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ISER, Wolfgang. O ato da leitura. Uma teoria do efeito estético vol. 1.

Tradução
Johannes Kretschmer. São Paulo: Editora 34, 1996.

Prefácio à primeira edição

O texto é um potencial de efeitos que se atualiza no processo da leitura.

“O texto literário é considerado, por conseguinte, sob a premissa de ser


comunicação. Através dele, acontecem intervenções no mundo, nas estruturas
sociais dominantes e na literatura existente. Tais intervenções manifestam-se
enquanto reorganização daqueles sistemas de referência, os quais o repertório
do texto evoca” (p.15) – nessa reorganização revela-se a intenção
comunicativa do texto.

O efeito estético deve ser analisado na sua relação dialética entre texto, leitor e
sua interação. Efeito é estético porque requer do leitor atividades imaginativas
e perceptivas, a fim de obrigá-lo a diferenciar suas próprias atitudes. Teoria do
efeito e não uma teoria da recepção.

Texto: reformulação de uma realidade já formulada. A teoria da recepção está


ancorada nos juízos históricos dos leitores.

O efeito estético se atualiza na leitura.

1. Situação do problema
B) Preliminares para uma teoria da estética do efeito

1. As perspectivas fundadas na leitura e as objeções tradicionais

No processo de leitura se realiza a interação central entre a estrutura da obra e


seu receptor. A obra literária tem dois pólos que podem ser chamados artístico
e estético. O artístico designa o texto criado pelo autor e o estético a
concretização produzida pelo leitor. A obra é mais do que o texto: é só na
concretização que ela se realiza.

O TEXTO SE REALIZA SÓ ATRAVÉS DA CONSTITUIÇÃO DE UMA


CONSCIÊNCIA RECEPTORA. DESSE MODO, É SÓ NA LEITURA QUE A
OBRA ENQUANTO PROCESSO ADQUIRE SEU CARÁTER PRÓPRIO. A
OBRA É O SER CONSTITUÍDO DO TEXTO NA CONSCIÊNCIA DO LEITOR.

NA OBRA LITERÁRIA SUCEDE UMA INTERAÇÃO NA QUAL O LEITOR


‘RECEBE’ O SENTIDO DO TEXTO AO CONSTITUÍ-LO. O CÓDIGO SURGIRIA
NO PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO, EM QUE A RECEPÇÃO DA
MENSAGEM COINCIDE COM O SENTIDO DA OBRA. AS CONDIÇÕES
ELEMENTARES PARA TAL INTERAÇÃO SE FUNDAM NA ESTRUTURA DO
TEXTO. Estas são de natureza complexa: embora estruturas do texto, elas
preenchem sua função não no texto, mas sim à medida que afetam o leitor.

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Efeito estético: o que advém ao mundo por ele, então ele é o não idêntico ao
de antemão existente no mundo. Busca-se a relacionar o não idêntico a algo
familiar e compreensível. Quando isso acontece, o efeito desaparece, pois
esse efeito só é efeito, enquanto o que é significado se funda em nada senão
nele mesmo.

Efeito: o que sucede com o leitor quando sua leitura dá vida aos textos
ficcionais. A significação teria a estrutura de um evento – ela mesma é um
acontecimento que não pode ser relacionado a denotações de realidades,
sejam elas empíricas ou inferidas.

Interpretação: evidencia o potencial de sentido proporcionado pelo texto. Desse


modo, a atualização da leitura se faz presente como um processo
comunicativo. A interpretação que buscava na obra sua significação queria
instruir o leitor a respeito da significação que ele deveria reconhecer no texto.

Duas questões:
a) Se uma significação apreendida alcança sua significabilidade através da
sua relação com um padrão de referências extratextuais, então essa
significação não pode ter mais um caráter estético, pois ela é referencial,
ou seja, tem um caráter discursivo;
b) Ao invés disso, o acontecimento do texto se apresenta em face de seus
resultados, como uma fonte da qual estes se originam. Esse evento tem
um sentido constituído e esse sentido tem em princípio um caráter
estético, porque significa a si mesmo; pois por ele advém algo ao mundo
que antes nele não existia. Não precisa recorrer a nenhuma referência
para se justificar, pois seu reconhecimento se dá através da experiência
que ele estimulou no leitor.

O sentido só começa a perder seu caráter estético e assumir um caráter


referencial quando nos perguntamos por seu significado. Natureza do sentido
nos textos ficcionais: anfibiológica – ora é estético, ora discursivo.

Os atos de apreensão são orientados pela estrutura do texto, mas não


completamente controlados por elas.

“É preciso, no entanto, levar em conta que os textos ficcionais constituem seu


próprio objeto e não copiam objetos já dados. Isso vale mesmo para os casos
em que textos são captados como representação do padrão ideal; pois a
idealidade enquanto meta da análise já implica esse caráter de não dado
próprio à obra ficcional. Em consequência, a objetividade constituída pelos
textos ficcionais não se confunde com a definição dos objetos reais; os textos
contêm elementos de indefinição. Essa indeterminação não é um defeito, mas
conclui as condições elementares de comunicação do texto que possibilitam
que o leitor participe na produção da intenção textual” (p.57).

A compreensão representa a condição central para a interação entre texto e


leitor.

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“Se os elementos de indeterminação se revelam como condições de
comunicação, que ativam a interação em que o texto pode ser experimentado,
então essa experiência ainda não pode ser classificada como privada. Ao
contrário, sua privatização possível só se realiza quando o leitor individual a
incorpora às suas próprias experiências. Isso é um procedimento adequado e
evidencia que, em uma teoria fundada na leitura, a privatização dos textos se
desloca para um outro lugar de processo de apreensão [...] aquele lugar em
que a experiência estética se transforma em realização prática” (p.58).

“Podemos dizer que os textos literários ativam, sobretudo, processos de


realização de sentido. Sua qualidade estética está nessa ‘estrutura de
realização’, que não pode ser idêntica com o produto, pois sem a participação
do leitor não se constitui o sentido. Em consequência, a qualidade dos textos
literários se fundamenta na capacidade de produzir algo que eles próprios não
são” (p.62).

2. Concepções de leitor e a concepção de leitor implícito

Construção de tipos de leitores que servem para a formulação de metas de


conhecimento:

a) Leitor ideal: mera construção. Representa uma impossibilidade estrutural da


comunicação, pois o leitor ideal deveria ter o mesmo código que o autor. Além
disso, o leitor ideal deveria ser capaz de realizar na leitura todo o potencial de
sentido do texto ficcional – o que seria impossível, pois à cada nova leitura o
texto revela seus diversos significados.
“O leitor ideal é uma ficção, mas ele carrega uma utilidade, pois preenche as
lacunas da argumentação que surgem muitas vezes na análise do efeito e da
recepção da literatura. O caráter de ficção permite que o leitor ideal se revista
de capacidades diversas, conforme o tipo de problema que se procurava
solucionar” (p.66).

b) Leitor contemporâneo: ser realmente existente. Se considerarmos esse tipo


de leitor, veremos que as avaliações das obras refletem certas atitudes e
normas do público contemporâneo, de modo que à luz da literatura se
manifesta o código cultural que orienta tais juízos.

Demais tipos de leitores:

 Arquileitor (Michael Riffaterre): um grupo de informantes que sempre se


encontram em pontos cruciais do texto, para comprovar por suas
reações comuns a existência de um fato estilístico. Como conceito
coletivo, esse leitor serve à apreensão empírica do potencial de efeitos
do texto.

 Leitor informado (Stanley Fish): descrever os processos em que os


textos são atualizados pelo leitor. O leitor informado precisa conhecer a
língua em que a obra foi escrita, ter conhecimento semântico e

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competência literária. Dessa forma, o leitor estrutura o texto graças ás
suas competências.

 Leitor intencionado (Erwin Wolff): se refere à reconstrução de ideia de


leitor que se formou na mente do autor. O leitor intencionado pode
assumir diferentes formas no texto – pode ser a cópia do leitor
idealizado, manifestar-se nas antecipações de normas e valores dos
leitores de outros séculos, na individualização do público, em exortações
para o leitor, nas designações de atitudes, em intenções pedagógicas e
na exigência de suspender a descrença no ato da leitura.
“Desse modo, o leitor intencionado, enquanto ficção de leitor no texto, mostra
tanto as ideias do público de outros séculos, quanto o esforço do autor de ora
aproximar-se delas, ora responder a elas [...] a ficção apreendida do leitor,
discernível em cada caso, permite reconstruir o público que o autor queria
alcançar ” (p.71).

“[...] na imagem do leitor intencionado se matizam, sobretudo, as condições


históricas que influenciavam o autor no momento da produção de seu texto.
Como ficção do leitor, o leitor intencionado marca posições no texto que, no
entanto, não são idênticas ao papel do leitor no texto. [...] É aconselhável, por
isso, diferenciar entre ficção do leitor e o papel do leitor. A FICÇÃO DO LEITOR
É MARCADA NO TEXTO POR UM DETERMINADO REPERTÓRIO DE
SINAIS. ESTE, NO ENTANTO, NÃO É ISOLADO NEM INDEPENDENTE DE
OUTRAS PERSPECTIVAS ESTABELECIDAS PELO TEXTO QUE SE
MANIFESTAM NO ROMANCE COMO O NARRADOR, OS PERSONAGENS E
A AÇÃO. Em consequência, a ficção do leitor é apenas uma das perspectivas
do texto que se relacionam e interagem com as outras. Ao contrário dessa
concepção, o papel do leitor resulta da interação de perspectivas e se
desenvolve na atividade orientada da leitura; desse modo, a ficção do leitor no
texto não pode apresentar mais do que um aspecto do papel do leitor” (p.72).

O leitor intencionado é um tipo de reconstrução que permite revelar as


disposições históricas do público, visada pelo autor.

O leitor se converte na referência do sistema dos textos, cujo pleno sentido só


se alcança pelos processos de atualização sobre eles realizados. Mas, o que é
o leitor que aqui se pressupõe?

 Leitor implícito: não tem referência real; pois ele materializa o conjunto
de pré-orientações que um texto ficcional oferece, como condições de
recepção, a seus leitores possíveis. Ele se funda na estrutura do texto.
“Se daí inferimos que os textos só adquirem sua realidade ao serem
lidos, isso significa que as condições de atualização do texto se
inscrevem na própria construção do texto, que permitem constituir o
sentido do texto na consciência receptiva do leitor. A concepção do leitor
implícito designa, então, uma estrutura do texto que antecipa a presença
do receptor” (p.73).

Todo texto literário oferece determinados papeis a seus possíveis receptores.


Esses papeis mostram dois aspectos centrais:

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 Estrutura do texto – cada texto literário representa uma perspectiva de
mundo criada por seu autor. Não é mera cópia do mundo, mas constitui
um mundo do material que lhe é dado. É no modo de constituição que
se manifesta a perspectiva do autor.
“O romance [...] tem uma estrutura perspectivista que compõe-se de algumas
perspectivas principais que podem ser claramente diferenciadas e são
constituídas pelo narrador, pelos personagens, pelo enredo (plot) e pela ficção
do leitor. [...] elas marcam em princípio diferentes centros de orientação no
texto, que devem ser relacionados, para que se concretize o quadro comum de
referências. A tal ponto uma certa estrutura textual é estabelecida para o leitor
que ele é obrigado a assumir um ponto de vista que permita produzir a
integração das perspectivas textuais” (p.74).
“É justamente por esse motivo que o leitor ganha a oportunidade de assumir o
ponto de vista que é proporcionado pelo texto, para que se constitua o quadro
de referências das perspectivas textuais” (p.74).

O leitor tem que assumir o ponto de vista previamente dado para conseguir
captar as perspectivas divergentes no texto e juntá-las no sistema.

“É através da ficção do leitor que o autor expõe o mundo do texto ao leitor


imaginado; assim o autor produz uma perspectiva complementar que enfatiza a
construção perspectivística do texto. Na ficção do leitor, mostra-se a imagem
do leitor em que o autor pensava quando escrevia e que agora interage com as
outras perspectivas do texto; daí se pode deduzir que o papel do leitor designa
a atividade de constituição, proporcionada aos receptores dos textos [...] a
estrutura do texto e o papel do leitor estão intimamente unidos” (p.75).

 Estrutura do ato – o ponto comum de referências não é dado e por isso


deve ser imaginado. O papel do leitor, desse modo, é ativar atos de
imaginação que, de certa maneira, despertam a diversidade referencial
das perspectivas da representação e a reúnem no horizonte do sentido.
O sentido do texto é apenas imaginável, pois não é dado explicitamente
e, em consequência disso, apenas na consciência imaginativa do
receptor se atualizará. No processo de leitura emerge uma sequência de
tais atos de imaginação. O ponto de vista, como tal, não é fixo, mas
deve ser ajustado pela sequência de imagens até que, por fim, ele
coincide com o sentido constituído.

“O papel do leitor se realiza histórica e individualmente, de acordo com as


vivências e a compreensão previamente constituída que os leitores introduzem
na leitura. Isso não é aleatório, mas resulta de que os papeis oferecidos pelo
texto se realizam sempre seletivamente” (p.78).

“Em resumo, a concepção de leitor implícito representa um modelo


transcendental que permite descrever as estruturas gerais de efeitos de textos
ficcionais. Pensamos no papel do leitor, perceptível no texto, que é composto
por uma estrutura do texto e uma estrutura do ato. Se a estrutura do texto
estabelece o ponto de vista para o leitor, então isso significa que ela leva em

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conta uma regra elementar da nossa percepção que diz que nosso acesso ao
mundo sempre é de natureza perspectivística” (p.78).

“A concepção do leitor implícito descreve, portanto, um processo de


transferência pelo qual as estruturas do texto se traduzem nas experiências do
leitor através de atos de imaginação. Como essa estrutura vale para a leitura
de todos os textos ficcionais, ela assume um caráter transcendental” (p.79).

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