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FT

INTRODUÇÃO AO PROJECTO
ELECTROMECÂNICO

A
DR
DR
AFT
FT
INTRODUÇÃO AO PROJECTO
ELECTROMECÂNICO
Texto de Apoio
A
José C. Páscoa
Departamento de Eng. Electromecânica
Universidade da Beira Interior
DR

Serviços Gráficos da UBI


DR
AFT
FT
A O bem estar da
humanidade depende em
grande medida do trabalho
do Engenheiro. Existe um
futuro de possibilidades
ilimitadas nesta profissão.
Todos os dias surgem novos
conceitos, máquinas, e
processos criados por
engenheiros. Para um
jovem criativo, e
empenhado, não posso
imaginar profissão mais
atraente. As ferramentas
necessárias são a
imaginação e o
DR
conhecimento científico.
DR
AFT
Conteúdo
A
Agradecimentos
Prefácio

1
1.1
1.2
1.3
RESUMO
FT
Introdução ao Projecto em Engenharia

CIÊNCIA, MATEMÁTICA E ENGENHARIA


CAMINHANDO DO PENHASCO PARA O
xi
xiii

1
1
1

PÂNTANO 3
DR
1.4 DEFENIÇÃO DO PROJECTO EM ENGENHARIA 5
1.5 O PROJECTO ELECTROMECÂNICO 8
1.6 O PROCESSO DE PROJECTO SISTEMÁTICO EM
ENGENHARIA 10
1.7 EXEMPLO GENÉRICO 14
1.8 INTERFACES DO PROJECTO 16
1.9 PRINCÍPIOS 18
1.10 AVISO FINAL 19

2 Identificação do Problema 21
2.1 RESUMO 21
2.2 INTRODUÇÃO 21
vii
viii CONTEÚDO

2.3 CONCENTRAR-SE NA FUNÇÃO 24


2.3.1 A técnica de recolocação do problema 27
2.3.2 Determine a fonte e a causa: diagramas

FT
Why-Why 27
2.3.3 O método de revisão 29
2.3.4 Estado presente e estado desejado usando
diagramas de Duncker 29
2.3.5 Investigando soluções existentes: as melhores
práticas e o benchmarking 31
2.3.6 Abordagem fresca ao problema 33
2.4 CRITÉRIOS PARA A DEFINIÇÃO DAS ESPECIFICAÇÕES
DO PROJECTO 33
2.5 CONTEÚDO DE UMA ESPECIFICAÇÃO DE
PROJECTO 39
2.6 EXEMPLOS DE ESPECIFICAÇÕES DE PROJECTO 40

3 Ferramentas de Desenvolvimento do Projecto 43


3.1 CRIATIVIDADE 43
A 3.2
3.3

3.4
SELECÇÃO DE CONCEITOS
TOMADA DE DECISÕES COM BASE EM
MÚLTIPLOS CRITÉRIOS
CONFIGURAÇÃO E INCORPORAÇÃO DO
SISTEMA
46

49

51

4 Plano para o Desenvolvimento do Projecto 55


4.1 INTRODUÇÃO 55
4.2 MENU DE PROJECTO 55
4.2.1 Tarefa 1, avaliação das necessidades 55
DR
4.2.2 Tarefa 2, formulação do problema 56
4.2.3 Tarefa 3, abstracção e síntese 58
4.2.4 Tarefa 4, análise 61
4.2.5 Tarefa 5, implementação 62

5 Planeamento e Gestão do Projecto 67


5.1 INTRODUÇÃO 67
5.2 O CONTEXTO DO PLANEAMENTO DE
PRODUÇÃO 68
5.2.1 Objectivo da programação 68
5.2.2 Utilização dos métodos de programação 69
5.3 OS MÉTODOS DE PROGRAMAÇÃO 69
CONTEÚDO ix

5.3.1 Um método de tipo diagrama: o método


GANTT 70
5.3.2 Exemplo de um Projecto de veículo 73

FT
5.3.3 Um método de caminho crítico: o método
PERT 75

6 Implementação de Projectos Colaborativos 83


6.1 INTRODUÇÃO 83
6.2 CONCEPÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE
EQUIPAS 84
6.2.1 Formação da equipa, inclusão 86
6.2.2 Confrontação 86
6.2.3 Regulação 87
6.2.4 Performance 87
6.2.5 Finalização 88
6.3 GESTÃO DE CONFLITOS, MOTIVAÇÃO E
DESEMPENHO 88
6.3.1 Gestão de conflitos 89
6.3.2 Gestão e avaliação do desempenho 90
A6.4 CONCLUSÃO

Bibliografia
92

93

ANEXO - Exemplo de trabalho efectuado por


alunos da disciplina 94

PROJECTO XMAGA 94
DR
DR
AFT
Agradecimentos
A FT
O desenvolvimento de um programa para a disciplina de Introdução ao
Projecto Electromecânico, de que o presente texto é apenas uma compo-
nente, cedo demonstrou não ser um problema trivial. As duas principais
dificuldades foram, em primeiro lugar, o tratar-se de uma disciplina para um
curso de banda larga e, em segundo lugar, o facto de a disciplina surgir no
plano curricular do curso de Licenciatura de 1o Ciclo (3o Ano).
O trabalho de desenvolvimento do currículo contou com a colaboração
dos vários docentes do Departamento de Engenharia Electromecânica que
compõem as diversas áreas do saber. As áreas consideradas compreen-
DR
dem as Ciências da Engenharia Mecânica/Termodinâmica; as Ciências da
Engenharia Electrotécnica/Electrónica; e as Ciências da Engenharia Infor-
mática/Automação e Controlo.
A leitura do texto permitirá detectar gralhas, erros, e omissões, que espero
me possam ser comunicadas para inclusão em futuras revisões do trabalho.
J. C. P.

xi
DR
AFT
Prefácio
A FT
Um foguetão atravessa os céus guiado por giroscópios e acelerómetros
electromecânicos. Um cardiologista diagnostica um paciente usando um
electrocardiograma obtido por um sistema electromecânico. Um cientista
explora as leis da natureza usando o seu computador, a informação é ar-
mazenada em discos rígidos que funcionam com base na electromecânica.
E, evidentemente, tanto o cardiologista como o cientista tomam o pequeno-
almoço preparado em torradeiras electromecânicas.
No nosso mundo, a engenharia mecânica e a engenharia electrotécnica
estão em geral interligadas. Cada dispositivo eléctrico é também um dispo-
sitivo mecânico; e muitos dispositivos mecânicos são produzidos por má-
DR
quinas alimentadas electricamente e controladas electronicamente.
A Engenharia Electromecânica é caracterizada pela sua interdisciplinari-
dade. O Engenheiro Electromecânico projecta sistemas que combinam os
fenómenos de origem eléctrica e mecânica. Esta arte, pois é disso mesmo
que se trata, tem evoluído ao longo dos últimos 100 anos e adquiriu no Japão
até um nome mais pomposo — Mecatrónica.
Haverá quem diga que a jovem arte da electrónica ultrapassou os feitos
da velha mecânica, em parte porque é a electrónica que comanda os moder-
nos dispositivos tecnológicos, nos computadores, nos aparelhos de áudio e
vídeo, e nos sistemas robotizados. Mas a mecânica é muito mais antiga, tem
já milhares de anos! Mas só a combinação destas duas artes, a Engenharia
Electromecânica, permite a construção de toda uma panóplia de sistemas que
constituem o mundo moderno. Muitos dispositivos electrónicos destinam-se

xiii
xiv PREFÁCIO

a produzir efeitos que não são electrónicos. E de forma inversa, muitos dos
dispositivos mecânicos são fortemente apoiados pela electrotecnia.
A electrotecnia e a mecânica têm, em simultâneo, aspectos simples e

FT
complexos. Todos os circuitos eléctricos (mas não os campos eléctricos)
podem ser convenientemente representados usando diagramas num plano
bi-dimensional. Mesmo as montagens mais complexas podem ser repre-
sentadas num número pequeno de planos com muito poucas conexões entre
eles. Estas montagens incluem circuitos impressos, painéis de controlo, e
circuitos integrados, estes últimos são dos componentes mais complexos
jamais inventados pela humanidade.
A simplicidade mecânica dos diferentes circuitos eléctricos, ligados por
cabos, tornou-os fáceis de projectar do ponto de vista económico e, portanto,
foi possível construí-los dotados de elevada complexidade e capacidade. Ao
olharmos para alguns destes componentes até consideramos trivial o projecto
do motor de combustão.
Mas, por outro lado, a maior parte dos componentes mecânicos são forte-
mente tri-dimensionais, e necessitam de uma representação mais complexa
que os eléctricos ou electrónicos. Para qualquer dos sistemas é necessá-
rio efectuar cálculos detalhados, baseados nas Ciências da Engenharia, por
forma a que o seu comportamento possa ser previsto e a que estes sistemas
sejam devidamente projectados.
Muito pouco pode ser apreendido por simples inspecção visual da monta-
A
gem de um circuito eléctrico, ela apresenta-se misteriosa e requer um estudo
aprofundado para ser compreendida. E, por outro lado, muitos sistemas
mecânicos parecem tão superficialmente óbvios; mas verifica-se depois que
são tão subtilmente complexos. Esta visão superficial, de sistemas aparen-
temente óbvios, leva alguns estudantes a considerarem-na como uma forma
inferior da arte da engenharia. Nada de mais errado!
Geralmente pensamos que os sistemas electromecânicos têm sempre par-
tes móveis, e a maioria tem-nas. No entanto, qualquer dispositivo eléctrico
estático (por exemplo um transformador) consiste numa estrutura mecânica,
que neste caso foi projectada para aproveitar as suas propriedades eléctri-
cas. Esta interligação electromecânica ocorre desde o nível microscópico,
na electrónica do estado sólido, até ao nível macroscópico, por exemplo nos
DR
gigantes radiotelescópios.
Este texto destina-se aos alunos do terceiro ano da Licenciatura em Enge-
nharia Electromecânica, em particular para apoiar a disciplina de Introdução
ao Projecto Electromecânico. Nesta fase da sua formação considera-se que
já adquiriram suficientes conhecimentos, de Ciências Exactas e de Ciên-
cias da Engenharia, que permitem introduzi-los ao mundo maravilhoso da
concepção de um sistema electromecânico.
Esta disciplina não pretende aumentar o nível de formação na área das
Ciências da Engenharia, mas sim contribuir para a formação dos estudantes
na área da Engenharia da Concepção. Pretende-se assim, numa primeira
fase, apresentar a metodologia de projecto sistemático e, numa segunda
fase, levar os estudantes a aplicar essa metodologia ao desenvolvimento
de um pequeno sistema electromecânico. A formação em planeamento e
organização do projecto, em gestão de equipas e de conflitos, é cada vez
mais reconhecida como uma mais-valia para o engenheiro. Esta é aliás a
PREFÁCIO xv

filosofia que é seguida nas melhores escolas de engenharia do mundo. Trata-


se portanto de uma disciplina multi-disciplinar, e integradora, que permitirá
ao estudante fazer a sinergia, e interiorizar, os conhecimentos já adquiridos

FT
nas várias disciplinas do curso.

J. C. PÁSCOA
Covilhã, Universidade da Beira Interior.
Fevereiro de 2008.

A
DR
DR
AFT
CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO AO PROJECTO EM
ENGENHARIA
A
1.1 RESUMO
FT
Este capítulo destina-se a familiarizar o estudante com a natureza do pro-
jecto em engenharia e com a forma como o mesmo é produzido. Começamos
por fazer uma distinção entre os métodos de resolução de problemas da ma-
temática, e das ciências, e a metodologia de resolução de problemas de
projecto em engenharia. Examinamos ainda detalhadamente a definição de
DR
projecto em engenharia. Introduzimos a noção de sistema e apresentamos
aspectos relacionados com o seu projecto, em particular exploraremos a evo-
lução das ideias de projecto desde o seu surgimento até à sua implementação.
Nesse momento enfatizaremos a importância de investir os recursos intelec-
tuais suficientes, nestas fases iniciais, de forma a diminuir a probabilidade
de ter de fazer alterações extremamente dispendiosas nas fases posteriores
do projecto. O capítulo encerra com uma reflexão, algo filosófica, sobre
as subtilezas e a beleza associada ao desenvolvimento de um projecto em
engenharia.

1.2 CIÊNCIA, MATEMÁTICA E ENGENHARIA

Muitos estudantes referem o seu interesse pelas áreas da matemática e da


ciência como razões subjacentes ao seu interesse pelo estudo da engenharia.
Introdução ao Projecto Electromecânico, 1
Primeira Edição. Por José C. Páscoa
Copyright c 2009.
2 INTRODUÇÃO AO PROJECTO EM ENGENHARIA

Baseiam a sua ideia de engenharia na sua experiência do ensino secundário


referente à resolução de problemas abstractos, como é o caso de;
x2 − 8x + 15 = 0.

FT
Baseiam-se ainda em problemas que se apresentam mais relacionados com
o mundo real, como é o caso do seguinte problema:
A força do vento numa superfície plana varia com o valor da área dessa
superfície e com o módulo da velocidade do vento ao quadrado. Quando o
vento sopra a 16 Km por hora, a força numa área de 4 × 5 metros é 5 Kg.
Qual será a força numa área de 1 metro quadrado se o vento soprar a 12 Km
por hora?
Estes estudantes têm uma percepção da engenharia que se baseia na sua
experiência das aulas de física e química, onde combinavam os seus conhe-
cimentos de matemática com os princípios físicos.
Esta percepção de que a engenharia é somente constituída por aplicações
da matemática e das ciência físicas é reforçada pelo currículo tradicional
dos cursos de engenharia. Este põe grande ênfase em cursos de ciências
e matemáticas nos dois primeiros anos, e em aplicações especializadas da
ciência e da matemática naquilo que geralmente se consideram as disciplinas
de Ciências da Engenharia1 . Qualquer que seja o campo de aplicação destas
disciplinas ele traduz-se, na maior parte das vezes, por um conjunto de
características comuns.
A
Em primeiro lugar, os problemas são apresentados com formalidade e são
bem colocados. A expressão bem colocados refere-se aqui a que o problema
se apresenta com dados completos, sem ambiguidades, e livre de quaisquer
contradições. Se não tivesse este tipo de características, os estudantes iriam
queixar-se e o docente teria de reformular o problema de forma considerada
correcta.
Em segundo lugar, as soluções para cada problema são únicas e sintéticas.
Existe geralmente uma só resposta correcta, isto é, um número, um conjunto
de números, ou símbolos. Na realidade até são muitos os livros de texto
usados em cursos de engenharia que apresentam as soluções dos problemas
num anexo.
DR
Em terceiro lugar, estes problemas são fechados de forma bastante evi-
dente. Isto é, através da leitura do enunciado a forma da solução (número,
símbolo etc.) é imediatamente evidente.
Em quarto lugar, estes problemas são aplicados a áreas muito específicas
do conhecimento. Após lermos um enunciado não resta muita dúvida sobre
se o problema é de electrónica ou de termodinâmica.
Resolver problemas que têm todas, ou algumas, destas características é
extremamente importante para a formação do futuro engenheiro! Este tipo
de problemas desenvolve, e amadurece, as capacidades analíticas que são
essenciais em muitas situações de projecto em engenharia. No entanto, a
maioria dos problemas de engenharia no mundo real não possui este tipo de
características. Em particular, muitos problemas de projecto são mal colo-
cados, não têm uma solução única, e o tipo de solução não é imediatamente

1
Electrotecnia, Sistemas Digitais, Mecânica dos Materiais, Termodinâmica...
CAMINHANDO DO PENHASCO PARA O PÂNTANO 3

Estudante Típico de
Engenharia com Bases
Sólidas em Matemática e

FT
Ciências

Terreno Sólido
Ciências da Engenharia

Pântano do Projectista

Figura 1.1 Estudante de engenharia a contemplar o pântano do projectista.

evidente. Além disso, requerem geralmente a integração de conhecimen-


A
tos provenientes de diversas disciplinas ou áreas do saber. Os estudantes
que adquiriram fortes competências para resolver problemas de matemática
e de ciências físicas, sem terem tido qualquer experiência anterior de pro-
jecto, podem achar difícil ajustar a sua forma de raciocínio a esta forma
menos precisa de resolver problemas. Daí a necessidade de uma disciplina
de Introdução ao Projecto em Engenharia.

1.3 CAMINHANDO DO PENHASCO PARA O PÂNTANO

O Professor Donal Schön, do MIT2 , utiliza uma analogia gráfica para


DR
evidenciar a diferença entre a forma tradicional de resolução dos problemas
em matemática e ciências físicas e o que é necessário para tratar os problemas
do projecto em engenharia. Ele compara a forma de resolver problemas em
matemática e ciências físicas com o estarmos à beira de um precipício de
terreno estável. A solidez do terreno simboliza o carácter perene e estável
das leis das ciências e das regras da matemática, proporcionando assim
um lugar confortável ao estudante que se prepara para fazer um curso de
engenharia. Por contraste, o mundo do projecto em engenharia envolve
muitas incertezas, é ambíguo e amiúde inconsistente. O Professor Schön
compara este mundo a um pântano na base do penhasco, veja-se a Fig.
1.1. É extremamente difícil conseguir andar num pântano, e são também
necessárias outras competências para sobreviver à travessia.

2
Massachussets Institute of Technology.
4 INTRODUÇÃO AO PROJECTO EM ENGENHARIA

Professor de Introdução
ao Projecto
Neste

FT
Sentido

Terreno Sólido
Ciências da Engenharia

Pântano do Projectista

Figura 1.2 Modo como o professor de introdução ao projecto vai guiar o estudante.
A
Os aspectos subjectivos tendem a ter uma importância muito superior no
pântano, em relação à natureza objectiva e analítica da vida em terra firme.
A relação entre o docente e o estudante tem também uma natureza diferente.
O docente de matemática, de física, ou de ciências da engenharia é um
especialista no seu campo, e o método de ensino baseia-se em transferir o
máximo de informação para o estudante. Existem evidentemente muitas
forma de facilitar essa transferência de conhecimento (aulas teóricas, aulas
de demonstração, aulas de resolução de problemas...), mas a direcção domi-
nante consiste em transmitir informação do docente para o aluno de forma
objectiva. O docente já conhece as respostas e, com sorte, o estudante no
fim do semestre já deverá ter adquirido a quantidade necessária de respostas
DR
certas para ter sucesso.
Mas como o projecto é muito mais subjectivo, e muito raramente existe
uma única resposta correcta. As opiniões sobre se uma decisão de projecto
é superior a outra são geralmente uma função dos valores e preferências do
avaliador. O docente de projecto não é um transmissor de factos, mas um
facilitador do processo de projecto e um consultor dos estudantes na procura
de soluções para os problemas, veja-se as Fig.s 1.2 e 1.3.
O docente será mais parecido com um árbitro que verificará se as acções
empreendidas são consistentes com as regras, será também como um guia
que devido à sua experiência fará com que a viagem seja mais agradável
e produtiva. As ferramentas adquiridas ao estudar projecto fornecerão as
capacidades necessárias para atravessar o pântano de uma forma agradável.
O docente não removerá os aspectos subjectivos e as incertezas associadas ao
problema, mas será útil para que o estudante se adapte e consiga sobreviver
nesse ambiente.
DEFENIÇÃO DO PROJECTO EM ENGENHARIA 5

Professor de Introdução Conhecimentos


ao Projecto De Projecto

FT
Terreno Sólido
Ciências da Engenharia

Pântano do Projectista

Figura 1.3 Beneficios de estudar com rigor a disciplina de Introdução ao Projecto


Electromecânico.

1.4 DEFENIÇÃO DO PROJECTO EM ENGENHARIA


A
Resolução de problemas reais. As técnicas associadas ao projecto em
engenharia são uma versão mais apurada dos métodos que todos nós utili-
zamos para resolver os nossos problemas do dia-a-dia. O procedimento que
usualmente aplicamos para resolver os nossos problemas diários é bastante
evidente: Encontramos um problema, procuramos obter mais informação
sobre o problema, formulamos diferentes soluções possíveis, e a melhor so-
lução é adoptada. Alguns problemas são de tal forma simples, e as soluções
tão óbvias, que as pessoas os resolvem sem terem consciência do processo
que conduziu à sua resolução.
Exemplo: Uma criança está a passear de bicicleta e as suas calças ficam
DR
presas na corrente da transmissão. A criança pode resolver o problema de
três formas: a) enrolando as calças ao longo das pernas; b) instalando na
bicicleta um protector na zona da corrente; c) colocando um elástico de
forma a apertar as calças contra as pernas.
A abordagem usada pela criança depende de muitos factores, incluindo a
sua familiaridade com a bicicleta, os materiais disponíveis, a sua experiência
anterior, e a sua criatividade. O que funciona bem para o João pode não
se adequar à Susana. O que funciona bem hoje pode não ser adequado
daqui a seis meses. Qualquer que seja a solução, a criança desenvolve
o seu procedimento de projecto sem hesitação. Quando o problema é mais
complexo (como o são a maioria dos problemas de engenharia), é necessário
utilizar uma abordagem metódica e com uma organização formal.
O projecto em engenharia baseia-se portanto na utilização de uma aborda-
gem sistemática para resolver uma determinada classe de problemas. Estes
são geralmente de grande dimensão e apresentam um elevado grau de com-
6 INTRODUÇÃO AO PROJECTO EM ENGENHARIA

plexidade. Como poderemos então distinguir um problema de projecto em


engenharia de outro tipo de projectos, ou de outro tipo de actividades usa-
das para a resolução de problemas? Alguns momentos de reflexão sobre

FT
como responder a esta questão fazem-nos imediatamente compreender que
já caímos no pântano! Não existe uma resposta única para esta questão —
não existe uma definição única e definitiva do que é o projecto em enge-
nharia. No entanto, não devemos deixar-nos vencer pelo problema. Vamos
então procurar informação sobre a definição do projecto em engenharia. Se
ficarmos parados o mais certo é afundarmo-nos no pântano!
Definição de projecto do ABET. Para prosseguirmos o nosso estudo
vamos analisar a definição de projecto adoptada pelo ABET (Accreditation
Board for Engineering and Technology). O ABET é a organização que avalia
e acredita os currículos dos cursos de engenharia nos Estados Unidos. Em
Portugal é a Ordem dos Engenheiros que tem essa tarefa3 . O ABET define
o projecto em engenharia da seguinte forma:
O projecto em engenharia é a forma de obter um sistema, um componente,
ou um processo que satisfaça um conjunto de necessidades. É um processo
de decisão (muitas vezes iterativo), no qual as ciências básicas, a matemá-
tica, e as ciências da engenharia são aplicadas para converter determinados
recursos de forma optimizada e com um objectivo definido. De entre os
elementos fundamentais do procedimento de projecto destacam-se a defini-
A ção de objectivos e critérios, a síntese, a análise, a construção, o ensaio, e a
avaliação.
Num curriculum de engenharia, a componente de projecto deve incluir pelo
menos algumas das seguintes características: o desenvolvimento da criati-
vidade do estudante, a utilização de problemas abertos, o desenvolvimento
e utilização de metodologias de projecto, a criação da formulação e especi-
ficações de projecto, a consideração de soluções alternativas, a apreciação
da possibilidade de implementação das soluções, e a descrição detalhada
do sistema projectado. Para além disso, é essencial incluir um conjunto de
restrições reais como sejam; factores económicos, segurança, fiabilidade,
estética, ética, e impacto social.
Note-se que o projecto em engenharia não é uma acção isolada mas sim
DR
um processo. O ABET identifica o objectivo do projecto em engenharia
como,...”a forma de obter um sistema, um componente, ou um processo in-
dustrial que satisfaça um conjunto de necessidades.” Note-se ainda que o
resultado do projecto pode não ser um componente, ou sistema, físico. Pode
ser apenas um processo, industrial ou não. É o caso, muitas vezes, da indús-
tria química, da engenharia dos materiais, ou da engenharia informática. A
definição do ABET também refere algumas das ferramentas analíticas usa-
das pelos engenheiros nas suas actividades de projecto; “as ciências básicas,
a matemática, e as ciências da engenharia”. Finalmente o ABET identifica
alguns dos elementos do processo de projecto; “a definição de objectivos e
critérios, a síntese, a análise, a construção, o ensaio, e a avaliação”. No seu
conjunto a definição do ABET é já um manual de como iniciar um projecto.

3
Esta situação está a ser revista no âmbito do processo Bolonha e da instituição de um Conselho
Nacional de Acreditação de Cursos.
DEFENIÇÃO DO PROJECTO EM ENGENHARIA 7

A definição deixa ainda a necessária liberdade, e responsabilidade, ao en-


genheiro de projecto para este definir o que é necessário e suficiente para
criar o projecto e resolver o problema. Não existem regras absolutas para

FT
o que se deve fazer, ou como fazer, só existe a experiência e a intuição do
projectista. Ou seja, o projecto em engenharia é um autêntico pântano.

O Projecto como acto central da vida do engenheiro. Apesar das


dificuldades encontradas quando se tenta reduzir a complexidade do projecto
em engenharia a regras, e modelos, simples e universais, o projecto é um
acto central da vida do engenheiro. O projecto é o culminar de todas as
actividades da engenharia, ele inclui a análise e todas as outras ferramentas
e actividades desenvolvidas para atingir os objectivos de projecto.
Embora possam existir variantes, dependendo do tipo de projecto, um
engenheiro deve ter a capacidade de viver, e conviver, com o seguinte:
• A produção de soluções de projecto a partir de um conjunto limitado
de especificações.
• A produção de esquemas de projecto e a sua análise, bem como dos
desenhos de construção e da restante documentação técnica num prazo
bem definido.
• A investigação das especificações de projecto de um determinado com-
A ponente, de um sistema, ou da montagem e instalação em concordância
com outros departamentos da empresa.
• O desenvolvimento de projectos que tenham custos económicos ade-
quados, e com uma qualidade funcional apreciada, de forma a asse-
gurar uma imagem favorável à empresa junto dos seus clientes.
• O desenvolvimento de projectos de viabilidade para produtos futuros.
• A capacidade de desenvolver negociações com vendedores sobre as-
pectos relacionados com a aquisição de componentes ou equipamen-
tos, bem como para negociar com empresas parceiras ou subcontrata-
das.
DR
• A verificação, condução e integração no trabalho de equipas.
As qualidades pessoais, que derivam das responsabilidades anteriormente
enunciadas, que devem de ser assumidas pelo engenheiro são:
• A capacidade para identificar problemas.
• A capacidade para simplificar problemas.
• Possuir capacidades criativas.
• Ter sólidos conhecimentos técnicos.
• Compreender a necessidade de dar respostas urgentes.
• Possuir capacidades analíticas.
8 INTRODUÇÃO AO PROJECTO EM ENGENHARIA

• Conseguir julgar com cuidado soluções e/ou propostas.


• Ter capacidade de decisão.

FT
• Possuir uma mentalidade aberta.
• Conseguir comunicar de forma fácil e eficaz.
• Ter capacidades de negociação.
• Possuir capacidades de supervisão e motivação.
Todas as pessoas possuem em maior ou menor grau estas competências
ou habilidades. No caso dos engenheiros de projecto elas são desenvolvidas,
e amadurecidas, através da prática do projecto e da sua exposição às práticas
de outros.

1.5 O PROJECTO ELECTROMECÂNICO

A maioria dos projectos são um trabalho de equipa, de natureza multi-


disciplinar, onde as distinções entre as disciplinas tradicionais, mecânica,
electrotecnia, electrónica, civil, e até engenharia química se tornam difusas.
Novas áreas de especialização estão constantemente a surgir; a informática,
A
a mecatrónica, a biomédica...
Consideremos, como exemplo, a indústria automóvel. Nos seus primór-
dios esta indústria era uma coutada do engenheiro mecânico. Mas foram
surgindo desenvolvimentos significativos, como sejam: os sistemas electró-
nicos de gestão do motor; os sistemas de controlo de aderência e auxílio
à travagem, os sistemas de suspensão activa, os airbags, etc. O projecto
destes sistemas, extremamente complexos, requer o contributo de diferentes
tipos de especialidades da engenharia. Além disso, a selecção da tecnolo-
gia mais adequada para cada componente, no quadro de um projecto inte-
grado, tornou-se cada vez mais importante para o sucesso do produto. Só
os engenheiros com uma visão alargada de todas as potenciais tecnologias
a empregar podem tomar as decisões correctas.
DR
Vamos apresentar como exemplo o caso do sistema ABS num automóvel.
Uma vez que a indústria automóvel era dominada pelos engenheiros mecâ-
nicos é evidente que os primeiros sistemas de anti-bloqueio eram puramente
mecânicos. Embora o desempenho dessas unidades ABS mecânicas fosse
considerado adequado nessas fases iniciais do desenvolvimento do conceito,
esta tecnologia foi ultrapassada pelos modernos sistemas integrados de ABS
que incluem; tecnologias electrónicas, mecânicas, e de software. Os siste-
mas puramente mecânicos não conseguem atingir os níveis de desempenho
dos sistemas integrados electromecânicos.
O ABS, como o nome sugere, melhora o desempenho na travagem pre-
venindo um bloqueio das rodas. Um sistema deste tipo é apresentado na
Fig. 1.4. Na figura 1.4-a) apresenta-se o esquema geral, na figura 1.4-b)
apresenta-se o circuito electrónico. Para uma descrição completa do sistema
seria ainda necessária uma figura que representasse o circuito hidráulico.
Este sistema permite que ocorra a travagem sem que se perda o controlo
O PROJECTO ELECTROMECÂNICO 9

FT
a)

A
b)
Figura 1.4 Desenho esquemático do sistema ABS de um automóvel Volvo a), e diagrama
do circuito electrónico de controlo do ABS b).
DR
direccional, permitindo ainda reduzir as distâncias de travagem. O sistema
funciona através de um conjunto de sensores que determinam a velocidade,
e aceleração, de cada roda e comparam esses valores com a velocidade do
veículo de forma a modular a pressão nos travões de forma adequada.
A complexidade do sistema completo, representada na Fig. 1.4-a) e b)
mostra bem a necessidade de uma abordagem inter-disciplinar no projecto
deste sistema. Os componentes principais do sistema são:
(1) Sensor das rodas da frente.
(2) Disco de travagem das rodas da frente.
(3) Modulador hidráulico.
(4) Unidade de controlo.
(5) Sensor das rodas traseiras.
(6) Disco de travagem das rodas traseiras.
(7) Lâmpada indicadora.
(8) Circuito hidráulico dos travões.
10 INTRODUÇÃO AO PROJECTO EM ENGENHARIA

São utilizados sensores do tipo indutivo para enviar a informação refe-


rente ao valor da velocidade das rodas para a unidade central de controlo
(computador). Os sinais sinusoidais recebidos pela unidade de controlo são

FT
convertidos para sinais digitais, de forma a poderem ser processados pelos
circuitos lógicos. Os componentes principais do sistema electrónico são:
(1) A bateria.
(2) A chave da ignição.
(10) O alternador.
(2/11) Os fusíveis.
(15) A bobine.
(66) O comutador do travão.
(85) O velocímetro.
(105/107) As lâmpadas indicadoras.
(252) A unidade central de controlo.
(253) O modulador hidráulico.
(254) A unidade de protecção contra sobrecargas.
(255) A unidade conversora analógico/digital do velocímetro.
(256) O sensor da roda frontal esquerda.
(257) O sensor da roda frontal direita.
(258) A caixa de fusíveis do ABS.
(270) O sensor das rodas traseiras.
Não é possível apresentar de forma detalhada o processo de projecto do
A
ABS neste texto, nem é desejável. No entanto, é importante notar que um
projecto deste tipo é pouco depois substituído por outro mais sofisticado e
avançado. Por exemplo, mais recentemente surgiram outros tipos de sis-
tema que incluem a matriz do chassis activo DSTC (Dynamic Stability and
Traction Control). Este sistema utiliza um conjunto de sensores, incluindo
um sensor de posicionamento da direcção, que permite comparar o compor-
tamento real com o comportamento desejável do carro. O DSTC permite
regular a velocidade das rodas de forma a estabilizar o veículo. A Volvo,
pioneira neste tipo de sistemas, descreve o DSTC como uma mão invisível
que mantém o veículo na estrada em condições extremas.
O nosso objectivo ao introduzir o ABS como exemplo foi puramente o de
reforçar o conceito do projecto em engenharia, e de ilustrar as complexidades
DR
inerentes a este tipo de projecto.

1.6 O PROCESSO DE PROJECTO SISTEMÁTICO EM


ENGENHARIA

O custo, em particular nos mercados internacionais, é só um dos factores


em que se baseia o sucesso de um produto. A fiabilidade, a adequação ao
objectivo, o tempo de entrega, a facilidade de manutenção, e muitos outros
factores têm uma influência significativa. E muitos deles são influenciados
e determinados pelo projecto. Um bom projecto é um dos factores chave do
sucesso, quer a nível nacional quer no mercado de exportação, e um bom
projecto é essencialmente assente em processos formais de projecto.
O procedimento de projecto em engenharia, na sua forma mais simples,
é basicamente um processo de resolução de um problema. E este pode ser
O PROCESSO DE PROJECTO SISTEMÁTICO EM ENGENHARIA 11

aplicado a qualquer tipo de problema, e não só a problemas de engenharia.


Convém lembrar que o processo de projecto sistemático que apresentare-
mos, de per si, não fornecerá nenhuma solução de projecto. O objectivo ao

FT
recomendar um processo de projecto é o de apoiar o projectista, fornecendo-
lhe uma metodologia e um ambiente adequados. Sem esse processo existe
o perigo, bem real, de que quando jovem engenheiro é colocado perante um
problema de projecto, e uma folha de papel em branco, este seja incapaz de
iniciar o trabalho. Ao aderir de forma rigorosa a um processo de projecto,
como o que referiremos mais à frente, o projectista pode libertar a mente
(que pode ficar extremamente confusa durante o projecto) de forma a poder
ser mais criativo e a obter soluções mais racionais.
Uma abordagem sistemática permite ainda manter um registo lógico e
claro do desenvolvimento do projecto. Este aspecto é particularmente im-
portante nos casos em que o produto é objecto de posterior desenvolvimento
e redesenho. Além disso, o projectista garante que foram seguidas boas práti-
cas de projecto no caso de existir um posterior conflito judicial (uma situação
que cada dia acontece mais na vida de um projectista e das empresas). Este
tipo de justificação, de boas práticas de projecto, é mais facilmente demons-
trado se houver uma abundante documentação, como é o caso de registos de
decisões tomadas e das razões porque foram tomadas.
Se aceitarmos então a necessidade de uma abordagem sistemática, então
sob que forma e em que ordem devemos considerar os diferentes factores?
A
Existem diferentes procedimentos sugeridos na literatura sobre metodolo-
gias de projecto, mas a maioria destes são semelhantes e distinguem-se
apenas em pequenos detalhes. A Fig. 1.5 ilustra o procedimento de projecto
sugerido por Pahl e Beitz e a Fig. 1.6 apresenta o procedimento sugerido
pelo SEED. O estudo das duas figuras revela uma semelhança a nível glo-
bal, sendo que o procedimento de base consiste em identificar o problema,
construir possíveis soluções, seleccionar uma ou mais soluções, refinar e
analisar o conceito seleccionado, proceder a um projecto de detalhe, e fazer
uma adequada descrição do produto de forma a permitir a sua produção.
Como é óbvio, para que ambos os modelos estejam completos deve ainda
incluir-se a recolha e reciclagem do produto no fim da sua vida útil.
O modelo do SEED será o seguido ao longo deste texto. Como se verifica
DR
analisando as linhas de fluxo, o projecto é um processo iterativo que inclui o
retorno às fases iniciais e ainda algumas actividades que se devem executar
em paralelo. Este é o procedimento normal. O seu carácter iterativo é o
princípio fundamental do processo de projecto. Ao projectar algo de novo
participamos numa viagem de exploração e de descoberta. À medida que o
projecto progride, cada vez mais informação é descoberta e mais conheci-
mento é adquirido. Se o projectista não tiver uma abordagem iterativa ele
não consegue introduzir essa informação nas fases posteriores, uma vez que
as rígidas decisões iniciais bloqueiam a introdução da nova informação. Há
que ser flexível e re-avaliar as decisões iniciais. A abordagem sistemática
não é uma lista de instruções a seguir cegamente. Não existe, aliás, uma
solução única para o problema.
Convém agora introduzir algumas palavras de cautela. O projecto em
engenharia nem sempre é um processo sequencial, e nem sempre se pode
12 INTRODUÇÃO AO PROJECTO EM ENGENHARIA

A FT
DR

Figura 1.5 Modelo de desenvolvimento do projecto. Pahl G., Beitz W., Feldhusen J.,
Grote K.-H, Engineering Design, Sringer (2007).
O PROCESSO DE PROJECTO SISTEMÁTICO EM ENGENHARIA 13

A FT
DR
Figura 1.6 Metodologia de projecto proposta por Pugh, S. Total Design: integrated
methods for sucessful product engineering, Addison Wesley (1995).
14 INTRODUÇÃO AO PROJECTO EM ENGENHARIA

dividir em actividades discretas que se devem completar totalmente antes


de passar à seguinte. É esta a justificação de estarem sempre incluídos cir-
cuitos de realimentação em qualquer diagrama que represente o processo de

FT
projecto. No entanto, devemos chamar a atenção para o facto de o processo
de projecto ser muito mais complexo do que o representado nos diagramas.
Muitas vezes as tarefas desenrolam-se de forma iterativa e em paralelo.
Além disso, normalmente o projectista não fica totalmente satisfeito com o
resultado final. As limitações de tempo restringem os desejos do projectista.
Uma empresa maximiza os seus lucros ao conseguir que a equipa de pro-
jectistas coloque o mais rapidamente possível o produto no mercado. O que
significa que ao rever o produto, à posteriori, o mesmo possa ser melhorado.
O futuro engenheiro projectista deve estar preparado para conseguir viver
neste tipo de ambiente, onde os seus desejos de perfeição são condicionados
por restrições de tempo e custo.
O primeiro e mais importante estágio do processo de projecto, veja-se a
Fig. 1.6, consiste na formulação de um conjunto de especificações do pro-
duto PDS (Product Design Specifications). Um aspecto muito importante
ao nível do comércio internacional, onde a competição é feroz. As empre-
sas têm de usar uma abordagem lógica e formal de forma a conseguirem
obter lucro. É portanto essencial que exista uma adequada definição do
problema, de forma a servir como guia e avaliadora nas restantes fases de
desenvolvimento do projecto.
A
O processo de projecto é sempre semelhante, independentemente do ta-
manho e complexidade do problema. No entanto ele é geralmente alvo de
imprevistas complicações adicionais, o que torna essencial uma abordagem
flexível ao nível da gestão do projecto.

1.7 EXEMPLO GENÉRICO

Vamos ilustrar o processo de projecto considerando o problema de cons-


truir um anexo num edifício de um hospital. Requer-se que todas as obras
ocorram com o resto do edifício em serviço e, devido a possíveis actos
terroristas, que seja prevista uma protecção contra explosões. De forma
DR
sistemática podemos dizer:
• Um novo anexo para o hospital.
• Gabinetes e escritórios para médicos, enfermeiros e restantes funcio-
nários.
• Um novo sistema de aquecimento.

Especificações. De forma a desenvolver uma lista detalhada de especi-


ficações para o problema torna-se necessário proceder a algumas investiga-
ções iniciais. Devem ser obtidas as plantas do edifício existente mas, como é
normal, não existe informação sobre os cálculos originalmente feitos para a
resistência dos pilares do edifício, nem sobre a profundidade a que os mesmo
se encontram enterrados. É então feita uma vistoria ao local e é ainda feita
EXEMPLO GENÉRICO 15

uma prospecção geotécnica, onde se constata que o terreno só começa a


ser estável a partir da profundidade de 21 m. As amostras extraídas foram
analisadas em laboratório com vista a definir o comportamento do solo.

FT
Geração do conceito ou solução. Após terem sido definidas as espe-
cificações, e depois de terem sido analisadas as normas técnicas referentes
a fundações e a construções em betão, incluindo a informação técnica so-
bre construções capazes de resistir a explosões, são consideradas diferentes
alternativas de projecto. É feito um brainstorming entre os elementos da
equipa de projecto, e de entre as diferentes soluções propostas são esco-
lhidas as três consideradas melhores. As três soluções mais promissoras
são:
1. Adicionar um novo andar aos existentes.
2. Expandir o andar do rés do chão.
3. Construir um edifício mais pequeno, de dois andares, ligado por cor-
redores.
Selecção do conceito ou solução. A solução 1 foi abandonada porque
se verificou que os pilares existentes não aguentariam a carga extra, e o custo
do reforço da estrutura seria proibitivo. A solução 3 foi abandonada porque
A
se verificou que seria impossível tirar partido da iluminação natural, visto
que o terreno disponível se situava numa zona acidentada. A solução 2 foi
seleccionada porque apresentava características óptimas do ponto de vista
das especificações e dos requerimentos do cliente.
Projecto de detalhe. Após tomar a decisão sobre a solução a adoptar
procede-se a um cuidado trabalho de projecto. Nesta fase entram todas as
áreas das ciências da engenharia (a resistência de materiais, a termodinâmica,
a electrotecnia, a informática...). É necessário fazer cálculos para a estrutura
do edifício, para os sistemas de aquecimento e refrigeração, para as redes
de fluidos e ventilação, para a iluminação e distribuição de energia, para os
DR
sistemas de telecomunicações e de informática4 , etc.
Produção. Uma vez feito o projecto de detalhe pode iniciar-se a cons-
trução do edifício. No caso de um produto industrial há a criação de um
protótipo, e o seu ensaio, antes da produção em massa do referido produto.
O projecto que descrevemos apresentava uma elevada complexidade, mas
foi completado no tempo estipulado e abaixo do orçamento previsto. Muitos
dos projectos não correm tão bem, geralmente devido ao facto de não se
ter tido o cuidado adequado nas fases iniciais de projecto, designadamente
na fase iterativa. Neste caso o processo de projecto foi seguido de forma
rígida. Um dos factores que mais contribuiu para o sucesso, para além
da competência técnica da equipa, foi a sua capacidade de comunicar de

4
O Engenheiro Electromecânico pode participar activamente em muitos destes sub-projectos, desig-
nadamente nos sistemas HVAC, nas redes de gás, e nos electrotécnicos e de telecomunicações.
16 INTRODUÇÃO AO PROJECTO EM ENGENHARIA

Figura 1.7
projecto.
A
de engenharia do projecto.

1.8 INTERFACES DO PROJECTO


FT
Interfaces e comunicação no seio da empresa no âmbito da realização de um

forma adequada com as várias sub-equipas, responsáveis pelas várias áreas

Como se verificou anteriormente, é essencial que o projectista possua


uma boa capacidade de comunicação. Estas competências estão claramente
indicadas na Fig. 1.7, que refere as diferentes linhas de comunicação dentro
do departamento de projecto e com o exterior. Como vimos, o processo de
projecto inicia-se com a definição das especificações de projecto PDS. Este
é o tiro de partida para iniciar o projecto.
DR
Existem dois grupos de linhas de comunicação principais, as internas e as
externas. No interior do grupo de projecto, as necessidades de comunicação
podem envolver a solicitação de dados de cálculo aos restantes elementos
da equipa. Podem ainda envolver a troca de informação sobre as diferen-
tes soluções de detalhe tomadas, pois estas podem restringir as soluções a
adoptar pelos outros elementos da equipa5 .
A comunicação com o exterior pode ocorrer com outros departamentos6,
dentro da empresa, e com outras empresas. A Fig. 1.7 apresenta as linhas
principais de comunicação, mas podem existir muitas outras. Vejamos em
detalhe os tipos de comunicação que é necessário manter:

5
Por exemplo, a localização dos cabos de energia pode restringir as opções a tomar relativamente à
localização dos meios de telecomunicações ou informáticos.
6
Por exemplo, com o departamento de produção para saber sobre a viabilidade de construção de um
produto, ou ainda com o departamento financeiro para manter os custos dentro dos limites orçamentais.
INTERFACES DO PROJECTO 17

Vendas. Tem de existir uma relação de comunicação contínua, nos dois


sentidos, entre o departamento de projecto e o de vendas. O departamento
de vendas comunica os desejos dos clientes e o departamento de projecto

FT
fornece descrições técnicas e dados sobre o desempenho do produto.
Compras. O departamento de compras recebe informação técnica do de-
partamento de projecto sobre o tipo de componentes a adquirir. A comuni-
cação é maioritariamente num único sentido.

Análise/Consultores. As empresas recorrem muitas vezes a especialis-


tas, ou consultores, que fornecem análises detalhadas à equipa de projecto.
Neste tipo de informação pode incluir-se os dados referentes ao cumprimento
de normas, à utilização de materiais especiais7 , ou a consulta de especialistas
em análise computacional de tensões mecânicas ou campos eléctricos, etc..
Produção. Embora o processo de comunicação seja essencialmente uni-
direccional, veja-se as Fig.s 1.5 e 1.6, compete ao departamento de projecto
fornecer os detalhes técnicos (desenhos e métodos) necessários à produ-
ção, podem ainda existir ligações a outros departamentos. Nas reuniões de
revisão do projecto (fase iterativa) deve estar sempre presente um represen-
tante do departamento de produção, com vista a assegurar que os métodos
de produção mais adequados sejam especificados pela equipa de projecto.
A
Isto faz parte do que geralmente se designa por projecto concorrente (Con-
current Engineering), e permite reduzir o tempo necessário para passar do
conceito inicial à produção dos primeiros produtos para venda. Além disso,
o departamento de produção fornece informação ao de projecto, solicitando
modificações ao projecto inicial de forma a facilitar o processo de produção.
Manutenção e serviço. Este é geralmente um processo unidireccional,
em que a informação fornecida à equipa de projecto permite reformular o
projecto com vista a aumentar a vida útil e a reduzir os custos de manutenção.

Investigação. Nas empresas mais pequenas os departamentos de projecto


e de investigação encontram-se em geral agrupados. Em empresas de maior
DR
dimensão estes departamentos investigam e introduzem novas ideias e con-
ceitos. Na indústria automóvel são de todos conhecidos os concept cars. São
testadas muitas ideias que nunca chegam à fase de projecto, ou de produção.
Subcontratação. Muito poucas empresas produzem totalmente, e isola-
damente, o produto que vendem. Além de que, devido às economias de
escala, é geralmente mais barato comprar os componentes necessários a ou-
tras empresas. É importante que a equipa de projecto, em conjunto com
o departamento de vendas, comunique com as empresas subcontratadas de
forma a poder aproveitar a experiência destas na incorporação dos seus pro-
dutos.
7
Por exemplo, na indústria alimentar (aço inox) e na hospitalar (plásticos especiais).
18 INTRODUÇÃO AO PROJECTO EM ENGENHARIA

FT
Educação académica clássica Necessidades da indústria

Perigo! - não tem conhecimentos Objectivo - engenheiro projectista


aprofundados
A Figura 1.8 Perfil da formação do engenheiro.

Como vimos anteriormente, é necessário que o engenheiro projectista co-


munique com muitas pessoas e com diferentes departamentos. Estes contac-
tos são facilitados no caso de o projectista ter uma formação multidisciplinar,
como é o caso do Engenheiro Electromecânico. Não pense, no entanto, o
estudante que este conhecimento se adquire totalmente no meio académico.
Como se ilustra na Fig. 1.8 a indústria pretende engenheiros com um conhe-
cimento total em todas as disciplinas. Mas os cursos universitários tendem
DR
a produzir engenheiros que conhecem em profundidade apenas algumas das
áreas. Também pode acontecer que os engenheiros projectistas não desen-
volvam um conhecimento suficientemente aprofundado em cursos de banda
mais larga. Portanto, na ilustração final apresentada na Fig. 1.8 apresenta-se
uma solução: O Engenheiro projectista deve ter um conheci-
mento de banda larga, e em complemento ter as orelhas
bem abertas para apreender o requerido conhecimento de
detalhe.

1.9 PRINCÍPIOS

Neste texto, e no final da cada capítulo, iremos apresentar os princípios


de projecto em engenharia que forem sendo identificados.
AVISO FINAL 19

Princípios introdutórios
Iteração. O processo de obter uma solução de projecto deve seguir crite-
riosamente as várias fases identificadas, e pela sua ordem, mas deve existir

FT
sempre uma realimentação e abertura à modificação das soluções iniciais. É
esta a natureza fundamental do projecto em engenharia.
Compromisso. Uma solução única, e perfeita, raramente é encontrada e
geralmente temos de contentar-nos com uma solução óptima. É a solução
que naquele momento mais satisfaz os requisitos impostos pelo cliente.
Complexidade. O projecto é uma tecnologia e não uma ciência, portanto,
é importante que a par do conhecimento das ciências da engenharia o pro-
jectista possua competências ao nível da gestão de projectos, do trabalho em
equipa, da facilidade de comunicação, etc.
Responsabilidade. Existe a possibilidade de ocorrerem falhas, devido a
negligência ou a erros de cálculo, mas a responsabilidade cairá sempre sobre
os ombros do engenheiro projectista.
Simplificação.. Em geral, a solução mais simples é a melhor e todos os
engenheiros apreciam soluções simples e elegantes.
A
1.10 AVISO FINAL

Um comentário, para meditar, sobre um processo de projecto alternativo


ao enunciado neste capítulo:
1. Euforia inicial!
2. Desencanto e desilusão!
3. Procura de um culpado!
DR
4. Punição do inocente!
5. Louvor e distinção para quem não esteve envolvido no projecto!

É evidente que, ao seguir-se uma metodologia de projecto sistemático se


reduz as probabilidades de ocorrerem as situações anteriores.
DR
AFT
CAPÍTULO 2

IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA
A
2.1 RESUMO
FT
Neste capítulo são apresentados de forma detalhada os passos necessá-
rios para definir o conjunto de especificações do projecto (PDS - Project
Design Specifications). Antes de construir as especificações de projecto o
projectista tem de fazer pesquisas e reunir a informação relevante. Este é um
processo contínuo e que se deve manter ao longo de todo o desenvolvimento
DR
do projecto. Iremos ainda descrever as componentes principais das especi-
ficações de projecto e apresentaremos um exemplo prático. A definição do
conjunto de especificações do projecto constitui o primeiro passo para dar
inicio ao projecto.

2.2 INTRODUÇÃO

Vamos começar com um exemplo aparentemente simples. Caso nos fosse


proposto que projectássemos um saca-rolhas, estaríamos nós em condições
de o fazer? A Fig. 2.1 apresenta um conjunto de diferentes tipos de saca-
rolhas. Após observarmos a figura somos levados a crer que sim, que seremos
capazes de projectar um saca-rolhas. No entanto, porque será que existem
tantos tipos diferentes de saca-rolhas? Como é que foi possível que diferentes
equipas de projecto chegassem a soluções tão diferentes?
Introdução ao Projecto Electromecânico, 21
Primeira Edição. Por José C. Páscoa
Copyright c 2009.
22 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

FT
Figura 2.1 Diferentes tipos de saca-rolhas de design clássico.

A Figura 2.2 Dois saca-rolhas de design moderno.

Analisemos em detalhe os diferentes saca-rolhas. Na Fig. 2.1, e da


esquerda para a direita, temos o saca rolhas com dupla hélice, o saca-rolhas
com armação em alavanca, o saca rolhas simplificado e o que inclui o saca
caricas, um outro saca-rolhas com desmultiplicação de força, e o saca-rolhas
DR
que levanta automaticamente a rolha ao enroscar. O primeiro compreende
um sistema com rosca esquerda, e direita, a primeira enrosca na rolha e a
segunda extrai a rolha. Os sistemas de alavanca e desmultiplicação de forças
permitem facilitar a extracção da rolha. O último sistema permite extrair a
rolha à medida que a hélice se enrosca na mesma.
Todos os dispositivos apresentados se baseiam na introdução de uma hé-
lice na rolha. Diferem essencialmente na forma de desmultiplicar as forças,
na sua forma e design, na sua complexidade e obviamente no seu custo
de produção. De forma a projectar um produto que satisfaça determinada
necessidade tem de ser feita uma prospecção de mercado, e devem ser es-
pecificadas as características técnicas desejadas pelo cliente. Neste caso do
saca-rolhas teremos de considerar o tipo de desmultiplicação de forças, a
aparência do produto, e o custo de produção.
A obtenção da solução de projecto inicia-se sempre com a definição das
fronteiras que caracterizam o espaço de projecto. As especificações inici-
INTRODUÇÃO 23

almente apresentadas à equipa de projecto estão geralmente incompletas.


Portanto, é necessário fazer um trabalho de pesquisa e de procura de in-
formação adicional, antes de conseguir definir correctamente o conjunto de

FT
especificações do produto/projecto (PDS). E estas têm de ser postas em causa
ao longo de todo o processo de projecto.
Esta abordagem, de estar sempre a questionar a solução, pode inclusive
alterar até os desejos do cliente. Vejamos de novo o caso do projecto do saca-
rolhas. Se o problema inicial fosse o de saber como projectar um dispositivo
para remover a rolha de uma garrafa, então, outras soluções poderiam surgir.
A Fig. 2.2 ilustra dois dispositivos para remover uma rolha que não usam
uma hélice, são eles o extractor de torção e o de bomba de ar. O sistema de
torção consiste em introduzir as duas agulhas na borda da rolha e efectuar
um movimento de torção, e tracção, para extrair a rolha. O sistema de bomba
de ar utiliza uma agulha que permite pressurizar o interior da garrafa, e a
rolha sai por efeito do aumento da pressão no interior da mesma. Para poder
chegar a dispositivos deste tipo a equipa de projecto teve de colocar de parte
a possibilidade de usar uma hélice.
Consideremos agora o mesmo problema de outra forma: O que pretende-
mos é retirar o vinho do interior da garrafa e não necessariamente a rolha.
Nesse caso, remover a rolha pode não ser a única solução!
Para colocarmos de novo a questão da importância da correcta especifi-
cação do problema vamos analisar duas conquistas da engenharia.
A
As duas fotografias apresentadas nas Figs. 2.3 e 2.4 apresentam a ponte
Vasco da Gama e o Concorde (o primeiro avião comercial de passageiros
supersónico do mundo, mas que entretanto deixou de estar ao serviço). Am-
bas as figuras apresentam um aspecto exterior simples e elegante, mas no
seu interior ambos se apresentam extremamente complexos, são magnificas
conquistas da engenharia com que os nossos avós nem sonhariam.
Um primeiro esboço das especificações de projecto (PDS) deve ser de-
senvolvido antes de tentarmos sequer pensar em soluções para o problema.
Este aspecto é muito importante, pois pode conduzir posteriormente a per-
das financeiras, e de tempo, neste caso por serem consideradas más soluções
para o problema.
Embora seja desejável que se construam as especificações de projecto
DR
antes do seu inicio, temos de concordar que nem sempre isso é possível. O
processo de projecto é iterativo, e as especificações de projecto têm de ser
consideradas como um documento de trabalho em aberto ao longo de todo o
processo de projecto. Tal como se representa na Fig. 1.6 através das linhas
de realimentação. As especificações de projecto devem ser questionadas em
todas as fases do projecto, e devem ser atendidas as informações fornecidas
pelo cliente e por outros elementos da equipa de projecto. O objectivo é
sempre o de obter as especificações de projecto com o maior nível de detalhe
possível.
É extremamente importante que os possíveis clientes sejam identificados e
que a linguagem usada nas especificações de projecto seja clara. Não devem
ser utilizados termos demasiado técnicos que impeçam que as mesmas sejam
assimiladas pelos restantes engenheiros da equipa multidisciplinar, ou por
um cliente que seja de uma área não técnica.
24 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

FT
Figura 2.3 A ponte Vasco da Gama é a maior ponte da Europa com um comprimento de
17.2 km, 10 dos quais sobre o Rio Tejo. Imagem cedida pela Lusoponte.

É uma tarefa fundamental da equipa de projecto garantir que cada função


A
e restrição especificada seja relevante, adequada e realista. Consequente-
mente, é importante que seja feita uma investigação aprofundada do pro-
blema pelo projectista antes de ser encontrada uma solução. Para tratar
problemas de grande complexidade recorre-se geralmente à sub-divisão do
problema em elementos mais pequenos.
Em geral, existem duas tarefas que devem de ser consideradas quando se
pretende identificar um problema de forma cuidada, são elas:
1. A definição da área do saber do problema.
2. E a formulação o mais exacta possível do mesmo problema.
DR
A formulação exacta do problema envolve a escrita de um conjunto de
especificações, e estas referem-se a funções que o produto deve desempenhar
e incluem as restrições a observar. A informação necessária para descrever
estas duas tarefas pode já ser conhecida ou vir a ser obtida em resultado de
cálculos preliminares, de ensaios experimentais, ou por pesquisa de produtos
semelhantes.

2.3 CONCENTRAR-SE NA FUNÇÃO

Como sabemos, se pretendermos obter uma solução para determinado


problema devemos em primeiro lugar procurar definir bem esse problema.
Infelizmente, definir o problema com recurso a uma frase pode tornar-se
muito redutor, isto é, o engenheiro descreve um problema tendo em vista
uma solução particular. O que pode limitar a criatividade e originar apenas
CONCENTRAR-SE NA FUNÇÃO 25

A FT
Figura 2.4 O Concorde foi uma das maravilhas da engenharia do Sec. XX. Imagem
cedida pela British Airways

simples modificações, de um conceito existente, em lugar de introduzir uma


desejável mudança radical no projecto. Para reduzir este tipo de actuações o
projectista deve concentrar-se nas funções a ser desempenhadas pela solução
de projecto.
DR
Exemplo Considere-se o caso dos cortadores de relva. Numa
empresa que produz maquinarias para jardim o gerente chamou os
engenheiros de serviço e proclamou: Necessitamos de projectar um
cortador de relva que seja o mais popular produto no seu segmento de
mercado!. Os engenheiros começaram a trabalhar no problema. Após
um esforço e tempo considerável geraram inúmeros projectos diferen-
tes para cortadores de relva (por exemplo, com protecções adicionais,
com sistemas de desligar automáticos, com múltiplas lâminas para
um corte mais eficiente, com um sistema de encaixe de forma a po-
der guardar-se sem ocupar tanto espaço na garagem, com carcaças de
design atraente etc.). Infelizmente nenhum destes cortadores de relva
se tornou o mais revolucionário e popular do mercado. Pelo menos
não tão popular como desejava o gerente da empresa (mais conhecido
por cifrões $$$). Um dia, um dos engenheiros mais velhos sugeriu
26 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

que se reformulasse o problema. Em lugar de procurar encontrar o


cortador de relva mais popular, sugeriu que se procurasse um meio
eficaz para manter a relva curta. Começou um brainstorming, com

FT
muitas ideias irrealistas e outras mais realistas. Num brainstorming
não estamos preocupados se as ideias são ou não realistas, apenas
estamos preocupados em gerar muitas ideias. Se gerarmos 50 ideias
diferentes em duas horas algumas hão-de ser interessantes. Claro que
foram sugeridas muitas ideias...incluindo a ideia mirabolante de adi-
cionar um químico ao fertilizante que só deixasse a relva crescer 5
cm. Bom, um dos engenheiros tinha um filho. O filho o engenheiro
costumava brincar com um yo-yo, balançando-o pro cima da cabeça
e rodopiando...bingo! Este engenheiro sugeriu que uma corda que
rodasse a alta velocidade poderia ser um meio adequado para aparar
a erva. Esta ideia levou ao projecto de um dos aparelhos de corte de
relva mais populares hoje em dia. Acha que consegue adivinhar qual?
Não se deve definir o problema em termos de um produto existente, pois
nesse caso só conseguiremos gerar variantes desse produto e não admi-
tiremos outras soluções radicalmente diferentes. Pelo contrário, devemos
concentrar-nos na função/funções que queremos que o projecto/produto faça
e descrever o problema em termos dessas funções.
A engenharia é um processo iterativo. Devemos estar sempre preparados
A
para reconsiderar as hipóteses, as decisões, e as conclusões a que chegámos
durante as fases anteriores do procedimento de projecto, em particular se
surgirem novos dados que aconselhem essas alterações.

Exemplo Durante as fases iniciais do programa espacial ame-


ricano pensou-se que a reentrada da cápsula espacial na atmosfera,
devido ao efeito de resistência viscosa, poderia elevar a temperatura
exterior da cápsula a valores que seriam insuportáveis pelos materiais
conhecidos. Foi elaborada uma directiva de investigação: Desenvol-
DR
ver um material que suporte as elevadas temperaturas que ocorrem
na reentrada na atmosfera. Quando ocorreram as primeiras viagens
à lua da Apollo, nos anos 60 e 70 do século passado, esse material
ainda não tinha sido inventado. Então como é que foi possível trazer
de volta à terra em segurança os astronautas? A resposta é que a for-
mulação do problema foi alterada. Em lugar de procurar um material
altamente resistente a essas temperaturas procurou-se simplesmente
uma forma de trazer os astronautas em segurança na cápsula. Se
não havia material resistente a essas temperaturas, então teriam de se
reduzir as temperaturas de contacto com o material. Verificou-se que
alguns meteoros não são completamente destruídos quando atingem
a terra, a razão para tal é que eles vão perdendo material por vapori-
zação. A vaporização faz com que a temperatura baixe. As cápsulas
espaciais foram então protegidas com um material de escudo que se
evapora a altas temperaturas.
CONCENTRAR-SE NA FUNÇÃO 27

Portanto, coloca-se então a questão de saber qual é o problema que de-


vemos resolver. Existem diferentes metodologias que foram propostas para
ajudar a formular o problema. São métodos heurísticos, pequenas regras que

FT
foram sendo coligidas pela experiência passada. No entanto, ao contrário
das leis da física, não garantem à partida o sucesso absoluto.

2.3.1 A técnica de recolocação do problema


A técnica de recolocação do problema tem quatro objectivos. Pretende-se
atingir esses objectivos através da explicitação, reformulação e recolocação
do problema de diversas formas. A hipótese subjacente é a de que se o
problema for recolocado de diversas formas, então poderemos conseguir
uma compreensão melhor e mais aprofundada do problema que necessita de
ser resolvido.

1. Determinar o problema real em contraste com um problema inicial-


mente assumido.
2. Determinar as restrições reais, e as fronteiras, do problema em lugar
das inicialmente preconcebidas.
3. Identificar objectivos mensuráveis, em lugar de objectivos dados ou
A pressupostos inicialmente.
4. Identificar relações entre entradas, saídas e incógnitas.

A técnica da recolocação do problema pressupões que começamos com


uma formulação fuzzy ou ambígua do problema, o que é muitas vezes o
caso. Focando-nos nos objectivos e actividades anteriores, o problema pode
ser refinado e corrigido até que atinja uma forma aceitável.

2.3.2 Determine a fonte e a causa: diagramas Why-Why


Esta abordagem estabelece simplesmente que devemos considerar a fonte/origem
DR
da descrição do problema. Será que essa fonte pode ou é (seja ela uma pes-
soa, um artigo, dados experimentais...) explicar como foi estabelecida a
definição do problema? Mais, será que a definição do problema se concen-
tra na fonte ou nos sintomas? O engenheiro tem de se concentrar na fonte
da infecção e não simplesmente nos seus sintomas.
Uma das técnicas para identificar as causas do problema é criar um dia-
grama Why-Why (porquê-porquê), nesse diagrama descreve-se o problema,
ou a situação, a considerar do lado esquerdo e são criados ramos para a sua
direita em que cada um desses ramos está associado a uma determinada fonte
do problema. Tenta-se então identificar mais causas específicas. A Fig. 2.5
apresenta um exemplo de um diagrama Why-Why.
Existem técnicas gráficas mais elaboradas, semelhantes ao diagrama Why-
Why, para determinar as causas prováveis associadas a um dado problema.
Nesse tipo de métodos está incluída o diagrama de árvore de falhas (fault
tree diagram).
28 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

A FT
DR

Figura 2.5 Diagrama Why-Why usado para procurar a causa de um problema.


CONCENTRAR-SE NA FUNÇÃO 29

2.3.3 O método de revisão


Na grande grande maioria das vezes um engenheiro não é confrontado
com um problema totalmente novo, mas sim com a necessidade de introdu-

FT
zir melhorias num projecto anterior. A empresa pode ter investido somas
elevadas em recursos humanos, financiamento, e equipamento com vista a
projectar, produzir, distribuir e promover determinado produto ou serviço.
Nesse caso não se pode modificar tudo sem perder todo este investimento.
Além disso, o produto/serviço pode ser um sucesso em termos de marketing
e espera-se que enfrente uma cada vez maior competição por parte de pro-
dutos/serviços semelhantes num futuro próximo. Esta situação encontra-se
muito especialmente na situação em que uma patente, que proteja o pro-
jecto, esteja quase a expirar. Portanto, têm de ser incorporadas melhorias
no projecto. O método de revisão pode usar-se quando pretendemos encon-
trar uma nova abordagem para esta tarefa, ou como técnica de criatividade
para gerar novas ideias.
O método assume simplesmente que o foco do esforço de projecto deve
ocasionalmente mudar em direcção ao produto ou solução (em lugar de em
relação à função específica a ser obtida com a solução) se tivermos esgo-
tado todos os esforços de reformulação do problema, ou se necessitarmos
de estimular o pensamento criativo de forma a gerar novos conceitos de pro-
jecto. A importância de nos concentrarmos na função foi evidenciada no
exemplo do cortador de relva que demos atrás. No entanto, se prendêssemos
A
obter formas de melhorar um cortador de relva existente, poderia ser impor-
tante modificar a definição do problema para projectar um modo eficiente de
manter os relvados ou uma forma eficiente de manter os cortadores de relva,
sendo que neste caso teríamos de encontrar formas de reduzir os custos de
manutenção dos cortadores de relva e de aumentar a sua vida útil. Uma
modificação do foco do problema deste tipo faria com que nos preocupás-
semos com as origens do dano em cortadores de relva. Por exemplo, pedras
e rochas que podem causar danos nas lâminas. De forma a reduzir esses
problemas, um projecto cuidado usaria um conjunto de rolos que permiti-
riam que o cortador se deslocasse na vertical quando atravessasse uma zona
de rochas, o que permitiria reduzir os danos sobre a máquina. Mudando o
foco do produto permite encontrar necessidades adicionais do cliente (i.e.
DR
facilidade de utilização, reduzida manutenção e custos de reparação, facili-
dade de armazenamento) e uma revisão de um projecto existente pode ser a
solução.

2.3.4 Estado presente e estado desejado usando diagramas


de Duncker
Ajustando o EP (estado presente) ao ED (estado desejado) Uma outra es-
tratégia para formular adequadamente o problema é especificar o EP
e o ED do processo ou sistema em desenvolvimento. O engenheiro
modifica então quer o EP quer o ED, ou ambos, até que surja uma
correlação satisfatória entre os dois. Por exemplo, um estudante que
frequenta um curso de Introdução ao Projecto em Engenharia e um
curso de Física pode colocar as seguintes proposições:
30 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

EP: Eu necessito de estudar Física.


ED: Eu quero obter uma nota superior a 16 em Introdução ao Projecto
em Engenharia.

FT
Infelizmente, o EP (estado presente) não tem muito em comum com o ED
(estado desejado). Isto é, o EP parece ser irrelevante para atingir o estado
desejado. No entanto, após cuidada reflexão sobre o assunto e reformulação
o estudante pode re-escrever as duas declarações da seguinte forma:
EP: Eu necessito de estudar Física porque tenho um exame na próxima
semana.
ED: Eu quero obter uma nota superior a 16 em Introdução ao Projecto
em Engenharia.
Continua a existir uma separação entre as duas declarações, portanto é
necessário fazer uma nova revisão:
EP: Eu necessito de estudar Física porque tenho um exame na próxima se-
mana, mas o único tempo livre que eu posso dedicar à Física já está atribuído
à Introdução ao Projecto em Engenharia.
ED: Quero ter boas notas em Introdução ao Projecto e em Física.
Começamos agora a ver a relação entre o EP e o ED, embora necessitemos
ainda de refinar o texto:
EP: Eu ainda não estou suficientemente preparado para o meu próximo
exame de Física e também necessito de trabalhar para Introdução ao Projecto
em Engenharia.
A
ED: Eu quero ter boas notas em Introdução ao Projecto e no meu exame
de Física.
Finalmente verificamos que existe uma correlação directa, e óbvia, en-
tre o EP e o ED. As versões finais destas declarações unem-se em termos
específicos (projecto, exame) e em termos de requisitos (boas notas). O es-
tudante pode agora investigar os diferentes caminhos que são solução deste
problema e que conduzem o EP ao ED. Como exemplo podemos declarar:
eu tenho de me tornar mais eficiente no meu trabalho; eu vou falar com os
meus professores para esclarecer as dúvidas; eu vou diminuir drasticamente
o número de horas que dedico a ver televisão e ocupar esse tempo aos meus
trabalhos académicos; eu vou re-organizar o meu trabalho de projecto de
forma a fazê-lo de forma mais eficiente. O estudante pode ainda pensar
DR
em combinar algumas destas opções, embora talvez não as possa combinar
todas em simultâneo.
Diagramas de Druncker: soluções gerais, funcionais e específicas Os di-
agramas de Druncker constituem uma ferramenta gráfica que pode ser
usada para desenvolver um conjunto de declarações de EP e ED que se
ajustem. Estes diagramas focam-se no desenvolvimento de soluções
em três níveis diferentes: o geral, o funcional, e o específico.
As soluções gerais são de dois tipos: 1) as que requerem que uma de-
terminada acção seja tomada de forma a atingir o estado desejado (ED), e
2) as que transformam o ED até que este se ajusta ao EP, o que elimina a
necessidade de atingir o ED inicial mas que impõe algumas modificações
ao EP de forma a torná-lo aceitável. Por vezes NENHUMA acção é tomada
pois descobrimos que o EP é mais favorável do que quaisquer ED’s: A esta
solução chama-se solução nula.
CONCENTRAR-SE NA FUNÇÃO 31

As soluções funcionais são então geradas sem ter qualquer considera-


ção pela sua possibilidade de implementação; limitamo-nos a considerar
qualquer possibilidade que possa resolver o problema (a estas soluções cha-

FT
mamos soluções e se...). Finalmente estas soluções funcionais são transfor-
madas (se for possível) em soluções específicas que são realmente fazíveis.
A Fig. 2.6 apresenta um exemplo de um diagrama de Drucker para um
problema relacionado com transportes públicos.
Consideremos um outro exemplo em que os diagramas de Drucker podem
ser úteis:
As primeiras versões de computadores pessoais, para uso doméstico,
tiveram uma grande aceitação pelo mercado. Embora na verdade eles fos-
sem muito limitados em termos de processamento de texto e capacidade de
cálculo. No entanto estas máquinas também não eram muito caras.
Posteriormente as vendas começaram a diminuir ao constatar-se que não
eram capazes de fazer o que as pessoas desejavam que eles fizessem. Os
gestores concluíram que teriam de se tomar medidas para que estas máquinas
voltassem a ter sucesso comercial.
Podemos então perguntar: Quais as estratégias a considerar? Recorde-
mos que a cada benefício está sempre associado um custo8 . Por exemplo,
talvez os computadores voltassem a ser populares se lhes fossem aumentadas
as capacidades. No entanto, esta estratégia implicaria um investimento adi-
cional por parte da empresa no desenvolvimento de novos projectos. O que
se traduziria num aumento do custo de venda do computador. Uma segunda
A alternativa seria convencer as pessoas, através de uma campanha maciça de
marketing, de que o computador pessoal era um bem absolutamente essen-
cial. Isto poderia ser feito apresentando novas aplicações para o computador
pessoal. Ainda assim todo esse esforço, ainda que imaginativo, poderia não
ser bem sucedido. Que fazer então para resolver este dilema?
Um diagrama de Drunker aplicado a este problema pode ser usado para
encontra os vários caminhos solução, veja-se a Fig. 2.7. Note-se a forma
como o diagrama liga os três diferentes níveis de solução, em conjunto com a
transformação do EP para o ED. Ele permite-nos organizar os pensamentos
e refinar os vários caminhos solução. Cada uma das soluções específicas
pode então ser cuidadosamente refinada e avaliada.
DR
2.3.5 Investigando soluções existentes: as melhores práticas
e o benchmarking
O benchmarking foi uma técnica introduzida pela Xerox e que é actual-
mente usada em muito outras indústrias. Esta técnica consiste em a empresa
comparar o seu desempenho com o dos seus concorrentes, ou com o de ou-
tros grupos, de forma a identificar áreas onde pode haver melhorias. Um tipo
de benchmarking, que é mais focalisado, é conhecido de melhores práticas.
Este foi inicialmente introduzido pela General Electric e consiste em iden-
tificar os melhores métodos e os melhores desempenhos numa determinada
indústria. Estas são então designadas de melhores práticas e fornecem um
modelo com que nos podemos guiar e que permitirá aferir o desempenho
futuro do nosso próprio grupo ou empresa.

8
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32 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

A FT
Figura 2.6 Diagrama de Drucker para o problema de transportes públicos.
DR

Figura 2.7 Diagrama de Drucker para o problema dos computadores pessoais para uso
doméstico.
CRITÉRIOS PARA A DEFINIÇÃO DAS ESPECIFICAÇÕES DO PROJECTO 33

Quando estamos na fase de formularmos um problema estas podem ser


técnicas úteis. Devemos verificar se existem problemas que já tenham sido
resolvidos por outros. Analisar se as soluções por estes obtidas foram satisfa-

FT
tórias, e no caso de o terem sido verificar porque? Se não foram satisfatórias
então devemos analisar porque? É ainda importante verificar as diferenças,
se existirem, entre o nosso problema e o dos outros. E colocar a hipótese de
usar alguma dessas soluções para resolver o nosso problema.

2.3.6 Abordagem fresca ao problema


Uma técnica, relativamente simples, que é usada para estimular o pensa-
mento criativo e que pode auxiliar a formular o problema é a do fresh eye.
A abordagem fresca ao problema consiste em explicarmos o problema a
alguém que não pertença à equipa de projecto. Este tipo de discussão pode
levar-nos a perceber melhor os aspectos fundamentais do problema, pode
ainda fornecer uma nova perspectiva da situação que leve a uma melhor e
mais correcta formulação do problema.

2.4 CRITÉRIOS PARA A DEFINIÇÃO DAS ESPECIFICAÇÕES


DO PROJECTO
A
Os critérios principais que serão aqui referidos, e que estão ilustrados na
Fig. 2.8, destinam-se a ajudar na tarefa de escrever as especificações do pro-
jecto. Não devem ser considerados como uma lista obrigatória, sequencial,
e completa a seguir. Os projectos são, pela sua própria natureza, diferentes
e portanto são necessárias especificações diferentes para cada um. No en-
tanto, a lista apresentada fornecerá ao estudante um bom ponto de partida
para iniciar o seu trabalho de projecto. Uma vez iniciado o projecto, o estu-
dante verificará que outros critérios lhe surgirão em mente. O auxiliar mais
importante do projectista é a experiência, esta pode provir de consultores
(neste caso os docentes) ou dos vendedores e fornecedores de componentes.
Os cinco títulos principais apresentados na Fig. 2.8 são; os requisitos de
DR
desempenho, os requisitos de produção, os factores de qualidade e normali-
zação, os requisitos de serviço, e o tratamento de resíduos.

Requisitos de desempenho

Função/Funções. Pode acontecer que o produto/projecto só tenha uma


única função, mas em geral um produto tem múltiplas funções. E estas
funções podem ainda ser consideradas principais ou secundárias. Podem
ser de natureza mecânica, eléctrica, óptica, térmica, magnética, acústica,
etc. A função principal de um motor de automóvel é fornecer potência às
rodas. Como funções secundárias podemos ter o fornecimento de calor para
aquecimento, ou o fornecimento de potência ao alternador para carregar a
bateria.
34 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

FT
Figura 2.8 Especificação dos critérios de projecto.

Carga. Também a carga9 se pode dividir em primária e secundária. A


carga primária reporta-se às funções primárias a desempenhar pelo produto.
Os choques e vibrações, no caso de uma carga mecânica, podem ter con-
sequências no modo de usar o produto. O mesmo se pode dizer das variações
de carga sobre a rede eléctrica. As cargas secundárias são geralmente quan-
A
tificadas através de dados empíricos. Os requisitos de desempenho, ao nível
da carga primária, devem ter uma tolerância suficiente para poder acomodar
as cargas secundárias.
Estética. Para alguns produtos este requisito não é importante, em parti-
cular no caso do dispositivo estar oculto10. No entanto, e em particular no
caso de produtos de consumo é importante ter atenção ao design. Aspectos
como a cor, a forma, e a textura devem ser tidos em conta. Todos os aspec-
tos visíveis devem concorrer para tornar agradável a utilização do produto e
para definir uma imagem positiva da empresa. As especificações ao nível da
estética são geralmente de natureza qualitativa, e geralmente incluem ana-
logias com produtos semelhantes encontrados no mercado11 . Há uma regra
DR
típica, a nível estético, que sugere que as formas se devem dividir em três
partes, a maioria dos panfletos publicitários segue esta regra!
Fiabilidade. A vida útil, desde que se tenha em conta as especificações
de manutenção, deve ser também um elemento a especificar. Esta espe-
cificação é geralmente dada em termos de ciclos de operação12 em lugar

9
A carga pode aqui ser vista de um ponto de vista mecânico ou eléctrico.
10
Não é pelo facto de os condutores eléctricos estarem ocultos, no caso de um aparelho electrónico,
que estes não são implementados de forma ordenada. Neste caso a estética serve, por exemplo, para
facilitar a manutenção ou a dissipação de energia sob a forma de calor.
11
Podem também ocorrer analogias com formas animais ou encontradas na natureza. Recordemos a
clássica analogia entre o automóvel desportivo e o jaguar.
12
Os contáctores e relés são projectados para comutar X milhões de vezes, os rolamentos para rodar
X milhões de voltas.
CRITÉRIOS PARA A DEFINIÇÃO DAS ESPECIFICAÇÕES DO PROJECTO 35

de unidade de tempo. Dentro do número de ciclos especificado é tolerável


ocorrer uma determinada percentagem de falhas aleatórias. Nos casos em
que se espera uma grande vida útil, e em que se sabe que os componentes

FT
vão ser usados num ambiente estável e controlado, como é o caso dos com-
ponentes electrónicos, é uma prática corrente especificar o tempo médio de
vida (MTTF - Mean Time To Failure) e o tempo médio entre falhas (MTBF
- Mean Time Between Failures). Em situações onde a fiabilidade é crucial
devem ser previstos mecanismos de apoio redundantes13 . A fiabilidade está
ainda intimamente ligada à manutenção.
Condições ambientais. Estas condições incorporam as variações de tem-
peratura, de humidade, de pressão, de campos magnéticos, e de origem quí-
mica a que o produto pode estar exposto. É importante considerar estes
efeitos ao nível da produção, do armazenamento, do transporte, e claro as
condições de operação. Também é importante considerar as restrições de
ordem física (tamanho máximo admissível, por exemplo). Estas restrições
são ditadas pelo local ou forma de utilização do produto, mas também po-
dem surgir devido a considerações relacionadas com o transporte do mesmo.
A forma mais simples de exprimir estas restrições pode ser através de um
esquema, ou esboço, que faça parte das especificações de projecto.

Custos de produção. As empresas vendem os produtos de forma a obter


A
o máximo preço que o mercado possa suportar, o que geralmente pouco tem
a ver com o custo de produção do produto em si mesmo14 . Portanto, o custo
máximo definido nas especificações do produto deve ser o custo com que a
equipa de trabalho tem de trabalhar. É o custo de produção e não o preço de
venda do produto.
Ergonomia (Factores Humanos). Se um produto é para ser usado por
um ser humano então ele deve ter em conta esse facto. O projecto deve ter em
conta a forma como o ser humano se relaciona com o produto. A interface
homem-máquina, tal como identificada na Fig. 2.9, deve ser cuidadosa-
mente especificada. As decisões devem reflectir as funções que podem ser
desempenhadas pelos produtos, e estas variam muito com o tipo de máquina.
DR
No caso dos equipamentos electrónicos os utilizadores estão habituados a
olhar para um display e a tomar decisões sobre o controlo do dispositivo
accionando comandos.
O ambiente em que o produto vai ser utilizado deve ser tido em conta. A
título de exemplo, se os níveis de ruído esperados forem elevados então o
utilizador pode não conseguir ouvir um sinal sonoro de aviso. Neste aspecto
tem ainda de ser tida em conta a antropometria, que se refere ao ramo da

13
No caso de um hospital é usual existirem meios próprios para suprir as falhas de energia da rede
eléctrica. Numa fase inicial podem ser usadas baterias e numa segunda fase geradores de emergência
instalados no local.
14
Note-se que no custo de produção tem de se fazer reflectir todos os custos de investigação e desen-
volvimento do produto. A Micro$oft é exímia neste mercado!
36 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

Figura 2.9
A FT
Factores humanos a ter em conta na relação entre a pessoa e o produto

ergonomia que estuda as dimensões do corpo humano. Os comandos devem


ser colocados ao alcance do utilizador!

Qualidade. A qualidade do produto deve cumprir os requisitos do mer-


cado, e a qualidade dos diferentes componentes deve ser consistente e uni-
forme. Os materiais e componentes incorporados no produto devem ser
sujeitos a rigoroso controlo de qualidade. O mesmo deve acontecer com o
produto final.
DR
Peso. No caso da indústria aeronáutica/aeroespacial este é um requisito
extremamente importante. Mas este nem sempre é crítico noutro tipo de
indústrias. Em geral, em qualquer produto que envolva movimento é van-
tajoso reduzir o peso. Mas o aumento de peso pode ser benéfico quando
se procura uma boa estabilidade. A redução de peso também concorre para
a redução dos custos de produção porque é necessário incorporar menos
matéria prima.
Ruído. Devem ser especificados os limites máximos de ruído que o pro-
duto pode emitir. Existem diferentes regulamentos, em diferentes países,
que estipulam os limites máximos de ruído. Deve ser tido o cuidado de
especificar o valor mais baixo de entre os valores limite especificados para
os países para onde se vai exportar o produto. Podem ainda ser estipulados
valores mais baixos que os valores limite por razões de marketing!
CRITÉRIOS PARA A DEFINIÇÃO DAS ESPECIFICAÇÕES DO PROJECTO 37

Requisitos de produção

Processos. As instalações de produção e de conformação de materiais

FT
da empresa e as necessidades de subcontratação devem ser especificadas. A
fiabilidade e qualidade dos fornecedores deve também ser definida. Qualquer
tipo de processo de acabamento deve ser devidamente especificado.

Materiais. Devem ser considerados os materiais necessários para a pro-


dução e para as embalagens. Este requisito não deve restringir demasiado
a equipa de projecto. Alguns dos critérios a considerar são; a corrosão, a
fadiga, a inflamação, a massa específica, a dureza, a textura, a cor, a es-
tética, e a possibilidade de reciclagem. Convém ainda ter em atenção os
regulamentos referentes ao manuseamento de matérias primas perigosas.
Montagem. O método de montagem deve ser especificado, esta pode ser
feita numa linha de montagem automática ou manual. Nesta especificação
inclui-se a definição da quantidade de componentes a incorporar por unidade
de tempo. Nesta especificação deve ainda ser tida em conta a facilidade de
desmontagem.
Empacotamento e expedição. O tamanho e peso máximo adequado a
um conveniente transporte deve ser considerado. A forma também pode ser
A
um aspecto a considerar; encaixando-se os produtos uns nos outros pode
reduzir-se os custos de transporte. A localização de pontos de apoio, e de
mecanismos de fixação e trancagem, pode também contribuir para reduzir
os riscos de deterioração no transporte. Os custos associados ao empacota-
mento e expedição devem ser considerados nos custos de produção.
Quantidade. A quantidade de produto a vender tem um impacto profundo
no método de produção e nos materiais usados. Este é um aspecto importante
a considerar logo no inicio do projecto.

Prazo de entrega. É importante que sejam definidos prazos realistas para


cada uma das fases do projecto e da produção. Este aspecto é importantís-
DR
simo caso tenha sido acordado um prazo com o cliente. Geralmente são
incluídas penalizações no contrato de fornecimento por entregas fora do
prazo! O conjunto de especificações de projecto deve conter de, forma de-
talhada, as datas contratadas para a fase de projecto, produção, ensaio, e
entrega do produto.

Normas a considerar

Inspecção. O grau de conformidade com as normas, quando existentes,


deve ser especificado nas definições do projecto de forma a ter em conta a
legislação do país.
Ensaio. Os métodos de verificação do produto devem ser especificados,
incluindo os ensaios necessários para aferir esses dados. Na fase final são
38 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

ainda feitos os testes de demonstração na presença do cliente. Estes testes


incluem demonstrações de funcionamento, de consumo de energia, de de-
sempenho, e de fiabilidade. Nalguns casos estes ensaios são especificados

FT
por legislação. As especificações de projecto devem ainda definir se o teste
será feito por amostragem, ou se toda a produção será ensaiada.

Normas. As normas podem ter origem a nível internacional, a nível na-


cional, ou podem ser definidas localmente pela empresa. Geralmente as
normas da empresa devem reflectir as normas, ou as boas práticas, nacionais
e internacionais, no caso de existirem.
Patentes. Efectuar uma pesquisa de patentes é extremamente importante,
de forma a que nos possamos certificar de não estar a infringir uma patente
registada. As patentes são também uma boa fonte de informação no caso da
empresa iniciar o desenvolvimento de um produto onde não tem tradição de
produção.

Eliminação

Normas. As normas existentes para a eliminação dos resíduos, ou do


produtos no fim da vida útil, a nível nacional e internacional devem constar
A
das especificações do projecto. Por exemplo, a utilização de certo tipo de
plásticos é objecto de legislação com vista à eliminação ou reciclagem dos
resíduos.

Legislação. Qualquer legislação que defina o modo de eliminação, ou


reciclagem, do produto tem de ser especificada. Nalguns casos a legislação
pode ir até ao ponto de a empresa ser obrigada a receber o produto em fim
de vida15 .
Políticas da empresa. A empresa pode beneficiar, em termos de marke-
ting do produto, ao definir políticas de eliminação e reciclagem de resíduos
mais rigorosas. O aumento da vida útil do produto também pode fazer parte
DR
das políticas de eliminação e redução de resíduos.
Acidentes. As especificações do produto devem considerar, quando seja
caso disso, a possibilidade de ocorrerem acidentes.

Requisitos de operação

Instalação. No caso de a instalação do produto ser complexa esta deve


ser detalhadamente especificada. Nesta informação incluem-se os manuais
de instrução, de montagem, e ainda o nível de conhecimentos técnicos que
deve ser detido por quem instala o produto.

15
É o caso da reciclagem dos óleos de automóvel
CONTEÚDO DE UMA ESPECIFICAÇÃO DE PROJECTO 39

Utilização. O custo de utilização do produto, que geralmente é mais ele-


vado que o de aquisição, deve ser tanto quanto possível minimizado. Nestas
especificações incluem-se o custo com os operadores, o custo dos sobres-

FT
salentes, o custo da energia, etc. Nalguns casos, em lugar desta divisão
dos custos por categorias é considerado o custo total durante a vida útil do
produto.
As fontes de energia devem também ser identificadas. Esta pode ser de
origem manual, gravitacional, eléctrica, hidráulica, etc. Por exemplo, a
alimentação pode ser monofásica ou trifásica.
Manutenção. Deve ser definida uma política que reduza as paragens, que
simplifique a manutenção, que assegure uma correcta desmontagem e mon-
tagem, incluindo a facilidade de acesso e de substituição de componentes. Se
houver necessidade de manutenção de rotina, o intervalo e nível de comple-
xidade destas intervenções deve ser especificado. Por vezes são fornecidas
ferramentas especiais que facilitam o procedimento de manutenção16 . Os
níveis de conhecimento do pessoal habilitado para efectuar as intervenções
de manutenção devem ser especificados. Quando necessário devem ser for-
necidos manuais de manutenção. Por vezes o sistema também incorpora
auto-manutenção, como é o caso de alguns sistemas de lubrificação ou do
re-arranque de sistemas informáticos.
A
Segurança. Existem diversas normas, legislação, e códigos de conduta
que definem os pressupostos de segurança. Estes devem constar do grupo de
especificações de projecto. Neste tipo de considerações incluem-se as gre-
lhas de protecção contra contactos directos, e indirectos, com elementos sob
tensão eléctrica. Válvulas de segurança em instalações sob pressão. Neste
grupo deve ainda definir-se o tipo de indumentária e material de protecção
necessário (luvas, capacetes, etc.).

2.5 CONTEÚDO DE UMA ESPECIFICAÇÃO DE PROJECTO

Como se referiu é necessário um extenso trabalho até se chegar a um


DR
primeiro esboço do conjunto de especificações de projecto. O que consta
das especificações de cada projecto é diferente, mas a forma de organizar a
informação é genericamente a mesma. Assumindo que a informação está
disponível, incluindo o cliente objectivo e outras especificações similares, o
formato das especificações deve ser o seguinte:
a) Identificação: título, referência, autoria, data.
b) Versão: referência a versões anteriores.
c) Conteúdo: esquema do trabalho.
d) Prefácio: a razão da preparação das especificações e as circunstâncias
em que foram preparadas.

16
O conhecido caso das chaves Renault!
40 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

e) Introdução: definição dos objectivos.


f) Âmbito: o que foi, ou não, incluído, o domínio, os limites.

FT
g) Definições: nomenclatura de termos e símbolos utilizados.
h) Corpo das Especificações: requisitos de desempenho, de produção, de
normalização, de reciclagem, e de operação
i) Apêndices: exemplos.
j) Índice: referência por palavras ao texto.
k) Referências: referência a especificações, internas, nacionais, ou interna-
cionais.
Nem todas as secções são absolutamente necessárias para cada caso. Por
exemplo, um prefácio só deve ser incluído se for necessário para ajudar a
clarificar as especificações de projecto. No caso dos estudantes que estão
a fazer o seu trabalho de projecto as versões, e a autoria, são por vezes
redundantes, uma vez que só terão aplicação no caso de se tratar do trabalho
de uma empresa. No entanto, as especificações devem ser o mais completas
possível.
A
2.6 EXEMPLOS DE ESPECIFICAÇÕES DE PROJECTO

Há alguns casos em que as especificações de projecto podem ocupar múl-


tiplos volumes, incluindo os contratos e garantias para com os clientes. Não
é obviamente possível apresentar esse tipo de especificações num texto como
este, portanto os exemplos apresentados servem para que os estudantes con-
sigam perceber a metodologia e produzir as suas próprias especificações,
designadamente no âmbito do projecto que irão desenvolver na disciplina.
Na Fig. 2.10 são apresentadas as especificações de projecto para uma
máquina de posicionamento de placas de circuito impresso.
DR
Princípios a observar

Definição. Com o acordo do cliente devem ser considerados todos os


aspectos técnicos do futuro produto.
Informação. As especificações devem ser suportadas por informação fi-
dedigna e actual proveniente de diferentes fontes.
Função. Deve ser fornecida uma especificação detalha das funções do
produto, e este é o ponto de partida para construir as especificações.
Restrições. A equipa de projecto deve ser informada das restrições que
o cliente, ou análises de mercado, considerem importantes.
EXEMPLOS DE ESPECIFICAÇÕES DE PROJECTO 41

A FT
DR

Figura 2.10 Especificações de projecto para uma máquina de posicionamento de placas


de circuito impresso.
42 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

Iteração. No inicio as especificações devem ser consideradas como um


documento de trabalho, um esboço. À medida que o projecto progride será
acrescentada, ou corrigida, a informação inicial.

A FT
DR
CAPÍTULO 3

FERRAMENTAS DE
DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO
A FT
Neste capítulo serão referidas algumas das ferramentas, ou aptidões, que o
projectista deve saber utilizar e/ou desenvolver. Nestas incluem-se a criativi-
dade, a selecção de conceitos ou princípios de funcionamento, a definição dos
processos de conformação, a caracterização dos modelos físico-matemáticos
para analisar o problema, e obviamente o projecto de detalhe.
DR
3.1 CRIATIVIDADE

Após termos feito a identificação do problema e termos trabalhado as


especificações de projecto, que definem as fronteiras desse problema, o passo
seguinte é explorar essas mesmas fronteiras. Este passo corresponde a uma
fase divergente do projecto, pois nesta fase deve ser gerado o maior número
possível de conceitos para resolver o problema. Esta é a fase mais criativa
do processo de projecto, e as técnicas tanto podem ser aplicadas a produtos
totalmente novos ou ao desenvolvimento de produtos existentes.
A sociedade desenvolveu regras de comportamento que levam os indiví-
duos a comportarem-se de uma forma considerada normal. Em geral, no
sistema educativo, é desencorajada a criatividade e invenção e encorajada a
conformidade com o grupo onde se insere o indivíduo. Enquanto alunos de
matemáticas e ciências exactas verificámos que o pensamento, dito vertical,
contribui para o sucesso nessas disciplinas. É o pensamento formal em que
Introdução ao Projecto Electromecânico, 43
Primeira Edição. Por José C. Páscoa
Copyright c 2009.
44 FERRAMENTAS DE DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO

os problemas têm uma única solução, mas este é muito raramente o caso dos
problemas da engenharia. Na realidade, o engenheiro está sempre à procura
de uma solução óptima, ou de compromisso.

FT
É evidente que o raciocínio vertical, formal, é essencial em muitas áreas
das ciências da engenharia, em particular no caso do projecto de detalhe,
onde as considerações sobre ajustamentos, tolerâncias, e normas de desenho
têm de ser consideradas. Mas o processo base para a geração dos novos
conceitos e ideias é o designado pensamento lateral. No raciocínio vertical
a informação vai-se acumulando ao longo dos vários estágios até atingir a
solução final, no pensamento lateral a informação é usada não para progredir
no sentido da solução mas para sugerir outras soluções. O objectivo do
raciocínio lateral é o de por em causa quaisquer ideias preconcebidas e o
de refazer quaisquer padrões de solução que se tenham desenhado. Neste
tipo de pensamento não nos preocupamos logo em saber se as soluções são
válidas, apenas as sugerimos.
Uma forma de o estudante aumentar a sua capacidade criativa, como en-
genheiro, é transportando sempre consigo um bloco de notas, e nele esboçar
e anotar quaisquer aspectos que considere interessantes ao observar um pro-
duto ou sistema. A mente inquiridora também se educa!
A criatividade pode ser melhorada à custa de trabalho e de concentração
no que nos rodeia. Também no seio de uma equipa de projecto deve haver
um ambiente propício à criatividade. Segundo Thomas Edison, a invenção
A
é feita de 95% de transpiração e de 5% de inspiração17. Edison sabia do
que falava. Conta-se que, certa vez, testou 6000 diferentes tipos de materiais
antes de descobrir que uma determinada espécie de bambu podia ser utilizada
no filamento de uma lâmpada de incandescência.
Os diferentes passos para construir a ideia criativa são, em termos gerais,
os seguintes:
Preparação: reunião de informação e formulação do problema.
Esforço: concentração e aplicação de técnicas criativas.
Abandono: período de descanso/incubação mental onde nos devemos afas-
tar do problema.
DR
Perspectivar: o conceito que é uma possível solução.
Desenvolvimento: generalização e avaliação da ideia.
O tempo necessário à actividade criativa não é geralmente objecto de
planificação no seio da empresa, em parte porque os prazos para introduzir
o produto no mercado devem ser o mais pequenos possíveis. No entanto, se
forem procuradas soluções verdadeiramente inovadoras deverá ser previsto
o tempo necessário para que estas germinem. Em particular, o período acima
designado de abandono deve ser encorajado, pois este é considerado muito
importante para atingir o objectivo criativo.

17
Todos nós transportamos os 5% de inspiração, o que nos falta geralmente é a vontade de transpirar
os 95%.
CRIATIVIDADE 45

Custos associados
Custo ao projecto

FT
Custos totais do
produto

Tempo antes do início da produção


a)

A 20%

80% ditado
pelo projecto

b)
Figura 3.1 Curvas de custo do produto ao longo da sua vida útil a) e custos ditados pelo
projecto b).
DR
Existe ainda uma outra razão pela qual é necessário garantir mais tempo e
recursos nas fases iniciais do projecto, como se ilustra nas Fig.s 3.1-a) e b). O
gráfico da Fig. 3.1-a) apresenta a evolução do custo de produção em função
da produção para, por exemplo, quatro anos. Os custos de produção sobem
significativamente nas fases iniciais. No entanto, os custos que a empresa
tem de suportar só serão significativos em fases posteriores do projecto.
O tempo extra despendido nas fases iniciais do projecto é normalmente
recompensado, como se ilustra no gráfico da Fig. 3.1-b), pois aproximada-
mente 80% do custo de produção fica associado a decisões tomadas nestas
fases iniciais. Qualquer solução que actue na fase em que o produto já está
em produção tem um efeito diminuto sobre os custos de produção e as mar-
gens de lucro. Em geral, durante esta fase criativa são ainda redefinidas as
especificações do produto.
46 FERRAMENTAS DE DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO

Metodologia

Divergência. No procedimento de projecto, a fase de conceito inicia-se

FT
com a geração de um conjunto variado de soluções para o problema.
Criação. São desenvolvidos diferentes conceitos pela equipa de projecto,
usando por exemplo o brainstorming.
Inversão. Podem surgir diferentes conceitos se olharmos o problema de
um ponto de vista diferente.
Analogia. A natureza já resolveu por ela própria muitos problemas com-
plexos, muitas das suas soluções podem ser adaptadas a casos de problemas
de engenharia.

Fantasia. Nesta técnica a imaginação corre livremente e os conceitos são


apresentados sem haver lugar a críticas imediatas.

Combinação. Após se terem criado diferentes conceitos, coloca-se a hi-


pótese de combinar alguns deles de forma a criar uma solução óptima a ser
investigada em profundidade.
A
Observação. As pessoas criativas têm sempre uma atenção especial ao
que as rodeia, sendo receptivas a ideias e conceitos que poderão aplicar em
situações radicalmente diferentes.

Gestação. O processo criativo, após um período de esforço inicial, requer


um período de abandono, ou afastamento, do problema.
Iteração. Durante a geração dos conceitos é inevitável que sejam ques-
tionadas as especificações de projecto. E portanto estas poderão ter de ser
revistas.
DR
3.2 SELECÇÃO DE CONCEITOS

A fase de geração de conceitos pode ser considerada divergente, no sen-


tido em que as fronteiras das especificações iniciais de projecto são explo-
radas e desafiadas. A fase seguinte consiste em seleccionar conceitos e é
considerada convergente. Compreende a tomada de decisões e a rejeição da
maioria dos conceitos gerados. A fase de selecção de conceitos está clara-
mente identificada na Fig. 1.6 por intermédio de um linha de fluxo que liga
o conceito e o detalhe.
Como ilustração da importância que deve ser dada à cuidadosa selecção
de conceitos considere-se as duas Fig.s 3.2 e 3.3. Elas apresentam o custo e a
oportunidade para fazer modificações ao longo do desenvolvimento do pro-
duto, apresentam também um exemplo típico da evolução das modificações
efectuadas no produto. Segundo se depreende da Fig. 3.2, é nas fases iniciais
do projecto que há uma grande oportunidade para fazer modificações, e su-
SELECÇÃO DE CONCEITOS 47

ELEVADO
Oportunidade Custo e/ou dificuldade
de mudanças das mudanças

FT
BAIXO

Especificação Conceito Detalhe Produção Vendas


produto

Figura 3.2 Relação entre o custo e a oportunidade para efectuar mudanças no projecto
de um produto.

Mudanças no
projecto
A
Produto Conceito Data de Tempo
inicio da
produção
DR
Figura 3.3 Evolução do ciclo típico de desenvolvimento do produto, em função das
mudanças no projecto.

gestões, que contribuam para a melhoria dos conceitos que foram sugeridos
inicialmente. No entanto, mal se inicia o projecto de detalhe esta oportuni-
dade é substancialmente reduzida. O custo de fazer modificações aumenta
exponencialmente com o tempo, uma vez que cada vez mais recursos estão
afectos ao projecto.
A Fig. 3.3 é elucidativa do que acontece nos países ocidentais, esta mostra
que o pico das modificações de projecto ocorre já numa fase muito próxima
da de inicio de comercialização, e portanto muito depois do projecto de
detalhe. Estas modificações tardias têm obviamente um custo elevado e um
impacto significativo sobre o rendimento. O desejável seria deslocar o pico
48 FERRAMENTAS DE DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO

da curva para uma fase inicial do projecto. O cuidado na selecção de um


conceito óptimo, e que satisfaça as especificações de projecto, contribui para
atingir este objectivo.

FT
Vale a pena recordar que o custo do produto e a sua qualidade são pré-
determinados pelo projecto e que, como sugerimos no início deste capítulo,
praticamente todo o custo do produto e a sua qualidade são função de decisões
tomadas na fase inicial do projecto. Admite-se em geral que assim que um
conceito é seleccionado a aplicação de técnicas de projecto, mais ou menos
sofisticadas, não tem um impacto significativo sobre o custo e qualidade
final do produto.
O acto de projectar pressupõe que o projectista tome decisões, nuns ca-
sos de forma mais intuitiva e noutros de uma forma mais racional/analítica.
A tomada de decisões está associada a situações de stress, e o engenheiro
projectista tem de saber ultrapassar estas situações. A criação de uma boa
reputação e auto-estima está associada à tomada de decisões de forma com-
petente, mas as consequências de uma decisão errada podem comprometer
inclusive o futuro da empresa. No entanto, a qualidade das decisões pode
ser influenciada positivamente pelo processo usado para tomar a decisão. O
que pressupõe que seja definido um sistema adequado, e formal, de tomada
de decisões.
Existem diversas razões que contribuem para que seja necessário um pro-
cesso formal de tomada de decisões pelo engenheiro projectista, vejamos
A
algumas dessas razões:

1. É minimizado o tempo desperdiçado a fazer um projecto de detalhe


com base em alternativas de projecto inadequadas.
2. A definição de um processo formal de tomada de decisões permite que
o processo seja repetível, e usado por outros, na empresa.
3. Facilita a avaliação, feita por terceiros, da qualidade das decisões to-
madas.
4. O projectista pode melhor defender as suas decisões em reuniões com
DR
administradores ou clientes.
5. Um projectista com pouca experiência pode conduzir uma avaliação
de conceitos de forma mais autónoma.
6. O processo de selecção de conceitos estimula novos conceitos e en-
coraja a combinação dos já existentes.

Nesta fase a equipa de projecto deve apresentar as especificações de pro-


jecto e os conceitos gerados numa reunião com colegas de outros departa-
mentos da empresa, e justificar a seleccção de conceitos que serão ainda
objecto de maior desenvolvimento. 18 .

18
No decorrer do semestre os estudantes adoptarão este procedimento, no âmbito do projecto electro-
mecânico que irão desenvolver
TOMADA DE DECISÕES COM BASE EM MÚLTIPLOS CRITÉRIOS 49

FT
a)

b)
Figura 3.4 Barragem do Carrapatelo no Rio Douro. No lado esquerdo da fotografia a)
e do alçado b) é visível a zona da eclusa de navegação. A eclusa permite a passagem de
A
barcos até 1500 toneladas

3.3 TOMADA DE DECISÕES COM BASE EM MÚLTIPLOS


CRITÉRIOS

Em geral, numa primeira fase, as decisões são tomadas com base num
único critério — por exemplo o factor económico. No entanto, em geral no
projecto em engenharia não é possível nem desejável atender a um único
critério.
Vamos apresentar nesta secção uma forma de lidar com decisões com base
em múltiplos critérios. Para ilustrar a tomada de decisão vamos considerar
DR
o projecto de reconstrução do sistema electromecânico de movimentação
das comportas existentes na eclusa do Carrapatelo, no rio Douro, veja-se
a Fig. 3.4. As comportas pesam cerca de 70 toneladas e a eclusa tem
12.1 m de largura por 85 m de comprimento. A eclusa situa-se no lado
esquerdo da Fig. 3.4. A Tab. 3.1 apresenta uma classificação para as
diversas opções em função do respectivo critério. Uma vez que a alternativa
hidráulica é a classificada em primeiro lugar, em todos os critérios, é claro
que é esse o conceito de projecto preferido. As opções 2 e 3 são evidentes. A
opção 1, de um sistema totalmente hidráulico, envolve a substituição de todo
o mecanismo existente (composto por motores eléctricos e engrenagens)
por um cilindro hidráulico associado a uma bomba hidráulica. A opção 4
substitui o sistema de engrenagens por um acoplamento hidráulico.
No entanto, existem muitos casos em que uma opção não é claramente
superior a uma outra. Nesses casos o Engenheiro projectista tem de definir
se os custos, e a responsabilidade envolvida, justificam ou não: a) a colheita
50 FERRAMENTAS DE DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO

Tabela 3.1 RANKING DAS OPÇÕES DE PROJECTO PARA


MOVIMENTAÇÃO DAS COMPORTAS NO RIO DOURO.

Opções de projecto Fiabilidade Custo Flexibilidade

FT
Substituir por um sistema totalmente hi- 1 1 1
dráulico.
Reparar o sistema existente (mo-
3 2 2
tor+engrenagem).
Reparar o existente e adicionar variador 2 4 2
de velocidade.
Reparar o existente e adicionar acopla- 2 3 2
mento hidráulico.

de mais informação; b) a utilização de técnicas de tomada de decisão mais


sofisticadas. Existem ainda outros aspectos a considerar. Em primeiro lugar,
como deve ser construída a lista de critérios, e como podemos ter a certeza
de que é a adequada? Em segundo lugar, como se deve fazer a definição
da escala (excelente, razoável, fraco)? E em terceiro lugar, como devemos
definir a pontuação de cada opção em cada um dos critérios? Finalmente,
A
como devemos usar essa classificação para seleccionar a melhor opção?
Esta é uma área que, quando envolve projectos de elevada responsabilidade
e custo, necessita da colaboração de especialistas no domínio da modelação
da tomada de decisão (decision making). Estes especialistas desenvolvem
modelos baseados em matrizes de decisão e em diagramas de decisão, de
forma a obter a resposta mais adequada.
Recomenda-se que a construção de matrizes de decisão se faça com re-
curso a meios informáticos. A utilização do Excel permite construir esse
tipo de matriz e, com a utilização de macros para as funções de ponderação,
este software permite automatizar o processo de construção de matrizes de
decisão mais complexas de forma expedita.
DR
Princípios usados na selecção de conceitos

Convergência. Durante o processo de geração de conceitos o problema


deve ser expandido. Durante o processo de selecção de conceitos o problema
converge para uma solução única.
Intuição. Os métodos usados para seleccionar conceitos variam entre o
puramente intuitivo, que deve ser evitado em problemas complexos, até ao
rígido e formal. No entanto, existe sempre espaço para alguma intuição e
juízo pessoal no processo de avaliação e tomada de decisão.
Visibilidade. As decisões tomadas devem ser transparentes e de fácil re-
gisto.
CONFIGURAÇÃO E INCORPORAÇÃO DO SISTEMA 51

Seriação. A importância relativa do critério de projecto pode ser aumen-


tada usando factores de ponderação.

FT
Comparação. A utilização de uma estrutura formal para a tomada de de-
cisão torna possível comparar numericamente vários projectos, ou soluções
de projecto. A classificação do melhor conceito deve reflectir parâmetros
como sejam o desempenho e o lucro.

3.4 CONFIGURAÇÃO E INCORPORAÇÃO DO SISTEMA

Uma análise mais detalhada dos conceitos seleccionados é feita na fase


de projecto referente à configuração e incorporação do sistema. Os aspectos
a ter em conta incluem o projecto da forma, o projecto de produção, a
montagem, os materiais e o design industrial. É ainda importante que fique
claro que a incorporação do sistema e a definição do conceito são duas fases
diferentes do procedimento de projecto sistemático.
Um elemento essencial, do contínuo ciclo de tomada de decisões, é a
consideração da absoluta necessidade de contínua reavaliação do projecto
em relação às decisões precedentes. Mas, assim que um sistema começa a
tomar forma os esforços devem concentrar-se na optimização do projecto
seleccionado.
A
A fase de projecto referente à incorporação do sistema forma uma ponte
entre a fase de projecto conceptual e a de projecto de pormenor. O objectivo
consiste em refinar e desenvolver os esboços referentes à fase conceptual, de
forma que o projecto de pormenor e o projecto de produção se possam ini-
ciar. A informação de entrada, na fase de configuração do sistema, é muitas
vezes pouco mais que um esboço a que estão associadas as especificações
de projecto, ou os requisitos de projecto. O resultado é um esquema defi-
nitivo acompanhado de documentação que explica o objectivo do projecto.
Nesta documentação incluem-se cálculos, tolerâncias, materiais e processos
tecnológicos de produção.
Vamos considerar o exemplo de um assento de automóvel com suspensão
para ilustrar esta fase do projecto. A Fig. 3.5 apresenta uma representação
DR
3D do assento, note-se que este desenho ainda pouco tem a ver com o desenho
de pormenor que terá de ser feito para cada componente do assento. Estes
desenhos têm de ser feitos à escala e de uma forma muito rigorosa, tendo
em vista a produção dos vários componentes.
No entanto, a perspectiva 3D que se apresenta na Fig. 3.5 é extremamente
útil para evidenciar os diferentes aspectos a considerar na incorporação do
sistema:
• Como deve ser feito o movimento de suspensão?
• Qual é o tamanho, e resistência, que devem ter os diferentes compo-
nentes estruturais?
• Será que existe no mercado um modelo de amortecedor normalizado
que possa ser aplicado?
52 FERRAMENTAS DE DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO

A FT
Figura 3.5 Desenho de 3D, de conceito, de um assento com suspensão.

• O tipo de manípulos de ajuste será ergonomicamente aceitável?

• Será possível utilizar juntas soldadas?

• Que implicações deverão ser tidas em conta ao nível da produção e


montagem?

A conclusão inevitável que resulta das questões anteriores é a de que o


projecto final terá de envolver um compromisso entre requisitos que estão
em conflito. Muitas acções têm de ser feitas em simultâneo, e a síntese de
soluções tem de ser conseguida atendendo às implicações mutuas de cada
decisão tomada.
DR
O projecto de configuração do sistema está ilustrado na Fig. 3.6. Este
processo é cíclico, e de natureza iterativa, seguindo em termos gerais o
anel exterior da figura. O processo inicia-se com a decisão referente ao
layout global. Este é posteriormente modelado, analisado, sintetizado e
optimizado. O layout global é posteriormente revisto e apresentado em
maior detalhe, e a configuração do sistema é confrontada com as funções
e restrições constantes das especificações de projecto. Todo este processo
é várias vezes repetido, e para diferentes áreas do projecto, até se atingir a
melhor solução de compromisso. Esta tem já de ter em conta a selecção de
materiais, a forma de produção e de montagem.
Os aspectos financeiros têm de ser tidos em conta com mais detalhe, e
em paralelo, nesta fase do projecto de incorporação do sistema. Os aspectos
financeiros devem permitir estabelecer o custo e desempenho de propos-
tas alternativas, o que é extremamente útil para a equipa de projecto. A
síntese de toda a informação disponível nesta fase de projecto de incorpora-
CONFIGURAÇÃO E INCORPORAÇÃO DO SISTEMA 53

E SÍN
Á LIS TE
AN SE

FT
O
MODELAÇÃ
VERIFICAÇÃO DE VERIFICAÇÃO DE

OP T
RESTRIÇÕES FUNÇÕES

IMIZAÇÃO
CONFIGURAÇÃO

PROCESSOS MATERIAIS
PROVISÓRIOS PROVISÓRIOS

DESENHO DE
FORMA
ÃO
Ç

L
AY
IA O
VAL UT
A

Figura 3.6 Natureza cíclica da fase do projecto de configuração e incorporação.


A
ção, incluindo a estimativa de custos, permite guiar a equipa de projecto no
desenvolvimento da solução óptima de projecto.

Princípios do projecto de configuração

Optimização. A procura do melhor compromisso entre critérios em con-


flito.
DR
Simplificação. A transmissão da carga, e a forma, devem ser tanto quanto
possível simplificadas.
Escala. Os modelos à escala 1:1 são normalmente impossíveis de realizar,
e portanto recorre-se ao ensaio de modelos a escala inferior.
Estética. O projectista deve ter como objectivo um produto visualmente
atractivo.
Ergonomia. Deve ser procurado um design que seja agradável ao utiliza-
dor.
Síntese. Deve ser obtida uma solução que tenha em conta as técnicas de
produção existentes e o elementos pré-fabricados.
54 FERRAMENTAS DE DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO

Iteração. O progresso em relação ao projecto de pormenor é feito, iterati-


vamente, à medida que o conhecimento dos diferentes factores vai aumen-
tando.

A FT
DR
CAPÍTULO 4

PLANO PARA O
DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO
A
4.1 INTRODUÇÃO
FT
Neste capítulo forneceremos uma ferramenta para o desenvolvimento de
um problema de projecto do tipo aberto. Trata-se de condensar toda a infor-
mação fornecida ao longo deste texto de forma a facilitar a organização do
trabalho. Nem todas as tarefas que iremos referir têm de ser cumpridas em
todos os projectos. Trata-se essencialmente de um menu de consulta.
DR
O texto está organizado segundo as várias fases do procedimento de pro-
jecto em engenharia: avaliação das necessidades, formulação do problema,
síntese, análise, e implementação.

4.2 MENU DE PROJECTO

4.2.1 Tarefa 1, avaliação das necessidades


O primeiro passo em qualquer procedimento de projecto consiste em ava-
liar as necessidades a satisfazer, neste caso com base em soluções tecnológi-
cas. O projecto pode ter origem numa preocupação com a saúde e segurança
publicas, ou com a necessidade de aumentar a qualidade de vida das pessoas.
Um processo, ou produto, existente pode ainda necessitar de ser redesenhado
de forma a ser mais eficiente e a gerar mais lucro. Uma empresa pode es-
Introdução ao Projecto Electromecânico, 55
Primeira Edição. Por José C. Páscoa
Copyright c 2009.
56 PLANO PARA O DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO

tar interessada em estabelecer uma nova linha de produtos, mas a forma


como esses novos produtos se ajustam às necessidades dos clientes irá de-
finir o sucesso futuro da empresa. Pode ainda acontecer que um indivíduo

FT
seja confrontado com uma determinada necessidade do seu dia a dia, e ver
nessa necessidade uma área onde a tecnologia pode ser aplicada para de-
senvolver um produto. Além disso, com os desenvolvimentos científicos e
tecnológicos também surgem descobertas que criam oportunidades para o
desenvolvimento de novos produtos.

4.2.1.1 Sub-tarefas
1. Os projectistas devem familiarizar-se com a área ou domínio onde se
sente a necessidade. Devem investigar a situação presente, o estado da
arte, e saber se existem produtos, processos, ou sistemas semelhantes
no mercado.
2. Deve de ser criada uma lista de necessidades a satisfazer pelo problema
de projecto. Devem de ser vistas as necessidades já satisfeitas e as que
o não são.
3. A partir da lista de necessidades a satisfazer deve ser elaborado o
enunciado do projecto. O problema deve, nesta fase, ser objecto de
classificação. Pode tratar-se de um problema de previsão, de um pro-
A blema de explicação, ou de invenção. Pode também tratar-se de um
problema misto envolvendo várias destas classificações, a classifica-
ção deve ser bem definida e explicada.
4. Deve ser verificada a relação do problema com os produtos existentes,
se existirem. Será que os produtos, processos, ou sistemas existentes
não cumprem cabalmente as necessidades? Porque? Nesse caso de-
vem identificar-se as falhas de tipo físico, os erros do processo, bem
como os erros de abordagem ao problema.
5. Deve escrever-se uma proposta inicial de projecto que justifique a
razão para desenvolver o projecto. Esta deve referir a quem se des-
DR
tina e onde será usado. Nesta fase deve ser definida a abordagem,
individual ou em grupo, bem como o cronograma preliminar de de-
senvolvimento do projecto. Deve ser elaborado um diagrama de Gantt
com a indicação dos pontos chave para desenvolver o projecto. Fi-
nalmente devem ser, desde já, previstos os relatórios preliminares, os
modelos, ou quaisquer outro tipo de resultados a obter no decorrer do
projecto. Deve ainda ser feito um orçamento preliminar.

4.2.2 Tarefa 2, formulação do problema


É necessário ter em atenção que para que um determinado problema se
possa resolver ele tem de ser devidamente formulado. No entanto, tem de
se ter o cuidado de não formular o problema de uma forma tão restrita que
esta delimite, à priori, o conjunto de soluções a obter. A formulação do
problema deve focar-se nas funções que têm de ser feitas por uma qualquer
MENU DE PROJECTO 57

solução encontrada. O conjunto seguinte de sub-tarefas será de grande ajuda,


em particular por permitir usar uma abordagem heurística para formular o
problema.

FT
4.2.2.1 Sub-tarefas
1. Avalie a sua formulação inicial do problema do ponto de vista das
funções. Re-escreva a formulação, se necessário, de forma a clarificar
as funções a desempenhar por uma solução de projecto.
2. Escreva de três formas diferentes o seu problema a partir da infor-
mação colhida na tarefa 1.3 (ex. usando antónimos para descrever o
problema, relaxando algumas restrições de projecto, mantendo apenas
os aspectos críticos, especificando os resultados desejados, a informa-
ção de entrada, etc.). A re-escrita da formulação modificou o foco do
problema? Escreva agora uma versão melhorada da formulação do
problema, focando-se essencialmente na função a desempenhar.
3. Descreva a fonte primária na origem da formulação do problema (ou-
tros engenheiros, dados com origem em investigação científica, consu-
midores, etc.). Será que pode determinar a causa do problema (e não
meramente os sintomas) a partir da formulação ou da causa do pro-
blema (veja os dados colhidos em 1.4)? Descreva os seus resultados
A recorrendo a um diagrama dos porquês (Why-Why).
4. O problema envolve o aperfeiçoamento de um produto existente? Em
caso de resposta afirmativa, dirija o foco do projecto das funções a
desempenhar para as necessidades do cliente (ex. facilidade de utili-
zação, redução da frequência e dos custos de manutenção, facilidade
de armazenagem, etc.).
5. Investigue soluções existentes ou problemas semelhantes, verifique as
práticas e soluções de empresas conhecidas nessa área. Faça um sumá-
rio, na forma de uma tabela, onde constem as fraquezas e qualidades
das várias soluções.
DR
6. Existe um conjunto de objectivos gerais de projecto que estão, embora
nem sempre, associados com os esforços de projecto em engenharia.
Nestes incluem-se a segurança, a protecção ambiental, a aceitação
publica, a fiabilidade, o desempenho, a facilidade de operação, a du-
rabilidade, o mínimo de manutenção, a utilização de componentes
padronizados, e o mínimo de custo. No entanto, a existência de pa-
râmetros de projecto em conflito e os recursos limitados conduzem à
adopção de soluções de compromisso. Crie uma lista de objectivos
gerais de projecto para o seu produto, sistema, ou processo (a lista não
tem de ter 10 objectivos, mas deve ter um mínimo de 5). Explicite o
modo como o seu projecto satisfará cada um dos objectivos.
7. Além dos objectivos gerais de projecto, cada projecto tem de atingir
objectivos específicos referentes ao problema. Deve ter-se o cuidado
de não explicitar estes objectivos em termos de uma classe específica
58 PLANO PARA O DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO

de soluções. Os objectivos específicos de projecto podem ter origem


nos requisitos referentes a considerações sobre o antes, o durante, e o
após uso do produto. Critérios referentes a peso, forma, ou velocidade.

FT
Podem ainda referir-se à simulação de uma capacidade humana, como
seja o discurso, o agarrar, a visão, o pensamento lógico, etc. Dê pelo
menos três objectivos específicos da sua solução de projecto.
8. As especificações de projecto formam fronteiras quantitativas associ-
adas com cada objectivo de projecto, dentro das quais a solução deve
ser encontrada. Estas especificações referem-se geralmente a máxi-
mos e mínimos, ou gamas, associadas com as propriedades físicas e
operacionais do projecto. As condições ambientais que afectam o pro-
jecto, ou o seu impacto no ambiente. Os requisitos de ergonomia (i.e.
os factores humanos) do projecto, e/ou as restrições de ordem legal e
económica impostas sobre o projecto. Através de uma investigação
adequada podem ser identificadas as restrições ou fronteiras para cada
um dos objectivos de projecto.
9. A informação ergonómica, que contém os dados estatísticos referen-
tes ao tamanho e proporções das pessoas, as suas aptidões em termos
de endurance, velocidade, força, precisão, visão, e audição, a sua ap-
tidão em adquirir, aprender, e processar a informação, entre outras,
podem contribuir para as restrições críticas ou especificações do pro-
A jecto. As considerações sobre a ergonomia podem ser necessárias para
atingir condições de segurança, produtividade, saúde, e felicidade da
população utilizadora. Que tipo de considerações ergonómicas está a
incorporar no seu projecto?
10. Identifique alguns dos princípios científicos subjacentes à sua solução
de projecto. Por exemplo, se um sistema mecânico é influenciado pela
aceleração da gravidade? Será que envolve fenómenos ondulatórios
(de luz, ou de som, ou electromagnéticas)? Será que envolve tensões
ou correntes? Haverá mudanças de estado de sólido para líquido, de
líquido para vapor, ou de sólido para vapor? Haverá escoamento de
fluidos? Discuta os princípios físicos que suportam o seu projecto.
DR
11. Consulte alguns livros de referência sobre propriedades físicas e de
especificações de projecto. Use referencias no seu projecto, citando-as
na bibliografia ou em notas de rodapé do seu relatório.
12. Leia a informação sobre segredo industrial, marcas, direitos de cópia,
e patentes. Discuta com o seu grupo a razão porque alguns indivíduos
patenteiam as suas invenções, e a razão porque outros o não fazem.
Faça uma pesquisa sobre patentes, em particular sobre dispositivos ou
processos que lhe possam dar informação útil para o seu projecto.

4.2.3 Tarefa 3, abstracção e síntese


Por esta altura já deve ter formulado o seu problema, identificado os ob-
jectivos gerais e específicos do projecto, e adquirido a informação técnica
MENU DE PROJECTO 59

necessária ao desenvolvimento do projecto. Neste ponto deve de gerar dife-


rentes soluções alternativas para o projecto. Os conceitos iniciais de deter-
minada solução podem cair num subconjunto restrito de categorias ou tipos.

FT
É boa prática expandir o número de soluções, através da abstracção, e dessa
forma evitar que não seja considerada uma solução ou abordagem alterna-
tiva mais satisfatória. De seguida os modelos irão ajudá-lo a organizar os
dados importantes para o seu problema, a estruturar os seus pensamentos, a
descrever as suas relações, e a analisar as soluções propostas para o projecto.
4.2.3.1 Sub-tarefas
1. Para iniciar a abstracção, divida o seu problema no maior número
de sub-problemas possível. Classifique estes subproblemas sob ca-
tegorias mais gerais, para as quais as características distintivas do
subproblema sejam um caso especial. Por outras palavras, expanda
a definição do subproblema de forma a possibilitar um maior alcance
do seu raciocínio (mesmo que sejam violadas algumas das restrições
do problema inicial). Considere os princípios ou abordagens que pos-
sam ser usadas para atingir o objectivo de cada sub-problema. Junte
elementos de cada uma das diferentes soluções parciais de forma van-
tajosa, mantendo-se dentro da gama de cada categoria que satisfaz o
problema dado.
A
2. Os modelos formam representações mais ou menos precisas, ou com-
pletas, das soluções propostas de projecto. Estas incluem,
modelos simbólicos (ex. equações)
modelos analógicos (ex. sistemas equivalentes)
modelos iconográficos (ex. semelhanças visuais à escala)
Podem funcionar ou ser semelhantes ao projecto que se está a modelar.
Embora os modelos tenham precisão limitada, eles permitem estabe-
lecer as inter-relações entre os componentes do sistema, e permitem
testar as soluções de projecto propostas de forma expedita e econó-
mica. Crie um conjunto de modelos da sua solução de projecto. Em
particular, desenvolva gráficos ou diagramas de funções que permitam
DR
apresentar os dados críticos e as interdependências entre esses dados,
desenvolva ainda esboços de engenharia das suas soluções de projecto
para o problema.
3. O modelo de um sistema é determinista se ele permite que seja co-
nhecida com precisão o comportamento do sistema sob diferentes
condições. O modelo é estocástico se a resposta do sistema só puder
ser conhecida de forma probabilística (i.e. com menos de 100% de
certeza). O seu produto inclui um modelo determinista ou estocástico,
ou ambos? Explique. Um modelo de processo é definido como pres-
critivo se proporciona linhas gerais sobre como o processo deve ser
conduzido de forma a atingir determinado objectivo global. É definido
como descritivo se define com precisão o processo seguido em deter-
minado projecto. O seu projecto incorpora um modelo prescritivo ou
descritivo do processo, ou ambos? Explique.
60 PLANO PARA O DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO

4. Verifique que contribuições ou abordagens especificas são proporcio-


nadas pelo seu modelo. Elimine os detalhes desnecessários que pos-
sam obscurecer o seu objectivo ou aumentar desnecessariamente o

FT
custo.
5. Considere os modelos da sua solução de projecto. Pensa que um ou
mais dos seguintes bloqueios da criatividade o impedem de projectar
a melhor solução? Se sim, que passos pode tomar para reduzir ou
eliminar esse bloqueio? Alguns dos tipos de bloqueio mais comuns
são:
bloqueio de conhecimento: inadequada formação científica de
base;
bloqueio perceptual: elementos estereotipados, delimitação im-
própria do problema ou criação de restrições imaginárias, excesso de
informação que impede a distinção entre o essencial e acessório;
bloqueio emocional: medo de falhar e necessidade de aprovação,
não querer seguir caminhos ou metodologias prescritas, impaciência
e a tentativa de chegar a uma solução demasiado rapidamente;
bloqueio cultural e de expectativas: inibições resultantes de pre-
dilecções culturais, limitações com base em expectativas de projecto
ou em ideias preconcebidas pelos clientes;
A bloqueios de expressão: falta de orientação por utilização de ter-
minologia inadequada para descrever o problema e as soluções.
6. Conduza uma sessão de brainstorming. Uma vez que se pretende
uma determinada quantidade, e não qualidade, de conceitos é útil
sugerir livremente conceitos de projecto sem ter em conta critérios de
qualidade ou praticabilidade. Faça uma lista de ideias resultante da
sua sessão de brainstorming.
7. No mundo animal podemos encontrar muitos exemplos de actividades,
ou funções, desenvolvidas de forma eficiente e elegante. Será que
DR
consegue adaptar uma solução a partir da observação da natureza para
resolver o seu problema de engenharia? Esta metodologia é designada
de design biónico.
8. Para introduzir melhorias num conceito ou produto é útil a construção
de listas. Para fazer essas listas devem ser usadas palavras bandeira e
questões que activem o pensamento criativo. Exemplos são:
questões bandeira: O que é que isto faz? O que é que é similar a
isto? O que tem isto de errado?
palavras de activação: barato, rotação, fino;
categorias de activação: mudança de ordem (inverso, estratificar),
mudança de posição relativa (repelir, baixar); Será que consegue apli-
car esta técnica ao seu problema de projecto? Explique ou apresente
resultados.
MENU DE PROJECTO 61

9. Por vezes um engenheiro é confrontado com uma problema que lhe


é tão familiar que se torna impossível conceber uma solução alterna-
tiva. Inversamente pode acontecer que o problema seja tão sui geniris

FT
que lhe seja impossível relacionar com algo conhecido. A técnica de
criatividade designada de sinética introduz as seguintes tarefas:
tornar o familiar estranho, e
tornar o estranho familiar.
A criatividade transfere o seu problema familiar para um contexto
estranho, ou um problema estranho para o seu contexto familiar, e
posteriormente fornece as soluções de projecto. Pode então aplicar o
brainstorming, a construção de listas, ou outras técnicas ao contexto
do problema.
10. O método das analogias recomenda o progresso em direcção a uma
solução de projecto criativo, para um dado problema, através da sua
ligação a outro problema semelhante e que seja mais simples de resol-
ver, ou que esteja próximo de se obter solução, ou já resolvido. Um
engenheiro pode:
Fazer uma analogia directa entre o problema dado e o resolvido.
O método do design biónico geralmente envolve uma analogia directa.
Faça uma analogia fantasiosa de forma a imaginar o problema
A de uma forma análoga mas mais conveniente. A sinética geralmente
envolve a analogia fantasiosa.
Faça uma analogia simbólica usando metáforas poéticas, ou um
cliché literário, de forma a ver o problema sob outro ponto de vista.
Faça uma analogia personificada de forma a imaginar-se como
parte do sistema.
11. É também muito comum que se obtenham novas perspectivas sobre o
problema de projecto pelo simples facto de o explicarmos a alguém
que não esteja envolvido no esforço de projecto. Faça esse tipo de
exercício e tome notas dos comentários que lhe forem feitos.
DR
12. O seu problema de projecto pode envolver uma tarefa que algumas
pessoas considerem particularmente difícil. A estratégia de inversão
pressupõe que pode ser mais produtivo se for colocado o problema de
forma inversa. Por exemplo, em lugar de procurar formas de reduzir as
perdas numa máquina procure as diferentes formas em que essa energia
pode ser dissipada. Utilize a inversão para estimular o pensamento
criativo no seu projecto.
13. Utilize um diagrama para apresentar a sua ideia. Divida o seu pro-
blema em vários módulos constituintes desse diagrama.

4.2.4 Tarefa 4, análise


O comportamento ético em engenharia é um factor chave que pode fazer
a diferença em termos do sucesso, ou não, do profissional da engenharia. A
62 PLANO PARA O DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO

Ordem dos Engenheiros considera as considerações éticas, sociais, econó-


micas e de segurança como factores essenciais na prática da engenharia. O
engenheiro necessita de ter uma preocupação fundamental com a ética do

FT
seu comportamento ao desenvolver o seu trabalho, em particular de forma a
criar e a manter a sua boa reputação. Dessa forma previne a ocorrência de
processos judiciais e salvaguarda o bom nome da empresa onde desenvolve
o seu trabalho.
4.2.4.1 Sub-tarefas
1. Considere e registe quais os factores éticos, sociais, económicos, ou de
segurança que foram, ou podem, vir a ser incorporados na sua solução
de projecto. Que dificuldades foram, ou podem vir a ser, encontradas
ao incorporar esses factores? Será que essas dificuldades podem vir a
ser ultrapassadas?
2. Os engenheiros devem de antecipar o bom ou mau uso dado ao seu
trabalho, e dessa forma prevenir a ocorrência de danos.
3. Se está prevista a construção de um protótipo do seu projecto identi-
fique as possíveis origens de falhas.
4. Faça uma pesquisa de forma a identificar quais as normas ou requisitos
do sistema ou produto que está a desenvolver. Por exemplo, normas e
A legislação ambiental sobre eficiência energética, materiais para usos
alimentares ou hospitalares, etc.
5. Faça uma análise de riscos associados à sua solução de projecto. Pode
sumariar essa informação se colocar as seguintes questões. Quantas
vezes...? Qual a intensidade...? E então o que fazer?
6. Estabeleça a forma de reduzir ou eliminar os riscos conhecidos, e
desconhecidos, que identificou no seu problema de projecto. Algumas
formas de tratar deste aspecto incluem:
aspectos de segurança (protecções, travões, sensores, etc.),
um coeficiente de segurança adequado (referente à carga, às ten-
DR
sões eléctricas, etc.),
controlo de qualidade (por ensaio estatístico ou absoluto),
sistemas redundantes (utilizando sistemas auxiliares de emergên-
cia ou travões duplos),
instruções e avisos de segurança (etiquetas em pontos chave da
máquina)

4.2.5 Tarefa 5, implementação


Estamos agora na fase final do procedimento de projecto. A implemen-
tação relaciona-se com a concretização física do projecto. No entanto, os
requisitos de implementação não devem de ser deixados para o final do pro-
cedimento de projecto. Note-se que, os materiais, a produção dos componen-
tes, a montagem, a desmontagem, a reciclagem, e os requisitos económicos
MENU DE PROJECTO 63

podem afectar muitas das decisões iniciais do projecto, e portanto devem


de ser tidos em conta ao longo de todo o processo de projecto. O método
utilizado para concretizar esta abordagem é designado de concurrent en-

FT
gineering. De forma a concretizar adequadamente o projecto o engenheiro
necessita de conhecer a forma de produzir os materiais e as sua propriedades.
Os materiais escolhidos para um projecto devem ter em consideração aspec-
tos relacionados com a sua disponibilidade, o seu desempenho na função, a
economia, os aspectos ambientais, e a forma de os trabalhar.

4.2.5.1 Sub-tarefas
1. A Engenharia Concorrente consiste no desenvolvimento simultâneo
de todos os aspectos de um projecto, através do trabalho em equipa,
desde o conceito inicial até à sua produção, manutenção, e reciclagem,
de forma a optimizar o seu desempenho, a sua qualidade, e a minimizar
o custo e o tempo de produção. A engenharia concorrente baseia-se
nas seguintes considerações de projecto:
Projecto centrado na produção e montagem.
- Utilização da divisão de tarefas.
- Utilização de componentes modulares.
- Utilização de linhas de montagem.
A - Utilização de prototipagem rápida.
- Minimização do número e tipo de componentes.
- Projecto de componentes com várias funções.
- Minimização do número de operações de montagem.
- Maximização das tolerâncias para facilidade de montagem.
- Facilidade de acesso para efeitos de montagem.
Projecto centrado na fiabilidade.
- Utilização de componentes certificados.
- Incorporação de aspectos redundantes no projecto.
DR
- Introduzir a manutenção preditiva.
- Introduzir a manutenção correctiva.
Projecto centrado na qualidade.
- Introduzir operações de diagnóstico.
- Utilização de estratégias de qualidade proactivas e preventivas.
Projecto centrado na embalagem.
- Introduzir uma estética apelativa e uma marca reconhecida.
- Proteger o produto de danos e roubos
- Fornecer o produto em vários tamanhos e formatos.
- Assegurar a normalização e qualidade do produto.
- Prevenir a má utilização do produto.
64 PLANO PARA O DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO

- Utilizar embalagens económicas e fáceis de abrir.


- Utilização de embalagens recicláveis e reutilizáveis.
Projecto centrado na manutenção, desmontagem, e reciclagem.

FT
Como foram estes aspectos tratados no seu projecto? Pode melhorar
o projecto nestes aspectos?
2. Os materiais são escolhidos para um determinado projecto em função
das suas propriedades. Em particular se satisfazem requisitos de or-
dem funcional, ambiental, de produção, e económicos impostos sobre
o produto. Algumas das propriedades a considerar são:
propriedades mecânicas (ex. rigidez, ductilidade, rugosidade),
propriedades eléctricas (ex. resistência, indutância)
propriedades térmicas (ex. condutividade térmica, calor especí-
fico, ponto de fusão),
disponibilidade,
custo,
toxicidade,
corrosão,
biodegradação,
A inflamabilidade,
permeabilidade,
textura,
densidade,
aparência visual.
Quais são as propriedades dos materiais que têm implicação funda-
mental no seu produto final? Explique porque razão essas proprieda-
des são importantes no seu projecto.
3. É útil ter conhecimentos sobre as propriedades e aplicações dos ma-
DR
teriais de fabricação mais comuns. O engenheiro deve conhecer com
algum detalhe os seguintes materiais:
metais
- ferrosos (ferro macio, aço),
- não-ferrosos (alumínio, cobre, magnésio, níquel, titânio, zinco),
polímeros
- termoplásticos (acrílicos, nylons, polietileno, PVC, vinil),
- termoedureciveis (epóxidos, poliésteres, silicones, poliureta-
nos),
- elastómeros (borracha natural, borracha sintética),
cerâmicos
- tijolos,
MENU DE PROJECTO 65

- vidros,
- cimentos,
compósitos

FT
- fibra de vidro,
- betão reforçado,
- madeiras e aglomerados,
Faça uma lista com os materiais que irá utilizar para implementar o
seu projecto e anote as vantagens e desvantagens de cada um deles.
4. A escolha e execução apropriada dos processos de fabricação é es-
sencial para atingir o sucesso na produção do produto. Os processos
de fabricação mais comuns são:
processos de solidificação (ex. fundição)
processos de deformação (ex. laminagem, extrusão),
processos com remoção de material (ex. corte, torneamento),
processos de polimerização (ex. termoformação, modelação por
injecção),
processos de agregação (ex. sinterização, compactação a quente),
processos de união (ex. com solda, rebites, parafusos),
Arios)
tratamento de superfícies (ex. galvanoplastia, revestimentos vá-

processos de montagem.
Identifique e avalie três ou mais processos de fabricação que podem ser
utilizados para produzir o seu produto. Apresente os seus resultados
na forma de um quadro.
DR
DR
AFT
CAPÍTULO 5

PLANEAMENTO E GESTÃO DO
PROJECTO
A
5.1 INTRODUÇÃO
FT
A metodologia de planeamento e gestão do projecto desenvolve-se em
dois níveis diferentes, um primeiro nível mais simples e que será usado
pelos estudantes e um outro mais elaborado e que é utilizado em empresas e
projectos de grande complexidade. As técnicas que iremos referir incluem o
planeamento e gestão do projecto com recurso a gráficos de barras e as redes
DR
PERT (Programme Evaluation and Review Technique). Existem muitas
outras metodologias que podem ser empregues, como sejam a QFD (Quality
Function Deployment) que o estudante poderá apreender em literatura da
especialidade.
As metodologias empregues no planeamento de projectos tiveram a sua
origem nos métodos de planeamento da produção. Estes métodos surgiram
com o advento da produção em série e em linhas de montagem. Os desen-
volvimentos obtidos neste domínio foram posteriormente incorporados em
diversas áreas da sociedade, desde o planeamento de transportes até ao da
distribuição de energia eléctrica.

Introdução ao Projecto Electromecânico, 67


Primeira Edição. Por José C. Páscoa
Copyright c 2009.
68 PLANEAMENTO E GESTÃO DO PROJECTO

5.2 O CONTEXTO DO PLANEAMENTO DE PRODUÇÃO

Planificar a produção, ou o projecto, de um produto consiste em responder

FT
a cinco perguntas:
1. Que produtos se vão fabricar? (A resposta a esta pergunta será dada
em função de diversos elementos, com particular relevo para a procura
a curto prazo.)
2. Onde serão fabricados? (Ou seja: em que oficinas, em que máquinas?)
3. Quando serão fabricados? (Em que momento se inicia o fabrico de tal
ou tal produto?)
4. Quem os fabricará? (Quais os operadores que se escolherão para o
fabrico dos diferentes produtos?)
5. Quanto tempo se precisará para o seu fabrico? (Considerando elemen-
tos como a cadência das máquinas, o tempo de mudança de série, as
eventuais avarias, os tempos de transferência, os tempos de espera...)
A programação consiste, portanto, num conjunto de decisões que estão
a cargo do responsável pelo planning e refere-se às diferentes operações a
realizar para levar a bom termo um projecto (como, por exemplo, a realização
A
de uma produção, durante um determinado período...).
Na programação de uma fábrica consideram-se dois níveis:
• a programação centralizada, que visa estabelecer o escalonamento dos
lotes a fabricar, partindo de gamas operatórias e das capacidades dis-
poníveis e que, depois, assegura o acompanhamento destas previsões,
a curto prazo;
• a programação local, a nível do operador, que lhe indica o lote a
seleccionar na fila de espera, quando o posto fica livre. Este segundo
nível consiste, normalmente, na realização do primeiro.
DR
5.2.1 Objectivo da programação
A programação preenche três funções:
• planificação:
- diferentes operações a realizar durante um determinado período;
- meios materiais e humanos necessários para a produção;
• execução:
- arranque das diferentes operações predefinidas e respectivo acom-
panhamento;
• controlo:
- comparação entre planificação e execução;
OS MÉTODOS DE PROGRAMAÇÃO 69

- cálculo e análise dos desvios susceptíveis de provocar eventuais


modificações, ao nível de certas operações pré-definidas (por exemplo,
a diminuição de certos tempos de mudança de série que, originaria-

FT
mente, terão sido sobreavaliados...).

Trata-se de determinar o programa ideal de utilização dos meios de pro-


dução que permita satisfazer melhor as necessidades dos clientes.
Tentaremos, pois, fazer de modo a que os meios humanos e materiais sejam
utilizados da melhor forma possível, procurando respeitar, igualmente, os
prazos, o melhor possível.
Por outro lado, para se estabelecer este programa é preciso ter em conta
um certo número de elementos aos quais a empresa está sujeita no enqua-
dramento da sua política em matéria de produção, ou seja:

• a minimização dos stocks (em curso de fabrico e produtos acabados);


• a minimização dos custos (de produção e de compra);
• a diminuição dos prazos de fabrico;
• a utilização plena dos recursos.

Certos elementos são contraditórios, precisando-se, por isso, efectuar uma


A
arbitragem entre eles.

5.2.2 Utilização dos métodos de programação


Podem-se aplicar estes métodos a múltiplos problemas que tenham em
comum a possibilidade da sua decomposição em diferentes operações inter-
dependentes. Vejamos alguns exemplos:

• a produção de uma semana específica numa determinada instalação


industrial;
DR
• a instalação de um novo sistema informático;
• o estudo do tempo total de fabrico de um produto específico;
• a construção de uma nova fábrica.

5.3 OS MÉTODOS DE PROGRAMAÇÃO

Estes métodos podem reagrupar-se em duas famílias, conforme o princípio


de base que utilizem:

• os métodos de tipo diagrama;


• os métodos por caminho crítico.
70 PLANEAMENTO E GESTÃO DO PROJECTO

5.3.1 Um método de tipo diagrama: o método GANTT


É um método relativamente antigo, pois foi criado em 1918, mas ainda

FT
bastante praticado. É possível utilizar a técnica sem que isso obrigue a
representar o diagrama. Esta técnica consiste em encontrar a melhor maneira
possível de posicionar as diferentes tarefas de um projecto a executar num
período determinado, em função:
• das durações de cada uma das tarefas;
• das relações de precedência entre as diferentes tarefas;
• dos prazos a respeitar;
• das capacidades disponíveis (que podem aumentar em função de horas
suplementares, de investimentos).
Na maior parte das vezes, esta técnica é utilizada para produtos relativa-
mente simples de fabricar e para lotes de pequena dimensão. É esta a técnica
que é aconselhada para utilização pelos estudantes no decorrer do projecto
que têm de desenvolver.

5.3.1.1 Apresentação do GANTT Primeiro, é preciso:


A • definir o projecto a realizar;
• definir as diferentes operações a realizar no enquadramento do pro-
jecto;
• definir a duração destas diferentes operações;
• definir as ligações entre estas diferentes operações.
Exemplo: queremos planear a produção de um posto de trabalho, durante
urna semana:
- Operações a realizar:
DR
• produção das peças de ref. A; duração: 3 horas
• produção das peças de ref. B; duração: 6 horas
• produção das peças de ref. C; duração: 4 horas
• produção das peças de ref. D; duração: 7 horas
• produção das peças de ref. E; duração: 5 horas
- Ligações entre as diferentes operações para respeitar os prazos/clientes.
Será necessário fabricar:
• B e D depois de A;
• C depois de B;
OS MÉTODOS DE PROGRAMAÇÃO 71

FT
Figura 5.1 Representação do diagrama de GANTT para o exemplo da fabricação de
peças.

• E depois de D.
O diagrama de GANTT apresenta-se sob a forma de um quadro quadri-
culado onde:
• cada coluna corresponde a uma unidade de tempo;
• cada linha corresponde a uma operação a realizar.
Para cada tarefa marca-se uma barra horizontal. O seu comprimento
corresponderá à duração da tarefa. A localização da barra, no gráfico, é
o resultado das ligações entre as diferentes tarefas. Assim, o diagrama de
A
GANTT, correspondente ao exemplo anterior é apresentado na Fig. 5.1.
O diagrama de GANTT clássico utiliza o critério de representação se-
guinte:
Começa-se o mais cedo possível as tarefas que não têm antecedentes.
Depois, representam-se as tarefas que têm como antecedentes as tarefas já
representadas, assim sucessivamente. Este sistema conduz à constituição de
stocks e não corresponde, por isso, a um sistema just-in-time. Hoje em dia,
porém, é frequente sua utilização corrigida: iniciamos as diferentes tarefas,
não o mais cedo, mas o mais tarde possível.
Para definir a relação entre as diferentes tarefas de um projecto, existem
varias possibilidades:
DR
• prioridade ao fabrico do produto que tenha a data mais próxima de
entrega (para respeitar os prazos);
• a primeira encomenda confirmada será a primeira encomenda execu-
tada (o que não é, forçosamente, uma boa solução, porque ela pode
provocar um aumento dos stocks);
• prioridade à tarefa cuja duração for mais curta (método que permite
diminuir o número de mudanças de série);
• prioridade à tarefa que tenha a margem mais pequena; (margem =
tempo restante até à entrega - tempo total de acabamento);
• prioridade à tarefa que tenha o índice crítico mais baixo.
tempo restante até à entrega
r=
T otal dos tempos das operacões que f altam ef ectuar
72 PLANEAMENTO E GESTÃO DO PROJECTO

FT
Figura 5.2 Apresentação do diagrama de GANTT de forma a facilitar informação sobre
o projecto.

Estes dois últimos critérios têm por objectivo contar, simultaneamente,


com os prazos e o tempo de fabrico.
5.3.1.2 Utilização do diagrama
• Permite visualizar a evolução do projecto e determinar o seu tempo
de realização, Fig. 5.2.
• Permite pôr em destaque as margens que existem em determinada
A tarefas. (A margem corresponde ao tempo que se pode atrasar uma
tarefa determinada sem que, por isso, aumente o tempo global de
realização do projecto.)
• Permite representar o trabalho já executado sobre o diagrama e saber,
em qualquer momento, o estado de adiantamento do projecto.
Se nos colocarmos no final da 10.a hora de trabalho, podemos fazer a
seguinte análise:
• uma hora de atraso na realização da tarefa D;
• uma hora de atraso na realização da tarefa C;
DR
• uma hora de avanço na realização da tarefa E.
Esta situação não levanta problemas, porque dispomos de urna margem
de duas horas na tarefa C. Para já, o tempo total de realização do projecto (15
horas) não é posto em causa. Apesar disso, é possível, por vezes, verificar
importantes diferenças entre as previsões e a realidade. Então, devemos
tomar medidas correctivas para impedir um atraso significativo.
5.3.1.3 Utilização de software de apoio Hoje em dia, numerosos
pacotes de software de gestão da produção utilizam o método GANTT. O
diagrama de GANTT é um instrumento muito simples de compreender e
de utilizar. A sua utilização limita-se aos problemas simples que não com-
portem tarefas numerosas (se assim fosse teria como consequência a ilegi-
bilidade total do gráfico). O GANTT é, antes de tudo, um instrumento de
visualização! Não o devemos esquecer.
OS MÉTODOS DE PROGRAMAÇÃO 73

FT
Figura 5.3 Utilização do Microsoft Project 2007 para a criação de um diagrama de
GANTT.

A
Figura 5.4 Utilização do ACE para criar um diagrama de GANTT online com uma conta
gratuita.

Na sua forma mais simples o diagrama pode ser construído usando uma
folha de cálculo (ex. Excel). No entanto existem inúmeros pacotes de
software específicos, de entre eles destacamos o Microsoft Project, veja-se
DR
a Fig. 5.3, e o software livre ACE (http://www.aceproject.com/ ), veja-se a
Fig. 5.4.

5.3.2 Exemplo de um Projecto de veículo


Exercício O Sr. João Carapito constrói veículos para compactar pistas
de ski, destinados a várias estações de desportos de Inverno. No dia 5
de Dezembro recebeu uma encomenda para a estação do Grand Bomand,
de dois veículos específicos (ruas idênticos). A fabricação de um veiculo
necessita das seguintes operações:
Após um período de reflexão no gabinete de métodos, pode-se definir
aproximadamente, o tempo necessário a diferentes operações. Pode assim,
estabelecer-se o seguinte quadro de precedências:
Determina-se, pelo método GANTT, a programação de fabrico dos dois
veículos e obtém-se a previsão apresentada na Fig. 5.7.
74 PLANEAMENTO E GESTÃO DO PROJECTO

A FT
Figura 5.5 Operações necessárias à fabricação do veículo.

Figura 5.6 Quadro de precedências com a definição do encadeamento, e duração, das


tarefas necessárias à produção do veículo.
DR
OS MÉTODOS DE PROGRAMAÇÃO 75

Figura 5.7
A FT
Diagrama de GANTT com a previsão para o fabrico de dois veículos.

Alteração imposta por avaria


Começaram-se a fabricar os dois veículos no dia 7 de Dezembro. A serra
que corta os elementos do chassis avariou-se ao fim de quatro horas de
utilização. O tempo de reparação foi de duas horas. A pessoa encarregada
do corte e da soldadura dos elementos do chassis só ficou disponível a partir
da 16.a hora. Tendo em conta os dois problemas, quais serão as modificações
a introduzir no GANTT anteriormente apresentado?
A Modificação do GANTT devida a avaria da serra encontra-se represen-
tada na Fig. 5.8.
Apresenta-se ainda na Fig. 5.9 uma modificação do diagrama de GANTT
devida à indisponibilidade da pessoa encarregue da furação dos elementos
DR
do chassis:

5.3.3 Um método de caminho crítico: o método PERT


PERT significa Program and Evaluation Review Technic, ou seja, técnica
de elaboração e de controlo de projectos.
O método PERT que data de 1958, é originário dos Estados Unidos, onde
foi desenvolvido por iniciativa da marinha americana. Esta última criou, na-
quela época, uma força de combate nuclear da qual fazia parte um programa
de mísseis de longo alcance POLARIS, o qual envolvia:
• 250 fornecedores;
• 9000 subcontratados;
• 7 anos de realização.
76 PLANEAMENTO E GESTÃO DO PROJECTO

A
Figura 5.8
de corte.
FT
Diagrama de GANTT com as modificações impostas por uma avaria na serra

A utilização do PERT permitiu diminuir o tempo global de realização


do projecto, de 7 para 4 anos. Mais tarde, este método expandiu-se para a
indústria ocidental. O método PERT é, quase sempre, sinónimo de gestão
de projectos importantes e a longo prazo. Razão pela qual é necessário um
certo número de acções prévias, para se conseguir o seu funcionamento:
1. Primeiro, definir de maneira precisa todo o projecto.
2. Designar, depois, um responsável pelo projecto, o qual tomará as
DR
decisões importantes e a quem se prestará contas sobre o andamento
do projecto.
3. Analisar o projecto por grandes grupos de tarefas. Depois, se neces-
sário, pormenorizar certas tarefas.
4. Definir com muita precisão as tarefas e determinar a sua duração.
5. Determinar os custos correspondentes, o que poderá, eventualmente,
pôr em causa certas tarefas que tenham um custo elevado.
6. Efectuar controlos periódicos para se verificar se o sistema não se
desvia do objectivo.
5.3.3.1 Apresentação do PERT Contrariamente ao método GANTT,
o PERT empenha-se, sobretudo, em evidenciar as ligações existentes entre
OS MÉTODOS DE PROGRAMAÇÃO 77

A FT
DR
Figura 5.9 Diagrama de GANTT com as modificações impostas por uma
indisponibilidade de um técnico de furação do chassis.
78 PLANEAMENTO E GESTÃO DO PROJECTO

as diferentes tarefas de um projecto e, também, em definir o caminho dito


crítico. Tal como o GANTT, a sua realização necessita definir em primeiro
lugar:

FT
• o projecto a realizar;
• as diferentes operações e os responsáveis respectivos;
• as durações correspondentes;
• as ligações entre estas diferentes operações.
O gráfico PERT é composto por etapas e por operações. Representa-se as
etapas por círculos. Representa-se as operações por setas19 (o comprimento
das setas não tem significado, não havendo proporcionalidade de tempo.)
Exemplo: Escolheu-se um caso o mais elementar possível e que, na rea-
lidade, nunca seria tratado pelo método PERT. O nosso objectivo é, aqui,
essencialmente, pedagógico. Suponhamos que queríamos tirar uma foto-
grafia:
Operações a realizar:
• A: tirar a máquina do estojo Tempo: 15 segundos
• B: focar o objecto que vamos fotografar Tempo: 20 segundos
A • C: regular a velocidade Tempo: 12 segundos
• D: regular a abertura do diafragma Tempo: 7 segundos
• E: disparar Tempo: 1 segundos
Ligações entre as diferentes operações
DR
PERT correspondente:

Informações respeitantes à construção do PERT:


• Um PERT tem um só vértice de princípio e um só vértice de fim.

19
Também designados por: círculos = nós e setas = arcos
OS MÉTODOS DE PROGRAMAÇÃO 79

• Uma operação apenas se pode representar com uma única seta.


• Duas tarefas A e B que se sucedem imediatamente são representadas
por setas que se seguem:

FT
• Duas tarefas A e D simultâneas (ou seja, que se iniciam ao mesmo
tempo) são representadas da seguinte maneira:

A
• Duas tarefas convergentes, ou seja, que precedem a mesma etapa C
são representadas da seguinte maneira:

• Por necessidade de representação, é-se obrigado, por vezes, a criar


DR
tarefas fictícias X, de duração nula. Essa a razão do seguinte gráfico
PERT:

significa que:
• A e B são simultâneas
• C e D são convergentes
80 PLANEAMENTO E GESTÃO DO PROJECTO

• A precede C
• E precede D
Suponhamos que se acrescentava uma condição suplementar: A precede

FT
D
Será necessário criar a tarefa fictícia X de duração 0, cujo objectivo é
materializar esta condição de precedências. Teremos, então a seguinte re-
presentação:

Para se explicar o método PERT, apresenta-se um problema (bastante


elementar) e a sua realização, fase por fase. O projecto é composto pelas
seguintes tarefas:
A
DR
Primeira fase. Construção do PERT, para o qual existem vários métodos.
Trataremos, aqui, do método dos níveis:
1. Trabalha-se a partir do quadro de precedências;
2. Define-se o nível 1 como sendo o conjunto dos vértices que não têm
antecedentes;
OS MÉTODOS DE PROGRAMAÇÃO 81

3. No quadro de precedências, cortam-se os vértices que já não têm ante-


cedentes, obtendo-se, assim, o nível seguinte, e assim sucessivamente;
4. Os níveis, assim definidos, fornecem-nos a posição dos vértices de

FT
início das tarefas correspondentes.
Aplicação: nível 1: A, B nível 2: C, D nível 3: E, F nível 4: G
O que nos dá seguinte representação:

Segunda fase. A numeração dos vértices realiza-se da esquerda para a


direita, na parte esquerda dos vértices.
A
Terceira fase. Definição das datas mais próximas de execução das tarefas.
Trabalha-se da esquerda para a direita, adicionando às durações das tarefas
DR
umas às outras e tomando nas intersecções o valor mais alto. Posicionam-se
as datas mais próximas na parte superior direita dos vértices.

Quarta fase. Definição das datas mais tardias de execução das tarefas.
Trabalha-se da direita para a esquerda, subtraindo as durações das tarefas
82 PLANEAMENTO E GESTÃO DO PROJECTO

umas às outras e tomando nas intersecções o valor mais baixo. Posicionam-


se as datas mais tardias na parte inferior direita dos vértices.

FT
Quinta fase. Definição da margem de cada tarefa:
• Margem da tarefa i = data mais tardia de realização da tarefa i - data
mais próxima de realização da tarefa i.
Exemplo: margem em A = 12 - 4 = 8 horas.
Isto significa que podemos permitir-nos um atraso de 8 horas na realização
da tarefa, sem que, por isso, se altere a duração global de realização do
projecto de 48 horas.
A
Sexta fase. Evidenciar o caminho crítico. Este é composto por tarefas
ditas críticas, ou seja, aquelas para as quais a data mais próxima de realização
é igual à data mais tardia de realização.
São tarefas para as quais um eventual atraso de realização representaria
um aumento correspondente da duração global do projecto.
Aqui, o caminho crítico será B, C, E, G.
DR
CAPÍTULO 6

IMPLEMENTAÇÃO DE PROJECTOS
COLABORATIVOS
A
6.1 INTRODUÇÃO
FT
O projecto de novos sistemas, tendo em vista a economia de funciona-
mento e a melhoria do seu desempenho, é cada vez mais importante. Sabe-se
que, em geral, os produtos que cumprem o seu orçamento de desenvolvi-
mento mas que chegam tarde ao mercado geram menos lucro que os que
excedem o seu orçamento mas se apresentam no tempo certo ao mercado.
DR
Um dos meios de avaliar a eficiência de projecto consiste em medir o time-to-
market, no entanto esta eficiência não garante sempre um produto de sucesso.
Na realidade, verifica-se que 90% dos esforços de desenvolvimento de um
novo produto, pela equipa de projecto, falham.
Em geral, o projecto de um produto ou processo é conseguido através
de equipas multidisciplinares. A forma de implementação destas equipas é
considerada fundamental para garantir o desenvolvimento de um produto de
sucesso no tempo adequado. Nas grandes empresas de desenvolvimento de
sistemas técnicos, as actividades da equipa de projecto são responsáveis por
uma fracção de 70% nas componentes de qualidade, custo e time-to-market.
As restantes fracções poderão ser devidas a limitações de linhas de produ-
ção, fornecedores, etc. Desde os anos 80 do século passado que as equipas
multidisciplinares são usadas, em sentido lato, pelas empresas de desenvol-
vimento de sistemas técnicos. São conhecidas sob várias designações:

Introdução ao Projecto Electromecânico, 83


Primeira Edição. Por José C. Páscoa
Copyright c 2009.
84 IMPLEMENTAÇÃO DE PROJECTOS COLABORATIVOS

• equipas de projecto concorrente (concurrent engineering teams).


• equipas de projecto simultâneo (simultaneous engineering teams).

FT
• equipas de projecto integrado (integrated product teams).
Nestas equipas são incorporados especialistas de várias disciplinas; da
área do projecto, da área da produção, da área da qualidade e da área do
marketing. Eles trabalham em equipa, e não individualmente, de forma a
desenvolver um produto ou sistema de qualidade e sucesso comercial. O
número e o tipo de especialistas é recrutado em função do tipo de produto
ou sistema que se pretende desenvolver.
A forma de trabalho nestas equipas deve ser colaborativa. A colaboração
pressupõe que cada membro da equipa reconheça e aceite os seus pontos
fortes e fracos, bem como os dos outros membros da equipa. Deve ainda
partilhar a responsabilidade pelo funcionamento, e produtividade, do grupo.
Na sua essência, estas equipas tomam decisões complexas, na fase de pro-
jecto, de forma a antecipar problemas relacionados com a forma de produção
e com as funções que o produto final tem de desempenhar.
Para que o funcionamento da equipa de projecto ocorra sem sobressaltos,
e de forma eficiente e eficaz, é necessário que os membros das equipas
possuam a atitude mental adequada a atingir elevados níveis de desempenho.
Com vista a atingir a preparação mental adequada, o elemento da equipa terá
A
de compreender;
1. A importância de constituir a equipa e os estágios de desenvolvimento
da equipa,
2. Os desafios inerentes ao trabalho em equipa,
3. A função vital desempenhada pela comunicação no trabalho em equipa,
4. Os factores que podem ter um impacto sobre o desempenho da equipa
(diferentes histórias de vida, personalidades, etc).

É sobre estes quatro aspectos que tratará o presente capítulo.


DR
6.2 CONCEPÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE EQUIPAS

Uma equipa é constituída por um pequeno número de pessoas que, pos-


suindo habilidades complementares, se unem com vista a atingir um ob-
jectivo comum, ou a desempenhar um conjunto de tarefas. Um grupo de
pessoas que não possuam uma linha unificadora não formam uma equipa
!. O que identifica uma equipa é o elevado índice de interdependência para
atingir o objectivo, bem como a elevada dinâmica de partilha de informa-
ção e de recursos entre membros. O objectivo principal de uma equipa que
desenvolve sistemas técnicos é o de conseguir a melhor solução para um
determinado desafio de projecto, tendo como limites as variáveis de custo
e de tempo. Deve, finalmente, comunicar as suas soluções de projecto, nos
formatos mais adequados, aos seus clientes.
CONCEPÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE EQUIPAS 85

Em geral, as equipas são formadas por grupos de entre 2 e 25 elementos,


sendo o mais habitual um número entre 5 e 9 por razões de ordem prática.
No entanto, para o desenvolvimento de produtos de elevada complexidade

FT
(aviões, automóveis, etc.) forma-se uma rede de múltiplas equipas de pro-
jecto que trabalham para um objectivo comum. Deve referir-se que, à me-
dida que o número de membros de equipas aumenta, a comunicação tende
a ocorrer de forma mais centralizada. O que impede, muitas vezes, que os
elementos falem directamente uns com os outros, levando a deficiências de
comunicação. Verificou-se estatisticamente que nove em cada dez equipas
falham !!!. É, portanto, muito importante estudar as características apre-
sentadas pelas equipas de sucesso, de forma a que possamos desempenhar
a nossa actividade de forma eficiente quando formos chamados a trabalhar
em equipa.
São vários os factores críticos que contribuem para equipas de sucesso:
1. A existência de um objectivo e desfio claros, que seja compreendido
e aceite por todos (fazer a disciplina!)
2. Uma organização estruturada para obter resultados, com papéis e res-
ponsabilidades claramente definidas para cada membro (cabe à equipa
estabelecer!)
3. Membros de equipas competentes e com talento (alguns, incompeten-
tes, irão reprovar!)
A
4. Uma união forte com vista a atingir os objectivos (todos unidos são
mais que a soma de contribuições individuais!)
5. Uma cultura de equipa positiva, que premeie a honestidade, a abertura
às opiniões dos outros, o respeito e a consistência no desempenho
(ajudar os mais fracos, para que eles possam também contribuir e
assim garantir maior força de trabalho à equipa!)
6. Standards de excelência (não trabalhar para o 10, quem trabalha para
o empate perde o jogo!)
7. Apoio e encorajamento externos (não se isolar, falar com docentes,
DR
colegas, empresas, etc !)
8. Liderança efectiva e ambiciosa (todos têm de aprender a liderar, é esse
o vosso futuro!)
Os membros de equipas colaboram em todos os aspectos das suas tare-
fas e objectivos, mas também partilham funções de gestão, de planeamento,
de organização, de estabelecimento de objectivos, de verificação do desem-
penho da equipa, de desenvolvimento de estratégias e de fornecimento de
recursos para o projecto.
É, no entanto, irrealista pensar que se juntarmos um grupo de pessoas para
trabalhar num projecto elas se transformarão numa equipa! A identidade
de uma equipa desenvolve-se ao longo do tempo! O modelo de Tuckman
sugere que uma equipa se desenvolve em cinco estágios. São eles o forming
(formação), o storming (confrontação), o norming (regulação), o performing
(performance) e o adjourning (finalização).
86 IMPLEMENTAÇÃO DE PROJECTOS COLABORATIVOS

6.2.1 Formação da equipa, inclusão


A formação da equipa, inclusão ou lua de mel corresponde à fase de transi-
ção em que os membros da equipa passam de um comportamento individual

FT
a um colectivo. Os membros da equipa exploram os limites do seu comporta-
mento no grupo e tentam compreender; 1) a natureza da tarefa, 2) os recursos
necessários e os disponíveis, 3) a contribuição que cada membro pode trazer
para o grupo, e 4) onde, como e quando começar os trabalhos. Como existem
muitas incógnitas nesta fase, a equipa não consegue um desempenho muito
bom, o que é de esperar. Há um conjunto de comportamentos, e sentimentos,
que são observáveis em equipas que se encontram nesta fase:
• Excitação, antecipação, e optimismo.
• Orgulho em ter sido escolhido para o projecto.
• Uma tentativa de se integrar na equipa.
• Ansiedade e suspeitas relacionadas com o desconhecimento exacto do
trabalho.
• Definição das tarefas e do modo como estas serão realizadas.
• Determinação de um perfil de comportamento para o grupo.
A • Tomada de decisões sobre a informação que é necessário reunir.
• Discussões abstractas sobre os conceitos e aspectos do projecto; alguns
membros revelam impaciência com estas discussões.

6.2.2 Confrontação
A afirmação de diferenças ou confrontação é, provavelmente, o estágio
mais difícil de ultrapassar pela equipa. Nota-se que o grupo não tem ainda
um rumo coerente. Alguns elementos verificam que as tarefas são diferen-
tes, e mais difíceis, do que inicialmente tinham pensado. A impaciência
DR
surge associada à falta de progressos assinalada, o que pode originar fortes
discussões entre os elementos do grupo. Pode haver formação de facções na
equipa, e até a saída de alguns membros. Estes problemas entre os vários
elementos do grupo deixam em geral pouca energia disponível para pros-
seguir com as tarefas da equipa. Nesta fase todos os elementos têm tentar
compreender os vários pontos de vista, o que pode necessitar de 3 ou 4 reu-
niões para ser conseguido. A fase de confrontação pode revelar-se através
dos seguintes sentimentos, ou estados de espírito:
• Resistência à colaboração nas tarefas.
• Variações bruscas de atitude referentes ao projecto, à equipa, e às suas
hipóteses de sucesso.
• Ocorrem discussões entre os elementos do grupo, embora até concor-
dem sobre muitos aspectos fundamentais.
CONCEPÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE EQUIPAS 87

• Verifica-se uma atitude defensiva, competitiva, ou de afastamento em


relação ao projecto comum.
• Questiona-se a inteligência de quem propôs o projecto (docente da

FT
disciplina, neste caso).
• Tentam estabelecer-se objectivos irrealistas.
• Há um visível aumento da tensão entre os elementos do grupo.

6.2.3 Regulação
A fase de encaixe de diferenças, e de regulação do funcionamento da
equipa, corresponde à fase de início efectivo de trabalho como equipa. Os
membros aceitam a equipa, aceitam também os seus papéis na equipa e
aceitam as características pessoais de cada um. O conflito reduz-se e passa
a prevalecer, em lugar da competição, a cooperação. As regras referentes
à contribuição de cada um, à forma de tomada de decisões, e à partilha
de informação estão devidamente estabelecidas e são apreciadas por todos.
Alguns exemplos de regras aceites por equipas de sucesso são:
• As decisões são tomadas com base em factos, e não em meras opiniões
pessoais.
A
• Todos participam nas reuniões da equipa, e têm uma atitude partici-
pativa e pró-activa.
• Só críticas construtivas é que são permitidas.
• Todos têm o mesmo peso dentro da equipa, as opiniões de cada mem-
bro têm o mesmo peso.

À medida que os membros da equipa começam a resolver as divergên-


cias entre eles, começam também a ter mais tempo e energia para dedicar
às tarefas do projecto. Portanto, assiste-se a um significativo aumento do
desempenho. Alguns dos sentimentos e emoções apresentadas por equipas
DR
nesta fase são:
• A capacidade para exprimir críticas de forma construtiva.
• Simpatia, confiança no outro, e partilha de problemas pessoais.
• Um espírito de equipa coeso, e um claro assumir de objectivos.
• O estabelecimento e a manutenção de regras de funcionamento na
equipa.

6.2.4 Performance
Esta fase apresenta relações estabilizadas e com os papéis a desempenhar
por cada membro já definidos. A equipa está totalmente focalizada nos
resultados. Cada um dos membros da equipa já descobriu, e aceitou, os
88 IMPLEMENTAÇÃO DE PROJECTOS COLABORATIVOS

pontos fortes e fracos de cada um dos outros elementos. A equipa é agora uma
unidade eficiente, coesa e que apresenta um elevado desempenho. Alguns
dos sentimentos e emoções evidênciados por equipas neste estágio são:

FT
• Os membros activamente nos processos de trabalho do grupo, e com-
preendem os pontos fortes e fracos de cada um dos outros.
• Os louros pelos sucessos alcançados são partilhados entre todos.
• OS membros demonstram uma grande ligação, e sentimento de per-
tença, para com a equipa.

6.2.5 Finalização
Pode ocorrer uma suspensão temporária, ou definitiva dos trabalhos. Nesta
fase os membros demonstram orgulho no que conseguiram atingir. No en-
tanto, a suspensão dos trabalhos pode levar a sentimentos de nostalgia e
perda. São observados sentimentos mistos. Muitas das relações estabeleci-
das no decurso do trabalho continuam para lá do momento de dissolução da
equipa.

6.3 GESTÃO DE CONFLITOS, MOTIVAÇÃO E DESEMPENHO


A
A equipa deve, de forma regular, avaliar o seu estado de saúde enquanto
equipa. Os problemas de funcionamento identificados devem ser ultrapas-
sados. Se não o forem pode ocorrer:
• A ausência, ou desinteresse, dos elementos às reuniões.
• Dominação de uns, e fraca participação de outros.
• Utilização, por cada elemento, da maior parte do seu tempo disponível
para tarefas que não lhe foram distribuídas.
• Alguns elementos querem fazer o projecto sozinhos porque não con-
fiam nos outros.
DR
• Existe dificuldade em marcar reuniões.
• Não existe uma focalização nos objectivos do grupo.
• Formam-se subgrupos, com a exclusão de um ou mais membros.
• O método de tomada de decisões é ineficiente ou inapropriado.
• Há a necessidade de acalmar elementos em conflito aberto.
• Alguns membros não fazem a sua parte do trabalho.
• Alguns membros não se identificam com os objectivos do trabalho.
Quando uma equipa enfrenta algum, ou alguns, destes desafios ela tem de
considerar três componentes; 1) a gestão de conflitos, 2) a gestão do grupo
com vista à melhoria do desempenho, e 3) formas de motivação.
GESTÃO DE CONFLITOS, MOTIVAÇÃO E DESEMPENHO 89

importantes
Muito
IMPOSIÇÃO CONFRONTAÇÃO

Objectivos do projecto

FT
COMPROMISSO

DESISTÊNCIA ACOMODAÇÃO
importantes
Pouco

Pouco Muito
importantes Relações na equipa importantes

Figura 6.1 Modelo de conflitos de Blake e Mouton (1964), The Managerial Grid, Gulf
Publishing Co..

6.3.1 Gestão de conflitos


Atenção ! Se nunca se verificar conflito também é um sinal de proble-
mas. As equipas beneficiam imenso de analisar o problema de projecto
A
de diferentes pontos de vista ! Quando enfrentam um conflito, no entanto,
torna-se importante abordar esse conflito de forma a poder tirar benefício
para a equipa.
Um dos modelos mais conhecidos de moderação de conflitos é o de Blake
e Mouton, ver Fig. 6.1. Este modelo identifica cinco diferentes cursos de
acção que podem desenvolver-se numa equipa onde existem conflitos de-
vido às diferentes percepções, e objectivos, dos elementos que integram esta
relação. São eles a desistência, a imposição, a acomodação, o compromisso
e a confrontação. Para equipas de projecto, a forma de gestão de conflitos
adoptada pelos elementos da equipa tem consequências directas na qualidade
do projecto e nos resultados que a equipa consegue atingir. A selecção da
melhor abordagem à gestão de conflitos é por essa razão muito importante.
DR
Para a maioria das equipas de projecto a confrontação melhora os resultados.
Quando se escolhe a desistência como forma de resolver o conflito, os
elementos envolvidos assumem que nem o objectivo do trabalho nem a re-
lação de grupo é importante. Eles não fazem um esforço para comunicar.
Este aspecto é altamente penalizador numa equipa de projecto, dado que
as razões subjacentes ao conflito têm implicações no resultado do projecto.
Este apresenta-se pouco claro e as decisões de projecto são consideradas
inaceitáveis por alguns membros das equipas.
Quando o objectivo é visto como importante mas a relação de equipa não
é considerada importante, um dos elementos da equipa pode adoptar uma
atitude de imposição. Esta estratégia é aplicada recorrendo a elementos
de poder, como sejam o status, a imagem pessoal, o nível na empresa, etc.
Este comportamento é sinal de uma equipa doente, pois na maioria dos
casos a equipa não se pode dar ao luxo de perder membros. O facto de um
elemento (ou elementos) impor a sua vontade aos outros pode criar uma
90 IMPLEMENTAÇÃO DE PROJECTOS COLABORATIVOS

atitude de alienação, e resultar na eventual perda de membros. Recrutar


novos elementos requer tempo e financiamento adicional, o que também
reduz o tempo de trabalho disponível para a equipa e o seu desempenho.

FT
Se a relação entre os elementos em conflito for considerada mais impor-
tante que o objectivo de projecto (como é o caso de equipas formadas só com
base na amizade pessoal), pode ocorrer a adopção de uma atitude de aco-
modação. Quando, ambos, os objectivos de projecto e as relações pessoais
entre os membros são considerados importantes, e existe a uma pressão para
cumprir os prazos, pode assumir-se um compromisso. No entanto, a melhor
opção a assumir em equipas de projecto deve ser a confrontação baseada
em factos. Na confrontação são apresentados os pontos de vista pessoais de
cada elemento sobre o conflito e ouvem-se os dos outros elementos. Neste
caso, tanto o objectivo como a relação são importantes. O conflito é tra-
tado como um problema para o qual deve ser encontrada a melhor solução
usando informação, suportada em factos, e dentro dos limites de tempo e
custo impostos.

6.3.2 Gestão e avaliação do desempenho


Além dos conflitos, e da forma como estes são dirimidos, existem ainda
mais quatro fontes potenciais de redução de desempenho em equipas de
projecto:
A
Conhecimentos ou nível de competências Os elementos das equipas não
são capazes de desempenhar as suas tarefas devido à falta de compe-
tências ou de conhecimentos.
Ambiente Os problemas de fraco desempenho podem ser causados por
factores ambientais, por exemplo em casos de deficientes condições
de trabalho, que podem as capacidades criativas dos elementos da
equipa.
Recursos Os membros das equipas podem não ter acesso aos recursos, ou
à tecnologia, necessária para completar a suas tarefas.
DR
Motivação Os membros das equipas sabem como fazer a sua tarefa mas
produzem um trabalho incompleto e deficiente.

É essencial compreender a situação antes de tentar alguma forma de reme-


diar o problema. O quadrante de análise de desempenho é uma ferramenta
que pode ser usada para identificar problemas de desempenho, ver Fig. 6.2.
Em primeiro lugar devem ser colocadas duas questões; 1) Será que a equipa
tem conhecimentos para efectuar o trabalho? 2) Será que cada um dos
membros deseja fazer o trabalho? É de definida uma resposta no intervalo
de valores entre 1 e 10. Usando este resultado cada membro da equipa pode
ser colocado num dos quatro quadrantes: A, B, C ou D.
• Quadrante A (Motivação): Se um membro da equipa tem conheci-
mentos suficientes para desempenhar a tarefa mas não tem um desejo
genuíno de a completar, então o problema de desempenho pode ser
GESTÃO DE CONFLITOS, MOTIVAÇÃO E DESEMPENHO 91

10
os conhecimentos e/ou as competências
necessárias para desempenhar a tarefa

9
Os elementos da equipa possuêm
A: MOTIVAÇÃO B: AMBIENTE

FT
7
6
5
4
C: SELECÇÃO D: TREINO

3
2
1 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
A equipa deseja fazer a tarefa

Figura 6.2 Quadrante de análise de desempenho.

enquadrado no domínio da motivação. As consequências dramáticas


que o comportamento desse membro introduz, ao nível individual e
da equipa, devem ser-lhe ditas e este deve ser chamado à atenção. Se
a situação persistir deve ser encontrada uma solução que minimize o
impacto sobre a equipa.
• Quadrante B (Recursos/Ambiente): Se um membro da equipa tem o
conhecimento necessário e uma atitude colaborante, mas o seu desem-
A penho é ainda insatisfatório, então a origem do problema pode estar
relacionada com a falta de recursos, de tempo, ou com um ambiente
de trabalho desfavorável. Algumas das forma de remediar o problema
podem ser o aumento de recursos (elementos adicionais para a tarefa)
e a identificação do aspecto específico que impede um bom desempe-
nho.
• Quadrante C (Selecção): Se um elemento de uma equipa não tem
conhecimentos para desenvolver o trabalho e não tem uma atitude
colaborativa, então essa pessoa nunca deveria de ter sido incluída na
equipa20 . Este aspecto pode estar relacionado com erros no processo
de selecção de elementos para a equipa, e a solução passa por um
DR
despedimento, ou transferência21 .
• Quadrante D (Treino): Se um membro da equipa deseja ter um
melhor desempenho, mas tem deficiências de conhecimentos ou com-
petências, deve ser-lhe proporcionada forma de receber formação adi-
cional.

É importante referir que, independentemente da natureza da situação,


devem ser tomadas medidas imediatas para resolver o problema da falta de
desempenho da equipa. Devem ser conduzidas análises de desempenho da
equipa de forma periódica e sistemática (semanal, mensal...).

20
No caso de um aluno da disciplina revela falta de maturidade ou então que escolheu o curso errado.
21
No caso da disciplina corresponde à expulsão da equipa
92 IMPLEMENTAÇÃO DE PROJECTOS COLABORATIVOS

6.4 CONCLUSÃO

Embora já esteja implementada em conjuntos de equipas desde os anos

FT
80 do século passado, dado que o projecto em engenharia é uma actividade
complexa, há uma necessidade constante de aumentar o desempenho e a
eficácia das equipas de projecto. Portanto, é necessário que os membros
de equipas de projecto tenham uma boa preparação, de forma a manter um
elevado nível de desempenho, e a atingir o sucesso. A boa preparação dos
elementos de equipas de projecto está relacionada com o reconhecimento de
que:

1. É importante criar um ambiente de equipa.


2. Trabalhar em equipa é uma tarefa exigente.
3. A boa comunicação entre os elementos da equipa é fundamental.
4. Reconhecer que existem factores que afectam negativamente o desem-
penho a equipa e corrigi-los.
Este capítulo apresentou uma abordagem geral a estes assuntos. Embora
estejamos consciente de que estes aspectos são muito importantes deve-
mos admitir que o tornar-se um jogador da equipa necessita por vezes de
A
um tempo necessariamente longo de funcionamento da equipa. Um ou-
tro aspecto ainda mais importante é necessário, que é o de interiorizar que
1+1 > 2. Por outras palavras, mesmo numa pequena equipa de duas pessoas,
se esta tiver um bom desempenho, os resultados ultrapassarão largamente
os dos dois indivíduos a trabalhar de forma separada.
DR
Bibliografia
A FT
• A. Saxena, B. Sahay, Computer Aided Engineering Design, Springer,
2005.

• B. Hyman, Fundamentals of Engineering Design, Prentice Hall, 1998.


DR
• G. Pahl, W. Beitz, J. Feldhusen, K. Grote, Engineering Design - A
systematic approach, Springer, 2007.

• G. Voland, Engineering by Design, Pearson Education, 2004.

• R. Walsh, Electromechanical Design Handbook, McGraw-Hill, 2000.


93
FT
ANEXO - Exemplo de trabalho efectu-
ado por alunos da disciplina
A
PROJECTO XMAGA
DR

94

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