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SEMINÁRIO TEMÁTICO:
Trabalho e Sindicato na Sociedade Contemporânea
CAXAMBU,
OUTUBRO /2007
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Graça Druck•
1. Introdução
Desde as duas últimas décadas do séc. XX, uma nova conjuntura histórica se ergue
num quadro de crise do capitalismo. Trata-se de um momento marcado pela mundialização,
fundada na hegemonia da "lógica financeira", que ultrapassa o terreno estritamente
econômico do mercado e impregna todos os âmbitos da vida social, dando conteúdo a um
novo modo de trabalho e de vida. Trata-se de uma rapidez inédita do tempo social, que
parece não ultrapassar o presente contínuo, um tempo sustentado na volatilidade
efemeridade e descartabilidade, sem limites, de tudo o que se produz e, principalmente, dos
que produzem - os homens e mulheres que vivem do trabalho.
Neste contexto histórico, a flexibilização e a precarização do trabalho se
metamorfoseiam, assumindo novas dimensões e configurações. O curto prazo impõe
processos ágeis de produção e de trabalho, e para tal, é indispensável contar com
trabalhadores que se submetam a quaisquer condições para atender ao novo ritmo e às
rápidas mudanças. A mesma lógica que incentiva a permanente inovação no campo da
tecnologia, atinge a força de trabalho, de forma impiedosa, transformando rapidamente os
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Professora de Sociologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBa, pesquisadora do Centro
de Recursos Humanos – CRH/UFBa e pesquisadora do CNPq. E-mail. druckg@gmail.com. Agradeço o apoio
da CAPES, através da bolsa de pós-doutoramento concedida para o período mar/2006 a fev/2007.
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No caso dos estudos brasileiros, os trabalhos selecionados, a partir desse critério, estão relacionados no
Banco de Dados, construído pelo projeto Trabalho, flexibilização e precarização: (re)construindo conceitos à
luz de estudos empíricos, apoiado pelo CNPq, disponível no site: www.flexibilizacao.ufba.br.
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As teses da “especialização flexível” são retomadas naqueles estudos que tem por
objetivo analisar a flexibilização nas empresas, nos padrões de organização do trabalho, nas
relações inter-firmas, num contexto alternativo ao esgotamento do fordismo e do
taylorismo. Conforme Githay et al, 1997:
“O trabalho pioneiro que desenvolveu o conceito de especialização flexível (Piore
e Sabel, 1984) se refere a duas experiências de organização industrial, diferentes em sua
natureza, que provaram ser eficazes em adaptar as empresas a mercados instáveis e mais
segmentados, por meio de maior flexibilidade e menores custos: as cadeias produtivas
verticalmente integradas, comandadas por grandes empresas, presentes na indústria
automobilística japonesa, e os complexos de pequenas e médias empresas independentes,
geograficamente concentradas em certas regiões do norte da Itália” (Githay, 1997:41)
Segundo Harvey:
“Embora as raízes dessa transição sejam, evidentemente, profundas e
complicadas, sua consistência com uma transição do fordismo para a acumulação flexível
é razoavelmente clara, mesmo que a direção (se que é que há alguma) da causalidade não
o seja. Para começar, o movimento mais flexível do capital acentua o novo, o fugidio, o
efêmero, o fugaz e o contingente da vida moderna, em vez dos valores mais sólidos
implantados na vigência do fordismo. Na medida em que a ação coletiva se tornou, em
conseqüência disso, mais difícil – tendo essa dificuldade constituído, com efeito, a meta
central do impulso de incremento do controle do trabalho - , o individualismo exacerbado
se encaixa no quadro geral como condição necessária, embora não suficiente, da transição
do fordismo para a acumulação flexível.”(...) (Harvey, 1992:161)
As formulações de Harvey estão apoiadas nas principais teses dos autores da Escola
da Regulação Francesa2, que teorizaram sobre o fordismo, seja enquanto padrão de gestão
do trabalho e da produção, seja enquanto um novo modo de regulação do regime de
acumulação. No entanto, as principais contribuições de Harvey estão na compreensão do
processo de crise do fordismo e na sua teorização sobre a transição para o regime de
acumulação flexível.
O trabalho clássico de R. Castel (1995) tem sido referência nos estudos brasileiros
que buscam analisar os processos de flexibilização e precarização do trabalho no âmbito
mundial e também na aplicação de suas principais formulações às metamorfoses do
trabalho no Brasil.
Castel analisa a perda de inserção ou da “condição de assalariado” – a partir da crise
da “sociedade salarial” –, quando a precarização do emprego e do desemprego se insere na
dinâmica do processo de modernização em curso, onde a reestruturação industrial e nas
empresas têm como elemento fundamental a flexibilidade. As empresas adotam a
flexibilidade interna – polivalência, disponibilidade para atender as flutuações da demanda,
que exigem um operário rápido, ágil e flexível – e a flexibilidade externa – através da
subcontratação (ou terceirização). Para o autor, há um processo de “desestabilização dos
estáveis”, de “instalação na precariedade” e de constituição de um “déficit de lugares” na
estrutura social, homens e mulheres que ocupam uma posição de “supranumerário ou de
inúteis para o mundo”. A perda do emprego e/ou de uma inserção estável no emprego cria uma
condição de insegurança e de um modo de vida e de trabalho precários, nos plano objetivo e
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Constituída por um conjunto de autores, dentre os principais: Aglietta ,M, R. Boyer, C. Palloix, A.Lipietz,.
B. Coriat.
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subjetivo, fazendo desenvolver a ruptura dos laços e dos vínculos e assim tornando os trabalhadores
vulneráveis e numa condição social fragilizada, ou de “desfiliação” social.
Para Castel(1998):
O processo de precarização percorre algumas das áreas de emprego estabilizadas
há muito tempo. Novo crescimento dessa vulnerabilidade de massa que, como se viu, havia
sido lentamente afastada. Não há nada de “marginal” nessa dinâmica. Assim como o
pauperismo do século XIX estava inserido no coração da dinâmica da primeira
industrialização, também a precarização do trabalho é um processo central, comandado
pelas novas exigências tecnológico-econômicas da evolução do capitalismo moderno. (...)
(Castel, 1998:526)
Foi, portanto, a partir dos estudos empíricos selecionados que se pode identificar quatro
teses principais referidas nessas pesquisas: 1) as teses de R. Castel, sobre a metamorfose da
condição salarial e da nova questão social determinada pela precarização como processo
social e parte central da dinâmica do moderno capitalismo, já referida nos estudos
brasileiros; 2) as teses da psicodinâmica do trabalho, de C. Dejours,
atualizada/contextualizada em suas pesquisas no quadro de “guerra econômica” criada pela
“utopia liberal”, cujo discurso economicista que naturaliza o fenômeno do desemprego e da
injustiça social como processos inevitáveis, torna-se hegemônico, levando a uma
“banalização” das desigualdades e da precarização em suas mais diferentes formas; 3) a
tese sobre a “precarização social”, compreendida como dupla “institucionalização da
instabilidade” (econômica e social) que atinge o conjunto dos assalariados e que tem na
organização do trabalho e na saúde do trabalhador, o espaço privilegiado de visibilidade
deste processo defendido por A.Thébaud-Mony e B. Appay. e 4) as teses sobre o fim do
trabalho, defendidas fundamentalmente por A. Gorz, e que inspirou outros trabalhos, a
exemplo de D. Méda, que provocaram um interessante debate na França (e também no
Brasil).
O estudo de Robert Castel (1995), conforme já referido anteriormente, superou as
dualidades e dicotomias entre incluídos e excluídos, especialmente entre o trabalho e a
questão social, pois analisa a crise da sociedade salarial e as metamorfoses sociais, como
decorrência da perda da condição de assalariado, à medida que os desempregados de longa
duração, os temporários, intermitentes, estagiários, empregados por tempo determinado são
a “nova” e hegemônica condição dos que vivem do trabalho. Formam uma massa de
homens e mulheres não empregáveis, supérfluos ou aproveitados de forma precária, sem
regularidade, sem segurança, pois não têm garantias de continuidade e de futuro. É essa
condição o centro da “nova questão social”.
No caso da França, diferente do Brasil, a precarização do trabalho representa uma
mudança social radical, pois a “condição salarial” foi construída politicamente, fruto de
lutas e conquistas dos trabalhadores, desde as últimas décadas do séc. XIX até o pós II
Guerra Mundial. Uma condição que articulou trabalho, direitos e proteção social,
transformando o trabalho em objeto de discussão e intervenção pública, descaracterizando-
o como espaço privado das empresas e do capital. Assim, quando essa articulação é
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A expressão francesa para indicar as empresas contratantes. Numa tradução literal: empresas que dão
ordens.
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3.1 No Brasil
Nos estudos brasileiros publicados nos entre os anos 1990 e 2000, se encontrou duas
expressões para indicar os mesmos fenômenos, embora apresentando abordagens diferentes
no plano teórico-metodológico, são elas: flexibilização e flexibilidade. Ressalve-se que, em
alguns (poucos) casos, os autores utilizam esses termos como sinônimos.
De acordo com Ramalho:
"Flexibilização" e "flexibilidade" passaram a ser palavras-chave nos textos
explicativos (e no discurso empresarial) sobre os processos de "reestruturação produtiva",
relações de trabalho e mudanças no Estado. Considera-se nesta linha de pensamento a
adequação das formas mais flexíveis de organização da produção e dos processos de
trabalho para lidar com as novas tecnologias, a necessidade de mais flexibilidade em
relação aos salários, à mobilidade dos trabalhadores, às regras de recrutamento, às
regulações do mercado de trabalho, em conjunto com a flexibilidade na estrutura das
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empresas, nas relações entre firmas e na localização dos empreendimentos (Nielsen et alii,
1991:7; Harvey, 1992:141; Mingione, 1998).” (Ramalho, 2000:2)
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A flexibilização salarial é uma dimensão resultante da articulação entre a reestruturação produtiva
realizada nas empresas –, inspirada no toyotismo, em que a remuneração tem uma (maior) parte variável,
composta por bônus, prêmios, a participação nos lucros e resultados (PLR), e uma parte (cada vez menor)
fixa, sobre a qual incidem os direitos sociais e trabalhistas – e o fim da regulamentação do Estado na forma de
uma política salarial, a partir do Plano Real do Governo Fernando Henrique Cardoso, em 1994.
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Concepção que o leva a classificar oito tipos de flexibilidade, tendo como parâmetro
a variabilidade dos processos internos e externos à empresa, enquanto lócus central onde
opera o sistema produtivo: flexibilidade social extra-empresa; flexibilidade estratégica;
flexibilidade de volume; flexibilidade de gama (de parte, família, para mudanças na linha
de produtos); flexibilidade de mix; flexibilidade para operações sazonais; flexibilidade para
suportar mau funcionamento do sistema produtivo; flexibilidade para suportar erros de
previsão.
Para Nascimento et al (2002) a flexibilidade do trabalho é considerada como central
no contexto do processo de globalização, de reestruturação produtiva e de aplicação de um
projeto econômico neoliberal em paises como o Brasil nos anos 1990. No entanto
compreende que:
O conceito de flexibilidade está associado à conjunção de diversas variáveis, que
abrangem tanto o contexto político, econômico, geográfico e social no qual as firmas estão
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“[...] pode-se afirmar que os resultados destas práticas de gestão têm se constituído por
dois movimentos: por um lado, pela exclusão do mundo do trabalho, através das
demissões – do desemprego. E, por outro, pela exclusão no mundo do trabalho, com a
precarização nas relações formais de trabalho, com a deterioração das condições de
trabalho, onde os riscos, já típicos deste ambiente fabril, são agravados pela crescente
contratação de serviços de terceiros em atividades nucleares da indústria.” (Franco at
al, 1994:80)
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Em 1994, uma circular ministerial exigiu a substituição de “empregos precários” por “novas formas de
emprego”, numa clara tentativa de dar uma “invisibilidade conceitual” a um processo crescente de
precarização (Appay, 2005)
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sobre um processo que vai da precariedade à precarização, à medida que as mudanças nos
modelos organizacionais num quadro econômico internacional de acirrada concorrência,
estão pautadas num regime de "urgência produtiva", que tem implicado numa tríplice
flexibilidade: dos empregos (trabalho sazonal e temporário, subcontratação, desemprego
temporário, etc); dos tempos de trabalho (anarquia dos horários diários, semanais e anuais,
intensificação do trabalho) e da vida familiar (apoiados na divisão sexual do trabalho
clássica, em que as mulheres são responsáveis pela gestão da família, disponibilizando os
homens para qualquer horário de trabalho, ou qualquer lugar ou qualquer forma de
inserção). Mudanças que fazem generalizar a precarização para todos os segmentos de
trabalhadores: subcontratados, efetivos, temporários, por tempo integral, etc.
As principais implicações dessa tripla flexibilidade são aquelas constatadas no
âmbito do adoecimento e dos acidentes de trabalho, que compõem o quadro da saúde no
trabalho, demonstrado pelas pesquisas na indústria nuclear (Lallier, 1997; Huez et al., 1997;
Thébaud-mony, 1994,1997, 2000, Dejour, 2006), e em outros estudos do setor industrial na
França (Gorgeu; Mathieu, 1997).
No que se refere ao conceito de flexibilização, Appay (1997) critica o paradigma da
flexibilidade positiva, que ocupa um lugar central de legitimação das transformações sociais
e econômicas atuais e que considera a flexibilização como "o" caminho - obrigatório - para
sair da crise e conquistar um futuro melhor. Neste contexto, flexibilização é "... definida
como um conjunto de processos característicos da adaptação das estruturas produtivas e
institucionais, das mentalidades e dos comportamentos às novas "regras" econômicas e
políticas da concorrência internacional." (Appay, 1997:168, grifos meus).
A inexorabilidade defendida na flexibilidade positiva constitui o substrato
ideológico das atitudes políticas sustentadas na impotência e "nas boas intenções" que,
segundo Appay, contaminou inclusive a esquerda na França, auxiliando na legitimação
desse processo de submissão a uma ordem econômica dominante e suas conseqüências
desastrosas em termos de desemprego e de precarização generalizada do trabalho e da vida.
Outros autores, dentre eles Renault (2006), ressaltam o embate ideológico presente
no uso dos termos flexibilidade e precariedade, já que são termos que designam um
conjunto de transformações sociais no interior das quais disputam diferentes projetos
políticos. De um lado, as instituições representativas do empresariado francês, como a
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Essa seção final do texto é uma versão modificada de parte do capítulo “ Terceirização: a erosão dos direitos
dos trabalhadores na França e no Brasil”, Thébaud-Mony e Druck, publicado no livro Druck,G. e Fanco, T.
(org.) A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização, SP, Ed. Boitempo, Coleção Mundo
do Trabalho, 2007.
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Le contrat de travail à durée indéterminée (CDI), Le contrat d’apprentissage, Le contrat insertion - revenu
minimum d’activité (CI-RMA), Le contrat d’insertion dans la vie sociale (CIVIS), Le contrat nouvelles
embauches (CNE), Le PACTE (parcours d’accès aux carrières territoriales, hospitalières et de l’Etat), Le
départ négocié et la transaction, Le contrat initiative-emploi (CIE), (Contrats conclus jusqu’au 30 avril
2005), Soutien à l’emploi des jeunes en entreprise » (SEJE) - (Contrat « Jeunes en Entreprises »), Le contrat
d’acces à l’emploi (CAE), Le contrat d’avenir, Le contrat d’accompagnement dans l’emploi, Le contrat
initiative-emploi rénové (CIE) (Contrats conclus depuis le premier mai 2005), Le contrat de
professionnalisation, Le contrat vendanges, Le contrat de travail intermittent, Le contrat de travail à temps
partiel, Le contrat de travail temporaire, Le contrat de travail à durée déterminée (CDD) (Ministère de
l'emploi, de la cohésion sociale et du logement, 2007)
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A lógica que guiou as alterações foi a de garantir maior liberdade às empresas para
admitir e demitir os trabalhadores conforme as suas necessidades de produção. Ou seja, a
ampliação da flexibilização da força de trabalho, que vai ser efetivada, fundamentalmente,
através do recurso à terceirização, demonstrado pelo seu expressivo crescimento e
ampliação nesta década, que se apóia nas modalidades de trabalho e de contrato já
existentes, como o trabalho temporário, consultoria, a domicilio, autônomos, estes com
amparo legal, mas se apóia também nas modalidades ilegais de trabalho, os sem registro em
carteira e clandestino (inclusive o trabalho escravo e infantil), através de intermediação de
mão de obra.
Assim, cabe destacar as seguintes inovações na legislação, no plano de novos
contratos ou ampliação de modalidades já existentes: 1. O novo Contrato de Trabalho por
Tempo Determinado (1998); 2. o novo Contrato de Trabalho em Tempo Parcial (1998); 3. o
novo Contrato de Aprendizagem (2000); 4. a ampliação do uso do Trabalho Temporário
(1974), que generalizou a sua utilização através de portaria (1996); 5. a ampliação do uso
do Trabalho Estágio (1999), já utilizado desde 1977; e 6. A lei que possibilita às empresas a
contratação de cooperativas profissionais ou de prestação de serviços (1994) – constituída
por trabalhadores associados e não assalariados, portanto, sem direitos cobertos pela
legislação – sem caracterização de vínculo empregatício. (Krein, 2003)
Acrescenta-se a essas modalidades de contrato, duas outras alterações que
aprofundam a flexibilização: a quebra de estabilidade do funcionalismo público (que agora
pode ser demitido por « excesso de pessoal ») e a denúncia da Convenção 158 da OIT, que
elimina os mecanismos de inibição de demissão imotivada e reafirma a demissão sem justa
causa.
Quando se examina o uso dessa nova legislação pelo patronato, constata-se que os
novos contratos por prazo determinado e de tempo parcial tiveram pouca aplicação,
enquanto as cooperativas de trabalho, o trabalho estágio, o trabalho temporário e a denúncia
da convenção 158 da OIT foram os mais utilizados. (Krein, 2002)
Na realidade, o grau de flexibilidade que o patronato brasileiro dispõe – legal ou
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ilegalmente – explica, dentre outros elementos – porque não foi necessário o recurso a
esses dois novos tipos de contrato. Pois, mesmo que precários, são formais, isto é, estão sob
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Para efeito de um balanço mais completo das razões da efetividade da nova legislação, ver Krein, 2003.
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Considera-se aqui a informalidade no sentido amplo do termo, agrupando todos os que trabalham mas que
não tem uma relação formalmente assalariada. A inclusão dos “empregadores” se deve ao fato que a PNAD,
enquanto pesquisa domiciliar, não computa os grandes empresários, além do que o crescimento deste
segmento nos últimos anos no país se deveu, em grande parte, à mudança de “personalidade jurídica” (PJ),
recurso utilizado pelas grandes empresas para se desobrigar dos encargos e direitos trabalhistas e que constitui
uma nova modalidade de terceirização.
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(64,4% são assalariados por tempo indeterminado, em 2005 ) e da presença, mesmo que
enfraquecida, das políticas sociais e de proteção social, típicas do Estado de bem-estar,
inexistente no Brasil, mesmo para os assalariados “formais”.
No que se refere às taxas de desemprego, é interessante observar que permanecem
em altos patamares nos dois países. Na França, 9,8% em 2005. (INSEE) e no Brasil, 10,5%
(IBGE). Além disso, a situação de desemprego dos jovens num e noutro país apresenta as
mais altas taxas, embora em patamares muito distintos, enquanto na França (metropolitana)
17% dos jovens entre 15 e 29 anos estão desempregados (INSEE), no Brasil
(metropolitano), são 54% os jovens entre 15 e 24 anos que estavam desempregados em
2005. (PME-IBGE) Essa diferença não é só quantitativa, pois os jovens desempregados
franceses têm ainda garantida a proteção social do Estado, através de políticas públicas de
caráter universal, que garante um sistema público e decente de ensino; o acesso à
assistência social, que garante o atendimento à saúde gratuita. Mas também tem sido o
segmento mais afetado ou focalizado para as políticas flexíveis e de caráter compensatório
implantadas nos anos 1990.
Em síntese, os diferentes graus de precarização num e noutro país, são fruto de
realidades históricas muito distintas. Trata-se de patamares de cidadania e direitos
conquistados que distanciam em muito os dois países. São trajetórias de lutas operárias e de
conquistas democráticas que estabeleceram organizações sindicais e políticas típicas de
uma democracia moderna, assim como levaram a constituição do Estado de bem-estar-
social na França. No Brasil, uma luta democrática frágil, uma organização política e
sindical intermitente, abafada pela intervenção repressiva do Estado que se ergueu como
um Estado “bem-feitor” de caráter antidemocrático e patrimonialista.
Entretanto, fica patente que o caráter mais geral do processo de precarização do
trabalho num e noutro país é o mesmo. Trata-se de uma estratégia patronal, apoiada pelo
Estado e seus governos, que tem sido implementada em todo o mundo, mas cujos
resultados práticos se diferenciam muito mais por conta da história passada de cada país,
refletindo os níveis de democracia e de conquistas dos trabalhadores, do que da história
presente, cujos traços principais os aproximam e os tornam semelhantes, já que a
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No caso do Brasil, pode-se contrapor a esse dado, os 37% de assalariados com registro acrescidos dos
funcionários públicos e militares, 8%, o que somam 45% que corresponderiam a “trabalhadores por tempo
indeterminado”, em 2005.
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REFERÊNCIAS