Você está na página 1de 133

EDIOURO

Diretoria: Jorge Carneiro e Rogério Ventura


Diretor Editorial: Henrique Ramos
REDAÇÃO
Coordenadora Editorial: Eliana Rinaldi
Editora: Renata Meirelles
Equipe Editorial: Adriana Cruz, Dalva Corrêa, Daniela Mesquita, Débora Justiniano,
Jefferson Peres, Lívia Barbosa, Maria Flavia dos Reis, Marta Cataldo e Sandra Ribeiro

ARTE: Télio Navega (coordenação), Camila Cortez, Franconero Eleutério, Jefferson


Gomes, Jennifer Moreno, Julio Lapenne e Nathalia Guaraná

Edição e Tratamento de Imagem: Luciano Urbano e Reinaldo Pires


Diagramação: Evandro Matoso e Maria Clara Rodrigues
Produção Gráfica: Jorge Silva
Tecnologia da Informação: Márcio Marques
Marketing: Everson Chaves (coordenação), Cássia Nascimento, Denise Senos, Fabiana
Gomes, Isadora Filizola, Juliana Ferreira e Jully Anne Costa

Controle: William Cardoso


Circulação: Luciana Pereira, Sara Martins e Wagner Cabral
Colaboradores: Bruno Casotti (tradução) e Filigrana (diagramação)
Produção do eBook: Ranna Studio

Copyright © 2018 Disney/Pixar. Todos os direitos reservados.

Todas as marcas contidas nesta publicação e os direitos autorais incidentes são reservados e

protegidos pelas Leis 9.279/96 e 9.610/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por

quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, da editora. Copyright da tradução ©

2018 pela Ediouro Publicações de Passatempos e Multimídia Ltda.

Ediouro Publicações de Passatempos e Multimídia Ltda.

Rua Candelária, 60, 7º andar — Centro — CEP 20091-020 — Rio de Janeiro — RJ

Tel.: (21) 3882-8200

coquetel@ediouro.com.br

www.coquetel.com.br

www.ediouro.com.br
SUMÁRIO

Prólogo

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17
Capítulo 18

Capítulo 19

Capítulo 20

Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23

Capítulo 24

Capítulo 25

Capítulo 26

Capítulo 27
Miguel Rivera pensou algumas vezes que estava amaldiçoado. Se

estava, não era sua culpa. Era por causa de uma coisa que tinha

acontecido antes mesmo do seu nascimento.

Muito tempo atrás, na cidadezinha de Santa Cecilia, havia uma

família formada por uma mamá, um papá e uma garotinha. Sua casa

era cheia de alegria – e música. O papá tocava violão. A mamá e a

garotinha dançavam. Todos cantavam.

Mas a música naquela casa feliz não era suficiente para papá. Seu

sonho era tocar para o mundo. Então, um dia, ele foi embora com

seu violão e nunca mais voltou.

Miguel não soube o que aconteceu ao músico depois daquilo.

Mas sabia muito bem o que a mamá tinha feito. A história da Mamá

Amelia era contada de geração para geração na família Rivera.

Amelia não desperdiçou uma lágrima por aquele músico fujão!

Aboliu a música da sua vida, jogando fora instrumentos e discos, e

encontrou um emprego. Teria sido para fazer doces? Fogos de

artifício? Roupas justas e coloridas para lutadores? Não!

Mamá Amelia fazia sapatos. E sua filha também. E seu genro. E

seus netos. O negócio e a família cresceram em sintonia. A música

tinha separado a família, mas os sapatos a mantiveram unida.


Miguel ouvia essa história todos os anos, no Día de los Muertos

(Dia dos Mortos). Costumava ouvir de sua Mamá Ines, só que ela

não se lembra mais de muita coisa. Nesse ano, ela ficou sentada na

cadeira de rodas feita de vime olhando distraída para a oferenda –

aquele lugar especial da casa em que a família de Miguel colocava

lembranças e presentes em homenagem a seus antepassados.

Miguel deu um beijo na sua bochecha e a cumprimentou: “Hola,

Mamá Ines.”

“Como vai, Julio?”

Miguel deu um suspiro. Às vezes, Mamá Ines tem dificuldade de

se lembrar de algumas coisas, como do seu nome. Mas isso faz dela

a pessoa perfeita para guardar segredos! Miguel conta quase tudo

para Mamá Ines – coisas que não pode contar para sua abuelita, que é

quem comanda a casa com mão de ferro.

Se Abuelita dissesse que precisava comer mais tamales, então, ele

comia mais tamales.

Se Abuelita quisesse um beijo na bochecha, então, Miguel a

beijava na bochecha.

Se Abuelita pegasse Miguel usando uma garrafa vazia como flauta

– “Nada de música!” – então, ele parava.

Abuelita gritava até para as pessoas na rua. “Nada de música!”

para o caminhoneiro que ouvia rádio em alto volume. “Nada de

música!” para os rapazes cantando enquanto passeavam. Sua

proibição tinha afetado todas as tias, tios e primos também.

Miguel estava certo de que eram a única família do México que

odiava música. A pior parte era que ninguém na sua família parecia

se importar com aquilo.

Ninguém, exceto ele.


Ao sair da casa da sua família, Miguel respirou o ar refrescante de

mais uma manhã ensolarada em Santa Cecilia. Enquanto caminhava

para o centro da cidade, carregando sua caixa de engraxar sapatos,

passava por uma mulher varrendo uma varanda. Ela acenou.

“Hola, Miguel!”

“Hola!”, Miguel acenou também. Mais perto do centro, ele sorriu

para um músico que tirava algumas notas de seu violão. Quanto

mais Miguel se aproximava do centro da cidade, mais sons musicais

enchiam o ar. Os sinos da igreja badalavam em harmonia. Uma

banda tocava uma música divertida. Um rádio ecoava um ritmo doce

de cúmbia. Miguel absorvia tudo. Não conseguia evitar e

tamborilava os dedos na mesa coberta de animais de madeira

coloridos e vibrantes.

Ao passar por uma banquinha de doces e salgados, pegou um pão

doce e jogou uma moeda para o vendedor.

Sentindo o cheiro do pão, o companheiro canino de Miguel,

Dante, se aproximou. Miguel tirou um pedaço do pão e deu para

Dante, que o devorou em segundos.

Por todos os lados, as pessoas estavam se preparando para a volta

de seus familiares do Mundo dos Mortos. Penduravam papéis


coloridos e espalhavam pétalas de calêndula na frente de suas

portas.

Como sempre, a Praça do Mariachi estava repleta de músicos

dando voltas, esperando pela chance de tocar uma música de amor

para algum casal ou um corrido clássico para uma família que

passasse por ali. Em seguida, um grupo de turistas se reuniu ao

redor da estátua enorme de um mariachi bem no centro da praça.

“E bem aqui, nesta praça, o jovem Ernesto de la Cruz deu os

primeiros passos para se tornar o cantor mais amado da história do

México”, disse o guia.

Todos no grupo fizeram um sinal afirmativo com a cabeça,

sabendo que se tratava de um lendário músico e cantor.

Acompanhando os turistas, Miguel olhou para a estátua. Já tinha

visto aquela estátua milhares de vezes, ela sempre o inspirava.

Depois de um tempo, Miguel encontrou um lugar na praça e

acomodou sua caixa de engraxate. Um mariachi apareceu para

engraxar os sapatos.

Miguel sabia que o mariachi iria gostar daquela história. Afinal,

todos amavam Ernesto.

“Ele começou como um total desconhecido de Santa Cecilia,

como eu”, disse Miguel. “Mas quando tocava sua música, fazia as

pessoas se apaixonarem por ele. Estrelou filmes. Tinha o violão mais

legal. Ele podia voar!”, contou Miguel que tinha visto um efeito

especial num clipe antigo. “E escrevia as melhores músicas! Minha

favorita entre todas é...” Miguel apontou para alguns músicos ali

perto, que estavam tocando “Lembre de Mim”, o maior sucesso de

Ernesto. “Ele vivia uma vida de sonho, até 1942, quando foi

esmagado por um sino gigante.”

O mariachi olhou com ar severo para seus sapatos, que Miguel

tinha engraxado carinhosamente pela metade.

Ignorando o músico, Miguel passou por cima da trágica morte de

Ernesto e continuou: “Quero ser como ele. Às vezes, olho para o

retrato dele e tenho a sensação de que estamos conectados de

alguma forma. Como ele conseguiu tocar, talvez algum dia eu possa
também.” Miguel deu um suspiro: “Se não fosse pela minha

família...”

“Ai, ai, ai, muchacho”, disse o mariachi, interrompendo Miguel.

“Hã?”, respondeu Miguel.

“Pedi para engraxar meus sapatos e não para me contar a história

da sua vida”, completou o mariachi.

“Ah, sim, desculpe.” Miguel baixou a cabeça e continuou

engraxando os sapatos do homem. Enquanto Miguel trabalhava, o

mariachi pegava seu violão e fazia ressoar algumas notas

distraidamente. “Não posso falar sobre essas coisas em casa, de

qualquer jeito, então...”

“Olhe bem, se fosse você, iria direto até a minha família e diria:

‘Ei, sou um músico. Aceitem’.”

“Não poderia fazer isso, nunca!”

“Você é um músico, não é?”

“Não sei. Quer dizer, só toco mesmo para mim...”

“Ahh!”, o mariachi exclamou. “Por acaso Ernesto de la Cruz se

tornou o melhor músico do mundo escondendo suas habilidades

incríveis? Não! Ele foi até aquela praça e tocou em alto e bom

som!”, falou o mariachi apontando para o gazebo, onde uma faixa

gigante que anunciava SHOW DE TALENTOS estava sendo

desenrolada. “Ah! Mira, mira! Estão organizando isso para hoje à

noite. A competição musical para o Día de los Muertos. Quer ser como

o seu herói? Pois deveria se inscrever!”

“Humm... minha família ficaria doida”, Miguel disse.

“Olhe, se está com medo, então, bem, contente-se engraxando

sapatos.” O mariachi deu de ombros. “Vamos lá, o que Ernesto de la

Cruz sempre dizia?”

“Agarre seu momento?”, Miguel respondeu.

O mariachi olhou para Miguel e ofereceu seu violão: “Mostre o

que sabe fazer, muchacho. Serei seu primeiro público!”

Miguel ergueu as sobrancelhas. O mariachi queria mesmo ouvi-lo

tocar? Deu uma olhada ao seu redor para garantir que não tinha

nenhum membro de sua família por perto. Estendeu a mão para


pegar o violão. Depois de ajeitar o instrumento no seu colo, abriu a

mão sobre as cordas, já imaginando os sons que sairiam dali e...

“Miguel!”, uma voz familiar gritou.

Miguel engoliu em seco e jogou o violão no colo do mariachi.

Abuelita chegou pisando firme. Tio Berto e prima Rosa chegaram

logo em seguida, carregando compras de supermercado.

“Abuelita!”, Miguel falou de sobressalto.

“O que está fazendo aqui?”, ela perguntou.

“Humm... bem...”, Miguel gaguejava enquanto juntava

rapidamente seus panos e ceras. Abuelita não esperou pela resposta

de Miguel. Foi para cima do mariachi e o acertou com seu sapato:

“Deixe meu neto em paz!”

“Doña, por favor... estava só engraxando meus sapatos!”

“Conheço seus truques, mariachi!” Encarou Miguel: “O que ele

disse para você?”

“Estava só me mostrando seu violão”, Miguel disse tímido. Sua

família arregalou os olhos.

“Que vergonha!”, tio Berto grunhiu para o mariachi. O sapato de

Abuelita estava apontado bem no meio dos olhos do músico.

“Meu neto é um angelito querido e doce vindo do céu... não quer

saber de sua música, mariachi! Fique longe dele!”, ameaçou. Miguel

não estava muito confiante sobre ser esse anjo que ela descrevia,

mas não queria criar caso enquanto ela segurava o sapato daquele

jeito.

O mariachi foi embora, colocando o chapéu antes de sair dali.

Miguel assistiu a tudo, sentindo-se impotente, sobre o ombro de sua

abuelita.

“Ai, pobrecito!”, exclamou Abuelita puxando seu neto para um

abraço protetor: “Estás bien, m’ijo?” Miguel sufocou um pouco. “Sabe

que não deveria estar aqui nesse lugar! Precisa vir para casa.

Agora!”, ordenou e deu as costas para a praça.

Miguel deu um suspiro e pegou sua caixa de engraxate. Viu um

folheto sobre o show de talentos no chão. Pelas costas de sua

abuelita, pegou o folheto rapidamente e colocou no bolso.


Miguel caminhou com pesar atrás de sua família, carregando uma

braçada de calêndulas.

“Quantas vezes já disse para você... aquela praça está infestada de

mariachis!”, disse tio Berto.

“Sim, tio Berto”, Miguel respondeu.

Alguns minutos depois, Miguel tinha deixado as calêndulas em

casa e tinha sido levado para a sapataria da família Rivera, onde se

acomodou em um banquinho alto. Cercado pelo ritmo imposto

pelas marteladas, Miguel se preparou para ouvir o discurso

completo da família sobre seu comportamento.

“Encontrei seu filho na Praça do Mariachi!”, Abuelita informou.

Os pais de Miguel pararam de trabalhar e olharam para ele.

“Miguel”, Papá disse com uma voz desapontada.

“Sabe o que Abuelita pensa sobre a praça”, falou a mãe de

Miguel, com uma das mãos sobre sua barriga de grávida.

“Estava só engraxando sapatos!”, Miguel retrucou.

“Sapatos de um músico!”, acrescentou tio Berto, gerando

expressões de choque na sala toda. Primo Abel ficou tão

consternado que o sapato em que trabalhava escapou do polidor e

voou no teto.
“Mas a praça é o lugar que mais tem movimento de pedestres!”,

Miguel tentou se explicar.

“Se a Abuelita disse que não é para ir para a praça, então não é

para ir para a praça”, completou seu pai.

“E hoje à noite?”, Miguel deixou escapar.

“O que tem hoje à noite?”, seu avô perguntou.

“É Día de los Muertos”, Miguel respondeu hesitante.

“A cidade inteira vai estar lá, e... bem, vão fazer um show de

talentos...”

“Show de talentos?!”, Abuelita repetiu com voz inquisitiva.

Miguel se contorceu sobre o banquinho, sem saber se deveria

continuar falando.

“E achei que...”, Miguel parou. Sua mamá olhou para ele com

curiosidade.

“Poderia se inscrever?”, ela perguntou.

“Bem, talvez...”, Miguel concluiu.

Prima Rosa riu. “Precisa ter talento para participar de um show

de talentos.”

“O que vai fazer? Engraxar sapatos?”, provocou primo Abel.

“É Día de los Muertos”, Abuelita disse. “Ninguém vai a lugar

algum. A noite de hoje é para a família.” Ela colocou as calêndulas

nos braços de Miguel. “Sala de oferendas. Vámonos!”

Miguel seguiu sua abuelita até a sala de oferendas com uma pilha

de flores amarelas. A sala estava iluminada e limpa, o foco de

atenção era uma parede em que estavam alinhadas mesas e

prateleiras cobertas de retratos, velas, flores e comidas como

oferendas a seus antepassados. Mamá Ines já estava lá. Miguel

continuava de cara amarrada enquanto Abuelita arrumava as flores

nos relicários.

“Não me olhe desse jeito”, Abuelita disse para Miguel. “É a única

noite do ano em que nossos antepassados podem nos visitar.

Colocamos suas fotos nas oferendas para que seus espíritos possam

voltar. Se não colocarmos as fotos, eles não podem vir! Fizemos toda

essa comida, m’ijo, e espalhamos coisas que eles gostavam quando


estavam vivos. Tudo isso para reunir nossa família. Não quero que

você fuja para sabe-se lá onde.” Ergueu os olhos do altar bem na

hora em que Miguel tentava escapar sorrateiramente da sala.

“Para onde está indo?”, ela bufou.

“Achei que já tínhamos terminado”, Miguel respondeu, se

virando para sua abuelita.

“Ai, Dios mío”, ela esbravejou. “Ser parte dessa família significa

estar AQUI para essa família. Não quero que você acabe como...”

Olhou para a foto de Mamá Amelia.

“Como o papá de Mamá Ines?”

“Nunca mencione aquele homem!” Abuelita reagiu com raiva,

olhando de soslaio para Mamá Ines. “Ele merece ser esquecido.”

“Mas foi você quem...”

“Tá, tá, tá... shhh!”

“Papá?”, Mamá Ines disse de repente. Abuelita e Miguel se

viraram para olhar. Mamá Ines olhava ansiosa para os lados. “Papá

está em casa?”

“Mamá, cálmese, cálmese”, disse Abuelita, se apressando para

confortá-la.

“Papá vai voltar para casa?”, Mamá Ines perguntou de novo.

“Não, mamá. Está tudo bem, estou aqui”, explicou Abuelita.

Mamá Ines olhou para cima sem fixar o olhar.

“Quem é você?”, Mamá Ines perguntou.

O rosto de Abuelita mostrou sua tristeza, mas logo deu um

sorriso amigável. “Descanse, mamá”, disse. Voltou-se, então, para o

altar e continuou seu discurso para Miguel: “Sou dura com você

porque me preocupo.” Depois, parou e olhou à sua volta. “Miguel!

Miguel!”, deu um longo suspiro quando percebeu que ele já tinha

escapado. “O que é que vamos fazer com esse garoto?”


Um pouco mais tarde, Dante se esgueirou no esconderijo de

Miguel, no sótão. Miguel estava curvado sobre um violão

improvisado, feito com várias partes de outras coisas.

Dante se remexeu, fazendo barulho. Miguel pediu para que

ficasse quieto. “Você vai fazer com que descubram a gente”,

explicou. “Alguém pode me ouvir!”

Dante espiou sobre um dos ombros de Miguel e viu que ele

pegava uma caneta e pintava um dente de ouro na sua versão de

instrumento. Agora, parecia direitinho com o famoso violão de

Ernesto de la Cruz. “Gostaria que alguém quisesse me ouvir”, Miguel

disse, afinando o violão. “Alguém além de você.” Dante respondeu

com uma lambida pegajosa no rosto. Miguel segurou seu violão e

dedilhou as cordas. “Perfecto!”

Miguel engatinhou até o outro lado do sótão, onde mantinha sua

oferenda para Ernesto de la Cruz. No altar, tinha colocado pôsteres,

velas e folhas com cifras. Acendeu algumas velas ao lado do disco de

Ernesto. Na capa, o cantor de baladas famoso sorria segurando seu

violão igualmente famoso. Miguel rapidamente comparou seu violão

com o de Ernesto. Era uma boa dupla. Em seguida, imitou a pose

dramática e o sorriso largo de Ernesto.


Miguel ligou um aparelho de TV antigo, já meio danificado, e

colocou uma fita VHS no videocassete ligado ao aparelho. Então, a

TV começou a chiar e uma imagem em preto e branco surgiu na

tela. O jovem Ernesto estava falando.

“Preciso cantar. Preciso tocar. A música não está... não está... apenas em

mim. A música sou eu”, disse.

Miguel começou a tocar em seu violão caseiro e outras imagens

começaram a surgir na tela.

“Quando a vida me coloca para baixo, toco meu violão”, Ernesto

acrescentou.

Outro vídeo mostrava Ernesto conversando com uma mulher

muito bonita. “O resto do mundo pode seguir regras, mas eu preciso seguir

meu coração!” Ele a beijou e Miguel fez cara de nojo.

Outro vídeo começou.

“Sabe aquela sensação?”, o cantor perguntou. “Como se tivesse uma

música no ar e estivesse tocando só para você?” Ernesto começou a cantar

e a tocar seu violão. Miguel assistia a tudo de perto, imitando a

posição de suas mãos.

Miguel continuou tocando enquanto os vídeos se sucederam na

tela, fazendo com que seus acordes se misturassem ao som da

televisão.

“Nunca subestime o poder da música”, Ernesto disse.

No vídeo seguinte, aparecia outra mulher muito bonita,

apaixonada por Ernesto. “Mas meu pai, ele nunca vai dar permissão”, ela

disse com voz suave.

“Estou farto de pedir permissão!”, Ernesto explodiu. “Quando chegar

seu momento, não deve deixá-lo passar. Deve agarrá-lo!”

O coração de Miguel começou a bater rápido. Ele queria agarrar

seu momento, assim como Ernesto.

“Señor De la Cruz, o que foi preciso para que o senhor agarrasse seu

momento?”, perguntou o entrevistador, na sequência.

“Precisei acreditar no meu sonho”, Ernesto respondeu. “Ninguém iria

entregá-lo. Cabia a mim, buscar meu sonho, agarrá-lo com força, e torná-lo

realidade.”
“...e torná-lo realidade”, Miguel falou junto com Ernesto.

Colocou a mão no bolso e pegou o folheto do show de talentos.

“Não vou mais me esconder, Dante. Preciso agarrar o meu

momento!” Dante ficou ofegante de felicidade, abanando a cauda.

“Vou tocar na Praça do Mariachi nem que isso custe a minha vida.”
“O Día de los Muertos começou!”, Abuelita anunciou, abrindo os

portões da casa e do pátio da família. Crianças pequenas jogavam

pétalas de calêndula no chão ao longo do caminho.

“Não, não, não, não, não”, a mãe de Miguel disse para as

crianças. “Temos que fazer um caminho certinho. Essas pétalas

guiam nossos antepassados até nossa casa. Não queremos que se

percam. Queremos que venham e aproveitem as comidas e as

bebidas da oferenda, sí?”

As crianças concordaram. Enquanto ela ajudava a criar um

caminho de calêndulas da sala de oferendas até o portão da frente da

casa, Miguel e Dante se esgueiravam pelo telhado e saltavam na

calçada, do lado de fora da casa da família. Miguel segurou firme seu

violão caseiro. Apenas mais alguns passos e não vou mais precisar

me esconder!

De repente, tio Berto e o pai de Miguel apareceram na esquina,

carregando uma mesinha.

Com seu coração batendo rápido, Miguel recuou para a hacienda,

evitando encontrar-se com os adultos. Mas encontrou Abuelita

sacudindo um tapete logo atrás dele. Os dois se esconderam em um

cantinho.

“No pátio, m’ijos”, ela disse para papá e tio Berto.


“Quer isso perto da cozinha?”, papá perguntou.

“Sí. E... próxima da outra”, ela respondeu.

Miguel e Dante desapareceram na sala de oferendas antes que

qualquer um os enxergasse. Mamá Ines estava dentro da casa,

descansando.

“Fique abaixado, fique abaixado!”, Miguel pediu para Dante,

empurrando rapidamente o cachorro e o violão para baixo do altar

quando seus pais e Abuelita entraram na sala.

“Miguel!”, Abuelita exclamou.

“Nada!”, Miguel replicou, virando-se para olhar para ela. “Mamá,

papá, eu...”

“Miguel”, disse seu papá: “Sua abuelita teve uma ideia

maravilhosa! Decidimos que está na hora de você se juntar a nós na

sapataria!” Ele ergueu um avental de couro e o colocou nos ombros

de Miguel.

“O quê?!”, exclamou Miguel.

“Nada de ficar engraxando sapatos. Vai FAZER sapatos! Todos os

dias depois da escola!”

Abuelita apertou as bochechas de Miguel. “Oh, nosso Miguelito

dando continuidade à tradição da família! E no Día de los Muertos!

Nossos antepassados ficarão tão orgulhosos!”, disse Abuelita

apontando para os sapatos que decoravam a oferenda. “Vai fazer

huaraches, igualzinho sua tia Victoria.”

“E sapatos sociais como seu Papá Julio”, acrescentou o pai de

Miguel.

Miguel deu um passo para trás, afastando-se da oferenda. “Mas e

seu eu não souber fazer sapatos direito?”

“Ah, Miguel!”, disse Papá. “Tem sua família aqui para guiá-lo.

Você é um Rivera. E um Rivera é...”

“Um sapateiro do começo ao fim”, Miguel completou com voz

entediada.

Papá se encheu de orgulho. “Esse é o meu garoto! Ah, ah! Berto,

pegue uma garrafa das boas, quero fazer um brinde!”


Abuelita quase sufocava Miguel com beijos enquanto os adultos

saíam da sala. Miguel lançou um último olhar para a oferenda, onde

Dante e seu violão estavam escondidos. Ficou chocado ao perceber

que Dante estava comendo parte da oferenda!

“Não, Dante... pare!”

No momento em que Miguel tirava Dante de cima da oferenda, a

mesa sacudiu e o porta-retratos com a foto de Mamá Amelia

bamboleou para frente e para trás. Miguel assistiu aterrorizado

quando o porta-retratos caiu no chão e se quebrou, fazendo barulho.

Ele se apressou em pegá-lo, mas o objeto se desmanchou deixando-

o apenas com a foto de Mamá Amelia e Ines nas mãos. “Não, não,

não!”, ele falou baixinho.

Miguel olhou com cuidado para a foto e percebeu que uma parte

dela tinha sido dobrada para trás e escondida. Ele desdobrou a foto e

viu o corpo de um homem que poderia ser seu tataravô, parado ao

lado de Mamá Amelia, segurando um violão. O rosto do homem

tinha sido rasgado da foto. Miguel não conseguia acreditar naquela

coincidência. O violão era igual ao de Ernesto de la Cruz!

Ele engoliu em seco. “O violão de Ernesto?”

Naquele momento, Mamá Ines acordou e perguntou: “Papá?”

Mamá Ines apontou para um dedo torto na mão que aparecia na foto

e repetiu: “Papá?”

Os olhos de Miguel se arregalaram. Ele se aproximou dela.

“Mamá Ines, o seu pai é Ernesto de la Cruz?”

“Papá! Papá!”, ela começou a gritar.

Miguel correu para o seu esconderijo no sótão. Pegou o disco de

Ernesto de la Cruz de sua oferenda. Examinou o violão na capa do

disco e o comparou com o violão da foto de Mamá Amelia. Eram

iguais! Será que aquilo poderia ser mesmo verdade?

“Ah, ah!”, Miguel exclamou. Correu para o telhado e ergueu com

orgulho a foto e a capa do disco. “Papá! Papá!” Miguel gritou para

seu pai que estava no pátio logo abaixo. Seus pais olharam para

cima. “É ele! Sei quem era o meu tataravô!”


A mãe de Miguel lançou um olhar sério e ordenou: “Miguel!

Desça daí!”

“O pai de Mamá Ines era Ernesto de la Cruz!”

“Do que você está falando?”, o pai de Miguel perguntou.

Miguel arrancou o avental de sapateiro e fez uma pose: “Vou ser

músico!”
Miguel pegou seu violão, todos os discos de Ernesto de la Cruz,

que conseguiu carregar, e desceu correndo do telhado. Sua família o

cercou quando chegou ao pátio.

Os olhos de Abuelita foram do violão aos discos. “O que é isso

tudo?”, perguntou. “Você guarda segredos de sua própria família?”

“É por causa de todo o tempo que ele passa na praça”, tio Berto

disse.

“Enche a cabeça dele com fantasias doidas”, Tia Gloria

acrescentou.

“Não é fantasia!”, Miguel protestou. Entregou ao seu pai a foto

antiga de Mamá Amelia, Ines e um homem desconhecido e apontou

para o violão. “Esse homem era Ernesto de la Cruz! O maior músico

de todos os tempos!”

“Nunca soubemos nada sobre esse homem, mas quem quer que

fosse abandonou sua família”, o pai de Miguel disse. “Isso não é um

futuro para meu filho.”

“Mas, papá, me disse para olhar para a oferenda, que minha

família me guiaria! Bem, Ernesto de la Cruz é minha família! Meu

destino é a música!”

“Nunca! A música daquele homem era uma maldição! Não vou

permitir!”, falou Abuelita, aumentando o volume de sua voz.


“Vai ouvir sua família. Nada de música”, acrescentou o pai de

Miguel.

“Apenas me escute tocar...”

“Fim de papo”, papá completou.

Miguel pensou que mudariam de ideia se o ouvissem tocar. Ele

pegou seu violão e se preparou para começar, mas Abuelita arrancou

o instrumento de suas mãos. Ela apontou para a foto e argumentou:

“Quer acabar como esse homem? Esquecido? Deixado de fora da

oferenda de sua família?”

“Não ligo se vou estar ou não em uma oferenda idiota!” As

palavras saíram de Miguel em uma explosão sem que conseguisse

contê-las. Não podia mais voltar atrás, mesmo que quisesse.

A família ficou chocada. Abuelita ergueu as sobrancelhas. Ela

ergueu o violão no alto.

“Não!”, Miguel gritou.

“Mamá”, o pai de Miguel disse no momento em que Abuelita

bateu com o instrumento no chão, quebrando-o.

“Pronto! Sem violão, sem música!”, ela exclamou.

A família toda ficou em silêncio, Miguel olhava para o violão

partido em mil pedaços no chão. Miguel não conseguiu se mover...

sentiu como se alguém tivesse quebrado seu próprio corpo em

pedaços.

“Ah, vamos”, Abuelita disse para Miguel, “vai se sentir melhor

depois de comer com sua família”.

“Não quero fazer parte desta família!”, gritou Miguel. Agarrou a

foto da mão de seu pai e saiu correndo do pátio, sozinho.

* * *

Miguel correu em disparada pelas ruas de Santa Cecilia. Dante,

que estava com o focinho enfiado numa lixeira, ouviu os passos de

Miguel e correu para a Praça do Mariachi atrás dele. O menino foi

direto até uma mulher que estava no gazebo.


“Quero tocar violão na praça, como Ernesto de la Cruz fez! Ainda

posso me inscrever para o show de talentos?”

“Tem um instrumento?”, perguntou a mulher.

“Não. Mas... mas posso pegar um violão emprestado...”, Miguel

gaguejou.

“Músicos devem trazer seus próprios instrumentos”, ela disse,

depois, se virou e saiu. “Encontre um violão, garoto, e coloco seu

nome na lista.”

Miguel enrugou a testa. Precisava de um violão. Seu olhar vagou

pela praça. Havia tantos músicos ao seu redor, todos se preparando

para o movimentado Dia dos Mortos. Ele se aproximou de cada um

dos mariachis, na esperança de ter um pouco de sorte, mas ninguém

queria ajudá-lo.

Decepcionado, Miguel se viu diante da estátua de Ernesto de la

Cruz. “Tataravô”, disse baixinho, “o que faço agora?” Seu olhar

parou um uma placa, na base da estátua, em que se lia AGARRE

SEU MOMENTO. Olhou para a foto que tinha nas mãos. Moveu seu

dedo e viu o violão. Naquele momento, fogos de artifício explodiram

no céu, iluminando a estátua.

Miguel teve uma ideia.


O cemitério de Santa Cecilia estava coberto por um mar de velas e

flores. Famílias estavam reunidas nos túmulos de seus entes

queridos para deixar lembrancinhas e ornamentos. Nenhuma tumba

estava mais bem decorada que o grande mausoléu no centro:

pertencia a Ernesto de la Cruz.

Miguel se aproximou do mausoléu e deu a volta sorrateiramente

pela lateral. Dante começou a latir. “Não, não, Dante, pare! Cállate!

Shhh!” Miguel olhou ao seu redor e viu cestas de comida e doces

deixadas em vários túmulos para os mortos. Percebeu um prato de

comida num túmulo próximo. Pegou uma coxa de galinha e estalou

a língua. Dante o acompanhou.

Miguel espiou pela janela do mausoléu de Ernesto de la Cruz.

Dentro, viu o que queria: o famoso violão de Ernesto, preso na

parede, logo acima de sua tumba. Fogos de artifício continuaram

explodindo sobre o cemitério, e flashes de luz iluminavam o

instrumento, como se convidassem Miguel a se aproximar. Seu

coração estava acelerado. Sabia o que tinha que fazer. Em sincronia

com a explosão dos fogos, acertou seu ombro contra o vidro da

janela e a abriu. Ele se esgueirou para dentro do mausoléu e

caminhou na direção do violão famoso. Em seguida, subiu na tumba


para alcançá-lo. Agora, estava cara a cara com o exato instrumento

que Ernesto de la Cruz costumava tocar.

“Señor De la Cruz, por favor, não fique bravo. Sou Miguel, seu

tataraneto”, Miguel disse, olhando para a imagem de Ernesto,

pendurada sobre o violão. “Preciso pegar emprestado.” Miguel

ergueu o instrumento de seu suporte. Sem que percebesse, algumas

pétalas de calêndula no mausoléu começaram a brilhar. “Nossa

família acha que a música é uma maldição. Eles não entendem. Mas

sei que o senhor me diria para seguir meu coração. Para agarrar o

momento!”

Miguel desceu com cuidado, com o violão bem seguro sob seu

braço. “Então, se não tiver problema, vou tocar na praça, como você

fez.”

Segurar o violão de Ernesto encheu Miguel de autoconfiança. Ele

dedilhou as cordas. A cada nota, o ar ao seu redor vibrava. Quando

ele tocou, todas as pétalas dentro da cripta começaram a brilhar com

mais intensidade. Miguel notou as pétalas e ficou paralisado. O que

estava acontecendo?

De repente, uma lanterna apareceu na janela do mausoléu.

Miguel ouviu vozes do lado de fora que o deixaram alarmado.

“O violão! Foi roubado! Alguém roubou o violão de Ernesto de la

Cruz!”, disse um homem. “Vejam, a janela foi quebrada.”

Miguel ficou paralisado ouvindo o barulho de chaves e a porta do

mausoléu se abriu. Um vigia entrou segurando uma lanterna.

Miguel deixou o violão cair. “Des... desculpe!”, gaguejou. “Não é

o que parece! Ernesto é meu...”

O vigia o ignorou. Miguel viu o homem se aproximar e então...

caminhar através dele como se não estivesse ali! Miguel ficou

parado, em estado de choque. Como é que aquele homem conseguiu

passar por ele como se fosse um fantasma?

O vigia pegou o violão de Ernesto do chão.

“Não tem ninguém aqui!”, gritou para os outros.

Miguel estava assustado e confuso. Examinou suas mãos, tocou

seu rosto. Estava tudo igual. Por que aquele homem não podia vê-
lo?
Miguel entrou em pânico e saiu correndo pelo cemitério. Enquanto

tentava abrir caminho entre a multidão, mais pessoas o

atravessavam como se ele fosse feito de ar. Por fim, ouviu sua mãe

chamá-lo. “Miguel!”, ela gritou. O menino seguiu aquela voz.

“Mamá!”, gritava de volta, e a procurava, só que ela passou por

ele exatamente como os outros. Não podiam vê-lo ou ouvi-lo.

Miguel tropeçou e caiu em um túmulo aberto.

“Dios mío!”, uma mulher se assustou. “Garotinho, você está

bem?” Ela estendeu o braço para dentro do túmulo. “Aqui, deixe-me

ajudá-lo.”

Miguel pegou sua mão. Finalmente, alguém podia vê-lo. Ela o

puxou de dentro do buraco.

“Obrigado, eu...”, Miguel disse e, então, parou. Olhou para sua

salvadora. Era um esqueleto! Miguel deu um grito. A mulher que

parecia um esqueleto gritou também! O menino recuou e tropeçou,

tentando se afastar o máximo possível da mulher. Miguel esbarrou

em outro esqueleto... cuja cabeça caiu: plop!, indo parar nas mãos de

Miguel. Ele deu um grito de terror.

“Com licença!”, disse o esqueleto sem cabeça.

Miguel virou o crânio em suas mãos para enxergar o rosto.

“Ahhhh!”, gritou o esqueleto sem cabeça.


“Ahhhh!”, Miguel gritou de volta. Ele jogou a cabeça do esqueleto

longe. Depois, olhou ao seu redor e percebeu que o cemitério estava

cheio de esqueletos. E eles podiam vê-lo! Miguel arregalou os olhos

quando percebeu que os esqueletos olhavam para ele.

O menino correu dali e se escondeu atrás de um túmulo. De uma

distância segura, observou os esqueletos dançando e aproveitando a

comida deixada nos seus túmulos. Miguel não conseguia acreditar!

De alguma forma ele era capaz de ver esqueletos que caminhavam e

falavam!

Uma avó esqueleto olhava para seu netinho vivo. “Olhe só como

ele está grande!”, disse com orgulho. Assim como outras famílias de

pessoas vivas estavam lá para homenagear seus antepassados.

“É um sonho. Estou apenas sonhando”, Miguel balbuciou. De

repente, Dante apareceu. O cachorro muito querido surpreendeu

Miguel com uma lambida na bochecha.

“Dante? Pode me ver? E... espere aí, o que está acontecendo?”,

Miguel falou hesitante. Dante latiu, depois correu em meio à

multidão. “Dante!”, Miguel correu atrás do cachorro e BAM!

Esbarrou em um esqueleto que tinha bigode e o derrubou. Os ossos

do esqueleto se separaram e se espalharam por todos os lados.

“Desculpe, desculpe”, Miguel dizia enquanto recolhia os ossos do

chão.

O esqueleto falou: “Miguel?”

“Miguel?”, outro esqueleto repetiu.

Miguel olhou para os dois. Será que conhecia aqueles esqueletos?

“Você está aqui! AQUI!”, exclamava o primeiro esqueleto

enquanto seus ossos se reuniam sozinhos, como se fosse mágica. “E

pode nos ver!”

Miguel ficou parado e tentou se concentrar nos seus rostos feitos

de ossos.

Uma mulher-esqueleto abriu caminho entre o grupo, espalhando

os ossos por todos os lados novamente. Ela agarrou Miguel pelos

braços. “Nosso Miguelito!”, disse apertando-o em um abraço.


“Como conheço você mesmo?”, Miguel conseguiu perguntar,

certo de que nunca tinha visto aquelas pessoas antes.

“Somos sua família, m’ijo!”, ela respondeu.

A foto na oferenda de tia Rosita de repente passou pela sua

cabeça. “Tia Rosita...”, ele disse ainda incerto. Olhou para o

esqueleto cuja cabeça ainda estava virada para o lado errado. Tia

Victoria a colocou na direção certa. “Papá Julio? Tia Victoria?”

“Ele não parece completamente morto”, disse Tia Victoria, dando

um beliscão na bochecha de Miguel. Ela sabia que Miguel não era

um esqueleto como eles.

“Tampouco está completamente vivo”, acrescentou tia Rosita. Os

antepassados de Miguel se entreolharam, confusos.

“Precisamos de Mamá Amelia”, disse Papá Julio. “Ela vai saber

como resolver isso.”

De repente, dois esqueletos chegaram correndo. Miguel

reconheceu tio Oscar e tio Felipe.

“Oi!”, gritou tio Felipe.

“É a Mamá Amelia...”, disse tio Oscar.

Os gêmeos continuaram a explicar:

“Ela não conseguiu cruzar a ponte...”

“Está presa...”

“...no outro lado.”

Tia Victoria apertou os olhos encarando Miguel: “Tenho a

impressão de que isso tem alguma coisa a ver com você.”

“Se Mamá Amelia não pode vir até nós...”, começou tia Rosita.

“Então, NÓS vamos até ELA!”, exclamou Papá Julio. “Vámonos!”


Miguel seguia seus parentes falecidos enquanto caminhavam por

entre os túmulos do cemitério até virarem uma esquina que dava

acesso a uma ponte brilhante.

“Uau”, Miguel disse, diminuindo o ritmo dos seus passos para

admirar a vista daquela estrutura impressionante. Era feita de

calêndulas brilhantes e se estendia até uma espécie de névoa.

“Vamos, Miguel. Está tudo bem”, Papá Julio dizia enquanto se

juntavam a vários esqueletos caminhando devagar pela ponte. A

cada passo que Miguel dava, as pétalas de calêndula brilhavam sob

seus pés. Ele se abaixou para pegar um punhado. De repente, Dante

passou correndo por ele.

“Dante! Dante!”, Miguel gritou pelo amigo. “Dante, espere por

mim!” Finalmente, alcançou seu cachorro na parte mais alta da

ponte. Dante rolou nas pétalas e espirrou na cara de Miguel.

“Precisa ficar comigo, garoto. Não sabemos onde...” Miguel parou

maravilhado com o horizonte de um mundo mágico e brilhante que

surgiu diante dele. O céu noturno piscava em dourado, roxo e

amarelo. As casas e os enormes edifícios estavam bastante

iluminados e se interligavam por meio de intrincadas pontes em

arco. Era o Mundo dos Mortos, mas estava tão vivo!


“Então, isso não é um sonho”, Miguel disse quando sua família

finalmente o alcançou. “Vocês estão mesmo aqui.”

“Achou que não estávamos?”, perguntou tia Victoria um pouco

magoada.

“Bom, não sei. Achei que poderia ser mais uma daquelas

histórias inventadas que os adultos contam para as crianças... como

vitaminas.”

“Miguel, vitaminas existem de verdade”, respondeu tia Victoria.

“Bom, agora acho que talvez elas...”, Miguel continuou, ao seguir

o caminho com sua família. Vários dos esqueletos que passavam por

eles, caminhando na direção oposta, olhavam de forma estranha

para Miguel.

“Ele é esquisito, mamá”, disse uma garotinha-esqueleto,

apontando para Miguel.

“M’ija, não é educado encarar...” A mãe da garotinha parou de

falar, chocada, quando olhou para Miguel. “Ai! Santa Maria!” A

mulher arregalou os olhos, sua cabeça virava para trás para

continuar olhando para Miguel enquanto seguia caminhando na

direção oposta a dele. Miguel puxou seu capuz para esconder o fato

de que ainda era um garoto vivo.

Logo chegaram a um prédio grande no final da ponte. Miguel

percebeu criaturas fantásticas e coloridas engatinhando, voando e

fazendo ninhos em cantos escondidos da arquitetura. Apontou para

elas. “São alebrijes?” Pareciam iguaizinhos aos de madeira que via em

Santa Cecilia. “Mas são...”

“Alebrijes DE VERDADE”, disse tio Óscar, “criaturas espirituais.”

“Guiam almas em sua jornada para o Mundo dos Mortos”,

informou tia Rosita.

“Olhe onde pisa”, alertou tio Felipe. “Fazem caquitas por todos os

lados.”

Miguel começou a andar mais devagar, atento às fezes dos

alebrijes.

Dentro da estação, um aviso sonoro ecoava dos alto-falantes:

“Bem-vindo ao Mundo dos Mortos. Por favor, mantenha todas as


suas oferendas em ordem para poder ser readmitido. Esperamos que

tenha aproveitado o feriado.”

O olhar de Miguel examinou a estação. Estava fascinado pelas

multidões agitadas de famílias e casais mortos em fila sob a placa

em que se lia READMISSÃO.

“Bem-vindo de volta! Alguma coisa para declarar?”, um agente de

entrada perguntou a um esqueleto.

“Alguns churros que ganhei de minha família”, respondeu o

viajante.

“Que maravilha!” O agente se virou para o esqueleto seguinte:

“Próximo! Alguma coisa para declarar?”

Novamente, um anúncio ecoou pelos ares, sobre todos. “Se

encontrar dificuldades durante sua viagem, os agentes do

Departamento de Encontros Familiares podem ajudá-lo.”

Miguel seguiu seus familiares até a fila formada para atender

quem estava chegando.

Enquanto esperava, Miguel ficava olhando esqueletos deixarem o

Mundo dos Mortos por um portão identificado como SAÍDA.

“Próxima família, por favor!”, um agente de saída falou. Um casal

de idosos se aproximou, parando em frente a um monitor equipado

com uma câmera. O aparelho digitalizou seus rostos e mostrou uma

imagem com suas fotos num altar no Mundo dos Vivos. “Oh, suas

fotos estão na oferenda do seu filho. Espero que tenham uma ótima

visita!”

“Gracias”, disse o casal de idosos, e depois foi encontrar o resto

da família na ponte.

“E lembre-se de voltar antes do nascer do Sol”, continuou o

anúncio no auto-falante. “Aproveite sua visita!”

“Próxima família, por favor!”, gritou o agente de saída. Um

esqueleto com um sorriso largo e cheio de peças de metal de um

aparelho ortodôntico deu um passo na direção do monitor. “Sua foto

está na oferenda do seu dentista. Aproveite sua visita!”

“Grashiash!”, disse o esqueleto sorridente.


“Próximo!”, o agente chamou. Uma mulher vestida com túnica

colorida, flores no cabelo e monocelha escura sobre os olhos deu um

passo à frente.

“Sim, sou eu, Frida Kahlo”, a artista disse, apontando

graciosamente para si mesma, “famoso ícone mexicano, amada pelo

povo. Vamos pular a parte da digitalização? Estou em tantas

oferendas que o seu sistema vai ficar sobrecarregado...”

A máquina digitalizou o rosto da artista e o monitor mostrou um

xis enorme. Um alarme começou a soar. “Ops”, disse o agente,

“parece que ninguém se lembrou de colocar sua foto em uma

oferenda, Frida”.

A artista arrancou a monocelha e rasgou a túnica que estava

vestindo. Não era Frida e sim um jovem rapaz.

“Muito bem, quando eu disse que era Frida... agora há pouco, foi

uma mentira”, o rapaz disse. “Peço desculpas por ter feito isso.”

“Nada de foto em oferenda, nada de cruzar a ponte”, o agente

avisou.

“Quer saber de uma coisa? Vou lá rapidinho. Nem vai perceber

que saí.” O homem deixou o local correndo na direção da ponte.

Um guarda bloqueou o portão, mas o rapaz se dividiu em dois e

passou por ele, metade dele passou por cima e a outra metade por

baixo. O rapaz chegou até a ponte num piscar de olhos e tentou

cruzá-la, mas seus pés afundaram nas pétalas. Foi exatamente como

o agente tinha dito: sem uma foto em alguma oferenda, a ponte não

o deixaria passar.

“Quase lá... só mais um pouquinho...”, ele resmungou, se

esforçando para vencer a camada espessa de flores.

Os guardas caminharam calmamente até a ponte e puxaram o

rapaz de volta para o Mundo dos Mortos.

‘Ops”, disse um dos guardas.

“Certo, tudo bem, quem se importa? Ponte de flores idiotas!”

Os guardas o tiraram dali. Tia Rosita ergueu os olhos e só viu as

costas do rapaz sendo retirado.


“Oh, é tão triste. Não sei o que faria se ninguém colocasse minha

foto em uma oferenda”, disse, balançando a cabeça.

“Próximo!”, gritou um agente de entrada para a família de

Miguel.

“Oh! Vamos m’ijo, é nossa vez”, tia Rosita disse para Miguel,

guiando o menino para frente. A família se reuniu no portão. Um

agente apareceu na janela.

“Bem-vindos de volta, amigos! Algo para declarar?”

“Na verdade, sim”, disse Papá Julio. A família mostrou Miguel.

O menino tirou o capuz para revelar seu rosto do Mundo dos

Vivos. “Hola”, disse.

O agente olhou para Miguel e seu queixo caiu... no chão.


Um guarda escoltou Miguel e sua família até a Grande Estação

Central de Calêndulas. Dante trotava feliz ao lado de Miguel. A

família chegou ao final de uma passagem e entrou por uma porta

grande identificada como DEPARTAMENTO DE REUNIÕES

FAMILIARES.

Dentro, centenas de assistentes sociais estavam sentados em

frente a seus computadores em cubículos, ajudando viajantes a

resolver seus problemas em relação ao feriado.

“Por favor! Ajude nossa família, amigo. Precisamos visitar uma

dúzia de oferendas essa noite”, um viajante reclamou.

De um canto distante da sala, ecoava a voz de uma mulher.

“Minha família sempre... SEMPRE... coloca minha foto na

oferenda! Essa caixa diabólica não sabe de nada, só conta mentiras!”

Em um movimento rápido, ela retirou seu sapato e acertou o

computador da assistente social.

“Mamá Amelia?”, Papá Julio disse. Ela apontou seu sapato para

ele. Papá Julio deu um passo para trás e soltou um ganido.

“Oh, mi familia!”, ela disse, suavizando seu tom de voz. “Digam

para essa mulher e sua caixa diabólica que minha foto está na

oferenda.”
“Bem, não conseguimos chegar até a oferenda...”, Papá Julio

começou a explicar e foi interrompido por Mamá Amelia.

“O quê?”

“Nós esbarramos em... em... um...”

Os olhos de Mamá Amelia encontraram Miguel. Ele a olhou nos

olhos.

“Miguel!”, exclamou num susto.

“Mamá Amelia”, Miguel balbuciou.

“O que está acontecendo?”, ela perguntou.

Naquele momento, uma porta se abriu e um funcionário

perguntou: “São a família Rivera?”

* * *

Dentro do escritório do funcionário, os Rivera esperavam por

uma explicação. Ele folheou uma pasta enorme.

“Bem, você está amaldiçoado”, disse para Miguel. A família toda

engoliu em seco.

“O quê!”, Miguel exclamou.

“Día de los Muertos é uma noite para DAR aos mortos. Você

ROUBOU de um morto.”

“Mas eu não estava roubando o violão!”, Miguel protestou,

implorando perdão com os olhos.

“Violão?”, Mamá Amelia perguntou com ar de suspeita.

“Era do meu tataravô. Ele iria querer que eu pegasse aquele...”

“Ah, ah, ah!”, Mamá Amelia interrompeu Miguel. “Não falamos

naquele... músico! Ele está MORTO para essa família!”

“Hã? Vocês todos estão mortos”, Miguel clarificou.

Dante balançou as patas na ponta da mesa e tentou alcançar uma

tigela com doces.

“Atchimm!”, o funcionário espirrou. “Desculpe... de quem é esse

alebrije?”, ele perguntou.


Miguel avançou um pouco e tentou tirar seu cachorro de perto da

mesa. “É só o Dante”, respondeu.

“Ele, com certeza, não parece um alebrije”, disse tia Rosita,

apontando para as criaturas fantásticas que se agitavam do outro

lado da janela.

“Parece um simples cachorro”, reforçou tio Óscar.

“Ou uma salsicha que alguém perdeu”, brincou tio Felipe.

“Seja lá o que for, sou – ATCHIMM! – terrivelmente alérgico”,

disse o funcionário.

“Mas Dante não tem pelo”, explicou Miguel.

“E eu não tenho nariz, mas cá estamos nós...” O funcionário

espirrou de novo.

“Mas nada disso explica por que eu não consegui atravessar a

ponte”, disse Mamá Amelia.

Miguel pensou na sala de oferendas de sua família. Timidamente,

puxou a foto em preto e branco do bolso. “Oh”, ele disse, e

desdobrou a foto de Mamá Amelia, Mamá Ines e um homem

desconhecido.

“Você tirou minha foto da oferenda!”, Mamá Amelia exclamou.

“Foi um acidente!”, Miguel disse.

Mamá Amelia se virou afobada para o funcionário. “Como

fazemos para mandá-lo de volta?”

“Bem, já que é um assunto de família”, o funcionário folheou um

livro de instruções, “a maneira de desfazer uma maldição de família é

ter a bênção da família”.

“Só isso?”, perguntou Miguel.

“Se tiver a bênção de sua família, tudo deve voltar ao normal. Mas

precisa ser antes do nascer do Sol”, avisou o funcionário.

“O que acontece depois do nascer do Sol?”, questionou.

“Híjole!”, Papá Julio exclamou de repente. “Sua mão!”

Miguel olhou. A ponta de um de seus dedos tinha começado a

ficar esquelética. Miguel empalideceu e desmaiou, mas Papá Julio o

segurou e deu um tapa no seu rosto para acordá-lo.


“Ei, Miguel”, disse Papá Julio, “não desmaie agora!” Eles não

tinham tempo para desperdiçar. Miguel se tornaria um esqueleto por

completo ao amanhecer.

O funcionário se intrometeu: “Mas não se preocupe! Sua família

está aqui. Pode receber a bênção dela agora mesmo.” O funcionário

se ajoelhou ao lado de tia Rosita e vasculhou a bainha de sua saia.

“Cempasúchil... cempasúchil”, disse, procurando pela flor. “Ah!

Perdón, señora.” Pegou uma pétala de calêndula de seu vestido e deu

para Mamá Amelia. “Agora”, continuou, “olhe para o garoto vivo e

diga seu nome”.

Mamá Amelia encarou Miguel. “Miguel”, ela disse.

“Muito bem! Agora diga que dá a ele sua bênção.”

“Eu dou a você minha bênção”, Mamá Amelia repetiu. A pétala

de calêndula brilhou em seus dedos.

Miguel sentiu-se aliviado de repente. Estava indo para casa e

tocaria no show de talentos... mas Mamá Amelia não tinha

terminado sua bênção.

“Eu dou a você minha bênção para ir para casa...”, ela continuou.

O brilho da pétala ficou mais forte. “Colocar minha foto de volta na

oferenda...” Miguel fez um sinal afirmativo com a cabeça e o brilho

da pétala aumentava com cada condição. “E nunca mais se envolver

com música de novo!” A pétala brilhou forte uma última vez.

“O quê? Ela não pode fazer isso!”, Miguel protestou.

“Bem, tecnicamente, ela pode acrescentar qualquer condição que

quiser”, disse o funcionário.

Miguel apertou os olhos. Mamá Amelia o encarou de volta, firme

em sua posição.

“Certo”, Miguel concordou.

“Então, você entrega a pétala para Miguel”, concluiu o

funcionário.

Mamá Amelia entregou a pétala para o menino. Miguel a agarrou.

Whoosh! Foi consumido em um redemoinho e desapareceu.

Tão rápido quanto desapareceu do Mundo dos Mortos, ele

reapareceu no mausoléu de Ernesto de la Cruz em meio a um


redemoinho de pétalas. Assim que as pétalas caíram no chão,

Miguel correu até a janela e olhou para fora. “Não estou vendo

esqueletos!”, exclamou, rindo. Em seguida, viu o violão de Ernesto.

Mais uma vez, Miguel o pegou de seu suporte na parede. “Praça do

Mariachi, aqui vou eu!” Deu dois passos na direção da porta e

whoosh!

Em outro redemoinho de pétalas, Miguel reapareceu na sala do

funcionário no Mundo dos Mortos. Sua família se virou, chocada em

vê-lo de volta tão rápido. Miguel se deu conta de que suas mãos

ainda estavam posicionadas como se estivesse segurando o violão de

Ernesto de la Cruz, embora o instrumento tivesse ficado no Mundo

dos Vivos. Aparentemente, as condições impostas por Mamá Amelia

não eram negociáveis.

“Dois segundos e você já quebrou sua promessa!”, ralhou Mamá

Amelia.

“Não é justo... a vida é minha! Você já teve a sua!”, Miguel

retrucou. Ele agarrou outra pétala. “Papá Julio, estou pedindo sua

bênção”. Papá Julio olhou para Mamá Amelia, que franziu a testa.

Intimidado, balançou a cabeça negativamente e baixou o chapeú.

Miguel olhou para os outros parentes. “Tia Rosita? Óscar? Felipe?

Tia Victoria?” Todos balançaram a cabeça. Nenhum ousou desafiar

Mamá Amelia.

“Não torne isso mais difícil, m’ijo. Você vai para casa do meu jeito

ou não vai para casa”, Mamá Amelia disse.

“Você odeia música tanto assim mesmo?”, Miguel perguntou.

“Não vou deixar que siga o mesmo caminho que ele seguiu”, ela

respondeu. Miguel pegou a foto. Fixou o olhar no homem, seu

tataravô, cuja cabeça tinha sido arrancada da foto.

“O mesmo caminho que ele seguiu”, Miguel sussurrou para si

mesmo, olhando para o homem. “Ele é minha família...”

“Escute sua Mamá Amelia”, tia Victoria pediu.

“Ela só quer o seu bem”, disse tio Óscar.

“Seja razoável”, tia Rosita acrescentou.


Miguel caminhou na direção da porta devagar. “Con permiso,

preciso ir ao banheiro. Volto já!” E saiu.

A família viu perplexa Miguel sair da sala. O funcionário olhou

para eles.

“Hum... será que não deveríamos dizer para ele que não temos

banheiro no Mundo dos Mortos?”, perguntou.


Miguel desceu correndo as escadas e Dante o seguiu. Quando

chegaram ao térreo, se esconderam debaixo do vão da escada. Ele

olhou para cima e viu sua família procurá-lo no andar superior. Tio

Óscar estava falando com uma patrulheira. Depois de alguns

segundos, ela pegou um walkie-talkie.

Miguel analisou o prédio em que estava e percebeu rapidamente

que havia uma porta giratória. “Vámonos”, Miguel disse para Dante e

puxou seu capuz para cobrir sua cabeça. Dante andou atrás dele,

sem fazer barulho. “Se quero ser músico, preciso da bênção de um

músico. Precisamos encontrar meu tataravô.” Miguel estava quase

conseguindo sair do prédio quando um patrulheiro apareceu na sua

frente.

“Espere aí, muchacho.”

Miguel girou tão rápido que seu capuz caiu, revelando seu rosto

de menino vivo.

“Ahh!”, o patrulheiro deu um grito. Miguel tentou passar por ele,

mas não conseguiu.

Então, ouviu do walkie-talkie a voz de uma patrulheira: “Ei, temos

uma família procurando um garoto vivo.” O patrulheiro trocou um

olhar sério com Miguel.

“Eu o peguei”, ele respondeu.


De repente, uma família grande, carregando muitas oferendas,

passou entre Miguel e o patrulheiro.

“Ei... ops, com licença, com licença, pessoal!”, o patrulheiro

gaguejava enquanto tentava evitar esbarrar na família.

Miguel usou essa distração para fugir. Ele e Dante percorreram

um corredor, mas Dante voltou para inspecionar uma salinha lateral.

“Dante!”, Miguel gritou. Ele seguiu o cão e entrou em uma sala

identificada como DEPARTAMENTO DE PUNIÇÕES. Miguel ouviu

dois homens conversando quando tentava pegar seu cachorro.

“...perturbar a paz, fugir de um guarda, falsificar uma

monocelha...”

“Isso é ilegal?”, o outro homem perguntou, incrédulo.

“MUITO ilegal. Precisa dar um jeito na sua situação, amigo”,

disse o policial.

“Amigo?”, o rapaz repetiu em voz suave. “É tão reconfortante

ouvi-lo dizer isso, porque estou tendo um Día de los Muertos muito

difícil e ter um amigo agora seria ótimo.”

“Sei”, disse o agente policial.

“E amigos ajudam seus amigos. Escute só, se me deixar cruzar

aquela ponte hoje à noite, vou recompensar muito bem sua ajuda”,

propôs o rapaz. Viu um pôster de Ernesto de la Cruz na sala do

agente policial. “Oh, você gosta de Ernesto? Sou amigo dele há

muito tempo! Posso conseguir para você assentos na primeira fila da

plateia do show dele Aurora Espetacular.”

A curiosidade de Miguel foi despertada pela menção a Ernesto de

la Cruz.

“Vou... vou levar vocês aos bastidores do show. Pode conhecê-lo

pessoalmente!”, o rapaz acrescentou. “Só precisa me deixar cruzar

aquela ponte!”

O agente policial balançou a cabeça, rejeitando a oferta. “Eu

deveria deixá-lo preso pelo resto do feriado”, ameaçou. “Mas meu

turno está quase no fim e quero visitar minha família no Mundo dos

Vivos, então vou deixá-lo ir com uma notificação apenas.”


“Posso pelo menos pegar minha fantasia de volta?”, perguntou o

rapaz apontando para a roupa de Frida Kahlo.

“Humm... não.”

De mau humor, o rapaz esfarrapado saiu da sala. “Muito amigo”,

resmungou.

Miguel o seguiu pelo corredor. “Ei! Ei! Conhece mesmo Ernesto

de la Cruz?”

“Quem quer sa...”, o homem respondeu e, então, parou,

horrorizado ao olhar para Miguel. “Ai, ai! Você está vivo!”

“Shhh!”, Miguel retrucou. Rapidamente, puxou o rapaz para

dentro de uma cabine telefônica a fim de evitar uma cena. “Sim,

estou vivo. E se quiser voltar para o Mundo dos Vivos, preciso da

bênção de Ernesto de la Cruz.”

“Isso é específico e esquisito.”

“Ele é meu tataravô.”

“É seu ta... o quê?”, o queixo do homem caiu. Miguel o segurou

antes que chegasse ao chão, depois o colocou de volta ao lugar.

“Espere!”, o esqueleto disse. “Vai voltar para o Mundo dos Vivos?”

Miguel deu um passo para trás, incerto sobre o que estava

acontecendo. “Quer saber, talvez isso não seja tão...”

O homem estalou os dedos de uma vez. “Não, niño, posso ajudá-

lo! Você pode me ajudar. Podemos nos ajudar! Mas, o mais

importante, você pode ME ajudar!”

De repente, Miguel viu sua família descendo as escadas. Mamá

Amelia viu Miguel e saiu correndo na sua direção. “Miguel!”, ela

gritou.

Miguel não podia deixar que o pegassem e o enviassem ao

Mundo dos Vivos com uma centena de condições para que nunca

mais tocasse música.

Sem saber que a família de Miguel estava se aproximando, o

esqueleto estendeu sua mão: “Sou Hector.”

“Legal!”, disse Miguel, agarrando Hector pelo pulso e o

arrastando na direção da saída. Miguel e Dante saíram porta afora e

correram escada abaixo. Ao final das escadas, Miguel percebeu que


estava segurando apenas o braço de Hector. O resto do esqueleto

não estava lá.

“Espérame, rapacito!”, Hector gritou, tentando fazer Miguel

diminuir a velocidade.

O garoto olhou ao seu redor. Sua família estava presa na porta

giratória. Alguns momentos depois, conseguiram sair e examinaram

o local. Mas Miguel já tinha sumido.

“Ai!”, Mamá Amelia ganiu, “ele vai acabar se matando.

Precisamos da Pepita”.

Ela colocou dois dedos na boca e assoviou. Uma sombra surgiu

sobre ela e uma onça gigante pousou em frente à família. Suas asas

brilhavam em tons de verde e azul e seus olhos eram iluminados à

noite.

“Quem está com a pétala que ele tocou?”, perguntou Mamá

Amelia.

Papá Julio segurou a pétala para Pepita. “Bom alebrije...”

Pepita se concentrou no cheiro e, pouco depois, voou na direção

do céu.
Em um beco escuro, Miguel sentou-se num engradado de madeira.

Hector andou à sua volta segurando uma latinha de cera preta para

polir sapatos. Depois, desenhou ossos no rosto do menino.

“Ei, ei, fique parado. Olhe para cima. Olhe para baixo. CIMA!

Tcharã!” Hector disse depois de pintar o rosto de Miguel para que se

parecesse com um esqueleto. “Mortinho da silva.” Hector e Miguel

trocaram um olhar de cumplicidade. “Então, escute aqui, Miguel.

Esse lugar funciona à base de memórias. Quando se lembram bem

de você, as pessoas colocam sua foto em oferendas e você consegue

cruzar a ponte para visitar o Mundo dos Vivos no Día de los Muertos.

Exceto eu.”

“Não cruza a ponte?”, Miguel perguntou.

“Ninguém nunca colocou minha foto em uma oferenda. Mas você

pode mudar isso!” Ele desdobrou uma foto antiga e a mostrou para

Miguel. Na foto, via-se um Hector jovem e ainda vivo.

“É você?”

“Muy guapo, né?”

“Então, você me leva até o meu tataravô, depois eu coloco sua

foto em uma oferenda quando voltar para casa?”

“Que garoto esperto! Sim! Grande ideia, não acha?”, Hector

exclamou. “Um probleminha... Ernesto de la Cruz é um cara difícil


de chegar perto e eu preciso cruzar aquela ponte logo. Tem que ser...

ESSA NOITE. Então, você tem mais algum parente aqui? Sabe,

alguém um pouco mais... acessível?”

“Humm... não.”

“Não brinque comigo, rapacito. Deve ter MAIS alguém.”

“APENAS Ernesto. Escute, se não pode me ajudar, vou encontrá-

lo sozinho”, Miguel disse e assoviou para seu cachorro: “Vamos,

Dante.” Saiu do beco, com o leal Dante logo atrás.

“Argh!, certo, certo, garoto, muito bem... muito bem! Vou levá-lo

até seu tataravô!”

Hector levou Miguel dali até uma rua muito movimentada. “Não

vai ser fácil, OK? Ele é um cara ocupado”, informou Hector.

Um outdoor enorme que anunciava o show de Ernesto de la Cruz

fez Miguel congelar seus movimentos. O maior sucesso de Ernesto,

a canção “Lembre de Mim”, ecoava de um alto-falante.

“O show Aurora Espetacular de Ernesto de la Cruz!”, Miguel

exclamou.

“Aff! Todo ano, o idiota do seu tataravô faz esse mesmo show

para o Día de los Muertos.”

“E você pode conseguir ingressos!”

“Ahhhhhhh...”

“Ei, disse que tinha ingressos para a primeira fila da plateia!”,

Miguel relembrou.

“Aquilo... foi uma mentira. Desculpe.”

Miguel olhou para Hector como se estivesse murchando.

“Calma, rapacito. Vamos, vou levá-lo até ele.”

“Como?”

“Acontece que eu sei onde ele está ensaiando.”


Hector e Miguel chegaram a um armazém enorme. Hector destacou

seu braço do resto do corpo e usou seu suspensório para lançá-lo em

uma janela do terceiro andar. Sua mão deu algumas batidinhas no

vidro. Do lado de dentro, uma costureira se virou para olhar. A mão

acenou. Ela revirou os olhos e foi abrir a janela.

“É melhor ter trazido meu vestido, Hector!”, gritou olhando lá

para baixo.

“Hola, Ceci!”, cumprimentou Hector, que era só sorrisos. Hector

recolocava seu braço enquanto Ceci baixava a escada de incêndio

para que subissem.

“Hola”, Miguel saudou, passando pela janela. “Ceci, perdi o

vestido...”, Hector começou.

Ceci já estava gritando com Hector por causa de sua fantasia de

Frida Kahlo quando Dante entrou.

“Dante”, Miguel disse, seguindo o cão até um palco grande onde

dançarinos ensaiavam. “Não deveríamos estar aqui...” O cachorro

farejou o local. De repente, um macaco que era guia espiritual saltou

sobre as costas do cachorro. Ele cavalgou Dante como se estivesse

em um rodeio.

“Não, não, Dante! Ven acá!”, Miguel ordenou, apressando-se a ir

atrás de seu cachorro.


O macaco pulou, de repente, nos ombros de uma pessoa. Era

Frida Kahlo. A verdadeira, não alguém em uma fantasia. Ela ficou

parada em frente ao palco. Miguel conseguiu fazer Dante ficar

quieto exatamente quando ela percebeu que os dois estavam ali.

“Você! Como conseguiu entrar aqui?”, perguntou com uma

sobrancelha erguida.

“Segui meu...” Miguel começou a explicar quando os olhos de

Frida se arregalaram ao ver Dante.

“Oh, o poderoso cão xolo! Guia dos espíritos andarilhos!”, Frida

exclamou, admirando Dante. “E que espírito guiou até mim?”

Olhou para Miguel mais de perto.

“Acho que ele não é um guia espiritual”, Miguel respondeu.

“Ah, ah, ah”, ela o advertiu. “Os alebrijes DESTE mundo podem

assumir muitas formas. São tão misteriosos quanto poderosos.”

De repente, os desenhos coloridos do macaco de Frida mudaram.

Ele abriu sua boca e cuspiu fogo azul. Isso é poderoso, Miguel pensou.

Talvez, Dante seja especial. Olharam para o cão, que estava ocupado

mastigando a própria perna.

Nada impressionada, Frida olhou de volta para Miguel. “Ou

talvez seja só um cachorro. Vamos! Preciso dos seus olhos!”

Frida o levou até a frente do palco para acompanhar o ensaio.

“Você é o público”, disse para Miguel. “Escuridão. E da

escuridão... um mamão gigante!” As luzes do palco se concentram

em um mamão enorme de decoração. “Dançarinos emergem de

dentro do mamão e todos os dançarinos estão caracterizados como

eu.” Dançarinos com monocelhas, vestindo collants engatinharam ao

redor do mamão enorme. “E vão beber o leite de sua mãe, que é um

cacto e também me representa. E seu leite não é leite, mas

lágrimas.” Frida fez uma pausa. Olhou para Miguel e perguntou: “É

muito óbvio?”

“Acho que tem é óbvio na medida certa”, Miguel respondeu.

“Poderia ter alguma música, como dunk-dunk-dunk-dunk.”

Frida fez um sinal para os músicos, que começaram a tocar um

pizzicato dissonante.
“Oh!”, Miguel disse contente. E depois poderia ser diro-iro-diro-

iro-diro-iro-diro-iro... uá!” Os violinos seguiram a instrução de Miguel.

“E se tudo estivesse pegando fogo?” Frida perguntou empolgada.

“Sim! Fogo em tudo!”

Os dançarinos engoliram em seco e trocaram olhares

apreensivos.

“Inspirada!”, exclamou Frida. Ela se inclinou na direção de

Miguel: “Você! Você tem o espírito de um artista!” Miguel

endireitou o corpo, deixando as palavras de Frida elevarem seu ego.

Queria que sua família enxergasse nele o que Frida enxergava. Ele

ERA um artista. Não um sapateiro. Frida se concentrou no ensaio

novamente. “Dançarinos saem, a música fica mais sutil, as luzes se

apagam. E Ernesto de la Cruz sobe ao palco!” Uma silhueta surgiu

em um alçapão no chão. Miguel se inclinou para ver melhor.

“Ernesto!”, exclamou. Um holofote iluminou a silhueta,

revelando apenas um manequim. “Hã?”

Frida continuou a instruir os dançarinos. “Ele toca algumas

músicas, o Sol nasce, todos aplaudem...”

Miguel estava confuso. “Com licença”, disse, “onde está o

verdadeiro Ernesto de la Cruz?”

“Ernesto não PARTICIPA de ensaios”, Frida explicou. “Está

muito ocupado dando uma superfesta no topo de sua torre.” Fez um

gesto na direção de uma grande janela apontando uma torre

iluminada no horizonte, no topo de uma montanha íngreme.

De repente, Hector apareceu. “Rapacito! Não pode fugir de mim

desse jeito! Vamos, pare de incomodar celebridades.”

Hector o puxou, mas Miguel resistiu.

“Disse que meu tataravô estaria aqui! Ele está do outro lado da

cidade, dando uma superfesta.”

“Aquele vagabundo! Quem não participa do seu próprio ensaio?”

“Se são mesmo tão bons amigos, por que ele não convidou você

para a festa?”, Miguel questionou.

Hector se virou para os músicos. “Ei, Gustavo! Sabe alguma coisa

sobre essa festa?”


“É uma festa e tanto. Mas se não estiver na lista de convidados,

nunca vai entrar, Chorizo...” disse, causando muitas risadas entre os

músicos.

“Ah, ah! Muito engraçado, amigos. Muito engraçado”, Hector

retrucou. Os músicos continuaram rindo.

“Chorizo?”, Miguel perguntou.

“Oh, esse cara aqui é famoso!”, Gustavo disse para Miguel.

“Vamos lá, vamos... pergunte como ele morreu!”

Miguel olhou curioso para Hector.

“Não quero falar sobre isso”, Hector respondeu.

“Ele engasgou com chorizo!”, Gustavo contou, com uma risada

estridente, acompanhando as provocações dos outros músicos.

Miguel não conseguiu deixar de rir um pouco também.

“Não engasguei, está bem? Passei mal com a comida!” Hector

explodiu. “Qual é a grande diferença?” Os músicos riram ainda

mais. Hector se virou para Miguel: “É por isso que não gosto de

músicos — um bando de idiotas cheios de autoconfiança!”

“Ei, sou um músico!”, Miguel protestou.

“É?”, perguntou Hector.

“Bem”, disse Gustavo, “se quer mesmo conhecer Ernesto, TEM

aquela competição musical na Praça De la Cruz. O vencedor vai

tocar na festa de Ernesto”.

“Competição musical?”, Miguel perguntou. Na mesma hora,

checou suas mãos para avaliar sua transformação em esqueleto.

Tinha se espalhado para mais um dedo. Ele estava ficando sem

tempo.

“Não, não, não, rapacito, está loco se acha...”, Hector começou.

“Preciso da bênção do meu tataravô”, Miguel o interrompeu.

Olhou para Hector: “Sabe onde consigo um violão?”

Hector deu um suspiro: “Conheço um cara.”

* * *
Sobre o Mundo dos Mortos, uma figura de sombras planou pelo

céu e pousou num canto escuro de um beco. Farejou a latinha de

tinta que Hector tinha usado para pintar o rosto de Miguel. O guia

espiritual soltou um longo rugido.

“Encontrou Miguel, Pepita? Encontrou meu menino?”, Mamá

Amelia perguntou, seguindo o felino enorme com o resto da família.

Pepita respirou bem perto do chão, iluminando pegadas com

mágica. O rastro brilhou por um momento.

“Pegadas!”, tia Rosita anunciou. A família toda se abaixou para

inspecionar.

“É uma bota Rivera!”, Papá Julio exclamou.

“Tamanho 36...”, disse tio Óscar.

“...36 infantil!”, terminou tio Felipe.

“Pronado”, acrescentou tia Victoria, com olho de especialista.

“Miguel”, Mamá Amelia disse baixinho.

Pepita se abaixou e respirou de novo. O brilho se estendeu por

uma trilha de pegadas que seguia para uma rua ali perto.
Desde que um músico abandonou sua família, os

Rivera evitam música...


...mas música é a razão de viver do jovem Miguel.
Ele ama seu amigo Dante
...
...e sua família
.
Ama também sua abuelita
, que trabalha duro para

manter a família unida.


Infelizmente, ela trabalha duro para mantê-los longe
da música também.
Miguel precisa de um violão para mostrar seu

talento para a sua família. Ele encontra um no

mausoléu de Ernesto de la Cruz.


No momento em que toca no violão, Miguel

desaparece do Mundo dos Vivos!


No cemitério, os vivos não podem vê-lo — os
mortos sim !
Ele sai do cemitério e cruza a ponte das flores para o

Mundo dos Mortos .


Lá, Miguel conhece mais familiares. Assim como

seus parentes vivos, eles evitam música.


Também conhece sua tataravó Mamá Amelia , que o

faz se lembrar de Abuelita.


Mamá Amelia não quer mandar Miguel de volta para

casa a menos que prometa não se envolver com

música.
A palavra de Mamá Amelia é lei
, mesmo depois de

morta. Ninguém irá desafiá-la.


Embora Miguel ame seus antepassados , ele

ama a música e se recusa a desistir dela...


...mas se não conseguir logo a bênção de alguém,

pode ficar preso para sempre no Mundo dos

Mortos.
Miguel seguiu Hector descendo as escadas. “Mas por que é que iria

querer ser músico?”, perguntou Hector.

Miguel se sentiu ofendido. “Meu tataravô era músico.”

“Que passou a vida toda se apresentando como um macaco para

completos estranhos. Argh!, não, obrigado, não”, Hector disse.

“O que VOCÊ sabe disso?”, perguntou Miguel. “Esse violão está

muito longe?”

“Estamos quase chegando.” Hector deu um salto das escadas e

caiu no chão, seus ossos se espalharam e depois se reuniram.

“Vamos, rapacito, não podemos perder tempo!”

A escada à frente deles descia para uma pequena parte da cidade,

coberta em poeira. As luzes brilhantes que coloriam o Mundo dos

Mortos pareciam ter evitado essa parte. Miguel olhou para quem

passava na rua. Eram empoeirados e esfarrapados assim como

Hector, sem as cores e os adereços chamativos das roupas dos

Rivera. Um grupo de esqueletos desbotados estava reunido em volta

de uma fogueira, feita numa lata de lixo, rindo de maneira

estridente. Viram Hector se aproximar.

“Primo Hector!”, o grupo saudou de forma espalhafatosa.

“Ai! Esses caras!”, falou Hector com um sorriso largo. Fez um

gesto de cabeça para cumprimentar o homem que tocava uma


música alegre num violino feito de latas, corda e outros objetos. “Ei,

tio!”, Hector falou para o homem que tocava violino.

“Essas pessoas são a sua família?”, perguntou Miguel.

“Bom, de certa forma. Ninguém coloca foto em oferenda para

nós. Não temos família para a qual voltar. Praticamente esquecidos,

sabe?” Hector disse isso com tristeza na voz. “Então, nos chamamos

de primos, ou tio, ou qualquer coisa.”

Hector e Miguel se aproximaram de três senhoras que jogavam

cartas sobre uma caixa de madeira.

“Hector!”, uma delas chamou.

“Tia Chelo! Ei, ei!”, Hector cumprimentou a senhora.

“Chicharrón está por aqui?”

“No bangalô. Não sei se está querendo receber visitas”, tia Chelo

informou.

“Quem não gostaria de receber a visita do primo Hector?”,

brincou e entrou na tenda. Segurou as cortinas para que Miguel e

Dante passassem. Dentro, era apertado, escuro e calmo. Havia

pilhas de pratos antigos, uma cômoda cheia de relógios de bolso e

muitas revistas e muitos discos. Miguel tropeçou e quase derrubou

vários.

Hector viu uma rede cheia de bugigangas e um chapéu

empoeirado. Ergueu o chapéu e viu o rosto ranzinza de seu amigo

Chicharrón.

“Buenas noches, Chicharrón!”

“Não quero ver sua cara idiota, Hector!”

“Ora vamos, é Día de los Muertos! Trouxe um presentinho!”

“Saia daqui...”

“Eu sairia, Chicha, mas é que... eu e meu amigo aqui, Miguel,

precisamos muito pegar seu violão emprestado.”

“Meu violão?”, Chicharrón se mexeu na rede.

“Prometo que vamos trazê-lo de volta”, Hector se explicou.

Chicharrón se sentou indignado.

“Como aquela vez em que prometeu trazer minha van de volta?”

“Hum”, Hector disse.


“Ou meu frigobar?”

“Ah, é que... hummm...”

“Ou meus guardanapos bons? Meu laço? Meu fêmur?”

“Não, não como daquelas vezes.”

“Onde está o meu fêmur? Você...”, Chicharrón ergueu um dedo

para colocar na cara de Hector, mas caiu enfraquecido na sua rede,

uma luzinha dourada brilhava através de seus ossos.

“Certo, certo, está bem, meu amigo?”, Hector continuou,

correndo para ajudá-lo.

Chicharrón deu um longo suspiro. “Estou desaparecendo, Hector.

Posso sentir.” Olhou para seu violão. “Não poderia tocar essa coisa

nem se quisesse.”

Os olhos de Hector foram de Chicharrón para o violão.

“Você pode tocar alguma coisa para mim”, pediu Chicharrón.

“Oh, sabe que não toco mais, Chicha”, relutou Hector. “O violão

é para o garoto.”

“Se quer o violão, precisa merecê-lo.”

Hector pegou o violão a contragosto. “Só para você, amigo.

Alguma preferência?”

Chicharrón sorriu: “Você sabe qual é minha canção favorita,

Hector.”

Hector sorriu ironicamente e começou a dedilhar as cordas do

violão, tocando uma doce canção. Chicharrón sorriu, parecendo

estar em paz, finalmente. Ouvindo Hector tocar, Miguel ficou

impressionado. Não tinha a menor ideia de que Hector era músico –

e um músico muito bom! O esqueleto começou a cantar uma música

boba sobre uma mulher chamada Juanita, cujas articulações

arrastavam no chão.

“Não é essa a letra!”, Chicharrón protestou.

“Tem uma criança presente”, Hector disse, com calma, e

continuou cantando. Terminou a música com um suave floreio.

“Traz de volta lembranças”, disse Chicharrón. “Gracias.” Então,

seus olhos se fecharam. De repente, as extremidades dos ossos de


Chicharrón começaram a brilhar com uma luz linda e suave. Hector

pareceu triste. Então, assistiram Chicharrón se dissolver em pó.

“Espere, o que aconteceu?”, Miguel perguntou preocupado.

Hector pegou um copo, fez um brinde em homenagem a

Chicharrón e bebeu. Colocou o copo ao lado do copo de Chicharrón,

que permaneceu cheio.

“Ele foi esquecido”, Hector explicou. “Quando não há mais

ninguém no Mundo dos Vivos que se lembra de você, você

desaparece deste mundo. Chamamos isso de morte final.”

“Para onde ele foi?”, perguntou Miguel.

“Ninguém sabe”, respondeu Hector.

Miguel teve uma ideia. “Mas eu o conheci. Posso me lembrar dele

quando voltar.”

“Não, não é assim que funciona, rapacito. Nossas memórias

precisam vir de quem nos conheceu em vida. Nas histórias que

contam sobre nós. Porém, não resta mais ninguém vivo para contar

as histórias de Chicha...”

Miguel ficou em silêncio, pensando no altar de sua família e em

como manter sua memória viva.

Hector colocou a mão nas costas de Miguel, sentindo-se mais

alegre. “Ei, acontece com todos, eventualmente”, disse. Deu o violão

para Miguel: “Vamos, De la Cruz Júnior. Tem uma competição para

vencer.” Hector abriu as cortinas, e Miguel o seguiu para fora da

tenda.
Um pouco mais tarde, Hector e Miguel estavam pendurados na

parte de trás de um bondinho. Hector dedilhava o violão sem

intenção de tocar, enquanto se dirigiam para a cidade.

“Disse que odiava músicos. Nunca disse que era um deles”,

Miguel ponderou.

“Como acha que conheci seu tataravô? A gente tocava junto.

Ensinei a ele tudo o que sabe.” Hector tocou um conjunto de notas

sofisticado, mas errou a última.

“Sem chance! Você tocava com Ernesto de la Cruz, o maior

músico de todos os tempos?”

“Ah, ah! Engraçadinho!”, Hector riu. “Maiores sobrancelhas de

todos os tempos, talvez, mas sua música... hmmm nem tanto.”

“Não sabe do que está falando”, Miguel concluiu.

O bondinho chegou ao topo. “Bem-vindo à Praça De la Cruz!”,

Hector anunciou. No meio da praça movimentada, estava uma

estátua gigante de Ernesto de la Cruz. “Hora do show, rapacito!”,

Hector colocou o violão nos braços de Miguel.

O menino olhou à sua volta na praça. Parecia que o lugar brilhava

e cantarolava, por causa dos gritos dos vendedores que promoviam

uma variedade de doces e artesanatos para quem andava por ali.


“Llevelo! Camisetas!”, gritava o vendedor com produtos de

Ernesto de la Cruz. “Bonequinhos!”

Miguel olhou mais adiante do vendedor e percebeu um palco

grande, onde uma mestre de cerimônias estava dando as boas-vindas

ao público.

“Bienvenidos a todos!”, gritou. “Quem está pronto para ouvir

música boa?” O público comemorou e aplaudiu. “É a batalha de

bandas, pessoal. O vencedor vai tocar para o maestro Ernesto de la

Cruz, na sua festa hoje à noite!” O público continuou

comemorando. “Que comece a competição!”, exclamou a mestre de

cerimônias.

O palco se animou com vários números sendo apresentados, um

após o outro. Os artistas não eram como algo que Miguel já tivesse

visto. Tinha uma apresentação com tuba e violino, uma banda de

metal pesado, alguém tocando marimba nas costas de um guia

espiritual que assumiu a forma de iguana, uma orquestra de

cachorros, e freiras tocando acordeão.

Miguel e Hector se inscreveram para a competição e foram para

os bastidores juntar-se a uma multidão de outros artistas.

“Então, qual é o plano? O que vai tocar?”, Hector perguntou.

“Definitivamente ‘Lembre de Mim’”, Miguel respondeu. Ele

começou a tocar as primeiras notas. Hector colocou a mão sobre as

cordas.

“Não, essa não. Não”, Hector pediu muito sério.

“Mas essa é a música mais popular dele!”

“Então, é muito popular”, Hector retrucou. Olharam ao redor nos

bastidores e perceberam que muitos outros estavam ensaiando

“Lembre de Mim”. Um músico estava tocando a canção em copos

com água.

“Aquela música já foi assassinada o suficiente”, Hector disse com

desgosto.

“Que tal...”, Miguel pensou bastante: “Un Poco Loco?”

“Muito bem! Agora sim!”


Um assistente de direção se aproximou de Miguel. “De la Cruz

Júnior?”, ele perguntou. Miguel assentiu com a cabeça. “Fique

atento, sua vez já vai chegar!” Depois, o assistente fez um gesto para

outra banda. “Los Chachalacos são os próximos!”

Quando Los Chachalacos pisaram no palco, o público aplaudiu. A

banda começou com uma introdução especial e o público foi ao

delírio.

Nos bastidores, Miguel espiou a empolgação do público. Los

Chachalacos eram invencíveis, De repente, sentiu-se mal. Parou.

“Sempre fica muito nervoso antes de se apresentar?”, Hector

perguntou.

“Não sei. Nunca me apresentei antes.”

“O quê? Disse que era músico!”

“Sou!”, Miguel respondeu. “Quero dizer, vou ser. Depois que

ganhar.”

“Esse é seu plano?”, Hector se exaltou. “Não, não, não, não,

não... PRECISA ganhar, Miguel. Eu PRECISO que você ganhe. Sua

vida LITERALMENTE depende da sua vitória E VOCÊ NUNCA FEZ

ISSO ANTES?”

Miguel estava processando os fatos. Sua vida dependia MESMO

da sua vitória. Um sentimento de pânico começou a se espalhar no

seu rosto.

E Hector viu. “Vou lá.” Esticou o braço para pegar o violão.

“Não!”, Miguel protestou. “Preciso fazer isso!”

“Por quê?”, perguntou Hector.

“Se não conseguir ir lá e tocar UMA música, como posso dizer

que sou músico?”

“Por que isso importa?”

“Porque não quero apenas TER a bênção de Ernesto de la Cruz.

Preciso provar que... que MEREÇO.”

“Oh”, exclamou Hector. “Oh, que sentimento maravilhoso... em

uma hora péssima.” Então, ele se acalmou. “Muito bem, quer se

apresentar? Então, precisa SE APRESENTAR! Primeiro, precisa


relaxar um pouco. Sacudir os nervos!” Hector e Miguel fizeram uma

dancinha.

“Agora, me dê seu melhor grito!”, Hector ordenou.

“Meu melhor grito?”

“Vamos, grite! Ponha para fora!”, Hector incentivou e, em

seguida, deu um grito longo e gutural. “Ah, melhor assim! Certo,

agora você.”

Miguel olhou para Hector sem ter certeza. “A-a-aiiiiiiii-aaaaaaa-

iiiiiii-ai...” O grito de Miguel foi desafinado e irregular.

Dante choramingou.

“Oh, vamos, garoto”, Hector insistiu. Atrás deles, no palco, Los

Chachalacos estavam terminando a apresentação com aplausos

incessantes.

“De la Cruz Júnior, sua vez!”, o assistente de direção informou.

“Miguel, olhe para mim”, Hector disse.

“Vamos lá, está na hora!”, o assistente gritou para Miguel,

gesticulando para indicar o caminho do palco.

“Ei! Ei, olhe para mim”, Hector repetiu para tirar Miguel do

transe. Miguel finalmente olhou para Hector. “Consegue fazer isso.

Conquiste a atenção deles e não a perca!”

A mestre de cerimônias falou para o público. “Temos mais uma

apresentação, amigos”, informou.

“Hector”, Miguel falava baixinho enquanto o assistente o

empurrava para o palco.

“Damas y caballeros! De la Cruz Jr.!”, anunciou a mestre de

cerimônias.

“Faça com que escutem você, rapacito! Você consegue!”, Hector

falou mais alto.

Com o violão nas mãos, Miguel entrou desajeitado no palco. As

luzes fortes o cegaram e tentou forçar os olhos para enxergar o

público enorme. O público olhou para ele também. Miguel ficou

parado, congelado de medo.


Hector se virou para Dante. “O que ele está fazendo? Por que não

está tocando?”

Miguel continuou parado em frente a um público inquieto, que

queria dançar.

“Tragam os cachorros cantores de volta!”, alguém gritou. Miguel

olhou para Hector e Hector repetiu a dancinha dos bastidores.

Miguel o imitou, respirou fundo e...

“HAAAAAAAAI-IAAAAAAAAI-IAAAAAAAI-IAAAAAAAI!”,

soltou aquele grito longo e gutural.

O público ficou impressionado. Segundos depois, responderam

com elogios e assovios. Alguns imitavam o grito, enquanto outros

aplaudiam. Miguel começou a tocar no violão a música “Un Poco

Loco”. Em seguida, deixou sua voz espalhar a letra para o público

vibrante. Quando terminou o primeiro verso, já tinha conquistado

todos.

De repente, Dante segurou Hector pela perna, tentando levá-lo

até Miguel, no palco. Primeiro, Hector o afastou, mas, por fim,

deixou que Dante o levasse até o palco. Sob os holofotes, Hector

caprichou na percussão usando seus pés para acompanhar o violão

de Miguel.

“Nada mal para um cara morto!”, Miguel disse para Hector.


“Você também não é ruim, gordito!”, Hector respondeu ao som

grandioso dos aplausos.

Mas sem que Miguel soubesse, atrás do palco de apresentações,

um caminho de pegadas brilhantes guiava Pepita e a família Rivera

na direção daquele espetáculo.

“Ele está aqui perto”, Mamá Amelia disse. “Encontre-o.” Os

membros da família se separaram, perguntando a todos que

passavam.

“Estamos procurando um garoto vivo, mais ou menos doze

anos”, tio Felipe e tio Óscar disseram juntos.

“Viram um garoto vivo?”, tia Rosita perguntou.

Embora o público batesse palmas no ritmo da música, a família

de Miguel não prestou atenção ao menino-esqueleto que se

apresentava no palco, ou no homem-esqueleto que estava ao lado

dele, cada vez mais criativo com seus movimentos de dança. A

cabeça de Hector sacudia e seus membros giravam para todos os

lados. Cada truque novo fazia o público rir de alegria.

Hector e Miguel concluíram a apresentação com um grito e o

público explodiu em aplausos. Miguel sorriu, aproveitando aquele

momento. Ele se sentiu como um verdadeiro músico.

“Ei, você foi ótimo!”, Hector elogiou. “Estou orgulhoso!”

O coração de Miguel se encheu de alegria. Estavam mesmo

batendo palmas para ele? Olhou para o público e viu sua família.

Papá Julio estava conversando com a mestre de cerimônias do outro

lado do palco!

“Otra! Otra! Otra!, o público pedia bis.

Em pânico, Miguel puxou Hector para longe de Papá Julio e da

mestre de cerimônias. Hector protestou irritado porque Miguel não

queria cantar mais uma música. “Ei, aonde vai?”

“Temos que sair daqui”, Miguel disse sem fôlego.

“O quê? Está maluco?! Estamos prestes a vencer essa coisa!”

“Damas y caballeros, tenho um anúncio de emergência”, a mestre

de cerimônias disse no palco. O público se aquietou. “Por favor,

estejam atentos a um garoto vivo, que se chama Miguel. Mais cedo,


ele fugiu de sua família. Eles só querem mandá-lo de volta para o

Mundo dos Vivos.” Rumores de preocupação se espalharam entre a

multidão. “Se alguém tiver alguma informação, por favor, entre em

contato com as autoridades”, completou a mestre de cerimônias.

Hector arregalou os olhos. “Espere, espere, espere!” Olhou com

calma para Miguel. “Disse que Ernesto de la Cruz era seu ÚNICO

familiar. A ÚNICA pessoa que poderia mandá-lo para casa.”

“Tenho outros familiares, mas...”, Miguel começou a explicar.

“Já poderia ter levado minha foto para o Mundo dos Vivos esse

tempo todo?”

“Mas eles odeiam música. Preciso da bênção de um músico!”

“Mentiu para mim!”, Hector disse.

“Ah, olha só quem fala!”

“Olhe para mim. Estou sendo esquecido, Miguel. Não sei nem se

vou conseguir durar essa noite toda!”, Hector desabafou. “Não vou

perder minha única chance de cruzar aquela ponte só porque você

quer viver uma fantasia musical idiota!”

“Não é idiota”, Miguel reclamou.

Hector agarrou o braço de Miguel e o puxou para o palco: “Vou

levá-lo para a sua família.”

“Solte o meu braço!”, Miguel protestou, se debatendo.

“Vai me agradecer mais tarde...”

Miguel conseguiu livrar seu braço. “Você não quer me ajudar... só

se importa com você mesmo! Pode ficar com sua foto boba!” Tirou a

foto de Hector do bolso e jogou-a contra ele. Hector tentou pegá-la,

mas foi levada pelo vento para o meio da multidão.

“Não, não, não!”, Hector gritou. Era sua última chance de ser

lembrado.

“Fique longe de mim!”, Miguel gritou.

Enquanto Hector tentava encontrar sua foto, Miguel fugia.

Depois que conseguiu encontrar a foto, Hector procurou Miguel.

“Ei, rapacito! Para onde foi? Rapacito! Desculpe! Volte aqui!”


Dante foi atrás de Miguel, mas olhou para trás, viu Hector e

lamentou. Latiu para chamar a atenção de Miguel.

“Dante, cállate!”, Miguel reclamou, mas o cachorro insistiu.

Puxou Miguel pela calça, tentando impedi-lo de ir embora. “Não,

Dante! Pare! Ele não pode me ajudar!” Dante partiu para cima da

blusa de Miguel. O garoto tentou afastar o cachorro, mas perdeu sua

blusa, revelando os braços de uma pessoa viva. Dante aumentou

seus esforços. “Dante, não, pare! Pare! Deixe-me em paz! Você não é

um guia espiritual, é só um cachorro bobo! Agora saia daqui!”

Miguel puxou a blusa de Dante, que recuou.

A disputa entre o garoto e o cachorrinho chamou a atenção das

pessoas. Esqueletos assustados viram os braços de Miguel. Ele se

apressou em vestir a blusa de moletom, pois a multidão à sua volta

apontava e comentava.

“É ele! O garoto vivo!”

“Olhem! Ele está vivo!”

Miguel fugiu e pulou de uns andaimes. No horizonte, estava a

torre de Ernesto de la Cruz. Correu na direção da torre, mas Pepita

pousou na sua frente, impedindo o caminho! Miguel se esforçou

para parar a tempo. Gritou quando viu a onça alada. Pior ainda,

Mamá Amelia cavalgava a criatura.


“Essa loucura acaba agora, Miguel! Vou dar minha bênção e

mandá-lo para casa!”

“Não quero sua bênção!”, Miguel gritou e tentou fugir, mas

Pepita o segurou com suas garras e o ergueu no ar. “Ahhh! Solte!

Largue!” Miguel se contorceu, agarrando uma linha de bandeirinhas

coloridas penduradas sobre a multidão. Ele conseguiu se libertar das

garras da onça e caiu no chão. Quando se levantou, correu para um

beco estreito que tinha uma escada.

“Miguel! Pare! Pare!”, Mamá Amelia gritou com voz dura. Como

não conseguiria descer pela escada com Pepita, continuou a pé atrás

de Miguel. “Volte!” Miguel se espremeu por um portão de ferro.

Mamá Amelia ficou presa do outro lado: “Estou tentando salvar a

sua vida!”

“Você está arruinando a minha vida!”, Miguel gritou de volta.

“O quê?”, Mamá Amelia congelou.

“Música é a única coisa que me faz feliz. E você... você quer tirar

isso de mim!” Miguel começou a subir as escadas. “Nunca vai

entender.”

Uma nota poderosa, cristalina, ecoou pelas escadas. Mamá

Amelia começou a cantar! Sua voz era linda e assombrosa. Miguel

parou.

“Achei que odiasse música”, falou.

“Oh, amo música”, ela admitiu. “Eu me lembro daquela

sensação, quando meu marido tocava, eu cantava, e nada mais

importava.” Ela riu discretamente. “Mas quando tivemos Ines, de

repente, havia algo na minha vida que era mais importante do que

música. Eu queria criar raízes. Ele queria tocar para o mundo.” Fez

uma pausa, perdida em suas memórias. “Cada um de nós fez

sacrifícios para ter o que queria. Agora, VOCÊ precisa tomar uma

decisão.”

“Mas não quero tomar uma decisão. Não quero escolher lados.

Quero que você escolha o MEU lado”, Miguel disse com voz doce.

“É isso que a família deve fazer. Apoiar. Mas você nunca vai fazer

isso.” Ele secou o canto dos olhos com a palma das mãos e deu as
costas antes que Mamá Amelia pudesse responder. Então, subiu a

escada estreita na direção da torre de Ernesto de la Cruz.


Miguel chegou ao pé da montanha que levava até a torre de

Ernesto. Limusines, carros e carruagens estavam em fila, deixando

convidados muito bem vestidos. Um casal no início da fila mostrou

um convite para o segurança.

“Divirtam-se”, o segurança disse, apontando para um teleférico

lustroso que os levaria até a mansão de Ernesto, no topo da

montanha.

Miguel correu, desviando por entre os convidados, para chegar ao

começo da fila.

O segurança olhou para Miguel: “Convite?”

“Tudo bem. Sou tataraneto de Ernesto!” Fez uma pose dramática

imitando a pose mais famosa de Ernesto de la Cruz com seu violão.

O segurança jogou Miguel pelos ares, para fora da fila.

Miguel sacudiu a poeira e viu Los Chachalacos retirando seus

instrumentos de uma van. Eles devem ter vencido a competição!

Correu até a banda. “Disculpen, señores!”, Miguel começou.

“Ei, ei, amigos... é o ‘Un Poco Loco’!”, o líder da banda exclamou

e os outros integrantes se aproximaram, felizes em revê-lo.

“Você estava com tudo hoje à noite!”, disse um dos músicos.

“Vocês também!”, Miguel disse. “Ei, de músico para músico...

preciso de um favor.”
* * *

Alguns minutos mais tarde, o líder da banda entregou seu

convite para o segurança.

“Oh, os vencedores da competição! Parabéns, chicos!” Los

Chachalacos subiram no teleférico para a mansão. Um dos

integrantes carregava um saxofone excepcionalmente pesado.

Depois que o bondinho começou a subir, ele soprou o instrumento e

Miguel saiu lá de dentro voando.

Quando chegaram ao topo, as portas se abriram para revelar a

incrível mansão de Ernesto de la Cruz. Miguel e os mariachis

entraram na festa.

Miguel ficou impressionado quando viu a casa de Ernesto.

“Uau!”, exclamou.

“Ei, ei!”, o líder da banda disse para Miguel, “aproveite a festa,

pequeno músico!”

“Gracias!”, Miguel respondeu e correu para dentro da mansão

para encontrar uma grande comemoração.

“Olhe, é Ernesto!”, alguém gritou.

Miguel seguiu o som daquela voz e viu de relance seu ídolo

caminhando pela festa. “Ernesto”, disse baixinho. Abriu caminho

entre as pessoas e subiu uma escada. Miguel perdeu seu tataravô de

vista em meio a multidão por um segundo, mas não desistiu. “Señor

De la Cruz! Com licença, Señor De la Cruz! Señor De la...”

Miguel continuou usando os braços para abrir caminho entre as

pessoas até que, de repente, entrou em um salão gigantesco com

centenas de convidados. Nadadores sincronizados faziam uma

apresentação numa piscina de água azul brilhante enquanto um DJ

tocava um remix mariachi. Nas paredes, clipes dos filmes de Ernesto

eram reproduzidos constantemente. Miguel conhecia cada um de

cor.

Um dos clipes chamou sua atenção. Na cena, uma freira

conversava com Ernesto.

“Oh, mas, Padre, ele nunca vai ouvir...”

Ú
“Ele vai ouvir... a MÚSICA!”

O discurso ficcional de Ernesto deu coragem a Miguel. Sabia que

tinha que agarrar o momento. Precisa fazer Ernesto ouvi-lo e dar sua

bênção. Viu um pilar que ia até o final de uma grande escada e subiu

nele. Depois que estava sobre a multidão, respirou fundo e deu o

maior grito que conseguiu.

O grito ecoou pelo lugar, reverberando nas paredes. Todos os

convidados se viraram para olhar para Miguel e o DJ diminuiu a

música. Ao sentir que todos olhavam para ele, Miguel começou a

tocar seu violão e a cantar. Ao cantar, a surpresa da multidão fez

com que sua voz e violão fossem os únicos sons na festa. A multidão

se abriu, deixando-o passar para encontrar Ernesto de la Cruz.

Miguel colocou sua alma em cada nota e verso. Finalmente, iria

conhecer seu ídolo. Estava chegando cada vez mais perto, quando,

de repente... SPLASH!

Miguel caiu na piscina.


Ernesto de la Cruz arregaçou suas mangas e, como um verdadeiro

herói do cinema, pulou na piscina. Ele puxou Miguel, que tossia, até

a beira.

“Você está bem, niño?”, Ernesto perguntou.

Miguel olhou para cima, mortificado. A tinta do seu rosto

começou a escorrer e todos perceberam que ele estava vivo.

Os olhos de Ernesto se arregalaram. A multidão murmurou e

suspirou.

“É você!”, disse Ernesto. “Você é aquele menino, o menino que

veio do Mundo dos Vivos.”

“Vo... você me conhece?”, Miguel gaguejou.

“Todos só falam de você! Por que veio até aqui?”

“Eu me chamo Miguel. Sou seu tataraneto.”

A multidão murmurou ainda mais. Ernesto se afastou um pouco,

em choque: “Eu tenho um tataraneto?”

“Preciso da sua bênção. Para poder voltar para casa e ser um

músico, como você”, Miguel explicou. “O resto da nossa família,

eles não me escutam. Mas eu... eu tinha esperanças de que você me

escutaria.”

Houve uma longa pausa.


“Meu garoto, com um talento como o seu, como eu poderia não

escutar?” Ernesto de la Cruz abraçou Miguel e o colocou em seus

ombros, exibindo-o para o salão todo. “Tenho um tataraneto!”

A multidão vibrou e aplaudiu.

Enquanto isso, no pé da montanha, a silhueta de Frida Kahlo

aparecia diante de um segurança.

“Amor, olhe! É a Frida!”, alguém gritou.

“Sim, sou eu. Frida Kahlo”, disse o esqueleto. O segurança deu

imediatamente um passo para trás e mostrou o caminho para o

teleférico.

“É uma honra, señora!”, o guarda exclamou quando ela entrava no

bondinho. As portas se fecharam. A “artista” ajustou sua peruca.

“Eu sei”, disse Hector, subindo para a mansão de Ernesto.

Miguel, esquecendo-se do tempo, conversou muito com Ernesto

e seus convidados. Ficou feliz com a atenção recebida do lendário

cantor que interrompia várias conversas de convidados para

apresentar Miguel, com orgulho e entusiasmo. Os convidados de

divertiram vendo Dante aproveitar a festa também.

No salão principal da mansão, Miguel e Ernesto se sentaram em

um sofá confortável para assistir aos clipes do cantor. Miguel não

conseguia desviar o olhar quando aparecia alguma cena de seus

filmes preferidos. No filme, o malévolo personagem de Don Hidalgo

ergueu dois copos para seu amigo camponês, interpretado por

Ernesto.

Miguel ficou em pé e repetiu os movimentos da cena atrás dele.

“Moveria céu e terra por você, mi amigo. Salud!” Miguel disse, imitando o

vilão. Ernesto assistiu maravilhado. Na tela, Don Hidalgo e o

personagem de Ernesto tomaram suas bebidas. De repente, o

camponês cospe o líquido.

“Veneno!”, Ernesto grunhiu na tela ao mesmo tempo em que

Miguel o fez no salão. Miguel e seu tataravô assistiram a briga dos

dois personagens na sequência.

“Sabe, nunca tive dublês”, Ernesto contou para Miguel. Os olhos

do menino se arregalaram impressionados.


Mais tarde, Ernesto mostrou a Miguel a sala de oferendas, que

estava cheia de presentes dos vivos.

“Tudo isso veio dos meus incríveis fãs no Mundo dos Vivos! Eles

me deixam mais oferendas do que consigo absorver!”, contou

Ernesto.

Miguel olhou ao seu redor. Pilhas enormes de pães coloridos,

garrafas de tequila, flores, instrumentos e sombreiros.

Miguel pensou nas oferendas de sua família e na foto de Mamá

Ines quando era só um bebê. Ela cresceu conhecendo seu pai apenas

por uma foto rasgada no altar. Miguel se perguntou se isso

aconteceria com ele também se escolhesse a música e não seguisse

os planos de sua família. Sua foto acabaria rasgada também? Valeria

a pena? Ernesto se ajoelhou e olhou direto nos olhos de Miguel.

“Ei, tem alguma coisa errada? É muita coisa? Parece

sobrecarregado.”

“Não, tudo é maravilhoso”, disse Miguel.

“Mas...”, Ernesto indagou.

Miguel olhou de novo para as enormes pilhas de oferendas.

“É que... tenho visto você como um modelo a ser seguido durante

minha vida toda. Você é o cara que conseguiu vencer! Mas...”,

Miguel fez uma pausa, “alguma vez se arrependeu? De escolher a

música acima de todo o resto?”

Ernesto deu um suspiro: “Foi difícil dizer adeus para Santa

Cecilia. Sair pelo mundo sozinho...”

“Deixar sua família?”

“Sí. Mas não poderia ter feito de outra maneira”, Ernesto

admitiu. “Não podemos negar quem estamos destinados a ser. E

você, meu tataraneto, está destinado a ser um músico!”

Pela primeira vez em sua vida, Miguel sentiu que alguém

entendia o seu sonho.

“Você e eu, nós somos artistas, Miguel!”, disse Ernesto. “Não

podemos pertencer a uma família. O mundo é nossa família!” Ele

apontou dramaticamente para a cidade que brilhava para além do


topo da montanha. De repente, fogos de artifício explodiram e

iluminaram o céu noturno.


Quando os convidados saíram para admirar os fogos, o salão

principal se esvaziou e as luzes diminuíram. Ernesto e Miguel

desceram as escadas até o salão vazio.

“Logo, a festa vai se deslocar pela cidade para meu show Aurora

Espetacular”, Ernesto informou. “Miguel, deve vir ao show! Será

meu convidado de honra!”

Os olhos de Miguel se iluminaram. “Sério?”

“É claro, meu garoto!”

O peito de Miguel se encheu de alegria, depois murchou. O

menino ergueu sua camiseta e viu que suas costelas estavam

aparecendo. “Não posso. Preciso voltar para casa antes do

amanhecer”, disse, com pesar.

“Preciso mesmo mandá-lo para casa”, Ernesto concluiu. Pegou

uma pétala de calêndula de um vaso e a segurou na frente de

Miguel. “Foi uma honra. Sinto muito em vê-lo partir, Miguel. Espero

que morra logo...” Percebeu o que tinha dito. “Sabe o que quis dizer.

Miguel, eu dou minha bên...”

“Tínhamos um acordo, rapacito!”, gritou uma voz das sombras.

Miguel e Ernesto olharam para a escuridão, mas não viram

ninguém.
“Quem é você? O que isso quer dizer?”, Ernesto perguntou. Da

escuridão, saiu Hector, ainda vestido como Frida Kahlo.

“Oh, Frida!”, Ernesto exclamou. “Achei que não poderia vir.”

Hector arrancou a peruca e túnica colorida. “Disse que levaria

minha foto de volta. Prometeu, Miguel.” Hector se aproximou deles.

Miguel se escondeu nos braços de Ernesto.

Ernesto se levantou e colocou as mãos nos ombros de Miguel

para protegê-lo. Ele se inclinou para perguntar baixinho: “Conhece

esse, hmmm, homem?”

“Conheci essa noite. Ele me disse que conhecia você.”

Hector deu um passo para frente segurando sua foto, e Ernesto o

reconheceu imediatamente. “He-Hector?” gaguejou.

Hector o ignorou. “Por favor, Miguel. Coloque minha foto em

uma oferenda.”

Colocou a foto nas mãos de Miguel, mas Ernesto a pegou. Olhava

da foto para o esqueleto cinza que se desmanchava à sua frente.

Hector olhou para o lado, como se estivesse com vergonha de sua

aparência. Ernesto ficou parado, em estado de choque.

“Meu amigo, está... está sendo esquecido”, Ernesto concluiu.

“E de quem é a culpa por isso?”, Hector perdeu a paciência.

“Hector, por favor”, disse Ernesto.

“Eram minhas aquelas músicas e você as tomou de mim.

MINHAS MÚSICAS fizeram VOCÊ famoso.”

“O... o quê?”, Miguel perguntou.

“Se estou sendo esquecido, é porque VOCÊ nunca contou para

ninguém que eu as escrevi!”

“Isso é loucura!”, Miguel interrompeu. “Ernesto escreveu todas

as músicas dele.”

Hector olhou sério para o cantor: “Você vai contar para ele ou

devo contar eu mesmo?”

“Hector, nunca tive intenção de ficar com o crédito”, Ernesto

tentou se defender. “Nós éramos uma ótima dupla, mas você

morreu, e eu só cantei suas músicas porque queria manter uma

parte sua viva.”


“Oh, quanta generosidade”, Hector disse cheio de sarcasmo.

“Vocês tocavam juntos mesmo?”, Miguel questionou.

“Olhe, não quero brigar por causa disso. Só quero fazer o certo.

Miguel pode colocar minha foto em...”

“Hector”, Ernesto disse com suavidade.

“...e posso cruzar a ponte. Posso ver minha menina”, Hector

concluiu.

Ernesto olhou para a foto pensativo.

“Lembra-se do que me falou na noite em que parti?”, perguntou

Hector.

“Foi há muito tempo”, disse Ernesto.

“Nós bebemos juntos e você me disse que moveria céu e terra

pelo seu amigo. Bem, estou pedindo que faça isso agora.”

“Céu e terra?”, Miguel indagou. “Como no filme?”

“O quê?”, Hector questionou.

“É o brinde de Don Hidalgo, no filme El Camino a Casa.”

“Estou falando da minha vida REAL, Miguel”, Hector deixou

claro.

“Não, está lá, pode ver”, Miguel disse, apontando para a cena do

filme sendo projetada na parede repetidamente.

Don Hidalgo estava no meio de seu discurso para o camponês

Ernesto: “Nunca palavras mais verdadeiras foram proferidas. Isso pede um

brinde! A nossa amizade! Moveria céu e terra por você, mi amigo.”

“Mas no filme”, disse Miguel, “Don Hidalgo coloca veneno na

bebida.” Ele começou a juntar as peças.

“Salud!”, gritou Don Hidalgo no filme. Os dois homens beberam.

Depois, o personagem de Ernesto cuspiu a bebida. “Veneno!”,

gritou, e os dois homens começaram a lutar.

Hector olhou do filme para Ernesto, parado à sua frente. Sua

mente fervia. “Naquela noite, Ernesto. A noite em que fui

embora...”

Ele lembrava muito bem. Tinham estado em turnê, mas Hector

sentia falta demais de sua família. Então, juntou seu livro de canções

e seu violão.
“Quer desistir agora?”, Ernesto perguntou. “Quando estamos tão perto

de conquistar nosso sonho?”

“Esse era o seu sonho”, o jovem Hector disse. “Você vai dar um jeito.”

“Não posso fazer isso sem suas músicas, Hector”, Ernesto disse,

estendendo a mão para pegar o livro de canções na mala de Hector.

“Vou para casa, Ernesto”, Hector disse. “Pode me odiar se quiser, mas já

tomei minha decisão.”

Ernesto já estava impaciente, mas se conteve e colocou um

sorriso agradável no rosto: “Oh, nunca poderia odiar você”, disse. “Se

precisa ir, então eu... eu vou me despedir com um brinde!” O cantor serviu

dois copos e entregou um para Hector. “A nossa amizade. Moveria céu e

terra por você, mi amigo. Salud!” Os dois beberam.

Ernesto tinha levado Hector até a estação de trem, mas quando

Hector tropeçou, Ernesto simplesmente pegou sua mala. Hector

pensou que a dor estomacal era por causa de alguma coisa que tinha

comido.

“Talvez, tenha sido aquele chorizo, meu amigo”, o jovem Ernesto disse.

“Ou alguma coisa que eu bebi”, Hector disse, voltando ao

presente. “Acordei morto.” Olhou fixamente para Ernesto: “Você...

me envenenou.”

“Está confundindo filmes com a realidade, Hector”, Ernesto

assegurou.

De repente, cenas da traição de Ernesto começaram a passar na

mente de Hector como um filme antigo. Hector se lembrou de que

enquanto esteve deitado no chão, passando mal, sua mala foi aberta.

Uma mão remexeu na mala e pegou seu livro de canções.

“Todo esse tempo, pensei que era só azar”, Hector disse. “Nunca

pensei que poderia ser... que você...” Ele cerrou os dentes e se

lançou para cima de Ernesto, jogando-o no chão.

“Hector!”, Miguel gritou.

“Como pôde fazer aquilo?”, Hector começou a gritar para

Ernesto.

“Segurança! Segurança!”, gritou Ernesto.


Miguel observava em choque os dois homens brigarem no chão.

Ele se esforçou para entender tudo o que Hector tinha dito sobre o

brinde, o livro de canções e acordar morto. Poderia ser verdade?

Ernesto poderia ter envenenado Hector?

“Você roubou tudo de mim!”, Hector gritava enquanto

seguranças corriam para segurá-lo. Ele tentou resistir, mas os

guardas o tiraram de cima de Ernesto. “Seu rato!”

“Deem um jeito nele. Não está bem”, Ernesto ordenou.

“Só queria voltar para casa!”, Hector gritou. Miguel sentiu um nó

na garganta ao ver os guardas arrastarem Hector para fora da sala.

“Não, não, NÃO!”

Miguel ficou sozinho com Ernesto. Sua mente estava a mil e não

conseguia decidir o que fazer agora.

“Peço desculpas. Onde estávamos?”

“Você ia me dar sua bênção”, Miguel disse, sem saber o que fazer

com tudo que tinha acabado de ouvir. Será que seu tataravô era

responsável pela morte de Hector?

“Sim. Hum, sí”, Ernesto disse. Pegou uma pétala de calêndula,

mas hesitou. “Miguel, minha reputação é muito importante para

mim. Não gostaria que você pensasse que...”

“Que você matou Hector para roubar suas canções?”, perguntou

Miguel, uma sensação ruim crescendo no seu estômago.

“Não acha isso, acha?”

“Eu... Não. Todos sabem que você é... é o mocinho”, respondeu

Miguel, mas a dúvida tinha se instalado em sua cabeça e podia ser

sentida em sua voz.

Ernesto colocou, de forma abrupta, a foto de Hector no bolso de

seu terno.

“Papá Ernesto? Minha bênção?”, Miguel pediu.

Ernesto amassou a pétala de calêndula. “Segurança!”, gritou.

Seus guardas apareceram na porta. “Cuidem de Miguel. Ele vai ficar

mais tempo que o planejado.” Os guardas agarram Miguel pelos

ombros.
O rosto de Miguel se incendiou de raiva. “O quê? Sou sua

família!”, gritou. Não conseguia acreditar no que estava

acontecendo.

“E Hector era meu melhor amigo”, Ernesto disse friamente.

Miguel ficou pálido. “Você o matou sim.”

“Sucesso não vem de graça, Miguel. Precisa estar disposto a fazer

o que for preciso... para agarrar o seu momento. Sei que me

entende.”
“Deixem-me em paz!”, Miguel protestava enquanto os guardas o

arrastavam para os fundos da mansão de Ernesto. Eles o jogaram em

um grande cenote, ou seja, num grande buraco no chão.

“Não!”, Miguel se debatia enquanto caía, por fim, atingindo a

água no fundo do cenote. Ele lutou com a água escura e profunda,

até conseguir chegar à superfície. Surgiu de supetão e conseguiu ver

uma ilha de pedras. “Socorro!” Ele nadou até a ilha. “Alguém pode

me ouvir? Quero ir para casa!” Alcançou a ilha de pedra e desmaiou

de cansaço.

A blusa de moletom ensopada de Miguel escorregou e deixou ver

que sua transição para esqueleto estava quase completa. Olhou para

o céu. Tinha que sair dali. Tinha que voltar para casa, mas como?

Estava sozinho. Deixou sua cabeça cair sem esperanças. De repente,

ouviu passos. Hector surgiu da escuridão e caminhou na direção de

Miguel, que estava deitado na beira d’água.

“Hector!”, Miguel gritou.

“Garoto!”, Hector também gritou.

“Oh, Hector!” Correram um ao encontro do outro. Hector

abraçou Miguel. Morrendo de vergonha, Miguel baixou a cabeça.

“Estava certo. Deveria ter voltado para a minha família...”, disse.


“Ei, ei, ei”, Hector dizia enquanto fazia carinho na cabeça do

menino.

“Eles me falaram para não ser como Ernesto, mas não dei

ouvidos.”

“Está tudo bem”, Hector o acalmou.

“Disse para eles que não me importava se se lembrariam de mim.

Que não me importava com uma oferenda idiota.” Miguel soluçava

encostado no peito de Hector, que o segurava apertado.

“Ei, rapacito, está tudo bem. Está tudo bem.”

Miguel respirou fundo: “Eu disse que não me importava...”

De repente, uma luz dourada brilhou nos ossos de Hector. “Hã!”,

exclamou e caiu de joelhos.

“Hector!”, Miguel gritou, assustado com o que estava

acontecendo ao seu amigo.

“Ela... está me esquecendo”, Hector disse. Miguel assistia a tudo

desesperado.

“Quem?”

“Minha filha.”

“Era por causa dela que queria cruzar a ponte?”

“Só queria vê-la de novo”, Hector disse com delicadeza. “Nunca

deveria ter saído de Santa Cecilia. Ernesto me convenceu de que

‘meu grande momento’ estava me esperando longe de casa, mas...”

ele tentou recuperar o fôlego: “Queria poder me desculpar. Dizer a

ela que seu papá estava tentando voltar para casa. Que eu a amava

muito.” Hector olhou para o céu: “Minha Ines...”

Um arrepio percorreu Miguel.

“Ines?!”, Miguel colocou a mão no bolso e olhou para a foto de

Mamá Amelia, o bebê Ines e um músico sem rosto. Miguel mostrou

a foto para Hector.

Os olhos de Hector nem se moviam enquanto encarava rostos

familiares de um passado tão distante. “Onde... onde conseguiu

isso?”, perguntou.

“Essa é a minha Mamá Ines. Essa é a minha mamá Amelia. Esse

é...”, Miguel apontou para o músico sem cabeça: “Você?”


“Somos... família?”, Hector disse finalmente, sorrindo para o seu

tataraneto. Miguel sorriu de volta para seu Papá Hector. Família.

Aquilo estava correto.

Hector olhou de novo para a foto e seu sorriso se desmanchou.

Tocou a imagem de Ines ainda bebê. “Sempre tive esperanças de vê-

la novamente, de que ela sentiria minha falta. Talvez colocasse

minha foto em uma oferenda. Mas nunca aconteceu”, Hector

desabafou. Sua voz virou um sussurro: “Sabe qual é a pior parte?”

Miguel balançou negativamente a cabeça.

“Mesmo que nunca mais tenha a chance de ver Ines no Mundo

dos Vivos, pensei que, pelo menos, a veria aqui. Daria um grande

abraço apertado. Mas Ines é a última pessoa que se lembra de mim.

No momento em que ela não estiver mais no Mundo dos Vivos...”

“Você vai desaparecer deste aqui. Nunca vai conseguir vê-la.”

“Nunca mais”, Hector concluiu. Ele ficou sentado, quieto, por

um momento. “Sabe escrevi uma música para ela, uma vez.

Costumávamos cantar todas as noites, no mesmo horário. Não

importava o quanto estávamos distantes. Daria qualquer coisa para

poder cantar para ela uma última vez.” Hector cantou sua versão

original de “Lembre de Mim” com uma voz suave. Era muito

diferente da versão de Ernesto. Miguel achou essa versão linda.

Quando a última nota se dissipou, Miguel disse: “Ele roubou o

seu violão. Roubou suas músicas. VOCÊ deveria ser lembrado pelo

mundo, não ele!”

“Não escrevi ‘Lembre de Mim’ para o mundo. Escrevi para Ines”,

ele disse. “Não sou bom o bastante para ser seu tataravô.”

“Está brincando? Há pouco, achei que eu era parente de um

assassino. Você é uma evolução e tanto.”

Hector não conseguiu formar um sorriso.

“Minha vida inteira, alguma coisa sempre me fez ser diferente... e

nunca soube de onde aquilo vinha”, Miguel ponderou. “Mas agora

eu sei. Veio de VOCÊ!” Abriu um sorriso largo para Hector. “Estou

orgulhoso de que seja da minha família!” Miguel olhou para cima,

para o buraco pelo qual tinha sido lançado. “Estou orgulhoso de ser
sua família! TRRRRRRRRAI-HAI-HAI-HAI-HAAAI!”, soltou em

um grito.

Hector se preparou e seguiu o grito de Miguel.

“TRRRRRRRRAAAAI-HAAAAI-HAAAAAAI! Estou orgulhoso de

ser SUA família!” Eles continuaram com os gritos até que o cenote

começou a ecoar o som. No entanto, logo o eco diminuiu. Eles ainda

estavam presos.

Então, alguma coisa ecoou de volta.

“Roooul-rooooul-roooooooul!”

Miguel e Hector olharam para cima, contentes.

“Dante!”, Migue chamou.

“Roooul-rooooul-rooooul-rooooul!”, Dante continuava uivando, e

colocou sua cabeça no buraco sobre os dois.

“Dante!”, Miguel gritou e riu. “É o Dante!”

Dante arfava e balançava o rabo com alegria. Atrás dele, estavam

mais duas criaturas espiando pelo buraco. Eram Mamá Amelia e

Pepita. Pepita soltou um rugido que estremeceu a caverna toda.

Miguel e Mamá Amelia riram contentes.

“Amelia!”, Hector gritou para ela com um sorriso charmoso.

O alívio de Mamá Amelia se tornou frieza: “Hector.”

“Você parece bem...”, Hector a elogiou com um sorriso.


Pepita saiu do cenote voando e ascendeu na direção das nuvens,

carregando Mamá Amelia, Hector, Miguel e Dante nas suas costas.

Miguel abraçava Dante com força.

“Dante, você SABIA que ele era meu Papá Hector esse tempo

todo! Estava tentando nos unir! Você é um verdadeiro guia

espiritual!”, Miguel o elogiou. “Quem é um bom guia espiritual?

Você!” Dante sorriu com cara de bobo para Miguel. De repente,

diante dos olhos de Miguel, luzes néon se espalhavam a partir das

patas de Dante. “Uau!” Miguel ficou impressionado quando asas

nasceram nas costas do cachorro.

Dante abriu suas novas asas e deu um salto para seu primeiro

voo. E sumiu entre as nuvens!

“Dante!”, Miguel chamou e, logo, Dante estava de volta, batendo

as suas asas alegre e latindo muito. Ele tinha desenvolvido seu

potencial de guia espiritual por completo.

Pepita voou até uma pracinha onde outros membros mortos da

família Rivera aguardavam.

“Olhem, estão aqui!”, Papá Julio exclamou, apontando para o

grupo ao aterrissarem. A família toda correu na direção de Miguel,

superfeliz.

“Ele está OK! Oh, ainda bem!”


Hector desceu das costas de Pepita e estendeu a mão para ajudar

Amelia a descer. Ela o olhou fixamente e dispensou a ajuda dele.

Miguel fez carinho em Dante. Pepita deu uma grande lambida em

Miguel.

Mamá Amelia puxou Miguel para lhe dar um abraço apertado.

“M’ijo, fiquei preocupada! Ainda bem que o encontramos a tempo!”

Seus olhos encontraram Hector, que segurava seu chapéu

timidamente. “E VOCÊ! Quantas vezes devo mandá-lo embora?”

“Amelia”, Hector disse com voz suave.

“Não quero nada de você. Nem em vida, nem na morte.” Ela o

encarou. “Passei décadas protegendo minha família de seus erros. O

garoto passa cinco minutos com você e tenho que pescá-los de

dentro de um buraco no chão!”

Miguel deu um passo à frente e ficou entre Mamá Amelia e

Hector. “Não estava lá por causa do Hector. Ele que estava lá por

minha causa”, explicou. “Hector só estava tentando me ajudar a

voltar para casa. Não queria ouvir, mas ele estava certo. Nada é mais

importante do que a família.”

Mamá Amelia ergueu as sobrancelhas e olhou para Hector.

“Estou pronto para aceitar sua bênção. E suas condições. Mas

primeiro preciso encontrar Ernesto. Para pegar a foto de Hector”,

disse Miguel.

“O quê?!”, Mamá Amelia exclamou.

“Para que ele possa ver Ines de novo. Hector deveria estar na

nossa oferenda. Ele é parte da nossa família.”

“Ele abandonou a nossa família!”, Mamá Amelia se irritou.

“Ele tentou voltar para casa para você e Ines, mas Ernesto o

matou!”

Ela olhou para Hector buscando confirmação.

“É verdade, Amelia”, Hector disse.

Muitas emoções percorreram o rosto de Amelia. “E daí se isso é

verdade? Você me deixou sozinha com uma criança para criar e devo

simplesmente perdoá-lo?”

“Amelia, eu...”
O corpo de Hector brilhou com uma luz trêmula, deixando-o sem

fôlego. Amelia se assustou.

“Tenho pouco tempo, Amelia”, Hector implorou, “é a Ines”.

Mamá Amelia o encarou, tentando entender o que estava

acontecendo. “Ela está esquecendo você.”

“Não precisa perdoá-lo, mas não deveríamos esquecê-lo”, Miguel

disse.

“Oh, Hector, eu queria esquecê-lo. Queria que Ines o esquecesse

também, mas...”

“A culpa é minha, não sua”, Hector reconheceu. “Desculpe,

Amelia.”

Mamá Amelia, segurando seus sentimentos, se virou para

Miguel: “Se ajudarmos você a pegar essa foto, vai voltar para casa?

Nada mais de música?”

“A família vem primeiro”, Miguel reconheceu.

Mamá Amelia pensou sobre a situação. Ela se virou para Hector:

“Eu... eu não posso perdoá-lo, mas vou ajudá-lo.”

Miguel sorriu.

“Então, como encontramos Ernesto?”, Mamá Amelia perguntou.

“Talvez eu saiba um jeito”, Miguel respondeu.


Centenas de pessoas estavam reunidas para assistir ao show Aurora

Espetacular de Ernesto. No palco enorme e independente, a

apresentação dramática de Frida cresceu ao som da música sinfônica

e com um mamão que pegava fogo. As sementes do mamão se

desdobravam para virar dançarinos vestidos como Frida Kahlo, com

grossas monocelhas pintadas no rosto. Os clones de Frida giravam

seus corpos a esmo enquanto saíam do mamão em chamas. Ao lado,

um cacto gigante, que se parecia com Frida, estava iluminado. Todos

os dançarinos se aproximaram dele. No meio de tudo isso, nove

membros da família Rivera, vestidos como clones de Frida, saíam de

fininho do centro para os cantos do palco.

“Boa sorte, muchacho!”, a verdadeira Frida disse para Miguel.

“Gracias, Frida!”, Miguel acenou, correndo para os bastidores com

o resto de sua família. Em seguida, tiraram rapidamente suas roupas

de Frida Kahlo, e Dante saiu debaixo da saia do tio Óscar. Mamá

Amelia teve dificuldade para se livrar de sua túnica.

“Aqui, deixe-me ajudá-la com...”, Hector ofereceu.

“Não toque em mim”, ela disse na mesma hora.

A família se amontoou. “Todos entenderam o plano?”, Miguel

perguntou.

“Encontrar a foto de Hector”, tia Victoria respondeu.


“Entregá-la para Miguel”, Papá Julio acrescentou.

“Mandar Miguel para casa”, Mamá Amelia concluiu.

“Pegaram suas pétalas?”, perguntou Hector.

Todos os membros da família mostraram sua pétala de calêndula.

Amelia abriu caminho pelo corredor dos bastidores. “Agora, só

temos que achar Ernesto...”, ela disse, virando uma esquina e, de

repente, viu-se cara a cara com o famoso bandido.

Ernesto se virou para Mamá Amelia, sorrindo: “Sim?”, ele disse.

“Ah!”, exclamou. A família parou onde estava, ainda fora do

campo de visão de Ernesto.

Seu sorriso empalideceu: “Eu não conheço você?”

Amelia tirou o sapato em um movimento rápido e o acertou na

cara de Ernesto. “Isso é por ter assassinado o amor da minha vida!”

Ernesto parecia confuso: “Quem é...?”

Hector apareceu atrás dela.

“Ela está falando de mim!” Hector se virou para Mamá Amelia:

“Sou o amor da sua vida?”

“Não sei! Ainda estou brava com você.”

Ernesto engoliu em seco. “Hector? Como você...”

Amelia o acertou com o sapato de novo: “E isso é por ter tentado

assassinar meu neto!”

“Neto?”, Ernesto resmungou confuso. Então, Miguel apareceu no

corredor, e Ernesto entendeu tudo: “Você! Espere... é parente do

Hector?”

Miguel viu a foto de Hector no bolso de Ernesto.

“A foto!”, Miguel gritou. O resto da família se aproximou do

cantor. Ernesto se virou e fugiu.

“Atrás dele!”, Mamá Amelia ordenou. Ernesto desapareceu

embaixo do palco, onde uma plataforma tinha sido montada para

erguê-lo em uma grande entrada.

Ernesto pediu ajuda: “Segurança! Ayúdame!”

A família Rivera se espalhou para procurá-lo. Hector correu ao

lado de Mamá Amelia: “Você disse que sou o amor da sua vida!”

“Não sei o que eu disse!”


“Foi o que ouvi”, Miguel contribuiu.

“Será que podemos nos concentrar no problema que temos nas

mãos?”, Mamá Amelia pediu. Os seguranças chegaram e a família

lutou. Papá Julio chutou um dos guardas.

Tio Felipe arrancou os braços do tio Óscar e os girou, derrubando

guardas como se fossem dominós. Tio Óscar pulou sobre o guarda

que tinha sobrado em pé. Ernesto escapou por uma porta. De

repente, um assistente de direção estava na sua frente.

“Vai subir ao palco em trinta segundos, señor”, disse o assistente.

Ernesto o empurrou para fora do seu caminho, mandando o rapaz

pelos ares. Enquanto mais guardas chegaram para deter a família

Rivera, Mamá Amelia alcançou Ernesto e tentou pegar a foto de

Hector. Miguel tentou derrubá-lo e a foto caiu. Mamá Amelia pegou

a foto.

“Miguel, consegui!”, ela gritou, tropeçando. Miguel tentou ajudá-

la, mas os guardas o perseguiram. De repente, Mamá Amelia foi

erguida no ar. Ela estava na plataforma de Ernesto!

Enquanto Mamá Amelia era elevada para o palco, Ernesto corria

pelas escadas.

A família de Miguel impediu que os guardas fossem atrás de

Mamá Amelia. Ela estava sozinha.


“Senhoras e senhores, o único, o soberano... Ernesto de la Cruz!”,

gritou a voz da introdução. O público explodiu em aplausos. A

plataforma parou no topo e o holofote mostrou Mamá Amelia.

Letras em néon com o nome ERNESTO brilhavam atrás dela.

Enquanto isso, Ernesto chegou pelo canto direito do palco. Ele

apontou para Mamá Amelia: “Tirem-na do palco!”, ordenou aos seus

seguranças e eles saíram correndo, escalando o cenário para pegá-la.

No canto esquerdo do palco, no lado oposto ao que Ernesto

estava, Miguel e sua família viram Mamá Amelia no alto. As luzes

do palco a iluminavam. Assistiram, sem poder fazer nada, enquanto

ela estava paralisada de medo em frente ao público e os guardas se

aproximavam.

Miguel tentou pensar em algo. Olhou para o público. Estavam

ficando impacientes. “Cante!”, gritou de repente para sua tataravó.

Se ela conseguisse cantar, talvez o público gostasse e os guardas

teriam que se afastar. Com sorte, isso permitiria a eles tempo

suficiente para garantir a fotografia.

“Cante!”, gritou de novo.

Ao ver os guardas chegando perto, Mamá Amelia fez um sinal

positivo com a cabeça para Miguel. Ela pegou o microfone, fechou

os olhos e começou a cantar.


Miguel deu a Hector um violão e colocou um microfone na sua

frente. Tia Rosita conectou os amplificadores e tia Victoria ligou a

mesa de som. Hector começou a tocar e seu talento foi amplificado

através dos alto-falantes.

No palco, os guardas pararam antes de entrar na parte iluminada.

Mamá Amelia cantou e desceu as escadas. As luzes seguiram seus

movimentos. Enquanto descia, olhava para Hector. Ele sorriu para

ela com doçura. Os olhos de Amelia brilhavam com lágrimas por

causa das memórias do tempo em que cantavam juntos. Então,

assumiu controle de suas emoções e cantou uma balada vibrante.

O público adorou, batendo palmas para acompanhá-la. Ernesto

resmungou. Logo, o maestro se juntou a ela com toda a orquestra.

Mamá Amelia dançou no palco, se distanciando dos guardas e se

aproximando de sua família. Um guarda tentou impedi-la, só que ela

o tirou para dançar. Com medo dos holofotes, ele fugiu. Estava

quase se juntando à sua família, quando, de repente, a mão de

alguém segurou seu pulso. Uma voz se juntou à dela em harmonia.

O holofote alargou sua luz para revelar Ernesto de la Cruz cantando

também. A multidão foi à loucura. Enquanto cantavam, ele dançava

com Mamá Amelia ao redor do palco, tentando pegar a foto de

Hector de volta.

“Não me toque!”, Mamá Amelia ameaçou entre versos. No final

da música, Amelia pisou no pé de Ernesto com seu salto alto, bem

na sua nota mais alta, e ele a soltou.

“Ai, ai, ai!” ele reclamou. A multidão aplaudia o grito dele

enquanto Mamá Amelia fugia com a foto. Ela correu para abraçar

Hector nos bastidores.

“Tinha me esquecido como era.” Mamá Amelia ficou vermelha e

se afastou dele, sem jeito.

“Você continua cantando muito bem”, Hector disse. Os dois

sorriram mais tranquilos.

“Ahã!”, Miguel fez um som com a garganta para chamar a

atenção.
“Oh!”, Mamá Amelia exclamou. Entregou a foto de Hector para

Miguel e pegou sua pétala.

“Miguel, dou minha bênção”, ela disse e a pétala começou a

brilhar, “para ir para casa, colocar nossas fotos na oferenda, e

nunca...”

Miguel pareceu triste com isso, antecipando a condição que viria.

“Nunca mais tocar música”, ele disse, baixando os olhos.

Mamá Amelia sorriu: “Nunca esquecer o quanto a sua família

ama você.”

A pétala brilhou mais forte. Miguel ficou feliz, emocionado com

as palavras de Mamá Amelia.

“Está indo para casa”, Hector disse.

“Você não vai a lugar nenhum!”, Ernesto de la Cruz disse.


Ernesto puxou Miguel pela blusa antes que a pétala pudesse levá-lo

para casa. Mamá Amelia tentou impedi-lo, mas Ernesto a jogou no

chão. Papá Julio e os tios chegaram, mas já era tarde demais. O

cenário era aberto, podia-se admirar a cidade... e uma queda d’água

altíssima. Ernesto ergueu Miguel sobre a água. O menino olhou para

baixo.

“Fiquem longe! Fiquem longe. Todos vocês!”, Ernesto ameaçou.

A família se aproximou mesmo assim. “Fiquem longe! Nem mais

um passo.”

Embora se sentisse debilitado, Hector implorou: “Ernesto, pare!

Deixe o menino em paz!” Ele caminhava com dificuldade, seu corpo

brilhou como antes, depois caiu no chão.

Ernesto sacudiu a cabeça, segurando Miguel sobre a queda

d’água: “Trabalhei muito duro, Hector. Duro demais para deixá-lo

destruir tudo.”

Atrás de Ernesto, tia Rosita comandava uma das câmeras e a

apontou para a ação. Na cabine de som, tia Victoria aumentou o

volume dos alto-falantes. Logo, a imagem de Ernesto segurando

Miguel como refém estava sendo projetada nas telas do estádio. O

público ficou chocado assistindo a cena dramática se desenrolar.


“Ele é um menino vivo, Ernesto!”, Hector gritou, tentando ser

razoável. Miguel tentou escapar do cantor.

“Ele é uma ameaça!”, Ernesto disse, ainda segurando Miguel pelo

capuz. “Acha mesmo que eu o deixaria voltar para o Mundo dos

Vivos com a sua foto? Para manter sua memória viva? Não!”

“Covarde!”, Miguel gritou, se debatendo para tentar se livrar de

Ernesto.

“Sou Ernesto de la Cruz. O maior músico de todos os tempos!”

“Hector é o VERDADEIRO músico. Você é só o cara que o

assassinou para roubar suas músicas!”

A multidão prendeu a respiração.

“Assassinato”, alguém falou.

“Sou eu que estou disposto a fazer o que for preciso para agarrar

o meu momento... o que for preciso!”, Ernesto rugiu. Ele balançou

Miguel na beira do palco. Miguel gritou, tentando se agarrar em

alguma coisa. Ernesto o soltou e o menino começou a cair.

“Não!”, Mamá Amelia gritou, correndo até a beira do palco.

O público estava assustado com o que aparecia nas telas.

Ernesto, sem saber que todos estavam assistindo a sua traição, se

afastou calmamente. Passou por Hector, que ainda estava no chão:

“Minhas desculpas, velho amigo, mas o show deve continuar.”

A família Rivera se aproximou. Ao cair, Miguel ouviu um

barulho. Como um raio, Dante cortou os ares. Ele pegou a camiseta

de Miguel com seus dentes e abriu bem suas asas. Os dois sofreram

um solavanco com o movimento brusco e a foto de Hector caiu das

mãos de Miguel.

“Ahhh... não!”, Miguel se lamentava enquanto perdia a foto de

vista. Miguel e Dante giraram no ar quando Dante tentava reverter a

queda desesperadamente, mas os dois juntos eram muito pesados.

Mesmo Dante segurando firme a camiseta de Miguel, o tecido

rasgou e Miguel caiu na direção da água. Ele achou que seria o fim,

mas no último segundo Pepita o segurou com suas garras.

Amparado, Miguel olhou para a água. A foto de Hector tinha

desaparecido.
Ernesto apareceu por detrás da cortina do palco. Ajeitou seu cabelo

e se apresentou para o público. As luzes se concentraram nele.

“Olá!”, Ernesto disse, cumprimentando todos. A multidão

respondeu com vaias pesadas. Ele recuou.

“Buuuu! Assassino!”, as pessoas gritavam.

“Por favor, por favor, mi familia”, disse Ernesto, tentando acalmá-

los, mas as ofensas e vaias cresceram.

“Saia do palco!”

“Orquestra! A música, um, dois, três...”, Ernesto gesticulou.

O maestro olhou para Ernesto e quebrou sua batuta. Em meio às

vaias, Ernesto tentou cantar “Lembre de Mim”, mas a multidão

começou a jogar frutas.

“Olhem!”, anunciou alguém em meio à multidão, e todos

apontaram para as telas. Pepita surgiu carregando Miguel nas suas

costas. Miguel escorregou por uma de suas asas e correu para sua

família.

“Ele está bem!”, as pessoas comemoravam.

Ernesto olhou para uma das telas e depois para o público, indo de

um para outro, até que viu Pepita ficar cada vez maior quando

passou pelas câmeras. Ernesto recuou devagar e Pepita surgiu por

entre as cortinas. Seus olhos brilhantes encontraram os dele.


“Gatinho bonitinho!”, Ernesto disse. Pepita o jogou pelos ares

como se fosse um novelo de lã. “Aaahhh! Coloque-me no chão! Não,

por favor! Estou implorando, pare! pare! NÃO!” Pepita continuou

girando Ernesto no ar, ganhando impulso, até soltá-lo na direção do

público. “Não!”, ele gritou, ao passar por cima deles e voar para fora

do estádio. Pouco depois, ele acertou o sino gigante de uma igreja, e

todos ouviram uma forte badalada.

De volta ao estádio, o público começou a comemorar. Mamá

Amelia correu para abraçar Miguel. “Miguel!”, ela disse. Hector se

esforçou para se levantar.

Miguel tentou ajudá-lo. “Hector! A foto, eu a perdi...”, e começou

a chorar.

“Tudo bem, m’ijo. Está...” De repente, seu corpo começou a piscar

com violência. Ele gemeu e desmaiou. Miguel se ajoelhou ao seu

lado.

“Hector! Hector!”

Hector olhou para cima, muito fraco: “Minha Ines...”

“Não! Ainda podemos encontrar aquela foto!”, Miguel gritou.

Mamá Amelia olhou para o horizonte, onde os primeiros raios de

sol despontavam: “Miguel, já está quase amanhecendo!”

“Não, não, não... não posso deixá-lo.”

Hector olhou para Miguel. A transformação em esqueleto tinha

começado a atingir seu rosto. Era quase um esqueleto completo

agora. “Não temos mais tempo, m’ijo.” Os ossos de Hector

continuaram brilhando.

“Não, não, ela não pode esquecer você!”, Miguel falou.

“Só queria que ela soubesse que eu a amava”, Hector pegou uma

pétala de calêndula.

“Hector...”, Miguel disse.

“Tem minha bênção, Miguel”, falou Hector.

“Sem condições”, acrescentou Mamá Amelia.

A pétala brilhou. Hector teve dificuldades para levantá-la até

Miguel. Mamá Amelia gentilmente segurou sua mão e o ajudou.

“Não, Papá Hector, por favor!”


Amelia e Hector juntaram as mãos na direção do peito de Miguel.

Os olhos de Hector começaram a se fechar: “Vá para casa”,

sussurrou.

“Prometo que não vou deixar Ines esquecê-lo!”, Miguel gritou

quando um redemoinho de calêndulas o envolveu.

Whoosh! Ele desapareceu.


Miguel estava de volta ao mausoléu de Ernesto. Atordoado, olhou

pela janela. O dia tinha amanhecido. O violão estava aos seus pés.

Miguel o pegou, saiu do mausoléu e correu para fora do cemitério.

Ele se apressou pela praça, passou pela estátua de Ernesto de la

Cruz e tomou a direção de sua casa. Passou correndo pelo tio Berto

e pelo primo Abel.

“Lá está ele!”, tio Berto disse. Surpreso, Abel caiu do banco.

Naquele momento, papá apareceu na esquina, mas Miguel passou

por ele correndo.

“Miguel! Pare!”

Miguel continuou correndo. Seguiu a trilha de calêndulas pelo

portão da frente. Foi direto para o quarto de Mamá Ines. Quando

chegou à porta, Abuelita parou na sua frente.

“Onde esteve?”, perguntou.

“Ah! Preciso falar com Mamá Ines, por favor!”

Ela percebeu que Miguel tinha um violão nas mãos: “O que está

fazendo com isso? Dê isso para mim!”

Miguel contornou Abuelita e fechou a porta.

“Miguel! Pare! Miguel!”

O garoto trancou a porta. Mamá Ines olhava para o vazio, seus

olhos completamente perdidos no horizonte.


Miguel a encarou: “Mamá Ines? Pode me ouvir? É Miguel. Eu vi

seu papá. Lembra-se dele? Papá? Por favor... se esquecê-lo, ele vai

desaparecer para sempre!”

Ela se sentou e olhava para Miguel em silêncio, enquanto o pai

dele batia à porta.

“Miguel, abra essa porta!”

Miguel insistiu. Tinha que fazer Mamá Ines lembrar. Mostrou o

violão para ela. “Aqui, esse era o violão dele, não era? Ele costumava

tocar para você? Viu só, é ele.” Mamá Ines olhava para Miguel como

se ele não estivesse ali. “Papá, lembra? Papá?”

“Miguel!”, papá gritou do outro lado da porta.

“Mamá Ines, por favor, não se esqueça dele”, Miguel implorou.

Em seguida, ouviu o barulho de um monte de chaves. A porta foi

aberta de golpe e a família toda entrou.

“O que está fazendo com a coitada?”, Abuelita gritou e empurrou

Miguel para fora do seu caminho. “Está tudo bem, mamita, tudo

bem.”

“O que aconteceu com você?”, papá perguntou para Miguel.

Miguel olhou para o chão, derrotado. Lágrimas escorriam pelo

seu rosto. A raiva de papá deu lugar a um sentimento de alívio. Ele

abraçou seu filho: “Pensei que tinha perdido você, Miguel...”

“Desculpe, papá.”

A mamá de Miguel se aproximou: “Estamos juntos agora. É isso

que importa”, disse.

“Nem todos”, Miguel falou baixinho, pensando em Hector.

“Está tudo bem, mamita.” “Miguel, peça desculpas para sua Mamá

Ines!”, abuelita exigiu. Miguel se aproximou de Mamá Ines.

“Mamá Ines...”, Miguel começou. Olhou para o violão de Hector.

“Então? Peça desculpas!

De repente, Miguel sabia o que fazer: “Mamá Ines, seu papá... ele

queria que você ficasse com isso.” Pegou o violão.

Abuelita ia intervir, mas o pai de Miguel a parou com um toque

suave no braço. “Mamá, espere”, disse, olhando para o filho.


Miguel começou a cantar “Lembre de Mim” do jeito que Hector

cantava. Ele se esforçou para fazer igual.

“Olhe”, a mãe de Miguel disse quando os olhos da velhinha

começaram a brilhar mais forte com cada nota. Suas bochechas de

mexeram. Seus lábios formaram um sorriso. Miguel notou a

mudança, também.

Abuelita ficou parada olhando impressionada.

Logo, Mamá Ines se juntou a Miguel, cantando a música do jeito

que seu pai costumava fazer. Lágrimas escorreram no rosto de

Abuelita. Mamá Ines olhou para a sua filha preocupada.

“Elena? O que aconteceu, m’ija?”

“Nada, mamá. Nada mesmo.”

Mamá Ines se virou para Miguel: “Papá cantava essa música”.

“Ele amava você, Mamá Ines. Seu papá a amava muito”, Miguel

repetiu.

Um sorriso se espalhou no rosto de Mamá Ines. Ele tinha

esperado muito tempo por aquelas palavras. Ela se virou para seu

criado mudo e abriu uma gaveta. Tirou de lá um caderno e puxou a

capa para revelar um pedacinho de papel. Ela o entregou para

Miguel.

Era o rosto que estava faltando na foto que Miguel tinha

encontrado na oferenda... o rosto de Hector! Miguel consertou a

foto. Mamá Ines sorriu.

“Papá era músico”, ela disse. “Quando era pequena, ele e mamá

cantavam músicas lindas...”

A família se reuniu ao redor de Mamá Ines. Estava na hora de

saber mais sobre Papá Hector.


Um ano depois, o cemitério se encheu novamente de famílias

limpando túmulos e colocando flores. No mausoléu de Ernesto de la

Cruz, não havia mais tantas oferendas ou fãs como nos anos

anteriores. Alguém tinha pichado ESQUECEMOS VOCÊ na placa

que identificava a sua estátua.

Um grupo de turistas passava pela cidade e parou na frente da

sapataria dos Rivera. “E bem aqui temos um dos maiores tesouros

de Santa Cecilia”, disse o guia. O grupo se aproximou para ouvir. É

o lar do querido compositor Hector Rivera. As cartas que Hector

escreveu para sua filha, Ines, continham os versos de todas as suas

músicas preferidas, não apenas “Lembre de Mim”. Os turistas

tiraram fotos do violão e das cartas emolduradas.

No pátio, os primos de Miguel, Rosa e Abel, penduravam papéis

coloridos enquanto os pais de Miguel faziam tamales. O avô de

Miguel varria o pátio e seus netinhos criavam um caminho de

pétalas de calêndula até a sala de oferendas.

“E esse homem é seu Papá Julio”, Miguel explicava, segurando

sua irmã de dez meses nos braços, enquanto Abuelita arrumava as

fotos nos altares. A bebezinha foi chamada de Socorro, em

homenagem ao nome completo de Mamá Ines. “E aqui está tia

Rosita e sua tia Victoria, e esses dois são Óscar e Felipe. Essas não
são apenas fotos antigas... são nossa família, e eles precisam que a

gente se lembre deles.”

Abuelita sorriu vendo o neto continuar a tradição do Día de los

Muertos com sua irmãzinha. Com cuidado, Abuelita colocou uma

última foto na oferenda. Era a foto de Mamá Ines. Abuelita e Miguel

se entreolharam com doçura, e ele a abraçou. Os dois sentiam muito

a falta de Mamá Ines. Ao lado, estava a foto de Mamá Amelia, Ines e

Hector, reconstituída e completa.

* * *

De volta ao Mundo dos Mortos, Hector esperava na fila de saídas.

Depois de tantos anos sendo rejeitado, estava nervoso.

“Aproveite sua visita! Próximo!”, chamou o agente de saída.

Hector se aproximou do monitor. O agente o reconheceu e deu um

sorriso irônico. Hector ria de nervoso enquanto o agente digitalizava

seu rosto.

Ding!

“Aproveite sua visita, Hector!”, o agente exclamou.

O peito de Hector se encheu de alegria. Sua família tinha

finalmente incluído sua foto em suas oferendas. Mamá Amelia se

juntou a ele no começo da ponte. Eles se beijaram até que uma voz

alegre os interrompeu.

“Papá!”

Hector se virou e viu sua filha caminhando na sua direção. Ele

abriu os braços e deu um grande abraço em Ines. “Ines!”, exclamou,

segurando-a firme. Sabia que cada momento juntos era um milagre.

Ines pegou a mão dos pais e juntos cruzaram a ponte.

Acima deles, Dante e Pepita voavam pelo céu do Mundo dos

Mortos. Eles pousaram no caminho de calêndulas e cruzaram para o

Mundo dos Vivos. A pele néon de Dante e suas asas desapareceram.

Ele voltou a ser um cão xolo. A sombra de Pepita como um felino

alado era imensa, mas quando pisou no Mundo dos Vivos, parecia
apenas um gato de rua. Dante e Pepita passaram por pessoas que

comemoravam o feriado e foram até o pátio dos Rivera. Abuelita viu

Dante e na mesma hora jogou um tamale para ele. Dante o devorou

em segundos.

No pátio, a família se reuniu ao redor de Miguel que tocava

violão e começava a cantar. Dante pulou para dar uma lambida no

seu rosto.

“Dante!”, Miguel gritou feliz. Todos riram.

Nessa noite especial do Día de los Muertos, os espíritos de Papá

Hector e Mamá Amelia estiveram de braços dados assistindo Miguel

tocar violão. Abuelita também o ouviu, com a mão de Mamá Ines no

seu ombro. O pai de Miguel segurava o bebê e a mãe de Miguel se

apoiava no marido. A família toda de Miguel, viva e morta,

balançava a cabeça no ritmo da música, enquanto outros cantavam

juntos ou tocavam seus próprios instrumentos. Embora os vivos não

pudessem ver os mortos, a família estava completa, unida pela

harmonia – e pelo significado – de uma música.


Toy Story 4 - HQ
Disney
9788555462146
56 páginas

Compre agora e leia

Quando Bonnie perde seu brinquedo novo, Garfinho, Woody se prepara para arriscar tudo
na tentativa de trazê-lo de volta. O caubói embarca em uma aventura audaciosa longe de
Buzz e dos outros brinquedos. No caminho, Woody encontra alguém inesquecível de seu
passado: Betty. Agora um brinquedo perdido, Betty ajuda Woody a realizar uma missão
importante e compreender que há mais de uma forma de estar presente na vida de uma
criança.

Compre agora e leia


Viva
Nitz, Jai
9788555461170
64 páginas

Compre agora e leia

Embora Miguel Rivera, um garoto de apenas 12 anos, sonhe em tocar violão para o
mundo, sua família de sapateiros, que baniu a música há muitas gerações, tem outra ideia
para o futuro do esperançoso músico. Numa noite, Miguel tenta provar seu talento para a
música, e isso o leva ao mundo dos mortos – uma metrópole colorida em que mora seu
ídolo musical, Ernesto de la Cruz. Com a ajuda de um solitário errante chamado Hector,
Miguel logo vai descobrir que o segredo de sua família é muito maior do que ele
imaginava...

Compre agora e leia


WiFi Ralph - O livro do filme
Disney
9788555461750
128 páginas

Compre agora e leia

Ralph, o mais famoso vilão dos videogames, e Vanellope, sua companheira atrapalhada,
iniciam mais uma arriscada aventura. Após a gloriosa vitória no Fliperama Litwak, a dupla
viaja para a world wide web, no universo expansivo e desconhecido da internet. Dessa vez,
a missão é achar uma peça reserva para salvar o videogame Corrida Doce, de Vanellope.
Para isso, eles contam com a ajuda dos "cidadãos da Internet" e de Yess, a alma por trás
do "Buzzztube", um famoso website que dita tendências.

Compre agora e leia


Os Incríveis 2
Disney Pixar
9788555461385
152 páginas

Compre agora e leia

Os Incríveis 2, da Disney/Pixar, traz de volta a família de heróis preferida de todos em uma


aventura empolgante, engraçada e emocionante. O Sr. e a Sra. Incrível, Violeta, Flecha, e
até mesmo o bebê Zezé, encontram um novo vilão que testa seus poderes — e sua família
— até o limite! Este livro reconta toda a história com muita ação e ainda traz oito páginas
coloridas sobre a animação.

Compre agora e leia


#Neagle
Trindade, Victor
9788555461071
64 páginas

Compre agora e leia

Livrão que conta a história da dupla de youtubers cujo canal conta com mais de quatro
milhões e meio de seguidores. O livro fala sobre como começaram na internet, a vida fora
do Brasil (eles vivem em Orlando), traz o perfil e curiosidades sobre eles e ainda ensina o
que é o estilo Neagle de ser.

Compre agora e leia

Você também pode gostar