversas que tivemos que acredito serem
genuı́nas.
— Eu nã o posso falar por Gabriel. Talvez mamã e tivesse negó cios
inacabados com ele.
— E eu? — Rachel deixou cair a panela na á gua, causando espuma,
espirrando por toda a roupa. — Eu sou ilha dela. Nó s é ramos pró ximas.
Por que nã o ela tem negó cios inacabados comigo?
Richard largou o pano de prato.
— Eu nã o sei a resposta para essa questã o. O que você gostaria de
dizer a ela, se ela estivesse aqui em vez de mim?
Rachel espiou pela janela, por cima do pá tio dos fundos.
— Eu diria a ela que a amo. E que eu gostaria que tivé ssemos tido
mais tempo.
— Eu desejo o mesmo. Eu nunca esperava perder sua mã e tã o cedo.
Eu pensei que envelhecerı́amos juntos. Viajar o mundo. Irritar nossos
ilhos. — Ele despenteou o cabelo de Rachel carinhosamente.
Rachel examinou a panela e a enxaguou. Ela colocou na prateleira da
secadora. Richard levantou a panela para secá -la.
— Eu conhecia sua mã e, talvez melhor que qualquer um. Ela te amou
sem ressalvas. Eu sei que ela se orgulha de você . Eu sei que ela ainda te
ama. E se ela está ou nã o presente aqui em casa, sinto o amor e o
conforto dela. E estou convencido de que ela está sempre com a gente.
Rachel colocou a assadeira na pia e começou a esfregar.
— Isso é porque você acredita em Deus e na vida apó s a morte.
Richard estremeceu.
— Você nã o?
— As vezes. As vezes duvido.
— Eu luto com minhas pró prias dú vidas també m. Especialmente a
noite. Mas eu tenho sentido a presença de sua mã e. E eu nã o tenho
dú vida, absolutamente nenhuma, sobre o que eu estava sentindo. Esse
sentimento nã o tem nada a ver com as outras crenças que você acabou
de mencionar.
Rachel olhou para o pai. Sua expressã o estava preocupada e sincera,
e honesta. E ela o conhecia bem o su iciente para saber que ele nã o
mentia.
Richard colocou o pote em uma das gavetas e encostou-se ao balcã o.
— Eu sei que nã o sou sua mã e. Eu sei que sou apenas – seu pai. Mas
estou aqui. Estou aqui e estou ouvindo.
— Papai. — Rachel sacudiu a espuma das mã os e as limpou no
avental. Entã o ela abraçou seu pai. — Estou feliz por estar aqui. Nã o
pense que você nã o é importante para mim. Eu só sinto falta da mamã e.
— Eu també m. — Richard a abraçou de volta. — Eu sei que você tem
preocupaçõ es sobre Rebecca. Somos amigos e espero que continuemos
amigos. Mas eu nã o sou indo buscar um novo relacionamento ou me
casar novamente. Meu coraçã o pertence a sua mã e. Eu farei o meu
melhor para viver uma vida que honre sua memó ria. Eu vou
permanecer devoto a você e seus irmã os e suas famı́lias.
Rachel fungou contra o ombro dele.
— A vida pode mudar em um instante. — A voz de Richard tremeu.
— Mas nó s temos que ter esperança e aguardar. E nã o perder nosso
tempo em con lito com aqueles nó s amamos. Portanto, nã o ique com
raiva de sua mã e porque ela nã o apareceu para você . E nã o brigue com
Scott.
— Eu gosto de brigar com Scott. — A voz de Rachel estava abafada.
— Você poderia tentar gostar um pouco menos?
— Isso eu poderia fazer. Eu te amo.
— Eu també m te amo.
Pai e ilha se abraçaram na cozinha, enquanto nas proximidades, uma
vela cintilou na janela.
Capítulo Trinta e Cinco

Crack!
Gabriel sentou-se, o rosto virando na direçã o do barulho.
— O que é isso? — Julia perguntou, segurando o cobertor contra o
peito nu.
Gabriel a silenciou, esforçando a audiçã o enquanto procurava por
suas roupas.
Snap! Outro galho quebrou, parecendo mais perto.
Gabriel se levantou e puxou suas roupas. Julia fez o mesmo, um
pouco atordoada.
Enquanto examinava a linha das á rvores, Gabriel percebeu o que
pensava ser o feixe de uma lanterna. Foi visı́vel apenas por um segundo
e depois desapareceu.
— Algué m está lá fora — ele sussurrou, puxando o casaco. — Eu
quero que você volte para casa o mais rá pido que puder.
Ele procurou a lanterna e começou a enrolar os cobertores.
— Devemos icar juntos, — Julia sussurrou de volta, empurrando os
braços no casaco dela.
Gabriel a ajudou a se levantar e entregou-lhe a lanterna. — Nã o.
Poderia apenas ser um adolescente, nos espionando. Ou poderia ser
outra coisa. Eu quero que você volte para casa. Você consegue
encontrar o caminho?
— O que mais poderia ser? Um cervo?
— Nã o há tempo -, Gabriel sibilou.
Julia notou seu tom agitado e decidiu nã o o pressionar. Ela dobrou os
cobertores debaixo do braço.
— Eu deveria chamar a polı́cia?
— Ainda nã o. — Gabriel a beijou na testa e apontou para a casa. —
Corra.
Julia acendeu a lanterna e correu para a loresta.
Capítulo Trinta e Seis

Gabriel correu para a linha das á rvores. A lua o favorecia, derramando


luz acima das á rvores, que se dispersaram no chã o abaixo.
Barulhos vieram logo à frente. Gabriel a perseguiu, mas a igura nã o
estava visı́vel e nem havia alguma lanterna.
Gabriel conhecia bem a loresta. Suas longas pernas devoraram a
distâ ncia enquanto ele seguia cada vez mais perto da fonte dos sons.
E entã o os barulhos pararam.
Gabriel diminuiu a velocidade, virando a cabeça em um esforço para
discernir qualquer pista possı́vel.
A lua escolheu aquele momento para se esconder e a loresta estava
escura. Ele mal poderia ver uma curta distâ ncia na frente dele.
Ele icou ao lado de uma á rvore e esperou, ouvindo qualquer
movimento. Um sopro de vento sussurrou atravé s das á rvores. Seu
coraçã o batia forte no peito.
Algué m estava lá fora. Algué m se deparara com ele e Julianne na
clareira. Algué m que dirigia um Nissan preto o perseguia.
Agora ele estava em pé na loresta, efetivamente jogando um jogo de
frango com um intruso invisı́vel.
Ele avançou, colocando os pé s cuidadosamente para evitar pisar em
um ramo. Ele circulou em torno de onde ele achava que o invasor
poderia estar, esperando usar o elemento da surpresa.
Mas quando ele chegou ao centro do cı́rculo, nã o havia ningué m para
ser encontrado. A menos que o intruso tenha se desmaterializado,
Gabriel deve tê -lo perdido.
Apó s trinta minutos de busca, ele desistiu.
Ele mudou de direçã o, andando rá pido e silenciosamente de volta à
clareira, e entã o contornou-a, indo em direçã o a casa.
Ele estava quase na beira do gramado quando se deparou com algo
que ele nã o esperava: a lanterna de Julianne, ainda acesa, caı́da no chã o.
Em pâ nico, ele se virou até encontrá -la, debruçada a alguns metros
de distâ ncia.
Capítulo Trinta e Sete

Oh meu Deus! — Rachel voou da pia para a porta dos fundos, espuma
e á gua ensaboada pingando de suas mã os.
Ela correu para o convé s dos fundos, exatamente quando Gabriel
atravessou o gramado, carregando Julia nos braços dele.
— O que aconteceu? — Rachel correu para o lado do irmã o, notando
que Julia estava consciente, mas seu rosto pá lido estava comprimido de
dor.
— Acho que ela quebrou o tornozelo. — As palavras de Gabriel foram
cortadas, como se ele també m estivesse com dor. Seu cabelo estava
despenteado, seu casaco manchado de sujeira, e lama estava
respingado em sua calça jeans.
— E quanto a você ? Você caiu?
Gabriel ignorou a pergunta de Rachel e passou por ela e Richard,
carregando Julia para dentro de casa.
Scott, Tammy e Aaron estavam todos reunidos na cozinha.
— Eu tropecei em um galho. — Julianne deu ao grupo um olhar
envergonhado. — E entã o nã o consegui me levantar. Eu teria pedido
ajuda, mas deixei meu celular no andar de cima.
— Você pode colocar peso nele? - Aaron deu um passo à frente, com
um olhar preocupado.
Julia balançou a cabeça.
— Vou levá -la para o hospital, — anunciou Gabriel. — Mas antes de
irmos, você s devem saber que acho que algué m estava lá fora. Eu o
persegui, mas nã o consegui encontrá -lo.
— Eu e Scott podemos sair e olhar em volta, — disse Aaron.
— Alé m disso, ique de olho em um Nissan preto com janelas
coloridas. Eu vi o mesmo carro do lado de fora de nossa casa em
Cambridge e na rua antes de irmos para a nossa caminhada.
— Você nunca me contou — sussurrou Julia. Os olhos dela
encontraram os de Gabriel e ele desviou o olhar.
— Deixe-me pegar um pouco de gelo. — Richard abriu o freezer e
removeu uma bandeja de cubos de gelo. Ele colocou o gelo em um saco
congelador, selou e embrulhou em uma toalha.
Julia pegou a bolsa de gelo com gratidã o.
— Você conseguiu uma placa? — Perguntou Scott.
— Nenhuma placa visı́vel.
— Devemos chamar a polı́cia? — Rachel interviu.
— Parece que temos policiais aqui todo Dia de Açã o de Graças. —
Scott cruzou os braços sobre o peito dele.
Gabriel parou na frente dele. — O ex-namorado de Julianne a atacou
em sua pró pria casa há trê s anos. Um carro estranho estava do lado de
fora da nossa casa em Cambridge em duas ocasiõ es separadas e, em
seguida, milagrosamente aparece neste bairro, no dia de açã o de graças.
O que você quer me dizer, Scott?
Scott descruzou os braços. — Foi Simon?
— Eu nã o sei. — Gabriel apertou a mandı́bula.
Um longo olhar passou entre os dois irmã os. Scott apontou para a
porta.
— Vou dar uma olhada ao redor com Aaron. Se virmos alguma coisa,
ligaremos para você .
— E a bebê ? — Julia conseguiu dizer, estremecendo de dor.
Gabriel icou parado por um momento. — Rachel?
Rachel passou por Scott. — Vou pegar a bolsa de fraldas. Tammy,
você pode colocar Clare em seu carrinho de bebê ? Nã o sabemos quanto
tempo Julia icará no hospital e a bebê precisará ser alimentada.
— Obrigado. — Gabriel se virou e levou Julianne para o carro.
Alguns minutos depois, Richard seguiu, carregando Clare.
Capítulo Trinta e Oito

Mais tarde, naquela noite


Sunbury, Pennsylvania

Gabriel aproximou-se de Richard, que estava balançando Clare em
seu carrinho de bebê na sala de espera do hospital.
Richard icou de pé , seu olhar focando em seu ilho.
— O que o mé dico disse?
— Ela acha que o tornozelo de Julianne está quebrado. Eles estã o
enviando-a para o raio-X. Nã o me foi permitido acompanhá -la. —
Gabriel parecia amargo.
Richard continuou balançando o bebê , que, ao ouvir a voz do pai,
virou a cabeça para olhar para ele.
— Os mé dicos da emergê ncia precisam investigar todas as opçõ es
quando se trata de uma lesã o suspeita.
— Suspeita? — As sobrancelhas escuras de Gabriel se uniram. — Do
que você está falando?
— Uma nova mã e chega ao pronto-socorro e a irma ter caı́do. Ela é
acompanhada por um marido agitado que nã o quer que sua esposa
ique sozinha com o mé dico de plantã o.
— Isso é absurdo. — Gabriel xingou. — Eu simplesmente queria
ajudar. Julia tem uma icha mé dica neste hospital, porque ela já esteve
aqui antes. Todos nó s estivemos neste hospital. Grace costumava ser
voluntá ria aqui.
— Eu sei, — Richard disse suavemente, uma expressã o distante em
seu rosto. — Foi aqui que Grace te encontrou.
Gabriel escondeu sua reaçã o removendo Clare de seu carrinho de
bebê e abraçando-a contra seu ombro.
— Você e eu estivemos aqui com Julia uma vez antes. Pense sobre as
circunstâ ncias que cercam essa visita. — Richard deu a Gabriel um
olhar signi icativo.
Um lash de reconhecimento passou pelas feiçõ es de Gabriel.
Richard continuou.
— Um bom mé dico revisaria o grá ico de Julia e veria que a ú ltima
vez que ela esteve aqui, ela foi tratada por lesõ es relacionadas a uma
agressã o fı́sica. Agora ela aparece com um bebê , tendo caı́do durante
uma caminhada atravé s da loresta. A noite. Com o marido, que parece
agitado. Você nã o suspeitaria?
Gabriel assentiu.
— Deixe os mé dicos fazerem o trabalho deles. — Richard esfregou o
queixo. — Você falou com a polı́cia?
— Nã o, mas Scott ligou. Ele e Aaron vasculharam a loresta com
lanternas. Eles nã o viram nada. Mas acho que vamos dar uma outra
olhada na luz do dia. — Gabriel beijou o lado da cabeça de Clare. —
Liguei para Jack Mitchell.
— E?
— Eu dei a Jack a descriçã o do carro e pedi para ele encontrá -lo. Esta
noite está intensa... — Gabriel balançou a cabeça.
— Diga-me o que você acha que está acontecendo.
— Nã o pode ser coincidê ncia que o mesmo carro esteja dirigindo
pela nossa casa em Cambridge e depois aparece em Selinsgrove. Um
conhecido casual ou o aluno nã o saberia sobre sua casa. Temos nomes
diferentes. Somente algué m conectado comigo ou Julianne ou ambos,
saberia que estarı́amos aqui. A ú nica pessoa nessa categoria que
gostaria de nos prejudicar é Simon Talbot, ex-namorado de Julianne.
— Ela ouviu falar dele?
— Nã o. Nã o pedi a ningué m para icar de olho porque pensei que
está vamos livres dele. Jack disse que procuraria.
— Mas você nã o contou a ela sobre o carro suspeito enquanto estava
Cambridge.
Gabriel icou rı́gido. — Nã o.
Richard tocou o ombro do ilho.
— Eu sei que você precisa se mudar para Edimburgo pela sua
palestra e que Julia talvez tenha que icar em Harvard. Eu irei me mudar
para Cambridge para icar com sua famı́lia enquanto você estiver fora,
minha presença seria ú til.
O olhar de Gabriel deslizou para o pai adotivo. — Você desistiria de
ensinar em Susquehanna? Você sairia de casa?
— Eu sou emé rito. Posso tirar um ano de folga e voltar no ano
seguinte. Eu poderia tentar conseguir uma consulta de pesquisa em
Boston ou Cambridge. E direi à Grace para onde estou indo, para que
ela possa me encontrar no seu quarto de hó spedes.
O tom de Richard era leve.
— Obrigado.
Richard pegou um coelho de brinquedo no carrinho de bebê . Clare
fez um barulho e pegou o coelho.
— Claro, parece que sua irmã e Aaron gostariam de se mudar com
você , pelo menos até encontrar uma casa.
— Nã o tive a chance de discutir isso com Julianne. Mas eu nã o tenho
intençã o de deixar minha famı́lia para trá s quando eu for para a
Escó cia. — O tom de Gabriel era irme.
Richard assentiu, optando por nã o pressionar o ilho sobre como,
exatamente, ele estava indo realizar a sua intençã o.
Capítulo Trinta e Nove

Por que está demorando tanto? — Gabriel empurrou Clare chorando,


mas ela nã o estava se acalmando. — Estamos aqui há horas.
Richard se levantou. — Eu posso perguntar na recepçã o.
— Nã o, eu vou. — Gabriel levou Clare para a mesa e explicou que ele
precisava localizar Julianne o mais rá pido possı́vel. Alguns minutos
depois, uma enfermeira surgiu do corredor e conduziu Gabriel e Clare a
uma das salas de exame.
— O neurologista está acabando. — A enfermeira bateu na porta.
Antes que Gabriel pudesse perguntar por que Julianne estava vendo
um neurologista, a porta balançou para dentro. Julianne estava sentada
em uma cadeira, o tornozelo esquerdo envolto em uma atadura elá stica.
Um par de muletas estava ao lado de sua cadeira.
Um mé dico baixo, com cabelos e olhos escuros, estava parado na
porta.
— Entre, — ele cumprimentou Gabriel.
— Você está bem? — Gabriel olhou para Julianne com preocupaçã o.
Ela gesticulou para Clare, ele a colocou nos braços de Julia. Ele
colocou a bolsa de fraldas aos pé s.
— Eu estou bem, — Julia disse. Ela en iou a mã o na bolsa de fraldas e
removeu uma manta pequena e ina que ela colocou por cima do
ombro. Entã o ela discretamente moveu Clare para debaixo do cobertor
e começou a alimentá -la.
— Eu sou o Dr. Khoury. — O mé dico se apresentou, apertando as
mã os de Gabriel. Ele indicou para Gabriel se sentar. — Eu sou o
neurologista de plantã o.
— Gabriel Emerson. O tornozelo está quebrado? — Gabriel nã o
conseguiu tirar os olhos da esposa.
O Dr. Khoury deu as costas educadamente a Julianne e ao bebê , mas
dirigiu-se a ela. — Tudo bem se eu compartilhar seu diagnó stico com
seu marido?
— Sim, — respondeu Julianne rapidamente.
O neurologista continuou. — O tornozelo de sua esposa está torcido
e ela sustentou alguns ligamentos rompidos, mas de acordo com os
raios X o tornozelo nã o está quebrado. No entanto, com base em seus
relatos de dormê ncia na outra perna, eu fui chamado para uma
consulta. Eu realizei uma sé rie de testes e acredito que ela tenha sofrido
algum dano no nervo, possivelmente como resultado da epidural que
ela recebeu em setembro.
Os olhos de Gabriel se voltaram para o neurologista. — Dano no
nervo?
— Ela tem sentido na perna esquerda, e é por isso que está sentindo
dor. Mas ela tem uma sensaçã o diminuı́da na perna direita. Ela disse
que a dormê ncia começou por volta da é poca em que ela voltou para
casa depois de ter o bebê .
Gabriel olhou para Julianne. O olhar de surpresa em seu rosto
rapidamente se transformou em uma expressã o de má goa, depois de
vazio.
O Dr. Khoury levantou as mã os em um gesto calmante. — Dormê ncia
é um efeito colateral comum das epidurais e, ocasionalmente, um
paciente irá vivenciar em apenas um membro. As vezes, pode demorar
vá rias semanas até que a dormê ncia diminuı́a. Em outros casos, o dano
no nervo é permanente. Eu recomendo acompanhar com um
neurologista em Boston, depois do feriado de Açã o de Graças.
Gabriel avaliou o neurologista rapidamente e passou a mã o pelo
rosto.
— Obrigado.
— Nã o tem problema. — O neurologista continuou dando as costas a
Julia, por respeito à sua privacidade pela alimentaçã o de Clare. — Sra.
Emerson, eleve seu tornozelo para combater o inchaço e congele-o o
má ximo possı́vel. Use remé dios em cima do balcã o para dor. E
acompanhe um neurologista quando chegar em Boston.
— Obrigada. — O tom de Julia foi suave.
— De nada. — Dr. Khoury apertou a mã o de Gabriel e saiu da sala de
exame.
Gabriel icou mortalmente silencioso. Julia mal podia ouvi-lo respirar.
Ela olhou para ele. — Querido?
— Você ia me dizer? — Seu tom se aproximou da dureza.
— Eu pensei que a dormê ncia iria embora.
Gabriel girou a cabeça na direçã o dela. — Você pensou ou esperava?
Julia mordeu o interior da boca.
Gabriel baixou a voz. — Entã o você ia me dizer depois que isso
diminuı́sse?
Ela assentiu. Gabriel icou em silê ncio mais uma vez.
Clare terminou de se alimentar de um lado e Julia colocou para
arrotar e a transferiu para o outro seio. E Gabriel ainda nã o disse nada.
Quando ela terminou de alimentar e arrotar Clare, Gabriel levou o
bebê e a mudou de forma e iciente. Entã o ele entregou as muletas a
Julia.
— Obrigada, — disse Julia docilmente. Ela esperou que Gabriel
dissesse alguma coisa.
Ele nã o fez.
Ele carregava o bebê e a bolsa de fraldas, enquanto observava
atentamente como Julianne mancava lentamente da sala de exames
para a sala de espera.
E ele nã o falou o caminho inteiro para casa.
Capítulo Quarenta

Julia acordou. Seu tornolezo doı́a, assim como seu coraçã o.


Sua visita à sala de emergê ncia foi uma revelaçã o. O tornozelo dela
nã o estava quebrado, mas ela estava sofrendo um efeito colateral da
epidural que pode nunca ir embora. E Gabriel icou bravo com ela. Tã o
bravo, ele nem sequer a repreendeu. Ele a levou para casa, ajudou a ela
e ao bebê pela porta da frente e depois sentou no carro fazendo
ligaçõ es.
Quando ele entrou na casa, ele tomou um longo banho e desapareceu
em seu estudo. Agora ele estava se juntando a ela.
Ele colocou os ó culos e o celular na mesa de cabeceira, como era seu
há bito, e puxou os cobertores para trá s. Vendo que ela estava acordada,
ele parou.
Alguns segundos depois, ele deslizou entre os lençó is e rolou dando
as costas, fechando os olhos. A distâ ncia entre eles parecia insuperá vel.
Ela ajeitou o tornozelo machucado no topo da almofada em que
estava descansando e fechou os olhos. Ela foi lembrada daquela noite
há muito tempo quando ela entrou furtivamente no quarto de Gabriel
depois que ela foi atacada por ele. Gabriel tinha sido gentil com ela
entã o. Ele estava entendendo.
Um braço forte levantou e a puxou para um peito quente e nu.
— Lamento nã o ter contado a você , — ela sussurrou.
— Estamos quites, Julianne. Eu deveria ter lhe contado sobre o carro
estranho que estava vigiando nossa casa.
— Eu nã o acho que foi Simon. Ele nã o vai perder seu tempo
rondando Selinsgrove no Dia de Açã o de Graças. E ele é muito vaidoso
com o carro dele. Nã o tem como ele dirigir um Nissan.
— Seu tio Jack está investigando. Joguei uma pedra e quebrei a janela
traseira do carro. Isso deve facilitar a localizaçã o.
Julia levantou a cabeça do travesseiro. — Você quebrou a janela?
— Sim. — Gabriel parecia um pouco satisfeito consigo mesmo. — Eu
joguei beisebol no ensino mé dio. Você sabia disso?
— Nã o.
— Julianne, você nã o pode me esconder problemas de saú de,
principalmente agora. Nó s temos Clare para considerar. — A voz de
Gabriel estava baixa e estranhamente calma.
— Eu esperava que isso desaparecesse.
— Você deixou passar quase trê s meses sem contar a ningué m, — ele
a repreendeu. — Nunca mais faça isso comigo de novo.
— Eu nã o vou.
Gabriel tocou seus cabelos. — Nó s precisamos de você . Eu preciso de
você .
Uma lá grima brotou em seus olhos e caiu em sua bochecha. — Eu
preciso de você també m. Chega de correr para a loresta sozinho.
— Eu posso admitir isso. Mas eu quero que você me conte, em
detalhes, sobre todo e quaisquer problemas relacionados à saú de que
você tem atualmente ou teve recentemente.
Julia meio que sorriu ao seu tom de professor. — Sim, Dr. Emerson.
Ele rosnou.
— Quero dizer, Professor Emerson.
— Continue.
— Estou de boa saú de, com exceçã o da dormê ncia na perna e agora
esse tornozelo torcido. O que dó i como uma mã e.
— Vou pegar algo para a dor. — Ele jogou as roupas de cama para
trá s.
— Está bem aqui. — Ela apontou para a mesa de cabeceira.
Gabriel deu a volta na cama e pegou algumas pı́lulas do frasco,
entregando-os a ela. Entã o ele lhe deu um copo de á gua.
Ela engoliu os comprimidos com a á gua.
— Mais alguma coisa relacionada a saú de? — Ele solicitou, voltando
para a cama. Puxou-a lentamente para nã o perturbar o tornozelo e a
ajudou a descansar contra o peito dele.
— Eu tenho miomas, mas o Dr. Rubio disse que eles encolheram
enquanto eu estava grá vida. Eu tomava um suplemento de ferro, mas
acho que nã o preciso mais dele. Eu estou supondo voltar para um
check-up em setembro do pró ximo ano. Dr. Rubio provavelmente vai
pedir um ultrassom.
— Algo mais?
— Nã o. Você ?
— Estou em recuperaçã o de dependê ncia quı́mica. Eu tenho controle
dos problemas de raiva, preocupaçõ es com a segurança de minha
famı́lia e uma cadeira italiana em Harvard, com quem eu gostaria de
confrontar. Há um motorista de um Nissan preto que eu gostaria de dar
um soco.
Julia estremeceu. — Algo mais?
— Dormirei melhor quando souber quem está nos perseguindo.
Julia enterrou o rosto no ombro dele. — Parte de mim nã o quer saber
sobre coisas assim. Mas é importante que você compartilhe essas
informaçõ es, para que eu nã o faça algo que nos ponha em risco. Levei
Clare para fora no carrinho sem você algumas vezes. E se o carro tivesse
nos seguido?
— Você está certa. Nã o é justo eu estar zangado com você por
guardar segredos quando eu faço a mesma coisa. — Ele beijou o cabelo
dela.
— Entã o você nã o está zangado comigo?
— Estou furioso. Me assustou muito quando a enfermeira me disse
que você estava vendo um neurologista. Todos os tipos de cená rios
passaram pela minha cabeça — câ ncer, derrame, esclerose mú ltipla. —
Gabriel amaldiçoou. —Somos uma famı́lia, você e eu. Famı́lia é tudo.
—Ok. — Julia nã o parecia bem. —Eu quero dizer algo. Eu sei que
você nã o quer você ouvir isso, mas espero que, uma vez que Cecilia
superar o ciú me, ela vai me deixar passar o semestre de outono em
Edimburgo.
— Essa é uma decisã o arriscada. Pre iro confrontá -la imediatamente.
— Talvez quando ela estiver com Graham Todd na o icina em Oxford,
ela mudará de ideia.
— Ainda faltam meses! — Gabriel cuspiu. — Se ela nã o ceder até lá ,
será tarde demais.
— Eu quero tentar. Quero que você me deixe tentar.
— Tudo bem. — Gabriel parecia exasperado. — Se Cecilia se recusar
a ajudar, eu vou me envolver.
— Gabriel, você sabe…
— Estou dando uma chance ao seu mé todo, mas quero a opçã o de
usar meu mé todo.
— Seu mé todo é intimidá -la.
— Absurdo.
— Você promete?
— Absolutamente.
— Bom. — Julia beijou-o com irmeza e relaxou contra seu peito.
Logo ela adormeceu.
Gabriel icou acordado por vá rias horas, explorando cená rios que
envolviam discurso e persuasã o civis. Mas quando seus pensamentos se
voltaram para o motorista do Nissan preto, ele contemplou alternativas
radicalmente diferentes.
Capítulo Quarenta e Um

1 de December de 2012
Cambridge, Massachusetts

Nada serve. — Gabriel falou em seu celular. Ele estava no quarto do
bebê com Clare e tinha acabado de trocá -la. Agora, ele estava tentando
vesti-la para o dia. Uma grande pilha de roupas estava espalhada ao
redor do trocador, todas descartadas.
Ele ligou para Julianne porque ela estava tomando café da manhã na
cama e descansando o tornozelo.
— O que é isso? —Julia brincou, reprimindo o riso.
—Eu tentei de tudo: macacõ es, vestidos, etc. E tudo minú sculo.
— Acho que há algumas roupas do tamanho de trê s a seis meses na
primeira gaveta da cô moda.
Gabriel abriu a gaveta e remexeu nela. — Tudo aqui é completamente
inadequado. Sã o roupas de verã o. Ela vai pegar pneumonia.
Ele pegou um vestido rosa com bordados e um par de coisas brancas
que pareciam calças, mas tinham pé s embutidos. — Encontrei algo que
pode funcionar temporariamente. Mas ela vai precisar de um sué ter. —
Ele colocou Julia no viva-voz e colocou o celular de lado.
— Temos toneladas de sué teres e moletons pendurados no armá rio.
Me deixe vê -la quando você terminar.
— Só por um minuto. — Gabriel respirou fundo quando ele segurou
o bebê com uma mã o e a outra esticou em direçã o ao armá rio. Ele
pegou um capuz rosa. — Vou levá -la para fazer compras.
— Você quer levar Clare para fazer compras?
— Ela deve ter tido um surto de crescimento. Estou dizendo, restam
apenas algumas coisas que servem e a maioria nã o aquece o su iciente.
— Com cuidado, ele vestiu as roupas brancas e abotoou o vestido nas
costas.
— Você vai levar Richard?
— Nã o. Rebecca pediu para tirar o dia de folga. Ela e Richard vã o
fazer um passeio a pé por Beacon Hill essa manhã e depois vã o ao
cinema.
— Huh. — disse Julia.
Gabriel se endireitou, ainda falando ao telefone. — Talvez eu nã o
deva deixar você sozinha.
— Estou bem. Com a tornozeleira, posso andar por aı́. Mas
provavelmente vou ler o dia todo. A lista de livros e artigos que Cecilia
me deu é enorme.
— Okay. — Gabriel pegou uma girafa macia de plá stico que Clare
começara a mastigar recentemente e a levantou até o ombro dele. —
Vamos, Principessa. Vamos ver a mamã e e vamos renovar seu guarda-
roupa.
Ele pegou o celular e saiu do quarto.

Gabriel gostava de fazer compras na Copley Place. Embora ele nã o


gostasse da multidã o, e fazer compras com um bebê no carrinho nã o
era o ideal, ele gostava da variedade de lojas e serviços que podiam ser
encontrados em um ú nico local.
Ele foi para Barneys e foi rapidamente direcionado para a seçã o
infantil, onde foi cercado por nada menos que trê s vendedores que
resolveram vestir Clare em tudo o que ela precisava.
Gabriel acomodou-se em um sofá , com Clare nos braços, alegremente
balançando a girafa e tomando um café expresso. Sob a aprovaçã o dele,
os vendedores o ajudaram a equipar Clare pelos pró ximos seis meses. E
eles forneceram a ele um coelho muito melhor do que aquele que
atualmente residia ao lado de seu baby carrier.
Fazer compras é fácil, pensou ele, quando um dos vendedores
colocou um par de sapatilhas de balé de couro rosa macio nos pé s de
Clare.
— Ela vai usá -los em casa — Gabriel direcionou com um sorriso.
(Deve-se notar que ele resistiu à vontade de se desfazer do coelho
que Paul Norris deu a Clare, apenas porque ela parecia preferir ele ao
brinquedo caro da Barneys. Gabriel suspirou com má rtir sobre a
realizaçã o.)
Ele já havia retornado ao seu SUV e a ivelado Clare na cadeirinha
quando o celular tocou. Era Jack Mitchell. Gabriel sentou no banco do
motorista e trancou as portas. — Jack.
— Encontrei seu Nissan preto. Registrado por Pam Landry na
Filadé l ia.
Gabriel fez uma pausa, quebrando o cé rebro. — Nã o conheço
ningué m com esse nome.
— Achei que você nã o iria. Mas o ilho dela, Alex, levou o carro para
um amigo consertar a janela traseira.
— Interessante. — Gabriel olhou para Clare atravé s do espelho
retrovisor. Ela estava pegando o coelho de Paul e en iando uma das
orelhas na boca.
Gabriel estremeceu com a visã o.
— Nã o pude encontrar nenhuma conexã o entre Alex Landry e minha
sobrinha — anunciou Jack. — Mas ele estava na mesma fraternidade
que Simon Talbot na Universidade da Pensilvâ nia.
Gabriel praguejou.
— Alex é uma bagunça — continuou Jack. — Usou muitas drogas,
reprovado na escola. Sempre em trabalhos diferentes. Ganhou algum
dinheiro recentemente. Andou jogando dinheiro.
— Você pode conectá -lo ao imbecil?
— Estou trabalhando nisso. Nã o sei ao certo como eles estã o se
comunicando ou de que forma o dinheiro foi transferido. Acho que você
assustou o garoto com a pedra pela janela. Ele disse ao amigo mecâ nico
que tinha um show fora da cidade, mas que acabou. Devolveu o carro
para a mã e e está dirigindo o pró prio agora.
— E que carro é esse?
— Dodge Charger vermelho com listras pretas de corrida e placa da
Pensilvâ nia. Difı́cil de errar.
— Vou manter os olhos abertos.
— Nã o pense que o garoto vai incomodar você . Faça parecer uma
apariçã o de vigilâ ncia simples—olhe, mas nã o toque. O Garoto fodido,
você quebrou a janela dele. Ele vai ser cuidadoso. Ele nã o vai querer
que você estrague a pintura personalizada.
— Certo. — Gabriel beliscou a ponta do nariz.
— Você quer que eu faça contato?
— Só se ele izer um movimento na minha direçã o. E a loresta? Era
ele?
— Nã o posso dizer. O Garoto nã o parece do tipo que abraça a
natureza.
Gabriel murmura. Era possı́vel que ele tivesse ouvido um animal na
loresta, mas isso nã o explicava o que ele pensava ser o feixe de uma
lanterna. E se o invasor nã o fosse Landry...
— Eu pedi a um amigo para icar de olho na sua casa. O carro dele é
um Toyota azul com placa de Massachusetts. Nã o estrague a janela
dele.
— Anotado. — Gabriel olhou para Clare novamente.
—Custo?
— Ele está me fazendo um favor. Mas eu tenho uma boa notı́cia para
você .
— Estou ouvindo.
— Simon Talbot está em um aviã o para Zurique. Dizem que ele se
reconciliou com o pai, mas o senador quer que seu ilho saia dos EUA.
Conseguiu um emprego para ele nas inanças. O Garoto estraga tudo e o
senador o corta permanentemente. Esse garoto nã o passará perto da
sua casa tã o cedo.”
— Excelente. — Os ombros de Gabriel relaxam.
— Pode valer a pena icar de olho nele na Europa. Quer que eu envie
um dos meus rapazes?
— Nã o, mas estou preocupado que ele possa ter contratado algué m
para nos incomodar. Se você pudesse continuar cavando, icaria
agradecido. O que eu devo a você ?
— Desconto para a famı́lia. Beije minhas sobrinhas por mim. — Jack
desligou.
Gabriel colocou o telefone no console central e saiu cuidadosamente
do estacionamento. Ele usou o caminho até sua casa para pensar sobre
o que Jack havia dito.
Embora parecesse que Simon nã o era mais uma ameaça, Gabriel
ainda estava cauteloso. Ele precisava de mais informaçõ es sobre as
atividades do idiota na Suı́ça. Ele sabia exatamente quem chamar para
descobrir.
Capítulo Quarenta e Dois

Mais tarde

Neve. — Julia apontou para os locos delicados que lutuavam na


frente da janela da sala.
Clare estendeu a mã o para a janela e depois pegou uma mecha do
cabelo de Julia e puxou.
— Está bem, está bem. Nó s nã o estamos interessadas em neve. —
Julia riu, tentando libertar os cabelos.
Ela parou de usar muletas no dia anterior e tentou colocar peso no
tornozelo hoje. Ela o embrulhou com irmeza e o colocou em uma
tornozeleira macia, o que lhe deu mais apoio. Ainda assim, ela se movia
devagar e nã o carregava Clare para cima e para baixo sem muita
cautela. Ela nã o queria cair.
— Está nevando? — Gabriel apertou um botã o e a lareira a gá s voltou
à vida, criando um brilho aconchegante.
— Apenas alguns locos. — Julia dirigiu a atençã o de Clare para a
janela mais uma vez. — Olha, Clare. Neve.
Clare virou a cabeça na direçã o do pai e começou a balbuciar.
— Boa menina. — Gabriel tocou sua bochecha. — A neve é terrı́vel e
eu aprovo o seu desinteresse.
Julia balançou a cabeça. — Pense em Richard e Rebecca andando por
Beacon Hill nesse tempo.
Gabriel consultou o reló gio. — Eles devem estar no cinema agora.
Rachel sabe que Richard veio no im de semana?
— Sim. Falei com ela de manhã e ela disse que Richard havia contado
na semana passada.
Os olhos azuis de Gabriel icaram olhando. — E Rachel está bem com
isso?
— Ela disse que ela e Richard resolveram as coisas e que ela nã o o
invejaria por um amigo. — Julia sorriu. — Mas ela está muito feliz que a
Mulher Maravilha está vindo para Selinsgrove passar o Natal com
todos.
— Ah — disse Gabriel. — Katherine icaria horrorizada se soubesse
que Rachel estava comparando-a com um personagem de quadrinhos.
— Eu acho que Katherine icaria lisonjeada. Ela tem um ó timo senso
de humor.
— Hmmmm — Gabriel olhou por cima do ombro de Julia, para a
janela, e icou momentaneamente distraı́do. Um Toyota azul estava
passando pela casa deles no ritmo de um caracol. Chegou ao im do
beco sem saı́da, virou-se e passou novamente pela casa deles.
Gabriel supô s que o motorista era o contato de Jack Mitchell e viu o
carro desaparecer na esquina. Ele se sentiu animado ao saber que
algué m estava de olho na casa.
— Olá ? Gabriel? — Julia estalou os dedos, tentando chamar a atençã o
dele.
Ele forçou um sorriso. — Desculpe querida. Fascinado com a neve. O
que você acha do novo guarda roupa de Clare? — Gabriel estendeu os
braços em direçã o à variedade de itens que foram cuidadosamente
exibidos em todas as peças de mó veis disponı́veis ou superfı́cies planas
da sala de estar.
— Tudo é muito bonito. Mas um pouco extravagante, você nã o acha?
Gabriel parecia ofendido. — Ela é minha ilha. Quero que ela tenha o
melhor.
— Mas o melhor nã o precisa ser o mais caro. Target faz boas roupas
de bebê .
Gabriel torceu o nariz.
Julia persistiu. — Eu gosto de coisas legais. Você me comprou lindos
vestidos e mais sapatos do que eu posso usar.
— Sapatos sã o obras de arte — Gabriel interrompeu. —Pense
neles como uma coleçã o de arte.
— Sim, Professor. Mas pense no privilé gio que Clare tem. E pense
sobre onde moramos e todo o privilé gio que nos rodeia. Quero ensinar
a ela que o cará ter conta - que ser gentil e generoso torna algué m
bonito.
— Ela só tem 3 meses de idade.
— Exato. E já recebeu presentes da Tiffany, um valioso manuscrito
renascentista de sua madrinha e um guarda roupa de grife da Barneys.
— Eu nã o posso recusar os presentes que Kelly ou Katherine dã o
para ela.
— Nã o, você nã o pode — Julia admitiu, colocando o cabelo atrá s da
orelha. “Eu sei que é regalia de tias, madrinhas e avó s estragar as
crianças. Mas nó s nã o precisamos estragá -la.
— E claro que quero ensinar a ela o que é a verdadeira beleza, e digo
isso olhando para a mulher mais bonita que já vi, tanto por dentro
quanto por fora.
Julian corou com o elogio.
Ele deu um passo mais perto e roçou o polegar na bochecha dela. —
Por que nã o posso comprar roupas bonitas para minha princesinha?
Ela só será um bebê por um tempo. Quando percebermos ela estará
batendo portas, ouvindo mú sica ruim e rasgando buracos em seus
jeans.
— Espero que nã o. — Julia beijou o lado da mã o dele.
— A Barneys é extravagante demais para as crianças, e nã o quero
que ela cresça como algumas das pessoas com as quais tenho que lidar
em Harvard.
Gabriel pensou em Cecilia. Em seguida, ele pensou nos descendentes
esnobes de famı́lias ricas que havia encontrado durante seus anos de
graduaçã o em Princeton e, mais tarde, em Oxford e Harvard.
Ele colocou a mã o na cabeça de Clare e ela estendeu os braços para
ele. Ele a pegou e instantaneamente, ela descansou a cabeça no ombro
dele. — Eu també m nã o quero isso. E digo que, sabendo que eu mesmo
tenho um afeto pelo luxo.
— Um apego? — Julia brincou.
— Você é a pessoa mais gentil que eu conheço. — Os olhos de
Gabriel eram solenes — Você é completamente amorosa e gentil. Com
você como modelo, nã o faltará bondade nela, apesar das falhas do pai.
—Suas falhas sã o um exagero. De você , ela aprenderá bravura, força
e trabalho duro. Minha bondade cresceu de crueldade. Vi como minha
mã e agia e decidi fazer o contrá rio.
— Mas é por isso que eu quero mimar você . Eu queria trazer para
casa um novo par de sapatos hoje, mas achei que seria insensı́vel, dado
o estado do seu tornozelo. — Gabriel apontou para uma caixa. — Entã o
eu comprei chinelos para você . Quentes e macios. E eles devem se
encaixar no seu tornozelo.
— Você me comprou um presente?
— Sim, e eu mesmo escolhi. Sem nenhuma ajuda.
—Gabriel se encolheu.
Julia atravessou para abrir a caixa. Ela pegou um par de chinelos cor
de cereja, com uma sola de couro antiderrapante. Ela se sentou e
experimentou.
— Eles se encaixam perfeitamente. Obrigada. — Os olhos escuros
dela brilharam quando ela olhou para o marido.
— Mas eu quis dizer o que disse; nã o podemos estragar Clare. Nã o
quero que ela pense que precisa parecer ou se vestir de uma certa
maneira para ser valorizada.
Gabriel olhou para as roupas de bebê com um olhar de consternaçã o.
— Você quer que eu devolva?
— Nã o. — Julia icou de pé com seus novos chinelos e foi até ele. Ela
colocou a mã o em volta do pescoço dele e o puxou para um beijo. —
Estou falando sobre o seu pró ximo passeio de compras.
—Eu me sentei no sofá e eles trouxeram tudo para mim —
confessou, balançando com Clare sobre o ombro. — A Target faz isso?
— Nã o. — Ela levantou o tornozelo machucado. — Assim que estiver
melhor, apresentarei a má gica da Target. Podemos passar pelos
corredores com um grande carrinho vermelho, saborear um café
Starbucks e fazer tudo sozinhos.
— Você e eu temos entendimentos muito diferentes do termo má gica
— disse Gabriel imperiosamente. Sua expressã o icou preocupada. —
Como está sua outra perna?
Ela desviou os olhos. — Hoje a dormê ncia foi um pouco pior. Mas
está tudo bem.
— Nó s podemos consultar outro mé dico.
Julia sentou em uma cadeira ao lado do fogo. — Eu já vi dois
neurologistas. Nenhum deles tem outro tratamento alé m do tempo.
Gabriel nã o pareceu convencido.
Ele mudou de assunto levantando o pé de Clare. — Você di icilmente
pode se opor aos sapatos dela. As sapatilhas de balé eram essenciais.
Julia levou um momento para admirar a visã o de Gabriel, cheio de
orgulho por sua princesinha, e pelo bebê , que estava descansando
confortavelmente no ombro do pai, chupando o pró prio punho. — Sim,
admito que as sapatilhas de balé eram essenciais.
— A propó sito, a produtora da BBC que conheci em Edimburgo
entrou em contato comigo.
— O que ela disse?
— Ela me pediu para ir a Londres para ser entrevistada para um
documentá rio sobre o Renascimento.
— Parabé ns. Quando você iria?
— Nó s irı́amos — Gabriel corrigiu. — Eles estã o preparando as
coisas para março ou abril. Poderı́amos agendar as entrevistas em
torno de sua o icina em Oxford e levar Rebecca conosco, ou dar-lhe
fé rias e apenas ir nó s mesmos.
— Eu gostaria disso.
— Poderı́amos ir ao Museu Britâ nico e explorar os cantos escuros. —
Gabriel ergueu as sobrancelhas sugestivamente.
— E sermos presos. — Julia riu. — Será primavera, o que signi ica
que podemos pegar o carrinho de bebê de Clare e passear por Londres.
— Bom. Vou enviar um email para Eleanor e falar sobre datas. Agora,
o que mamã e quer para o jantar?
— Rolinho Primavera?
— Nada de pedir. A princesa e eu vamos cozinhar e ouvir ó pera. —
Gabriel dançou em cı́rculo com o bebê .
—Pasta? — Julia sugeriu, icando de pé .
— Uma excelente sugestã o. Você pode relaxar perto do fogo, querida.
Deixe a comida para nó s.
— Oh nã o. — Julia sorriu. — Isso eu quero ver.
Ela seguiu Gabriel e Clare até a cozinha enquanto as variedades de
Pavarotti tocando ‘Nessun dorma’ de Puccini emanavam do aparelho de
som.
Depois de assistir à missa com sua famı́lia na manhã seguinte, Gabriel
se trancou em seu escritó rio em casa para fazer uma ligaçã o.
— Cassirer. — A voz levemente acentuada respondeu à chamada de
Gabriel.
— Nicholas, é Gabriel Emerson ligando da Amé rica. Como você está ?
— Gabriel, bom ouvir você . Estou bem, obrigado.
— E os seus pais? Como estã o?
Nicholas fez uma pausa. — Eles estã o gerenciando. Eles passam a
maior parte do tempo no exterior.
— Sinto muito. — A voz de Gabriel era compreensiva.
— Como está a sua famı́lia?
— Julianne está bem. Nossa ilha nasceu em setembro, o nome dela é
Clare.
— Parabé ns. Essa é uma excelente notı́cia, vou contar isso aos meus
pais.
— Por favor, conte. — Gabriel limpa a garganta. —Receio que minha
famı́lia seja a razã o da minha ligaçã o.
Gabriel explicou rapidamente o histó rico de suas interaçõ es com
Simon Talbot e sua ú ltima mudança para Zurique. — Eu preciso do
nome de algué m con iá vel que eu possa contratar para vigilâ ncia”
— Vigilâ ncia? — Nicholas repetiu casualmente—muito casualmente.
—Apenas algué m para icar de olho. Espero que ele perca o interesse
em nó s com essa mudança recente. Mas quero ter certeza.
— Deixe-me fazer algumas ligaçõ es.
— Obrigado. Dinheiro nã o é um problema e icarei feliz em
reembolsá -lo pela introduçã o.
— Isso nã o é necessá rio. Você precisa de algué m na Amé rica
també m?
— Estou coberto, mas obrigado. Se houver algo que eu possa fazer
em troca, entre em contato.
— De modo nenhum. Isto é para sua famı́lia, com meus
cumprimentos. Entrarei em contato.
— Obrigado. — Gabriel desconectou a ligaçã o e colocou o telefone na
mesa.
No papel, Nicholas Cassirer era um rico empresá rio suı́ço que era um
á vido colecionador de arte e um generoso ilantropo. Gabriel nã o tinha
motivos para suspeitar que o homem tinha laços com o submundo,
alé m de seus onipresentes ternos pretos.
Mas Gabriel nã o era ingê nuo. Os Cassirers haviam sofrido um assalto
há vá rios anos e os itens nunca foram recuperados. Nicholas levou o
roubo muito, muito pessoalmente e sua famı́lia contratou segurança
pro issional que rivalizava com a da maioria dos chefes de Estado.
Gabriel sentiu seu pescoço. Havia uma chance de ele ter assumido
uma dı́vida que mais tarde seria cobrado a pagar. Mas, dado o perigo
potencial para sua famı́lia, ele estava mais do que disposto a pagar o
preço, nã o importa quã o caro fosse.
Capítulo Quarenta e Três

12 de Dezembro de 2012

Julia estava acordada.


Ela virou para encarar Gabriel alguns minutos atrá s e ele esticou um
braço e cobriu sua cintura. Ele estava dormindo profundamente, a
julgar pela respiraçã o. Engraçado como ele a procurou instintivamente,
como se suas almas estivessem tã o alinhadas uma a outra, ele podia
sentir a presença dela mesmo enquanto dormia.
Ela tocou o rosto de Gabriel, o rosto do homem que amava. Ela traçou
as maçã s do rosto aristocrá ticas e a ligeira covinha do queixo. Os dedos
dela passaram pela barba por fazer.
Ela beijou sua bochecha e roçou a boca na dele. Ele murmurou uma
resposta, mas nã o se mexeu. Uma onda de amor e desejo tomou conta
dela. Ela queria se afogar nela.
Ela acariciou o peito dele e passou a mã o sobre a tatuagem original e
a nova parte que ainda estava cicatrizando. Era uma imagem de uma
das ilustraçõ es do Paradiso de Botticelli; Dante desmaia na base da
escada de Jacob e Beatrice o abraça.
O tatuador que marcou o peitoral direito de Gabriel com a imagem
foi o mesmo artista que lhe desenhou o dragã o e o coraçã o. Tecidos à
imagem de Botticelli estavam os nomes Julianne e Clare, em uma
elegante caligra ia minú scula.
A mã o de Julia pairava sobre a imagem. Foi uma surpresa. Gabriel
havia tatuado isso há dois dias, depois de suas compras com Clare.
Eu preciso ter você imortalizada na minha pele. E debaixo da minha
pele. E sobre o meu coração, ele sussurrou, quando desnudou a imagem
sob olhos dela.
Ela se esticou e beijou seu peito, logo acima de seu coraçã o.
Gabriel se mexeu, mas nã o acordou.
O corpo dele era um banquete para os sentidos dela. Entã o ela o
explorou, seus dedos dançando sobre seu peitoral forte, ombros, braços
musculosos.
Ela tocou suas costelas e mergulhou em seu umbigo. Entã o ela traçou
os cumes de seus mú sculos abdominais. Ela alcançou a faixa da cueca
dele e parou.
Uma inalaçã o aguda chamou sua atençã o.
Os olhos de Gabriel estavam abertos, o azul intenso destacando-se
contra os cabelos escuros que varriam sua testa.
— Desculpe. Eu nã o quis acordar você .
— Nunca se desculpe por me tocar. — Ele respondeu — Se minha
alma é sua, meu corpo també m é .
Ele ajeitou o travesseiro debaixo da cabeça para vê -la melhor.
Ela se sentou, movendo cuidadosamente o tornozelo. —Eu preciso
de você .
— Entã o pegue o que você precisa. — O olhar curioso e ansioso de
Gabriel foi encorajador.
Julia voltou a mã o ao corpo dele, acariciando-o e tocando-o, antes de
segurá -lo por dentro da cueca. Ele fez um barulho estrangulado.
Ela removeu a cueca, puxando-a com determinaçã o pelas pernas dele
antes de jogá -la no chã o. Entã o ela se ajoelhou e colocou a mã o dele na
barra de sua camisola. Apressadamente, ele arrancou a camisola e a
calcinha dela.
Sem falar nada, ela montou na cintura dele, ajustando sua posiçã o
para nã o colocar peso no tornozelo. Ela levou as mã os grandes dele aos
seus seios e se inclinou para o toque.
Gabriel passou os polegares sobre os mamilos dela. Ela reagiu
arqueando-se contra ele, curvando sua espinha.
Ele beliscou seus mamilos e entã o substituiu os dedos por sua boca,
prendendo os lá bios em um botã o rosado. Ele a lambeu.
Julia se divertiu em suas ministraçõ es até que seu desejo nã o
pudesse mais ser contido. Ela se afastou e passou a mã o em torno dele.
Ele ofegou contra seu peito e ela o acariciou para cima e para baixo,
seu ritmo lento, mas irme.
Gabriel já estava excitado. Ela o tocou para agradá -lo, quando os
lá bios dele encontraram o outro seio.
Entã o ela o posicionou cuidadosamente e se afundou sobre ele,
polegada por polegada.
Gabriel soltou uma maldiçã o ao sentir ela ao seu redor.
Ela se moveu para frente e para trá s enquanto os dedos dele
encontravam seus mamilos novamente.
E entã o ela se levantou e se abaixou, experimentando ritmo e
profundidade da penetraçã o.
Ela puxou as mã os dele para os quadris dela, uma de cada vez,
encorajando-o a ajudá -la a de inir o ritmo. Mas Gabriel estava ansioso
demais para deixá -la liderar e observá -la, olhos semicerrados de prazer.
A palma da mã o dela encontrou o peito dele, tomando cuidado para
nã o tocar na tatuagem que estava cicatrizando. O rosto de Dante
encostado em Beatrice, olhou para ela. Como se ela fosse uma promessa
pronta para ser cumprida.
Ela fechou os olhos. Os sentimentos eram muito intensos. Mais uma
subida e ela estava caindo, caindo. Gabriel levantou os quadris,
aumentando o ritmo, correndo atrá s dela.
Ele a puxou para baixo enquanto se empurrava dentro dela e ela o
sentiu gozar dentro dela. Ela abriu os olhos para ver o olhar dele
encontrar o dela. O peito dele icou tenso sob a palma da mã o dela.
Ela relaxou em cima dele e o corpo dele suavizou-se lentamente.
Um sorriso preguiçoso passou pelo rosto dele. — Gostaria de ser
acordado assim todas as manhã s. Olhe para você - uma bela e feroz
deusa do amor, que nunca aceita exceto que dê dez vezes mais. Deixe-
me ser seu servo no amor e no desejo.
— Gabriel. — Ela tocou o rosto dele.
—E você fez tudo isso com um tornozelo machucado. — Ele sorriu
maliciosamente.
Antes que ela pudesse responder, ela estava presa embaixo dele e ele
estava se acomodando entre os quadris dela. Ele prendeu os braços
dela acima da cabeça.
— Agora é a minha vez, deusa. Vamos ver o que você pode fazer sem
as mã os.
Ela riu até que ele tomou sua boca.
— Minha Beatrice— ele sussurrou.
Capítulo Quarenta e Quatro

21 de Dezembro de 2012

Julia estava sonhando.


Por si só , nã o foi uma ocorrê ncia incomum. Sonhou vivamente
durante toda a gravidez, mas encontrou o sono profundo e sem sonhos
depois que trouxe Clare do hospital para casa.
Nas primeiras horas da manhã , enquanto Clare dormia
profundamente em seu quarto, Julia sonhava que estava de volta à St.
Joseph's University, andando pelo corredor até o quarto que dividia
com Natalie, uma colega de graduaçã o.
Era o aniversá rio dela. Ela deveria comemorar com o namorado, mas
ela esqueceu a câ mera. Andando pelo corredor, ela se sentiu feliz e
animada.
Em seu sonho, Julia sabia o que estava prestes a acontecer. Ela sabia
o que havia por trá s da porta fechada do quarto. Ainda assim, ela pegou
as chaves e abriu a porta.
THUMP
O som da porta batendo na parede era extraordinariamente alto.
Julia olhou para a porta, se perguntando por que havia emitido um som
tã o estranho.
CRASH
Os olhos de Julia se abriram.
Ela nã o estava mais na Filadé l ia; ela estava em seu quarto em
Cambridge. A luz noturna conectada à parede lançou um brilho suave
sobre a sala.
Mas algo nã o estava certo.
Julia levantou a cabeça e viu um homem parado a alguns metros de
distâ ncia, segurando a reproduçã o da pintura de Henry Holiday nas
mã os enluvadas.
Ele olhou diretamente para Julia.
O homem era um gigante — com mais de um metro e oitenta e seis,
parecia um zagueiro. Seus olhos escuros eram planos, sem emoçã o.
Ele deu um passo na direçã o dela.
Julia gritou.
Capítulo Quarenta e Cinco

Gabriel acordou imediatamente, confuso.


Ele adormeceu na mesa de seu escritó rio.
Ele icou de pé , sem se importar em descobrir por que nã o estava na
cama com a esposa. Atravessando a porta, ele viu uma igura grande e
escura se movendo pelo corredor. Gabriel estava entre ele e o quarto da
criança, onde Clare estava dormindo no berço.
A igura nã o hesitou. Ele correu em direçã o a Gabriel e deu um soco,
direcionado à sua mandı́bula.
Gabriel se abaixou e en iou o punho na barriga do homem.
O homem nã o se incomodou com o golpe. Ele agarrou Gabriel pela
camisa e o jogou no chã o, batendo—o contra a parede.
O homem dirigiu—se para a escada, mas, quando passou, Gabriel
agarrou o pé dele e torceu, fazendo o homem cair de joelhos.
O homem xingou em italiano e atacou, atingindo Gabriel no esterno.
O coraçã o de Gabriel foi pego no meio do caminho. Estremeceu e parou
antes de bater irregularmente. Gabriel recuou, segurando o peito.
O homem icou de pé e disparou como um urso grande pelo corredor.
Gabriel percebeu que nã o podia se mexer. Ele estava deitado de
costas, congelado, olhando para o teto. Ele tentou respirar.
— Gabriel? — Julia saiu correndo do quarto, bem a tempo de ver o
homem desaparecer escada abaixo.
— Clare — Gabriel conseguiu grunhir.
— Onde ela está ? Ele a pegou?
Antes que Gabriel pudesse responder, Julia correu para a porta do
quarto e a abriu.
Da porta, Julia viu que Clare ainda estava no berço. Julia correu em
sua direçã o e tocou o rosto do bebê . Ela se mexeu, mas nã o acordou.
— Graças a Deus —, ela respirou.
Ela correu de volta para o quarto, pegou o telefone celular e discou o
nú mero 911.
Capítulo Quarenta e Seis

Julia icou feliz que Rebecca nã o estivesse lá para surpreender o
intruso. Ela dormia levemente e acordava cedo algumas manhã s.
Felizmente, ela partiu
para o Colorado no dia anterior para passar o feriado de Natal com
seus ilhos.
Julia estava sentada no sofá da sala, segurando seu bebê dormindo.
Ela nã o queria Clare fora de sua vista.
A polı́cia de Cambridge estava vasculhando a casa e o quintal. Gabriel
estava andando por perto, tendo sido checado e liberado pelos
paramé dicos. Ele estava no telefone havia uma hora.
Julia enterrou o rosto no cabelo de Clare. Ela pensou que Gabriel
estava tendo um ataque cardı́aco. Ele estava pá lido e sem fô lego quando
ela o encontrou no corredor. A cor voltou ao seu rosto e agora ele estava
andando como um leã o enjaulado, zangado e frustrado. Como se ele
fosse rugir a qualquer momento.
Julia sussurrou uma oraçã o de agradecimento por ainda ter uma
famı́lia e abraçou Clare com mais força. Ela nã o tinha certeza de quanto
tempo icou sentada antes que um par de pé s descalços estivesse na sua
frente. (Notoriamente, deve—se concordar que até os pé s de Gabriel
eram atraentes.)
Ele nã o se incomodou em calçar algo e ainda usava um pijama de
lanela de tartan. Ele se agachou ao lado dela e colocou uma mã o
gentilmente no pescoço dela.
— Querida?
Ele afastou os cabelos do rosto dela.
— A empresa que instalou o sistema de segurança está enviando
algué m imediatamente. Segundo eles, o sistema ainda está armado. O
invasor deve ter contornado o alarme.
— Como isso é possı́vel?
O rosto de Gabriel icou sombrio.
— Eu nã o sei.
Julia balançou o bebê , indo e voltando.
— Ele nã o levou nenhuma joia. Ele nem abriu a caixa.
— Dinheiro, passaportes, eletrô nicos, obras de arte—tudo ainda está
aqui. A polı́cia está procurando por impressõ es digitais.
— Ele estava usando luvas.
Gabriel congelou.
— Ele tocou em você ?
— Nã o. — Julia sussurrou. — Quando acordei, eu o vi segurando a
pintura do Holiday. Eu vi as luvas.
— Quando subi, a pintura estava no chã o. O vidro quebrado.
— Ele deixou cair quando eu gritei.
— Mas você está bem? — Ele estendeu a mã o para acariciar a cabeça
de Clare. — Clare está bem?

— Eu nã o acho que ele passou pelo quarto dela. A porta ainda estava
fechada e eu nã o ouvi nada no monitor de bebê .
Gabriel passou a mã o pela boca. As coisas poderiam ter terminado de
maneira muito, muito diferente.
— Sinto muito pela pintura.
Gabriel apertou o joelho dela.
— Melhor a pintura do que você .
Julia pegou a mã o dele e o puxou para se sentar ao lado dela. Ela se
inclinou para o lado dele, tremendo.
Ele colocou os dois braços em volta dos ombros dela.
— Você vai icar bem. Você vai icar bem e Clare vai icar bem.
— Eu pensei que ele tinha a levado. — Uma lá grima escorreu pelo
rosto de Julia. — Eu pensei que você estava tendo um ataque cardı́aco.
— Eu só estava sem fô lego. Mas eu gostaria de uma dose de
Laphroaig agora.
— Eu també m.
— Vou pegar uma para você . — Ele falou contra a pele dela.
— Eu nã o acho que as mã es lactantes deveriam beber Laphroaig.
Mas se eu nã o estivesse amamentando, sim, eu beberia o seu Camp ire
Scotch.
Nã o era apropriado rir e Gabriel sabia disso. Ele a abraçou e conteve
o riso.
— Eu nã o tenho nenhum Laphroaig. Mas se você quiser uma bebida,
eu vou pegar uma.
— Talvez mais tarde. — O bebê se mexeu no ombro de Julia.
—Você quer que eu a carregue? Ela deve estar icando pesada
Julia balançou a cabeça.
— Eu preciso segurá -la.
— Senhor Emerson? — Um detetive à paisana se aproximou dele.
— Posso falar com o senhor por um minuto?
— Claro. — Gabriel beijou a esposa e seguiu o detetive até a
cozinha.
Julia continuou balançando para frente e para trá s, rezando para que
tudo acabasse logo. Eram trê s horas da manhã e ela queria voltar a
dormir. Mas nã o aqui, nã o com um sistema de segurança desativado e a
pintura de Dante e Beatrice quebrada no andar de cima.
Alguns minutos depois Gabriel voltou.
—Parece que o intruso entrou pelo jardim. Ele pulou a cerca e
atravessou o quintal até a porta dos fundos, ele deixou pegadas na neve.
Gabriel notou o movimento de balanço de Julia.
—Por que você nã o se deita? Vou segurar Clare.
—Eu nã o quero icar nesta casa nem mais um minuto. — Ela se
levantou.
—Tudo bem. — Gabriel coçou a barba por fazer. — Nó s vamos para
um hotel. Você quer fazer uma mala?
— Eu nã o quero ir lá em cima sozinha. — A voz de Julia estava muito
baixa. Quase partiu o coraçã o de Gabriel.
— Eu irei com você . Deixe—me dizer ao detetive. — Gabriel voltou à
cozinha por um momento e depois voltou para Julia. Ele pegou Clare
nos braços.
— Eu vou carrega—la até lá em cima. Me desculpe por ter dormido
no escritó rio, eu devia ter voltado para a cama.
— Eu estou bem — a voz de Julia icou rouca. — Mas eu tenho que
sair daqui.
— Vou ligar para o Lenox assim que chegarmos lá em cima. Embale o
que for necessá rio para um dia ou dois. Vou ligar para a empresa de
segurança e avisar que estamos saindo.
Julia assentiu.
Naquele momento, tudo o que ela queria era sair daquela casa com a
ilha. A empresa de segurança estava fazendo muito pouco.
Gabriel subiu a escada com Julia logo atrá s.
Enquanto Julianne estava no armá rio, fazendo as malas para ela e
Clare, Gabriel colocou o bebê em seu cercadinho. Ela ainda estava
dormindo.
Gabriel se virou e fez uma oraçã o silenciosa de agradecimento.
Ele foi até a mesa de cabeceira e estava prestes a pegar o carregador
do telefone quando pisou em alguma coisa.
— Filho de uma… — Gabriel levantou o pé para ver em que pisou.
— Você está bem? — Julia en iou a cabeça para fora do armá rio.
— Estou bem. Nã o é nada.

Julianne voltou a fazer as malas.


Agachado, Gabriel viu que havia pisado no que parecia uma
pequena escultura. Ele pegou um lenço de papel na mesa de
cabeceira e pegou o objeto.
A escultura era grotesca, um pequeno busto de duas cabeças com
uma caveira de um lado e um rosto do outro. Gabriel virou o objeto,
tomando cuidado para mantê -lo coberto pelo lenço. Palavras haviam
sido gravadas: O Mors quam amara est memoria tua.
Gabriel sabia sem sombra de dú vida que o objeto nã o era dele.
També m nã o pertencia a Julianne. Tais objetos eram populares na
Idade Mé dia e no Renascimento, como uma espé cie de lembrete da
mortalidade de algué m: O Morte, quã o amarga é sua memó ria. Lembre
—se de que você deve morrer.
A peça em que ele pisou era muito bem trabalhada e antiga. Para
seus olhos destreinados, pelo menos, parecia ter qualidade de museu.
Como era imprová vel que a polı́cia de Cambridge guardasse algo assim
nos bolsos, apenas uma outra pessoa poderia tê —la deixado cair.
— Estou quase terminando —, falou Julianne. Ela entrou no banheiro
e fechou a porta.
Gabriel cobriu a escultura com mais lenço de papel e a colocou na
pasta com o laptop. Embora fosse possı́vel que o intruso tivesse deixado
cair a peça acidentalmente, era igualmente possı́vel que tivesse sido
deixado na mesa de cabeceira de Gabriel, a meros centı́metros do
travesseiro, como um aviso.
Como tal, e dado o meio da mensagem, Gabriel optou por nã o
compartilhar sua descoberta com as melhores mentes de Cambridge.
Em vez disso, ele iria compartilhar a descoberta com outra pessoa.

Capítulo Quarenta e Sete

— E a sua famı́lia? Elas estã o bem? — Nicholas Cassirer parecia


horrorizado.
— Julianne está abalada, mas elas estã o bem — Gabriel fechou
cuidadosamente a porta do banheiro na suı́te do hotel, para nã o as
incomodar.
Clare agora estava dormindo em seu cercadinho e Julianne desabou
na cama king—size. Passava das cinco horas da manhã em Boston e
faltava pouco para o meio dia em Zurique, a casa de Nicholas.
Gabriel continuou. — Eu já falei com o homem que você recomendou
para a vigilâ ncia. Ele está nos Alpes, assistindo a famı́lia Talbot esquiar.
Nã o houve nenhuma reuniã o clandestina ou comportamento suspeito.
— Qual foi a avaliaçã o de Kurt?
—Ele acha que a invasã o nã o tem nada a ver com Simon Talbot. Mas
ele se ofereceu para fazer contato.
—Eu con iaria nos instintos dele. Pode ser uma boa ideia deixar que
ele dê uma palavra. Ele pode ser muito persuasivo.
—Eu vou checar Kurt hoje.
— O que você descreveu soa como o trabalho de um ladrã o de arte
pro issional.
— Sim, mas qual pro issional invade uma casa ocupada? — As
palavras de Gabriel deixaram sua boca tarde demais. Ele fechou os
olhos. — Meu amigo, desculpe. Eu nã o estava pensando.
Nicholas mudou de assunto. — O intruso veri ica todas as obras de
arte da sua casa, mas ignora joias e dinheiro. Entã o ele nã o é um
oportunista. Estou confuso que ele nã o tenha levado nada. Talvez ele
esteja planejando voltar.
— E disso que eu tenho medo.
— Ou ele nã o encontrou o que estava procurando.
Isso deu a Gabriel uma pausa. — As peças mais valiosas que possuo
estã o no Uf izi.
— Sim, eu sei —, disse Nicholas — A exposiçã o, com seu nome em
anexo, chamou atençã o internacional. Algué m pode ter se inspirado a
visitar sua casa e inspecionar sua coleçã o pessoal.
—Ladrõ es de arte pro issionais geralmente tê m como alvo obras
especı́ icas para compradores especı́ icos. O ladrã o sabe que você
possui as ilustraçõ es de Botticelli e supõ e que você tenha outras peças
valiosas em seu poder. Ele faz um inventá rio para poder se aproximar
de um colecionador.
— Você acha que ele vai voltar?
— Se ele encontrou algo que pode vender, sim. Ele pode ser da Itá lia,
ou falar o idioma pode ter sido uma jogada calculada para apontá —lo
para a Itá lia. Mas isso nã o importa. Quando se trata de obras de arte, o
mercado negro é internacional.
Gabriel esfregou a testa. — Qual é a sua recomendaçã o?
— Você gostaria de compartilhar seu inventá rio? Talvez eu consiga
discernir em que o ladrã o está interessado.
— Certamente.
— Eu acho que você e Julianne deveriam trabalhar com um artista
para produzir um retrato falado do intruso. Eu tenho um contato na
Interpol. Eles podem reconhece—lo.
— Nó s vamos cuidar disso — Gabriel abriu sua bolsa de laptop e
retirou uma bola de tecido — Há mais uma coisa. Acredito que o ladrã o
deixou um cartã o de visita.
— Que tipo de cartã o de visitas?
—Parece um memento mori renascentista. E uma pequena escultura
de uma caveira de um lado e um rosto do outro. Pode ser verdadeiro, eu
nã o sei.
— Você pode enviar uma foto?
— E claro — Gabriel rapidamente tirou uma foto com o telefone e
mandou uma mensagem para Nicholas — Encontrei no meu quarto,
depois do arrombamento.
Nicholas cantarolou enquanto examinava a foto. — Por que você nã o
entregou à polı́cia?
— Porque eu nã o queria que ele fosse etiquetado, ensacado e
colocado em uma sala de provas. E mais ú til se puder ser autenticado e
rastreado.
— Posso recomendar algué m do museu da minha famı́lia em Colô nia.
Mas é melhor você se aproximar do Dottor Vitali na Uf izi. Ele pode ser
capaz de rastrear a procedê ncia para você .
— Itá lia, mais uma vez —, Gabriel murmurou.
— Devo dizer que o cartã o telefô nico muda minha avaliaçã o.
— De que maneira
—Faz a invasã o parecer pessoal. Se o memento mori foi deixado
intencionalmente, poderia ser um aviso. Uma ameaça de morte. Existe
algué m, alé m do ex—namorado, que gostaria de prejudica-lo?
— Nã o — Gabriel respondeu rapidamente — Ningué m.
— Você nã o ofendeu algué m com conexõ es poderosas? Algué m no
mundo da arte?
— Nã o. Eu sou professor. Eu vivo a vida de um acadê mico. As ú nicas
pessoas que ofendo sã o as que ignoram Dante.
— Mas isso deve ser um grupo pequeno e, como você sabe, os
acadê micos raramente contratam pro issionais para invadir casas e
examinar obras de arte. Meu conselho é atualizar seu sistema de
segurança. Telefonarei para a equipe que trabalhou na casa dos meus
pais e pedirei que os visitem nos Estados Unidos, como um favor
pessoal.
Quaisquer que fossem suas suspeitas sobre as conexõ es de Nicholas
Cassirer, Gabriel nã o recusaria uma oferta tã o generosa.
— Obrigado — Gabriel aceitou rapidamente — O Natal está pró ximo.
Quando você acha que eles estarã o disponı́veis?
— Vou coloca-los em um aviã o hoje à noite.
— Eu aprecio isso — Gabriel encontrou sua voz estranhamente
rouca —Se houver algo que eu possa fazer, basta perguntar.
— Sinto muito que isso tenha acontecido. Vou ligar para o meu
contato na empresa de segurança agora. Ele entrará em contato.
— Obrigado.
— E Gabriel? Eu recomendaria enviar seu memento mori para os
Uf izi o mais rá pido possı́vel. Pode ser a pista que você está
procurando.
—Eu vou. Obrigado — Gabriel desconectou e saiu do banheiro.
Ele se sentou em uma poltrona e bateu o celular no queixo,
pensando.
Nicholas lhe dera muito sobre o que pensar, principalmente a
possibilidade de haver uma conexã o entre o assalto e a exposiçã o no
Uf izi.
Mais uma vez, Gabriel icou intrigado que invasor nã o tenha levado
nada. Quase todas as obras de arte estavam no té rreo, o que signi icava
que o ladrã o poderia ter arrombado, retirado vá rias peças e saı́do sem
ter alertado ningué m de sua presença.
O ladrã o devia estar procurando por alguma coisa — algo especı́ ico
ou fazendo um inventá rio da casa. Se fosse algo especı́ ico, ele
provavelmente nã o o encontrara, caso contrá rio ele teria pegado. Se ele
estava fazendo um inventá rio, pretendia voltar.
Se o invasor quisesse entrar na casa simplesmente para aterrorizá —
los, ele teria feito isso. Como foi, ele usou pouca violê ncia, nenhuma
arma alé m dos punhos, e deixara Julianne e Clare intocadas. No entanto,
o memento mori pode ser interpretado como uma ameaça.
E foi uma ameaça dirigida a ele, já que a peça foi deixada ao seu lado
da cama.
Gabriel se perguntou se as regras de envolvimento do intruso eram
auto impostas ou impostas por algué m que o havia enviado.
O professor nã o tinha respostas para essas perguntas, mas seu
intelecto talentoso continuou a examinar tudo repetidas vezes, até que
inalmente caiu na cama apó s o nascer do sol, exausto.
Capítulo Quarenta e Oito

22 de Dezembro de 2012
Zermatt, Switzerland

Simon Talbot saiu do seu chalé no resort CERVO vestindo as luvas. Ele
estava indo encontrar amigos e familiares para tomar uma bebida no
lounge depois do esqui.
Ele nã o deu mais do que dois passos do lado de fora da porta quando
algo o atingiu com força. Ele foi voando para trá s na neve.
—Meu Deus! — Algué m disse em alemã o. — Eu sinto muito. Deixe-
me ajudá -lo.— Um homem grande, vestido com roupas de esqui,
estendeu a mã o. Ele levantou Simon atordoado, pedindo desculpas.
—Eu estou bem—, disse Simon em inglê s, tentando tirar a mã o do
punho forte do homem.
Em vez de soltá -lo, o homem o puxou para mais perto. —Esqueça o
nome de Julianne Emerson, ou da pró xima vez que eu te ver, você nã o
será capaz de se levantar.
Simon icou boquiaberto. Ele ainda estava em choque depois de ser
derrubado. Mas ouvir o homem mudar para o inglê s e mencionar o
nome dela...
Depois de alguns segundos de silê ncio atordoado, o rosto de Simon
endureceu — Diga ao marido imbecil dela que eu nã o iz nada. Ela nã o é
nada para mim.
O homem puxou Simon para mais perto, colocando-os nariz a nariz.
—Eu nã o trabalho para ele. E meu empregador nã o aceita falhas. Você
foi avisado.
Sem problemas, o homem en iou o punho no abdô men de Simon,
dobrando—o.
Sem olhar para trá s, o homem passou pelo chalé e desapareceu na
esquina.
Capítulo Quarenta e Nove

Hotel Lenox
Boston, Massachusetts

— A empresa de segurança? — Julia perguntou, sentada perto da
lareira na suı́te do hotel. Ela tinha o há bito de se enroscar em cadeiras
grandes e confortá veis, como um gato. Mas ela descobriu que sua perna
direita a incomodava em tal posiçã o e, portanto, seus pé s estavam
apoiados em um otomano.
O tornozelo dela ainda a incomodava de vez em quando, e ela ainda
usava uma cinta quando caminhava. Com o terror e a preocupaçã o que
acompanharam o arrombamento, ela mal notou o tornozelo e a
dormê ncia intermitente na perna. Ela ainda estava em choque, pensou,
e se recusara a sair do hotel. Gabriel havia contratado um desenhista
que trabalhava com a polı́cia local para se encontrar com eles na suı́te e
desenhar uma imagem do intruso que Gabriel havia enviado a Nicholas
e a Interpol.
Gabriel mal conseguia convencer Julia a descer até o restaurante
para jantar.
Apó s o jantar, os funcioná rios do hotel haviam acendido uma lareira
na suı́te.
Julia achou reconfortante o cheiro e o calor das chamas. Ela até
perturbou o concierge para enviá -la biscoitos, marshmallows e barras
de chocolate, e també m mais s’mores, para a diversã o de Gabriel.
Ele estava se entregando a todos os caprichos, no entanto, e o fazia
desde que deixaram sua casa. Ele nã o tinha ideia de como ela iria reagir
ao que ele estava prestes a lhe dizer. Entã o, ele esperou até que Julia
izesse e comesse mais s’mores do que era saudá vel, e també m se
alimentou, em um esforço para criar um ambiente o mais relaxado
possı́vel.
Ele tinha uma pequena garrafa de uı́sque no minibar pronto.
Agora ele estava deitado no chã o ao lado de Clare, que estava fora do
alcance do calor do fogo. Ela estava descansando de costas em um
tapete especial para bebê s, decorado com uma cena na selva. Um arco
coberto de tecido curvava—se sobre ela, onde havia luzes suspensas,
um espelho e alguns brinquedos.
Mas Clare só tinha olhos para o pai e a cabecinha estava virada para
ele.
—Olá , Clare — Gabriel falou em seu equivalente a conversa de bebê .
(O que quer dizer que ele falou normalmente.)
Clare mexeu os braços e as pernas e sorriu de volta.
—Essa é a minha garota— Gabriel sorriu ainda mais amplamente,
conversando com o bebê . Clare moveu os punhos gordinhos e
borbulhou.
Julia teve uma grande alegria na emoçã o de Gabriel. —Ela é muito
especı́ ica sobre com quem compartilha seus sorrisos.
Claro que ela é . Os melhores sorrisos dela sã o salvos para o papai —
Ele pegou a mã o de Clare e ela agarrou um dos dedos dele, apertando
— Rachel ligou mais cedo. Ela disse que você nã o está atendendo ao seu
celular.
Julia ajeitou o roupã o. —Eu desliguei. Eu nã o queria falar com
ningué m.
— Expliquei a ela o que aconteceu e liguei para Richard, que estava
compreensivelmente preocupado. Rachel ligou para avisar que
encontraram um apartamento em Charlestown.
—Charlestown? — Julia repetiu, surpresa.
—Eles estã o em um pré dio de apartamentos novinho em folha em
uma rua em ascensã o. E apenas temporá rio, enquanto eles procuram
um condomı́nio.
—Eu ligo para Rachel amanhã . Você ia me contar sobre sua reuniã o
com a empresa de segurança.
— Nicholas Cassirer providenciou para o homem que projetou o
sistema de segurança de sua famı́lia na Suı́ça dar uma olhada em nossa
casa. Eu o encontrei e seu associado esta tarde.
—E? — Julia incitou. Gabriel estava ensaiando as informaçõ es que
ela já sabia, o que signi icava que ele estava parado.
—Sinto muito pelo que aconteceu ontem à noite—, ele observou
tristemente. —Eu já peguei a pintura de Holiday para ser reformulada.
Eu me preocupo que emprestar nossas ilustraçõ es aos Uf izi tenha
atraı́do muito mais atençã o para nó s do que eu imaginava.
Julia mudou de posiçã o pró xima ao fogo. Foi ela quem quis
compartilhar as ilustraçõ es com o mundo. Mas ela nã o esperava que
algué m invadisse sua casa por causa disso.
— A famı́lia de Nicholas foi assaltada há vá rios anos. Os intrusos
pegaram algumas peças de valor inestimá vel, incluindo um Renoir.
Julia fez uma careta. —Passou no noticiá rio. Algué m foi morto.
—Sim — Gabriel cobriu os olhos por um momento — O consultor de
segurança foi muito minucioso. Ele olhou para o nosso sistema
existente, caminhou pela propriedade e examinou o perı́metro. Ele
passou por toda a casa.
—E o que ele disse?
—Ele se perguntou por que o invasor nã o levou nada, já que toda a
arte valiosa está no té rreo.
—Talvez ele fosse pegar alguma coisa, mas queria checar as escadas
primeiro — Julia estremeceu. O olhar dela se voltou para Clare.
— E possı́vel. Se você fosse ele, o que levaria?
—Eu nã o sei— Julia fez uma pausa, passando pela casa em sua
mente. — Tem a está tua de Vê nus. E valiosa, mas é pequena. Existe a
cerâ mica grega e romana.
— Provavelmente eu pegaria o esboço de Tom Thomson para 'The
Jack Pine'. A versã o inal está na Galeria Nacional do Canadá . Nossa casa
é mais fá cil de invadir do que isso.
— O intruso moveu o barco de Dante, de Cé zanne. Eu o encontrei
encostado na parede. Ele deve ter retirado para examinar as costas e a
moldura.
— Essa é provavelmente a peça mais valiosa. Por que ele nã o
roubou?
— Eu nã o sei.
—O original de Delacroix é oito vezes maior e está no Louvre. Mais
uma vez, nossa casa é mais fá cil de invadir.
—E a versã o de Cé zanne pode estar escondida debaixo de um casaco.
—Talvez ele tenha deixado na parede e pretendesse voltar por ela.
Mas nó s o surpreendemos.
—Talvez — Gabriel nã o parecia convencido — Enviei um inventá rio
para Nicholas. Ele ainda nã o me respondeu, mas espero que ele sinalize
essa peça como a mais desejá vel.
—Certo. Entã o, o que o especialista em segurança disse? Julia passou
os braços em volta da cintura, preparando—se para a resposta.
—Ele foi muito minucioso—, disse Gabriel lentamente — Mas ele
ressaltou que estamos expostos em Foster Place. Temos uma cerca na
parte de trá s, mas nã o na frente. Nossa porta lateral ica a alguns passos
da rua, para que qualquer pessoa possa subir. Ele pode atualizar nosso
sistema de segurança para algo de ponta, mas somos vulnerá veis nesse
local.
A cor do rosto de Julia iluminou vá rios tons. —O que ele sugeriu?
—Ele sugeriu que nos mudá ssemos.
Julia levou um momento para processar a sugestã o. — Mudar?
Vender a casa e mudar? Você está brincando?
—Nã o, ele sugeriu que nos mudá ssemos para uma casa com muros
adequados em um condomı́nio fechado.
—Onde?
— Newton. Chestnut Hill — Gabriel observou o rosto de Julia.
—Essas propriedades custam milhõ es de dó lares—, ela sussurrou.
Gabriel encolheu os ombros. —Viver em um complexo seria como
viver em uma gaiola. Quero morar em um bairro onde conhecemos
nossos vizinhos e posso levar Clare para passear na rua.
Gabriel se moveu para poder rolar de lado e ainda icar de olho em
Clare —Você nã o fará caminhadas por um tempo. Nã o é seguro.
—Isso supõ e que algué m está tentando machucar a mim e Clare. O
ladrã o estava interessado apenas em obras de arte.
Gabriel apertou os lá bios.
O olhar de Julia focou o dele. — O tio Jack disse que Simon estava
morando na Suı́ça e seu velho amigo da fraternidade desistiu de nos
perseguir. O que você nã o está me dizendo?
—Há uma coisa—, Gabriel disse. Ele pegou o celular da mesa de café
e percorreu as fotos até a ú ltima. —Aqui.
Julia pegou o telefone e olhou para a tela. —O que estou olhando?
—Eu acho que é um objeto memento mori. Eu mandei com o porteiro
da noite para o Dottor Vitali no Uf izi.
Julia examinou a imagem mais de perto. —Por quê ?
—Encontrei em casa, no chã o do nosso quarto.
Julia devolveu o telefone a Gabriel. — O ladrã o deve ter deixado cair.
Talvez tenha sido uma peça que ele roubou de outra pessoa.
—Talvez. Quando tiver notı́cias de Vitali , pedirei a Nicholas para me
colocar em contato com o ‘amigo’ dele na Interpol. Enviei a eles a
imagem do desenhista també m.
—Você reteve evidê ncias.
Gabriel fez uma careta. —Nã o estou retendo nada. Eu simplesmente
queria descobrir se poderı́amos rastrear a peça até um proprietá rio.
—Ou um roubo.
Gabriel colocou o celular de volta na mesa de café . —E por isso que
quero saber mais sobre a peça em si e sua histó ria.
—Simon ainda está na Suı́ça e está sendo vigiado. O amigo de Jack
está de olho em nó s, mas nã o está vigiando a casa vinte e quatro horas
por dia. No entanto, Jack me disse que o homem tomou essa situaçã o
como pessoal e agora está conduzindo sua pró pria investigaçã o.
—Estou inclinado a concordar com Nicholas que o ladrã o era um
pro issional e pode ser da Europa. Ele me amaldiçoou em italiano.
—Todo o North End de Boston pode te amaldiçoar em italiano.
Gabriel ergueu as sobrancelhas.
—Bem, talvez nã o todo o North End—, ela compadeceu —Mas
muitos de seus habitantes.
Gabriel voltou a sentar ao lado de Clare e pegou o coelho de
brinquedo que havia comprado na Barneys. Clare sorriu e balançou os
braços e as pernas.
—O que aconteceu com o coelho de Paul? — Julia perguntou.
Gabriel torceu o nariz. —Está por aı́.
—Você nã o jogou fora, jogou?
—Nã o — Gabriel suspirou—Ela gosta dele.
—Você quer se mudar?
Gabriel virou a cabeça para olhar para Julia. —Nã o. Gostei da casa
quando a compramos e adoro agora que a decoramos e a
transformamos em nossa casa.
— Minha prioridade é manter você e Clare seguras. Se houver uma
chance de outro assalto, pre iro que você s estejam em outro lugar. Isso
signi ica que precisamos nos mudar, pelo menos no curto prazo.
Julia desviou o olhar.
Gabriel tocou um nervo com seus ú ltimos comentá rios. Ela tinha
medo de voltar para casa, embora nã o quisesse dizer isso em voz alta.
Ela se perguntou se seria capaz de adormecer em seu pró prio quarto
novamente. Certamente, ela nã o podia imaginar colocar Clare no
berçá rio. Clare teria que dormir no quarto com eles.
—Temos que decidir hoje à noite? — Julia olhou para as chamas.
Gabriel deu a Clare o coelho. —Nã o. Nã o precisamos decidir nada
hoje à noite.
—E o especialista em segurança?
—Ele está a nosso serviço. Acho que seria sensato fazer com que ele
atualizasse o sistema de segurança, independentemente de mudarmos
ou nã o.
Julia encontrou o olhar de Gabriel. — Nó s deverı́amos partir para
Selinsgrove amanhã . Deverı́amos pegar Katherine no aeroporto.
— Rachel e Aaron vã o pegar Katherine. Prometo que estaremos em
Selinsgrove na vé spera de Natal.
— E o primeiro Natal de Clare.
— Será perfeito, eu prometo.
Julia olhou de volta para o fogo.
—Se a casa estiver vazia por algumas semanas, talvez o intruso faça a
sua jogada—, apontou Gabriel.
— Com um novo sistema de segurança? Se ele é um pro issional, ele
notará a atualizaçã o.
— Espero que isso o detenha. O tom de Gabriel icou duro —E se nã o,
ele será pego. Se fosse só eu, eu iria atrá s do ladrã o. Mas nã o estou
deixando você e nã o estou colocando você ou o bebê em risco.
—Você iria atrá s dele?
— Sim.
Julia começou a massagear as tê mporas com os dedos. —Nã o posso
lidar com isso agora.
Gabriel se levantou e cuidadosamente a abraçou, entã o ele estava
sentado na cadeira e ela estava aninhada no colo dele.
Ela enterrou o rosto no pescoço dele.—Nã o sei se vou conseguir
dormir esta noite.
Gabriel a abraçou com força. —Me desculpe, eu falhei com você .
—Você nã o me falhou. Você fez o que pô de e lutou contra o intruso e
de pijama, nada menos.
A expressã o de Gabriel permaneceu grave. —Vou dizer ao
especialista em segurança para começar a atualizar o sistema amanhã .
Entã o podemos nos concentrar no Natal. Eu nã o terminei minhas
compras.
—Eu pensei que você tinha terminado semanas atrá s.
—Talvez. Ele acariciou os arcos das sobrancelhas dela e gentilmente
acariciou suas bochechas.
Clare começou a chorar e Julia a pegou rapidamente.
—Sssshhhh—, Julia silenciou. —Tudo icará bem.
Gabriel observou sua esposa e ilha e rezou para que ela estivesse
certa.

Capítulo Cinquenta

Véspera de Natal
Selinsgrove, Pennsylvania

Gabriel estava sentado em uma poltrona no quarto principal,
segurando seu laptop. A tela do computador brilhava em azul na sala
escura. No canto oposto, uma luz noturna caprichosa projetava estrelas
cor de rosa no teto, acima do cercadinho de Clare.
As duas pessoas que ele mais amava no mundo estavam dormindo. A
exaustã o afetou Julianne e agora ela també m dormia profundamente.
Apenas Gabriel teve di iculdade para dormir.
Kurt, o contato de Nicholas, havia emitido um aviso a Simon.
Alegadamente, o aviso foi claro, conciso e persuasivo. Kurt duvidava
que Simon se aproximasse dos Emerson novamente, direta ou
indiretamente, mas continuou sua vigilâ ncia, apenas por precauçã o.
Nicholas examinou o inventá rio que Gabriel lhe enviou e concordou
que Cé zanne e Thomson eram os dois trabalhos com maior
probabilidade de atrair o interesse de colecionadores. Nicholas parecia
pensar que assaltos à arte, mesmo em casas particulares, eram mais
comuns do que se pensava.
Ele discutiu o memento mori com seu contato na Interpol e
compartilhou a fotogra ia do objeto e a imagem do autor do esboço.
Infelizmente, o objeto nã o apareceu no banco de dados de arte roubada
da Interpol.
Usando o software de reconhecimento facial, o esboço foi comparado
com imagens no banco de dados criminal da Interpol. Nã o houve
correspondê ncia.
Assim, Gabriel estava lidando com um ladrã o de arte pro issional que
ainda nã o havia capturado a atençã o da Interpol e que havia deixado
para trá s o que poderia ser um objeto esculpido com qualidade de
museu que nã o havia sido roubado. Foi tudo muito intrigante, até para
o professor Emerson. E quanto mais ele intrigava a invasã o de sua casa,
mais se distraı́a.
Ele nã o esperava trabalhar em suas palestras sá bias durante as fé rias
de Natal, mas estava lendo diariamente Dante e seus comentaristas.
Desde o arrombamento, Gabriel achou difı́cil se concentrar. Ele nã o
esperava trabalhar em suas palestras sá bias durante as fé rias de Natal,
mas estava lendo diariamente Dante e seus comentaristas. Desde o
arrombamento, Gabriel achou difı́cil se concentrar.
As palavras na tela do computador o provocaram.

“Nel ciel che più de la sua luce prende


fu’ io, e vidi cose che ridire
é sa né può chi di là sù discende;
perché appressando sé al suo disire,
nostro intelletto si profonda tanto,
che dietro la memoria non può ire.”

“No cé u onde sua luz mais aparece,


Portentos vi que referir, tornando,
Nã o sabe ou pode quem à terra desce;
Pois, ao excelso desejo se acercando,
A mente humana se aprofunda tanto
Que a memó ria se esvai, lembrar tentando.”

Assim, Dante escreveu no primeiro canto de Paradiso, imaginando


Beatriz ao seu lado. Entã o, Gabriel, ao tentar escrever uma palestra
adequada para uma audiê ncia mundial, estava se esforçando.

Quando Dante foi repreendido por Beatriz perto do inal de


Purgatorio, a narrativa mudou. A teologia estruturou toda a Divina
Comé dia, mas tornou—se, talvez, muito mais con lituosa ao apresentar
o propó sito da humanidade e a natureza de Deus e seu governo.

Em Purgató rio, Beatriz disse a Dante que seu desejo por ela deveria
direcioná -lo ao bem maior, que era Deus. Entã o, o que em certo ponto
foi uma histó ria de amor româ ntico e cortê s se tornou uma histó ria do
amor que algué m deveria ter por Deus. E como a relaçã o entre Dante e
Deus foi transformada, a relaçã o entre Dante e Beatriz foi transformada,
ou assim Gabriel pensou.
Gabriel sabia que sua interpretaçã o poderia ser textual e
historicamente suportada. Mas ele se perguntou como o pú blico da
Escó cia reagiria. Apesar de sua nomeaçã o cruzada no Departamento de
Religiã o da Universidade de Boston, Gabriel nã o era um teó logo. E, ao
contrá rio de Dante, ele hesitava em se aventurar em tais assuntos.
Mas aqui estava ele, acordado na vé spera de Natal, re letindo sobre
os caprichos do amor, devoçã o e salvaçã o, enquanto os que ele mais
amava dormiam profundamente.
Quaisquer que sejam as promessas que Dante fez a Beatriz, ele icou
aqué m desses compromissos apó s a morte dela. Gabriel també m fez
promessas; primeiro, para sua esposa, e segundo, para sua ilha.
Como ele poderia deixá -las em Massachusetts enquanto se mudava
para a Escó cia? Algué m invadiu sua casa, tocou suas coisas e
potencialmente deixou para trá s uma ameaça. Ele nã o podia deixar
mais sua esposa e ilha desprotegidas do que poderia arrancar de bom
grado seu coraçã o.
Num piscar de olhos, seus dedos voaram pelo teclado,

Caros membros do Conselho Universitá rio da Universidade de


Edimburgo,

Embora seja grato pelo seu convite generoso para que eu faça as
Intensivas em 2014, lamento ter que recusar. Se houvesse a
possibilidade de reagendar as palestras para uma data posterior, icaria
muito grato.
Peço desculpas por recusar nesta conjuntura e nessas circunstâ ncias.
No entanto, considero minha casa e minha famı́lia ameaçadas e,
portanto, nã o posso, em sã consciê ncia, me mudar para a Escó cia para o
ano acadê mico de 2013—2014.
Com muito arrependimento,
Professor Gabriel O. Emerson, PhD
Departamento de Estudos Româ nticos
Departamento de Religiã o
Universidade de Boston

Gabriel recostou-se na cadeira, releu o e-mail. Entã o ele fechou o


computador.
Capítulo Cinquenta e Um

Manhã de Natal
Selinsgrove, Pennsylvania

Gabriel estava ocupado.
Na verdade, à moda de Papai Noel, ele en iou as meias penduradas
com cuidado na lareira e colocou presentes embrulhados
cuidadosamente embaixo da á rvore de Natal.
(Nã o, ele mesmo nã o embrulhou os presentes. Ele fez o que todo
marido que se preze faz no Natal; ele fez os associados das vá rias lojas
embrulhar presentes para ele.)
Agora ele estava acendendo um fogo na lareira.
— Eu pensei que o Papai Noel usasse vermelho. — Gabriel
amaldiçoou, sua mã o segurando seu coraçã o.
Uma risada de coraçã o quente emanou da poltrona perto da janela.
Uma mã o enrugada estendeu a mã o e acendeu uma lâ mpada pró xima.
— Feliz Natal.
— Feliz Natal, Katherine. — Gabriel respirou fundo quando seu
coraçã o começou a bater normalmente. Ela deu a ele um susto e, desde
o arrombamento, ele se viu mais fá cil de assustar do que o habitual.
Ele olhou para o pijama que Julianne havia lhe dado na noite anterior
— lanela de tartan verde com imagens de alce impostas a eles.
— O Papai Noel é um ambientalista este ano e presta homenagem à
populaçã o de alces.
— Eu nã o quis assustar você . Ainda estou no horá rio de Oxford e
estou acordado há horas. Tomei a liberdade de fazer omelete assado
para todos. Espero que você nã o se importe.
— De modo nenhum.
— Deixei de fora os tomates porque algumas pessoas nã o gostam
deles. — Ela encheu novamente a xı́cara de chá de porcelana do bule ao
lado. — Estou agradecida por você ter permitido que eu convidasse a
mim mesma para o Natal. Eu cansei da minha famı́lia e das travessuras
deles. Você sabia que meu primo me ligou em novembro para dizer que
eles teriam um jantar de Natal vegano? Tenho tendê ncia para o
vegetarianismo, mas mesmo para mim, isso era uma ponte longe
demais. Eu sabia que você teria o bom senso de servir algo diferente de
Tofurkey.
— Ah sim. Julianne e Rachel estã o cozinhando um peru genuı́no.
— Excelente. — Katherine apertou os lá bios. — Eu tive uma conversa
interessante com sua irmã a caminho do aeroporto.
— Ah? — Gabriel sentou—se perto do fogo e se inclinou para frente,
descansando os antebraços sobre os joelhos.
— Sim. Ah. O que é isso sobre a sua casa ter sido assaltada? — Os
olhos azuis cinzentos de Katherine perfuraram os de Gabriel.
— Um intruso desativou o alarme de nossa casa e arrombou. Ele nã o
levou nada, mas nó s o surpreendemos e o expulsamos de casa.
— E uma maravilha que você nã o tenha se machucado! Obrigado
Senhor. E Julia e Clare estã o bem?
—Sim. Estamos atualizando o sistema de segurança e decidimos nã o
voltar para casa por um tempo, caso o ladrã o volte.
— Isso é terrı́vel. — Katherine estalou a lı́ngua.
— Sim. — Gabriel esfregou a parte de trá s do pescoço.
— Sua irmã també m me disse que Julia nã o vai para a Escó cia com
você .
Gabriel evitou os olhos perscrutadores de Katherine. — Julianne se
encontrou com Cecilia depois que voltamos de Edimburgo e perguntou
se ela aprovaria um semestre no exterior. Cecilia recusou.
— Qual foi o motivo dela? —Katherine franziu a testa.
— Ela disse que Harvard era melhor que Edimburgo. Ela disse que
pareceria fraca se enviasse Julianne para o exterior e que a
administraçã o já estava reclamando dela, perguntando por que ela nã o
foi convidada para fazer as palestras.
— Ah. — Katherine colocou sua xı́cara e pires de porcelana no colo.
— Tenho certeza de que meu recrutamento para Harvard també m se
orgulha. Mas o que Cecilia nã o sabe é que Greg Matthews está tentando
me recrutar há anos. Acho até que o surpreendi quando disse que sim.
Você já falou com Cecilia?
— Nã o. Julianne nã o queria que eu interferisse. — Gabriel puxou
seus cabelos exasperado. — Ela espera que Cecilia mude de ideia. Ela
quer abordar o assunto durante a o icina em abril.
— Graham Todd é um estudioso de primeira classe, entã o Cecilia nã o
pode se opor a ele por motivos acadê micos. Embora ela possa
argumentar que os cursos de Edimburgo nã o se encaixam no programa
de Julia.
— Ela nã o pode argumentar isso no momento porque o cronograma
de outono de Edimburgo ainda nã o saiu. Graham iria enviá -lo para
Julianne.
— De fato. — Katherine terminou o chá , olhando para o espaço.
— O que você recomendaria?
Katherine sufocou um sorriso. — Sua irmã parece pensar que sou a
Mulher Maravilha. Acho a comparaçã o bastante divertida.
— Por mais tentador que seja para mim interferir, isso nã o seria
prudente. Imagino que Cecilia agora pense em você , eu e Julia como
uma espé cie de confederaçã o. Ela nã o vai gostar muito de eu en iar o
nariz nas coisas.
— Certo. — O corpo de Gabriel esvaziou. — Eu pensei o mesmo.
— Greg deixou perfeitamente claro que eu estava sendo contratada
para supervisionar estudantes de graduaçã o, o que signi ica que, se
Cecilia deixar Julianne, terei prazer em aceitá -la. Mas nã o posso fazer
isso até o meu compromisso começar.
— Obrigado. — Gabriel passou os dedos pelos cabelos,
distraidamente. — Eu sei que Julianne vai gostar.
— Essa deve ser a decisã o dela. Ela deve decidir quem será seu
supervisor e se deve fazer um semestre no exterior. Cecilia nã o pode
forçá -la.
Katherine fez uma pausa, inclinando-se para a frente na cadeira. —
Don Wodehouse está impressionado com a mente de Julia. Se ela
quisesse se transferir para Oxford, Don a levaria.
— Oh. — Gabriel puxou seus cabelos. Uma mudança para Oxford
poderia ser boa para Julianne, mas nã o seria bom para o casamento
deles. Ele nã o queria ir para o outro lado do oceano. Ele nã o queria
viver separado de Clare.
— Mas nã o há motivo para Julia deixar Harvard. Nã o enquanto eu
estiver viva e saudá vel.
Era quase imperceptı́vel, mas Gabriel se encolheu. Katherine acenou
com a mã o na direçã o dele. — Vá em frente. Desabafe.
— E claro que Julianne estaria ansiosa para trabalhar com você . Mas
ela está preocupada com a ó ptica se Cecilia a deixar e... — Gabriel
parou, parecendo muito desconfortá vel.
— E ela está apavorada que eu morra no meio de sua dissertaçã o.
— Katherine, perdê -la seria uma grande perda pessoal. — Gabriel
rangeu os dentes. — Dane-se a dissertaçã o.
— Nã o tenho intençã o de morrer.
— Bom, porque eu proı́bo você de morrer.
Os olhos de Katherine se arregalaram. — Gostaria que fosse assim
tã o fá cil: Gabriel Emerson proı́be a morte e, portanto, é imortal. Eu nã o
acho que o universo funcione dessa maneira, embora eu aprecie o
gesto. Eu tive câ ncer de tireoide. Fui diagnosticada e tratada em
Toronto e nã o contei a ningué m, exceto Jeremy Martin. Nã o achei que
fosse da conta de ningué m. — O tom de Katherine era prosaico. — Isso
foi há vá rios anos atrá s. Estou com uma saú de excelente e estou ansiosa
para me mudar para Harvard. Nã o vou durar para sempre, mas devo
viver o su iciente para supervisionar a dissertaçã o de Julia.
— Eu nã o sabia que você teve câ ncer, Katherine. Eu sinto muito.
— Estou bem. Eu estou apenas mais corpulenta do que costumava
ser. Obviamente, meu peso nã o é uma barreira para ser a Mulher
Maravilha, entã o nã o consigo me importar.
Gabriel abaixou a cabeça e riu.
— Sim, é possı́vel que Cecilia faça barulho sobre Julia e suas
habilidades e será estranho se Cecilia se recusar a ser uma leitora da
dissertaçã o. Mas Julia já está fazendo seu nome com base no trabalho
duro. Portanto, um semestre no exterior será uma boa oportunidade
para ela, mesmo que Cecilia decida ser petulante. Farei o possı́vel para
neutralizar as fofocas e, se Julia continuar impressionando Don
Wodehouse, ele també m o fará . — Katherine se endireitou na cadeira.
— E nã o devemos fazer graça disso.
— Agora, já que falamos de polı́ticas acadê micas, câ ncer e morte, vou
invocar o privilé gio de uma mulher idosa e vou lhe contar uma coisa. —
Katherine colocou a xı́cara de chá de lado, sua expressã o icando sé ria.
— Gabriel, você deve ter cuidado para nã o sabotar sua carreira.
Ele começou a protestar, mas Katherine interrompeu levantando um
ú nico dedo.
— Olhe para a sua vida com um olhar objetivo e verá que estou certa.
Você se meteu em uma situaçã o difı́cil em Toronto, que terminou bem,
mas poderia ter atrapalhado sua carreira. Agora você se encontra em
um con lito potencial com Cecilia, e eu sei que você deve estar
pensando em como pode se livrar das Palestras para manter sua famı́lia
unida
Gabriel fechou a boca com irmeza.
Katherine sacudiu o dedo para ele. — Eu sabia! Cecilia está
ameaçando Julianne. Você teve sua casa invadida e está preocupado que
isso aconteça novamente. Agora, você está arrependido de ter aceito as
Palestras e pensando em cair na pró pria espada para proteger todos.
— Você fez uma promessa e precisa cumpri—la, nã o importa o que
aconteça com Julia e Harvard. Sair das Palestras, exceto no caso de
morte, prejudicará sua carreira. Por mais que você e Julia sejam
igualmente eruditos e igualmente importantes, a verdade é que ela é
uma estudante. Ela pode encontrar um novo supervisor, pode se
transferir para um programa de pó s-graduaçã o diferente, mas você nã o
pode recuperar o respeito da comunidade acadê mica se insultar a
Universidade de Edimburgo. Portanto, antes de fazer algo que nã o pode
ser desfeito, quero que você ouça o que estou dizendo. Julia tem suas
atividades e precisa tomar sua pró pria decisã o sobre quem será seu
supervisor. Nã o posso falar sobre a segurança da sua casa, mas
conhecendo você , você instalará um sistema de segurança que
rivalizará com o do Palá cio de Buckingham e ningué m ousará
incomodá -lo novamente. Mas você vai para a Escó cia no pró ximo ano, e
é isso. — Katherine esfregou as mã os, como se as estivesse livrando da
poeira.
Gabriel icou calado.
— E muito cedo para ser tã o melancó lico. — Katherine foi até ele. —
Eu excedi, tenho certeza. Mas eu me importo com você . De muitas
maneiras, você e Julianne sã o meus ilhos — meus acadê micos.
Qualquer legado que eu possua, acadê mico ou inanceiro, será passado
para você e para minha a ilhada.
Gabriel engoliu em seco contra o nó que se formou em sua garganta.
— Eu nã o sei o que dizer.
— Você nã o precisa dizer nada. Você me proibiu de morrer, e eu te
proibi de recusar as Palestras. Desde que cada um de nó s mantenha
nosso acordo, tudo icará bem.
Ela deu um tapinha no ombro dele. — Cecilia provavelmente
superará tudo isso até abril. E se nã o, Julia pode estudar comigo e eu a
enviarei com prazer para a Escó cia. Quando tiver a chance de falar com
ela em particular, eu direi a ela. E vou enfatizar minha boa saú de.
— Obrigado. — O tom de Gabriel foi cuidadosamente educado.
Katherine apertou o ombro dele. — Agora, a Mulher Maravilha fará o
café da manhã , vestindo como sua irmã diz, um terninho apropriado
para a idade.
Ela riu para si mesma e continuou até a cozinha, deixando Gabriel
re letir sobre suas palavras.
Capítulo Cinquenta e Dois

— Ho, ho, ho. Feliz Natal. — O pró prio velho Sã o Nicolau
(anteriormente conhecido como Richard) entrou na sala de estar.
Ele usava barba branca e peruca branca por baixo de um gorro
vermelho. Sua roupa de Papai Noel era de veludo vermelho e adornada
de branco. Ele carregava um conjunto de sinos de trenó , que tocou com
entusiasmo.
Ele cumprimentou Aaron e Rachel, que estavam tirando fotos, e
Katherine e Gabriel. Scott e Tammy estavam passando o Natal com os
pais de Tammy na Filadé l ia e viajariam para Selinsgrove alguns dias
depois.
Quando o Papai Noel se aproximou de Julia e Clare, o bebê começou a
chorar.
Richard recuou, atordoado.
— Oh, querida — disse Julia, segurando sua ilha chorando. — Eu
nã o esperava isso.
— Eu sim— disse Rachel —Clare nã o tem ideia de quem ele é . Ele
poderia ser um assassino de machado.
— Sé rio? — Gabriel deu à irmã um olhar de censura. — Um
assassino de machado?
Richard moveu os sinos do trenó um tanto anemicamente. — Feliz
Natal.
Clare continuou a chorar e virou o rosto para o peito da mã e.
Richard baixou os braços. — Eu sinto muito.
Eu nã o sinto. — Katherine deu um passo à frente. —Você é um ó timo
papai noel. Traje autê ntico, gargalhada. Muito bem, senhor.
— Obrigado. — Richard nã o parecia convencido.
— Rachel, toque alguma mú sica — ordenou Katherine. — Algo
animado.
— Hum...— Rachel pegou o celular e percorreu as mú sicas. Ela clicou
na tela e a mú sica começou a tocar: "Rockin 'Around the Christmas
Tree", interpretada por Brenda Lee.
A mú sica distraiu o bebê , que parou de chorar o su iciente para ver
Katherine colocar a mã o no ombro do papai noel e levá —lo para
dançar.
Depois que Richard superou seu choque inicial, ele jogou os sinos
para o lado e colocou a mã o na cintura de Katherine, e os dois idosos
começaram a dançar.
Gabriel icou parado junto à lareira, olhando.
Rachel aumentou o volume do celular e sorriu para Julia, juntando os
dedos para formar a letra M.
Mulher Maravilha, ela murmurou, antes de assobiar para os
dançarinos.
Clare esqueceu—se de chorar e observou o Papai Noel e um
proeminente especialista em Dante do All Souls College, Oxford,
balançando em torno da á rvore de Natal.
Foi, como Julia diria a Gabriel mais tarde, o melhor presente de Natal
de todos os tempos.

— Ah, aqui está você . — Katherine entrou na cozinha naquela tarde,


depois que Gabriel colocou Clare para dormir.
Rachel tinha ido com Aaron para a casa dos pais dele para almoçar e
abrir os presentes de Natal. Julia estava começando o peru.
— Posso ajudar? — Katherine espiou pela cozinha.
— Eu só ia descascar as batatas. — Julia apontou para uma tigela
grande na pia. — Elas devem ser lavadas e amassadas. Estou fazendo
purê de batatas.
Katherine puxou um banquinho para a grande ilha no centro da
cozinha e estendeu a mã o. — Me dê um descascador.
Julia concordou e as duas mulheres sentaram—se lado a lado,
descascando batatas e transferindo—as de uma tigela grande de aço
inoxidá vel para outra.
Julia concordou e as duas mulheres sentaram—se lado a lado,
descascando batatas e transferindo—as de uma tigela grande de aço
inoxidá vel para outra.
Katherine levantou o descascador de batatas no alto. — Richard é
muito legal. Ele é bonito e um verdadeiro cavalheiro, e certamente o
homem pode dançar. Mas, por mais que eu aprecie homens mais jovens,
nã o vou me envolver com ele.
A boca de Julia caiu aberta.
— Entã o, por favor, diga a Rachel. — Katherine circulou seu
descascador de batatas no ar.—Ela é uma boa menina, mas
notavelmente persistente.
Julia quase engasgou. — Uh, eu vou falar com ela.
— Agora, eu quero falar com você sobre Cecilia Marinelli.
Scheisse, Julia pensou, mas nã o disse.
Katherine continuou descascando a batata e abaixou a voz. — Diga—
me o que aconteceu.
Julia olhou para a tigela de batatas e reuniu seus pensamentos.
Quando estava pronta, contou a conversa que ocorrera no escritó rio de
Cecilia.
— Codswallop — disse Katherine. — Entã o, como foram as coisas?
— Eu nã o queria discutir com ela. Eu disse a Gabriel que gostaria de
conversar com ela novamente quando tiver a lista de cursos de
Edimburgo. Talvez Cecilia seja mais receptiva entã o.
Katherine terminou com e iciê ncia uma batata e começou a trabalhar
na pró xima. — Você tem que decidir o que vai fazer, é claro. Vou ajudá —
la como estudante de doutorado, se você desejar.
— Obrigada — disse Julia rapidamente. — Eu esperava ter você e
Cecilia no meu comitê de dissertaçã o.
— Isso pode nã o ser possı́vel, se Cecilia for teimosa. Mas, Julia,
Gabriel nã o pode recusar as Palestras. — Katherine ixou o olhar em
Julia.
— Claro que nã o. — Julia reagiu horrorizada. — Ele nã o vai.
Katherine abaixou a batata. — Você está certa disso?
— Ele nã o disse nada.
—Isso foi o que eu pensei. Nã o é da minha conta psicaná lisa-lo. Ele é
um homem crescido e um amigo. Mas há algo nele que é autodestrutivo.
E temo que agora ele esteja pensando em jogar fora o convite para
Edimburgo, só para que ele possa icar em Boston com você .
Julia parecia magoada. — Ele nã o pode fazer isso. Seria um escâ ndalo
e ele sabe disso.
— Ele teve um escâ ndalo em Toronto e, por mais que eu tenha
perdoado você s dois por me manterem no escuro, ainda estou
desanimada. — A expressã o de Katherine era irritante.
— Katherine, eu sinto muito. Nó s nunca pretendemos...— A
professora Picton a interrompeu. — Você terá que resolver essa
situaçã o com Cecilia. Caso contrá rio, seu marido se encontrará sozinho
em uma loresta escura, tendo se desviado do caminho seguro.
Julia nã o deixou de reparar na referê ncia a Dante. Ela assentiu
rapidamente.
Katherine levantou o descascador de batatas e segurou—o como um
cetro. — Cecilia é uma amiga, mas isso nã o a torna infalı́vel. Ela está
punindo você e Gabriel porque está com ciú mes, e isso é medı́ocre, para
qualquer um. Você precisa assumir o controle da situaçã o e nã o ser
manipulada como uma marionete.
— Eu vou. — O tom de Julia era resoluto.
— Boa. E, para constar, estou com uma boa saú de e nã o tenho planos
de morrer. — Katherine recomeçou a descascar batatas com novo vigor,
deixando para trá s as habilidades de descascar batatas de Julia...

— Vamos lá para cima — Gabriel sussurrou para Julia, depois do


jantar. Seus olhos azuis brilharam com uma promessa.
— E a nossa famı́lia? — Ela sussurrou de volta.
— Todo mundo está bem. — Gabriel apontou para a sala de estar.
Diane, madrasta de Julia, estava conversando com Rachel, que estava
brincando com Tommy.
Tom, o pai de Julia, estava brincando Clare sentado com ela no chã o.
Katherine, Aaron e Richard estavam bebendo xerez que Katherine
trouxera da Europa.
— Ok, mas apenas por alguns minutos. — Julia cedeu. — Caso
contrá rio, eles perceberã o.
Gabriel pegou a mã o dela e a acompanhou até o andar de cima.
Quando eles entraram no quarto principal, ele trancou a porta.
Julia icou na expectativa, esperando que ele a beijasse.
Mas ele nã o fez.
Em vez disso, ele entrou no closet, acendeu as luzes e saiu logo
depois, segurando um lamingo rosa de plá stico brega que parecia
surpreendentemente familiar.
Julia riu. — Você voltou para casa e cavou isso na neve?
— Eu o removi no dia em que me encontrei com a empresa de
segurança. E sim, eu lavei. — Ele entregou a ela, seus lá bios tremendo.
— O que eu devo fazer com isso? — Ela pegou o lamingo em dú vida.
— Abra. Gabriel apontou para um envelope pendurado
artisticamente em volta do pescoço do lamingo.
Julia colocou o enfeite de gramado no chã o e removeu o envelope. —
O que é isso?
— E o seu presente de Natal.
— Você já me deu meu presente de Natal. — Julia gesticulou para as
caixas e tecidos espalhados pela cama. Gabriel insistiu para que ela
abrisse seus presentes em particular, e ela estava feliz por ele. Ele
comprou roupas ı́ntimas de vá rios tipos, variando do elegante ao
eró tico.
Ela o presenteou com um novo conjunto de canetas Montblanc. E ela
tinha uma grande fotogra ia em preto e branco dele e uma recé m-
nascida Clare impressa e emoldurada. A foto era tã o bonita que fez o
coraçã o de Julia doer.
— Abra. — Gabriel repetiu.
Ela en iou o dedo embaixo da aba do envelope e en iou a mã o dentro.
Ela pegou uma palmeira de papel.
— Bonecos de papel? — Ela perguntou.
— Nã o. — Gabriel riu e virou a palmeira para que ela pudesse ver o
que estava impresso do outro lado.
Miami.
— Vou levar você e Clare de fé rias. Ficaremos em South Beach, com
vista para o oceano. Feliz Natal. — Ele pareceu muito satisfeito consigo
mesmo.
Julia olhou para a palmeira. — Eu nunca estive em Miami.
—Está quente, nã o há neve e a comida é excepcional. Poderemos
levar Clare para passear ao sol e en iar os dedos na areia. Umas fé rias
de verdade.
Ela o abraçou pela cintura. — Estou chocada. Eu nã o tinha ideia de
que você estava planejando uma viagem.
— Minha primeira escolha foi o Havaı́, mas achei que seria um voo
muito longo para Clare. Eu já passei pelo inverno, Julianne. Se nã o vir o
sol em breve, vou enlouquecer.
Julia resistiu à vontade de rir. — A neve está caindo faz menos de um
mê s.
— Quero colocar alguma distâ ncia entre nó s e Cambridge. Eu
reservei voos para 2 de janeiro da Filadé l ia. Faltaremos duas semanas.
— E Rebecca? E a casa?
— Convidei Rebecca para se juntar a nó s, mas ela decidiu
prolongar sua visita aos ilhos. Ela nos encontrará em Massachusetts.
—E a casa?
— Ainda estou esperando para ver se o intruso faz o seu movimento.
A empresa de segurança está monitorando tudo; eles instalaram
câ meras, detectores de movimento e um sistema de relé duplo, para
que o alarme nã o possa ser burlado. Eu també m falei com Leslie. Ela
está de olho nas coisas para nó s e continuará fazendo isso. — Julia
encontrou o olhar de Gabriel. — Quando voltarmos, voltaremos para
casa?
A expressã o de Gabriel mudou. — Vamos falar sobre isso em Miami.
O amigo de Jack ainda está trabalhando, tentando encontrar o ladrã o. E
Leslie é muito atenciosa. Ela pode ser o melhor sistema de segurança
que temos.
— Eu nã o tenho roupas de verã o comigo. E nã o tenho roupas de
verã o para Clare.
— Você pode comprar biquı́nis e shorts em Miami.
— Biquı́nis? Gabriel, eu tive um bebê . Uma cesariana.
— Quatro meses atrá s. — Seu olhar caiu para o peito e para baixo. —
Você parece bem.
— Você é um homem. — Ela balançou a cabeça.
— Peço desculpas por nada— estou irritado, temos uma casa cheia e
as paredes nã o sã o à prova de som.
— Aposto que o closet é à prova de som. — Julia olhou por cima do
ombro dele.
Gabriel virou o lamingo para que ele estivesse voltado para a
direçã o oposta do armá rio. Entã o ele levantou Julia em seus braços e
correu para o closet, fechando a porta atrá s deles.
— Vamos descobrir agora. — A boca dele desceu para a dela
Capítulo Cinquenta e Três

7 de janeiro de 2013
South Beach, Florida

No momento em que os Emerson se preparavam para deixar sua suı́te
de hotel para a piscina, o celular de Gabriel tocou.
Ele olhou para a tela.
— E uma chamada de FaceTime do Vitali. E melhor eu atender isso.
— Estaremos na piscina central. — Julia beijou o marido e empurrou
Clare no carrinho em direçã o à porta.
— Por que nã o usar nossa piscina privada, na varanda?
— Porque haverá outras mã es e crianças na piscina central. Clare
pode fazer um amigo.
— Certo. Encontro você em breve.
Gabriel foi até a mesa da suı́te e atendeu a ligaçã o.
— Massimo, olá .
— Boa tarde — respondeu Dottor Vitali em italiano. Ele apontou
para a mulher de cabelos escuros que estava sentada ao lado dele,
vestindo um terno vermelho muito elegante.
— Professor Gabriel Emerson, quero lhe apresentar a Dottoressa
Judith Alpenburg. Ela recentemente se juntou a nó s de Estocolmo e é
especialista em objetos religiosos em Palazzo Pitti.
— Prazer em conhecê -la, Dottoressa. Gabriel assentiu, pegando os
ó culos.
— E você . Por favor, me chame de Judith — ela respondeu, seu
italiano levemente acentuado com sueco. — Examinei o memento mori
que você nos enviou. E uma descoberta emocionante.
— Obrigado, Judith. — Gabriel colocou os ó culos e rapidamente
pegou um bloco de notas e sua caneta-tinteiro. — Você pode me dizer
mais sobre isso?
— Certamente. — Ela colocou um par de luvas brancas e apresentou
a pequena escultura contra um fundo de veludo preto. — Esta peça é
muito interessante. Testamos o material, tomando cuidado para nã o
dani icar o objeto, e descobrimos que ele é esculpido em uma presa de
elefante. Eu colocaria a data do objeto por volta de 1530. Voltarei à data
em um momento.
Ela virou o objeto.
— Como você pode ver, ao longo da clavı́cula da cabeça, temos uma
inscriçã o em latim, O Mors quam amara est memoria tua, que eu traduzi
como ó morte, quão amarga é sua memória. Você reconhece essa
citaçã o?
— Nã o.
— A citaçã o é da bı́blia. Esta é a primeira linha de Eclesiá stico
quarenta e um, que começa na Vulgata, 'O Mors quam amara est
memoria tua'.
— Interessante. — Gabriel resolveu procurar a passagem mais tarde.
— Itens semelhantes estã o em exibiçã o em vá rios museus, incluindo
o Museu de Belas Artes em Boston. E o Victoria and Albert Museum em
Londres tem vá rios exemplos excelentes.
— Na minha opiniã o, sua escultura é de alta qualidade. Existem
muitos detalhes, como você pode ver. Vermes e sapos sã o adornados
sobre a cabeça. O rosto tem uma boca aberta com dentes expostos e há
dobras de tecido cobrindo a cabeça. As folhas foram esculpidas na parte
inferior do objeto e icam em um pequeno pedestal circular. Há algum
dano na peça - uma rachadura na cabeça. Mas ainda é um item raro e
valioso. Certamente, terı́amos orgulho de exibir.
— Você pode me dizer alguma coisa sobre a proveniê ncia dele?
Judith sorriu ansiosamente.
— Sim, isso é muito emocionante. O objeto, que acredito ser uma
conta, foi perfurado verticalmente, para poder ser suspenso de um
terço - rosá rios ou contas de oraçã o sã o termos mais comuns para isso.
Há uma marca de fabricante na parte inferior da conta, que você pode
ver. — Ela levantou a igura e revelou a parte inferior. — Quando vi a
marca, percebi que já tinha visto antes. Pesquisei os itens que temos no
Palazzo Pitti, mas nã o encontrei a mesma marca. No entanto, quando
fui ao Palazzo Medici Riccardi, encontrei algo interessante.
Judith colocou uma grande fotogra ia ao lado da conta.
— No museu Palazzo Riccardi, existe este terço que pertenceu a
Alessandro de Mé dici, que foi duque de Florença entre 1532 e 1537.
Pensa-se que Alessandro tinha descendê ncia africana, o que signi ica
que ele foi o primeiro chefe de estado africano no oeste moderno. O
terço estava em sua posse quando ele morreu e acabou se tornando
parte da coleçã o do museu.
— No entanto. — Os olhos azuis de Judith brilharam de emoçã o. —
Como você pode ver na fotogra ia, o terço está sem uma conta. Na
verdade, no inal está faltando a maior conta. Falei com o arquivista do
museu e ele nã o conseguiu encontrar um registro de uma conta
faltando. O terço chegou ao museu sem ele.
— Mas ele me mostrou uma carta escrita por Taddea Malaspina,
amante de Alessandro, e nela ela menciona que a conta está faltando.
Estava perdida, até você nos enviar.
Judith e Massimo sorriram vertiginosamente atravé s da tela.
— Como você sabe que a conta que enviei é a que estava faltando? —
Gabriel se inclinou para mais perto do celular, tentando ver melhor a
fotogra ia do terço.
— A marca do fabricante corresponde à marca no extremo oposto do
terço. As gravuras e desenhos no terço sã o idê nticos aos do seu cordã o.
Há um padrã o repetido. Judith pegou o dedo e passou da conta para a
fotogra ia, apontando cuidadosamente as semelhanças.
Gabriel fez uma careta.
— Alessandro nã o foi assassinado?
— Sim. — Interveio Dottor Vitali. — Ele foi assassinado por seu
primo Lorenzino. E claro que agora que sabemos que sua conta
combina com o terço do Palazzo Riccardi, tenho certeza de que o
diretor entrará em contato com você . —Dottor Vitali sorriu
esperançoso.
— Sim, é claro. — Gabriel estava distraı́do, ainda tentando processar
o que acabara de ser revelado. — Massimo, por que Alessandro foi
assassinado?
— Existem vá rias teorias. Na minha opiniã o, Lorenzino assassinou
seu primo por vingança.
— Vingança? — As sobrancelhas de Gabriel subiram
instantaneamente.
— Lorenzino era amigo de Filippo Strozzi. Alessandro tentou
assassinar Strozzi e falhou. Strozzi convenceu Lorenzino a matar
Alessandro em vingança. Mas esta é a minha opiniã o. Existem outras
explicaçõ es.
— Você descobriu alguma coisa sobre a proveniê ncia mais recente
do objeto?
Judith olhou para Massimo.
— Esperá vamos que você pudesse nos ajudar com isso.
— Temo que nã o. A conta foi encontrada em minha propriedade em
Cambridge. Entrei em contato com a Interpol, atravé s de um amigo, mas
a conta nã o estava listada no banco de dados de obras de arte roubadas.
O Dottor Vitali bateu os dedos na mesa à sua frente.
— Podemos fazer perguntas discretas.
— Eu apreciaria isso, meu amigo. Como nã o tenho certeza de quem é
o legı́timo proprietá rio, icaria grato por qualquer ajuda para localizá -
lo.
Judith pareceu decepcionada, mas ela nã o comentou.
— Certamente, nó s podemos ajudar. — O tom de Massimo foi
tranquilizador.
— Obrigado. Judith, foi um prazer conhecê -la. Obrigado por sua
pesquisa. Sou muito grato.
Judith inclinou a cabeça respeitosamente.
— Obrigado, professor Emerson. E uma peça maravilhosa e espero
que, se eu puder, a peça possa se reunir com o terço algum dia.
— Deseje os meus melhores cumprimentos para Julianne. —
Massimo artisticamente redirecionou a conversa.
— Eu vou. Falo com você novamente em breve. Adeus. — Gabriel
terminou o FaceTime rapidamente.
Ele pegou o seu laptop, digitou sua senha e rapidamente abriu uma
ediçã o online da Vulgata Latina. Ele percorreu o livro de Eclesiá stico,
vulgarmente conhecido como o livro de Sirach, e encontrou o versı́culo
do qual a dedicató ria no memento mori fora tirada.
"Ó morte, como é amargo lembrar de você como alguém vivendo
paci icamente com seus bens, como alguém sem preocupações e tudo indo
bem e que ainda pode apreciar sua comida!"
Gabriel esfregou o rosto dele. O objetivo de um memento mori era
lembrar a mortalidade de algué m. Mas as Escrituras contrastavam a
amargura da mortalidade com a vida pacı́ ica de um homem pró spero.
Algo nas Escrituras o lembrou de uma referê ncia em Dante. Demorou
alguns minutos procurando para Gabriel encontrá -lo, mas no primeiro
canto do Inferno ele leu:

“Tant’ è amara che poco è più morte;


ma per trattar del ben ch’i’ vi trovai,
dirò de l’altre cose ch’i’ v’ho scorte.

“Tão amarga é, que a morte é um pouco mais;


Mas para lidar com o bem que lá encontrei,
Vou falar das outras coisas que vi lá.”


Gabriel recostou-se na cadeira, tirou os ó culos e fechou os olhos.
Dante estava se referindo à madeira escura que ele tinha encontrado
no meio da sua vida. A memó ria da madeira era amarga, apenas como a
amargura da memó ria da morte.
Mas as Escrituras eram um aviso para aqueles que viviam em
prosperidade. E Gabriel sabia que ele estava entre eles.
Juntamente com o simbolismo da Escritura, havia a proveniê ncia do
pró prio objeto. Pertencia a um homem morto por vingança.
O objeto é uma mensagem? ele se perguntou. E se estou sendo
informado ou alvo de uma vingança, por quê ?


Capítulo Cinquenta e Quatro

Julia estava apaixonada por Miami.


O Hotel Estrella em South Beach tinha vá rias piscinas. As famı́lias
preferiam a piscina central, com vista para o mar, espreguiçadeiras e
cabanas.
Julia se fez em casa, se sentando numa espreguiçadeira dupla
debaixo de um guarda-chuva e levando Clare ao lado da piscina. Ambas
usavam chapé us e ó culos escuros. Julia mergulhou os pé s de Clare na
á gua que a mesma chutou alegremente.
Julia tinha acabado de pedir uma bebida gelada a um garçom
atencioso quando Gabriel desceu o deck.
Ele usava ó culos escuros e uma jaqueta preta da Adidas, juntamente
com uma sunga preta. Julia notou que vá rias cabeças se viraram
enquanto ele caminhava em sua direçã o.
— Oi. — Ele se agachou ao lado delas e gentilmente puxou o chapé u
de sol de Clare. — Você gosta da á gua?
Clare o alcançou e ele ingiu morder os dedos dela, fazendo um
barulho de rosnado. Clare gritou e riu, estendendo a mã o para que ele
izesse novamente.
— Você se importa se eu izer uma corrida rá pida na praia? —
Gabriel perguntou a Julia. — Eu preciso esvaziar a minha cabeça.
— Você está bem? — Julia abaixou os ó culos de sol.
Gabriel manteve os olhos protegidos. — Sim. Massimo teve uma
atualizaçã o sobre a escultura que encontramos em casa. Nada grave.
Vou atualizá -la quando voltar.
— Eu pedi uma margarita sem á lcool. Preciso mudar o meu pedido?
As bordas dos lá bios de Gabriel se levantaram. — Nã o. Volto em
breve. Ele deixou sua jaqueta e sandá lias com Julia antes de puxar o
chapé u de Clare novamente.
Ele acenou pouco antes de descer a escada que levava à praia,
deixando Julia para re letir sobre o que o deixara tã o inquieto.

Gabriel correu.
Ele icou perto da linha d’agua, apreciando os sons e o ritmo das
ondas, sua mente a milhares de quilô metros de distâ ncia, em Florença,
na Itá lia.
O memento mori veio dos Medici. Por si só , foi uma descoberta
maravilhosa. Mas como a peça icou na posse de um ladrã o? E por que
ele deixou na casa de Gabriel?
Ladrõ es de arte pro issionais vendem seus produtos para
colecionadores; eles raramente os mantinham. Uma conta de um terço
era uma peça estranha para um ladrã o ter no bolso, a menos que
estivesse ali com um propó sito.
Vingança.
Gabriel rapidamente rejeitou o pensamento de que estava sendo alvo
de vingança. Sim, ele ofendeu sua parcela de pessoas ao longo do
tempo, incluindo estudantes descontentes e colegas ciumentos. E sem
dú vida o rosto dele estava estampado no alvo de mais de uma mulher,
embora ele tivesse sido discreto com seus contatos e tentado restringi-
los a mulheres que entendiam a natureza temporá ria de sua conexã o.
Havia a professora Singer, por exemplo. Mas ela estava em Toronto e
ele duvidou que ela tivesse contratado um ladrã o pro issional da Itá lia e
pedido que ele deixasse uma ameaça de morte em sua casa. Isso nã o era
o estilo dela. A professora Singer entregaria toda e qualquer ameaça
pessoalmente.
E havia Paulina. Mas ela era casada e feliz morando em Minnesota.
Eles izeram as pazes e ele acreditava que ela lhe desejava bem. Mais
uma vez, ela nã o tinha motivos para vingança, pelo menos nã o agora.
Quanto à possı́vel conexã o do ladrã o com a Itá lia e talvez com
Florença, Gabriel nã o conseguia imaginar o que havia feito para atrair a
ira de um lorentino. Ele é apaixonado pela histó ria, literatura e cultura
italiana há anos e apoiou os museus de Florença com doaçõ es
generosas.
Os pais de Nicholas Cassirer haviam lhe vendido as ilustraçõ es de
Botticelli. Mas eram reproduçõ es dos originais de Botticelli,
provavelmente feitas por um de seus alunos. Talvez houvesse outras
partes interessadas que saberiam agora que Gabriel era um comprador
de sucesso. Mas ir atrá s dele agora, depois de tantos anos, parecia
impensá vel.
Faltava uma peça do quebra-cabeça. Sem ela, ele nã o conseguia ver a
imagem toda. Sem ela, ele nã o podia ter certeza de nenhum dos motivos
do ladrã o. Tudo o que Gabriel tinha eram teorias e hipó teses, vá rias das
quais poderiam se encaixar.
Ele se virou e correu de volta para o hotel.
O melhor resultado possı́vel foi que o ladrã o estava examinando a
coleçã o de Gabriel e que a escultura havia sido derrubada
acidentalmente. Se o motivo fosse a vingança, e se Gabriel realmente
fosse o alvo, o ladrã o poderia matá -lo dentro de casa e Julianne nã o
teria conseguido detê -lo. Assim, o ladrã o usaria apenas a força
su iciente para fugir. Ele parecia totalmente desinteressado em Julianne
e Clare, e por isso Gabriel agradeceu a Deus e continuaria a agradecer.
E se ele voltar?
Essa foi a pergunta que atormentou Gabriel — e alé m disso, a
possibilidade de o ladrã o retornar enquanto Julianne e Clare estivesse
em casa e Gabriel estivesse na Escó cia. Essa possibilidade era um
pesadelo.
O inimigo de Julianne tinha um nome e um rosto. Graças a Nicholas
Cassirer, Gabriel tinha um homem seguindo e relatando todos os
movimentos de Simon Talbot.
O novo inimigo de Gabriel era sem nome, nã o identi icá vel e sem
forma. Seus motivos eram indecifrá veis, suas açõ es confusas, o que o
tornava muito mais ameaçador.
O novo inimigo forneceu mais uma razã o pela qual Julianne deveria
exigir ir para a Escó cia no outono. Gabriel ainda tinha o e-mail que ele
havia enviado para a Universidade de Edimburgo. Em menos de um
minuto, ele poderia recusar o convite e garantir que ele e sua famı́lia
permanecessem juntos e seguros.
Enquanto subia a escada para a piscina do hotel, Gabriel lembrou-se
do aviso de Katherine.
Embora ele valorizasse sua carreira e lamentasse jogá -la fora, era
melhor arriscar uma carreira do que a segurança de sua esposa e ilha.
Ele já havia perdido uma ilha há muito tempo. Ele nã o estava prestes a
perder outra.
Capítulo Cinquenta e Cinco

—Você já leu Tesouros da Ilha? — Julia estava sentada na beira da


piscina, com as pernas suspensas em á gua.
— Anos atrá s. Por quê ? — Gabriel icou parado na parte rasa,
rodopiando Clare em cı́rculos e mergulhando-a dentro e fora d’á gua. Ela
parecia curtir isso.
— Algué m dá a Billy Bones a mancha negra. E uma ameaça de morte
para dos piratas.
Gabriel torceu o nariz. — Sim, eu lembro.
— Você acha que o memento mori é uma mancha negra?
Gabriel olhou por cima dos ombros, como se estivesse preocupado
que algué m estivesse escutando. Ele foi até Julia. — Nã o. Se o ladrã o
quisesse me matar, ele poderia ter feito isso. Estou inclinado a acreditar
que ele derrubou a escultura acidentalmente.
— Acidentalmente? — Julia levantou as sobrancelhas atrá s dos
ó culos escuros. — Por que ele estaria carregando uma peça de museu
no bolso?
Gabriel virou Clare rapidamente e ela riu. — Talvez tenha sido um
sı́mbolo que ele pegou de outro assalto. Talvez ele pense nisso como um
amuleto da boa sorte, assim como um pé de coelho.
—Talvez ele seja fã dos Grateful Dead. Ele é um Deadhead. —Julia
tentou manter a cara sé ria e falhou.
Gabriel lançou lhe um olhar fulminante. — Muito engraçado. Por que
ele lançaria uma ameaça de morte e partiria, quando poderia ter
terminado o trabalho?”
Julia estremeceu e tomou um grande gole de sua margarita sem
á lcool. — Eu nã o sei.
— Se fosse um assassino, ele teria feito o trabalho e saı́do. Nã o há
motivo para deixar ameaças. Eu acho que Nicholas está certo; o ladrã o
queria saber o que tı́nhamos em casa, para que ele pudesse relatar o
conteú do aos potenciais compradores.
—Certo. — Julia ajustou seu grande chapé u de praia. — Devo colocar
mais protetor solar em Clare?
— Em um minuto. — Gabriel continuou a mover Clare para dentro e
para fora da á gua. Ela bateu os punhos no peito de Gabriel, quase como
se estivesse exigindo que ele se movesse mais rá pido.
— E você , professor? — Julia admirou a parte superior do corpo em
forma, os braços musculosos e magros. E as tatuagens no peito. Dante e
Beatrice estavam estampados em sua pele para todo mundo ver, assim
como o dragã o e o nome de Maia.
— Eu coloquei um pouco antes. Depois de vermos Clare, talvez você
possa me ajudar com as minhas costas. — Gabriel olhou para as pernas
de Julia enquanto elas se moviam debaixo d'á gua. — Como está seu
tornozelo?
— Perfeitamente bem. Mas estou preocupada em colocá -lo no lugar.
— E sua outra perna? —Gabriel tinha baixado a voz.
Ela levantou a perna direita da á gua. — Isso me incomodou no aviã o.
Mas desde que estivemos aqui, icou melhor. Eu nem percebi até que
você mencionou.
— Hmmm — disse Gabriel. — Você acha que está melhorando?
— Está melhor do que no Dia da Açã o de Graças. — Ela abaixou a
perna para baixo d’á gua. — E a escultura que você enviou para Vitali?
Vamos entregá -la à polı́cia de Cambridge?
—Nã o. Até o momento, ela nã o apareceu na lista de obras de arte
roubadas da Interpol, mas isso nã o signi ica que nã o foi roubado. Pedi a
Vitali para fazer perguntas e ver se ele pode descobrir quem é o dono.
— Quem for o dono, vai querê -la de volta.
— Entã o deixe-o ir buscá -la. —Gabriel lançou-lhe um olhar
desa iador.
Julia levantou as mã os, ainda segurando a margarita. — Nã o teremos
problemas com a polı́cia por estarmos guardando isso?
— Se o ladrã o fosse o verdadeiro proprietá rio, ele se implicaria a
denunciar o roubo. Se o verdadeiro dono foi roubado, espero que
Dottor Vitali o encontre.
— Você está ferrando o ladrã o.
— Um pouco— Gabriel admitiu. Ele parou de se mover. — Você acha
que eu deveria dar a escultura para à polı́cia?
— Eu acho que é melhor para a humanidade como um todo isso estar
em um museu. Isso pertence ao terço original. Mas eles podem nã o
aceitar, dado como a encontramos.
Gabriel levou Clare até a mã e. — Eles nã o tê m prova de propriedade
pré via. Ela desapareceu apó s o assassinato de Alessandro. Poderia ter
mudado de mã os dezenas de vezes depois disso.
Julia provou o sal na borda do copo de margarita. —Poderı́amos
estar pensando sobre isso de maneira errada.
— O que você quer dizer?
— O ladrã o pode nã o saber que o temos. Se foi derrubado por
acidente, ele nã o pode ter certeza de onde aterrissou. Pode ser no
quintal ou na rua. Ele poderia ter perdido no carro. Ele pode voltar para
procurá -lo ou pode decidir que é muito arriscado retornar.
Gabriel sentou-se ao lado dela, segurando Clare irmemente em seu
colo. — Você e eu somos testemunhas oculares. Nó s temos um esboço
dele. Isso, por si só , pode lhe dar uma pausa.
—Verdade. — Julia terminou sua bebida. — Se mantivermos em
segredo a descoberta da escultura, ele nã o poderá ter certeza de que a
temos. Como atualizamos o sistema de segurança e somos duas
testemunhas oculares, ele pode decidir colocar outra pessoa como alvo.
Acho que você deveria pedir a devoluçã o e deverı́amos ligar para o
Dottor Vitali em segredo, pelo menos por um tempo. Deixe o ladrã o
procurar o objeto em outro lugar.
— E uma boa idé ia. — Gabriel estendeu a mã o para tocar seus lá bios.
Seu olhar caiu para o seu maiô da indigo. — Você está linda, a
propó sito.
Julia conscientemente deu um tapinha no abdô men. — Você nã o acha
que o biquı́ni é demais?
—Eu escolhi. Eu amo isso.
Um brilho quente percorreu seu rosto, pois sua admiraçã o a agradou.
— Chega de conversa sobre coisas ruins — ele sussurrou. —
Estamos em uma cidade bonita, desfrutando de um clima bonito. Eu
tenho planos para você esta noite.
Julia apoiou a cabeça no ombro dele. — Que tipo de planos?
— Planos para adultos.
Ele tocou os lá bios dela novamente e todos os pensamentos sobre
manchas negras e memento mori voaram de sua cabeça.

— Isso é adorá vel. — Julia olhou maravilhada para a elegante sala de


jantar no andar principal do SLS Hotel.
Gabriel a levou ao novo restaurante de José André s, The Bazaar,
localizado dentro do hotel. A decoraçã o era arejada e fresca, a equipe
numerosa e a mú sica com inspiraçã o latina e sensual.
Clare estava sentada no carrinho de bebê ao lado de Julia em seu
assento de dois lugares, cochilando depois de um dia fora. Gabriel
sentou-se em frente ao seu par, sua atençã o totalmente ixada em sua
esposa.
— Eu realmente gosto de Miami. Todo o meu humor mudou. — Julia
admirou o tom dourado que sua pele ganhou depois de vá rias manhã s
na piscina.
O sol havia beijado seus cabelos, iluminando alguns ios de castanho
para marrom dourado e mel. Ela estava deixando o cabelo crescer e
agora estava com ondas sensuais sobre os ombros. Naquela noite, ela
usava um vestido laranja que caı́a até os joelhos e sandá lias cor de
bronze que atavam nas pernas.
Gabriel comprou uma taça de champanhe, que ela tomou lentamente
em um, saboreando as pequenas bolhas. Apesar de tudo o que era
desconhecido e ameaçador em suas vidas, naquele momento, Julia se
sentiu leve.
Miami parecia ter sido boa com Gabriel també m. Sua pele bronzeada
contrastava com a camisa branca que ele usava desabotoada no
pescoço. Seu cabelo estava ondulado pelo calor da Fló rida e seus
sorrisos eram fá ceis.
Julia se animou bastante enquanto bebia seu champanhe e falava
com entusiasmo com o garçom, que contou a histó ria do chef e sua
paixã o pela comida.
— Precisamos passar mais tempo aqui. — Julia olhou para a
variedade de tapas espanholas e cubanas que estavam espalhadas
sobre a mesa.
— Podemos. Até abril nã o teremos que ir a lugar algum. — Gabriel
serviu a julia um polvo cozido à la plancha.
—Você nã o pode estar falando sé rio.
Ele se serviu e mastigou enquanto pensava. — Por que nã o? Eu
precisaria de algué m para transportar alguns dos meus livros e
arquivos, para que eu pudesse trabalhar nas minhas palestras. Tenho
certeza de que Rachel nã o se importaria.
— E tentador. — Julia experimentou o polvo e revirou os olhos para o
cé u. Estava perfeitamente preparado e temperado. Delicioso. — Seria
caro icar tanto tempo no hotel.
Gabriel deu de ombros. — Estamos confortá veis. Suponho que se
decidirmos icar em fevereiro, deverı́amos alugar um lugar.
— Entã o você ainda está trabalhando em suas palestras? — Julia fez
sua pergunta com indiferença.
— Sim. — As sobrancelhas de Gabriel se uniram. — Você achou que
eu nã o estava?
— Oh nã o, nã o é isso. Você sabe que Katherine está preocupada em
você recusar.
Gabriel reorganizou o guardanapo no colo. — Sim, ela mencionou
algo do tipo.
— E sobre você ? Você precisaria dos seus livros.
— Eu deveria estar trabalhando na lista de leitura da Wodehouse.
Isto tem sido lento.
—Traga seus livros para a piscina. Ou abra os artigos no iPad. —
Gabriel ergueu a homenagem do chef a um sanduı́che cubano e deu
uma mordida. Ele fez uma pausa, seus olhos disparando para os de
Julia. Sem falar, ele passou o prato para ela e gesticulou para ela dar
uma mordida. — E incrı́vel.
Julia provou o sanduı́che e rapidamente concordou. —Isso me
lembra que quero que você me leve a Little Havana. Eu quero comer no
restaurante Versalhes.
— Feito. Nó s vamos amanhã .
— Quando voltarı́amos para Massachusetts?
Gabriel limpou a boca com o guardanapo. Ele tomou um gole de á gua
com gá s e serviu-se de um pouco da salada de endı́via.
— Querido? — Ela esperou.
—Vamos dar um mê s por enquanto. Depois disso, acho que a
possibilidade de o ladrã o voltar se tornará ainda mais remota. Se ele
estiver de olho na casa, verá que está vazia. — Gabriel estendeu a mã o
sobre a mesa e pegou a mã o dela. — Alé m disso, o nosso aniversá rio é
dia 21 de janeiro. Por que nã o comemoramos aqui?
— Quando voltarmos para casa, voltaremos para a nossa casa?
— Se for seguro.
— Sinto falta de casa — Julia deixou escapar. — Sinto falta de dormir
na minha pró pria cama. Sinto falta do berçá rio e de todas as coisas da
Clare.
Gabriel acariciou as costas da mã o dela com o polegar. — Eu també m
sinto falta de casa.
— Mas estou nervoso sobre voltar.
Gabriel abaixou o queixo, isso era o mais pró ximo de uma admissã o
de ansiedade que Julianne provavelmente teria.
— Mesmo se esperá ssemos um mê s, nã o haveria garantia de que o
ladrã o nã o viria depois disso. — Julia gesticulou com seu champanhe.
— Se ele está realmente caçando obras de arte e decidiu que quer o
nosso Thomson ou Cé zanne, ele voltará eventualmente.
A expressã o de Gabriel icou ameaçadora. — E por isso que eu nã o
quero você , Clare e Rebecca sozinhas em casa.
Julianne largou o champanhe para lhe dar toda a atençã o. — O que
você está dizendo?
Os olhos de sa ira de Gabriel brilhavam. — Você sabe o que eu estou
dizendo.
Ela se inclinou sobre a mesa. — Você nã o ouviu o que Katherine
disse? Você nã o pode quebrar a sua promessa com a Universidade de
Edimburgo.
— E as minhas promessas para com você ? E as para com a Clare?
Julia sentou-se, balançando a cabeça. — Você tem outras opçõ es.
— Sim, você e Clare podem se juntar a mim em Edimburgo.
— Estou tentando. — Julia sussurrou entre dentes. — Eu
provavelmente nã o deveria ter abordado Cecilia assim que suas
palestras foram anunciadas. Eu a peguei em um momento ruim.
Gabriel levantou os braços ao lado do corpo. — Meses se passaram.
Ela nã o mudou de idé ia.
— Abril. Deixe-me perguntar quando estivermos em Oxford. Graham
Todd estará lá . Talvez ele fale com ela també m.
Gabriel apoiou as mã os na toalha de mesa. — Posso dar até abril,
mas apenas porque as palestras estã o agendadas para o inverno de
2014. Mas se Cecilia se recusar e você ainda optar por trabalhar com
ela, eu mesmo vou resolver esse problema. Nã o terei você de um lado
do oceano, desprotegida, enquanto estou preso na Escó cia. E é isso.
O rosto de Julia caiu. Ela levantou o garfo e começou a pegar a
comida no prato, depois desistiu e largou o utensı́lio.
— Aqui. — Gabriel icou de pé , colocando o guardanapo sobre a
mesa. Ele deu a volta para o lado dela e a cutucou, sentando-se ao seu
lado no assento de dois lugares.
Julia icou entre um bebê dormindo de um lado e obviamente
Gabriel, do outro. Ela nã o tinha para onde ir. —O que você está fazendo?
— Estou tocando você . — Ele colocou o braço ao longo das costas do
assento de dois lugares e a puxou para o lado dele.
Julia tremeu.
A boca dele roçou a concha da orelha dela. — Eu diminuı́ sua luz.
Agora todo o brilho saiu da sala.
Quando ela nã o respondeu, ele colocou os seus cabelos para atrá s
dos ombros e passou os dedos pelo pescoço. — O que posso fazer para
trazer de volta a feliz e sorridente Julianne de alguns minutos atrá s?
Ela virou-se para ele. — Prometa que nã o vai desistir das suas
palestras."
Agora foi a vez de Gabriel icar em silê ncio.
A boca de Julia encontrou seu ouvido. — Eu nã o vou deixar você se
sacri icar por mim. Nunca mais.
Gabriel apertou a mandı́bula. — Nó s fazemos sacrifı́cios um pelo
outro. Essa é o ponto.
— Este sacrifı́cio é muito grande. E nã o é necessá rio, porque existem
outras maneiras de contornar isso.
— Nã o farei nada sem falar com você primeiro — admitiu.
Julia colocou a mã o no joelho dele. — Eu vou estar lutando tã o duro
para proteger você , assim como você está lutando para proteger a mim
e a Clare.
O rosto de Gabriel se suavizou, assim como sua voz. — E a mã e da
espé cie que é realmente perigosa.
— Exatamente. Nã o ique entre uma mamã e ursa e sua famı́lia.
Agora, você vai icar aqui ou voltar para a sua cadeira?
— E solitá rio lá . — Gabriel deu um sorriso malicioso. —E você é
linda.
—Você é irritantemente encantador.
— Eu nã o tenho ideia do que você está falando. — Ele empurrou de
lado a alça do vestido dela para dar um leve beijo em seu ombro.— Mas
eu faria qualquer coisa para fazer você feliz novamente. Me perdoe.
Estou tentando o meu melhor.
Ela deu um meio sorriso. — Quero outra taça de champanhe. Mas eu
sei que nã o devo beber enquanto estou amamentando. Quando
voltamos ao nosso hotel, exijo reparaçã o. — Ela deu-lhe um olhar
conhecedor.
Gabriel imediatamente acenou para o garçom.
Capítulo Cinquenta e Seis

Depois que voltaram ao hotel, Julia alimentou, trocou Clare e a


colocou na cama.
Gabriel estava na sala de estar da suı́te, olhando o oceano. Ele abriu
as portas de correr que levavam à varanda. Uma brisa suave e quente
roçou as cortinas, fazendo-as balançar.
—Ela dormiu? — Ele perguntou, esperançoso.
—Sim.
Ele estendeu a mã o e Julia foi até ele.
Ele apagou todas as luzes, exceto as que brilhavam em azul dentro de
sua piscina privada. O sol havia deslizado abaixo do horizonte e as
estrelas navegavam acima deles.
Ele a acompanhou até a varanda, onde cobriu o sofá com almofadas e
cobertores macios. E ele acendeu velas, como era seu costume,
colocando-as artisticamente em volta da cama, com algumas
espalhadas perto da piscina. A mú sica latina suave do violã o lutuava do
aparelho de som na sala de estar.
Ele levantou a mã o dela e a girou em um cı́rculo, fazendo com que a
saia de seu vestido laranja ondulasse sobre ela. Entã o ele a pegou nos
braços. —Nã o dançamos há um tempo.
— Eu sei. — Ela fez um som satisfeito e pressionou a bochecha
contra o peito dele, sobre sua tatuagem.
Gabriel estava sem pressa, movendo-se preguiçosamente para frente
e para trá s, o queixo apoiado sobre a cabeça dela. — Me desculpe por
estragar o jantar.
Julia apertou a cintura dele. — Ele nã o foi arruinado. Só temos
muitas coisas com que nos preocupar.
—Gostaria que você me deixasse me preocupar por você .
Ela levantou a cabeça. — O casamento nã o funciona assim.
Gabriel suspirou concordando e a pressionou perto de seu coraçã o.
As mã os dele se moveram das costas dela para a cintura e para baixo.
Ele segurou suas costas irmemente. —Incrı́vel.
Ela estendeu a mã o e puxou a boca dele para a dela.
Uma pincelada de seus lá bios, uma pitada de contato. Eles sã o
amantes há algum tempo e, mesmo depois de uma curta ausê ncia, eles
tiraram seu tempo para se familiarizarem novamente.
Gabriel beijou os cantos da boca dela. Ele deu um selinho no centro.
Ele colocou o lá bio inferior dela em sua boca e gemeu.
Julia colocou os braços em volta de seu pescoço e pressionou os seios
contra ele. Ele cutucou a costura dos lá bios dela com a lı́ngua e ela
abriu. Ela o aceitou ansiosamente, sua lı́ngua se enroscando com a dele.
— Eu nunca vou parar de querer você . — Ela sussurrou, beijando-o
profundamente.
— Deus te abençoe por isso. —Ele falou contra a boca dela antes de
acariciar dentro.
Alguns minutos depois, Julia se afastou. — Algué m pode nos ver?
—Nã o. Nã o há ningué m acima de nó s e duvido que algué m possa nos
ver sobre o vidro da varanda. — Seus lá bios se ampliaram. —Enquanto
estivermos deitados.
Um suave sopro de vento sussurrou sobre eles, arrepiando a pele
dela. — Você tinha algo mais em mente?
— Nã o essa noite. Hoje à noite me lembra de quando amei você em
uma varanda de Florença, quando é ramos mais novos. Quero
recapturar aquela noite.
Ele levantou a mã o dela e a beijou, seus olhos azuis encontrando os
dela. Ele levou a mã o dela ao peito e a pressionou sobre o coraçã o. —
Veja como ele bate mais rá pido, sabendo que você está por perto.
Ela desenhou a conexã o deles com seu pró prio coraçã o e pressionou.
— E o mesmo para mim.
Ela soltou a mã o dele, mas ele a manteve onde estava, o polegar
acariciando a parte superior dos seios dela.
— Seus olhos estã o brilhando — observou ele —Brilhando como
piscinas escuras.
— Eu sei o que está reservado para mim.
— Venha, entã o. — Ele a beijou novamente, seus dedos serpenteando
atravé s das ondas de seu cabelo. Eles deslizaram pelas costas dela e
agarraram sua cintura.
Ele a colocou no sofá e se esticou ao lado dela, seus beijos
diminuindo para uma pressã o suave, lá bios contra lá bios.
— O que você quer? — ele murmurou, passando as alças do vestido
pelos ombros.
— Eu quero te ver.
Os olhos de Gabriel brilharam. — Tire a minha roupa.
Julia desabotoou a camisa dele e rapidamente a empurrou por cima
dos ombros. As mã os dele se moveram para o sutiã dela e o soltaram
com uma mã o. Agora eles estavam nus até cintura.
A pele de Gabriel estava quente quando ele a cobriu, seus mamilos
roçando contra os pelos do peito.
Ele beijou o arco da garganta dela e desceu o vale entre os seus seios,
movendo-se para cobrir um com a mã o. O outro, ele explorou com os
lá bios e a mera ponta dos dentes. Sua lı́ngua disparou para provar o seu
mamilo.
Ele teve o cuidado de beijar e lamber, mas nã o puxar. Ainda assim, ela
apertou a cabeça dele com urgê ncia, pressionando-o mais perto de seu
peito.
Quando o aperto dela diminuiu, ele transferiu sua atençã o para o
outro seio. A mã o dele mergulhou na saia do vestido e deslizou por
baixo, subindo pela coxa.
Ele levantou a cabeça. —Sem calcinha?
Julia assentiu, uma subida sutil da boca.
— Certamente você nã o está esquecendo a calcinha depois que eu
presenteei você com o su iciente para dias? — seus longos dedos
lutuaram abaixo do osso do quadril no vinco entre o quadril e a parte
interna da coxa.
— Isso me fez sentir sexy. Quando você disse que ia me tocar, no
restaurante, me perguntei se você descobriria ali mesmo o meu
segredo.
Gabriel amaldiçoou. — Se eu soubesse, eu teria.
— Nó s serı́amos presos.
— Nã o presos. — Gabriel sorriu contra seus lá bios. —Apenas
convidados a nos retirar. — Ele persuadiu as pernas dela, sob o vestido.
A mã o dela foi para o cinto dele, que ela retirou. Ela o tocou por cima
da calça antes de puxar o zı́per para baixo. Os dedos dela encontraram a
faixa da cueca dele e a deslizaram para baixo. Ela já o encontrou duro e
quente.
— Nã o tã o rá pido — ele avisou.
Ela o explorou habilmente até que ele icou impaciente e a levou para
uma posiçã o sentada.
— Fora—, ele ordenou, puxando o vestido dela.
Ela levantou os braços e ele puxou o tecido sobre a cabeça dela,
deixando-o cair no chã o. Mas Julianne nã o sofreria sendo a ú nica nua.
Ela puxou sua calça e cueca boxer até que ele levantou o quadril e os
chutou para longe.
Estava mais escuro agora. O brilho azul ainda se elevava da piscina,
enquanto a pá lida luz das estrelas brilhava acima.
As sombras projetadas pelas velas dançavam sobre suas formas nuas
enquanto Gabriel a cobria com seu corpo.
Com a mã o ele a separou, tocando levemente. Julia puxou a mã o dele.
Ela agarrou seu traseiro e abriu as pernas, e seu quadril caiu contra o
dela.
— Você está com pressa? — Ele sorriu para ela.
— Clare pode acordar. — As mã os de Julia alisaram suas costas e ela
o agarrou.
— Ela nã o ousaria. — Gabriel beijou o nariz dela.
— Ela já fez isso antes. — Os olhos de Julia encontraram os do
marido.
— Bom ponto. — Gabriel cobriu a boca dela com a dele, enquanto os
seus membros inferiores deslizavam um contra o outro.
Julia gemeu e incitou ele com as mã os.
Ele respondeu, avançando e ganhando espaço com um impulso
suave.
Julia jogou a cabeça para trá s, levantando o quadril.
Seus seios subiram tentadoramente abaixo do rosto dele e ele os
beijou, usando a ponta dos dentes contra a carne cheia e redonda.
Ela o incentivou a avançar e ele começou a se mover, suas mã os
caindo enquanto ele encontrava um ritmo lento e satisfató rio.
— Olhe para mim — ele sussurrou, arqueando acima dela.
Ela olhou nos olhos dele. Havia posse, proteçã o e desejo. Ansiedade,
talvez, e esperança e amor.
Ele a observou decifrando suas reaçõ es, vendo o que fez sua cabeça
balançar para trá s e suas mã os o apertarem mais. Para ler a avidez na
ascensã o e queda de seus seios. Ver a urgê ncia quando ela se
encontrava no limite.
O autocontrole nã o era uma das virtudes de Gabriel, mas seu orgulho
de ser um bom amante motivou a sua açã o. No caso de Julianne, fazer
amor com ela o inspirou a ter domı́nio de si.
Ele desejou que a relaçã o durasse o má ximo possı́vel e levá -la à s
alturas do prazer e mantê -la lá até que seu corpo se rebelasse e ela
viesse. Só entã o ele perseguiria seu pró prio prazer.
— Estou perto. —ela ofegou.
Ele aumentou o ritmo gradualmente, prolongando a escalada de
prazer dela.
As mã os dela apertaram as costas dele como um torno e ela puxou e
puxou, trazendo-o para mais profundo dentro dela.
Ela prendeu a respiraçã o e seu corpo icou tenso. Ele podia senti-la
perdendo o controle.
Ele se moveu mais rapidamente, abaixando a cabeça para beijar seu
peito.
Ela o apertou contra o peito enquanto sua cabeça rolava para trá s.
Ele sentiu e ouviu o prazer passar por ela.
Agora ele poderia persegui-lo.
O ritmo dele aumentou, cada vez mais rá pido, a mã o dele agarrando
o quadril dela. Uma queima de nervos e uma estimulaçã o intensa, e ele
estava liberando dentro dela. Seu corpo inteiro se contraiu.
Quando ele abriu os olhos, ela já o estava beijando. Beijando a testa, o
queixo, a boca.
—Foi tã o lindo — disse ela, um toque de admiraçã o em sua voz— E
sempre tã o lindo com você .
— Você é linda e merece tudo do melhor. — ele acariciou seu pescoço
antes de olhar em seus olhos — Sempre.
Ele a beijou suavemente e foi para o lado dela, interrompendo a
conexã o. Eles icaram entrelaçados nos braços um do outro até que a
brisa da noite os levou para dentro de casa.
Capítulo Cinquenta e Sete

15 de Janeiro de 2013

Isso é interessante. — Julia entregou o celular para Gabriel.


Eles estavam sentados lado a lado à sombra de uma cabana, a alguns
passos do oceano. Clare estava situada em uma pequena cabana para
crianças, apoiada sobre uma toalha e cercada por brinquedos. Apesar
de ter sido colocada de costas, ela rolou de bruços. Quando ela
reclamou por estar de bruços, Julia a colocou de costas. O processo se
repetia de tempos em tempos.
— Quem enviou isso? — Gabriel tirou os ó culos escuros para colocar
os ó culos de leitura. Ele olhou de soslaio para a tela.
— Professor Wodehouse.
— Ele está convidando você para apresentar um artigo?
— Sim, meu trabalho sobre Guido da Montefeltro. Ele quer que eu o
apresente no primeiro dia do workshop.
Gabriel leu o e-mail e devolveu o telefone. — Isso é uma grande
honra.
— Você acha que eu deveria fazer isso? Vou me tornar notá vel muito
rapidamente.
Gabriel guardou os ó culos de leitura. — Claro que você deveria fazer
isso. Wodehouse já soube do artigo e ele foi publicado. Ele
provavelmente quer que você provoque os participantes.
— Ele apresentará um artigo sobre Ulisses. — Ela percorreu o e-mail.
— Eu nã o sei. Apresentar um artigo para logo depois Wodehouse
apresentar o seu? Será horrı́vel.
— Bobagem. — Gabriel balançou as pernas para o lado da
espreguiçadeira e se inclinou para pegar Clare.
— Cecilia estará lá .
— Ela foi a primeira a ler o artigo. Ela o aprovou.
— Ela pode ter mudado de ideia.
— Entã o Wodehouse a terá como café da manhã . Ele é quem está te
convidando; é o seu workshop e sua reputaçã o. — Gabriel alcançou a
cabana do bebê e pegou Clare, junto com um livro, The Runaway Bunny.
Clare pegou o livro ansiosamente e começou a tagarelar.
— Eu també m tenho um e-mail de Graham Todd, — Julia ofereceu.
Gabriel sentou Clare no colo e abriu o livro na primeira pá gina. — O
que ele dizia?
— Ele ainda nã o tem o cronograma para o outono, mas está
ministrando um curso de pó s-graduaçã o sobre anjos e demô nios na
Divina Comédia.
Gabriel olhou com interesse. — Isso parece divertido.
— Sim. Ele també m está ministrando um curso sobre poesia
renascentista para estudantes de graduaçã o e está perguntando se eu
gostaria de ser sua professora assistente. Ele disse que a carga de
trabalho nã o seria pesada. Ele nã o pode prometer uma bolsa, apesar de
achar que poderia me oferecer um pagamento. Mas ele diz que está
oferecendo o cargo para me dar experiê ncia. — Julia abaixou o telefone.
— Edimburgo está desenrolando o tapete vermelho para nó s.
— Eu acho que algué m tem andado falando. — Gabriel parecia
sombrio.
— Quem?
— Uma certa pessoa inglesa que por acaso tem as iniciais KP.
— Oh, você quer dizer a Mulher Maravilha?
Gabriel balançou a cabeça. — Rachel é maldosa. Você sabia que ela
comprou para Katherine uma camiseta da Mulher Maravilha?
— Katherine nunca vai usá -la.
— Nã o, mas eu colocaria dinheiro sobre o fato de que ela a
enquadrou e a colocou em uma parede em algum lugar.
— As crianças em Florença pensaram que você era o Super-Homem.
— Pensaram mesmo. — Gabriel sorriu amplamente com a
lembrança. — E você era a minha Lois Lane.
— Eu gostaria de ir à Florença neste verã o. Gostaria que
passá ssemos um tempo com Maria.
Gabriel virou a cabeça. Julia olhou para ele esperançosa.
— Claro. Você sabe, ela pode ser adotada a qualquer momento.
— Eu sei.
Ele estendeu a mã o para agarrar a mã o de Julia. — Mas devemos
passar um tempo em Florença e apresentar Clare à cidade e aos nossos
amigos. També m podemos visitar a Umbria.
— Eu gostaria disso.
— Concordamos em emprestar a casa na Umbria à Rachel e Aaron
nas ú ltimas duas semanas de abril. Entã o, temos que ir depois disso.
— Está bem.
— Eu ainda estou esperando o produtor da BBC marcar as datas da
minha viagem a Londres. Pode ser enquanto você estiver em Oxford.
— Enquanto Rebecca vier comigo, eu icarei bem. O professor
Wodehouse tem sido muito acolhedor, mas duvido que ele permita que
Clare se inscreva no workshop.
Gabriel e Julia trocaram um olhar. Ele apertou a mã o dela e soltou.
Ele levantou o livro infantil e começou a ler para Clare. Ele leu
lentamente, posicionando as imagens na frente dela e apontando para
elas. Ele fez perguntas a Clare e esperou, como se ela fosse responder.
Clare encostou-se ao peito dele e encarou com atençã o as pá ginas do
livro. Quando ele terminou, ele leu outro.
Julia tirou fotos com o seu telefone.

Na manhã seguinte, Julianne estava sendo mimada no spa do hotel,


por insistê ncia de Gabriel, enquanto ele se sentava no chã o com Clare,
brincando com blocos. O celular dele escolheu aquele momento
inoportuno para tocar.
Clare reclamou do barulho.
Ele a prendeu com segurança em uma cadeira de alimentaçã o e
colocou alguns brinquedos na frente dela, e entã o atendeu a chamada
pelo FaceTime.
— Gabriel, bom dia. — O rosto do Dottor Vitali apareceu na tela.
— Olá , Massimo. Como você está ?
— Bem, obrigado. — Vitali embaralhou alguns papé is em sua mesa.
— Fiz algumas ligaçõ es telefô nicas sobre o memento mori. Eu nã o usei
seu nome. Mas lamento dizer que nã o consegui descobrir nada. Os
diretores de museus de todo o mundo entram em contato, de tempos
em tempos, quando artefatos aparecem. Fui abordado em vá rias
ocasiõ es por pessoas que tentavam vender peças valiosas. As vezes a
posse é legı́tima, à s vezes nã o. Entrei em contato com algumas pessoas
para perguntar se elas já viram sua escultura. Eles nã o viram.
— Entendo, — disse Gabriel lentamente. — Obrigado por tentar.
— Claro, claro. E possı́vel que a peça esteja em uma coleçã o
particular e esteja sendo passada ao longo do tempo. As vezes, uma
famı́lia nã o sabe o que tem. Eles podem pensar que o objeto é falso ou
moderno ou algo parecido. Mas posso dizer que ningué m está
procurando essa peça, pelo menos nã o no momento. Ela nã o aparece
nas listas de obras de arte roubadas e ningué m se aproximou de
nenhum dos meus cı́rculos para negociar isso.
— Certo. Em vista disso, Massimo, acredito que tenha que pedir para
você me devolvê -la. Fico desconfortá vel em emprestá -la até saber mais
sobre como chegou em minha propriedade.
O rosto do Dottor Vitali caiu. — Compreendo. Precisamos ser claros
sobre a procedê ncia de um objeto antes de aceitá -lo. Nesse caso, a
proveniê ncia dele é um misté rio.
— Os misté rios em minha vida sã o uma multidã o nesse momento. —
Gabriel franziu a testa. — Mas sou grato por sua ajuda e també m pela
ajuda de Judith.
— Certamente. Espero que você e sua famı́lia venham a Florença em
breve?
— Sim, Julianne e eu acabamos de falar sobre isso. Provavelmente
em maio.
Dottor Vitali esfregou as mã os. — Excelente. Nos vemos entã o. Vou
providenciar para que a escultura seja devolvida a você .
— Obrigado, meu amigo.
— Adeus. — Massimo encerrou a ligaçã o
Outro beco sem saída, Gabriel pensou.
Ele sacudiu sua decepçã o e pegou Clare da cadeira de alimentaçã o.
— Vamos dar um passeio, enquanto a mamã e está fora.
Clare respondeu agarrando o queixo de Gabriel.
Capítulo Cinquenta e Oito

No dia do seu segundo aniversá rio de casamento, Julia foi despertada


pela dor. Agarrou o seu abdome esperando a dor passar, mas isso nã o
aconteceu.
Silenciosamente, ela passou por Clare dormindo no berço e entrou
no banheiro, fechando a porta atrá s de si antes de acender a luz.
Ela nã o era mé dica, mas conhecia bem o seu corpo para saber que
nã o sofria de indigestã o ou dor de estô mago. Quando chegou ao
banheiro, descobriu que seus instintos estavam corretos; ela estava
menstruada.
Seu ciclo mensal levou um tempo para retornar a normalidade,
mesmo depois que ela retomou com os contraceptivos orais. O cé rebro
de Julia icou confuso no inı́cio da manhã , pois havia icado acordada
até tarde desfrutando das atençõ es de seu marido amoroso e dedicado.
Mas enquanto contava com os dedos, percebeu que seu corpo estava
com a hora certa.
Estava preocupada, no entanto, com o grau incomum de dor que
estava sentindo, já que o controle da natalidade no passado o havia
melhorado. E ela estava igualmente preocupada com a quantidade de
sangramento que estava experimentando, que era muito mais do que o
normal.
Ocorreu-lhe que deveria entrar em contato com o Dr. Rubio quando
retornasse a Cambridge, já que sangramento e desconforto eram efeitos
colaterais dos miomas. Embora seus miomas tenham encolhido durante
sua gravidez ela sabia que agora era possı́vel que eles estivessem
crescendo.
Julia fechou os olhos. Ela era sensı́vel na melhor das hipó teses. E
agora nã o era a melhor hora.
Ligou o chuveiro e ajustou a temperatura. Quando ela entrou, ela
posicionou o spray quente na parte inferior das costas, esperando que
isso proporcionasse algum alı́vio. Ela se recusou a olhar para a á gua que
caı́a a seus pé s e desaparecia pelo ralo. Nã o seria bom desmaiar
sozinha, enquanto Gabriel estava dormindo profundamente.
Mais tarde, tendo atendido à s suas necessidades e se enrolado em
um roupã o macio e peludo fornecido pelo hotel, Julia ligou para a
recepçã o e pediu uma compressa té rmica. Mesmo nã o tendo uma em
estoque, eles rapidamente a adquiriram e a entregaram.
Julia se arrastou para fora para assistir o nascer do sol na varanda,
envolta em um cobertor e com uma compressa té rmica sobre o ventre.
Não acredito que isso está acontecendo no meu aniversário, pensou.
Todos os seus planos e a lingerie especial que ela esperava usar
seriam inú teis.
Às vezes, ser mulher era uma merda.

— Nã o foi assim que eu planejei o nosso aniversá rio. — Julia


lamentou o fato enquanto caminhava ao lado de Gabriel e do
carrinho em um passeio pela Lincoln Road.
Era um dia lindo e ensolarado em Miami. Julia estava vestida com
uma blusa brilhante, frouxa e shorts pretos, ostentando sua sandá lia
favorita.
Gabriel també m usava shorts, os olhos escondidos por atrá s dos
ó culos escuros. E Clare vestia um conjunto, usando um chapé u para
proteger o rosto e os olhos. Ela estava fascinada por todas as pessoas e
especialmente pelos muitos cã es em colores que passavam por ela.
— Eu disse à recepçã o que icarı́amos por mais uma semana. —
Gabriel olhou para ela pelo canto do olho. — Feliz aniversá rio.
Ela se inclinou contra ele. — Realmente?
— Eu tenho planos para você e para a nossa piscina privada. — O
tom de Gabriel era prá tico. — Quando você estiver se sentindo melhor.
Julia achou o pensamento tentador.
— Como está se sentindo? — Gabriel baixou a voz para proteger a
privacidade dela.
Ele era terno com ela, isso era verdade. Mas a preocupaçã o com a
qual ele tratava as mais triviais experiê ncias femininas era realmente
comovente.
— Melhor. Tomei algo para a dor e estar do lado de fora, onde está
quente, ajuda.
Gabriel deu a ela um olhar compreensivo.
Por acidente, Clare deixou cair seu coelho de brinquedo favorito (que
nã o era o do pai dela) sobre a lateral do carrinho. E entã o ela se
inclinou para olhar.
O pai dela já tinha uma breve curva de conhecimento sobre isso.
Depois de quase perder o coelho em uma caminhada no dia anterior, ele
criou uma espé cie de trela para o coelho e a colocou com velcro ao
redor do brinquedo. O que signi icava que, se o brinquedo caı́sse,
Gabriel poderia recuperá -lo puxando a trela. Realmente foi engenhoso.
(Embora Gabriel tenha pensado em deixar o coelho para trá s em mais
de uma ocasiã o, simplesmente pelo motivo de ter parado onde estava).
— Recebi outro email de Graham. — Julia tomou um gole do café
gelado que acabara de comprar. — Eu disse a ele que nã o poderia me
comprometer com Edimburgo até que meu supervisor terminasse os
cursos. Ele se ofereceu para falar diretamente com Cecilia.
— Deixe-o. Talvez ele possa colocar um pouco de sentido nela.
— Nã o acho que seja uma boa ideia. Eu disse a ele hoje de manhã que
falaria com ela quando visse a lista dos cursos. Mas eu també m disse
que estava interessada na vaga de professora assistente.
— Boa. Será uma ó tima experiê ncia. Gostaria de saber se poderı́amos
providenciar para você dar uma aula de graduaçã o na Universidade de
Boston.” As rodas já estavam girando na mente de Gabriel.
Julia parou. — Você faria isso? Você sugere isso para a sua disciplina?
— Por que nã o? Eles contratam auxiliares. Nã o posso garantir que a
disciplina o contrate, mas podemos perguntar.
— Eu gostei disso. — Julia voltou a andar.
— Devemos olhar isso no outono depois de voltarmos da Escó cia.
Julia assentiu.
— Julianne. — Gabriel baixou a voz. — Conversei com Nicholas
Cassirer e seu tio Jack nos ú ltimos dias. Nenhum deles foi capaz de
descobrir qualquer informaçã o sobre o invasor.
— O que isso signi ica?
— Isso signi ica que o homem é um fantasma. Jack tem trabalhado
neste lado do Atlâ ntico, enquanto Nicholas tem falado com seus
contatos na Europa. Nada apareceu.”
Julia bebeu mais café . "Suponho que se o homem é um pro issional,
ele tentaria se manter discreto. Se ele é bom no que faz, nã o será pego,
o que signi ica que ele nã o teria uma icha.
— Essa també m foi a avaliaçã o de Nicholas.
— Gabriel, espero que isso nã o signi ique que você esteja planejando
nos manter em Miami inde inidamente.
— Nã o. Gabriel parou o carrinho e foi para o lado. Ele pegou o coelho
de brinquedo que estava pendurado pela trela e o colocou na bandeja
em frente a Clare. Ela o pegou e o abraçou. — Rebecca diz que quer
voltar para casa, mas eu pedi que ela esperasse por nó s.
— E o que ela disse? — Julia se aproximou de Gabriel enquanto ele
continuava empurrando o carrinho.
— Ela cedeu. Acho que ela sente a nossa falta, mas como nã o estamos
lá , ela se contenta em icar mais tempo com o ilho. Embora pareça que
ele nã o passe muito tempo em casa, porque ele está trabalhando.
— Ela provavelmente está estragando-o com a comida dela.
— Sem dú vidas. — Gabriel se serviu de seu pró prio café (quente),
que estava descansando no (pretensioso) porta-copos do carrinho. —
Como você está indo com a lista de leitura de Wodehouse, agora que
Rachel enviou seus livros?
— Está indo. Acho que se eu trabalhar todos os dias terei progressos.
Quando pulo um dia por causa de problemas esqueço onde estou e
preciso reler as passagens. E quanto a você ?
— Está indo. — As feiçõ es de Gabriel se iluminaram, como sempre
aconteciam quando ele tinha a oportunidade de falar sobre Dante. — O
que você acha do rio Lethe?
— Hum, eu nã o sei. Eu acho que é o rio do esquecimento no
Purgató rio, certo?
— Correto. Há um debate na literatura sobre quanto esquecimento
confere ao ser humano. Alguns comentaristas argumentam que é um
rio de esquecimento.
— Eu nã o acho que isso esteja certo. As almas no Paraı́so tê m
memó ria. Portanto, qualquer que seja o papel do rio, nã o pode ser um
esquecimento completo.
— Exatamente —, Gabriel concordou animadamente. — Essa é uma
das coisas pelas quais Rachel está lutando. Ela entendeu que os
abençoados no Cé u sã o totalmente removidos daqueles que ainda estã o
em Terra — como se tivessem esquecido de nó s ou nã o pudessem se
incomodar conosco.
— O paraı́so tem que ser melhor que isso. No entanto, há uma
passagem estranha na Divina Comé dia em que Dante nã o consegue se
lembrar do que Beatrice está falando e ela diz que é porque ele bebeu
do Lethe.
— Esse é o enigma. Isso é parte do que estou tentando descobrir nas
minhas pesquisas. Beatrice diz que as á guas afetarã o suas tristes
memó rias.
— E as trê s virtudes dizem que ele é iel a ela depois que ele está
bê bado do rio. Eu acho isso estranho — ele precisa beber do
esquecimento para ser iel.
Gabriel secou a boca com as costas da mã o. — Nã o tenho certeza do
que está acontecendo. De qualquer forma, ele nã o perdeu todas as suas
memó rias. Ele pede a Beatrice no pró ximo canto. E no canto depois
disso, ela o exorta a deixar para trá s o medo e a vergonha.
— Medo e vergonha. — Julia congelou. — Podemos sentar por um
minuto?
— Você está bem? — Gabriel se aproximou, sua mã o indo para a
parte inferior das suas costas.
— Sim, mas acho que você disse algo importante. Existe um lugar
para sentarmos?
Gabriel olhou em volta. — Logo depois da igreja, há algumas á rvores
e um muro baixo; podemos sentar lá . — Ele agarrou a mã o dela e a
guiou adiante.
Quando chegaram à parede, ele posicionou Clare à sombra das
á rvores, de frente para ele, e ele e Julia se sentaram.
Ele colocou a mã o no joelho dela. — O que houve?
— Eu estava pensando no que você disse sobre medo e vergonha.
Quando olho para a minha vida, há muitas coisas que me envergonham.
E continuo tendo medo das coisas.
— Julianne, você nã o precisa ter medo. Nã o mais.
Julia entrelaçou os dedos com os dele. — Quando você se cura de
uma ferida, você deve seguir em frente. Você deve se lembrar da liçã o
que aprendeu, mas nã o da dor. Eu acho que esse é o ponto de Dante
sobre o rio Lethe. Precisamos esquecer a dor e deixar de lado o medo, a
vergonha e a culpa, mas lembrarmos da liçã o.
— Acho que está de acordo com o que ele está tentando dizer. Mas
suas trocas com Beatrice sã o intrigantes. Depois que ele bebe do Lethe,
ele diz que nã o consegue se lembrar de ser estranho com ela.
Mas sabemos que ele reagiu a ela repreendendo-a com vergonha em
uma passagem anterior.
— Lethe tira a vergonha.
— Mas a memó ria da inconstâ ncia parece ter sumido també m. Esse é
o problema que estou tendo. Acho que sua consideraçã o tem mais
sentido, mas no canto trinta e trê s ele diz que nã o se lembra da
estranheza, nem sua consciê ncia o incomoda.
— Sim —, reconheceu Julia. — Este é o problema.
— Já que estamos nesse assunto. . . — Gabriel brincou com o anel de
trindade de rubi e diamante que ele havia dado a ela apó s o nascimento
de Clare. — Beatrice usa a alusão se a fumaça é a prova de fogo para
argumentar que o esquecimento de Dante é a evidência de uma falha em
sua força de vontade.
— A fumaça nã o é a prova de fogo.
— Exatamente. Garota esperta. — Gabriel tocou o seu anel
novamente. — Há um quebra-cabeça lá — um quebra-cabeça dentro de
um quebra-cabeça. Algué m que lesse rapidamente ignoraria as
observaçõ es de Beatrice, nã o encontrando nada de errado com elas.
Mas se você parar para pensar sobre isso, a fumaça nã o é a prova de
fogo; é a evidê ncia de fogo, talvez, mas nã o a prova. A fumaça pode ser
causada por outras coisas.
— Raramente, mas sim.
— Acho que Dante quer que nos aprofundemos um pouco mais para
escavar a alusã o ao esquecimento e ao Lethe. E é nisso que estou
trabalhando como parte das pesquisas.
— Espero que você descubra. — Julia sorriu. — Porque eu nã o tenho
ideia do que seja.
— Claro que você faz. — Ele admirava os dedos bem cuidados dela,
evidê ncia de sua ida ao spa do hotel. — Você é a minha musa. Você me
ajuda a ver coisas que nã o consigo ver. E você me impulsiona a ser um
homem melhor e um estudioso melhor.
— E engraçado ouvir isso, porque ainda sou uma estudante.
— Pessoas sá bias sã o sempre estudantes. E quando você pensa que
está alé m de aprendizagem que está realmente com problemas. — Ele
se inclinou para frente e roçou os lá bios nos dela.
— Feliz aniversá rio, querida.
— Feliz aniversá rio.
Clare jogou o coelhinho para o lado do carrinho e olhou consternada
ao icar fora do alcance. Ela ainda nã o havia descoberto que poderia
puxar a trela para recuperá -lo. Ela apontou para o coelho e fez um
barulho indignado.
— A princesa Clare me comanda. — Gabriel ingiu suspirar. Ele
pegou o coelho e beijou a bochecha da Clare.
— Almoço? — Ele perguntou. — Suponho que deverı́amos ir a um
italiano, dado o tema da nossa conversa.
— Eu estava pensando em sushi, já que o Dr. Rubio me proibiu de
comê -lo por tanto tempo.
— Precisamos examinar sua lista de banimentos e entrar em todos
eles. Há um em particular pelo qual anseio. — Ele fez uma pausa e se
apressou para esclarecer: — Na pró xima semana, é claro.
— Sim, por favor. — O estô mago de Julia revirou em antecipaçã o.
Capítulo Cinquenta e Nove

28 de Janeiro de 2013

A gora é a nossa chance.


Gabriel pegou a mã o de Julia apó s o pô r do sol, arrastando-a pela sala
de estar da suı́te e saindo para a varanda.
Nessa ocasiã o, ele apagou as luzes dentro da piscina e as da varanda.
Velas foram posicionadas ao redor da piscina e da jacuzzi, oferecendo
uma iluminaçã o fraca e calorosa.
Ele escolheu uma mú sica latina novamente, mas manteve o volume
baixo para nã o acordar a bebê .
— Nossa chance de quê ?
Julia percebeu que o sofá -cama nã o havia sido arrumando. Em vez
disso, Gabriel colocou seus roupõ es de banho em cima do mesmo, junto
com uma pilha de toalhas. Em um canto escuro da varanda, a jacuzzi
zumbia e borbulhava.
— Um mergulho a meia-noite, antes da meia-noite. — Ele a puxou
em direçã o à beira da piscina.
— Eu preciso me trocar. — Ela tentou se afastar, mas ele a manteve
perto.
— Você nã o precisa se trocar.
Sem palavras, ele se despiu de sua camisa e da calça até icar apenas
com sua cueca boxer. Entã o ele esperou.
Julia inspecionou os arredores, apenas para ter certeza de que
ningué m podia vê -los. Ela icou perto dele, como se ele fosse um
escudo, e tirou a blusa e a saia.
— Posso? — Ele passou a mã o em volta da cintura dela e a puxou
para mais perto. Ela assentiu.
Ele desabotoou o sutiã e o deixou cair no deck. Sem impedimentos,
ele largou o short antes de puxar a calcinha por suas pernas bem
torneadas.
Segurando a mã o dela, ele a levou até a beira da piscina e passo a
passo dentro da á gua. Ele desceu completamente abaixo da superfı́cie e,
quando emergiu, limpou a á gua do rosto e passou as mã os nos cabelos.
Gotas de á gua grudavam nos ombros e no peito, brilhando como
pequenas jó ias em cima de suas tatuagens.
Julia decidiu imitá -lo e també m mergulhou. Quando ela emergiu, ele
estava em pé na frente dela. Ele tocou o rosto dela, sua expressã o
ilegı́vel, e a puxou para que icassem um contra o outro, a á gua subindo
até o topo de seus seios.
Ele a beijou.
Fazia uma semana desde que eles izeram amor entã o seu abraço era
urgente, seu ritmo acelerado. Julia colocou os braços no pescoço dele,
agarrando-o dentro d’agua.
Ela o beijou de volta.
As mã os dele deslizaram pelos braços dela até os ombros, as palmas
das mã os acariciando-os. Ele chegou abaixo da á gua, segurando o seio
de Julia, com as pontas dos dedos traçando o seu mamilo.
Ela reagiu com uma forte ingestã o de ar, empurrando o seu seio na
mã o dele. Ele passou os dedos sobre os seios dela e levou a sua boca à
dela.
Ela se inclinou contra ele e ele tomou o seu peso. Quando ele
interrompeu o beijo, pegou a mã o dela novamente, levando-a de volta
para a escada.
— Está mais quente na jacuzzi. — Ele deu um sorriso deslumbrante.
Ele a ajudou a subir as escadas e descer sob a á gua borbulhante e
coberta de espuma.
A á gua parecia estar muito quente contra a sua pele, mas uma vez
que ela mergulhou, ela se viu desfrutando da temperatura mais
aquecida.
Ela olhou para Gabriel com expectativa.
Ele levantou os braços - um convite.
Ela atravessou para onde ele estava sentado e sentou no colo dele, as
pernas balançando debaixo d'á gua em ambos os lados dele. As mã os
dele acariciavam as curvas de sua cintura até onde seu quadril se
alargava. Ele a apertou, fazendo um som ansioso, e a incentivou a se
aproximar.
Seus seios roçaram contra o peito dele quando o sentiu crescer entre
as pernas.
A mã o dele passou por cima do umbigo dela e desceu cada vez mais.
Ele levantou a cabeça para poder ver os olhos dela, assim que seu dedo
fez contato. Julia ofegou e descansou as mã os em ambos os lados do
pescoço dele, inclinando-se para a frente.
Ele continuou a tocá -la, sua mã o empurrada pela á gua quente e
agitada. Entã o ele deslizou um dedo para dentro.
Ela se levantou, permitindo-lhe mais espaço.
Ele entrou e saiu, gentilmente a estimulando, seu polegar
pressionando contra ela.
Quando ela estava perto, ela empurrou a mã o dele e o agarrou com
irmeza. Ela se levantou e, guiada pelas mã os dele em seu quadril,
afundou lentamente até descansar no colo dele.
Gabriel gemeu.
Ela usou os ombros dele como apoio e se levantou antes de afundar
lentamente. Os dedos dele cavaram em seu quadril enquanto ela se
inclinava para frente em seu colo. Entã o ela estava subindo e descendo,
para cima e para baixo, seu olhar caindo para a imagem de Jacob’s
ladder em seu peito.
A mã o de Gabriel deixou o seu quadril para levantar o seu queixo.
Seus olhos azuis ardiam nos dela.
Para cima e para baixo. O olhar dela caiu para a boca dele. Os dentes
dele morderam o lá bio inferior quando ela se inclinou para frente mais
uma vez.
Subindo e descendo. Suas mã os começaram a subi-la e puxa-la,
repetidamente. Ela se apoiou contra ele.
Ele estendeu a mã o e beijou o pescoço dela, mordiscando a pele com
os dentes. Julia se inclinou para frente no momento em que ele
empurrou, levantando o quadril. Suas mã os estavam em torno dela,
mantendo-se unidas.
Ela se afastou e moveu-se para frente. Ele empurrou e puxou-a para
mais perto, continuando a empurrar para cima e para dentro.
Ela sentiu que ele começou a perder o controle e lamentou o fato de
que o havia perdido. Mas entã o o quadril dele mudou e ela sentiu, a
elevaçã o gloriosa enquanto cada nervo em seu corpo ganhava vida. O
prazer correu pelo seu corpo e ela perdeu a capacidade de se mover.
Gabriel se moveu para ela, seu quadril indo para a frente. A cabeça
dela caiu para a frente quando ele parou. Ela o sentiu dentro dela.
Seu corpo icou tenso e relaxado.
E entã o a boca dele estava no pescoço dela novamente, espalhando
beijos sobre a pele molhada.
— Valeu a pena esperar por isso.
— Sim. — Ela o abraçou e apoiou o queixo no ombro dele. Levou um
minuto para recuperar o fô lego. — Vamos icar aqui.
Ele beijou o nariz dela.
— Tudo bem. Mas acho que, eventualmente, começaremos a
cozinhar.
— Bem, vamos sair antes que isso aconteça. — Ela brincou com os
cabelos dele, enrolando os ios em volta dos dedos.
As mã os dele deslizaram lentamente para cima e para baixo nas
costas dela, massageando-a.
— Eu nã o terminei com você . Ainda.
— Oh, sé rio? — Ela sentou-se, procurando os olhos dele.
— Realmente. Mais prazeres esperam por você , se você sair da
jacuzzi.
— Tais como?
— Como uma das atividades que o Dr. Rubio proibiu com rigor e
intolerâ ncia. — Gabriel roçou o nariz contra o de Julia. — Entã o, vamos
nos secar e passar para o sofá .
— Eu – eu nã o sei se ainda posso ter outro orgasmo novamente.
Os olhos de Gabriel se estreitaram com o foco de um homem à beira
da morte.
— Vou encarar isso como um desa io.
Ele a tirou da á gua e a levou pelos degraus até o deck. Entã o ele a
colocou em cima do sofá , envolveu-a em uma toalha seca e fez o melhor
para ganhar o desa io.
Vá rias vezes.
Capítulo sessenta

4 de Fevereiro de 2013
Cambridge, Massachusetts

Julianne nã o deixou a luz acesa.
Por si só , sua escolha era quase sem importâ ncia. Havia uma luz
noturna em uma parede pró xima. Haviam porta-velas que abrigavam
velas sem chamas no corredor, iluminando o caminho para o quarto,
onde Clare dormia profundamente em seu berço. Mas Julianne tinha
desligado a lâ mpada da mesa de cabeceira quando se retirou para
dormir. Quando Gabriel se juntou a ela na cama, depois de uma longa
noite no seu escritó rio, onde estava fazendo suas pró prias traduçõ es de
Dante do italiano para o inglê s, o quarto principal estava escuro.
Gabriel pairou na porta, surpreso com a visã o.
Rebecca estava dormindo no corredor. Ela trabalhou
incansavelmente desde que chegou do aeroporto para preparar a casa
para eles. E ela fez lasanha para o jantar, que era um dos pratos
favoritos de Julianne.
Aaron e Rachel se juntaram a eles, falando entusiasticamente sobre
seus novos empregos. Rachel trouxe uma pilha de vale presentes do
Dunkin 'Donuts para Julianne, que os aceitou com gratidã o.
E Leslie, sua vizinha de olhos de á guia, os havia recebido com uma
torta de maçã caseira e histó rias sobre um orfanato muito calmo, mas
muito atento. O sistema de segurança atualizado na propriedade dos
Emersons parecia ter atingido seus objetivos.
No entanto, Gabriel icou surpreso que na primeira noite em casa
apó s o arrombamento, Julianne estivesse dormindo tã o profundamente,
no escuro.
Ele se aproximou do lado dela da cama e, ao fazê -lo, quase
tropeçou naquele maldito lamingo rosa. Julianne colocou-o como um
cã o de guarda ao lado de sua cama e vestiu uma camiseta com o slogan
eu amo Miami.
O professor contornou o enfeite de gramado com repugnâ ncia, mas
se permitiu uma risada contida. Se Julianne estava fazendo piadas, ela
nã o estava atolada de medo. E isso o aliviou. Muito.
Ele beijou o topo da cabeça dela e acariciou seus cabelos. Entã o ele
foi para o seu lado da cama e se virou, admirando a pintura restaurada
de Henry Holiday enquanto pendurada com orgulho na parede oposta à
cama.
Ele colocou os ó culos e o telefone na mesa de cabeceira. Ele abriu a
gaveta, simplesmente para veri icar se o memento mori ainda estava lá ,
depois de desempacotá -lo naquela tarde. Ele fechou a gaveta, deitou-se
na cama ao lado de sua esposa e sucumbiu ao sono.
Capítulo Sessenta e Um

8 de Abril de 2013
Magdalen College, Oxford

Os dias de inverno de fevereiro e março, logo deram lugar à
primavera.
Graham Todd enviou um e-mail com a programaçã o de outono dos
cursos de graduaçã o oferecidos em Edimburgo, se oferecendo mais
uma vez para falar com Cecilia e a presidente de Harvard. Julia garantiu
que iria lidar com isso.
Em 6 de abril, os Emersons e Rebecca chegaram a Londres e viajaram
até Oxford, para que Julia pudesse participar do workshop de Dante,
organizado pelo professor Wodehouse.
Gabriel teve que voltar para Londres no dia em que Julia entregaria
seu trabalho, no primeiro dia do workshop. Ele deveria gravar uma
sé rie de entrevistas e comentá rios sobre Dante para a BBC. O produtor
havia indicado que ele só precisaria estar em Londres por trê s dias, o
que signi icava que ele retornaria antes do inal do workshop.
Mesmo assim, Julia sentia falta dele e do apoio que sua presença
fı́sica dava.
Ao entrar na sala de conferê ncias do Magdalen College, ela viu que
estava vazia, exceto por uma pessoa. O homem em questã o tinha um
metro e oitenta e trê s e olhos e cabelos escuros. Ele estava vestido
casualmente com uma camisa de botã o, jeans e carregava uma jaqueta
que tinha o emblema da Saint Michael's College estampado nas costas.
— Paul. — Julia o cumprimentou timidamente. Embora ele tenha
enviado um cartã o e um presente quando Clare nasceu, essa foi a
primeira vez que eles se viram desde a ú ltima vez em que ambos
estiveram em Oxford.
Depois disso, Paul escreveu para ela dizendo que nã o queria contato.
Quase dois anos depois, Julia ainda podia sentir a picada de rejeiçã o do
seu amigo.
— Jules! — Paul correu em sua direçã o e a envolveu em um abraço
de urso. — Como você está ? E bom te ver.
— E bom ver você també m. — Ela riu e implorou para que ele a
colocasse no chã o.
— Hum. O professor está por perto? — Ele olhou por cima do ombro
dela.
— Nã o, ele está em Londres até quinta-feira.
— Bom. Ele nã o vai me dar um soco por te abraçar. Paul a abraçou
mais uma vez antes de dar um grande passo para trá s. — Como foi a sua
viagem?
— Foi boa. Clare icou acordada quase o vô o inteiro, mas a
mantivemos entretida. Ainda estou cansada por causa do fuso horá rio.
— Julia alisou os cabelos atrá s das orelhas. — E quanto a você ?
— Ah, tudo bem. Cheguei ontem. O professor Picton me encontrou na
estaçã o de trem. Jantamos juntos ontem à noite.
— Isso é ó timo. Como estã o seus pais?
Paul en iou as mã os nos bolsos da calça jeans. — Eles estã o bem.
Papai está trabalhando cada vez menos na fazenda, por causa do seu
coraçã o. Eu o ajudo quando posso. — Você parece bem. Como está a
bebê ?
Julia pegou o celular da bolsa. — Posso te incomodar com uma foto?
— Isso nã o me incomoda. Eu gostaria de vê -la. — Paul olhou para a
tela. — Ela está icando tã o grande. E olhe para todos os cabelos.
— Ela nasceu com muito cabelo. Eu tenho estilizado isso. — Julia
mostrou a ele mais algumas fotos, incluindo uma foto de Gabriel
sorrindo enquanto segura Clare.
— Isso é o mais feliz que eu já vi o professor. — Paul icou
maravilhado com a visã o. — Clare tem os olhos do pai dela.
— Ela tem. Eu pensei que eles mudariam de cor e combinariam com
os meus, mas sã o tã o azuis quanto os dele. — Julia tocou a tela
distraidamente e guardou o telefone.
— Ouça, antes que todo mundo chegue aqui, desculpe-me pelo e-
mail que enviei. Eu fui um idiota.
Julia levantou a cabeça. — Me desculpe, as coisas eram tã o estranhas.
Paul lexionou os braços conscientemente. — Eu retiro o que disse,
ok? Quero que sejamos amigos, se pudermos.
— Claro que podemos. — Uma sensaçã o de leveza se apoderou do
corpo de Julia. — Senti sua falta, Paul. Eu nã o tenho muitos amigos.
— Tenho certeza de que isso nã o é verdade. — Paul mudou de
assunto. — Gabriel deve estar bem empolgado com as palestras, hein?
Você vai com ele?
Agora, Julia olhou por cima do ombro. — Eu quero, mas a professora
Marinelli nã o assinou. Vou pedir novamente a ela esta semana.
— O que tem de errado com ela?
Julia coloca a sua bolsa no chã o. — Ainda estou no curso em Harvard
e ela nã o aceita os cré ditos de transferê ncia de Edimburgo.
— Isso é estupido.
— Fale-me mais sobre isso.
— Por que os estudantes de pó s-graduaçã o estã o sempre à mercê de
seus professores?
— Porque gostamos do sofrimento. — Julia suspirou o suspiro
oprimido.
— Você lembra dela? Da professora pain?
— Sim. Mas gostaria de esquecê -la. — Julia olhou em volta da sala de
seminá rios. — Você faz idé ia de que já tem quase quatro anos que
está vamos no seminá rio de Gabriel em Toronto?
— Nã o, nã o faço — Paul parecia querer dizer mais, mas ergueu o
queixo em direçã o à entrada. — Aı́ vê m os outros. Você tem planos para
o almoço?
— Nã o.
— Boa. Podemos comer juntos no refeitó rio. — Paul sorriu.
Julia assentiu e se virou para cumprimentar o professor Wodehouse
e o restante dos participantes do workshop.
Ela sorriu para Cecilia, mas nã o foi até ela. Julia icou perto de Paul,
encontrando um assento ao lado dele quando o professor Wodehouse
foi ao pú lpito para iniciar o workshop.
Paul silenciosamente passou uma nota para ela.
Julia desdobrou o papel no colo, lendo-o disfarçadamente.
A Professora M. é uma idiota.

Julia teve que cobrir a boca para abafar o riso.


Mas teve o cuidado de rasgar o papel discretamente, para que nã o
caı́sse nas mã os erradas.

Quarenta e cinco minutos depois, Julia terminou de ler a pesquisa e


abriu a sala para perguntas.
— Por que deverı́amos pensar que Sã o Francisco de Assis viajou para
o cı́rculo dos fraudulentos? —, perguntou um professor de Roma a Julia.
— Guido era um mentiroso. Ele inventou a histó ria. Está claro.
— Está claro que ele é fraudulento, mas sabemos de fontes histó ricas
que parte do que ele a irma é verdade. Ele fez um pacto com o papa. Ele
se tornou um franciscano. O problema é que Guido culpa os outros pelo
destino de sua alma. E ele mistura verdade com falsidade. Classi icar os
dois é o desa io. Portanto, embora seja possı́vel que Sã o Francisco
nunca tenha aparecido e que seja uma completa criaçã o, dadas as
outras partes do relato de Guido, é mais prová vel que a histó ria de
Francisco seja parcialmente verdadeira, e parcialmente falsa.
O professor assentiu e Julianne passou para a pró xima pergunta, que
era de um professor mais jovem de Frankfurt. — Gostei da sua
pesquisa. Mas e a passagem no inı́cio do Inferno, onde Beatrice pede a
Virgı́lio para guiar Dante? Ela faz isso porque nã o pode. Entã o, eu estou
pensando que se a mesma força que impede Beatrice de vagar pelo
inferno també m impediria Francis de aparecer no cı́rculo dos
fraudulentos. Em outras palavras, Guido está mentindo quando diz que
Francis apareceu apó s a sua morte.
— E possı́vel que ele esteja mentindo, sim —, respondeu Julia. —
Mas, novamente, o restante do seu discurso é uma mistura de verdade e
falsidade. A questã o sobre Beatrice e Virgı́lio é boa. Ela pede a ajuda de
Virgı́lio, mas també m diz que nã o tem medo das chamas do inferno e
que deseja voltar ao paraı́so. Talvez seja o caso de ela poder visitar o
inferno, mas apenas por um curto perı́odo, e é por isso que ela nã o pode
guiar Dante. Se Sã o Francisco está em uma situaçã o semelhante, talvez
ele també m possa visitar o inferno por um curto perı́odo, mas nã o pode
icar.
— Talvez haja muitas respostas —, brincou um professor de Leeds,
mas ele o fez com bom humor. — Entendo por que o professor
Wodehouse estava ansioso por um workshop para explorá -los.
Obrigado.
Julia icou um pouco vermelha. Ela deu um suspiro de alı́vio quando
nã o houve mais perguntas e todos aplaudiram.
Ela se sentou ao lado de Paul quando o professor Wodehouse
retornou ao pú lpito para entregar o seu pró prio trabalho.
— Bom trabalho —, Paul sussurrou, dando a Julia um discreto
polegar para cima.
— Obrigado. Lamento que você já tenha ouvido essa pesquisa antes
— ela sussurrou de volta.
— Foi ainda melhor na segunda vez. — Ele piscou e voltou sua
atençã o para o professor Wodehouse.
Capítulo Sessenta e dois

Gabriel icou olhando pela janela do seu quarto no Hotel Goring em


Londres.
Já passava da meia-noite. Mais cedo ele havia perdido uma ligaçã o de
Julianne e da Clare no FaceTime. Ele saiu para jantar e beber com
Eleanor, o produtor da BBC; Maite Torres, a apresentadora de televisã o;
e o restante dos acadê micos que Eleanor havia reunido para o
documentá rio.
Como um cruzamento entre Survivor e Antiques Roadshow, ele
pensou, exceto que as antiguidades sã o os acadê micos. Salvando a si
mesmo, é claro.
Ele provou o chá obedientemente, desejando que fosse uı́sque. Ele
desejava estar nos pequenos quartos que Julianne e Clare estavam
dividindo no Magdalen College, em vez do luxuoso espaço inamente
decorado do Goring.
Ele adorava o luxo, é claro, mas estava vazio sem elas. Nã o havia
brinquedos no chã o, inspirando-o a gritar maldiçõ es quando tropeçava
neles à noite. Sem arrotos.
Ele cheirou o ar. Sem fraldas.
E, no entanto, com todo o luxo que o cercava e com todas as refeiçõ es
requintadas de Londres e pelas (reconhecidamente) conversas
interessantes com especialistas renascentistas mundialmente
renomados, Gabriel teria negociado ansiosamente tudo para poder
colocar Clare na cama. Depois de ler o (nã o terrivelmente) profundo
goodnight moon.
Aqui estava a graça transformadora da famı́lia. Aqui estava seu
legado e seu futuro.
Nada poderia substituir o contentamento que ele sentia na presença
de sua esposa e de sua ilha. Embora ele soubesse que haveria
momentos em sua vida em que eles precisariam se distanciar, ele
decidiu manter esses momentos o mais curto possı́vel. Porque sem elas,
sua vida luxuosa, pretensiosa e acadê mica era vazia e pequena.
Talvez tenha sido essa percepçã o que levou Dante a escrever A
Divina Comé dia. Tendo tido um amor tã o grande, sua vida era pequena
sem ele. Entã o ele teve que escrever uma grande obra para descrever
adequadamente sua experiê ncia.
Gabriel deixou de lado o chá e foi até a escrivaninha que icava na
parede oposta. Ele pegou o celular e fez algo que jurou uma vez nunca
fazer: tirou uma foto de si mesmo. Sorrindo gentilmente nela.
Ele colocou os ó culos e, com alguns movimentos dos dedos na tela,
anexou a fotogra ia a um e-mail endereçado a Julianne. Ele contou a ela
sobre o seu dia e noite e escreveu uma saudaçã o muito especı́ ica para a
Clare,

Papai te ama , Clare.


Seja uma boa menina para a mamãe.
Até breve.

XO

Gabriel pressionou enviar. Enquanto se preparava para dormir,


pensou em Julianne abrindo o e-mail em algumas horas. Ele pensou
nela mostrando a fotogra ia para Clare e ela apontando para a foto
reconhecendo-o.
Ele era o pai da Clare, e talvez esse fosse para o professor Emerson o
tı́tulo mais importante de todos.
Capítulo Sessenta e Três

Os pró ximos dias foram os mais longos da vida de Julia. Ou pelo


menos parecia.
Ela gostou do workshop e sentiu que estava coletando muitas idé ias
para sua dissertaçã o, mas Cecilia permaneceu fria e distante em relaçã o
a ela, especialmente quando estava na presença de Katherine Picton.
Julia passou a maior parte do tempo durante o dia com Paul e
Graham, quando nã o estava correndo de volta para seu quarto para
alimentar Clare. Julia era grata por Rebecca, que levou Clare para
passear, fazer piqueniques e visitar sua madrinha, Katherine, que se
ausentou de uma ou duas sessõ es para acompanhar a bebê por Oxford.
Nesse dia, Gabriel deveria retornar de Londres no trem da tarde. Eles
mantinham contato por e-mail e FaceTime, mas ele estava ocupado
durante o dia e a noite.
Gabriel descreveu os outros acadê micos como algo semelhante ao
que se poderia encontrar em um Museu Britâ nico. De fato, ele supô s
que um professor em particular da University College London poderia
ter encontrado a Pedra de Roseta.
E Cecilia anunciou repentinamente durante o café da manhã que
voltaria aos Estados Unidos na manhã seguinte, o que signi icava que
Julia nã o podia mais esperar. Ela precisava pedir novamente a Cecilia a
aprovaçã o para um semestre fora em Edimburgo. Por isso, foi com
grande apreensã o que Julia icou do lado de fora da porta do escritó rio
temporá rio de Cecı́lia, no novo edifı́cio do Magdalen College na quinta-
feira à tarde.
Julia respirou fundo e bateu.
Entre -, Cecilia chamou.
Julia abriu a porta. - Você tem um minuto?
— Certamente. — Cecilia apontou para uma cadeira pró xima e Julia
sentou-se. O escritó rio era pequeno, mas acolhedor, com uma janela
que dava para o bosque. Perto dali um rebanho de cervos mordiscava a
grama silenciosamente. Pô de-se ver o cervo branco da faculdade
orgulhosamente entre eles.
A mesa de Cecilia estava coberta de papé is e livros, e seu laptop
estava aberto. Ela parecia estar no meio da escrita.
Ela esperou educadamente que Julia falasse.
Julia remexeu na bolsa, que fora um presente de Rachel e Gabriel
vá rios anos atrá s. Ela pegou um pedaço de papel e entregou a Cecilia.
Cecilia a lançou um olhar interrogativo. — O que é isso?
— Esta é a lista de cursos de graduaçã o em estudos italianos que
estã o sendo ministrados no outono em Edimburgo.
A expressã o de Cecilia icou gé lida. Ela passou os olhos pela lista e a
devolveu a Julia. — O curso de Graham Todd sobre Dante é bom. Mas
nã o vejo como os cursos sobre cinema moderno italiano contribuirã o
para o seu programa.
— Há um curso sobre a in luê ncia da Bı́blia na literatura
renascentista —, protestou Julia em voz baixa. — Há um curso de
poesia medieval.
— Os cursos oferecidos em Harvard sã o mais extensos e mais
apropriados para sua pesquisa. Vou ministrar um curso comparativo
sobre Virgil e Dante, que você deveria fazer. — O comportamento de
Cecilia era implacá vel.
Julia olhou para a lista de cursos e passou lentamente um dos dedos
em um dos tı́tulos.
— Você nã o aprova um semestre no exterior para mim?
— Nã o.
Julia observou a expressã o de Cecilia, procurando qualquer indı́cio
de equı́voco. Nã o havia nenhum. Resignadamente, ela colocou a lista de
volta em sua bolsa e a fechou.
— Obrigada pelo seu tempo. — Julia se levantou e se aproximou da
porta. — Gostei de trabalhar com você .
— Vai dar tudo certo. — Cecilia deu um pequeno sorriso. — Muitos
casais acadê micos se deslocam. Você e Gabriel icarã o bem viajando por
um ano.
Julia olhou para a maçaneta, que estava bem ao seu alcance. Ela se
virou para encarar a supervisora. — Eu nã o vou me deslocar com o meu
marido. O curso do professor Todd parece interessante e ele me
convidou para ser professora assistente em uma de suas aulas de
graduaçã o.
Cecilia tirou os ó culos. Ela parecia zangada.
— Acabei de lhe dizer que nã o aprovarei a transferê ncia para esses
cursos. Eles nã o contam para o seu programa, o que signi ica que você
nã o poderá fazer seus exames gerais no inverno.
— Compreendo. Vou ligar para o professor Matthews e arquivar a
papelada para trocar de supervisores.
Cecilia piscou, como se a resposta de Julia fosse inesperada. — Com
quem você trabalhará ?
— Professora Picton. Ela analisou os cursos de Edimburgo e
concordou em me supervisionar. Sua nomeaçã o em Harvard começa em
agosto.
— Você foi pelas minhas costas. — O tom de Cecilia era acusador.
— Apenas como ú ltimo recurso.
— Nã o vou fazer parte do seu comitê . — Cecilia mudou para o
italiano. — Você está se mudando rapidamente ao abandonar os cursos
que oferecemos no outono para essas ofertas insigni icantes em
Edimburgo. Nã o irei ler sua dissertaçã o e nã o escreverei uma carta de
recomendaçã o para você quando tentar conseguir um emprego.
Julia recuou. No ar, as palavras de Cecilia eram apenas sons juntos.
No mundo de Julia, elas eram lechas projetadas primeiro para ameaçar
e depois para prejudicar. Os possı́veis empregadores notariam a nã o
apariçã o de Cecilia no comitê de dissertaçã o de Julia. Eles notariam a
ausê ncia de sua carta de recomendaçã o no dossiê de Julia. Alé m dos
possı́veis empregadores, os comitê s de bolsas de estudo e as agê ncias
de concessã o de bolsas també m notariam a falta de aprovaçã o do
professor Marinelli.
Enquanto Julia analisava sua professora, icou ó bvio que Cecilia nã o
estava blefando. Suas lechas encontrariam o alvo, e este era a
reputaçã o de Julia.
Ela se sentiu atacada. Ela se sentiu ferida. Ela e Cecilia já haviam
desfrutado de um relacionamento acadê mico. Foi Cecilia quem a
incentivou a tirar uma licença de maternidade. Agora tudo estava se
desenrolando.
Houve um tempo em que Julia havia sido alvo de censura de outro
professor. Antes que Gabriel soubesse quem ela era, ele a conheceu em
seu escritó rio em Toronto e disse que a relaçã o professor-aluno nã o
estava funcionando. Ela deixou o escritó rio se sentindo humilhada. (E
ela deixou uma surpresa nã o intencional embaixo da mesa dele.)
Mas Julianne nã o era mais aquela jovem tı́mida e desajeitada. E ela
nã o se permitiria ser um peã o no jogo de xadrez de outro acadê mico
egoista.
Ela e Gabriel haviam sobrevivido aos meses de separaçã o e sem
contato antes de se casarem. Enquanto eles vivessem, Julia faria tudo ao
seu alcance para garantir que nunca mais se separassem.
Ela faria qualquer coisa para proteger Gabriel de si mesmo, para que
ele nã o sentisse a necessidade de rejeitar as aulas apenas para icar
com ela em Massachusetts. Con irmaria para a professora Marinelli,
mesmo que isso signi icasse aceitar sua censura injusta.
— Sinto muito que você se sinta assim, Cecilia. Desejo-lhe o melhor.
— Julia levantou a cabeça e saiu do escritó rio. Ela nã o deixaria a
professora Marinelli ver o seu medo.
Capítulo Sessenta e Quatro

Os conventos do Magdalen College eram incrivelmente pitorescos.


Julia inclinou-se atravé s de uma das arcadas abertas para o espaço
arejado, procurando as pequenas esculturas de pedra que estavam ao
longo das paredes. C. S. Lewis, o professor e autor, havia sido inspirado
a incorporar as mesmas esculturas em O Leã o, a Bruxa e o Guarda-
Roupa, um dos livros favoritos de Julia.
Em sua primeira visita a Oxford, ela e Gabriel haviam permanecido
na faculdade. E ela saiu da cama tarde da noite para olhar as esculturas.
Mas ela nã o ousaria pisar no gramado excepcionalmente bem cuidado à
luz do dia, por medo de ser despejada.
Sua conversa com Cecilia repetia em sua mente, mais e mais. Julia se
perguntou se poderia ter lidado com isso de maneira diferente. Ela se
perguntou se Cecilia teria sido mais receptiva se ela tivesse abordado o
assunto mais cedo.
Trabalhar com a professora Picton era uma honra, é claro, mas Julia
gostava de trabalhar com a Cecilia. Ela a considerara uma amiga. Sua
despedida hostil iria assombrar o resto de seus estudos de pó s-
graduaçã o e agora sua carreira. Mesmo a má gica de Katherine nã o
poderia impedir Cecilia de falar ironicamente sobre Julia e seu projeto,
se assim o desejasse.
A academia era muito parecida com um feudo.
— Procurando por Aslan? — Uma alegre voz a chamou.
Um homem alto e de ombros largos se aproximou ao lado dela. Julia
olhou para o rosto de Paul Norris e sentiu uma gratidã o instantâ nea.
"Eu desejo."
O comportamento alegre de Paul mudou quando ele viu seus olhos
lacrimejantes.
— O que há de errado?
— Cecilia nã o aprovaria meu semestre em Edimburgo. Quando eu
disse a ela que iria trocar de supervisores, ela disse que nã o atuaria no
meu comitê de dissertaçã o e que nã o escreveria uma carta de
recomendaçã o para mim no mercado de trabalho.
— Merda. Sinto muito. — Paul se moveu para se apoiar no mesmo
arco que Julia. Ele en iou a mã o no bolso da calça jeans e produziu um
lenço de papel. — Aqui.
— Obrigado. — Ela o pegou com gratidã o e limpou o nariz.
— Você nã o acha que Cecilia vai mudar de ideia?
— Ela estava bastante in lexı́vel.
Paul amaldiçoou.
— E ridı́culo. Você está no seu ú ltimo semestre do curso. Edimburgo
tem um programa em italiano e Graham está lá . Qual é o problema da
Cecilia?
— E uma longa histó ria, mas basicamente acho que ela está chateada
por nã o ter sido escolhida para as palestras. Nosso reitor deu a ela um
pouco de estresse e acho que ela está jogando-o em mim.
— Isso é besteira.
— Estudantes de pó s-graduaçã o sã o peõ es. Ou coelhos.
Paul a lançou um olhar interrogativo.
— Você nã o conhece a pará bola do coelho e da má quina de escrever?
—, Perguntou Julia.
Paul balançou a cabeça.
— O coelho está em sua toca, digitando furiosamente em uma
má quina de escrever. Ela digita por dias e noites e, inalmente, quando
termina, surge com seu projeto. E há um leã o sentado do lado de fora da
sua toca, que tem assustado a todos.
— E o leã o come o coelho", disse Paul.
— Nã o. O leã o protege o coelho, para que ele possa concluir o seu
projeto.
— Você me deixou confuso, Jules. Acho que você precisa se sentar,
tomar uma bebida gelada.
— O coelho é o estudante de graduaçã o e o leã o é um bom
orientador de dissertaçã o.
Paul procurou os olhos de Julia por um minuto.
— Isso é besteira. Quem quer trabalhar com um leã o?
— O ponto é que você precisa de um orientador que seja forte e
e icaz o su iciente para protegê -lo de todos os outros animais que estã o
tentando atacá -lo.
Paul coça a testa.
— Estou tã o feliz por nã o ser mais um aluno. Eu pensei que trabalhar
com Gabriel era ruim. Com qual leã o você irá trabalha agora?
— Katherine Picton.
Paul sorriu.
— Ela é uma leoa, com certeza. A histó ria dela chamando Christa
Peterson e dizendo que ela nã o foi convidada para a conferê ncia de
Oxford é lendá ria. Algué m fez um meme de Katherine gritando
"absurdo".
— Eu gostaria de ver isso.
— Vou enviá -lo para você . Eu sei que Cecilia faz um ó timo trabalho,
mas a professora Picton é melhor. Eu escolheria Katherine em vez da
Cecilia em um piscar de olhos.
— Eu amo a Katherine, você sabe disso. Mas nã o gosto de abandonar
algo.
Paul bateu no ombro dela amigavelmente.
— Você nã o está abandonando. Você está mudando para coisas
maiores e melhores. Há uma diferença.
Julia sorriu fracamente.
— Obrigado.
— Sobre o que você vai escrever em sua dissertaçã o?
— Ainda estou elaborando a proposta, mas gostaria de escrever
sobre Guido da Montefeltro, Sã o Francisco, e a morte do ilho de Guido.
Eu gostaria de fazer uma comparaçã o entre as duas narrativas de
morte.
— Gosto da sua interpretaçã o do por que Francis apareceu. Você
poderia trazer algumas das Hagiogra ias de Francis també m.
O sorriso de Julia se alargou.
— Isso é o que eu estava pensando. Eu poderia falar sobre a
espiritualidade franciscana e contrastar isso com as maquinaçõ es
polı́ticas de Guido.
— Este workshop é perfeito para você .
— Tem sido ó timo. E as pessoas tê m sido gentis. Eu tive muitas
sugestõ es de livros e artigos para estudar. Sinto que estou progredindo.
Paul se virou de lado para poder ter uma melhor visã o de Julia.
— A professora Picton concordou em supervisionar você ?
— Sim. Ainda tenho que obter a aprovaçã o da minha disciplina e
Katherine precisa assinar o formulá rio. Mas ela nã o pode fazer isso até
ingressar na faculdade de Harvard, o que acontecerá em agosto. Por
enquanto, estou sem uma supervisora.
Naquele momento, o celular de Paul tocou. O toque era
"Guantanamera".
Julia o olhou com curiosidade.
— Mú sica cubana?
Paulo corou.
— Uma amiga minha escolheu o seu pró prio toque.
Julia queria perguntar sobre a amiga de Paul, mas decidiu que o
assunto poderia ser muito delicado.
Paul pareceu ler a sua mente.
— O nome dela é Elizabeth. Trabalhamos juntos. — Ele parou
abruptamente e recusou a ligaçã o. — E complicado.
— As vezes complicado pode se tornar bom. — Julia deu a ele um
sorriso encorajador.
— As vezes. — Paul colocou o telefone de volta no bolso. — Você está
feliz? Com a sua vida, quero dizer?
— Você me pegou em um momento ruim, mas em geral sim. Cheguei
à conclusã o de que é fá cil se apaixonar; é a vida que é complicada. Mas
eu nã o trocaria a minha vida por qualquer outra, mesmo que nem
sempre tenha sido do jeito que eu esperava.
— Estou feliz que você esteja feliz. — Paul olhou para os sapatos. —
Você merece ser feliz, coelhinha.
— Obrigado. Você sempre foi um grande amigo. — Impulsivamente,
Julia tocou o ombro dele.
Em troca, ele pegou a mã o dela e a apertou.
Foi uma troca ı́ntima, com certeza, mas uma que nasceu de um
verdadeiro afeto e amizade. Paul soube naquele momento que Julia o
amava. E embora o amor dela por ele nã o fosse o româ ntico, era
afetuoso e profundo. E era o tipo de amor que ele esperava que
continuasse em suas vidas, mesmo quando ele buscava um amor
diferente com outra pessoa.
Eles se separaram no mesmo momento, sorrindo timidamente para
os seus sapatos.
Passos soaram nas proximidades, e Julia viu Gabriel caminhando na
direçã o deles, empurrando Clare no carrinho. Ela estava com os pé s
descalços e chutando os pé s alegremente, um coelho de brinquedo
abraçado ao peito.
Paul inclinou-se para Julia e sussurrou de forma conspirató ria.
— Vejo que o meu coelho foi um sucesso.
— Nã o mencione isso na frente do Gabriel, mas é o seu brinquedo
favorito —, Julia sussurrou de volta. — Ela nã o vai a lugar nenhum sem
ele.
— Ela tem muito bom gosto.
Quando Gabriel os alcançou, cumprimentou Julianne com um beijo.
Entã o ele estendeu a mã o para o ex-aluno.
— Paul.
— Professor Emerson. — Os dois homens apertaram as mã os.
O professor hesitou, seus olhos azuis avaliando o outro homem.
Aparentemente satisfeito, ele disse:
— Você provavelmente deveria me chamar de Gabriel.
A boca de Julia caiu aberta.
Paul pareceu surpreso, mas rapidamente se recuperou.
— Gabriel— ele repetiu obedientemente.
— Quando você voltou? — Julia perguntou, abraçando o marido com
mais força.
— Há pouco tempo —, ele respondeu. Fui direto para os quartos para
deixar minha bagagem e depois trouxe Clare para encontrá -la. Don
Wodehouse disse que pensou ter visto você por aqui.
— Paul, essa é a Clare. — Julia se inclinou e beijou o bebê em sua
cabeça.
— Olá , Clare. — Paul estendeu a mã o para o coelho. Ele a mexeu nos
braços dela.
Clare puxou o coelho para longe dele.
— Bababa —, respondeu ela, como se o estivesse repreendendo.
— Eu nã o vou levar o seu BaBa. Eu prometo. — Paul se endireitou. —
Qual a idade dela?
— Pouco mais de sete meses —, respondeu Julia. Ela falou com o
bebê , perguntando como foi a sua manhã . O bebê falou em troca.
— Katherine convidou a todos nó s para jantar no All Souls —,
anunciou Gabriel. — Nó s devemos chegar à s seis e meia. E necessá ria
uma roupa adequada.
O professor resistiu ao desejo de encarar as roupas casuais de Paul
que consistiam em uma camisa de botã o e jeans. No entanto, ele ajustou
a gola de sua pró pria camisa branca, possivelmente
subconscientemente.
— Otimo. Obrigado. — Paul apontou na direçã o da biblioteca. —
Preciso procurar algumas coisas antes do seminá rio de amanhã . E
entã o talvez eu precise alterar. Encontro você no All Souls hoje à noite.
Gabriel assentiu formalmente.
— Obrigado, Paul. — Julia deu um sorriso apreciativo antes que ele
partisse na direçã o da livraria Magdalen.
— E obrigada. — Ela abraçou o marido mais uma vez. — Obrigado
por ser gentil com ele. Ele me apoiou a semana toda. Fiquei muito
agradecida por ele estar aqui, principalmente porque Cecilia está me
tratando friamente.
— Algo mudou em Paul. — Gabriel olhou para longe. — Ele age com
você de forma diferente.
Julia fechou e abriu os olhos.
— Nã o consigo imaginar como você poderia saber uma coisa dessas
somente alguns segundos depois de vê -lo.
— Chame isso de instinto de marido. — Gabriel se concentrou na
esposa. — O que está acontecendo com Cecilia?
Julia coçou a nuca.
— Fui encontrar Cecilia há pouco tempo. Encontrei Paul depois que
deixei o escritó rio dela.
Gabriel puxou a mã o tensa de Julia do pescoço dela e a segurou.
— O que ela disse?
— Ela disse o que disse antes - nã o aprovará um semestre fora.
Gabriel apertou os lá bios.
— E o que você disse?
— Você icaria orgulhoso de mim. Eu disse a ela que estava trocando
de supervisora
— Eu estou sempre orgulhoso de você . — Os olhos de Gabriel
encontraram os dela. — Mas você tem certeza que quer fazer isso?
— Absolutamente. — Julia se inclinou para mais perto. — Ela foi
maldosa. Malvada e vingativa. Eu nem iria dizer a ela com quem iria
trabalhar. Eu simplesmente agradeci e tentei sair, mas ela me
pressionou para obter detalhes. Quando eu disse a ela que iria
trabalhar com Katherine, ela disse que nã o atuaria como leitora no meu
comitê de dissertaçã o. E ela disse que nã o escreveria uma carta pra
mim para o mercado de trabalho.
— Isso é um absurdo! — Gabriel cuspiu. — Você trabalha com ela há
mais de dois anos. Ela deveria lhe dar uma carta apenas por esse
motivo.
— Ela nã o vai. — A coluna de Julia se endireitou e seus olhos
lamejaram. — Foi quando eu soube que estava fazendo a escolha certa,
nã o apenas por você e por mim, mas també m pela minha carreira. Eu
nã o quero trabalhar com algué m assim. Nã o quero ter que andar sob
cascas de ovos por medo de que ela me abandone a qualquer momento.
Katherine nunca faria isso.
Gabriel puxou Julia para seus braços, enterrando o rosto em pescoço.
— Entã o você vem comigo para Edimburgo?
— Sim. Preciso ligar para o Greg Matthews e explicar a situaçã o para
ele. Vou atualizar a Katherine durante o jantar.
Os braços de Gabriel icaram tensos nas costas de Julia.
— Estou furioso com Cecilia. Tem certeza de que nã o quer que eu fale
com ela?
— Nã o, eu lidei com isso. Mesmo que Cecilia nã o tivesse sido
maldosa, eu nã o permitiria que ela nos separasse. Eu só queria dar a ela
a chance de fazer a coisa certa.
— Paciê ncia é uma das suas maiores falhas.
— Eu pensei que a paciê ncia era uma virtude.
Ele se afastou para fazer contato visual.
— No meu caso, de initivamente. No seu caso, nem chega perto.
Julia riu.
— A Universidade de Edimburgo nos ofereceu uma casa na
Drummond Street, perto do Old College —, anunciou Gabriel
entusiasmado. — Há uma ó tima cafeteria na esquina e boas calçadas
para o carrinho.
— Teremos que protege-la. Clare estará andando a essa altura.
— Sé rio? — Gabriel passou os dedos pelos cabelos. — Tã o cedo? Isso
é maravilhoso. Poderemos explorar a cidade juntos e o resto da Escó cia
també m.
— Eu acho que você estará ocupado sendo o palestrante em
residê ncia. E eu vou fazer cursos e servir como professora assistente do
Graham Todd, se ele ainda me quiser.
— Ele seria sortudo por ter você . Viajaremos nos ins de semana. E
feriados. — Ele a pegou e a levantou em direçã o ao teto.
— Ponha-me no chã o! — Julia gritou, apertando seus ombros. — O
professor Wodehouse nos verá e nos chutará para fora.
— Eu duvido. Tenho certeza de que Don rodou garotas bonitas no
arco uma ou duas vezes no passado. — As risadas de Gabriel
combinaram com as suas.
Clare fez barulhos no carrinho, exigindo atençã o.
— Oi, Clare. — Julia acenou para ela. — Mamã e e papai estã o
conversando agora.
— E a nossa casa em Cambridge? — Julia perguntou, quando seus
pé s estavam inalmente no chã o. — E Rebecca?
— Espero que Rebecca venha conosco, porque precisaremos de sua
ajuda —, disse Gabriel com irmeza. — O que você acha de Rachel e
Aaron icarem em nossa casa enquanto estivermos fora? Eles podem
icar de olho na casa e isso vai os ajudar a economizar com aluguel.
— Eu acho que é uma ó tima ideia. — Julia fechou os olhos,
momentaneamente distraı́da com todas as coisas que ela teria que fazer
para se preparar para mudança para a Escó cia.
Gabriel pegou a mã o dela mais uma vez. Ele mexeu na aliança de
casamento dela.
— Estou muito agradecido por embarcarmos nessa jornada juntos.
Sei que estaremos ocupados e sei que será um ajuste. Mas acho que
morar em Edimburgo será uma aventura. — Seus olhos azuis
brilhavam.
— E eu aqui que pensei que você era um hobbit, que adorava icar
em seu esconderijo quente e seguro em Cambridge, desprezando as
aventuras.
Gabriel bufou sua insatisfaçã o.
— Eu pareço mais com o Aragorn do que com um hobbit.
— Sim, eu creio que sim. — Ela beijou a carranca dele.
— Nã o temos um momento a perder. Você deve ligar para o Greg
Matthews imediatamente. — Gabriel pegou o carrinho e apontou Clare
para a direçã o de seus quartos. — Vou ligar para um dos fabricantes de
kilt em Edimburgo e pedir um kilt para Clare.
— Eu nã o sabia que os Emerson tinham um Tartã .
— Eles nã o, mas há um Clark tartan. Ela se vestirá com suas
estampas xadrez, em homenagem a Richard e Grace. E també m há um
Mitchell tartan, eu acho. Deverı́amos ter um kilt feito para homenagear
o seu pai.
— Eu gostei disso. — Julia segurou o braço dele. — Mas como
planejamos a Escó cia, ainda há mais uma coisa.
— Nã o há nada.
Julia sorriu tristemente.
— O memento mori. Antes de convidarmos Aaron e Rachel para
cuidarem da casa, nã o devemos ter certeza de que o ladrã o nã o voltará ?
Gabriel olhou para Clare, que olhou para ele. Ela sorriu, expondo as
gengivas.
Gabriel sorriu de volta.
Quando ele se virou para Julia, ele estava com uma expressã o
sombria.
— Ainda temos o objeto. Ainda temos um esboço do intruso. No que
diz respeito à polı́cia de Cambridge, é uma investigaçã o aberta. Nã o vou
desistir de fazer perguntas, mas até agora nã o encontrei nada. Estou
inclinado a pensar que o ladrã o já teria voltado para casa agora. Ou ele
nã o conseguiu encontrar um colecionador para a obra de arte que
possuı́mos ou foi detido pelo sistema de segurança.
— Entã o Rachel e Aaron estarã o seguros?
— Quando eles vierem, será setembro. O arrombamento ocorreu em
dezembro. As chances de o ladrã o voltar seriam muito pequenas.
— Bom. — Julia tocou seus bı́ceps. — Talvez devê ssemos manter o
memento mori, só por um tempo. Em seguida, doar anonimamente ao
Palazzo Riccardi. Tenho certeza de que eles icarã o felizes em tê -lo.
Gabriel começou a empurrar o carrinho, com Julianne ao seu lado.
Clare virou-se na cadeira e apontou um dedo gordinho para Gabriel.
— Papapapapa.
Gabriel praticamente tropeçou em si mesmo, parando tã o
rapidamente. Ele deu a volta em frente ao carrinho e se agachou em
frente de Clare.
— Papa. — Ele apontou para si mesmo. — Papa.
— Papa. — Clare repetiu. Ela moveu a cabeça para frente e para trá s.
— Papapapa."
— Está certo, Princesa. — Ele apontou para si mesmo mais uma vez.
— Papa.
— Papapapa —, Clare repetiu. Ela bateu palmas, pegou o coelho e
começou a mastigá -lo.
— Papa —, Gabriel sussurrou. Era mais uma oraçã o do que uma
palavra
— Eu tenho tentado convencê -la a dizer Mama primeiro. — Julia
tocou o ombro de Gabriel. — E claro que Clare, como seu pai, tem suas
pró prias ideias.
— Acho que Clare, como a mã e dela, tem suas pró prias ideias. — Ele
bagunçou os cabelos de Clare e se endireitou.
— Isso foi intenso. — Ele apertou os lá bios por um momento. (E se
você dissesse que os olhos dele estavam lacrimejando, ele teria lhe dito
que eram por conta de suas alergias.) — Para onde estamos indo? Perdi
a noçã o do que está vamos fazendo.
Julia pegou o carrinho.
— Vamos para nossos quartos para que eu possa ligar para o Greg
Matthews. E entã o eu vou gravar um vı́deo de Clare chamando você de
papa. Podemos salvá -lo para a posteridade e enviá -lo para nossas
famı́lias.
— Perfeito. — Gabriel entrou em sintonia com Julia e o carrinho,
mantendo um olhar atento sobre Clare.
Naquele momento, com sua famı́lia, com o nome que sua amada ilha
o abençoara e com a perspectiva de uma nova aventura juntos na
Escó cia, Gabriel nunca havia sido mais feliz ou mais esperançoso.
Independentemente dos desa ios ou perigos que ele e Julianne
enfrentassem, eles o fariam em famı́lia.
E essa foi a promessa de Gabriel.

Fim.

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