MARTELOTTA, Mário Eduardo. Mudança Linguística: uma abordagem baseada no uso.
São Paulo: Cortez, 2011.
A obra Mudança Linguística: uma abordagem baseada no uso, de Mário Eduardo
Martelotta, é o primeiro volume da Coleção Leituras introdutórias em linguagem. O capítulo III da obra citada apresenta dois fenômenos de mudança distintos, com algumas características semelhantes. As pesquisas sobre gramaticalização acompanham a retomada dos estudos funcionalistas em 1970, quando os linguistas buscavam resgatar as informações diacrônicas para os estudos sintáticos. Tratando primeiramente do processo de gramaticalização, Martelotta (2011) o define como processo de mudança linguística unidirecional, no qual itens lexicais e construções sintáticas passam a assumir funções gramaticais e, quando gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais. Ao detalhar este processo, o autor explica que elementos do nível representacional, a saber, dados que fazem referência a o mundo biossocial, como objetos, entidades, entre outros, passam a assumir funções gramaticais funcionais ou interacionais. Neste percurso, as estruturas linguísticas relacionadas a domínios mais concretos se tornam mais fixas e mais abstratas. É válido observar o envolvimento da metáfora que, neste processo, mostra, por exemplo, dados espaciais que passam a expressar relações contextuais, numa extensão analógica do uso espacial inicial, como exemplificam os usos de depois e onde. Após uma variedade de exemplos de gramaticalização no português brasileiro, conclui-se a validade da observação que propõe que a sintaxe atual tende a características morfológicas posteriores, em decorrência de processos de gramaticalização. Ressalta-se a impossibilidade de separar léxico e sintaxe, enfatizando mais uma vez a noção de construção gramatical, bem como a integração dos planos fonético-fonológico, morfossintático e conceptual. Tendo em vista alguns questionamentos ao caráter unidirecional da gramaticalização, ou seja, o fato de elementos representacionais se tornarem gramaticais e não o processo inverso, Martelotta (2011) destaca que os exemplos contrários à unidirecionalidade não têm significação estatística para contradizer essa característica. Ressalta também que a extensão, a dessemantização, a decategorização e a erosão são parâmetros de gramaticalização que comprovam a tendência à unidirecionalidade. As últimas informações sobre o processo de gramaticalização retomam as motivações deste fenômeno, que são de dois tipos: primeiro, as motivações comunicativas, dentre as quais encontramos a necessidade de expressar domínios abstratos da cognição em termos de domínios concretos; a negociação do sentido por falante e ouvinte no ato da comunicação; a tendência dos ouvintes para selecionar estruturas ótimas; a tendência dos falantes para usar expressões novas e extravagantes e, por fim, a iconicidade a marcação e a freqüência. Em segundo, estão as motivações associadas ao contato linguístico, que compreendem o evento de a gramaticalização de uma construção ser acionada pelo contato com outra língua. A tradição de estudos sobre gramaticalização é maior do que a de pesquisas sobre lexicalização, o que pode estar associado à falta de consenso sobre a definição deste fenômeno de mudança. Mesmo diante, desta problemática a conceituação mais comum é a de lexicalização como processo criador de novos elementos lexicais, a partir da combinação ou modificação de estruturas que já existem. Como processo diferente da gramaticalização, a lexicalização cria elementos linguísticos mais lexicais, referenciais e menos produtivos. Embora vejamos que essas sejam características dos itens antes de se gramaticalizarem, não podemos associar a lexicalização a uma reversão da gramaticalização, uma vez que não são desfeitos processos como perda de sentido, composicionalidade, extensão e outros fatores pelos quais elementos gramaticalizados passam. Seria difícil, por exemplo, reconstituir as perdas fonéticas sofridas por elementos gramaticalizados, o que retoma a tendência unidirecional da gramaticalização. Mesmo diferentes, a gramaticalização e a lexicalização partilham a perda de fronteira dos elementos, a perda de composicionalidade e a unidirecionalidade, segundo indica Martelotta (2011) nos seus últimos apontamentos sobre os fenômenos destacados no capítulo aqui resumido.