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Opção lacaniana, 17, 1996 facebook.

com/lacanempdf

SOBRE O SINTOMA DA CRIANÇA


O SEMINÁRIOA RELA@O DE O B (195611957)
~ E "DUAS NmAS SOBRE A CíüANçA" (1969)

PHILIPPE
LACADÉE (Rennes)

Volto da ilha, da Keunião para a qual me convidaram capaz de interativar: único capaz de instalar a relação har-
psicanalistas muito próximos da Sociedade Psicanalítica de moniosa, inclusive de restabelecer a relação interativa per-
Paris, que faz pane da IPA, para falar da relação mãecrian- turbada. Quando Freud e Lacan falam de castração, eles
ça a partir da interação iiiãe-criança' d o sintoma da criança falam, por sua vez, mais de fmstraçào e de adaptação.
como a criança sintoma da màe. Veremos como, a partir dos anos 19561957, Lacan reti-
Mostrei-lhes que o ensino de J. Lacan não nos permitia fica este desvio da psicanálise dos pós-freudianos, nos apoi-
falar facilmente da criança sintoma da mãe, pois considera- ando sobre o Seminário A relação de o@eto,que é sua pn-
iiios um impasse a posição que os psicanalistas da IPA pri- meira referência essencial sol~reo sintoma da criança'. A
vilegiani. adeptos que são da relação de objeto, da relação segunda é aquela que dá em uma carta dirigida à Sra.Jenny
primária mãe-criança, d o narcisismo primário, e que consi- Aubry em 1969, na qual anuncia sua concepção d o sintoma
deram a relação mãe-criança como essencialmente dual, e da criança, nos oferecendo a possibilidade de uma referén-
que, após ter abandonado, mais ou menos, o narcisismo cia clínica precisa.
primário, póem o acento sobre a intenção: sobre a adapta- ,,Naconcepção elaborada por Jacques Lacan, o sintoma
ção do sujeito a seu meio, segundo diferentes modos de da criang se encontra no lugar de responder ao que liá de
aproximação tais como o cognitivismo, o coinportamenta- sintomático na estnitura familiar. O sintoma, aí está o fato
lisrno ou o positivismo. Para eles, a psicanálise é um remé- fundamental da experiência analítica, se define nesse con-
dio social para aquilo que é desvio no Outro, sendo, por- texto como representando a verdade. O sintoma pode re-
tanto, necessário ensinar ao Outro materno "um coinporta- presentar a verdade do casal familiar. É este o caso mais
mento elevado", uma capacidade materna de intenção com complexo, mas também o mais aberto 5s nossas intewen-
a onipotência da criançal pois, de acordo com eles, a oni- ções. A articulação se reduz em muito, quando o sintoma
potência está de seu lado, até mesmo do lado de seu capital que vem dominar diz respeito ã subjetividade da mãe. Aqui,
genético. Esta criança, para eles, não é um objeto parcial, é diretaniente como correlativo de um fantasma que a cri-
um objeto à pane, enquanto nós iremos ver como a crian- anga é envolvida-'.
ça, enquanto sujeito clividido, faz pane como elemento da Façamos um pequeno comentário do início desta caita,
estrutura d o Outro, mas também conio: enquanto ol>jeto, notando que a expressão sintoma da crianfa deixa entrever
ela é um elemento real, radicalmente à parte desse Outro, o dois sentidos: unia vertente do sintoma que a criança tem -
que, aliás, torna esse Outro frequentemente enigmático. o que viria singularizá-la de maneira particular. poderíamos
Para os psicanalistas da IPA, a criança é, na maioria das mesmo dizer estniturá-Ia de uma cerca forma - e um verten-
vezes, considerada como um ser eni vias de desenvolvi- te da criança como sintoma.
mento, em vias de satisfagão, frente a se desenvolver e se Se podemos falar da crian~asintoma, é necessário pre-
satisfazer, coiii seu objeto adequado e harnionioso, a mãe. cisar de quê ou de quem ela é o sintoma. A tese de iacan é
O acento é, mais frequentemente, colocatlo sobre a idéia clara, estabelecida no contexto da experiência analítica, ou
de um objeto Iiarmônico, a mãe: objeto ideal, como o único seja, uma experiência de palawa em um quadro preciso
onde se trata de avaliar as modalidades de resposta do su- O que faz enigma ou questão para a criança só encontra
jeito ("os porquês" do sujeito como dizJ. Lacan a propósito resposta no ao depois das trocas que estabelece, graças a
de Hdns). A tese é que a criança se oferece, ou oferece seu seus orifícios pulsionais, com o Outro, e desde então, e
sintoma em resposta ao que há de sintomático na estnitura apesar desta resposta que o sujeito se dá quando é con-
familiar. frontado ao Outro, por sua pulsão, àquilo que aí se desen-
São, portanto, duas coisas a examinar: o sintoma como rola, haverá para ele um efeito de significação s(A)
resposta e aquilo que há de sintomáticona estrutura familiar. É nesse ponto preciso que J. Lacan situará a crianca e o
O sintoma da criança como resposta se exprime na co- sintoma como resposta àquilo que há de sintomático nesse
erência do ensino de J. Lacan no que concerne à experiên- lugar do Outro.
cia analítica, ein particular na coerência do que ele estabe- Antes de examinar o que há de sintomático na estrutura
leceu em seu grafo do desejo, cuja cilula de Ilase repousa familiar, notemos que J. Lacan articulou tarnbSin a estrutura
sobre o eixo do desenrolar da cadeia significante que al- do ao depois freudiano entre o que faz questâo e o que faz
cança o lugar do OutroJ. resposta.
1. Lacan sublinha a imoonância da via de retorno que o Que o sintoiiia da criança seja u1n.a iesposta implica
levou, com o aporte da liguística e da lógica do significante, duas coisas: examinar, para todo sintoma' a posi~ãodo su-
a dar conta do i\iac/~traglich,ou seja, o ao depisfreudiano. jeito - o sujeito está em posição de resposta ou em posição
Freud, desde 1893, nota que o traumatismo como ele- de questão? E se perguntar qual é a questão em jogo atra-
mento constitutivo do sintoma histérico só toma seu senti- vés deste sintoma e onde ela se encontra para todo sujeito -
do após uma outra cena: para que um sintoma se constitua, é, para ele, uma questão fechada ou uma questão aberta?
.
é necessária uma cena 1, S., qualificada
- de traumática ou de l'ara Lacan, o sintoma da criança testemunha e respon-
sem sentido, e de uma outra cena 2, S,; o trauma só toma de por sua posição neurótica. É uma posi@o ética a susten-
seu sentido no ao depois, após o encontro desencadeante tar, que os psicanalistas da IPA não sustentam
da cena 2: e é na via do retorno do tempo 2 etn direção ao Em seu Seminário A relação de objeto, Lacan põe em
tempo 1que se destaca a ceiia 1, ern retorno, uiixi escnqão evidência que a clínica das neuroses da criança é uma clíi-
- urn sentido - enquanto que para o sujeito: nesse ao cle- ca das questões. Ele o precisa assim: "A neurose é um espé-
pois, se produz uni efeito de significação,ou seja, a consti- cie de questão fechada para o próprio sujeito, mas organi-
tuição de um sintoma. zada e estninirada como uma questão>.
Enquanto os pós-freudianos,privilegiando o teinpo his- A questão é viva, o sujeito não salx que ele está nessa
tórico, inscreveni o período de laténcia no sentido do de- questão, não sabe também a quê responde o sintoma que
senvolvimento. Lacan. apoiando-se na estnitura Iógica do ele teni ou que ele é.
significante, o inscreve em um tempo lógico e I]&,assiiii. Lacaii precisa que, sendo a questào do sujeito neurótico
em evidência que o ao depois freudiano, tenipo essencial absolutamentefechada, não há nenhuma razão para que ela
da constituiqão d o sintonia, é a própria estmtunda signifi- se entregue para aquele que se contenta em somente decfiá-
cação - processo do ao depois que não é ligado à história Ia. Assim?é necessário ainda que o analista aí ponha do seu:
do sujeito, mas à estrutura. Lacan atualiza, assini: até a neu- que ofereça seu lugar como sendo aquele onde deverá se
rose da criança como uma riiodalidade de resposta, por reabrir unia parte desta questão fechada para o sujeito.
meio de um sintoma: ao real em jogo para todo sujeito, isto Aí um analista pode ser esperado como quem, graps
desde a mais tenra infância. ao sauoirfaire, pode, como parceiro, permitir, ao sujeito,
O essencial do problenia do significante e da signifir~. retomar esta questão e reabri-la na forma de um "Que me
ção é que um significante sozinho, um S,, não significa que eleT5.
nada. ele só tem efeito de significaçãono ao depois, graças É necessário que o analista aceite se fazer integrar. ele
à articulação e à referência a lima outro significante S,. próprio, como elemento heterogêneo na questão, novo
Se tomamos a criança coino um significante,uma crian- enigma que permite aproveitar a abertura possível a sua
qa sozinha não significa nada. Ela só pode pÓr ein significa- intervenção, pois é assim que poderá levar a criança a fazer
são seu ser ou o que lhe acontece de real ein seu corpo, na sua neurose tranquilamente, que poderá d e ~ ~ i -para
l a fazer
relação que estabelecer corn o Outro, a niãe no caso. sua neurose tranquilamente6.
Que é esistir? alguma coisa da estrutura fainiliar. do casal familiar, que
I'ara o sujeito obsessivo, trata-se de saber se ele está não está lá, ou seja, uma representação que não p i e se dizer
vivo ou inono; para o sujeito histérico, se é menino ou oii se aiticular em termos de representa@o significante.
menina (questão cujo resumo é: o que é uma mulher ou o Há uma ausência, uma falta, um buraco na representa-
que quer a mulher?); para o pequeno Hans, saber o que ção significante, o que iacan chamará S(A) onde se situa o
fazer de seu pênis real, como legalizar o gozo fálico. Ques- que faz a verdade do casal familiar e ao qual responde o
tão sobre o desejo face a este gozo estranho que lhe faz sintoma da criança.
medo. É iinponante notar aqui que para Lacan a verdade do
Nesta clínica das questòes,J. Lacan nos ensina a exaini- casal familiar deve tambéni ser situada no lugar de resposta
mar as modalidades de resposta que aparecem pelo viés do sujeito.
dos sintomas e que incluem para todo sujeito uma resposta A verdade do casal não encontra sua garantia na relaqão
ao ní\:el do desejo: impossível para o obsessivo, insatisfeito do casal familiar, na realidade da relação pai-mãe, mas no
para a histérica, prevenido para o fóbico. modo de resposta que lhe traz o sujeito.
I'ara iacan, portanto, a criança, ou o sintoma da manca, A verdade não deve ser colocada em termos de realida-
vein como resposta àquilo que se desenvolve nesse lugar de, tentativa em impasse da interação mãe-criança, da cri-
do Outro. Outro que ele apreende, ein 1969,emsua cana à ança-sintoma ou da terapia familiar. mas é para ser situada
J. Aul~rypor 4-0 que há de sintoniático na estnitura familiarsí. em termos de resposta. A verdade só tira sua garantia da
Sua tese é a que persegue desde seu primeiro texto Os palavra, o que, além do mais, situa: para todo sujeito, todo
coniple.xosfanziliaref, de 1938. casal familiar ao modo de uina fic~ão.A prova disso é a
Para contestar a tese da criança entendida somente sol, elal~oraçãode seu romance familiar para todo sujeito neu-
o ângulo psicológico. como uin ser ein vias de desenvolvi- rótico''.
mento: Lacan vai entendê-la sol) o ângulo da estrutura, ou A verdade deve ser inscrita em lugar de uma resposta
seja, da resposta do sujeito ao que há de sintomático, na- frente a alguma coisa que não está lá, que não pode ser dita
quilo que chama, em 1938, "o complexo familiar". em termos de uma representação significante e é; face a
Nesse momento, Lacan diz que a sorte da criança de- esta representaçâo significante em falta, no lugar desse va-
pende, antes de mais nada! da relação que mostram entre si zio, que vão se articular o lugar e a questão do sujeito,
as imagosdo pai e da mãe; do sentido escondido de suas mesmo que seja ao preço de um sintoma.
relações, daquilo que ele chaina "o sentido neurótico das É aí que o sujeito vai colocar a questão da legitimidade
barreiras que as separam", o papel da sexualidade da mãe, de sua existência: que sou eu, onde estou, onde é meu
ou seja, os problemas da libido não sendo sem efeitos neu- lugar? Ele terá sempre uma dúvida sobre sua concepção,
róticos. sobre a sexualidade de setis pais, sobre a legitimidade de
I'ara o conceito de imago da mãe, Lacan aponta uma sua existência.
interpretaçào do sujeito daquilo que está aí do desejo da É a panir daí que elabora diferentes modalidades de
mie, a determinação da neurose tla criança sendo, estrita- resposta, seja como um sintoma, como teorias sexuais in-
mente, individual e contingente9. fantis ou como romance familiar.
Enl 1969, ele afirma que há alguma coisa da estrutura O sujeito não chega a encontrar o verdadeiro represen-
familiar que faz sintoma, ou nielhor, que cada estnitura fa- tante daquilo que não está L.Ele só pode se fazer repre-
miliar inclui um sintoma ou se estmtura ao modo de um sentar por um significante junto a um outro significante Ou
sintoma. por um sintoma.
O sintoma da criança vein responder ao que há de sin- Em sua carta a Jenny Aubr)., Lacan dá duas ilustrações:
toiiiático na estmtura familiar, mas vem, sobretudo, enquanto 1. O caso mais complexo, mas o mais aberto a nossas
representante podendo, através de sua resposta, represen- inten;enç6es1', que é o do neurótico.
tar a verdade do casal familiar. A intervenção analítica é própria a interpretação quan-
O sintoma vem, como representante. representar o que do o sintoma da criança está na posição sintomática da ver-
r i o está lá, ele é o representante representativo de uma dade do casal familiar, vendo aí como representando essa
ausência de representaçâo. Ele deverá se inscrever, face a verdade. É no Seminário A relaçüo de objeto?com a leitura
do caso d o pequeno Hans, que Lacan nos ensina a situar a diação e a função d o pai não tendo operado, não há subs-
verdade do casal familiar como a colocação, pelo sujeito, tituição metafórica e a criança é toiiiada no fantasma da
da metáfora paterna, ou seja, a substituigâo d o desejo enig- mãe de tal maneira que vem realizar a presença deste obje-
mático da mãe por um significante que é o Noiiie-do-Pai. A to a ein seu fantesnia.
partir de momento em que a criança se @e em posição de Lacan é, aí! muito preciso dizendo que, realizando este
resposta, de sintoina, ela não o faz ein posição ele sintoma objeto do fantasma, a criança vem sanirar -o modo de falta
da mãe, mas do desejo da mãe enquanto articulado do nome onde se especifica o desejo da inãe.".
do pai. A criança satura esse modo de falta dando-lhe corpo
A criança coni seu sintoma, dá uma significação a este x por um traço particular ou dando-lhe seu corpo, e, assim,
que é o desejo da mãe. Podenios interpretar isto como uma .,ela aliena em si toda possibilidade de acesso da mãe à sua
identificação com o sintoma da mãe enquanto este se arti- própria verdade-; sua verdade pode ser também aquela da
cula com a posição do pai. niãe. A criança, através de um traço ou de seu corpo, pode
Esta metáfora paterna tein a particularidade de pôr em se oferecer como objeto condensaclor do gozo da niàe, ela
jogo, para todo sujeito, uma significação fálica tendo como vein saturar a falta da mãe; ela condensa sobre seu ser a
consequência tima verdade do casal familia. que faz apare- verdade d o objeto da mãe. A criança tem, nesse caso, um
cer uma verdade fálica para aqiiilo que se articula, para o sintoma prevalente que advém iinicaniente da siilyetivitla-
sujeito, na confrontação enigmática com o desejo tlo Outro, de da mãe, no sentido em que ele vem re\;elar a verdade
com o desejo da niâe. elo objeto que concerne o fantasma da mãe (e não a verda-
A colocação ein jogo dessa significação fálica permite de do casal familiar). É aí que se denuncia a ausência da
. ao sujeito se introduzir na articulação do desejo d o Outrol inediação da função paterna. É o caso ela psicose, na qual
se pôr em perspectiva e calcular o valor fálico daquilo que não opera a mediacão da função do pai. A criança se torna
ele é ou vale para o Outro. É, então, que ele vai deduzir o objeto da mãe, no sentido eiii que sua função é de reve-
disso a legitiiiiiclade de sua existência, o valor do que ele é lar-lhe a verdade
para o Outro: a função que ele vein ocupar para a iiiãe em É, talvez, aí, que se teria mais tendência a falar da crian-
relação ao enigma d o objeto de seu desejo, questão total- ça sintoma da mie. Lacan nos indica que é uma posição em
inente legítima, mas dificilmente apreensível na "vidmscopu iiiipasse pois, nesse caso, a criança não e sintoma da mãe2
interativa. mas, muito mais, está na posição de ol~jetoque realiza o
O sintoma da criança é, nesse caso, o reflexo de uma objeto do fantasina da mãe; sintoma, portanto, não da mãe,
posição sintomática desta articulação d o desejo da mãe ao nias da falta de ol~jetoda mãe.
signlficante d o Noiiiedo-Pai, consequência tlesta substitui- Nessa carta de 1969, Lacan fala de uma concep$ão d o
ção metafórica. sintoina da criança que ele está elal~orandoe que ele situa
Mas, há algo de sintomático, alguma coisa que marca; a coino um modo de resposta a uina qiiestao que se coloca
criança busca se constituir; se inventar um Outro que teria para a criança; sobre a verdade d o casal familiar; sobre a
as palavras para dar conta d o desejo da mãe. O pai é um subjetividade da niãe, sobre a verdaele desse objeto da iiiãe.
dos nomes para dizer este desejo. Mesmo se acencua-lhe o Qual é esse objeto?
alcance, ele não iinpede que ele esteja, ele tarnbéin, em Isso implica tirn exame da qiiestão do desejo da mãe,
uma posição sintoiiiática para dizer este desejo. É por isso pois é a partir desta questão que se coloca ou não a verda-
que Lacan, mais tarde, falará do pai como um sintoma à de do casal.
medida em que porá em evidência que a questão d o falo I'ara ranto, é importante examinar e voltar ao que Iacan
iiiiaginário, tal qual ela se inscreve na metáfora paterna, elahora em 1956-1957 no Seminário A relação de ol?jeto,
não é suficiente para tratar a questão do gozo ein jogo no e durante o qual ele instala a mãe conio personageiii central
exame da sex~ialidadefeminina. do seminário e coino personagem central no niuel da rela-
2. O caso onde a articula~ãode nossa intewengâo en- ção de objeto para a criançal tendo eiii conta as consequên-
quanto analista é mais reduzida é aquele em que o sintoma cias clínicas da sexualidade feniiniiia para todo sujeito, na
que domina resulta da subjetiviclade da mie. A criança é: medida em que cada sujeito é fuho de uma mãe. EIteSEininá-
então, correlata do objeto do fantasina da mãe pois, ame- nopertnite e.uaminar.a questão preliminar a todo trataiiiento
pasível da criança! que é a do exame da sexualidade femini- Em 1956, desde que Lacan destaca a noção da criança
na. Encontramos, aí, o coiiieço da elaboração de J. Lacan so- substituta do falo, ele insiste para dizer que é mais ou me-
bre o desejo da mãe, sobre o sintoma da criança como modo nos satisfatório.
de resposia à verdade do casal familiar e uin exame preciso Para todo sujeito: a relação da mulher com sua falta, o
d o que ele cliama, em 1969, a subjetividade da mãe. que ele chama, em 1969, "a subjetividade da mãe", é funda-
Uma outra questão fundamental percorre este Seminá- mental''.
rio: que é a castração?Castração da qual Lacan dirá, em seu Ein 1956, Lacan fala da relação de um sujeito feminino
texto "De um sujeito enfim questionado", que ela é a chave com sua falta, que ele escrexFe,aqui, falta de objeto essenci-
de "este desvio radical do sujeito por onde se faz o advento al, o falo, ou seja, (-v).Jacques-Alain Miller propõe, então,
d o sintoma.. um materna: sf 0 - 9 .
I'ara almrdar a questão d o sintoma da criança, estudare- É a questão essencial do Seminário A relaçào de obje-
mos o que Lacan avança no SeminárioA relaçao de objelo, rol4.
referindo-se i castração feminina, ou seja, a mãe como su- A questão fundamental da psicanilise com manças, posta
jeito correlato da uma falta de objeto. em evidência no começo de sua elaboração sobre o sinto-
Neste SetninBt-io,Lacan se opòe aos teóricos da relação ma da criança é siniples: trata-se de saber como a criança se
de objeto, aos da interaçào, àqueles que estudam a relaçào inscreve nessa relação da mulher com sua falta de objeto
mãe-criança coiiio uma relação primária dual direta e sem essencial, o falo: Sc O Sm O -<plj.
hiância. I'ara Michel e Alice Balint, a inàe e a criança não Coino a questão infantil se articula com a questão femi-
formam senão "uma só totalidade de necessidades"; a mie nina? Eis o que faz da sexualidade feminina a qiiestão es-
só é objeto complementar da necessidade da criança, e ,como sencial da psicanálise com crianças.
tal! deve ser suficientemente boa, adequada e adaptada às Trata-se,em 1956, da mulher em sua relaçào coin o falo,
necessidades de seu filho. Trata-se, aí, de retificar relaçào do quer dizer. com o significante fálico, que fez dela um ser
sujeito criança com sua tiiâe?visando a melhor adaptago har- em falta de objeto, e não da mulher em sua relação com o
moniosa. A discordância é só acidental,é preciso retiid-Ia. gozo que faria dela uma falta-a-serI6.
A tese de Lacan não é essa, mas a de unia discordância de Entendemos que já se prefigiira uma relaçào entre a
estmtun entre a mãe e a criança, e a da falta de objeto enfim falta fálica e o suplemento de gozo que Lacan situará mais
em questão, a criança entrando como ol~jetona estrutura. tarde em sua tese dos anos 70. .Para este gozo para o qual
Para iacan, .só se pode colocar corretamente o enquadre ela não é toda, que a faz' em alguma parte, ausente dela
da relação de objeto que se estrutura sobre a relação niãe- mesma, enquanto sujeito, ela encontrará a tampa deste a
criança, a partir da noção fundamental da falta de objeto. que será seu filhoJ7.
Qual é a falta de objeto? Mas. há, em 1956, uma questào importante que é a de
A tese essencial que iacan reintroduz em 1956-1937 é ver, ein qual momento, o sujeito descobre esta falta e, como
que a relação de objeto é inipossível de compreender se ele vai se engajar em vir. ele-mesmo, aí se ~ubstituir'~. O
não se introduz, depois de Freud. entre a mãe e a criança, fato que, para a.mãe, a criança está longe de ser soiiiente a
um eleiiiento terceiro, o falo. Freud nos diz que a mulher niança, visto que é tainbém o falo, constinii uma discordância
tem, no montante de suas faltas de objeto essenciais, o falo, estmmnl, cuja questão essencial é de saber de qual manei-
e que isto tem uma ligação muito estreita com sua relaçào ra a criança é aí induzida ou introduzida". Ela só é, aí,
com a criança. E isto pela simples razão, precisa Iacan, de introduzida, ou, a esse lugar. acede, após uma época de
que ela vai encontrar, na criança, uma safisfação; ela vai siinbolização.
encontrar, na criança, alguma coisa que acalma, em si ines- A criança só tein acesso à privação do falo da mãe: e só
ina: mais ou menos bem, sua necessidade de falo, que sam- pode apreender a privasão, após ter simbolizado o real".
ra essa necessidade. A privação, diz Lacan, é o centro de referência, mas a
Reencontramos, em 1956, a mesma tese de "a criança criança só tem acesso a ela, depois de a fmstração tê-la
saturando a falta da mãe", de 1969,quando abordará, nova- introduzido na ordeiii simbólica.
mente, a questão da criança, a partir de sua posição de O que é central nesse Sen~inário,como também na re-
ol~jeto;a criança pode saturar a falta da mãe. lação da mãe com a criança, é a relaçào ao objeto, mas
enquanto objeto que falta. O ol~jeto,enquanto faltiinte, é o de dom. A niãe tornou-se real e o objeto simbólico. O ob-
resultado de unia operação, e, é por isso que Lacan desta- jeto se dividiu ein objeto de satisfaqâo enquanto satisfaz a
cará três modalidades diferentes da falta de objeto, que são necessidade, e objeto do dom, enquanto sinilmliza o oljeto
a castração, a privação e a fmstração. d o dom de amor que lhe faz sua mãe.
Para roinper com a idéia da harmonia naniral entre a Lacan faz surgir o amor entre a inãe e a criança; sua tese
mãe e a criança, Lacan propõe introduzir o novo, ao nível é a da onipotência da mãe. Ele introduz, aí, a privação e a
da relação primordial mãe-criança. Ele propõe tomá-la por niie, em função daquilo que ele cliaina o doin. O que con-
duas vias: a da criança - como a criança é introduzida na ta, agora, para a criança, é o objeto enquanto é dado ou
falta - e a da mulher. ou seja, sua falta de objeto essencial, o não, o ol~jetocomo portador d o dom simbólico do amor da
falo. Ele propõe que se entenda como isso se articula. màe. O dom é referido ao poder da inãe de não responder
Do lado da criança, Lacan parte da fmstração, que é o e está aí a verdadeira instalaçãodo simbólico para a criança
verdadeiro centro, quando se trata de situar a relação primi- que depende d o Outro.
tiva da criaiiça2'. A mãe existe como objeto siinbólico e coino objeto de
Há: de um lado, o objeto real, o seio, enquanto objeto amo?. É' somente, na crise da fmstraçâo que ela coriiega a
da satisfação da necessidade. Este objeto introduz uma pe- se realizar em função de lima c e m representação da criança.
riodicidade, na qual podem aparecer buracos, e é, a partir A inâe objeto de aiiior pode ser, em cacla instante, a
desta temporalidade, que o agente vai tomar seu lugaiS2,e mãe real na medida em que ela fmstra esse aiiior.
é a mãe que está ou não está lá; para responder à criança A questão essencial levantada por Lacan é a de enten-
que experimenta uma necessidade. der como a criança se inclui na relação coino objeto de
De outro lado, há o agente que é, aqui, a mãe enquanto amor da mãe2'. A criança aprenderá que ela traz o prazer
agente sinibólico, agente da coloca~ãoem ordem ou orde- para a mãe, aprenderá o valor daquilo que ela é, e lhe
nação simbólica". Isso permite a Lacan dizer que a mãe é deduzirá sua verdade. É uma das experiências fundaiiien-
outra coisa que um objeto primitivo. Ela não aparece como tais da crianga que ela saiba se sua presença comanda, por
tal desde o princípio. Ela intervém, primeiro, ao modo do pouco que seja, aquela que lhe é necessiria. Que ela saiba
par presenp-ausência, que é aiúnilaclo muitoprecocemente se ela mesiiia introduz "a instrução que faz com que esta
pela criança, e que conota a primeira constituição d o agen- presença esteja lá" e ;i envolva, se ela iiiesma traz iiina
te da fmstração que está na origem da mãe. Lacan escreve satisfação de amor. É onde einerge a verdade do casal fami-
a mãe S(M), símbolo da fnistração2'. liar enquanto ela aí se inclui. É ela quem comanda a pre-
Laczin é, aqui, muito preciso. dizendo que a mãe intro- sença de sua tiiãe ou é outro que decide por sua ausência?
duz o esboço da ordem simbólica, sol, o modo do par pre- Conio a criança vai apreender o que ela é para sua mãe? "O
sença-aiisência, que o sujeito articula no registro do apelo. ser ainado" é fundamental para ela.
Faz, assiiii, uma leitura c10 Fort-Da, e mostra que é, no
mesmo registro do apelo, por uma vocalizayão, que a niãe Lacan convida, então, a exaiiiinar o que se passa d o
é chamada qu:indo não está e rejeitada quando aparece. lado da mãe, ou seja, o que é a criança para ela, e: para
Para Lacan, o apelo (o chamado) não se dá sem a rejei- isso, ele se refere a Freud
çào; os dois são necessários à simbolização da mãe. SFreud nos diz que, no mundo d o obietos, há um, cuja
Ele se perguntri, sem seguida, o que se passa, se o agen- função é, paradoxalmente, decisiva: o falo,..Este objeto é
te simbólico, quer dizer, a mãe como tal: não responde definido como imaginário e, para unia mulher, a criança é o
mais2j e, diz quel nesse momento, ela decai. A partir do substituto imaginário do falo que lhe falta.
momento em que ela não responde mais, ou que ela só Lacan retonia a tese de Freud, ou seja, a crianga pode
responde de acordo com seu capricho, ela sai, diz iacan, da ser tomada como igualando o falo no inconsciente d o sujei-
estrutura siml~ólica,ela ser torna real, ela se torna uma po- to, segundo a equação: fezes = criança = pênisz8.
tência. A niãe nào está mais, então, no mesmo registro. Ela A criança é dada à mãe como substituto, equivalente do
cria, nesse moinento,.uma falta real. Há um buraco. Laczin falo. Freud nos fala desta nostalgia do falo originário na
diz que a iiiãe se torna real ao referir-se a falta de objeto. O menina. A mãe conserva o Penisjieide a criança o preen-
seio que era, até entãol objeto de satisfação, torna-se objeto che ou não: mas a questão fica c ~ l o c a d a ? ~ .
seria muito mais no sentido d o sintoma da relação da mãe ela, àquilo que falta essencialmente à mulher.
com seu parceiro, que é, antes de tudo, não sua criança,
nem seu homem, mas sim sua falta. A clínica do sintoma da criança' a clínica freudiana gira
Além disso, em "Inibição,sintoma e angústia", Freud diz em torno de um objeto que não existe: o pênis da
d o sintoma que ele "é o sinal e o substituto de uma satisfa- iacan reordenará toda sua clínica em relação com uni
ção pulsional que não teve lugarr. "não há", que ele chama, em 1956, "falta de objeto essenci-
Em "o sinal e o substituto" reencontramos a vertente al, o falo", objeto imaginário que se escreve (-v), para
siml~ólicada criança como substituto fálico e na "satisfação matematizar sua ausência real, sua consistência imaginária.
pulsional que não teve lugar", a vertente da criança que, Mais tarde, em 1969, é o que há de sintomático no casal
como objeto a, vem preencher o buraco real que excede a familiar, essa ausência de repre~enta@oque faz a verdade do
satisfação fálica. m a l familiar, e ao qual o sintoma da criança vem responder.
A criança quer ser o falo que falta à mãe, e Lacan se Depois, ele enunciatã seu famoso "não há relação senial':.
põe, então, três questões que não são sem consequência na Essa referência a esse objeto que não existe, Lacan não
direção do tratamento com a criança. cessou de situá-la na lógica do significante.
Em qual momento podemos ter como referência que a A referência é sempre vazia; o significante enquanto se
criança se sentiu despossuída de alguma coisa que exigiu articula a um outro significante comporta que a referência é
da mãe, quando percebeu que não era ela que era amada, vazia. É o que constitui a ordem simbólica.
mas sim uma cena imagem? Além disso, iacan o deduz da c h i a da criança, quando
Em qual momento a criança se apercebe que não é equi- estuda o sintoma fóbico de Hans, do qual faz uin metafísico,
valente à imagem do falo que falta à mãe - isso pelo qual por levar a questão lá onde ela está: ao ponto onde há algo
acreditou ser amada em si mesma, ainda que só fosse uma que falta, um vazio. Muito cedo, Hans situa aí sua questão
certa imagem fálica - e qual resposta trouxe, por sua conta, essencial, perguntando onde está a razâo dessa falta-a-ser.
a esta discordância entre a criança e a imagem fálica? d o vazio ao qual o confronta o nascimento de sua umã, seu
Iacan situa e acentua a djscordância entre a aiança e o falo. pênis real e o gozo. Lacan, em 1957, em seu Seminário 4,
Em que medida a niança se apercebe de que se ela não nos recomenda não esquecer jamais que o significante não
satisfaz completamente a substituigo imaginária,é porque, está aí para representar a significaçào, mas para completar
pela estmtura, esta Função substitutiva imaginária fracassa hiâncias de uma significaçio que não significa nada.
em substituir o real em jogo? É a base de toda nova hiância de onde se articula a
A criança realiza que não é amada em si mesma como questão d o sintoma da criança.
criança. e, para Lacan, o momento importante, decisivo, é O aparecimento d o sintoma fóbico de Hans vem ser
aquele em que se apercebe que há um mais além da crian- revelar a crkança, em relação à privação fundemental pela
ça, uin mais além do falo, para a mãe. A noção de que, à qual é inarcada a imageni da mãe. .Esta pri\~açãoé intolerá-
mãe, falta esse falo, que ela inesma~é-desejante.não so- vel visto que, no final das contas, é a ela que está suspenso
mente de outra coisa que a própria criança: mas desejante, o fato de que a criança aparece, ela mesnia, ameaçada pela
simplesmente, ou seja, atingida em sua potência, será, para privação suprema, quer dizer, de não poder. de forma algi-
o sujeito, mais decisivo do que tudozi. ma, preenchê-las.
A pairir desse reconhecimento, a criança tem de se aper- É a esta privação que o pai deve trazer algutna coisa,
ceber de que a mãe é justamente privada,que a ela própria indicará iacan.
falta esse objeto. É, em todo caso: a esta mãe insaciável que o pequeno
Reencontramos aí a privação da mãe como eixo de re- Hans é confrontado, ilustrando a insatisfação constitutiva
ferência essencial que Freud manteve até o fim no exame do sujeito mulher, que iacan chama a mãe insaciável.
da sexualidade feminina. A crianca só intenrém aí como Texto apreseniado em RennesACF, em novemhro de 1995.
Traduzido por Cássia Maria Rumenos Guardado.
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L
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