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ALUNA: Amanda de Souza Brito

CUNHA, Maria Angélica Furtado da; OLIVEIRA, Mariangela Rios de;


MARTELOTTA, Mário Eduardo (orgs.). Linguística funcional: teoria e prática. Rio
de Janeiro: DP&A/FAPERJ, 2003.

FICHAMENTO COMENTADO(parte 2)

(Continuação) emergentes, posto que se refere à necessidade que elas têm de se refazer
de acordo com as pressões do uso. Na gramaticalização, itens lexicais e expressões
sintáticas podem assumir funções gramaticais em alguns contextos e, uma vez
gramaticalizados, podem desenvolver novas funções no âmbito da gramática.

“As regras de gramática permitem algumas exceções”.

A partir do momento em que a estrutura é analisada como variável dependente de


fatores contextuais, temos a gramática vista de forma menos rígida e estática, de modo
que passa a permitir exceções baseadas no uso da língua.

P.29 e 30

“Em linguística, iconicidade é definida como a correlação natural entre forma e


função, entre o código linguístico (expressão) e seu designatum (conteúdo). Os
lingüistas funcionais defendem a idéia de que a estrutura da língua reflete, de algum
modo a estrutura da experiência. Como a linguagem é uma faculdade humana, a
suposição geral é que a estrutura linguística revela as propriedades da mente
humana”.

Os primeiros estudos da linguagem na Grécia, principalmente através de Platão e


Aristóteles, privilegiaram em suas reflexões a relação entre os nomes e as coisas,
questionando se tal relação era natural ou convencionada. Ambas as teses refletiram-se
de forma relevante nos estudos linguísticos, de modo que o formalismo estruturalista
estará ligado a convenção, posto que não acredita na motivação linguística, enquanto o
funcionalismo irá considerá-la primordial, observando, por exemplo, que uma narração
pode ter os fatos nela mencionados organizados segundo sua ordem de acontecimento, o
que denota que a estrutura da língua reflete a estrutura da experiência. Podemos
considerar também uma motivação decorrente da forma como as ações estão
organizadas na mente do falante. Esta organização mental poderá ser apresentada na
estrutura da língua. Conclui-se disto que a língua não é um mapeamento arbitrário de
ideias para enunciados.

P.30
“O filósofo Peirce (1940) discorda parcialmente da ideia de total arbitrariedade,
recuperando, em certa medida, a posição adotada pelos antigos naturalistas e
conjugando-a à postura dos convencionalistas. Segundo ele, a sintaxe das línguas
naturais não é totalmente arbitrária, e sim isomórfica ao seu designatum mental. No
entanto, esse isomorfismo da sintaxe, ou correlação transparente entre forma e função,
não é absoluto, e sim moderado. Na codificação sintática, princípios icônicos
(cognitivamente motivados) interagem com princípios mais simbólicos (cognitivamente
arbitrários), que respondem pelas regras convencionais.”

Na postura teórica de Peirce (1940) observamos a reflexão sobre a relação entre a


linguagem e o mundo, sob parâmetros de categorias não discretas. Isto é perceptível em
sua atitude de retomar o naturalismo, conjugando-o à postura que lhe era contrária.
Assumindo uma postura moderada quanto ao isomorfismo linguístico na codificação
sintática, alia iconicidade e arbitrariedade, colocando a possibilidade de que interajam.
Podemos relacionar este posicionamento de Peirce (1940) à postura funcionalista que
pretere dicotomias rígidas como língua e fala e sincronia e diacronia, proporcionando a
análise do fato linguístico como um todo.

P.32

“Segundo o subprincípio da quantidade, quanto maior a quantidade de informação,


maior a quantidade de forma, de tal modo que a estrutura de uma construção
gramatical indica a estrutura do conceito que ela expressa. [...] O subprincípio de
integração prevê que conteúdos que estão mais próximos cognitivamente também
estarão mais integrados no nível da codificação [...]. O subprincípio da ordenação
linear diz que a informação mais importante tende a ocupar o primeiro lugar da cadeia
sintática, de modo que a ordem dos elementos no enunciado revela a sua ordem de
importância para o falante.”

Os subprincípios da iconicidade permitem a observação da configuração da motivação


linguística defendida pelo funcionalismo. No primeiro subprincípio temos a relação
entre quantidade de informação (maior complexidade cognitiva), e quantidade de forma
como diretamente proporcionais. Por exemplo, as estruturas que expressam plural
tendem a ser mais longas do que as que expressam o singular. O segundo subprincípio
mostra que a maior integração cognitiva está também refletida na estrutura. Como
exemplo deste subprincípio pode-se pensar a inclusão de apostos que pode resultar na
perda da concordância verbal entre os termos dentre os quais estão inseridos. O
subprincípio de ordenação linear postula que a informação pode ser organizada na
cláusula segundo a sua ordem de ocorrência. Por exemplo, se a mãe pergunta ao filho
“Como foram as provas de hoje?” O filho poderia responder: Mais ou menos! A
primeira foi de português, e eu fui bem. A segunda foi de química, e acho que vai dar
para ficar na média. A última foi de matemática. Nesta, eu fui muito bem, acho que
posso até ter ‘fechado’ a prova!”Neste exemplo, a organização dos enunciados pelo
falante refletirá a ordem de ocorrência dos exames.
P.34.

“O princípio da marcação, herdado da linguística estrutural desenvolvida pela escola


de Praga, estabelece três critérios principais para a distinção entre categorias não-
marcadas, em um contraste binário:

a) complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser mais complexa ( ou


maior) que a estrutura não marcada correspondente;
b) a distribuição de frequência: a estrutura marcada tende a ser menos freqüente
do que a estrutura não-marcada correspondente;
c) complexidade cognitiva: a estrutura marcada tende a ser cognitivamente mais
complexa do que a estrutura não-marcada correspondente. Incluem-se, aqui,
fatores como esforço mental, demanda de atenção e tempo de processamento”.

A marcação é um conceito que se refere a estruturas que apresentam características


distintivas em relação a dado padrão de uma categoria, o que confronta necessariamente
dois fenômenos para que possamos apreender a diferença. Diferente de outros princípios
funcionalistas, a marcação parece menos propícia a formação de uma definição, sendo
apreensível através dos critérios acima estabelecidos. Já que ser marcado reflete na
estrutura linguística motivações referentes à complexidade estrutural e cognitiva e a
distribuição de frequência, vemos que a marcação está diretamente relacionada à
iconicidade.

P. 36

“Dado o caráter fluido e criativo da língua, é necessário adotar parâmetros de


gradualidade na análise da marcação, em vez de considerar as categorias lingüísticas
em termos discretos ou binários”.

Este apontamento nos leva a uma discussão sobre alguns casos que seriam considerados
marcados a priori. A negativa padrão, por exemplo, é tida como marcada em relação à
afirmativa. Contudo, se comparada com a negativa dupla ou negativa final será menos
marcada quanto aos critérios de freqüência, complexidade estrutural, e fatores
pragmáticos. Desta forma, seria mais apropriado observar a marcação como gradual e
não a partir de contrastes binários. Nota-se ainda, que em casos específicos os critérios
de marcação não coincidem, de forma que quanto a um dos critérios uma estrutura pode
ser considerada marcada, mas em relação a outro isso pode não ocorrer. Desta forma,
nota-se que a reflexão sobre o contexto é mais proveitosa para que se analise os casos
em pesquisa dentro da sua complexidade, sem tolhê-los a fim de encaixá-los em
definições.
P. 37

“Para a gramática tradicional, transitividade refere-se à transferência de uma


atividade de um agente para um paciente. É, portanto, uma propriedade dos verbos,
classificados como transitivos, quando acompanhados de objeto direto ou indireto, ou
intransitivos quando não complemento. Segundo a formulação de Hopper e Thompson,
a transitividade é concebida como uma noção contínua, escalar. Trata-se de um
complexo de dez parâmetros sintático-semânticos independentes, que focalizam
diferentes ângulos da transferência da ação em uma porção diferente da sentença”.

Diferindo da proposição tradicional do que seria transitividade, algo simples e


determinado pela existência de complementos diretos e indiretos que levam aos
conceitos de intransitivo ou transitivo, a formulação funcionalista da transitividade a
torna uma propriedade gradual e escalar, dependente da consideração de uma série de
fatores, o que permite observar tal fenômeno em sua complexidade, posto que sob este
tipo de análise é visto em sua função discursivo-comunicativa, refletindo a maneira
segundo a qual o falante estrutura seu discurso para atingir seus propósitos
comunicativos. Impressiona que a transitividade também tem características icônicas,
tendo em vista que a transitividade da estrutura pode ser motivada por sua função
pragmática.

P.39

“O modo como o falante organiza seu texto é determinado, em parte, pelos seus
objetivos comunicativos e, em parte, pela sua percepção das necessidades do seu
interlocutor. Nesse sentido, o texto apresenta uma distinção entre o que é central e o
que é periférico. [...] Em termos de estrutura de texto, ou de planos discursivos, a
divisão entre central e periférico corresponde à distinção entre figura e fundo. [...]
orações com alta transitividade assinalam porções centrais do texto, correspondentes á
figura, enquanto orações com baixa transitividade marcam as porções periféricas,
correspondentes ao fundo”.

O falante faz inferências sobre as necessidades do seu interlocutor estabelecendo graus


de relevância para as informações que transmite, considerando-as centrais ou
periféricas, o que corresponde à distinção entre figura e fundo. Assim como a
iconicidade e a marcação, a transitividade oracional e os planos discursivos estão
relacionados. De acordo com a quantidade de traços de transitividade que uma cláusula
apresenta, ela ocupará um lugar mais alto ou mais baixo na escala de transitividade. As
partes com grau mais alto de transitividade estão relacionadas à figura, enquanto as que
têm baixa transitividade estarão relacionadas às informações periféricas, ao fundo.

P.42
Atualmente não se trabalha mais com a concepção dicotômica de figura e fundo.
Algumas pesquisas (TOMLIN, 1987; SILVEIRA, 1991) mostraram a necessidade de
redefinir a categoria plano discursivo, não mais em termos binários, e sim como um
continuum, cujos os pólos seriam a superfigura, do lado mais saliente ou relevante, e
superfundo, do lado mais difuso ou mais vago.

Neste sentido, as informações não são classificadas em categorias fechadas, mas


escalares, de modo que existem informações mais ou menos centrais. Esta proposição
referente aos planos discursivos vistos de maneira gradual, assim como a marcação,
exemplifica o que disse Gívon (1995) ao colocar que no funcionalismo as categorias
não são discretas.

P. 43

“A informatividade manifesta-se em todos os níveis da codificação linguística e diz


respeito ao que interlocutores compartilham, ou supõem que compartilham, na
interação. Do ponto de vista cognitivo, uma pessoa comunica-se para informar o
interlocutor sobre alguma coisa, que pode ser algo do mundo externo, do seu próprio
mundo interior, ou algum tipo de manipulação que pretende exercer sobre esse
interlocutor. Tradicionalmente, a parte da cláusula que apresenta a informação velha é
denominada tema, enquanto a parte que apresenta a informação nova é denominada
rema”.

A informatividade e os conceitos de tema e rema exemplificam a organização da


cláusula pelo falante relacionada ao conhecimento que partilha com o seu interlocutor.
O falante faz inferências a acerca do conhecimento do interlocutor, omitindo
informações que supõe que já sejam conhecidas. Os níveis da informatividade também
poderão ser configurados pelo falante a partir de propósitos comunicativos. A
informação velha (tema), possuidora de menor dinamismo comunicativo, tende a
aparecer no início da cláusula, enquanto a nova (rema), como mais dinamismo
comunicativo, tende a ser apresentada no final.

P.46

“Prince (1981, p. 235) classifica os referentes (ou entidades) do discurso a partir da


noção de conhecimento compartilhado, que é assim descrito: ‘ O falante assume que o
ouvinte conhece, admite ou pode inferir algo particular (sem estar necessariamente
pensando nisso)’. Organiza as entidades em três grupos: novas, evocadas e inferíveis.”

Prince (1981) foi o primeiro a formular um modelo de discurso no qual o fator de maior
relevância é o conhecimento compartilhado entre os participantes de uma interação. Na
linguística funcionalista, estas questões relativas à informatividade são abordadas a
partir da classificação semântica de referentes no discurso. Neste sentido, o modo de
apresentação de um referente tem determinações de ordem semântico-pragmática. Isso
equivale a classificar referentes ou entidades sob parâmetros do conhecimento
compartilhado. Em atitude ativa sobre a língua que utiliza, o falante faz inferências
sobre as informações possuídas pelo interlocutor, o que modifica o seu discurso de
acordo com os seus objetivos comunicativos. As entidades são organizadas em três
grupos que devem seguir o princípio das categorias não discretas. Assim, temos: a)
novas: introduzidas pela primeira vez no discurso. Contudo, nesta classificação há a
entidade totalmente nova, chamada de nova-em-folha, e a disponível, que já está na
mente do ouvinte por ser, geralmente, um referente único em um dado contexto; b)
evocadas: já ocorridas no texto, podendo ser textualmente ou situacionalmente
evocadas; e c) inferências: identificadas através de um processo de inferência a partir de
outras informações dadas.

OUTRAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CÂMARA Jr., Joaquim Mattoso. História da lingüística. Trad. De Maria do Amparo


Barbosa de Azevedo. Petrópolis: Ed. Vozes, 1975.

MACEDO, Alzira Verthein Tavares de. Funcionalismo. Revista Veredas, Juiz de Fora,
v.1, n. 2, p. 73-88 – jan./jun., 1998.
SILVA, Leilane Ramos da. Correntes Linguísticas: notas sobre o formalismo e o
funcionalismo. Revista Interdisciplinar. Sergipe, v. 2, n. 2, p. 106-124 – jul. /dez.,
2006.

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