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BIODEGRADAÇÃO DE SURFACTANTES UTILIZANDO


FUNGOS FILAMENTOSOS

M. F. COSTA1, K. SARTORI2, S. A. A. SANTOS2, A. M. OLIVEIRA1 e E. N. OLIVEIRA


JUNIOR1
1
Universidade Federal de São João del Rei, Programa de Pós-Graduação em Tecnologias para o
Desenvolvimento sustentável
2
Universidade Federal de São João del Rei, Campus Alto Paraopeba
E-mail para contato: mayara@mayara.eng.br e eniobio@ufsj.edu.br

RESUMO – Linear alquilbenzeno sulfonato de sódio (LAS) é um dos surfactantes mais


utilizados como componente ativo de detergentes e outros produtos de limpeza. Devido ao
seu acúmulo em níveis tróficos mais baixos, a comunidade científica tem voltado seus
olhares para esse e outros tensoativos, pois, a bioacumulação desses compostos
orgânicos tem sido reportada a fenômenos de perturbação endócrina. Como forma de
analisar a biodegradação desse surfactante no meio, um efluente sintético foi produzido
utilizando o dodecil benzeno sulfonato de sódio, e posteriormente tratado com três tipos
de fungos filamentosos, Aspergillus aculeatus, Penicillium chrysogenum e Penicillium
crustosum. A fermentação foi realizada em shaker, a 27oC e 180 rpm durante cinco dias.
A biodegradação foi avaliada em um planejamento experimental, onde foram variadas as
concentrações de detergente e de fonte de nitrogênio, a fim de se encontrar a melhor
condição para o processo, sendo as variáveis dependentes a porcentagem de degradação
e a massa fúngica produzida. Para o A. aculeatus, o percentual de remoção do LAS do
meio variou de 41%-85% quando comparados a concentração original de cada condição.
O fungo P. crustosum apresentou um melhor rendimento (quando comparado ao
Aspergillus), sendo que o percentual mínimo de remoção foi de 61% e o máximo de 85%.
O P. chrysogenum se destacou no processo de biodegradação, com percentuais que
variaram de 74%-100%.

1. INTRODUÇÃO

Dentro do sistema hídrico, a descarga de esgotos não tratados é uma das maiores
contribuições para o impacto desses ambientes, sendo uma prática comum em diversas regiões do
planeta e de alto risco, uma vez que pouco é conhecido sobre o destino químico dentro das
condições de descarga direta (WHELAN et al., 2007).

Dentre os micropoluentes, também conhecidos como contaminantes emergentes, estão


incluídos alguns fármacos de diferentes classes como: analgésicos, anti-inflamatórios, drogas
psiquiátricas, estimulantes, hormônios e esteróides, além de componentes presentes em protetores

 
 
 
 

solares, produtos de higiene pessoal como fragrâncias contendo grupos nitro e ftalatos, inseticidas
repelentes, bem como os surfactantes amplamente utilizados no consumo doméstico (LUO et al.,
2014).

Os surfactantes não-iônicos e aniônicos são usados em formulações de detergentes de uso


industrial e doméstico no mundo todo, há mais de quarenta anos (AZEVEDO e SILVA et al.,
2008). Dentre os representantes dos surfactantes aniônicos, o linear alquilbenzeno sulfonato de
sódio (LAS) é considerado biodegradável nos rótulos de muitos produtos de limpeza.

Ainda que o LAS figure como um tensoativo biodegradável, a sua intensa atividade de
superfície favorece a sua sorção em material particulado, como consequência, tem-se a
diminuição da eficiência de biodegradação no meio ambiente (BOLUDA-BOTELLA et al.,
2010). Apesar de sua fácil assimilação em meio aeróbio, sob condições anaeróbias, possui vias
metabólicas restritas e consequentemente pode ser bioacumulado, podendo ser tóxico para o
ambiente aquático (SCOTT et al., 2000).

Esse efeito pôde ser observado em estudos toxicológicos em peixes, os quais podem sentir
a presença de surfactantes em concentrações muito baixas – 0,001 mg/L (BAKIREL et al., 2005).
Um dos efeitos tóxicos notados foi a alteração patológica nas brânquias, diminuição do
crescimento e atividade de natação prejudicada (HOFER et al., 1995).

2. OBJETIVO
O Objetivo desse trabalho foi avaliar a biodegradação dos surfactantes dodecilbenzeno
sulfonato de sódio utilizando Penicillum crustosum, Penicillium chrysogenum e Aspergillus
aculeatus.

3. METODOLOGIA
Inicialmente os fungos foram isolados do efluente de uma indústria têxtil e em seguida
foram identificados, conforme SILVA (2013), sendo então mantidos em óleo mineral. Os micro-
organismos foram reativados em meio de cultura batata dextrose ágar (39 g/L) e os esporos
colhidos e mantidos por meio de uma solução salina 0,85% (m/v).

A reação de biodegradação do surfactante foi acompanhada por um período de cinco dias,


sendo avaliada em planejamento estatístico para se estudar condições diferentes em um número
reduzido de experimentos. Através de um DCCR (Delineamento Composto Central Rotacional)
fracionado 22 com 4 pontos axiais e 3 pontos centrais, foram observadas as influências da
concentração de LAS e da fonte de nitrogênio na porcentagem de remoção do detergente e no
crescimento do fungo em massa. O meio de cultura sintético, meio mínimo líquido (MML), foi
preparado conforme SILVA (2013).

Tabela 1 – Ensaios realizados no planejamento DCCR.

 
 
 
 

Fonte de
LAS1
Experimentos Nor.* Nor.* Nitrogênio2
(g/L)
(g/L)
1 -1 0,006 -1 1,6
2 -1 0,006 +1 4,4
3 +1 0,018 -1 1,6
4 +1 0,018 +1 4,4
5 0,004 0 3,0
6 0,020 0 3,0
7 0 0,012 1,0
8 0 0,012 5,0
9 0 0,012 0 3,0
10 0 0,012 0 3,0
11 0 0,012 0 3,0
12 0 0,012 0 3,0
1
* Dados normalizados; Linear alquilbenzeno sulfonato de sódio (LAS); 2Sal utilizando como
fonte de nitrogênio:(NH4)2SO4.

Os testes fermentativos foram realizados à temperatura de até 27 ºC (aproximadamente),


em shaker sob a rotação de 180 rpm. Após a fermentação, as amostras foram analisadas conforme
método MBAS.

Na análise de surfactantes totais, conhecido como método MBAS, o efluente é analisado através
de um sistema aquoso de duas fases. Para isso, uma curva de calibração foi previamente preparada.
Todo procedimento para a realização das análises foi retirado do “Standard Methods for the
Examination of Water and Wastewater” (SMEWW, 1998), com algumas modificações.

Além do planejamento fatorial, o crescimento fúngico foi avaliado através da secagem da massa
produzida diariamente. Sendo realizada em duas etapas, uma em meio MML sem a presença do
detergente e a outra em presença do detergente a uma concentração de 6 mg/L conforme trabalhos
anteriores (COSTA, 2014; SILVA, 2014). Os filtros utilizados foram previamente secos e pesados; a
quantidade de massa seca produzida foi colhida por filtração à vácuo e em seguida seca em estufa (80
ºC) por aproximadamente 2 horas. Na cinética de crescimento em presença do detergente, parte da
amostra líquida foi direcionada para análise MBAS, a fim de avaliar a biodegradação diária e uma
outra parte seguiu para análise de consumo de açúcares, em acordo com a metodologia proposta por
NOELTING & BERNFELD (1948) com algumas modificações.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1. Curva de crescimento e consumo de glicose

O comportamento do crescimento foi avaliado através da produção de massa seca em


presença de glicose (9 g.L-1) como fonte de carbono para o metabolismo e, em um segundo

 
 
 
 

momento, em presença de glicose (5 g.L-1) e LAS (6,8mg.L-1), estando esse último disponível
como fonte alternativa para crescimento e a permanência das atividades celulares (Figura 6).

(a) (b)

(c)

Figura 1: Crescimento fúngico em meio contendo somente glicose (azul) e glicose + LAS (preto)
para (a) A. aculeatus (b) P. chrysogenum (c) P. crustosum

Conforme pode ser visto na Figura 1, o crescimento fúngico na presença do LAS a uma
concentração de 6,8 mg/L foi menor para os três micro-organismos estudados. Sendo que, o P.
chrysogenum (Figura 1b) apresentou a menor produção de massa tanto na presença, quanto na
ausência do LAS.

A maior produção mássica foi observada para o P. crustosum (Figura 1c) em ambas as
condições. Além disso, a fase de morte celular (ou declínio) apresentada pelo P. crustosum é
menos aparente em relação aos outros, que em presença de LAS, não ocorreu dentro dos cinco
dias do experimento.

No primeiro gráfico são mostradas as cinéticas de crescimento do A. aculeatus, e a partir


disso, pode-se inferir que o fungo teve uma fase lag de aproximadamente 2,5 dias, totalizando em
60 horas. Sendo essa, maior quando comparada às dos demais, que duraram em torno de 24h. Ao
fazer um paralelo entre as duas condições aplicadas ao mesmo fungo, na presença do LAS, o
Aspergillus necessitou de 24h a mais para se adaptar ao meio.

 
 
 
 

Ainda que o crescimento na presença do surfactante tenha sido menor, houve a


biodegradação do mesmo, comprovada através da análise de MBAS. Os resultados diários podem
ser visualizados na Tabela 2.

Tabela 2 – Concentração de LAS diária durante a cinética


Concentração (mg/L)
Dias
A. aculeatus P. chrysogenum P. crustosum
0 6,86 6,86 6,86
1 7,34±2,05 6,41±1,06 5,94±0,49
2 8,10±0,44 2,81±0,30 3,17±0,46
3 4,91±0,23 2,14±0,31 1,68±0,20
4 3,35±0,42 3,65±1,40 1,59±0,19
5 4,34±1,68 2,36±0,20 1,98±0,20

O consumo de açúcar foi comparado à biodegradação do detergente, bem como ao


crescimento fúngico e os resultados são mostrados na Figura 2.
(b)
(a)

(c)

Figura 2: Consumo de glicose relacionado ao crescimento diário e à biodegradação para (a) A.


aculeatus (b) P. chrysogenum (c) P. crustosum

Em concordância à demorada adaptação do Aspergillus ao meio que continha o detergente


(lenta fase lag), o consumo de glicose se fez tardio em relação a rápida assimilação observada
pelos fungos do gênero Penicillium.

 
 
 
 

A mesma similaridade pode ser verificada em relação à biodegradação do surfactante. As


Figuras 2 b e c mostram que o consumo de LAS começou já no primeiro dia tanto para o P.
chrysogenum quanto para o P. crustosum, respectivamente, em contrapartida, o uso do LAS pelo
A. aculeatus ocorreu posteriormente ao segundo dia. Além disso, toda glicose adicionada ao meio
foi praticamente consumida pelos micro-organismos.

4.2. Planejamento fatorial e fermentação

A capacidade de remoção do LAS do meio fermentativo foi avaliado através do método


MBAS, onde a concentração presente foi analisada antes e depois do processo. A Tabela 3
apresenta a porcentagem de remoção do surfactante do meio para os fungos estudados.

Tabela 3 – Valores aproximados para a remoção do surfactante conforme os ensaios do


planejamento fatorial
Remoção (%)
Experimento
A. aculeatus P. chrysogenum P. crustosum
1 76,1 78,8 85,0
2 68,4 80,3 76,0
3 61,4 86,8 82,6
4 84,7 80,1 70,1
5 42,8 74,6 64,5
6 68,3 85,6 77,2
7 54,1 76,2 84,7
8 62,0 81,0 61,1
9 41,1 99,5 80,7
10 43,3 99,0 81,0
11 45,5 97,0 66,0

Conforme a Tabela 3, os percentuais de remoção do detergente variaram de 41,1–84,7%


para A. aculeatus, 74,6–99,5% para o P. chrysogenum e 61,1–85,0% para o P. crustosum. Sendo
que, o segundo se destacou na biodegradação do linear alquilbenzeno sulfonato de sódio
principalmente nos pontos centrais do planejamento (experimentos 9, 10 e 11), alcançando quase
100% de remoção do meio. Os demais fungos, embora em condições diferentes, possuíram seus
valores máximos em torno de 85,0%, ensaio 1 para P. crustosum o e ensaio 4 para o A. aculeatus.

Os fungos utilizados nesse trabalho se mostraram eficientes na biodegradação do linear


alquilbenzeno sulfonato de sódio, conforme os resultados obtidos através do planejamento
fatorial. Esses planejamentos experimentais reduzem o número de experimentos e mostram
influências de determinados parâmetros frente às variáveis de interesse escolhidas para estudo.

 
 
 
 

As três cepas foram submetidas ao mesmo planejamento experimental, assim pode-se


inferir que, os micro-organismos apresentam diferentes condições favoráveis à biodegradação do
LAS. Desta maneira, resultados desfavoráveis a uma dada variável resposta não são capazes de
afirmar a incapacidade do micro-organismo em crescer ou em biodegradar um determinado
poluente, conforme visto em alguns resultados. Em outras palavras, os resultados obtidos
estavam condizentes com as condições aos quais os fungos foram submetidos. Sendo digno de
ressalva que em outras situações respostas diferentes poderiam ser adquiridas.

5. CONCLUSÕES

A utilização de fungos em tratamentos de efluentes que contenham surfactantes pode ser


considerado uma possibilidade viável, uma vez que os micro-organismos conseguem alcançar
altas porcentagens de remoção dessas substâncias sintéticas do meio; e de baixo custo, frente à
outras tecnologias como os processos oxidativos avançados.

Assim, partindo-se de um mesmo planejamento aplicado aos fungos A. aculeatus, P.


crustosum e P. chrysogenum, dentro das situações contempladas, o que mais se mostrou apto
para o tratamento do efluente sintético contaminado com o surfactante alquilbenzeno sulfonato de
sódio foi o P. chrysogenum, alcançando até 99,5% de remoção de LAS do meio.

Por fim, o presente trabalho traz uma possibilidade ou um processo biotecnológico de


grande interesse ambiental, visto que, os fungos estão aptos à biodegradação de diversos tipos de
contaminantes. E, para que eles metabolizem altas concentrações desses presentes no meio, bem
como, possam ser alcançadas taxas mais elevadas de remoção, os estudos devem ser contínuos,
uma vez que, a lista de poluentes presentes em ambiente é extensa.

6. REFERÊNCIAS

Standard Methods for the examination of water and wastewater. American Public Health
Association, American Water Works Association, Water Environmental Federation, 20th ed.
Washington. 1998.

AZEVEDO e SILVA, C. E., SOUZA,S. A. C., MIRANDA M. R. Solução


Biode(sa)gradável,Ciência Hoje, vol. 43; p. 19-23, 2008.

BAKIREL, T.; KELEŞ, O.; KARATAŞ, S.; ÖZCAN, M.; TÜRKMEN, G.; CANDAN, A. Effect
of linear alkylbenzenesulphonate (LAS) on non-specific defence mechanisms in rainbow trout
(Oncorhynchusmykiss). Aquatic Toxicology, vol. 71, p. 175-181. 2005.

BOLUDA-BOTELLA, N.; LEÓN, V. M.; CASES, V.; GOMIS, V.; PRATS, D. Fate of linear
alkylbenzenesulfonate in agricultural soil columns during inflow of surfactant pulses.Journal of
Hydrology, vol. 395, p. 141-152. 2010.

 
 
 
 

COSTA, M. F. Biodegradação do surfactante linear alquilbenzeno sulfonato de sódio


utilizando fungos filamentosos. 40 p. Monografia (Trabalho de Conclusão de
Curso).Universidade Federal de São João del Rei, 2014.

HOFER, R.; JENEY, Z.; BUCHER, F. Chronic effects of linear alkylbenzenesulfonate (LAS)
and ammonia on rainbow trout (Oncorhynchusmykiss) fry at water criteria limits. Water
Research, vol. 29, p. 2725-2729. 1995.

LUO, Y.; GUO, W.; NGO, H. H.; NGHIEM, L. D.; HAI, F. I.; ZHANG, J.; LIANG, S.; WANG,
X. C. A review on the occurrence of micropollutants in the aquatic environment and their fate
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619-641. 2014.

SCOTT, M. J.; JONES, M. N. The biodegradation of surfactantes in the environmet.Biochimica


et Biophysica Acta (BBA) – Biomembranes, vol. 1508, p. 235-251. 2000.

SILVA, A. C. A. A. Otimização do processo de biodegradação do surfactante linear


alquilbenzeno sulfonato de sódio utilizando fungos filamentosos. 38 p. Monografia (Trabalho
de Conclusão de Curso).Universidade Federal de São João del Rei, 2014.

SILVA, K. C. Estudo do potencial de degradação do corante reativo preto intenso N por


fungos filamentosos isolados de efluente industrial têxtil. 100 p. Dissertação
(Mestrado).Universidade Federal de São João del Rei, 2013.

WHELAN, M. J.; VAN EGMOND, R.; GUYMER, I.; LACOURSIÈRE, J. O.; VOUGHT, L. M.
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